Desafios das políticas socioassistenciais para a população em situação de rua em São Paulo
1. UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO - UNINOVE
ALINE CRISTINA GOMES DE MELLO
A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NA CIDADE DE SÃO PAULO – UM
DESAFIO PARA AS POLÍTICAS SOCIOASSISTENCIAIS
SÃO PAULO
2012
2. A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NA CIDADE DE SÃO PAULO – UM
DESAFIO PARA AS POLÍTICAS SOCIOASSISTENCIAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Ciências Sociais – Licenciatura Plena da
Universidade Nove de Julho - UNINOVE, como
requisito para a obtenção de diploma de Licenciatura
em Ciências Sociais.
Orientadora : Prof.a. Mestre Sandra Santos
SÃO PAULO
2012
3. POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NA CIDADE DE SÃO PAULO – UM
DESAFIO PARA AS POLÍTICAS SOCIOASSISTENCIAIS
ALINE CRISTINA GOMES DE MELLO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Ciências Sociais – Licenciatura Plena da
Universidade Nove de Julho - UNINOVE, como
requisito para a obtenção de diploma de Licenciatura
em Ciências Sociais.
_________________________________________________
Presidente: Prof. Mestre Sandra Santos
_________________________________________________
Membro: Prof.
_________________________________________________
Membro: Prof.
São Paulo, 18 de agosto de 2012
4. Dedico este trabalho aos povos da rua,
sem a atenção e recepção deles jamais
seria possível uma avaliação, e reflexão.
5. “O Brasil não é um país pobre, mas um país de
muitos pobres.”
Maria Magdalena Alves
6. RESUMO
A monografia apresentada tem como proposta compreender o fenômeno da
população que utiliza espaços públicos como moradia e seus mecanismos de
sobrevivência diária nas ruas bem como alimentação, vestimenta, renda, acesso à
saúde. E diante das circunstâncias do século XXI, como é vista pelas Políticas
Públicas e como é ajudada através dos mecanismos socioassistencias de reinserção
social, profissional e familiar. Além de sua efetivamente no tratamento do trabalho
publico em atenção urbana na cidade de São Paulo.
Palavras-chave: População de rua, Assistência Social, Trabalho, Fenômeno Social.
ABSTRACT
The monograph is presented as a proposal to understand the phenomenon of
population using public spaces such as housing and its mechanisms of daily survival
on the streets as well as food, clothing, income, access to health care. And under the
circumstances of the century, as seen by the public policy and how is helped through
the mechanisms socioassistencias social reintegration, work and family. In addition
to its work effectively in the treatment of urban public note in São Paulo.
Keywords: Population street, Social Welfare, Labour, Social Phenomenon.
7. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAS- Coordenadoria de Assistência Social
CAPE- Centro de Atendimento Permanente à Emergência
CETREM- Central de Triagem e Encaminhamento do Migrante
CRAS- Centro de Referência de Assistência Social
CREAS- Centro de Referencia Especializado à Assistência Social
FESP- Fundação Escola de Sociologia e Política
FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Estatísticas
LOAS- Lei Orgânica de Assistência Social
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
SMADS- Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social
PSR- Presença Social nas Ruas
8. ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
TABELA 1: Esquema das situações de permanência nas ruas.................................20
TABELA 2: Evolução da população em situação de rua............................................23
TABELA 3: Pessoas em situação de rua em maiores pontos de concentração por
distrito.........................................................................................................................24
TABELA 4: Causas que levam a situação de rua......................................................26
TABELA 5: Equipamentos de acolhimento às pessoas em situação de rua.............38
QUADRO 1: Perdas e aquisições durante a situação de rua.....................................28
MAPA 1: Área de abrangência das coordenadorias de assistência
social..........................................................................................................................56
GRÁFICO 1: População de rua por faixa-etária.........................................................25
GRÁFICO 2: Identificação da cor dos usuários por centro de acolhida.....................46
GRÁFICO 3: Escolaridade por centro de acolhida.....................................................47
GRÁFICO 4: Tempo em situação de rua...................................................................48
GRÁFICO 5: Locais de pernoite.................................................................................49
GRÁFICO 6: Quanto à profissão................................................................................50
GRÁFICO 7: Atua na profissão..................................................................................51
GRÁFICO 8: Freqüência da renda.............................................................................52
GRÁFICO 9: Maiores despesas.................................................................................53
GRÁFICO 10: Porte de documentos..........................................................................54
9. SUMÁRIO
INTRODUÇÂO...........................................................................................................04
1. QUEM É O INDIVÍDUO EM SITUAÇÃO DE RUA? .............................................11
1.1. DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E POPULAÇÃO DE RUA.........................11
1.2 TENTATIVAS DE CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE RUA...................17
2. A QUESTÃO DA SITUAÇÃO DE RUA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO..........23
2.1. TRABALHOS FILANTRÓPICOS DE ATENÇÃO URBANA................................30
3. CONVERSAÇÕES E CONFIDENCIAS: MÚLTIPLOS PERSONAGENS, A
MESMA REALIDADE................................................................................................39
3.1. EXPECTATIVAS E DESILUSÕES DOS MORADORES EM SITUAÇÃO DE RUA
....................................................................................................................................40
3.2. PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS ENTREVISTADOS.....................................45
4. A VIDA NAS RUAS DE SÃO PAULO: ANÁLISES E PERSPECTIVAS...............55
5. CONSIDERAÇÕES................................................................................................62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................66
ANEXOS....................................................................................................................69
10. 4
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema a abordagem de uma pesquisa voltada
para a população em situação de rua e os desafios socioassistênciais na proposta
de reinserção social destes indivíduos no município de São Paulo.
Vistos como vagabundos, viciados, maltrapilhos e mal cheirosos os
moradores em situação de rua, além de por algum motivo terem se entregado a
beira da marginalidade são vistos com olhos enojados, medonhos e incomodados,
ou simplesmente não são vistos. Estão esquecidos ou descartados, pois já não
possuem serventia para a sociedade. Solidão, fome, frio, falta de um lar/família, os
moradores em situação de rua estão lá esquecidos de sua condição nos direitos
humanos. Encontram-se como pobres, sem qualificação, são considerados os sem
posição na sociedade. Segundo VIEIRA:
Quando se fala de população de rua ninguém tem dúvida de que este
segmento social expressa uma situação-limite de pobreza, por mais
diferente que seja a conceituação que se desenvolva. (VIEIRA,1994, p. 17)
A política de assistência social está aí para auxiliar, encaminhar, “encorajar” e
reinserir os indivíduos na sociedade, oferecendo o mínimo do subsidio para que
possam viver com dignidade na sociedade. Entretanto, nota-se que com o passar
dos anos, por mais que se desenvolva a política de assistência social ou se
capacitem profissionais no segmento filantrópico, o número de pessoas em situação-
limite só tem aumentado nos últimos anos. Por que tanto investimento e gastos
públicos não têm trazido tal efetividade mínima que se espera nos planejamentos
orçamentários da secretaria de assistência do município?
11. 5
A pobreza extrema ou situação-limite como VIEIRA menciona seria apenas a
“filha” rebelde da evolução tecnocapitalista? A lei da causa e efeito, ou seja, os
desqualificados para o mercado em constante evolução têm que ser descartados e
esquecidos por meio desta ordem?
Este projeto, motivado por questionamentos quase sempre recheados com
repúdios e incômodos da sociedade. Propõe a investigação e entendimento de um
contexto muito distinto do que garante a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 que versa:
Art. 6ª São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.
(Dos direitos Sociais, p. 6)
A assistência social institucionalizou-se no ano de 1988, quando foi publicada
a atual Constituição da República Federativa do Brasil. No entanto foi somente em
1993 que o cumprimento legal da determinação constitucional regulamentou-se no
município de São Paulo por meio da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), na
qual caridade deixa de ser “dever moral” dos indivíduos passando a ser obrigação
do Estado e direito daqueles que se encontra em alta vulnerabilidade ou situação de
risco .
Os investimentos financeiros públicos no município de São Paulo para esta
competência tem aumentado consideravelmente, principalmente nos últimos dois
anos, sendo os repasses de 2010 mensalmente, a importância de R$ 37.113.930,19
para 1.028 convênios com capacidade de 184.056. Em 2011 a importância foi de R$
39.096.203,46 para 369 organizações e 1.067 convênios com capacidade de
182.917 atendimentos ao mês. Portanto, este estudo procura identificar os motivos
12. 6
pelos quais a política de assistência social não tem cumprido com efetividade o que
se faz presente na proposta da LOAS.
Desta forma, a partir do aumento no índice de riscos sociais dos indivíduos
em situação de rua entre 2009 e 2011 na subprefeitura da Mooca, região sudeste do
município de São Paulo, este Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivos
investigar, analisar e interpretar as ferramentas utilizadas pela secretaria municipal
de assistência social bem como seus mecanismos e efetividade dos procedimentos
adotados para a sua reinserção da população em foco à sociedade.
Por que motivo à assistência social não tem atingido a meta de reinserção
dos indivíduos dentro da sociedade? A definição da pergunta chave norteou a busca
por dados que permitissem questionar e aprofundar o debate sobre a questão.
O município de São Paulo é considerado em âmbito mundial uma das
maiores potências econômicas. É no município de São Paulo que se instalam os
grandes empresários de sucesso de todos os Estados e muitos países. Trata-se da
cidade que nunca para de crescer, mas se por outro lado o luxo e a riqueza estão
presentes, tanto quanto a miséria, como descreve SPOSATI:
Se a cidade de São Paulo pudesse ter olhos e mirar-se num grande
espelho, veria a imagem partida e chocante da sua desigualdade. Porém
seus dois olhos também não seriam iguais. Qual na canção popular, talvez
enquanto um deles fitasse, o outro ficasse a boiar. Pois tudo aqui parece ser
desigual. A maior cidade da América Latina do Sul, com perto de 10 milhões
de habitantes é famosa pela presença das formas mais avançadas de
desenvolvimento tecnológico e pelo volume de capital financeiro que
movimenta. Abriga bairros ajardinados, mansões suntuosas, edifícios
arrojados, centros de ensino excelentes e hospitais de primeira linha. Por
suas avenidas circula, ou fica parada nos congestionamentos, numerosa
frota de automóveis de luxo e importados. Entretanto, São Paulo convive
com a mais grave modalidade de privação e sofrimento humano.
