Hc 89.523 sp excesso de linguagem e prisão cautelar
1. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 89.523 - SP (2007/0203385-1)
RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : LUIZ ANTÔNIO SILVA BRESSANE - DEFENSOR PÚBLICO E
OUTRO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : MANOEL DA SILVA (PRESO)
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):
Trata-se de habeas corpus , com pedido de liminar, impetrado contra ato da
Oitava Câmara do Quarto Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo que, negando provimento ao recurso em sentido estrito interposto por
MANOEL DA SILVA, manteve a prisão decorrente da sentença que o pronunciou pela
suposta prática dos crimes de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado,
mantendo a pronúncia em toda sua extensão.
Noticiam os autos que o paciente foi preso em flagrante delito aos
11.05.2004 e posteriormente denunciado como incurso no art. 121, § 2º, II e IV e art. 121,
§ 2º, II e IV c/c art. 14, II, todos do Código Penal.
No decorrer da instrução criminal foi requerido, em diversas oportunidades,
o relaxamento da prisão em flagrante do paciente, bem como a sua liberdade provisória,
pleitos que restaram indeferidos.
Encerrada a instrução criminal, o Juízo da Primeira Vara do Júri da
Comarca de São Paulo pronunciou o paciente como incurso nas sanções indicadas na
denúncia. Contra esta decisão, a defesa interpôs recurso em sentido estrito para o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo que, através da sua Oitava Câmara do Quarto Grupo da
Seção Criminal, negou-lhe provimento.
Alega o impetrante que o acórdão proferido pelo Tribunal de origem é
eivado de nulidade absoluta, tendo em vista a falta de intimação do advogado constituído
pelo paciente para ciência da data da sessão de julgamento do recurso, em violação ao
disposto no art. 370, § 1º do Código de Processo Penal, o que configuraria cerceamento no
seu direito de defesa. Sustenta, ainda, que o acórdão seria igualmente nulo em razão de
excesso de linguagem na sua fundamentação, pois teria adentrado ao mérito da causa,
realizando juízo de valor sobre a conduta do paciente, usurpando, portanto, a competência
do Tribunal do Júri.
Defende, também, que a segregação do paciente é revestida de ilegalidade
manifesta, tendo em vista que em todas as oportunidades em que lhe foi indeferido ou o
relaxamento da sua prisão em flagrante ou a sua liberdade provisória, as decisões não
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trouxeram qualquer fundamentação idônea a justificar a necessidade da prisão cautelar. E
ainda, aduz que o paciente encontra-se encarcerado por mais de 3 (três) anos, sem que para
tal delonga tenha contribuído a defesa, prazo que extrapola os critérios da razoabilidade e
proporcionalidade que devem estar revestidas as prisões cautelares.
Por fim, afirma que deve ser aplicado ao paciente o disposto no art. 408, §
2º do Código de Processo Penal, para que possa aguardar o julgamento pelo Tribunal do
Júri em liberdade, tendo em vista ser primário e não possuir antecedentes, aduzindo
tratar-se de direito subjetivo do acusado em processo penal.
Pretende, liminarmente, a anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de
origem e o seu desentranhamento dos autos, bem como a concessão da liberdade
provisória; o relaxamento da sua prisão em flagrante; ou a aplicação do art. 408, § 2º do
Código de Processo Penal. No mérito, requer a confirmação do pleito liminar.
Antes das informações, foi deferida liminar para permitir a liberdade
provisória do Paciente, sobrevindo aquelas, posteriormente, às fls. 110/175.
Instado a manifestar-se, o Ministério Público Federal opinou pela
denegação da ordem, consoante parecer de fls. 177/185, da lavra do eminente
Suprocurador-Geral da República Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Em novas informações, a autoridade coatora noticia que a ação penal na
origem aguarda o desfecho deste writ para ter continuidade.
É o relatório.
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HABEAS CORPUS Nº 89.523 - SP (2007/0203385-1)
EMENTA
PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HABEAS CORPUS .
DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
ACÓRDÃO QUE MANTÉM O JULGAMENTO DO JÚRI. ALEGAÇÃO
DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DO
RÉU. INOCORRÊNCIA. VÍCIO DO TEXTO. EXCESSO DE
LINGUAGEM. ADJETIVAÇÃO ABUSIVA. DESENTRANHAMENTO
DA DECISÃO DOS AUTOS. PRISÃO CAUTELAR.
DESNECESSIDADE.
1. Uma vez tendo sido os advogados constituídos pelo réu intimados do dia
do julgamento do recurso em sentido estrito, pela imprensa oficial, não há
falar em vício de intimação ou de nulidade do julgamento.
2. A fase do denominado judicium accusationis implica juízo objetivo
acerca da materialidade do delito, dos indícios e provas da autoria e da
descrição das teses existentes, não podendo construir valoração favorável a
uma delas em frontal desprestígio da outra.
3. In casu, ao preconizar o julgador a existência de duas teses contrapostas,
a da acusação e a da defesa, esta na linha da legítima defesa, jamais poderia
afirmar categoricamente que a conduta do acusado decorreu de “discussão
banal” e, mesmo que assim não fosse, estaria configurado “excesso em sua
conduta”; ou, ainda, que praticou o fato com “frieza” e “sem nervosismo”,
porque tais adjetivações transbordam o juízo de pronúncia.
4. A prisão processual, por ser medida instrumental, e não antecipatória de
pena, necessita reportar-se a dados concretos de cautelaridade, não servindo
a mera alusão ao fato de que o crime é grave e que o réu já teria
supostamente praticado outro crime.
Hipótese em que não houve a indicação introdutória dos requisitos do art.
312 do CPP.
5. Ordem concedida em parte para, mantendo a liminar anteriormente
deferida, permitir que o Paciente aguarde em liberdade o processo penal, se
por outro motivo não estiver preso, sob o compromisso de comparecer a
todos os demais atos do processo e, bem assim, para que seja o acórdão
proferido no julgamento do recurso em sentido estrito desentranhado dos
autos da ação penal, de modo a evitar o seu conhecimento por parte dos
jurados.
VOTO
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MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):
A discussão heróica se reparte em duas frentes:
a) Nulidade do acórdão proferido no julgamento do recurso em
sentido estrito, porquanto os defensores constituídos não teriam sido
intimados da sessão de julgamento, bem assim pelo fato de ter
utilizado linguagem inadequada para a simples submissão do Paciente
ao Tribunal do Júri.
b) Desnecessidade da prisão cautelar, assim como excesso no
tempo de seu cumprimento, uma vez que a custódia remanesce a
11.05.2004.
A questão da primeira nulidade diz com a previsão do art. 370, § 1º, do
CPP, em face do qual o Impetrante alega ter havido cerceamento de defesa, pois, uma vez
distribuído o recurso, foi encaminhado em mesa para julgamento sem a devida intimação
da parte e de seus patronos.
Aliás, assentou a peça vestibular (fl. 4):
“A ausência de intimação de advogado constituído para ciência da data
da sessão de julgamento de recurso, consoante reiterada jurisprudência
dessa Colenda Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,
configura NULIDADE ABSOLUTA."
Conquanto a impetração ostente o argumento da falta de intimação para a
sessão de julgamento do recurso em sentido estrito, o fato é que as informações, à fl. 160,
demonstram que o chamamento para a apreciação do apelo defensivo obedeceu aos
parâmetros legais, na medida em que foi publicada a pauta no dia 3 de agosto de 2006,
podendo afirmar que constou os nomes dos advogados subscritores da peça recursal: Drs.
Lucindo Rafael e Marcelo Iudice Rafael.
Assim, não prevalece a pretensão de nulidade do acórdão proferido por esse
viés.
