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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
       LICENCIATURA EM HISTÓRIA




      ROBENILTON PINTO CARNEIRO




    A Ditadura Militar no cinema:
        A luta armada em Cabra-Cega




            Conceição do Coité
                  2010
1



 ROBENILTON PINTO CARNEIRO




A Ditadura Militar no cinema
    A luta armada em Cabra-Cega




                      Artigo apresentado à Universidade do Estado da
                 Bahia – Campus XIV como requisito parcial para
                 obtenção do título de graduado em Licenciatura em
                 História sob a orientação da professora Susana M. de S.
                 S. Severs




        Conceição do Coité
              2010
2




                   Componentes da Banca examinadora:
       Orientadora: Professora Susana M. de S. S. Severs
________________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
3



RESUMO



As relações entre a História e o Cinema estão cada vez mais em evidencia. Ao longo da sua
história, o cinema produziu filmes com as mais diversas temáticas e gêneros, entre elas se
destacam as de temáticas históricas. As produções nacionais também seguem essa tendência.
Uma das temáticas mais filmadas do cinema brasileiro é a Ditadura Militar em seus diversos
aspectos. Esse artigo analisa a representação da luta armada no filme Cabra-Cega (2005). O
filme Cabra-Cega se insere dentro das produções da retomada do cinema nacional, e se
destaca por mostrar um personagem muito complexo que quer junto com seu agrupamento
político-militar, através da guerrilha, implantar a revolução no país e derrubar o regime
militar.



PALAVRAS – CHAVES: Cinema – História – Ditadura Militar – Luta Armada
4




INTRODUÇÃO

        O cinema é um fenômeno histórico relativamente novo. Surgiu no final do século
XIX, e se popularizou no século seguinte, transformando-se em indústria cultural de massas.
Propagando valores e disseminando ideologias, influenciou e povoou o imaginário da
sociedade.

        No Brasil o fenômeno se repete. A nossa indústria cinematográfica cresce a cada ano
produzindo, distribuindo e exibindo filmes nacionais. Em 2009, por exemplo, o público que
assistiu às produções nacionais cresceu 76% em relação ao ano anterior. Também cresceu o
numero de filmes nacionais, chegando ao número de 84 filmes lançados comercialmente. 1

        Ao longo da sua história, o cinema produziu filmes com as mais diversas e
interessantes temáticas e gêneros. Temáticas políticas, filosóficas, religiosas. Gêneros como o
western, ficção científica, comédia, romance, drama, dentre outros. No entanto, uma temática
específica sempre foi trabalhada pelo cinema: a dos filmes históricos. O termo filmes
históricos é colocado aqui como um gênero de filmes que aborda uma temática histórica.
Entretanto, todo filme produzido é histórico, pois pode transformar-se em fonte para o
historiador, revelando aspectos do contexto em que foi produzido.

        Desde a primeira fase do cinema mundial, passando pelo cinema mudo, e até nos
principais movimentos cinematográficos mundiais, como o neo-realismo italiano, a nouvelle
vague, o Cinema Novo, entre outros, todos abordaram temáticas históricas em suas
produções. A indústria hollywoodiana se apropriou como nenhuma outra da produção em
massa dessa fonte. Filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã, a Conquista
do Oeste, o Nazismo, a Guerra Fria, o Império Romano, são constantemente produzidos,
filmados, refilmados e lançados pela mais influente indústria cinematográfica do planeta. O
cinema brasileiro também, desde os primeiros passos, produziu filmes de temáticas históricas.

