1. Quando decidiu inspirar seu trabalho na biotecnologia e na
engenharia genética?
Minha mãe foi diagnosticada com câncer
quando eu era adolescente e, apesar de ela
ter vivido por mais 10 anos após o diagnós-
tico, a sombra da doença e a esperança de
que surgisse algum tipo de tratamento mé-
dico revolucionário foram uma constante
na minha vida. Depois que ela morreu, co-
mecei a acompanhar as notícias e os resul-
tados do Projeto Genoma Humano [que bus-
ca sequenciar todos os genes que codificam
as proteínas do corpo humano, assim como
as sequências de DNA que não são genes],
que parecia ser a última esperança de cura
para as diversas enfermidades. No entanto,
minhas experiências com a medicina me
tornaram uma pessoa cética. E a maior parte
do meu trabalho gira em torno dessa tensão
entre o altruísmo da pesquisa científica e o
ceticismo e o pragmatismo cruel do mundo
industrializado.
Sua obra está no limiar entre a ficção e a
realidade, e muitas de suas esculturas
provocam, ao mesmo tempo, atração
e repulsa. O que pretende
mostrar com essa
abordagem limítrofe?
Para mim, as minhas criações são todas
muito belas, mas elas são muito diferentes
daquilo que o público está acostumado a
ver. As pessoas tendem a temer a diferença,
e esse medo leva, com frequência, a resulta-
dos negativos. Entretanto, todas as minhas
criaturas reservam uma beleza e vulnerabi-
lidade por trás da estranheza que desper-
tam quando as pessoas entram em contato
com elas pela primeira vez. Eu adoro ver o
público nessa viagem que vai da aversão à
simpatia. Gosto de assistir à empatia que
surge depois de passado o choque inicial de
estranhamento. Ser testemunha desse pro-
cesso me dá esperança. Se as criaturas fos-
sem apenas ‘fofinhas’, penso que meu tra-
balho seria muito brando; mas é justamente
seu lado grotesco que o faz forte.
Que tipo de público pretende atingir com sua obra, e de que
forma?
Todo mundo me interessa. Embora meu traba-
lho seja fruto, definitivamente, da arte mun-
dial contemporânea, acho que ele ecoa além
do público especializado. Procuro alcançar
pessoas que tenham olhos, corações e mentes.
Como tem sido a reação das pessoas a sua obra ao redor do
mundo?
Meu trabalho tem provocado respostas fortes
em todos os lugares onde foi exibido. Acredi-
to que ele opera em uma série de níveis. Em
um determinado nível, pode ser considerado
apenas como uma história estranha
que quase todos po-
dem apreciar.
Entrevista PATRICIA PICCININI
Elas podem ser doces, estranhas, sedutoras, até repulsivas. Uma série de emoções
vêm à tona quando se está frente a frente com as criaturas da artista australiana
Patricia Piccinini. Sua vasta imaginação, impregnada das inúmeras possibilidades que
a engenharia genética oferece, se materializa em seres facilmente reconhecíveis como
reais. É essa proximidade com a vida cotidiana que assusta – ativa um sinal de alerta
em – e provoca os espectadores. Se para alguns parece desconcertante e para outros,
elucidativa, sua obra é, definitivamente, inquietante e perturbadora. Ela habita o limiar
entre ficção e realidade, entre ciência e ética, entre o palpável e o inatingível.
O trabalho de Piccinini já foi exposto em diversas galerias ao redor do mundo, com
destaque nas bienais de Liverpool (Inglaterra), Berlim (Alemanha), Havana (Cuba) e
Veneza (Itália). Agora, é a vez de ser apresentado ao público brasileiro na exposição
individual intitulada ‘ComCiência’ no Centro Cultural Banco do Brasil, de São Paulo, até o
fim do ano.
Nesta entrevista ao sobreCultura, Piccinini fala sobre o que inspira sua obra,
suas influências artísticas, sua relação com o público. Segundo ela, não há nada de
‘especulativo’ sobre as tecnologias genéticas que imagina em seu trabalho. “Tudo isso
está acontecendo a nossa volta.”