No tocante à nulidade seguinte, diz o Impetrante que o acórdão está eivado
de excesso de linguagem, tendo o Colegiado invadido os limites da valoração do caso,
adentrando na seara do próprio julgamento de mérito. E isso se deu em razão da seguinte
motivação contida no aresto:
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“Consta dos autos que na data dos fatos, o indiciado adentrou no
estabelecimento comercial denominado Bar e Lanchonete Bandeira e após
banal discussão acerca da utilização do banheiro, sacou de inopino de sua
arma e passou a efetuar disparos contra as vítimas.” (fl. 164)
“Nota-se que a justificativa apresentada pelo recorrente restou
completamente isolada nos autos, até porque é dos autos que o acusado,
após a discussão, chegou a sair do local, retornando em seguida, ficando
superada a alegação de que foi uma resposta à conduta das vítimas, pois,
ainda que assim fosse, configurado restaria o excesso na "resposta" do
acusado, eis que desproporcional. O crime somente não se consumou com
relação às duas vítimas, por circunstâncias alheias à vontade do agente,
tendo em vista que uma delas foi socorrida em tempo de sobreviver.
Ademais, as declarações da vítima foram integralmente corroboradas
pela testemunhas dos fatos, que foi clara ao narrar a frieza e calma do
acusado ao sair do local dos fatos após o cometimento dos delitos, não
demonstrando nervosismo ou qualquer sentimento do tipo, não havendo,
portanto, provas inequívocas da pretendida legítima defesa, necessárias para
o reconhecimento da excludente.” (fl. 165).
A irresignação do Impetração estaria no aspecto valorativo da conduta do
Paciente, cuja apreensão caberia ao Conselho de Sentença.
Nesse ponto, penso que, realmente, que houve adjetivação exorbitante no
julgamento do caso penal.
A decisão de pronúncia, consoante magistralmente enunciou o Ilustre e
saudoso Ministro Assis Toledo, “é ato de conteúdo declaratório, em que o juiz julga
admissível a acusação para que seja apreciada pelo Tribunal do Júri. Sua linguagem deve
ser serena e sóbria, evitando-se qualquer influência sobre a decisão dos jurados ” (RHC
3582/PR, DJ de 30/05/1994).
Nesse passo, verificando o conteúdo do acórdão combatido, vejo que o uso
de expressões incisivas, tais como, “banal”, “inopino”, “ainda que assim não fosse, restaria
o excesso”, “desproporcional”, “frieza e calma do acusado”, “não demonstrando
nervosismo”, exprimem valoração desmedida em relação ao contexto da fase de pronúncia,
porquanto sugere análise do conteúdo subjetivo da conduta do agente afastando qualquer
linha de defesa, situação que pode gerar influência na apreciação da causa pelo Tribunal
leigo.
Não se olvide, é natural, que o ato de pronunciar o réu encaminha o julgador
a conviver com o drama constante da necessidade de motivação adequada das decisões
judiciais, conforme exigência do art. 93, IX, da CF.
Em obra recente, intitulada Tribunal do Júri – De acordo com a Reforma do
CPP, São Paulo: RT, Guilherme de Souza Nucci, por sinal, ressalta:
"É essencial compor a motivação da decisão com o comedimento no
uso das palavras e expressões, bem como na formação do raciocínio
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envolvido no juízo de admissibilidade da acusação. Não é simples, nem fácil
proferir uma decisão de pronúncia isenta e, realmente, imparcial. Torna-se,
por vezes, tarefa mais dificultosa do que emitir uma decisão condenatória.
Afinal, nesta última, pode o juiz fundamentar como quiser. É um momento
reflexivo seu. Porém, na pronúncia, se houver uma fundamentação
exagerada, certamente, a consequência terá por alvo o jurado.
(...)
Portanto, a pronúncia não pode conter termos exagerados, nem frases
contundentes (ex: 'é óbvio ser o réu o autor da morte da vítima', quando
aquele nega a autoria)...” (Obra citada, fl. 66).
Dessa forma, na espécie, ao preconizar o julgador a existência de duas teses
contrapostas, a da acusação e a da defesa, esta na linha da legítima defesa, jamais poderia
afirmar categoricamente que a conduta do acusado decorreu de “discussão banal” e,
mesmo que assim não fosse, estaria configurado “excesso em sua conduta”; ou, ainda, que
praticou o fato com “frieza” e “sem nervosismo”.
