O documento descreve um evento sobre o filme "Quanto Vale ou É Por Quilo?" que explora a exploração da miséria pelo marketing social. O filme mostra como a situação não mudou desde a escravidão, quando os negros eram caçados para venda, e hoje quando organizações exploram a miséria. O documento também discute a sociologia da infância e como as crianças devem ser vistas como atores sociais com voz.
1. NEICA - Núcleo de Estudos Interdisciplinar da Criança e do Adolescente / Blumenau-SC.
3º ENCONTRO
Local: Escola Básica Municipal Professora Hella Altenburg
Data: 09/05/2013; Horário: 18h30min.
Articuladoras: Daniela Odete de Oliveira e Graziela Maffezzolli
Filme: Quanto Vale ou É Por Quilo?
Conteúdo: exploração da miséria pelo marketing social, que forma uma solidariedade de
fachada.
Informações sobre o filme:
Direção: Sérgio Bianchi
Roteiro: Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi
Duração: 108 min.
Ano: 2005
Cidade: Rio de Janeiro
País: Brasil
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Classificação indicativa: 14 anos
SINOPSE:
Adaptação livre do diretor Sérgio Bianchi para o conto "Pai contra Mãe", de Machado
de Assis. “Quanto Vale ou É Por Quilo?” desenha um painel de duas épocas aparentemente
distintas, mas, no fundo semelhantes, na manutenção de uma perversa dinâmica
socioeconômica, embalada pela corrupção impune, pela violência e pelas enormes diferenças
sociais. No século XVIII, época da escravidão explícita, os capitães do mato caçavam negros
para vendê-los aos senhores de terra com um único objetivo: o lucro. Nos dias atuais, o
chamado Terceiro Setor explora a miséria, preenchendo a ausência do Estado em atividades
assistenciais, que na verdade também são fontes de muito lucro. Com humor afinado e um
elenco poucas vezes reunido pelo cinema nacional, “Quanto Vale ou É Por Quilo?” mostra
que o tempo passa e nada muda. O Brasil é um país em permanente crise de valores.
2. Considerações e indagações
“Quanto vale ou é por quilo?” é um filme que nos remete a alguns desconfortos,
instigando reflexões e críticas acerca da mobilização dos diferentes atores sociais presentes na
trama - negros, crianças, idosos - em torno das problemáticas abordadas: violência, escravidão
e exploração da miséria pelo marketing social (resultando numa solidariedade de aparências).
No filme, de maneira geral, estes atores mostram-se inertes às situações impostas e
vivenciadas. As relações de poder socialmente estabelecidas contribuem para silenciar os
sujeitos, visando à conservação dos interesses particulares burgueses e do Estado. Nesta
perspectiva, o filme apresenta o terceiro setor como um reprodutor da lógica estatal.
É pertinente salientar que o pioneirismo das pesquisas interpretativas foi proposto a
partir de Max Weber (1864-1920) que institui na Sociologia a abordagem subjetiva das
relações sociais (sociologia compreensiva). Seu objeto de estudo é a ação social, ou seja, a
ação humana em situações de interação social, Assim, a Sociologia é levada a prestar mais
atenção nas problemáticas de atores sociais até então pouco considerados ou sem direito à
palavra na sociedade: crianças, mulheres, idosos, índios, homossexuais, entre outros.
Contemporaneamente, as discussões que se apresentam acerca da condição infantil na
sociedade e as suas transformações ao longo da história vêm despertando interesse entre os
profissionais da educação e outros que, através dos estudos sociais da infância (Antropologia
da Criança e Sociologia da Infância), buscam repensar os conceitos de criança, de infância e
de educação.
O surgimento da Sociologia da Infância dá-se como um novo campo disciplinar que
está se solidificando no campo científico. Ele está refletido no intenso debate e no movimento
de pesquisadores que, desde os anos 80, procuram ressignificar as perspectivas de
investigação com as crianças e consolidar os estudos da infância para além das fronteiras
disciplinares (MARCHI, 2010; ROCHA, 2011).
Ao afirmar que as crianças têm “voz”, a Sociologia da Infância as reconhece como
atores sociais, como sendo produzidas, mas também como produtoras de cultura, isto é, como
atores sociais que possuem opiniões, ideias, críticas e vivências a expressar aos adultos. Ao
afirmar que a criança expressa o que sente, pensa e deseja através da sua fala e de outras
manifestações não verbais, reconhece-se na criança um sujeito ativo, capaz de refletir e atuar
a partir das chamadas “culturas infantis”, mas também da realidade social que a cerca.
O modelo de infância construído socialmente tornou-se hegemônico, alcançou grande
reconhecimento no nível simbólico, norteando as políticas para a sua implantação. Todavia,
3. no que se refere ao plano empírico das infâncias concretas, considerando as grandes
diferenças econômicas, sociais e culturais presentes na sociedade, este modelo não se
universalizou, não obteve êxito, pois não deu conta de compreender a diversidade de infâncias
existentes (MARCHI, 2007a). Desta forma as crianças que não se enquadram neste modelo
“idealizado” de infância são colocadas à margem social, ocupando um lugar que Marchi
(2007b, p.555) denomina em sua tese de “não-criança”, ou seja “[...]aquela que não tem
socialmente reconhecida sua identidade ou condição infantil [...]” e, portanto, não tem acesso
aos direitos atualmente atribuído a todas as crianças.
O que se sabe hoje sobre a infância foi construído ao longo dos tempos considerando
as significativas modificações que ocorreram na sociedade: na composição da família, na
ressignificação do papel social desempenhado pela mulher/mãe, com o processo de
institucionalização escolar, com a inserção das mídias eletrônicas, enfim, com os diversos
fatores que influenciam o cotidiano da vida das crianças em seus diversos contextos. Em
tempos de transformação social o mundo e a cultura das crianças também se encontram em
mudança e cabe a todos nós que lidamos com a infância e as crianças tentarmos compreender
essas mudanças.
Referências:
MARCHI, Rita de Cássia. Os sentidos (paradoxais) da infância nas ciências sociais: um
estudo de sociologia de infância crítica sobre a “não criança” no Brasil. Florianópolis,
2007a.
MARCHI, Rita de Cássia. A infância não reconhecida: as crianças “de rua” como atores
sociais. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia.
Florianópolis, UFSC, 2007b. p.552-572. Disponível em:
http://www.sociologia.ufsc.br/npms/rita_de_cassia_marchi.pdf. Acesso em o4/05/2013
MARCHI, Rita de Cássia. O “ofício de aluno” e o “ofício de criança”: articulações entre a
sociologia da educação e a sociologia da infância. Revista Portuguesa de Educação.
Universidade do Minho, 2010, p. 183-202.
Quanto Vale ou é por quilo? Produção de Sérgio Bianchi, Rio de Janeiro: Europa Filmes,
2005 (108 min).
ROCHA, Eloísa Acires Candal. Prefácio. In: Sociologia da infância no Brasil. Campinas:
Autores Associados, 2011.