(SPOSATI,1996 p.7)
13. 7
SPOSATI propõe uma reflexão daquilo que o município tem se construído e
caracterizado. Os trabalhadores vivem e sobrevivem às individualidades despontam
no cotidiano, escondendo a diversidade social. Ou seja, não se percebe que a
riqueza existente carece da pobreza extrema de outros. Esta questão se torna
complexa no momento em que se analisa o quesito “sobreviver” diante de uma
sociedade que exige cada vez mais esforços para a superação diária de poder levar
o mínimo básico para seus lares. Em suma, cada indivíduo na sociedade só
consegue olhar para si mesmo e questionar o que lhe falta neste momento, e como
irá fazer para alcançar tais coisas. Não existe um questionamento do por que isso
acontece e como poderia superar tais situações. Desta maneira ficam esquecidos os
valores e direitos humanos.
Sendo assim é necessário mover o olhar para as divergências sociais, e
captar o que de fato tem sido realizado, associando ao que poderia ser avaliado,
levantando questões sobre os valores da participação ativa do cidadão, no
questionamento sobre o que falta e o que é viável implementar para uma melhor
qualidade vida. É relevante analisar tais assuntos se realmente existe um interesse
de modificar este cenário.
A assistência social tem como objetivo assegurar e garantir os direitos sociais
humanos, sendo o mínimo básico1 para que o indivíduo possa viver com dignidade.
1
Nesta competência se encaixa o artigo segundo, da LOAS que versa o seguinte:A
assistência tem por objetivos:
I- A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II- O amparo às crianças e adolescentes carentes;
III- A promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e promoção de sua
integração à vida comunitária;
V- A garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria
14. 8
Porém, se trata de uma população já marginalizada e incorporada dos desvios
saudáveis do modo de vida comum, ou seja, indivíduos que tiveram perda dos
vínculos afetivos familiares, que já não tem costume de viver com regras, que não
tem hora para comer, dormir, trabalhar, e até dependências químicas das mais
leves às mais pesadas.
Diante destas questões compreende-se que a Secretaria Municipal de
Assistência e Desenvolvimento Social, necessita ampliar seus projetos e até propor
parcerias com outras secretárias. Não lhe cabe mais, apenas oferecer pernoites a
estes indivíduos, se faz necessário a parceria e presença de outros profissionais
para tratar da dependência química, como descreve CHIAVERINI:
Enquanto não tratar o alcoolismo nada adianta. Não adianta por em albergue,
nem dar curso profissionalizante, e pra quem está na rua, a droga é a cachaça.
Ele usa crack e cola, também, mas muito pouco pela quantidade de álcool. Não
adianta pegar o morador de rua e falar: “Ooooooh! Usuário de ckack”....Não. É
mentira...E você toma um quarto de uma garrafa de cachaça, cê fica louco, louco,
louco. Então você não usa mais drogas. (2007,p. 98)
A dificuldade do estar em situação de rua não é alcançar a alimentação,
roupas, objetos de higiene pessoal, ou até mesmo uma moradia fixa. O problema
está inteiramente ligado no tratamento da dependência química. Portanto, desta
maneira, tem-se como hipótese central desta pesquisa que as parcerias realizadas
entre as secretarias não alcançam o problema chave ao não alterar as condições do
indivíduo em situação de rua.
Para a realização da pesquisa utilizou-se os métodos de pesquisa
quantitativos e qualitativos. Foram feitas entrevistas individuais realizadas nos
albergues Centro de Acolhida Nova Vida II situado na subprefeitura da Sé e Arsenal
manutenção ou de te-lá provida por sua família. (Secretaria Estadual de Assistência e
Desenvolvimento Social: 2002)
15. 9
da Esperança situado na subprefeitura da Mooca. Obteve-se também informações a
partir de fontes fornecidas pela Coordenadoria de Assistência Social (CAS) da
região, dentre os serviços filantrópicos conveniados a esta rede. Os dados
apresentados foram estudados por meio de amostras probabilísticas: Censos da
população em Situação de Rua dos anos de 1994, 2009 e 2011, e entrevistas
realizadas em campo, através de perguntas fechadas2, e também sobre a ação de
escuta; GEO-REFERENCIAMENTO: Programa tecnológico indicado para
mapeamento, este programa norteou a pesquisa ao centralizar a Subprefeitura da
Mooca.
A pesquisa qualitativa foi realizada através das atividades de campo por meio
do apoio da Organização Instituto Social Santa Lúcia, sendo uma das ONGs
primárias especializadas em tratar a população em situação de rua o PSR,
(Presença Social nas Ruas) conveniados à prefeitura. O objetivo desta experiência
se deu em conhecer o modo como é realizado o trabalho de abordagem e quais
procedimentos e critérios que se utilizam para os devidos encaminhamentos a
outros serviços e convênios.
Logo, para a proposta deste estudo, se deu a abordagem voluntária,
utilizando como ferramenta um diário de campo onde se registrou anotações diárias
das vivências.
Também os dados e análises de pesquisas realizadas por autores
interdisciplinares, como CHIAVERINI (2007), jornalista que se dispôs3 à situação de
rua para compreensão do universo da população em situação de rua; ORTIZ (2000),
2
Disponível no anexo 3.
3
CHIAVERINI narra as próprias experiências vividas em campo, ora na posição de prestador de
serviço à população de rua, ora na posição de usuário do serviço de Assistência.
16. 10
ex - moradora de rua que descreve a dinâmica do menor abandonado estar em
situação de rua e a dependência química, bem como VIEIRA (1992), que realiza a
primeira pesquisa no município de São Paulo com a finalidade de conhecer esta
população no ano de 1992. Utilizamos também SILVA (2009), REIS (2009) e
TOMAZI (2010) como autores que fundamentam esta pesquisa.
Nas páginas seguintes serão apresentadas a conceituação do fenômeno da
população em situação de rua no capítulo 1; a questão do morador em situação de
rua no município de São Paulo no capítulo 2; os serviços que prestam atendimento
inicial à população de rua no capítulo 4. Por fim, o resultado da pesquisa realizada
nos Centros de Acolhida no capitulo 5.
17. 11
1. QUEM É O INDIVÍDUO EM SITUAÇÃO DE RUA?
Corremos tanto buscando determinados valores abstratos, materiais,
profissionais, sociais e nem percebemos os valores de uma vida. Tão pouco quando
uma vida faz ou deixa de fazer sentido diante de uma sociedade individualista. Não
conseguimos enxergar os aspectos a não ser os nossos próprios valores pessoais.
Passamos a vida toda procurando valores irrisórios e não se percebem aqueles que
perderam a ilusão ou foram decepados porque não apresentavam determinados
valores diante disso tudo construído por nós mesmos. É questionável quando a vida
perde o sentido e absolutamente nada mais tem valor. Afinal é questionável o
porquê as pessoas se entregam ou deixam-se descartar?
Por que as pessoas se deixam levar para a extrema solidão? Como que se dá
a entrega do indivíduo para a marginalização? Por que um homem trabalhador se
deixar levar para a situação limite de rua?
Baseando na contraposição social da desigualdade, o Trabalho de Conclusão
de Curso aqui apresentado se propõe a compreender o porquê ocorre o fenômeno
da população em situação de rua, como ocorre e as ferramentas utilizadas pela
Prefeitura do Município de São Paulo para tratar tais fenômenos.
1.1. DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E POPULAÇÃO DE RUA
Historicamente, conforme TOMAZI (2010) propõe a questão da desigualdade
social no Brasil, iniciou-se com a chegada dos portugueses que se instalaram e os
18. 12
“indígenas que habitavam o continente foram vistos pelos europeus como seres
diferentes, não dotados de alma” (p.85). Sendo assim, houve a introdução do
trabalho escravo indígena e posteriormente africano. Os negros africanos foram
retirados de sua terra de origem para enfrentarem condições de trabalhos precários.
Além do mais, os anos de escravidão foram duríssimos, conforme biografia de
Mahommah 4 “(...) me puseram para trabalhar pesado, trabalho a que ninguém é
submetido, a não ser cavalo e escravo”. (Apud: NUSSENZWEIG, 1988 p. 274)
Por volta do final do século XIX, com o fim do trabalho escravo ocorreu a
imigração de muitos europeus para o Brasil para trabalhar nas lavouras cafeeiras.
Em busca de melhores condições de trabalho e de vida, encontraram, no entanto,
conforme TOMAZI, “condições de trabalho semisservis nas fazendas de café” (2010,
p.85). As famílias que trabalhavam nas lavouras não recebiam pagamento em
dinheiro, mas recebiam moradia, comida dentre outros pagamentos em caráter de
troca.
Para SILVA (2009, p. 93) “a libertação da servidão e da coerção corporativa
foi um dos movimentos históricos que transformou os produtores rurais e
camponeses em assalariados”. Os camponeses expulsos de suas terras tornaram-
se disponíveis para as indústrias. Aparecem dois fatores destacados por SILVA
(2009) como problemas chave: da mutação do trabalho, uma que as indústrias não
tinham capacidade para suprir a grande massa de trabalhadores migrantes, outra
que esta massa de trabalhadores também possuía dificuldades em adaptar-se a
nova dinâmica de trabalho, além do “baixo nível de escolaridade, salários precários,
4
Mahommah G. Baquaqua foi ex- escravo, a bibliografia trata de sua vida na África, sua
escravidão e o transporte para o Brasil, além de suas experiências vividas como escravo durante os
anos no Brasil escravagista,em 1854, traduzido do inglês para o português por Sonia Nussenzweig.
19. 13
reduzida da qualidade dos postos de trabalhos, informalidade, grande rotatividade
da mão de obra e inexistência de política de empregos”, (SILVA 2009,p.197). O
resultado foi a transformação de muitos indivíduos em mendigos, ladrões,
vagabundos, conforme SILVA(2009, p. 95), que frisa tais fenômenos como “força
das circunstâncias”. Em outras palavras, uma maneira forçada para a própria
sobrevivência, já que muitos estavam sendo descartados da sociedade.
Segundo REIS (2008, p. 37), “no final do escravagismo o Brasil ficou com as
ruas cheias de libertos sem ocupação”. Nesta época estes grupos eram alvos de
controle, rotulação e exclusão até porque esta população que vivia para servir sem
receber nada em troca, além de um canto para dormir e um prato de comida, da
noite para o dia perdeu seus ofícios, sem ter onde recorrer, pois a maior parte dos
escravos não sabiam ler tampouco escrever. Além disto, cabe ressaltar que embora
os anos de escravidão tenham terminado, ainda não existia lei para garantir o direito
igual entre os homens uma vez que o preconceito racial ainda era muito evidente na
sociedade brasileira do século XIX. Restava ao negro analfabeto apenas uma
solução, a de ir para as ruas buscar meios de sobrevivência em trabalhos informais.