          Jean Claude Bernadet e Alcides Freire Ramos2 analisam panoramicamente essa
situação, enfatizando que o cinema nacional até o final da década de 1980 (quando o trabalho
foi publicado) sempre recorreu às temáticas históricas. Observando a temática da


1 Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/01/13/publico-do-cinema-brasileiro-cresceu-76-em-2009/
2 BERNADET, Jean-Claude e RAMOS, Alcides Freire. Cinema e história do Brasil. São Paulo: Contexto,
1988.
5



Inconfidência Mineira e a figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, os autores
pontuam “que nenhuma figura da história do Brasil a não ser, nas últimas décadas, Getúlio
Vargas, foi tema de tantos filmes quanto Tiradentes (e por extensão, a Inconfidência
Mineira)” 3

          Outro tema histórico muito retratado pelo cinema brasileiro é o cangaço. Existem mais
de cinqüenta filmes, dos mais variados gêneros, sobre essa temática, desde comédia (Deu a
louca no cangaço, de Nelson Teixeira e Fauzi Mansur, 1969; O Cangaceiro Trapalhão, de
Daniel Filho, 1983), romance (Entre o Amor e o Cangaço, de Aurélio Teixeira, 1965), e até
filmes eróticos como As Cangaceiras Eróticas de Roberto Mansur, de 19744. Um dos grandes
nomes do Cinema Novo, Glauber Rocha, também produziu duas películas sobre esse
fenômeno: Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e O Dragão da Maldade Contra O Santo
Guerreiro (1969).

          Durante a Ditadura Militar a Embrafilme 5 passou a fomentar produções de temáticas
históricas com o objetivo de promover a cultura nacional, adaptando a literatura brasileira às
telas e reproduzindo as biografias de grandes vultos brasileiros como Santos Dumont,
Marechal Rondon, Tiradentes, dentre outros. Os militares não imaginavam que a reprodução
de episódios históricos poderia servir para criticar o sistema político vigente no presente. Eles
não perceberam a relação passado/presente nas obras cinematográficas.

          Aproveitando essa brecha, e ainda com recursos do próprio governo militar, Joaquim
Pedro de Andrade levou as telas uma das mais sutis críticas cinematográficas ao regime
militar brasileiro: o filme Os Inconfidentes. Produzido em 1972, foi todo escrito e montado
utilizando como fonte histórica de pesquisa para produção o Auto das Devassas e o poema de
Cecília Meirelles, o Romanceiro da Inconfidência. Em uma das cenas, os revoltosos discutem
a participação do povo nos planos dos inconfidentes. Um militar, que fazia parte do grupo, em
posse de armas de fogo esbraveja: “pra que o povo se temos a força das armas”! 6.
Evidentemente, ao filmar essa cena em 1972, a intenção do autor não era simplesmente
reproduzir um possível diálogo de 1789, mas sim, criticar o Regime de Exceção que o país
vivia naqueles anos de chumbo.

3
    Idem. Ibidem. Pg. 19
4
   Há um trabalho de mestrado sendo desenvolvido atualmente sobre as mulheres do cangaço no cinema pela
aluna Caroline dos Santos Lima no mestrado de História Regional e local no Campus V da UNEB.
5
  Criada em 1969, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes) se tornou a principal referencia da produção
cinematográfica no país.
6
  INCONFIDENTES. Joaquim Pedro de Andrade (dir.). Brasil: Sagres, 1972. 1 filme (100 min.), son., col.
6



        Com a abertura política do país, na década de 1980, e a reestruturação do setor
cinematográfico, intensificaram as produções de filmes sobre o período da Ditadura Militar.
E, ainda que na década de 1980, já tivessem sido produzidos filmes com temática sobre o
período dos militares no poder, como por exemplo, Cabra Marcado Pra Morrer (1984,
Eduardo Coutinho), o Bom Burguês (1982, Oswaldo Caldeira), e Memória do Cárcere (1984,
Nelson Pereira dos Santos), na década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI, esse
interesse foi maximizado, inclusive recortando especificamente os anos de chumbo, que
ocorreram logo após a promulgação do Ato Institucional nº 5, conhecido amplamente como
AI-5, e que motivou o surgimento da luta armada e as guerrilha.

