O documento trata de um recurso de apelação criminal sobre um caso de crime de poluição ambiental. Foi absolvido na sentença de primeiro grau por falta de provas, mas o Ministério Público recorreu alegando que as provas dos autos, como relatório da polícia ambiental, são suficientes para comprovar a materialidade do crime sem necessidade de laudo técnico. O relator entende que a apelação deve ser parcialmente provida, uma vez que a jurisprudência considera que relatórios policiais ambientais podem comprovar o crime,
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Apelação criminal sobre crime de poluição ambiental julgada procedente
1. Apelação Criminal n. 2014.009479-4, de Criciúma
Relator: Des. Getúlio Corrêa
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE POLUIÇÃO (LEI N.
9.605/98, ART. 54, § 2º, V) - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA (ART.
386, II, do CPP) - RECURSO DA ACUSAÇÃO.
PLEITEADA A CONDENAÇÃO DOS APELADOS ANTE A
SUFICIENTE COMPROVAÇÃO DA AUTORIA E
MATERIALIDADE - SUSTENTADA A PRESCINDIBILIDADE DE
PERÍCIA TÉCNICA ACERCA DO DANO AMBIENTAL -
PROCEDÊNCIA.
RELATÓRIO DE VISTORIA PRODUZIDO PELA POLÍCIA
MILITAR AMBIENTAL, CORROBORADO PELOS
DEPOIMENTOS POLICIAIS, EM AMBAS AS FASES, QUE
COMPROVAM A AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. "A
materialidade do delito ambiental ficou assentada por meio de
amplo material probatório, incluindo laudo produzido por policiais
ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente,
que gozam de fé pública, não existindo, portanto, qualquer
irregularidade" (STJ, HC n. 252027, Min. Marco Aurélio Bellizze, j.
16.10.2012).
CRIME DE MERA CONDUTA QUE SE CONSUMA PELA
MERA POSSIBILIDADE DE CAUSAR DANO AO MEIO
AMBIENTE - PRESCINDIBILIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA.
"Tratando-se de delito de mera conduta, o simples fato de não
terem sido adotados os procedimentos de cautela tendentes a
evitar o possível dano configura, em princípio, o crime" (STJ, HC
n. 58604, Min. Gilson Dipp, j. 19.09.2006).
CONDUTA NEGLIGENTE DOS
SÓCIOS-ADMINISTRADORES NA ADMINISTRAÇÃO
AMBIENTAL DE SUA EMPRESA, VIOLANDO O DEVER DE
CUIDADO OBJETIVO - DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA
A MODALIDADE CULPOSA PREVISTA NO § 1º DO ART. 54 DA
LEI N. 9.605/98 - INVIABILIDADE DE CONDENAÇÃO DA
PESSOA JURÍDICA PELO CRIME CULPOSO - AUTORIA,
MATERIALIDADE E CULPABILIDADE QUE JUSTIFICAM A
CONDENAÇÃO DOS SÓCIOS - PRECEDENTES DESTA
CORTE.
DOSIMETRIA DA PENA - CONDENAÇÃO EM PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE E MULTA NO MÍNIMO LEGAL -
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR
RESTRITIVA DE DIREITO QUE SE MOSTRA SUFICIENTE -
2. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA - SENTENÇA REFORMADA -
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.
2014.009479-4, da Comarca de Criciúma (2ª Vara Criminal), em que é apelante o
Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado Angelgres Revestimentos
Cerâmicos Ltda e outros:
A Segunda Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, dar parcial
provimento ao recurso. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado em 27 de maio de 2014, os
Excelentíssimos Senhores Desembargadores Sérgio Rizelo e Volnei Celso Tomazini.
Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo
Senhor Procurador de Justiça Norival Acácio Engel.
Florianópolis, 12 de junho de 2014.