Porém, esta situação era considerada sinônimo de vadiagem, que remetia até
matéria no código criminal, pois o trabalho era considerado um fator de progresso
daqueles que exerciam o bom costume, desta maneira os que permaneciam ociosos
praticando mendicância5 desrespeitavam a moral e os bons costumes.
Conforme REIS (2008), devido o aumento gradativo da pobreza e,
conseqüentemente, o repúdio da sociedade dos “bons costumes” sentirem-se
5
Mendicância era a única solução que restava para está população, já que o escravagismo
tinha acabado e estes não tinham outra maneira de sobrevivência, uma vez que estavam
desqualificados para o mercado de trabalho.
20. 14
ameaçadas por estes “maus elementos” nas ruas. Houve a necessidade de o Estado
passar a intervir por meio das delegacias de vadiagem e mendicância detendo e
reprimindo com o apoio da lei, a população que era considerada perigosa: “Em
1890, o indivíduo que habitava as ruas era considerado perigoso, mendigo, vadio,
denotado, assim, a concepção de uma sociedade preconceituosa, excludente, rígida
e hierárquica”. (REIS, 2009. p.37)
Porém, as igrejas católicas e luteranas que se sensibilizaram com este
aspecto social e levantaram questões ao poder público para que fossem analisados
e revistos tais mecanismos que excluíam, com o propósito de criar soluções.
Conforme a sociedade brasileira foi se industrializando na década de 50,
houve um aumento significativo da migração da população rural brasileira para São
Paulo num processo combinado de expulsão-atração. Assim, “esta população foi
expulsa do campo e ao mesmo tempo atraída pela possibilidade de acesso ao posto
de trabalho na indústria em expansão nos grandes centros urbanos” (SILVA, 2010,
p. 201). Chegavam sem ter residência fixa nem ter referência alguma de parente ou
conhecido. Estava em busca de melhores condições de trabalho e residiam em
bairros periféricos. Ainda de acordo com o autor “neste contexto, formou-se uma
gigantesca massa populacional sobrante” (SILVA, 2009 p.20) que até mesmo as
indústrias não conseguiam empregar. Além da baixa remuneração passaram a fixar-
se cada vez mais nas regiões centrais da cidade de São Paulo, onde se
desenvolveram diversas formas de sobrevivência como em cortiços, pensões e até
barracos.
O ajuste provocou mudanças no mundo do trabalho, cujos efeitos mais evidentes
são o agravamento do desemprego, da precarização das relações e condições de
trabalho e a queda da renda media real dos trabalhadores. Esses efeitos
21. 15
produziram uma expressiva superpopulação relativa que faz aumentar as
desigualdades sociais e elevar os níveis de pobreza da classe trabalhadora.
(SILVA, 2009 p.21)
Conforme descreve VIEIRA (2009, p. 21) “(...) o fenômeno população em
situação de rua é uma síntese de múltiplas determinações” e a revolução industrial
de certa maneira é o alfa das conseqüências das desigualdades sociais, uma vez
que já existiam muitos migrantes mais aptos ocupando os postos de trabalhos em
grandes fabricas já com baixa remuneração. Havia também aqueles menos aptos,
que passavam a exercer as funções menos formais descrito por TOMAZI (2010,
p.85) como “empregados domésticos, trabalhadores da construção civil,
entregadores e vendedores ambulantes, etc.”, ou seja, na descrição de VIEIRA
(2009, p. 95), a produção e reprodução vinculam-se à formação de uma
superpopulação relativa, a partir da relação entre o capital e o trabalho:“ os que
foram expulsos de suas terras não foram absorvidos pela indústria nascente com a
mesma rapidez com que se tornaram disponíveis, seja pela incapacidade da
indústria seja pela dificuldade de adaptação repentina.”
Momento crucial foi marcado com a Revolução Industrial quando poucos
homens se apropriaram do trabalho alheio e organizaram um modo de produção de
tal maneira a construir maquinarias mais eficientes e mais eficazes para poder
produzir cada vez mais. A principal intenção do mercado capitalista foi sempre de ter
mais vantagens e se sobressair sobre a concorrência. Neste processo a substituição
do trabalho humano pelo trabalho mecanizado, fez com que sejam os trabalhadores
desapropriados de suas funções na sociedade. Além disto, conforme SILVA:
O padrão de acumulação que configurou no Brasil no período entre 1930 e 1980
baseou-se num intenso processo de industrialização e urbanização que se
desenvolveu conjugado com a regulamentação da relação entre o trabalho e o
22. 16
capital, por meio de uma legislação trabalhista que, embora atenda parcialmente
aos interesses e necessidades dos trabalhadores, atende, sobretudo às
necessidades de acumulação do capital. (2009, p. 197).
Tais meios de produção impelem o sujeito a buscar outros rumos de
subsistência dentro da sociedade. Ora por meio de melhor qualificação profissional,
ora por meios de trabalhos informais, já que também o custo vida se elevou cada dia
mais. Porém, existem aqueles que não apresentavam recursos, tampouco
oportunidade de melhor recolocação6. O mercado profissional formal competitivo
leva o indivíduo ao mercado informal ou subempregos tão mal remunerados que se
torna árduo manter-se. Bem como descreve Marx, fica complicado o sujeito poder
manter um lugar para residir, para comer e vestir:
O capital não tem (…) a menor consideração com a saúde e com a vida do
trabalhador, a não ser quando a sociedade o compele a respeitá-las. A queixa
sobre a degradação física e mental, morte prematura, suplicio do trabalho levado
até a completa exaustão responde: por que nos atordoamos com estes
sofrimentos, se aumentam nossos lucros? (MARX apud SILVA, 2009 p. 17)
O capitalismo tem sido o marco da história no quesito sobrevivência. Além do
mais é fundamental mencionar que o sujeito que tem melhor colocação no mercado
de trabalho, automaticamente tem melhor qualidade de vida e pode oferecer para
sua família melhor educação, saúde. Já os que possuem menor qualificação,
geralmente residem longe de seu local de trabalho e as condições sociais destes
sujeitos e seus dependentes ficam bastante comprometidas e vulneráveis. Este fator
é um dos principais motivos que desmotiva o trabalhador a manter-se no mercado
formal de trabalho, levam os sujeitos a estar na rua (exercendo alguma atividade
informal, recolhendo materiais recicláveis, vendendo doces ou bugigangas,
6
O mercado torna-se cada vez mais competitivo.
23. 17
praticando mendicância ou “acharque7”) ou em situação de rua provisoriamente, até
mesmo definitivamente.
Para SILVA (2009, p.105) caracterizar numa única resposta o fenômeno
população em situação de rua é muito complexo, uma vez que esta população é
heterogênea, “(...) as respostas para esta questão não são simples, pois não há uma
caracterização ou definição do fenômeno, nem da população em situação de rua.”
Entretanto, a situação de pobreza e exclusão por se tornar cada vez mais evidente
chegando ao limite extremo denominado como situação de rua, é necessário definir
quem são os indivíduos em situação de rua.
1.2 TENTATIVAS DE CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE RUA
Para a Fundação Instituto de Pesquisa Estatísticas - FIPE
É considerado morador de rua, todo indivíduo que utiliza as vias públicas, como
espaço de moradia e sobrevivência, são marquises, viadutos, becos, calçadas,
praças, jardins, prédios abandonados, canteiros e carcaças de carros, além de
construções civis. (2009, p.2)
Às vezes pernoitam em albergues e se alimentam através das famosas
“bocas de rango”, que com horário e dias marcados as entidades religiosas e
filantrópicas ou restaurantes sociais, oferecem alimentação gratuita. Trata-se das
organizações conveniadas à prefeitura e iniciativas privadas.
Conforme VIERA (1992, p. 47) “trata-se de um segmento social que, sem
trabalho e sem casa, utiliza a rua como espaço de sobrevivência e moradia”, o
7
De acordo com CHIAVERINI “a palavra acharque não consta no dicionário, mas tem forte e amplo
significado na vida do povo das ruas e na de quem lida com ele. Além de designar o ato de pedir
esmolas, acharcar e a conversa aplicada para tirar vantagem, a enganação por meio da lábia, o 171
dos malandros” (2007, p. 177)
24. 18
morador de rua é aquele indivíduo que vem de uma família com vínculos fragilizados
ou rompidos. É também o indivíduo que não consegue recolocação no mercado de
trabalho, chamado por Karl Marx de “Exército de reserva”, ou seja, o trabalhador que
possuí dificuldade em manter-se no mercado de trabalho, sabendo que o mesmo
carece comer, vestir, dormir, e muitas vezes a sua remuneração não consegue
suprir estas necessidades básicas. Para Marx “(...) Não basta querer trabalhar. Para
a venda da força de trabalho é necessário possuir certas condições e entre elas um
fundo de consumo, ou seja, uma garantia de sobrevivência.” (Apud. Vieira,1992,
p.19)
Para SILVA (2009) as respostas para o fenômeno que leva determinados
indivíduos a estar em situação de rua “são múltiplas, pois tratam de fatores
estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho ou renda, fatores
biográficos que são ligados ao histórico de vida como perda dos familiares, consumo
excessivo de álcool ou outras drogas” (2009, p. 105). Além da pressão sofrida por
parte da família, que é a mesma pressão que vem também do mercado profissional,
da sociedade o individuo acaba “rompendo com os vínculos com a família e o
trabalho, atravessando o limiar tênue que no imaginário social estabelece os
parâmetros de uma ordem legítima de vida” (VIEIRA, 1992 p. 19)
É importante ressaltar que o morador em situação de rua, aqui estudado é o
cidadão que foi “descartado” socialmente, não trata daqueles que vão para a rua por
dependência química, mas aquele que entra na vida marginalizada e encontra a
dependência química como válvula de escape para suas mazelas. Também é
importante mencionar que se trata de uma população heterogênea, portanto,
25. 19
afanoso definir tais indivíduos com apenas uma característica, ora cada um deles,
por bagagem extremamente particular atingiram o nível extremo da pobreza.