        Após a retomada do cinema nacional, a produção de filmes brasileiros que quase zerou
entre os anos 1992/1993, voltou com muita força a partir de 1994. De 1994 até 2009 mais de
uma dezena de filmes sobre a ditadura militar foi produzido. Alguns foram produções de
muito sucesso como: Lamarca, de Sérgio Rezende (1994) e O que é isso Companheiro? de
Bruno Barreto (1997), indicado ao prêmio Oscar do cinema norte-americano.7

        Concomitante ao desenvolvimento das produções de temáticas históricas ao longo da
história do cinema desenvolveu-se no seio da historiografia mundial a necessidade de estudar
as relações umbilicais existentes entre Cinema e história. Um dos primeiros estudiosos a
fazer esse trajeto foi o historiador francês Marc Ferro. Influenciado pela Nova História, que
preconizava a ampliação de novos objetos e novos métodos de pesquisa, Ferro, ainda na
década de 1960 publicava o artigo intitulado “O filme, uma contra-análise da sociedade”,
revelando interesse pela área.8 Nas últimas duas décadas a produção acadêmica sobre a
relação história/cinema é espantosa, inclusive no Brasil.

        Além de se estudar o Cinema na História, como faz Marc Ferro e outros
historiadores, também pesquisa-se a História do cinema e a História no Cinema. O Cinema na
História é a prespectiva através da qual o cinema é visto como fonte primária para
investigação histórica. É quando um historiador utiliza os filmes como documento para
interpretação histórica da sociedade que o produz. Por exemplo, O Triunfo da Vontade, de
Leni Riefenstahl (1934), pode ser utilizado como fonte primária para se perceber a estética e

7
  A lista é muito peculiar: Lamarca, de Sérgio Rezende (1994); O que é isso Companheiro, de Bruno Barreto
(1997); Ação entre Amigos, de Beto Brent (1998); Dois córregos, de Carlos Reichenbach (1999); Quase Dois
Irmãos, de Lucia Murat (2003); Araguaia, a conspiração do silêncio, de Ronaldo Duque (2004) Cabra-Cega, de
Toni Venturi (2004); Zuzu Angel, de Sergio Rezende (2006); Batismo de Sangue, de Helvecio Ratton (2006); O
Ano em que meus país saíram de Férias, de Cão Hambúrger (2007).
8
  FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 1992. [original Francês: 1976].
7



propaganda nazista sob a égide de Hitler9. Ou, o Cinejornal Brasileiro (1938-1946), série de
documentários exibidos obrigatoriamente em todos os cinemas do território nacional antes do
filme principal, podendo ser utilizado para traçar um painel da sociedade estadonovista e
entender os mecanismos de propaganda do DIP na Era Vargas.

        A História do cinema, no entanto, reporta-se a trajetória do cinema ao longo do tempo,
do surgimento da “sétima arte” aos nossos dias, do desenvolvimento das primeiras técnicas de
montagem ao uso de efeitos visuais modernos, além das correntes cinematográficas que
surgiram em várias partes do mundo. Já a História no Cinema é o cinema abordado como
produtor de discurso histórico, intérprete do passado e como representação histórica. Nesse
artigo, a linha de pesquisa versa sobre a história no cinema. Tratar-se-á logo abaixo de uma
análise da representação do fenômeno da Luta armada no filme de ficção Cabra-Cega de Toni
Venturi (2005).

        Como já foi brevemente abordado acima, a última década do século XX e a primeira
do século XXI viram intensificar a produção de obras cinematográficas sobre a Ditadura
Militar. O que se percebe é que a sociedade brasileira está cada vez mais politizada, e gosta de
ver sua história sendo contada e revelada nas telas do cinema. Tanto é que a recepção da
crítica e do público desses filmes é considerável.                Cada vez mais o cinema contribui
diretamente para que a história seja contada. E sobre a história da luta armada, algumas razões
conspiram para o difícil entendimento desse tema. O próprio Venturi esclarece seu ponto de
vista a esse respeito:




                          Primeiro, é a história dos derrotados e, portanto, não tem a força da história oficial,
                          que prefere apagar o período de nossa memória em vez de refletir sobre ele.
                          Segundo, é uma história de clandestinidade, as organizações, por questão de
                          estratégia e sobrevivência, estavam profundamente submersas e com pouco contato
                          com a sociedade em geral, o que também foi um motivo de seu enfraquecimento.
                          Terceiro, o país vivia uma pesada censura nos meios de comunicação e sob o signo
                          do medo, que pairava e pautava a vida de todos os brasileiros.10