Observe-se sobre a controvérsia que o juízo de acusação deve pressupor a
materialidade do fato e seus elementos indiciários e probatórios, jamais podendo invadir o
âmago das teses contrapostas, privilegiando uma em detrimento da outra. Assim fazendo,
o Tribunal sugestionou ao juiz leigo uma mera aceitação do ponto de vista por ele
privilegiado.
Isso não quer dizer, no entanto, que a valoração do acórdão vergastado
precisa ser tida como nula em toda a sua extensão. Na verdade, o que é nulo é o excesso de
linguagem de alguns tópicos, o que não invalida o acórdão como ato de confirmação da
pronúncia.
De fato, a eloquência do acórdão no tocante à análise da pronúncia não
impede considerá-lo, uma vez extraídas as expressões inadequadas, para o fim de
confirmar a decisão de pronúncia.
Há que se ter em mente que o ataque da impetração se dá contra a falta de
sobriedade do aresto, e não contra a inexistência de exame das provas e das teses
sugeridas, dentro do judicium accusationis .
Nesse passo é que, da leitura do acórdão, penso que a melhor solução para o
caso será impedir que o seu conteúdo seja distribuído aos jurados, o que pode ser feito por
meio do seu desentranhamento dos autos, recomendando-se a não utilização de sua
colação em qualquer hipótese.
Afinal, essa recomendação já consta do art. 478, I, do CPP, conforme
redação dada pela Lei 11.689/2008, sendo a conclusão mais adequada ao caso concreto,
atendendo, dessa forma, o direito de o Paciente não ter a defesa dificultada em sua
plenitude.
Por fim, cumpre analisar o pedido de liberdade provisória, já garantido em
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sede de liminar.
Nesse ponto, mantenho o entendimento sufragado quando da apreciação da
pretensão prévia.
Com efeito, o magistrado de primeira instância, ao indeferir o pedido de
liberdade provisória formulado em favor do paciente, assim fundamentou sua decisão:
"(...)
Por outro lado, há nos autos notícia de que o réu teria sido, em março
de 2002, preso em flagrante junto ao 77º Distrito Policial desta capital sob a
imputação de posse ou porte ilegal de arma, não se conhecendo, até o
presente, a solução correspondente (fls. 43v). Assim, havendo outro registro
criminal em seu desfavor, é de melhor cautela que aguarde ele, por ora,
cautelarmente preso a audiência de seu interrogatório. Nessa audiência, o
Juízo terá condições de novo e melhor exame da matéria.
(...)" (fl. 38)
Reiterado o pedido, assim fundamentou sua nova decisão:
"O acusado responde pelo crime de homicídio qualificado consumado e
outro tentado, elencados entre os crimes hediondos, sendo incabível a
concessão do benefício pleiteado.
(...)
Como bem colocado pelo I. Representante Ministerial, o acusado já foi
beneficiado com a transação criminal, envolvendo-se posteriormente, em
tese, nos crimes aqui apontados, a demonstrar que, se em liberdade, poderá
colocar em risco a ordem pública.
Pelas razões, indefiro os pedidos da Nobre Defesa." (fls. 39 e 39v.).
Por ocasião da prolação da sentença de pronúncia, a necessidade da
permanência do paciente no cárcere foi assim fundamentada pelo juízo monocrático:
"Considerando que o acusado já foi processado por porte de arma de
fogo por fato ocorrido anteriormente ao fato descrito nestes autos, e que, se
realmente agiu como mencionado na denúncia teria voltado a andar armado,
não vislumbro possibilidade de aguardar o julgamento solto, a bem da
ordem pública que potencialmente poderá ver-se ameaçada com a presença
do réu em seu meio, antes do julgamento. (...)" (fl. 42).
O Tribunal de origem, por sua vez, ao tratar da matéria por ocasião do
julgamento do recurso em sentido estrito interposto, assentou:
"Quanto ao pedido de liberdade, face ao preenchimento dos requisitos
autorizadores da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de
Processo Penal, como medida necessária à garantia da ordem pública, além
da periculosidade do acusado, evidenciada pelas circunstâncias em que o
crime foi cometido, justificada a manutenção da custódia cautelar, ainda que
o agente seja primário e de bons antecedentes.