Getúlio Corrêa
PRESIDENTE E RELATOR
Gabinete Des. Getúlio Corrêa
3. RELATÓRIO
O Ministério Público ofereceu denúncia contra Angelgres Revestimentos
Cerâmicos Ltda., Ângela Fátima Pascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali pela
prática, em tese, do crime de poluição (Lei n. 9.605/98, art. 54, § 2º, V), em razão dos
fatos assim narrados na denúncia:
"No dia 2 de dezembro de 2007, uma guarnição do 10º Pelotão da Guarnição
Especial de Polícia Militar Ambiental, atendendo ao ofício nº 717/2007 da 9ª
Promotoria de Justiça da Comarca de Criciúma, efetuou vistoria na empresa
denunciada Angelgres Revestimentos Cerâmicos Ltda., e constatou que esta,
administrada pelos denunciados Ângela Fátima Pascoali Boeira e Marconi Leonardo
Pascoali, desenvolvia a atividade de fabricação de material cerâmico em
inconformidade com as condicionantes do licenciamento e, ainda, com Licença
Ambiental de Operação vencida.
Na oportunidade verificou-se a disposição de resíduos gerados da raspa do
esmalte, de biscoito esmaltado, em contato direto com o solo e a céu aberto, bem
como resíduos da manutenção e da limpeza, tais como estopas contaminadas com
óleo, dispostos em conjunto com resíduos recicláveis em local impróprio, dispostos
no solo, em bags e tonéis, causando, portanto, poluição pelo lançamento de seus
resíduos industriais sólidos, em desacordo com as exigências estabelecidas em lei
ou regulamento." (fls. II-II).
Após a instrução do feito, as partes apresentaram alegações finais (fls.
235-245 e fls. 248-263).
Em seguida, sobreveio sentença (fls. 269-277), donde se extrai da parte
dispositiva:
"DIANTE DO EXPOSTO: JULGO IMPROCEDENTE a denúncia de fls. I/II para
o fim de ABSOLVER os acusados ANGELGRES REVESTIMENTOS CERÂMICOS
LTDA, ÂNGELA FATIMA PASCOALI BOEIRA e MARCONI LEONARDO PASCOALI,
nela qualificados, da imputação da prática do crime tipificado no art. 54, 2, inciso V,
da Lei n. 9.605/98, o que faço com fundamento no art. 386, II, do Código de
Processo Penal." (fl. 276).
Irresignado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina apelou
(fls. 279-290), sustentando, em síntese, a necessária condenação dos apelados,
alegando que o conjunto probatório dos autos comprova suficientemente a autoria e a
materialidade do delito imputado, e que, diante desse quadro, a perícia técnica não se
mostra imprescindível, além do que o crime é de perigo, consumando-se pela simples
possibilidade de causar dano.
Houve contrarrazões (fls. 298-318), pela manutenção da sentença.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por parecer do Procurador de
Justiça Pedro Sérgio Steil (fls. 324-326), manifestou-se pelo desprovimento do apelo.
Gabinete Des. Getúlio Corrêa
4. VOTO
1. A juíza Débora Driwin Rieger Zanini absolveu os apelados em
sentença fundamentada na inexistência de provas da existência do fato (CPP, art.
386, inc. II), ou seja, da materialidade, em síntese porque: a) reputou indispensável a
presença de laudo técnico-pericial, por se tratar de infração que deixa vestígios; b) a
ausência de prova acerca do grau de poluição ou de potencialidade lesiva; c) o
relatório elaborado pela polícia ambiental militar (fls. 03/08) é nulo por não atender as
normas processuais, mormente o art. 159, § 1º, do CPP (sentença às fls. 269-277).
Como dito pelo Procurador de Justiça, "não se desconhece a
divergência jurisprudencial sobre o tema" (fl. 325), porém há que se destacar que já
há precedente da Seção Criminal desta Corte que referenda o entendimento atual
desta Câmara Criminal, o qual não reputa indispensável a prova técnico-pericial, se
existem nos autos provas, como o relatório da polícia militar ambiental (o qual goza de
fé pública, até prova em contrário), que atestem a existência do fato delituoso.
Nesse sentido:
"PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES (CPP, ART. 609, PARÁGRAFO
ÚNICO). CRIME CONTRA A FLORA. DENÚNCIA QUE IMPUTA A PRÁTICA DE
QUEIMADA EM FLORESTA NATIVA DA MATA ATLÂNTICA (LEI 9.605/1998, ART.
41 C/C ARTS. 15, II, I, E 53, II, C). PRETENDIDA A PREVALÊNCIA DO VOTO
VENCIDO QUE RECONHECEU A NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL PARA
VERIFICAR A ELEMENTAR NORMATIVA DO TIPO FLORESTA OU MATA.