        Evidentemente, a recente historiografia já problematiza esses questionamentos,
lançando luz sobre esse ponto de vista. Mesmo assim, e consciente das dificuldades, Venturi,


9
   Sobre cinema nazista ver a tese de doutoramento de Luiz Nazário Imaginários de destruição - O papel da
Imagem na preparação do Holocausto. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994. E toda sua produção sobre
totalitarismos.
10
   Disponível em http://revistaquem.globo.com/Quem/0,6993,EQG946729-3428,00.html
8



por outro lado, afirmava que a sociedade brasileira estava mais preparada para refletir e fazer
uma revisão sobre os episódios luta armada, mas nesse caso o que se percebe é exatamente o
contrário. Depois que o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Direitos Humanos, que
entre outras coisas acena com a possibilidade de investigação de casos de tortura (crime
imprescritível) praticados pelos militares durante o regime militar, o atual ministro da Defesa
e os comandantes das Três Armas ameaçaram pedir demissão dos seus respectivos cargos
alegando revanchismo. Noutras palavras, para os militares, o passado incomoda muito, as
                           11
“memórias reveladas”            também, e é melhor deixá-lo como está para evitar embaraços no
presente. Nada de revisão.12
        Vários procedimentos serão tomados na análise da obra cinematográfica. A crítica
analítica de uma obra cinematográfica de ficção deve se o mais amplo possível, reunindo
várias possibilidades de investigação como perceber a sociedade que a produz, a relação entre
autor, filme e sociedade. Também a história da produção do próprio filme (as várias versões
que teve as mudanças do roteiro, as recepções da crítica e do público...). As operações de
análises derivam de diferentes metodologias (história, literatura, psicanálise, análise da
decupagem, da filmagem). A análise de cada filme procede da experimentação de cada uma
destas aproximações, de sua aplicação ao conteúdo aparente de cada substancia do filme
(imagem, música, diálogos etc.).13

        Nessa perspectiva, a análise do filme também deve ser realizada apontando eventuais
omissões, anacronismos e informações erradas veiculadas. Além disso, a perspectiva de
análise deve ir além, detectando o discurso que a obra constrói sobre a sociedade na qual se
insere, revelando suas incertezas, ambigüidades e até problemáticas nela inseridas.

        Esse artigo se propõe a analisar o filme Cabra-Cega destacando os principais aspectos
do fenômeno da luta armada retratado na película, fazendo um diálogo como a bibliografia
historiográfica sobre esse período da história brasileira: como e por que surgiu? Que classes
sociais engrossaram suas fileiras? Quem apoiou os grupos? Quais eram os principais grupos e
os principais líderes? Como agiam? Como a sociedade via os grupos? Como o governo reagia

11
   Existe um projeto também do Governo Federal chamado Memórias Reveladas que objetiva em longo prazo a
abertura dos arquivos do regime militar que também causa muito incômodo no setor militar brasileiro.
12
   Sobre essa polemica, ver carta aberta de Sílvio Tendler a Nelson Jobim, atual ministro da defesa, e também
carta aberta de Alípio Freire à Paulo Vannuchi, atual secretário especial dos Direitos Humanos, publicadas no
endereço eletrônico: www.cartamaior.com.br
13
   NAPOLITANO, Marcos.A escrita fílmica da história e a monumentalização do passado: uma análise
comparada de Amistad e Danton e MORETTIN, Eduardo. O cinema como fonte histórica na obra de Marc
Ferro.IN: CAPELATO, Maria Helena (ET AL): História e cinema. São Paulo: Alameda editorial, 2007.
9



às ações? Como o diretor dialoga com obras historiográficas sobre o tema? Como foi
elaborado o processo de construção da história? Quais as teses centrais do diretor? Como o a
luta armada foi representada nas telas?