Na rua se misturam os moradores em situação de rua, os trabalhadores
informais conhecidos como trecheiros que viajam de uma cidade para outra a
trabalho seja em construção civil ou trabalhos agrícolas. Dentre estas categorias
cabe incluir os conceitos criados pela Coordenadoria de Assistência Social do
Governo do Estado de São Paulo no ano de 1978 e utilizados por REIS (2008) para
caracterizar a população de rua:
4. Indigente- Indivíduo não-migrante que se apresenta numa condição de
analfabetismo, baixa escolaridade, sem profissão, ou ocupação definida,
sujeito a flutuação do mercado de trabalho ou as próprias condições de
saúde para encontrar meios de subsistência, sendo que o seu período de
ausência de trabalho se constituiria não em situações esporádicas, mas em
tônica constante no que se refere à vida produtiva. Sua capacidade de
consumo de bens vitais é zero ou tendente à zero o que transforma em
verdadeiro mendigo, vivendo de esmola e caridade pública e relegando às
piores condições de higiene, coberto de trapos, exposto ao rigores do clima
o que contribui para debilitar ainda mais sua saúde e dificultar a obtenção
de trabalho) carregadas de estigmas e reforçando a exclusão do direito a
cidadania. (REIS, 2008, p. 41)
Cabe também ressaltar os que são de rua que utilizam espaço público como
moradia provisória ou definitivamente; os que ficam na rua exercendo alguma
atividade, e uma vez por semana ou quinzenal voltam para suas residências que
geralmente são distantes geograficamente, dos grandes centros industriais e
comerciais; e os que estão na rua fazendo bico e possuem apenas companheiros
de rua e de trabalho, conforme descrição de permanência. A tabela a seguir ajuda a
visualizar melhor estas categorias:
26. 20
TABELA 1: ESQUEMA DAS SITUAÇÕES DE PERMANÊNCIA NA RUA
Ficar na rua Estar na rua Ser de rua
Pensões, albergues,
Rua, albergues, pensões rua, mocós (eventualmente
Moradia alojamentos
(alternadamente) albergues, pensões)
(eventualmente rua)
Construção civil,
Bicos na construção civil, Bicos, especialmente de catador
empresas de
Trabalho ajudante geral, encartador de de papel, guardador de carros,
conservação e
jornal, catador de papel encartador de jornal
vigilância
Grupo de Companheiros de Companheiros de rua e de
Grupos de rua
referência trabalho, parentes trabalho
Fonte: VIEIRA, 1992, p.95
O fator de estar na rua e fazer parte do exército de reserva ou em situação de
rua não fazem com que está população não tenha ou mantenha algum ofício,
conforme pesquisa “pelo MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, em 2007, constatou que 71% das pessoas em situação de rua trabalham.
Destes entrevistados, apenas 16% vivem da mendicância (pedidos e achaques),
59% afirmam ter profissão,” (Apud. ALVES 2012, p. 2), sendo assim se torna
compreensivo a acomodação do indivíduo a partir do momento que se passa a
entender os pólos de ofertar e aceitar. Ouve-se muito o senso comum “jeitinho
brasileiro” que também por si é compreensivo quando se fala em Política
Assistencial Paternalista que segundo (REIS, 2008 p. 41) “apareceram como forma
de administrar a pobreza subordinada, de um lado, ao processo de reprodução do
capital e, por outro, contraditoriamente, as pressões da sociedade civil.”
Acomodação e o famoso “jeitinho brasileiro” quando se pensa na situação de
rua, faz tanto sentido quanto se imagina. Acomodados, ficam os trabalhadores
27. 21
quando estão excluídos do mercado de trabalho, pois a assistência prestada tem se
apresentado de maneira paternalista, ou seja, roupas limpas, alimentos e pernoites8,
além das doações independentes por parte dos munícipes que se sensibilizam com
a situação de rua, principalmente quando no ponto de concentração existe presença
de famílias com crianças9 e o “jeitinho brasileiro”, acontece durante o dia quando o
indivíduo está nas ruas. O sujeito vai praticar mendicância, vender algum produto ou
acharcar para “ganhar seu dia” (geralmente são para uso de alguma substância na
qual tem dependência, seja cigarros, álcool ou outros tipos de drogas ilícitas),
conforme VIEIRA (1992,p.97) “viver na rua não significa necessariamente viver sem
dinheiro, mas em grande parte significa adquirir o essencial à sobrevivência sem
passar pelo mercado”. No final da tarde, os serviços de Atenção Urbana passam
oferecendo encaminhamentos para os que querem pernoitar10 nos albergues e
Hotéis Sociais. Assim é sucessivamente a rotina geral desta população pelo menos
a expectativa das vidas que vivem nas ruas.
É importante deixar claro que este não é o perfil de todos que estão em
situação de rua, mas parcialmente, os que já estão acomodados ou cansados das
tentativas fracassadas e não conseguem mais enfrentar estas realidades de outra
maneira, a não ser afastar-se mais do mundo das obrigações e dos papéis sociais
conforme o desabafo descrito por VIEIRA (1992, p.102) “o problema é a cachaça,
9
Análises fundamentadas pelo autor, durante a realização do trabalho de campo.
10
As pernoites oferecidas são serviços sem vinculo com individuo em situação de rua, uma vez que o
mesmo por meio de encaminhamentos, vai até o serviço de acolhida para tomar banho, jantar e
dormir apenas aquela noite que recebeu o encaminhamento. Neste caso não existe um proposta da
criação de vinculo, exceto com aqueles que possuem vaga fixa em albergues, ou aqueles que
interagem por alguns minutos com o Agente de Proteção Social, na rua durante o preenchimento do
encaminhamento. Dentro do albergues os usuários passam de seres individuais para números.( nota
do autor).
28. 22
que eu culpo a mim mesmo de não ter encontrado nada. O que estragou a minha
vida foi a cachaça”. Até porque o uso de substâncias é bastante freqüente entre esta
população, o que dificulta ainda mais a solução do problema. Uma vez existindo a
dependência química o sujeito muitas vezes não está necessitando apenas de um
trabalho. Requer também um tratamento psicossocial:
Muitos moradores de rua chegaram a um nível de liberdade e
marginalização que inviabiliza qualquer possibilidade de ressocialização.
Vários, simplesmente estão acomodados, cansaram de tentar e já não
querem outra coisa. (CHIAVERINI, 2007, p. 113)
Neste estado de liberdade que CHIAVERINI apresenta, encontramos uma
justificativa bastante relevante em ORTIZ com o propósito de compreender a
conseqüência do estar em situação de rua:
Eu sou a favor dos meninos que usam drogas. Não que eu dê apoio, mas a
criança precisa de coberta e não tem, precisa de comida e tem que batalhar
o tempo todo pra não passar fome. É mais fácil cheirar cola num saquinho
do que ver gente jogando comida fora e sofrer injustiças. (2000, p. 202)
Desta forma a problemática da população em situação de rua torna-se ainda
mais complexa exigindo do poder público e da sociedade, políticas claras e eficazes
no enfrentamento diário destes indivíduos, conforme ALVES (2012, p. 3) “depois de
um tempo vivendo na precariedade da situação de rua, estas pessoas estão frágeis e
teriam muita dificuldade em cumprir jornadas diárias de oito horas.” Em outras
palavras, não basta abrigá-las, alimentá-las, vesti-las é necessário tratá-las
humanamente, incluí-las, de maneira a criar vínculos amistosos de que é possível
construir ou reconstruir novos laços sociais.
29. 23
2. A QUESTÃO DA SITUAÇÃO DE RUA NO MUNÍCIPIO DE SÃO PAULO
A população em situação de rua no município de São Paulo, segundo a última
pesquisa realizada pela Fundação Escola de Sociologia de São Paulo - FESP, no
ano de 2011, identificou 14.478 indivíduos em situação de rua sendo que 6.765
(47%) em situação de desabrigamento e 7.713 (53%) acolhidos. Já para a Fundação
Instituto de Pesquisa Econômica - FIPE que realizou o censo no ano de 2009
identificou 13.666 pessoas em situação de rua, sendo 6.587 (48,2%) em situação de
desabrigamento e 7.079 (51,8%) acolhidos.
TABELA 2: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ENTRE 2000 E 2011
2000 2009 2011
População Número % Número % 2000/2009 Número % 2009/2011
Moradores de rua 5013 57,58 6587 48,2 31,4 6765 46,73 2,70%
Acolhidos 3693 42,42 7079 51,8 91,69 7713 53,27 9,00%
Total 8706 100 13666 100 56,97 14478 100 11,70%
Fonte: FIPE/SMADS 2000 e 2009, FESPSP, 2011
É importante salientar que a maior concentração da população de rua se faz de
acordo com a ligação aos centros industriais e comerciais porque é mais fácil
articular a sobrevivência diária por meio de doações de munícipes, de algum bico
como carga e descarga de caminhões e auxílio em algum comércio ou até mesmo a
distribuição de doações por parte das entidades filantrópicas, bem como o trabalho
de acolhimento para pernoites.
Os distritos República, Sé, Santa Cecília, Brás, Santana, Consolação, Bom
Retiro, Vila Leopoldina, Bela Vista, Mooca foram os que apresentaram maior
quantidade desta população, totalizando 4.279 pessoas em situação de rua, sendo
30. 24
64,9% de toda a população identificada. Se comparado as contagens anteriores
desde o ano de 199211 que apresentou cerca de 3.392, e no ano de 200012 a
contagem resultou 8.706 pessoas em situação de rua, fica claro o aumento
significativo desta população ano após ano, conforme apresenta a tabela:
TABELA 3: PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA EM MAIORES PONTOS DE CONCENTRAÇÃO
POR DISTRITO
Fonte: (FESPSP, 2011, p. 11)
Cabe incluir o fato quanto à migração descrita anterior, que poderia ser
considerada problema para as políticas públicas se não fosse diagnosticado que a
maior parte da população que se encontra em situação de rua atualmente, no
município de São Paulo, são paulistanos. Segundo a pesquisa realizada pela
Fundação Escola de Sociologia- FESP, eles são 52,6%, do total junto a outros
11
Neste ano de 1992, durante a gestão da assistente social Luiza Erundina, foi realizada a
primeira contagem da população em situação de rua, resultando o livro “População de rua- quem é
como vive, como é vista”.
12
Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).
31. 25
47,4% são de diferentes estados, se comparado com a pesquisa realizada no ano
de 1992, que identificaram 51,4% de outros estados, e 49,6% de paulistanos.
Quanto ao gênero, 82% são homens e 13% são mulheres, sendo 5% não
identificados. Dos 13% das mulheres identificadas, 6% alegam estar gestante.
No que desrespeita a faixa etária desta população, foram identificados 7.002
adultos, 1.455 idosos, 221 adolescentes e 212 crianças, conforme gráfico:
GRÁFICO 1: POPULAÇÃO DE RUA POR FAIXA ETÁRIA
Fonte: FESP, 2011
Quanto à cor, as maiores predominâncias dos indivíduos identificados foram
brancos (25%), seguido de negros (21%), pardos (17%), orientais (0,2%), indígenas
(0,3%), e 36% sem identificação, segundo a FESP.
32. 26
13
Quanto aos pontos de concentração foram identificados em 43 pontos a
presença de família e 989 pontos sem a presença de famílias.