DESCABIMENTO. POSSIBILIDADE DE AFERIR A ELEMENTAR SEM PERÍCIA
TÉCNICA. ADVENTO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL NÃO MODIFICOU AS
ELEMENTARES DO ART. 41 DA LEI 9.605/1998. MATERIALIDADE
COMPROVADA POR BOLETIM DE OCORRÊNCIA AMBIENTAL, AUTO DE
INFRAÇÃO AMBIENTAL, NOTIFICAÇÃO, AUTO DE CONSTATAÇÃO,
LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO E RELATÓRIO DA POLÍCIA MILITAR
AMBIENTAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. DOCUMENTOS
PÚBLICOS QUE GOZAM DE FÉ PÚBLICA ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO.
INCIDÊNCIA DO ART. 156 DO CPP. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS
INFRINGENTES. - A ausência de prova pericial não impede o reconhecimento
da prática da infração penal consistente na destruição de campos nativos,
vegetação rasteira, árvores nativas de grande porte, capões nativos em estágio de
regeneração e espécies ameaçadas de extinção em área integrante ao Bioma Mata
Atlântica, inclusive, contendo área de preservação permanente com diversas
nascentes, veredas/banhados e pequenos cursos de água, quando o conjunto
probatório confirma a ação sobre o objeto material do tipo. - A interpretação jurídica
em matéria ambiental não pode conduzir a resultado mais gravoso e lesivo ao direito
de terceira dimensão, a saber, o meio ambiente. - Os autos de constatação e
relatórios elaborados pela polícia militar ambiental gozam de fé pública até
prova em contrário. Incide o art. 156 do Código de Processo Penal. - Parecer da
PGJ pelo conhecimento e provimento do recurso. - Recurso conhecido e desprovido"
(EI n. 2013.010605-8, Des. Carlos Alberto Civinski, j. 27.08.2013, Seção Criminal)
Desta Câmara:
Gabinete Des. Getúlio Corrêa
5. "APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FLORA. ART. 38-A DA LEI DOS
CRIMES AMBIENTAIS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECLAMO DA ACUSAÇÃO.
PERÍCIA TÉCNICA. DISPENSABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA
DEVIDAMENTE COMPROVADAS. MODALIDADE CULPOSA RECONHECIDA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A ausência de prova pericial nos crimes
ambientais não conduz, inexoravelmente, à absolvição do agente por falta de prova
da materialidade delitiva, que pode ser comprovada por outros meios legais" (ACrim
n. 2013.038910-2, Des. Sérgio Rizelo, j. 24.03.2014).
"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES AMBIENTAIS. CAUSAR POLUIÇÃO E
FAZER FUNCIONAR ESTABELECIMENTO POTENCIALMENTE POLUIDOR SEM
LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMPETENTES. ART.
54, § 2º, INC. V, C/C ART. 60, AMBOS DA LEI 9.605/1998. SENTENÇA QUE
DECLAROU A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO COM
RELAÇÃO AO CRIME DO ART. 60 DA REFERIDA LEI E ABSOLVEU O ACUSADO
DO DELITO DO ART. 54, § 2º, INC. V, FACE A AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL.
RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA CONDENAÇÃO DO RÉU
PELO CRIME DE CAUSAR POLUIÇÃO QUE POSSA RESULTAR EM DANO À
SAÚDE HUMANA. ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE DO CRIME
SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA ATRAVÉS DE DOCUMENTOS JUNTADOS
AOS AUTOS, DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS, TERMO CIRCUNSTANCIADO,
LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO E DO PRÓPRIO ACUSADO QUE DECLAROU
QUE SE UTILIZOU DE UMA MANGUEIRA PARA RETIRAR DEJETOS DE UMA
ESTERQUEIRA E JOGÁ-LOS NO GRAMADO PRÓXIMO. PRECEDENTE
JURISPRUDENCIAL. CONDUTA ESTA QUE FEZ COM QUE OS DEJETOS
ESCORRESSEM PARA CURSO HÍDRICO, CONFORME CONSTATADO ATRAVÉS
DE FOTOGRAFIAS. SITUAÇÃO QUE FACILMENTE PODERÁ RESULTAR EM
DANOS À SAÚDE HUMANA, OU A MORTANDADE OU DESTRUIÇÃO
SIGNIFICATIVA DA FLORA. ELEMENTAR CARACTERIZADORA DO DELITO
PRESENTE. AUTORIA, DO MESMO MODO, VERIFICADA. CONDENAÇÃO QUE
SE IMPÕE. SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU REFORMADA. RECURSO
PROVIDO" (ACrim n. 2012.018399-2, Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt
Schaefer, j. 23.04.2013)."