A PESQUISA E A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA HISTÓRICA EM CABRA-CEGA

        No artigo “O cinema e o conhecimento da história”, Cristiane Nova polemiza dizendo
que “não é absurdo considerar que o cineasta, ao realizar um filme histórico, assume a posição
de historiador, mesmo que não carregue consigo o rigor metodológico do trabalho
historiográfico”.14 Como a maioria dos diretores que produzem uma película de temática
histórica, Toni Venturi também realizou muita pesquisa para compor a obra Cabra-Cega.
Nesse caso específico, há um complicador, já que o filme é de ficção. Dentro dessa
problemática, ele faz uma reflexão salutar no livro Cabra-Cega, O caminho do filme: do
roteiro de Di Moretti às telas:

                           Como construir uma mise-en-scene “verdadeira” quando é tudo mentira? Como
                           fazer que sua representação tenha verossimilhança e toque as pessoas se tudo
                           (cenário, situação, época) é falso e de mentirinha? Como fazer um filme sobre a luta
                           armada, que deixou tantas seqüelas e dor a tantas famílias, digno e autentico? São
                           questões profundas, que estiveram sempre no âmago de minhas preocupações e
                           meus medos15



        A busca para se fazer um filme fidedigno é o principal objetivo do diretor, mesmo
sabendo que a realidade em cinema, não existe. Isso se explica pela busca de uma estética
naturalista, tão bem consolidada em Hollywood.

        Duas figuras históricas foram fundamentais na composição das características da
personagem Tiago: Luis Carlos Prestes16 e Carlos Eugenio Paz 17. Venturi e Moretti já tinham

14
   NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. In Revista O Olho da História, nº 1 Salvador, 1997/
Este artigo encontra-se digitalizado no seguinte endereço: http://www.oolhodahistoria.ufba.br/o3cris.html
15
   MORETTI, Di. Cabra-Cega: do roteiro de Di Moretti às telas/ uma análise cena a cena de Toni Venturi e
Ricardo Kauffman. São Paulo: imprensa oficial do Estado de São Paulo: Cultura- fundação padre Anchieta,
2005, pg. 10 (coleção aplauso. Série Cinema Brasil/ Coordenador Rubens Ewald Filho)
16
   Luis Carlos prestes é um ícone da esquerda latino-americana. Sua luta em prol da implantação de um regime
social mais justo e igualitário no Brasil começa ainda na década de 1920, com a coluna que teve seu nome, se
afilia ao PCB, torna-se senador e posteriormente secretário Geral do Partido. Morreu em 1990.
17
   Carlos Eugenio Paz participou intensamente da luta armada no Brasil entre 1966 e 1973. Aos 17 anos
integrou-se à Ação Libertadora Nacional (ALN) e em pouco tempo era um de seus dirigentes. Poucos militantes
participaram de tantas ações armadas naquele período como Clemente, codinome de Carlos Eugênio. Ao tornar-
se um dos homens mais procurados do país, foi obrigado a exilar-se na França, em 1973. Lá viveu até 1981,
trabalhando como músico de jazz. Jornalista, escreveu alguns livros sobre a Luta Armada na Ditadura Militar,
inclusive Viagem à Luta Armada, editada em 1997 pela Civilização Brasileira.
10



produzidos juntos o premiadíssimo documentário O Velho, a história de Luis Carlos Prestes,
que mostra toda a trajetória política do Cavaleiro da Esperança. O documentário reúne 70
anos de imagens da História do Brasil, com depoimentos de jornalistas, familiares, ex-
membros do PCB. Assim, esse trabalho anterior afetou na confecção de Cabra, e mais
especificamente na configuração da personagem de Tiago:

                          o documentário O Velho é uma narrativa documental sobre um ícone da esquerda
                         latino-americana. A luta de Prestes, durante 70 anos da história do Brasil, foi sempre
                         marcada por sua tenacidade, teimosia, determinação, características que também me
                         serviram para delinear a psique do personagem de Thiago, o protagonista de Cabra-
                         Cega.18

       Toni Venturi tem uma relação pessoal constante com Carlos Eugenio Paz, inclusive
consultando-o durante a produção do filme. Outro consultor que colaborou com informações
sobre a Luta Armada foi Alípio Freire, ex-militante que foi preso e torturado nos anos de
chumbo, foi muito útil na troca de ponderações de até onde a ficção poderia ir sem macular ou
transgredir os fatos daquela época.