Quanto à caracterização desta população foram realizadas entrevistas em
Centros de Acolhida pela Fundação Escola de Sociologia e identificados
recentemente o maior motivo que levaram estes indivíduos a estarem em situação
de rua são 42% por desentendimento familiar, 16,1% demissão do trabalho, 6,6%
problemas com a justiça, dentre outros, conforme tabela:
TABELA 4: CAUSAS QUE LEVAM À SITUAÇÃO DE RUA
Fonte: FESP, 2011
Segundo a Fundação Escola de Sociologia, nos últimos seis meses 34,9%
dos entrevistados pernoitaram em Centros de Acolhida, 9,3% na residência de
algum familiar, 8,1% em repúblicas, e 38,3% dorme sempre nas ruas.
13
São considerados pontos de concentração, locais onde se instalam grupos de pessoas (familiares
ou não) em situação de rua, sejam espaços escolhidos para instalação da “maloca”, seja para
acharcar, receber doações, aguardar a possibilidade de algum bico, ou apenas para reunirem-se.
33. 27
No entanto, os que pernoitam nas ruas geralmente não carregam nada
consigo, além do galo14 e se estão reunidos em médios grupos, mantém alguma
coisa a mais, que geralmente não duram muito sob seus poderes, pois a limpeza
urbana passa e sempre recolhe tudo, maneira que a prefeitura encontrou de manter
o mínimo de higiene e limpeza nas vias publica, já que a sociedade se sentia e sente
incomodada com a presença da população de rua:
A presença de pessoas na rua trouxe uma demanda de solução por parte
do Estado. Esta “atenção” à população de rua foi reivindicada,
principalmente pela sociedade que se sentia incomodada com a aparência e
a segurança da cidade. A fim de atender as classes médias urbanas que
apoiaram e legitimaram o regime político da época, foi necessário criar
ações sistemáticas de cerceamento da população de rua para devolver o
apoio prestado. (...) Dessa forma, ações de perseguição, prisões, expulsão
das ruas e de marquises com jato de água, colocação de grades em praças,
embaixo de viadutos e episódios de despejos de mendigos em cidades
vizinhas eram práticas comuns que perduram, principalmente nas
administrações de Jânio Quadros e Paulo Maluf.(...) As situações de rua
continuavam sendo tratadas como caso de policia. (REIS: 40)
Percebe-se que nos locais onde existe grande concentração desta população
(conhecidos como “Maloca”), vez ou outra aparecem sofás, cadeiras, colchões e até
mesmo um fogão improvisado que remete a lembrança de uma residência.
Exemplos bastante conhecidos estão no Brás, visto desde a década de 70, como
“boca do lixo”, e cujo espaço público tem sido utilizado como espaço “familiar” e de
moradia fixa. Dali podem ser citados15, o Baixo do Viaduto Rangel Pestana e Rua
Doutor Almeida Lima, onde há forte comércio de variações nordestinas, roupas,
sapatos a preço popular, e onde esta população consegue com mais facilidade a
sobrevivência diária.
Segundo VIEIRA (1992), as atividades remuneradas desenvolvidas por esta
população, são bastante variadas e podem ser caracterizadas como de baixa
14
Termo utilizado para definir sacolas, sacos, onde a população de rua leva seus pertences
básicos bem como documentos, alguma peça de roupa, ou higiene pessoal, além da pinga.
15
Análise fundamentada pelo autor, durante a realização do trabalho de campo.
34. 28
qualificação e ligadas principalmente ao setor de serviço. Ou seja, são postos de
trabalhos menos valorizados, logo, mal remunerados. Além do mais, tais matérias
perduram até os dias de hoje. “O Brás é um campo de concentração de decaídos.
Na fila de dois mil, o gato escolhe dez. A gente trabalha muito e ganha pouco”.
(VIEIRA, 1992 p. 83).
A população encontra-se descartada socialmente, por uma série de fatores
decorrentes de sua trajetória, dentre os mais relevantes estão a falta de
oportunidade, de um trabalho que possa garantir seu sustento, de um tratamento
básico psicossocial, ou até mesmo de alguém com a qual possa contar. Embora a
situação de rua não seja vista por aqueles que lá estão de maneira negativa, VIEIRA
(1992, p.98) afirma que “a rua deixa de ser um contraponto negativo”, pois à medida
que estes indivíduos perdem determinados objetos e valores, ganham outros, pois
vão adquirindo outros meios de subsistência. O quadro a seguir apresenta um pouco
desta realidade:
35. 29
QUADRO 1: PERDAS E AQUISIÇÕES DURANTE A SITUAÇÃO DE RUA
Pinga
(elemento socializador)
Perda Aquisição
Novas formas de trabalho: catação
Trabalho temporário
de papel, bicos em geral
Vinculo com parentes, companheiros e Vínculos com companheiros, grupos
instituições de trabalho, de rua e instituições assistenciais
Residência em alojamento de trabalho, Vínculos com lugares de rua:
pensões, albergues; marquises, viadutos, mocós;
Condições de consumidor de bens e Bens e serviços através de
serviços, através do mercado instituições assistenciais públicas,
(alimentação, vestuário, habitação); privadas e grupos informais;
Responsabilidades, obrigações e Vínculos informais de solidariedade
compromissos em relação a instituições. com grupos e companheiros de rua
Fonte: VIERA 1, 992 p. 99
Analisando o quadro podemos identificar que quanto maior o tempo na
dinâmica de rua, mais afanoso se torna para o indivíduo se reinserir na sociedade,
uma vez, na visão de Vieira, que o trabalhador que vem do processo de exclusão e
desmoralização, ao chegar à rua encontra outros com dificuldades semelhantes,
estabelecendo assim um laço de solidariedade particular, conforme VIEIRA.
36. 30
Em relação à higiene da população, há aqueles que utilizam chafarizes,
garrafas pet, mas também existem as tendas16, dentre restaurantes sociais
conveniados à prefeitura que oferecem estes serviços.
Em relação à saúde17, existem profissionais da área que freqüentam pontos,
fazendo orientação, muito embora a população em situação de rua permaneça
bastante desassistida quanto à rede de saúde, no que desrespeita a necessidade de
um atendimento emergencial.
Quanto à identidade desta população para ALVES 18 (2012), “não se trata de
uma identidade fixa, pois estar em situação de rua é transitório, hoje o indivíduo
está, e amanhã, este indivíduo pode estar inserido novamente na sociedade”, sendo
assim a identidade social da situação de rua é considerado o total descarte.
2.1. TRABALHOS FILANTRÓPICOS DE ATENÇÃO URBANA
Há cinqüenta anos as políticas públicas da Secretaria do Bem Estar Social
(SEBES), eram voltadas para o bem estar social da família. Nos dias de hoje se
denomina apenas como segmento de Proteção Social Básica pela então Secretaria
Municipal de Assistência Social- SMADS. Anteriormente a política pública tinha
como objetivo assegurar a Proteção da Família, e aqueles que perdiam o vínculo
familiar, estavam quase que desamparados se não fossem algumas entidades
filantrópicas dentre seus poucos idealizadores. Exemplo foi a OAF:
16
São Núcleos de Convivência para pessoas em situação de rua, que além de banho a população
em situação de rua, pode lavar suas roupas.
17
Análise fundamentada pelo autor, durante a realização do trabalho de campo.
18
Em Curso de práticas de atenção às pessoas em situação de rua- módulo I
37. 31
Criada em 1955 por um grupo majoritariamente composto de religiosos da
Igreja Católica com o objetivo de encontrar soluções para a pobreza na
cidade de São Paulo. Era uma época em que a população de rua quase não
incomodava, nem aparecia muito. Não passavam de algumas prostitutas,
idosos sem família ou portadores de doenças mentais, pessoas que em
uma cidade menos agigantada se tornavam personagens, quase patrimônio
da região por onde perambulavam e descolavam algum dinheiro ou prato de
comida. (CHIAVERINI,2007 p. 144)
Nesta época a população de rua por ser mínima não incomodava, tampouco
sensibilizava as autoridades, para o estudo deste fenômeno, ou desenvolvimento de
uma política pública efetiva para gerir o bem estar destes. E assim a OAF, tinha
como objetivo de ação voltada para crianças abandonadas mulheres e prostitutas
vítimas de violência doméstica. Por volta da década de 70, a população de rua
começou a se evidenciar mais e desta forma também se tornou mais um trabalho de
atuação da OAF. Mesmo atendendo esta população a organização não tinha
segmentado uma estrutura especializada no trato com este publico. Até porque se
tratava de um novo fenômeno social que se evidenciaria cada vez mais.
No ano de 1.992, cuja gestão da então Prefeita de São Paulo, assistente social
Luiza Erundina, foi realizada a primeira pesquisa social desta população, maneira
encontrada pela Secretaria do Bem- Estar Social (SEBES), para identificar esta
população, e saber como (sobre) vivem, com o propósito de melhor atender a
demanda. A partir daí se compreende o inicio de um novo propósito socioassistencial
de atendimento que abrangeria toda a população carente do município.
No mais, muitos estudiosos da área, afirmam que a política de Assistência
Social voltada para a Proteção Social Especial de média e alta Complexidade 19,
voltado para a população de rua é extremamente recente. Calcula-se a partir de 1992
que realmente houve uma verdadeira preocupação por parte das autoridades
19
Termo utilizado pela SMADS para identificar a tipologia do atendimento.
38. 32
públicas em conhecer e possibilitar a institucionalização de propostas no trato desta
população.
Nesta época existia apenas o CETREM20 (desativado no ano de 2009), que
atendia esta população que eram considerados itinerantes, indigentes e migrantes,
segundo CHIAVERINI (2007), o Governo até então mantinha esta população nas
vias férreas, era uma maneira de mantê-los circulando pelo estado, sem ter que
mantê-los nas na cidade, mesmo assim o tratamento do CETREM para com esta
população do contrário que afirma José Benjamin de Lima 21 no anexo 1, sempre foi
desumano:
CETREM é o show de horror. O CETREM era tipo onde esta o
Saddam Hussein, lá no Iraque. Um monte de pessoas que ninguém conhece
ninguém e para quem o único objetivo é clarear o dia e ir embora. E o show do
horror começa na fila. O show é300, 400 pessoas em fila, esperando revista,
tudo de fogo, com fome, com frio, querendo entrar logo pra tomar banho, pra
comer alguma coisa, uma sopa, um leite pra poder dormir. O banho era frio.