Ainda, acerca do tema da prescindibilidade da prova técnico pericial,
mormente diante da presença do relatório da Policial Militar Ambiental, prova apta a
comprovar a materialidade do delito, vale trazer à baila trecho voto do
Desembargador Rodrigo Collaço, no qual são citados precedentes das Cortes
Superiores, ao qual se adere:
"[...]entendo por bem adotar a orientação das Cortes de convergência quanto à
viabilidade de se admitir o laudo firmado por autoridade policial ambiental como
elemento probante da existência do delito.
Com efeito, na Suprema Corte, ao apreciar o HC n. 86.249/SP acerca da
possibilidade de trancamento de uma ação penal ambiental em curso, o relator,
Ministro Carlos Britto, expressamente reconheceu a prova de materialidade naquele
caso fundada em 'auto de infração ambiental da lavra do IBAMA" (suficiente à
verificação do ilícito em época de defeso), no que foi acompanhado pela Primeira
Turma à unanimidade. Também a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça já se
Gabinete Des. Getúlio Corrêa
6. pronunciou no sentido de admitir laudo firmado por autoridade policial, mas desde
que contenha elementos suficientes acerca da materialidade (v.g., HC n.
252.027/SC, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.10.2012).
Observe-se que, no Estado de Santa Catarina, a Lei estadual 14.675/09
(Código Estadual do Meio Ambiente), em seu art. 10, III, alça a Polícia Militar
Ambiental - PMA como órgão executor do Sistema Estadual do Meio Ambiente -
SEMA, de modo a integrar, pois, o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA
de que trata a Lei federal 6.938 /81. Aludido diploma estadual ainda atribui
expressamente à PMA o poder de polícia ambiental (art. 15).
Assim, se por um lado as Cortes Superiores têm reconhecido a materialidade
de crimes ambientais com base em laudos oriundos de órgãos executores do
SISNAMA e, por outro, a própria Lei 9.605 /98 dispõe que "são autoridades
competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo
administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional
de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem
como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha', irrefutável
admitir os laudos emitidos por agentes vinculados à Polícia Militar Ambiental como
efetiva prova da materialidade de infrações ambientais" (voto vencido in ACrim n.
2013.010895-9, j. 20.03.2014).
Extrai-se do citado julgado do Superior Tribunal de Justiça: "A
materialidade do delito ambiental ficou assentada por meio de amplo material
probatório, incluindo laudo produzido por policiais ambientais integrantes do Sistema
Nacional do Meio Ambiente, que gozam de fé pública, não existindo, portanto,
qualquer irregularidade" (HC n. 252027, Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.10.2012).
Logo, a conclusão do respeitável togado singular acerca da necessidade
de prova pericial não se mostra a mais adequada.
2. O crime imputado aos denunciados (art. 54, § 2º, V, da Lei n.
9.605/98), pela conduta acima descrita, possui a seguinte redação:
"Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou
possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de
animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
[...]
§ 2º Se o crime:
[...]
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou
detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos."
Acerca do dispositivo em comento, extrai-se da jurisprudência desta
Corte: "[...] a objetividade jurídica imediata é a tutela do meio ambiente, sob qualquer
forma. O elemento subjetivo desdobra-se no dolo, id est, a vontade livre e consciente
de poluir o ar, a água e o solo, representada pela intenção de expor a perigo a
incolumidade humana, animal ou vegetal. O sujeito ativo, por sua vez, pode ser
Gabinete Des. Getúlio Corrêa
7. qualquer pessoa, natural ou jurídica" (ACrim n. 2012.092235-6, Des. Leopoldo
Augusto Brüggemann, j. 04.06.2013).