(...)
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Ademais, é vedada a concessão de liberdade provisória aos acusados da
prática de crimes hediondos, nos termo do inciso II do artigo 2º da Lei
8072/90." (fls. 62/63).
Da leitura das decisões colacionadas, não se verifica fundamentação idônea
a justificar a necessidade do encarceramento cautelar do paciente, sendo certo que a
invocação da gravidade do ilícito e a periculosidade do agente não se prestam para tanto,
conforme posicionamento adotado por esta Corte, bem como pelo Pretório Excelso:
"CRIMINAL. HC. LATROCÍNIO. PRISÃO PREVENTIVA.
GRAVIDADE. NATUREZA HEDIONDA. PERICULOSIDADE DO
AGENTE. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONCRETA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. EXCESSO DE
PRAZO. ARGUMENTO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA.
I. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada
apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em
observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não
culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da
condenação.
II. Cabe ao Julgador interpretar restritivamente os pressupostos do art.
312 da Lei Processual Adjetiva, fazendo-se mister a configuração empírica
dos referidos requisitos.
III. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao
paciente, a existência de prova da materialidade do crime e de indícios
suficientes de autoria, a natureza hedionda do delito, a periculosidade do
agente, não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para
garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto.
IV. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos
pressupostos da prisão preventiva, cabendo salientar que as afirmações a
respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio
tipo penal.
V. O fato de se tratar de crime hediondo, por si só, não basta para que
seja determinada a segregação, pois, igualmente, exige-se convincente
fundamentação, conforme tem decidido esta Corte.
VI. Condições pessoais favoráveis, como primariedade, bons
antecedentes e residência definida, mesmo não sendo garantidoras de
eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas
quando não demonstrada a presença dos requisitos que justificam a medida
constritiva excepcional.
VII. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto
prisional, para revogar a prisão preventiva decretada contra o paciente,
determinando a expedição de alvará de soltura em favor do réu, se por outro
motivo não estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada novamente a
custódia, com base em fundamentação concreta.
VIII. Ordem concedida, julgando-se prejudicada a alegação de excesso
de prazo na instrução criminal, nos termos do voto do Relator." (STJ, HC
69.075/PB, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 12.03.2007)
"EMENTAS: 1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza
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instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepcionalidade.
Necessidade de se ater às hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP.
Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão
preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua
função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de
eventual provimento definitivo de caráter condenatório, bem como perante a
garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade,
devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder
às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem. 2. AÇÃO
PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título
de garantia da ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a
prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal
o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a
ordem pública, se funda na gravidade do delito. 3. AÇÃO PENAL. Prisão
preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem
pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público.
Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É
ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para
restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato. 4. AÇÃO
PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de
fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela
nulidade. Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos
fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual
nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a respeito, de modo que, neste
caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal. 5.
AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal e insuficiente.
Suprimento da motivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscimo de
fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. HC concedido. Não é lícito às
instâncias superiores suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com
novas razões, a falta ou deficiência de fundamentação da decisão penal
impugnada." (STF, HC 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 24.11.2006)
Acresça-se, também, que o pensamento desta Corte é no sentido de que a
permanência em cárcere, pelo fundamento da gravidade genérica, sem maiores indagações,
não prevalece frente à garantia da presunção de inocência.
Vejam-se alguns julgados:
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE
EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PRISÃO PREVENTIVA.
DECRETAÇÃO FUNDAMENTADA EM MERAS CONJECTURAS, NA
GRAVIDADE DO DELITO E NO CLAMOR PÚBLICO. NECESSIDADE
DA CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO DEMONSTRADA. PRECEDENTES.
1. A prisão preventiva deve ser decretada se expressamente for
justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a
instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código
de Processo Penal.
2. O decreto prisional não foi fundamentado de forma efetiva, pois não
bastam meras referências quanto à gravidade genérica do delito ou à
possibilidade de a Paciente influenciar as testemunhas ou furtar-se à
aplicação da lei penal, sem demonstração, com base em dados concretos
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extraídos dos autos, da necessidade da sua custódia, dada sua natureza
cautelar.