(…) E ficava um cara olhando você, com um porrete na mão. Caso você
ficasse agressivo cê tomava umas pauladas e chamava outro e punha pra
fora. Não tinha lei de direitos humanos ali. Ali a lei era dos seguranças. Ai ia
pro quarto. Imagina 80 pessoas num quarto só. Show de horror. Ronca, tem
pesadelo, tem uns que são 13 (doente mental) que levantam dormindo, tá
louco, tinha cara que ficava em pé, cara com problemas psiquiátrico.
(CHIAVERINI,2007 p. 183)
Em 2011 de acordo com a Portaria 46/10/SMADS é lançada a Tipificação da
Rede Socioassistencial e Regulação de parcerias da Política de Assistência Social,
contando com a participação de vários profissionais das Coordenadorias de
Assistência Social- CAS. Acordando a Portaria 46/10/SMADS, os serviços prestados
20
O CETREM- Central de Triagem e Encaminhamento do Migrante, era o local que acolhia os
desabrigados e os encaminhavam para outros serviços. As pessoas que eram acolhidas, no dia
seguinte, tinham que passar por entrevistas com a assistente social, onde ela recebia
encaminhamento, seja para trabalho, documentos, ou passagem para voltar à cidade de origem,
nesta época, segundo CHIAVERINI (2007, p.181)” o governo estadual mantinha a população de rua
na via férrea. Era uma maneira de manter a população circulando. Enquanto estavam para lá e para
cá não estavam na cidade”. Ou seja, no CETREM ninguém tinha direito à vaga fixa, se passava
apenas uma noite, e no dia seguinte tinha que passar por uma entrevista com a assistente social.
21
José Benjamim de Lima é Advogado. Promotor de Justiça aposentado. Mestre em Direito.
Aborda temas ligados ao Direito, com ênfase em questões de cidadania e da comunidade assisense.
39. 33
foram Subdivididos da seguinte forma: Rede Estatal 22 e Serviços Tipificados que são
sucessivamente das Redes de Proteção Básica; Rede de Proteção Especial- Média
Complexidade e Rede de Proteção Especial- Alta Complexidade. Os serviços
tratados como Tipificados são prestados por Organizações Não Governamentais-
ONGs conveniadas de acordo com a necessidade de SMADS.
Dentre estes serviços, os que interessam esta pesquisa são serviços
designados pela tipificação como Atenção Urbana, de Média Complexidade: Serviço
Especializado de Abordagem Social às Pessoas em Situação de Rua, Núcleo de
Convivência para Adultos em Situação de Rua- TENDA; e de Alta Complexidade:
Centro de Acolhida às Pessoas em Situação de Rua; Complexo de Serviços à
População em Situação de Rua. Estes serviços foram escolhidos por se tratarem de
serviços primários no atendimento desta população.
Os Serviços com a Tipologia, Serviço Especializado de Abordagem Social às
Pessoas em Situação de Rua, conforme SMADS devem referenciar-se ao Centro de
Referência Especializado da Assistência Social- CREAS, identificando nos territórios
regionais incidência de violência, trabalho infantil, exploração sexual de crianças,
adolescentes e pessoas em situação de rua. Cabe ao serviço conhecer os pontos e
identificação de cada logradouro, praças, viadutos, terminais de ônibus, trens,
metrôs, dentre outros. Além das abordagens, o serviço deve também atender
solicitações de munícipes através do telefone da Central de Atendimento
Permanente e Emergência - CAPE. O serviço deve manter uma relação direta com o
CREAS, bem como outras secretarias, Poder Judiciário, Ministério Público,
22
Nesta Rede de Serviço estão inclusos os Centros de Referencia de Assistência Social-
CRAS, Centro de Referencia Especializado de Assistência Social- CREAS, Família Acolhedora,
Hospedagem para Pessoas em Situação de Rua, Centro de Atendimento Permanente e Emergência-
CAPE.
40. 34
Defensoria Pública, Conselhos Tutelares, dentre outras secretarias de defesa dos
direitos humanos.
O objetivo do Serviço Especializado de Abordagem Social às Pessoas em
Situação de Rua, conforme SMADS (2011, p. 62) é “desencadear o processo de
saída das ruas e promover o retorno familiar e comunitário, além do acesso à rede de
serviços socioassistenciais e às demais políticas públicas”, no entanto o que se
percebe é o aumento gradativo de pessoas em situação de rua, tanto quanto se
percebem os investimentos econômicos públicos para este segmento.
Os serviços com a tipologia Núcleo de Convivência para Adultos em Situação
de Rua possuem abrangência distrital. Devem atender pessoas adultas que estão em
situação de rua segundo SMADS (2011, p. 49) “assegurar atendimentos com
atividades direcionadas para o desenvolvimento de reinserção social, na perspectiva
de construção de vínculos interpessoais e familiares que oportunizem a construção
do processo de saída das ruas”.
O objetivo do serviço é possibilitar, bem como estimular o processo de
sociabilidade entre os usuários visando a inserção social.
Os serviços com a tipologia Centro de Acolhida às Pessoas em Situação de
Rua são de acolhimento provisório, bem como espaços para pernoite. Das vagas
disponíveis são oferecidas 90% das vagas como fixas e 10% vagas para pernoite.
Conforme nossa linha de pesquisa nos apropriamos, do Serviço Especializado
de Abordagem Social às Pessoas em Situação de Rua porque acreditamos que este
seguimento de serviço é o que vai até o indivíduo em situação de rua, independente
se o mesmo utiliza os demais serviços e equipamentos de Atenção Urbana. Portanto,
41. 35
desenvolvemos nossa pesquisa através da Organização Instituto Social Santa Lúcia,
que atende na Subprefeitura da Mooca23 com o nome fantasia PSR Mooca.
A base do PSR (Presença Social nas Ruas) - Mooca está situada no Tatuapé,
e possui um gerente, dois auxiliares administrativos, dois assistentes sociais, dois
psicólogos e uma equipe de 34 Agentes de Proteção Social conforme previsões da
Portaria 46. Destes 34 Agentes, 10 prestam serviço à criança e adolescentes,
embora o maior número de atendidos seja adulto em situação de rua. A prioridade do
serviço é atender crianças e adolescentes já que serão os adultos de amanhã:
Objetivo: Atender crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos em
situação de altíssima vulnerabilidade social por meio da prática da
assistência social, da comunicação, da saúde, da cultura, da educação, do
esporte e lazer garantindo por meio da legislação vigente seus direitos à
cidadania, reintegração familiar e inclusão social. (Associação dos
moradores do jardim Santa Lúcia I e adjacências, 2004, p 4)
Conforme previsão da Portaria 46, o PSR atende por meio de solicitação de
munícipe, pela Central de Atendimento Permanente e Emergência- CAPE (156),
além de diariamente percorrer os perímetros regionais.
A dinâmica de atendimento realizada pelos Agentes de Proteção Social ocorre
através das abordagens e criação de vínculo com as pessoas em situação de rua, e
geralmente nos horários da manhã e parcialmente à tarde. Na ausência de
solicitação do CAPE, ou CREAS, pela manhã a equipe sai nas ruas para distribuir
vagas para banho e almoço em determinados equipamentos 24 conveniados à
prefeitura, além de trabalhar com escuta e orientação. Porém, na prática fica
totalmente inviável fazer escuta ou orientação, uma vez que a equipe (geralmente
composta por um homem e uma mulher) estaciona o veículo no perímetro,
23
A subprefeitura da Mooca é dividida pelos distritos do Pari, Brás, Belém, Água Rasa,Tatuapé
e Mooca.
24
Trata-se de algumas Organizações Filantrópicas como albergues que oferecem banho e
almoço, ou Restaurantes Sociais.
42. 36
(dependendo da região). Forma-se um amontoado simultâneo de pessoas querendo
encaminhamento, querendo falar, querendo ouvir, procurando a importância da troca,
que a equipe não sabe se preenche o instrumental em seguida o encaminhamento,
ou se faz escuta e orienta. No mais, todas estas atividades são realizadas
simultaneamente, ficando cada atendimento com aproximadamente 15 minutos de
tempo. No horário da tarde é realizado atendimento de orientação, escutas com mais
tranqüilidade, pois nestes horários não existe oferta de serviços, até às dezessete
horas, momento em que o CAPE libera vagas de pernoites. Daí por diante as
equipes parciais da tarde e noite distribuem as vagas para os albergues até as duas
da manhã. Após este período fica difícil distribuir vagas, devido o indivíduo ter que ir
para o Albergue depois deste horário, ir tomar banho, comer alguma coisa para ter
que levantar no dia seguinte às cinco da manhã25.
As ofertas de vagas argumentadas aqui são vagas apenas de pernoite. O
problema do dia seguinte é conseguir uma vaga fixa. Para isto há a necessidade de
uma aproximação dos usuários com a Assistência Social do Albergue. O maior
empecilho é a quantidade de vagas disponíveis fixas e a adaptação do sujeito às
condicionalidades do equipamento.
No entanto, os profissionais do PSR possuem certas dificuldades,
principalmente a partir das dezessete horas, quando a CAPE26 não libera as vagas,
pois a dinâmica da equipe de Atenção Urbana a partir deste horário já é conhecida
por seus usuários. Neste horário os atendidos já estão querendo mesmo é
encaminhamento para garantir um banho e uma noite de acolhimento. Desta
25
Análises fundamentadas pelo autor durante o trabalho realizado em campo.
26
Neste caso a CAPE, é a organização responsável por averiguar as vagas disponíveis nos Centros
de Acolhidas por meio do programa SISRua (Sistema de Informação da rua) e repassar para os
serviços que fazem as distribuição das vagas, conforme REIS, 2008 p. 67)
43. 37
maneira, a proposta inicial do PSR dentre outros serviços especializados em
abordagem às pessoas em situação de rua, que é identificar dentro dos respectivos
perímetros situações de riscos e alta vulnerabilidade, fazer escuta, orientar, e
reinserir, acabam sendo desvalorizados, pois neste horário nenhum convivente quer
orientação, mas um encaminhamento, que vale para garantir apenas um pernoite,
ficando o dia de amanhã ao acaso. Além do mais, nestes horários muitos estão
embriagados ou iniciando o consumo de álcool.
Sendo assim, muitos profissionais ficam sem plano de ação, ou seja, ao final
do dia, como prestar atendimento a esta população se não se tem nada material a
oferecer, uma vez que todos conhecem seus direitos de pernoite? Além do mais,
esta população já passou o dia todo na rua realizando alguma atividade ou não e
estão cansados do dia, além de ser também a hora que passam a consumir álcool,
drogas dentre outras substâncias. Naturalmente que não podemos afirmar que
acontece nesta ordem, mas a dinâmica de rua no geral acontece assim, conforme
descrito em capítulos anteriores.