A materialidade e autoria do delito restaram comprovadas através do
relatório de vistoria/inspeção n. 141/2007 da Polícia Militar Ambiental às fls. 03-08,
termos de depoimento às fls. 110-112, e pelos depoimentos judiciais dos policiais
militares ambientais (mídia de fl. 233). Há que se ratificar a exposição acerca da
materialidade tecida pelo Ministério Público: "a empresa denunciada, que possuía
licença ambiental de operação vencida e continha dispositivos de controle ambiental
ineficientes, e, ainda, depositava 'resíduos gerados da raspa do esmalte, de biscoito
esmaltado, em contato direto com o solo e a céu aberto', e também 'resíduos de
manutenção e da limbeza, tais como estopas contaminadas com óleo, dispostos em
conjunto com resíduos recicláveis em local impróprio, dispostos no solo, em bags e
tonéis', isto é, sem o necessário sistema de tratamento e destinação adequada,
deve-se ter em vista que as provas documental, testemunhal e fotográfica são
suficientes para comprovar o dano ambiental noticiado na peça vestibular" (alegações
finais à fl. 237).
Consta no caderno processual o contrato social da empresa poluidora, o
qual aponta como responsáveis legais os sócios-administradores Ângela Fátima
Pascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali (fls. 31-32), reforçando a autoria pelos
apelados, pela teoria da dupla imputação:
"A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a
culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu
administrador ao agir em seu nome e proveito. [...]. A pessoa jurídica só pode ser
responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em
nome e em benefício do ente moral" (REsp n. 564960, Min. Gilson Dipp, j.
13.06.2005 ).
"Nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não se admite a
responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com
elemento subjetivo próprio" (RMS n. 27593, Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j.
04.09.2012).
Ainda, incide ao presente caso a prescrição legal do art. 2º da Lei de
Crimes Ambientais: "Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes
previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua
culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão
técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que,
sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando
podia agir para evitá-la".
O crime em tela se consumou pela mera possibilidade de causar dano
ao meio ambiente, pois, "tratando-se de delito de mera conduta, o simples fato de não
terem sido adotados os procedimentos de cautela tendentes a evitar o possível dano
configura, em princípio, o crime [...]" (HC n. 58604, Min. Gilson Dipp, j. 19.09.2006).
3. Por outro lado, quanto à culpabilidade, não logrou o órgão ministerial
Gabinete Des. Getúlio Corrêa
8. trazer aos autos substrato probatório suficiente para comprovar o dolo específico dos
apelados, a vontade livre e consciente de poluir, a intenção de expor a perigo a
incolumidade humana, animal ou vegetal. Razão assiste nesse ponto à defesa
(contrarrazões às fls. 316-318).
Em verdade as condutas imputadas aos apelados decorrem da
negligência na administração ambiental de sua empresa, de violação ao dever de
cuidado objetivo, e é "bem verdade que a conduta é grave e traz consequências
demasiadamente danosas ao meio ambiente, todavia, na seara penal, faz-se
necessário aferir a efetiva intenção do agente, esta que, in casu, revelou-se culposa"
(ACrim n. 2012.092235-6, Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, j. 04.06.2013).
Necessária, pois, a desclassificação da conduta para a modalidade culposa prevista
no § 1º do art. 54 da Lei n. 9.605/98, ante a ausência de provas acerca do elemento
subjetivo, da intenção de causar dano.
Desclassificado o crime para sua forma culposa, inviável a condenação
da pessoa jurídica:
"É inadimissível imputar-se a pessoa jurídica o delito previsto no § 1º do
art. 54 da Lei n. 9.605/98, pois, nos termos do art. 3º desse Diploma Legal, a
empresa somente pode ser responsabilizada criminalmente quando presente o
dolo específico, ou seja, na hipótese em que houver 'decisão' do representante 'no
interesse da entidade', circunstância que afasta a possibilidade da prática do
mencionado crime culposo, já que na culpa não há vontade por parte do autor de
obter o resultado lesivo ao direito, que sobrevém em consequência de imprudência,
negligência e/ou imperícia, sendo certo também que a falta de previsão expressa da
sanção correspondente, ainda que mediante remessa ao art. 21 da Lei, impossibilita
afirmar-se que os delitos do art. 54 - para os quais foram previstas penas privativas
de liberdade, isoladas ou cumulativamente à multa - possam ser cometidos por
pessoas jurídica. (TJSP, MS 349.440/8, 3ª C., rel. Des. Fábio Gouvêa, j. em
1-2-2000, RTACrim 48/382)" (MARCÃO, Renato. Crimes ambientais. Anotações e
Interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 9.605, de 12-2-1998. Saraiva,
São Paulo, 2011, p. 394-395 - destacou-se).