       Outra fonte muito útil na construção do roteiro do filme foi o documentário No olho
do furacão, de Renato Tapajós e do próprio Toni Venturi (2003), que contem 11 depoimentos
de ex-combatentes da luta armada. Pensando no conjunto de toda obra de Venturi, em O
velho, ele abordou muito panoramicamente a ditadura militar. Assim, fazia parte de seus
planos voltar a essa temática. Em parceria com Tapajós, ele confeccionou No Olho do
Furacão. Para completar o ciclo, dirigiu Cabra-Cega.

       Todo esse processo de criação de uma reconstituição histórica mais próxima do real é
relevante na construção do filme, e também na análise da relação Cinema/História. É o que
Michèle Lagny chama de “signo de autenticidade”.19 Sendo assim, os cartazes espalhados
pelos cenários, os jornais lidos pelos personagens (Tiago faz um recorte em um jornal com a
foto de Médici, e com a manchete de lançamento do disco de John Lennon, Imagine), os
livros nas prateleiras, as imagens na televisão assistidas pelos figurantes, enfim, o cenário de
um modo geral, é construído para trazer ao espectador essa sensação de verossimilhança da
obra com o período nela retratado.

       Mais um exemplo dessa busca pela verossimilhança está na trilha sonora do filme.
Capitaneada por Fernanda Porto, as músicas são todas de época, com clássicos como Roda
18
  MORETTI, Di, 2005. pg. 15-16
19
  LAGNY, Michèle. O cinema como fonte de história. IN: NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto;
FRIEGELSON, Kristian (organizadores). Cinematografo, um olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA; São
Paulo: Ed. da UNESP, 2009.
11



Viva e Construção (Chico Buarque), porém com nova roupagem, e Eu Quero é Botar Meu
Bloco na Rua (Sérgio Sampaio). Já na composição ficcional do Grupo de Ação, agrupamento
político-militar na qual Tiago era militante, Venturi e Moretti se inspiraram, acima de tudo na
ALN e da Ala Vermelha20, grupos que fizeram parte os dois consultores do filme, Alípio
Freire e Carlos Eugenio Paz.




O CINEMA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NO CINEMA: CABRA-CEGA E A
REPRESENTAÇÃO HISTÓRICA

        O filme Cabra-Cega foi uma das produções mais consagradas de 2005, vencendo
vários festivais de Cinema, inclusive o Festival de Brasília, um dos mais tradicionais do país.
Dirigido e produzido por Toni Venturi21, diretor do documentário O Velho, a História de Luis
Carlos Prestes, e com o roteiro de Di Moretti22, o filme aborda a história de Tiago (Leonardo
Medeiros), um guerrilheiro que é ferido em combate no ano de 1971 na cidade de São Paulo.
A organização clandestina à qual está filiado apresenta-se debilitada no enredo do filme,
inclusive a ponto de discutir o abandono da luta armada como ação política, já que eles
propunham a revolução armada para derrubar os militares no poder e implantar um regime
social mais justo e democrático.

        Assim, Tiago é confinado no apartamento de Pedro (Michel Berecovitch), um
estudante de arquitetura que leva uma vida mais dedicada aos estudos. Pedro é um militante
de esquerda que não está envolvido diretamente nas ações armadas, apenas cedeu o
apartamento para Tiago se recuperar fisicamente. Lá, Tiago é assistido pela enfermeira Rosa
(Débora Duboc), uma jovem filha de um ex-militante operário morto em ação.