Cabe-nos dizer também que a maior busca por pernoites por parte da
população em situação de rua geralmente é no inverno, ou em épocas de chuva,
27
onde a rua deixa de certa forma, de ser “abrigo”. Além do mais se a buscas da
população em situação de rua para estes serviços especializados em abordagem é
apenas por vagas, é porque a dinâmica de atendimento na prática os colocou
habituados ter apenas estas premências, quebrando a proposta teorizada pela
portaria 46 vigente.
27
Definimos a rua como abrigo para o individuo em situação de rua, pois no dado momento que estes
indivíduos estão sob efeitos de substâncias psicoativas, o único lugar que o acolhe é as ruas.
44. 38
Sendo assim observamos que a Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social- SMADS criou o projeto “Operação Frentes Frias” onde cada
Centro de Acolhida durante o inverno recebe um repasse de verba maior, com a
finalidade de inserir leitos extras. A proposta da SMADS é abrigar todos que se
encontram em situação de rua no inverno. Caso o indivíduo não aceite abrigar-se, o
mesmo deve assinar uma recusa, de certa forma esta recusa é uma maneira da
Secretaria se proteger caso este indivíduo venha à óbito nas ruas.
No município de São Paulo, segundo SMADS, foram identificados 37 Centros
de Acolhida totalizando 5.881 vagas, 13 Centros de Acolhidas Especiais totalizando
1.232 vagas e 8 Repúblicas, totalizando 190 vagas de acolhimento para o ano todo.
Portanto, durante a “Operação Frentes Frias” são oferecidas a mais 720 leitos a mais
nos Centros de Acolhida, 42 nos Centros de Acolhida Especial, e nas Republicas não
são oferecidas.
TABELA 5: Equipamentos de acolhimento às pessoas em situação de rua
Serviços Quantidade Vagas Extras Total
Centros de Acolhida 37 5881 720 6601
Centros de Acolhidas Especiais 13 1232 42 1274
Repúblicas 8 190 0 190
Total 58 7303 762 8065
Fonte: SMADS, Maio/2012
Desta forma, segundo relatório de SMADS, no mês de maio foram contados
58 Centros de Acolhimento ativos no município de São Paulo com capacidade total
de 7.303 vagas diária. Durante a “Operação Frentes Fria” deste ano foram inseridos
762 leitos extras, totalizando 8.065 vagas para os 14.478 indivíduos em situação de
rua dessemelhante das informações oferecidas pela imprensa28.
28
Matéria jornalística de responsabilidade do jornal Gazeta do Tatuapé, disponível no anexo 4.
45. 39
De qualquer maneira, a presente monografia não trata de discutir a quantidade
de equipamentos ou vagas ofertadas para esta população, mas a inquietude não só
da Secretaria e seus parceiros, mas dos profissionais atuantes no que desrespeita a
reinserção do individuo. O que na prática tem sido realizado tem alcançado o
objetivo?
3. CONVERSAÇÕES E CONFIDÊNCIAS: MÚLTIPLOS PERSONAGENS, A
MESMA REALIDADE
O presente capítulo tem por finalidade apresentar a pesquisa de campo
realizada entre os dias 13 e 14 de dezembro de 2011, onde foram entrevistados 48
homens, sendo 24 do Centro de Acolhida Nova Vida I, situado na Subprefeitura da
Sé, e 24 homens do Centro de Acolhida Arsenal da Esperança, situado na
Subprefeitura da Mooca. Utilizamos de entrevistas não estruturas e questionários.
Durante a realização da pesquisa, pretendíamos comparar os usuários do
Centro de Acolhida da área central do município e da área bairrista, com a finalidade
de identificar se existia diferença no perfil e na dinâmica de vida destas pessoas. No
entanto notamos certa diferença, mas uma questão bastante relevante que devemos
analisar é o fato do individuo estar fixado numa vaga no Centro de Acolhida.
Observamos que embora a situação limite de pobreza seja o significado comum
entre indivíduos abrigados e desabrigados, os que estão abrigados tendem a ter
mais chance de voltar às residências fixas e para a convivência familiar, se este
obtiver, do que os que se encontram em situação de desabrigamento.
Identificamos esta probabilidade por uma série de fatores: O individuo com
vaga fixa, tem obrigação de seguir as regras exigidas do equipamento, ou seja,
46. 40
ainda possui disciplina e responsabilidades; possuí a maior parte dos documentos
civis, e são indivíduos atuantes na questão de exercer a cidadania, conforme dados
que serão apresentados a seguir.
3.1 EXPECTATIVAS E DESILUSÕES DOS MORADORES EM SITUAÇÃO DE RUA
A pesquisa de campo foi iniciada no Centro de Acolhida Nova Vida I, situado
na Subprefeitura da Sé, sendo de supervisão da Coordenadoria de Assistência
Social Centro Oeste. Chegando à frente do Centro de Acolhida ninguém imagina
que seja um hotel social por 16 horas. A fachada do Centro de Acolhida mais faz
lembrar aqueles hotéis de quatro estrelas da cidade do Rio de Janeiro, com um hall
absurdamente cuidado e bonito, e com direito a segurança na porta de entrada.
Adentrando o Centro de Acolhida a primeira visão que se tem a esquerda é o salão
de jantar e logo depois a biblioteca suspensa como um mezanino. À direita o
corredor com elevadores que levam para o quarto e o salão de lazer e televisão.
Um dos primeiros encontros com os usuários do Centro aconteceu em
dezembro de 2011. Foi quando conhecemos o usuário Marcelo. Ele nasceu em
Santos litoral paulistano, é um negro simpático, recém divorciado, largou sua vida na
cidade litorânea, sua mãe, e seu filho com e ex- mulher para tentar reconstruir a vida
na Capital.
Mas a vida não foi tão fácil assim, Marcelo dormiu nas ruas, na chuva, no frio,
ficou dias sem tomar banho, sem comer, até conseguir uma vaga no albergue.
Marcelo tem paixão por produções artísticas musicais, ele conheceu um Centro de
Inserção Produtiva no centro de São Paulo que fica próximo da Galeria Olido, e nem
47. 41
fala muito sobre isso, porque gostava de ir e participar, mas num dia destes
arrombaram seu armário e roubaram todos os seus documentos, e todas outras
coisas que ele tinha guardado neste armário.
Marcelo está incluso no Programa de Transferência de Renda e recebe o
Bolsa Família, obtendo até o momento como única renda. Seu maior gasto é com o
filho e, mesmo em situações difíceis, sempre dá um jeito de mandar um dinheiro
para ajudar a ex-mulher na criação do filho.
Em janeiro de 2012 tivemos outro contato dom Marcelo. Eram 8:40 da manhã
quando ele chegou na CAS (Coordenadora de Assistência Social), com um sorriso
largo, feliz da vida, todo suado, pedindo para usar o telefone. Relatou que arranjou
um emprego no Grupo Pão de Açúcar, e precisava fazer uma ligação local, pois não
tinha dinheiro para comprar um cartão de telefone. Disse que veio a pé desde a Rua
Maria Antonia até a Avenida Tiradentes, no Tietê, para pedir uma passagem, pois
tinha que ir pra Santos pegar os documentos do filho, que foram roubados
posteriormente.
Fez a ligação, agradeceu a recepção e saiu para ir ao Tietê novamente. Logo
as 11h00min, o Marcelo volta, e beija as mãos da recepcionista dizendo “Consegui a
passagem para amanha, ida e volta! Sabia que você iria me ajudar!” E saiu “ás
pressas, antes do ultimo adeus gritou- “ Eu volto a te procurar!”
Outro contato realizado no Centro de Acolhida foi com o senhor José. Chegou
dizendo que sofre muito de dor de estômago, tenta jantar, mas tem dias que a
comida não desce de jeito nenhum, provavelmente sejam as seqüelas deixadas pelo
uso abusivo de álcool ao longo dos anos de sua vida.
48. 42
Senhor José a vida inteira trabalhou como pedreiro e nesta trajetória de vida
teve uma única companheira amiga e confidente: a cachaça. Foi ela que sempre
aliviou sua dor de ter uma vida tão sofrida e dura. Quando sente fome, procura na
cachaça a solução para a falta de uma refeição. E até hoje o senhor José a mantém
como única companheira e amiga.
Senhor José muito desconfiado das pessoas, sempre anda sozinho, um dia
chegou ao Centro de Acolhida com cheiro de cachaça, mas não estava embriagado,
e a educadora lhe colocou para dormir no hall do hotel social. A educadora justificou
ao senhor José que ela não estava fazendo nada por mal, só queria o bem dele e
dos demais, e talvez ele estivesse um pouco embriagado e não tinha percebido. Mas
o senhor José diz que não estava embriagado e na verdade é que a educadora não
gosta dele. Todo amargurado, a pele transpirando álcool, pede licença, pois queria
fumar um cigarro. Sai do hotel sozinho como sempre fez na vida, sem olhar para trás
fumar seu último cigarro da noite.
Também em dezembro de 2011 foi realizada uma conversa com o Senhor
Francisco com 56 anos de idade. Apenas um dente na boca, cabelos encaracolados
grisalhos, e uma aparência sofrida. Quando tinha 6 anos de idade foi abandonado
na frente de uma igreja no interior de São Paulo, onde algumas freiras lhe davam
roupas e comida. Foi lá que senhor Francisco aprendeu a ler e escrever e onde
cursou até o terceiro ano primário.
Desde então, senhor Francisco nunca mais teve um lar, tão pouco continuou
seus estudos. Foi apenas alfabetizado o suficiente para não ser enganado quando
pesam seus materiais recicláveis.
49. 43
Depois quando mais velho, já quase na idade adulta, senhor Francisco veio
ara a Capital, onde está até hoje. Sempre nas ruas, para ganhar um trocado, recolhe
material reciclável ou ajuda em “cargas e descargas”. Na verdade este trocado
sempre teve um destino, o álcool e o cigarro, pois o alimento e as roupas sempre
têm alguma “alma boa” que lhe doa.
A conversa flui no jardim do Centro de Acolhida Arsenal da Esperança que
fica na Subprefeitura da Mooca (Região Leste da cidade de São Paulo), onde
Francisco está acolhido. De banho tomado e roupas limpas, barba feita e cabelos
penteados, o senhor Francisco é questionado se tendo a oportunidade de um
chuveiro quente, roupas limpas para vestir, um alimento bem preparado para comer,
além da cama macia para dormir, não lhe faz sentir o desejo de ter sua própria casa,
um lugar que possa voltar no final do dia ou outro horário que queira.