Desta feita, devidamente comprovada a prática da conduta ilícita, a sua
autoria e a culpa dos agentes, a sentença combatida deve ser reformada para
condenar Ângela Fátima Pascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali pela prática da
infração prevista no § 1º, do art. 54, da Lei n. 9.605/98.
4. Prossegue-se à aplicação das penas.
Em análise às circunstâncias judiciais, tenho que a culpabilidade dos
réus, tida como grau de reprovabilidade da conduta, é normal ao tipo. Quanto aos
antecedentes criminais, ambos são primários (certidões às fls. 162-165). Não constam
dados sobre as suas condutas sociais e personalidades. O motivo foi o exercício de
atividade comercial, normal ao tipo. As circunstâncias são normais à espécie. Não
foram suficientemente provadas as consequências do delito, exceto aquelas que lhe
são inerentes. A vítima, entendida como a sociedade, não contribuiu para o ilícito.
Assim, considerando a inexistência de circunstâncias desfavoráveis, a
Gabinete Des. Getúlio Corrêa
9. pena-base deve ser fixada no mínimo legal, 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez)
dias-multa para os acusados.
Na segunda fase, inexistem agravantes ou atenuantes. Mantida, pois, a
pena base.
Na etapa derradeira, ausentes causas de aumento ou diminuição de
pena, pelo que as sanções definitivas devem ser fixadas em 6 (seis) meses de
detenção e 10 (dez) dias-multa para os réus Ângela Fátima Pascoali Boeira e Marconi
Leonardo Pascoali.
Tendo em vista a condição financeira dos réus, enquanto
administradores de pessoa jurídica, presente no caderno processual seu contrato
social, do qual se lê que o seu capital social é de R$ 650.000,00 (seiscentos e
cinquenta mil reais) (fl. 30), o valor do dia-multa deve ser arbitrado em 1 (um) salário
mínimo vigente à época dos fatos.
O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deverá
ser o aberto, uma vez que se tratam de réus primários e o quantum não ultrapassa
quatro anos (art. 33, § 2º, "c", do CP).
Todavia, as reprimendas corporais devem ser substituídas por restritivas
de direito, pois atendidos os requisitos do art. 44 do CP - a pena é inferior a quatro
anos, o delito foi cometido sem violência ou grave ameaça e não há circunstâncias
judiciais desfavoráveis - sendo medida suficiente. Sendo as penas privativas de
liberdade inferiores a um ano, a substituição se dará por uma pena restritiva de
direitos (art. 44, § 2º, do CP).
Assim, deverão cada um dos reús realizar o pagamento de prestação
pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, valor fixado tendo em consideração
a condição financeira dos apelados, já vista alhures. O valor deverá ser revertido para
entidade que promova a preservação do meio ambiente, a critério do juízo da
execução.
Deixa-se de fixar valor mínimo para reparação dos danos, pois não
demonstrados nos autos.
Concede-se o direito de recorrer em liberdade aos réus, uma vez que
assim responderam a todo o processo, não havendo notícia de ocorrência de
qualquer das hipóteses previstas no art. 312 do CPP.
5. À vista do exposto, voto pelo parcial provimento do recurso,
reformando-se a sentença combatida para condenar os apelados Ângela Fátima
Pascoali Boeira e Marconi Leonardo Pascoali a 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez)
dias-multa pela prática da infração prevista no § 1º, do art. 54, da Lei n. 9.605/98,
substituída por pena restritiva de direito consistente na prestação pecuniária individual
no valor de 10 (dez) salários mínimos.
Gabinete Des. Getúlio Corrêa