Entrevista concedida a Alicia Ivanissevich |sobreCultura | RJ |
fotosdivulgação
2. Em outro nível, minha obra se conecta com
ideias da vida contemporânea – ideias sobre
ciência, ética ou meio ambiente. Ainda em
outro patamar, apresenta reflexões sobre pre-
ocupações artísticas, como forma e matéria,
abstração e figuração. Muitas dessas reações
parecem surpreendentemente universais, e
eu tenho obtido respostas muito fortes e se-
melhantes dos diversos públicos, seja na
Coreia, na Austrália ou no Peru. É claro que
sempre há diferenças sutis, e estou animada
para ver como será a reação dos brasileiros
a minha obra.
O que espera do público brasileiro nesta primeira exposição
no país?
Realmente, não sei o que esperar. Mas as
ideias com as quais trabalho e os modos de
expressão que uso para discuti-las, assim
como meu foco na empatia com o público,
são todas coisas que atravessam as culturas.
Espero que as pessoas recebam meu trabalho
com abertura e honestidade, e isso poderia
começar, ou expandir, o debate sobre uma
série de questões presentes no mundo hoje.
Que tipo de materiais utiliza para fazer suas esculturas?
Quanto tempo leva para construir uma peça?
Meu trabalho é criado a partir de uma varieda-
de de materiais e técnicas, que vão do simples
desenho ao vídeo e à escultura. Minhas escul-
turas figurativas são construídas com técnicas
especiais, que usam silicone, fibra de vidro e
cabelo humano. Outros trabalhos são feitos
em bronze, fibra de vidro e tinta automotiva.
Todas as minhas peças começam com ideias e
desenhos. Depois, eu decido qual será o meio
que vai representar melhor as ideias que estou
interessada em desenvolver.
Eu conto com um fantástico grupo de téc-
nicos que trabalham comigo em meu ateliê
para me ajudar a fabricar as peças. Uma coisa
comum a todos os meus trabalhos é que eles
são produzidos com muita dedicação e extre-
mo cuidado, independentemente de se tratar
de um desenho ou de uma escultura.
As obras podem levar de semanas a meses
para serem feitas; até anos, se considerar todo
o tempo investido em sua concepção.
Quais são suas influências artísticas?
Minhas principais influências são o surrea-
lismo e os artistas contemporâneos que
herdaram essa abordagem: a francesa
Louise Bourgeois, o alemão Hans
Bellmer e os norte-americanos
Man Ray e Matthew Barney
são alguns deles. Eu adoro
a combinação de estranha-
mento e interesse na
vida contemporâ-
nea. Também me
interessa a pintura
barroca da italiana
Artemesia Gentiles-
chi e o realismo social
inglês do século 19. Estou
realmente conectada com as
características emotivas e em-
páticas desses trabalhos. Duas
das minhas pinturas favoritas são O
pesadelo, do anglo-suíço Henry Fuseli
[1741–1825], e Angústia, do teuto-fran-
cês August Schenck [1828-1901].
Quando sabe que teve ou está tendo um insight?
Como meus trabalhos requerem muito
tempo e esforço para serem criados, te-
nho que ter plena certeza do que quero
fazer antes de decidir fazê-lo. Levo muito
tempo pensando, esboçando e desenhan-
do. É um processo demorado e deliberado.
Como os críticos de arte avaliam as suas obras? O que
pensa sobre as resenhas e críticas de arte? Como elas
afetam seu trabalho?
Para ser honesta, não é, realmente, algo
sobre o que pense muito. Minha vida
gira mesmo em torno da minha casa e
de meu ateliê.
Você acredita que seu trabalho levante questões
éticas e filosóficas?
Sem dúvida. Esse é o ponto crucial da
minha obra. Não há nada de particular-
mente ‘especulativo’ sobre os tipos de
tecnologias genéticas que eu imagino
no meu trabalho. Tudo isso está acon-
tecendo a nossa volta. Minhas obras
não dizem às pessoas o que pensar
sobre essas tecnologias, mas as con-
vida a fazê-lo por conta própria e
procura lembrá-las de que não exis-
tem respostas simples.
ENTRE DELÍRIOS E MONSTROS
Mix
Na página ao lado, The Long Awaited (2008).
À esquerda, The Welcome Guest (2011) e abaixo The
Observer (2010). As obras estão em exposição no Centro
Cultural do Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo até dezembro
deste ano e seguem para o CCBB de Brasília no início de 2016.