Senhor Francisco diz que não! Que a vida nas ruas é dura, mas já está
acostumado a dormir na sarjeta, onde não existem regras. Além do mais prefere a
cama de cimento como refúgio para suas bebedeiras, e se hoje está abrigado é
porque, na sua última bebedeira perdeu ou roubaram seus documentos e a
assistente social prometeu providenciar. E assim que estiver com os documentos
nas mãos cairá nas ruas. Afinal, são 50 anos de situação de rua. Aliás, 50 anos
vivendo livre de qualquer compromisso.
Dentre os vários contatos realizados no processo de investigação de campo
está o senhor Ronaldo de 54 anos. Chegou todo esbaforido no Arsenal da
Esperança, com uma mochila nas costas depois de um dia cansativo de trabalho.
Feliz, pois sempre exerceu a profissão de eletricista se especializou num curso
técnico e atuou nesta área, até que certo dia sofreu um enfarte dentro da empresa
50. 44
onde trabalhava. Seu patrão fez um acordo para que ficasse em casa. Com o
dinheiro que recebeu se manteve durante alguns meses, mas não conseguiu se
inserir no mercado de trabalho. O resultado, consequentemente foi o despejo da
casa em que morava, pois não pagava o aluguel.
Senhor Ronaldo não desistiu e pediu auxílio para a Assistente Social do
CRAS que lhe ofereceu uma vaga fixa no Arsenal da Esperança, onde está há
quatro meses. Já conseguiu um emprego e agora está poupando dinheiro para
alugar um quartinho e recomeçar sua vida. Senhor Ronaldo está muito grato à
Prefeitura de São Paulo e à Assistente Social que o ajudou. Mas que quer “se ver
fora” do Arsenal logo, pois as pessoas do Arsenal são pessoas perdidas no álcool e
nas drogas. Disse ser muito difícil ter que conviver com pessoas assim que não
querem nada com nada.
O senhor Ronaldo tem expectativa da vida para o futuro, ele diz: “Quero ser
um vencedor, alias já sou!” E se despede, pois agora mesmo quer tomar um banho
e ter o descanso de um guerreiro!
O último morador de rua entrevistado foi Eduardo, um jovem simpático de 29
anos, filho de imigrantes japoneses. Com apenas 17 anos começou a usar drogas
se transformando no problema da família. Os pais, já cansados, o mandou para o
Japão com 19 anos, onde tentou viver com os tios e inconseqüentemente perdido
nas drogas até ser expulso dos pais. Explica que “O Japão faz vista grossa para
usuário de drogas, pois é ele que contribui com o tráfico”.
Voltando para o Brasil, a família já estava desanimada com sua recuperação,
quando Eduardo começou a traficar para poder sustentar teu vício, um dia pegou
escondida a moto que pertencia a seu primo, e sofreu um acidente que o deixou
51. 45
meses numa UTI. Já recuperado, Eduardo se diz envergonhado do que fez e com o
auxilio da assistente social pretende mudar de vida e retomar todo o tempo perdido.
Eduardo é muito solícito fala e ressalta a importância do Arsenal Esperança
em sua vida. De acordo com ele dentro do Centro de Acolhida, existem cursos
profissionalizantes que encaminham para o mercado de trabalho e para lavar roupas
contam com uma lavanderia industrial, onde é cobrado por cada um que utiliza que
pode ser pago com a moeda interna batizada com o nome de “Ar$”, que é adquirido
através da troca de latas de alumínio. Aqueles que não apresentarem este recurso
devem ajudar na manutenção do albergue, seja na cozinha, na limpeza, no jardim.
O Arsenal, não tem apenas regras a serem seguidas, mas disciplinas
militaristas, segundo Eduardo. Mesmo assim está na boca de qualquer indivíduo
desta categoria.
3.2. PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS ENTREVISTADOS
A proposta desta fase da pesquisa foi fazer um comparativo entre os
respectivos Centros de Acolhida da Mooca e da Sé com a finalidade de
compreender se os usuários se diferem ou se possuem o mesmo perfil de acordo
com a região onde se encontram. Da mesma forma perceber as políticas públicas
que alcançam esta população.
A principio entrevistamos usuários de vagas fixas, com no mínimo um mês
utilizando o abrigo, para uma conversa sem pressa, moderada por meio da
aplicação de um questionário, embora as perguntas realizadas tenham sido
fechadas, foram coletados depoimentos voluntários dos entrevistados que
estivessem a vontade para falar um pouco mais.
52. 46
Foram entrevistados 48 homens, sendo 24 de cada Centro de Acolhida nos
dias 13 e 14 de Dezembro de 2011 entre os horários, das 17hs00 ás 22hs00, horário
de abertura de porta até o último horário de entrada para os que possuem vaga fixa.
Para a elaboração do questionário aplicado utilizou-se como critério o último
Censo, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisa e Estatística (FIPE) no ano de
2009. Buscou-se complementar os dados obtidos nas entrevistas com maiores
características pessoais e do dia-a-dia da população definida.
Embora o Centro de Acolhida Nova Vida, atenda homens e mulheres, todos
os usuários entrevistados são do gênero masculino. Os resultados apresentados nos
gráficos são em números absolutos.
Em relação à cor dos atendidos a maioria pode ser classificada como parda
ou negra de acordo com o gráfico abaixo.
GRÁFICO 2: Identificação da cor dos usuários por Centro de Acolhida
53. 47
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
É possível perceber que dentro da população observada, o número de negros
comparando com a pesquisa geral realizada pela Fundação Instituto de Pesquisa
Estatísticas- FIPE apresentam maiores números que totalizam 63,5% (em números
4.185) de negros para 28,2% (em números 1.856) de brancos e 8,3% (em números
546) não identificados.
Outro elemento investigado foi em relação à escolaridade. De acordo com o
senso comum, imagina-se que a população de rua seja em sua maioria analfabeta.
GRÁFICO 3: Escolaridade por Centro de Acolhida
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
No entanto, identificamos apenas dois usuários analfabetos. Dentre os outros
se tem dez usuários com ensino primário que cursaram pelo menos até o 4ª ano,
Vinte e dois dos usuários cursaram pelo menos até o 8ª ano e quatorze dos usuários
54. 48
completaram o ensino básico. Esta informação nos permite, afirmar que a maior
parte dos usuários entrevistados são escolarizados, o que os difere da primeira
pesquisa realizada por VIEIRA (1992) que identificaram maior número de
analfabetos e semi-analfabetos, e mais que a metade com apenas o primário. Ou
seja, a taxa de escolarização desta população mudou ao longo destes vinte anos.
Fator também importante para o entendimento da população em situação de
rua é a percepção do tempo em que estão na dinâmica de rua.
GRÁFICO 4: Tempo em situação de rua
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
Compreende-se a maioria dos entrevistados que se encontram nos abrigos
estiveram ou estão em situação de rua de 6 meses a 1 ano. Este diagnóstico facilita
a atuação da Assistência Social nas orientações e reinserção social, pois quanto
menos tempo menos vícios e dinâmica de rua, são mais fáceis de efetivar algum tipo
de trabalho ou proposta.
55. 49
Elemento bastante presente na vida dos moradores em situação de rua é o ato
de realizar as atividades diárias como se alimentar, se vestir, tomar banho e dormir.
Os centros de Acolhida permitem pernoitar de forma mais confortável e digna em
especial nos períodos de frio. Em vista disto, procurou-se também descobrir em
quais outros lugares os entrevistados costumavam passar a noite.
GRÁFICO 5: Locais de pernoite
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
O Centro de Acolhida Nova Vida apresenta maior resultado dos entrevistados
que costuma dormir nas ruas, isso justifica o ponto de localização do Abrigo, na
região Central do município, onde se tem maior movimento comercial, isso facilita a
sobrevivência diária. Nesta região há doações de alimentos, facilidade na prática de
mendicância ou bicos em comércios. O resultado do gráfico acima pode ser
comparado ao resultado total do tempo em que os indivíduos se encontram em
56. 50
situação de rua por duas situações. Uma que, se entende quanto menor o tempo de
rua dos indivíduos se torna mais fácil para o resgate do indivíduo, através de
orientações e projetos de reinserção social com maior efetividade, outra que se o
indivíduo sentir a solidariedade na situação de rua, condição que na sociedade é
suprimido, conforme ORTIZ:
(,,,) eu estava afim de sair da vida da rua e das drogas, mas aquela vida
tinha coisas que me ligavam. (...) No começo vai se sentir mal pra caramba.
Eu sabia que tinha que abrir mão dos meus amigos, tinha que arrumar
pessoas diferentes, e aquilo me doía pra caramba. Então entrava numa
depressão, e comecei a tomar remédio (ORTIZ, 2000, p.146)
Os moradores em situação de rua são vistos como vagabundos ou vadios,
que vivem a custa de doações e mendicância. No entanto, este quadro pode ser
questionado vendo os dados que foram coletados na pesquisa no que se refere à
profissão e ao exercício da mesma.
GRÁFICO 6: Quanto à profissão
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
57. 51
Observamos que ter profissão não basta, pois que o mercado de trabalho vai
selecionar o mais aptos, “os que se enquadram nas exigências do processo
produtivo, deixando para os que menos se enquadram o lugar de reserva” conforme
VIEIRA (1992, p.21), sendo assim os menos aptos sempre cumprirão as tarefas
menos valorizadas, automaticamente, mais mal- remuneradas.
GRÁFICO 7: Atua na profissão
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
No Centro de Acolhida Nova Vida 83% dos entrevistados informou ter alguma
profissão específica, mas apenas 50% deles atuam na profissão. Entende-se que a
metade dos usuários não possui trabalho fixo, tendo que viver de bicos, algum
programa de transferência de renda ou esmolas.
No Centro de Acolhida Arsenal da Esperança situado na Subprefeitura da
Mooca, entendemos que muitos usuários possuem profissão, sendo a maior parte
58. 52
não é atuante. Encontram-se em situação limite e, por isto, se sujeitam às outras
profissões.
A maior parte dos usuários do Centro de Acolhida Nova Vida, possui renda
mensal (59%), o que indica dentre as maiores hipóteses que a maior parte deles
trabalha com a carteira assinada, contrato de trabalho ou ainda é beneficiário de
algum Programa de Transferência de Renda.
GRÁFICO 8 : Freqüência da renda
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
A maior parte dos usuários do Arsenal da Esperança possui renda diária
(55%) que compreende que esta maioria vive de bicos, mendicância, e trabalhos
ambulantes, sendo que quase a metade possui o perfil da renda mensal.
O resultado final de todos os entrevistados indica que mais que a metade
(53%) possui renda mensal fixa, seja através do Programa de Transferência de