3. O magistrado teceu argumentação abstrata, sem comprovar a
existência dos pressupostos e motivos autorizadores da medida cautelar,
elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, com a devida indicação
dos fatos concretos justificadores de sua imposição, nos termos do art. 93,
inciso IX, da Constituição Federal.
4. O clamor público, inerente ao repúdio que a sociedade confere à
prática criminosa, não é bastante para fazer presente o periculum libertatis e
justificar a prisão provisória.
5. Ordem concedida para revogar a custódia cautelar da ora Paciente, se
por outro motivo não estiver presa, sem prejuízo de eventual decretação de
prisão preventiva devidamente fundamentada. Com amparo no art. 580 do
Código de Processo Penal, estendo os efeitos da presente decisão aos
co-réus Robson Almeida da Silva, Dely dos Reis Gonçalves, David
Alexandre da Silva, Moisés Francisco da Silva e Elias Valeriano dos Santos,
por se encontrarem na mesma situação processual da Paciente.” (HC
67.957/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
07/08/2007, DJ 05/11/2007 p. 305)
“PROCESSO PENAL. RHC. TRÁFICO DE DROGAS. PORTE
ILEGAL DE ARMA DE FOGO. CORRUPÇÃO ATIVA. ALEGAÇÃO DE
NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE.
NECESSIDADE DE EXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO RECURSO
ORDINÁRIO. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA.
AUSÊNCIA DE SUA PROIBIÇÃO NA LEI 11.464/07. GRAVIDADE
GENÉRICA DO DELITO. CLAMOR PÚBLICO. CONJECTURA DE QUE
SOLTO O RÉU VOLTARÁ A DELINQÜIR. FUNDAMENTAÇÃO
INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
1. As situações autorizadoras da prisão em flagrante não exigem certeza
da autoria delitiva, apenas um alto grau de probabilidade do envolvimento
do agente com os delitos perpetrados.
2. O recurso ordinário em habeas corpus é meio impróprio para a
análise da ilegalidade da prisão em flagrante quando esta não desponta de
plano, exigindo profundo exame do conjunto fático-probatório.
3. A Lei 11.464/07 não impede a concessão da liberdade provisória nos
crimes hediondos e a ele equiparados, sendo de natureza geral em relação a
todos os crimes dessa natureza.
4. A gravidade genérica do delito e a conjectura de que o réu voltará a
delinqüir não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar
se desvinculadas de qualquer elemento concreto dos autos.
5. O clamor público causado pelo crime de tráfico de drogas, por si só,
também não constitui fundamentação idônea a justificar a necessidade da
segregação.
6. Recurso ordinário parcialmente provido para possibilitar ao
recorrente a liberdade provisória.” (RHC 24.121/MG, Rel. Ministra JANE
SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA
TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 17/11/2008)
Assim, a anunciada justificativa não sobrevive sem a contraposição
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eficiente dos conectários ao direito de presunção de inocência.
Aliás, em algumas decisões tenho chamado atenção para o fato de que a
prisão preventiva é medida extrema, de natureza exclusivamente cautelar, e que, por isso
mesmo, jamais poderá ser empregada como forma de antecipação de pena,
emprestando-lhe um caráter de prevenção geral, ou de ser um mero efeito da condenação.
É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em aclamado precedente,
destacou a inviabilidade da execução provisória da pena, admoestando que "ofende o
princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito
em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu,
desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP" (HC
84.078/MG, rel. Min. Eros Grau, 05.02.2009, Informativo STF nº 534), excepcionalidade
que não se verifica no caso dos autos.
Ante o exposto, concedo em parte a ordem para, mantendo a liminar
anteriormente deferida, permitir que o Paciente aguarde em liberdade o processo penal, se
por outro motivo não estiver preso, sob o compromisso de comparecer a todos os demais
atos do processo e, bem assim, que seja o acórdão proferido no julgamento do recurso em
sentido estrito desentanhado dos autos, de modo a evitar o seu conhecimento por parte dos
jurados.
É o voto.
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