        Na apresentação do filme é exibido um clipe com cenas em preto e branco mostrando
as passeatas e manifestações estudantis ocorridas nos anos 67-68. Os estudantes questionam a
parceria feita pelo o MEC (Ministério da Educação e Cultura) com o United States Aid for



20
   A ALN (Ação Libertadora Nacional), cujo líder principal foi o ex-militante comunista Carlos Marighella, e a
Ala Vermelha se inserem no amontoado se siglas que surgiram após o golpe de 1964. Em anexo, segue uma
tabela comparativa com os principais grupos político-militares do período, enfocando as principais
características, os principais líderes e os objetivos.
21
   Filmografia de Toni Venturi: O Velho, a história de Luis Carlos Prestes,(1997); Latitude Zero,(2002); No olho
do furacão, (2003); Cabra-Cega (2005); Dia de Festa (2006); Atualmente trabalha no filme (Estamos Juntos)
22
   Parcerias entre Di Moretti e Venturi: O Velho, a história de Luis Carlos Prestes,(1997); Latitude Zero,(2002);
Cabra-Cega (2005);
12



Development (USAID)23, enquanto vão às ruas contra o regime militar. A última cena desse
clipe mostra as imagens do guerrilheiro revolucionário Ernesto “Che” Guevara morto na
Bolívia. Essas cenas de material de arquivo não estavam previstas no roteiro, sendo
incorporadas após a primeira exibição fechada para colaboradores do filme. Percebeu-se a
necessidade de incluir na obra uma contextualização histórica. Venturi optou, então por
introduzir um conteúdo imagético e documental sem didatismo. Até mesmo a utilização de
um letreiro com datas foi descartada. As imagens da apresentação aparecem na tela sob a
música Saveiros cuja autoria é de Nelson Motta e Dory Caymmi, com a qual Elis Regina
ganhou o Festival Internacional da Canção de 1966, interpretada por Fernanda Porto, em nova
versão feita para o filme.

        No início da década de 1960, o Brasil passava por um período de esperanças no seio
da luta política. Era um período de intensa participação política das massas, instigadas,
sobretudo, pela ação “politizante” dos jovens estudantes (secundaristas e universitários) e
pelos principais movimentos culturais do período (Cinema Novo, CPC’s da UNE, Teatro
Arena e Oficina, etc.). A esquerda política estava no poder, após João Goulart, então vice-
presidente da República, assumir o poder depois da renúncia de Janio Quadros, e o PCB
(Partido Comunista Brasileiro) vivia um período próspero de atuação.

        Na noite de 31 de março de 1964 os militares com o apoio dos conservadores
brasileiros e do governo americano tomam o poder. Desde o segundo período em que Getúlio
Vargas foi presidente (1951-1954), os militares já conspiravam para tomar o poder. Na
verdade, esse foi um dos motivos do suicídio de Vargas. Além disso, havia uma imprensa que
golpeava Jango nos noticiários, além da ação da Igreja Católica contra o presidente,
manifestada na Marcha da Família com Deus pela liberdade.

        Mesmo com essa atmosfera golpista, a esquerda foi surpreendida, e mais precisamente
o PCB. O secretário geral do partido, e já na época lendário, Luis Carlos Prestes dizia
abertamente que as forças armadas brasileiras tinham um caráter democrático, e que jamais
conspirariam contra o governo institucional. 24 Outro fator que pode ter contribuído para essa




23
   Era uma parceria entre o MEC e a USAID (United States Aid for development: Agencia dos E.U.A para o
desenvolvimento internacional) que visava a reforma universitária nos moldes norte-americanos, muito criticada
pela UNE, que mesmo na ilegalidade influenciava o movimento estudantil, e também pela esquerda , que
denunciavam o acordo como uma infiltração imperialista na educação nacional.
24
   GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1987.
13



leniência frente ao perigo golpista pode ter sido a aprovação do governo de Jango, no mês de
março de 1964, com mais de 65% pelo instituto IBOPE.25

        Decepcionados com a reação do PCB frente ao golpe vão surgir novas organizações
políticas que contestarão a apatia política do partido, e que além disso, irão questionar a idéia
de que a revolução no país virá através do caminho pacífico. Assim, optarão pelos métodos
revolucionários da luta armada, em sua maioria inspirados nas experiências cubanas e
chinesas, para se chegar à revolução brasileira. A maioria dos militantes que engrossaram as
fileiras dessas organizações político-militares eram membros ativos do PCB.

        Todos esses agrupamentos são conhecidos historicamente como Nova Esquerda, e
entre seus objetivo estão a crítica ácida ao PCB; o abandono do modelo leninista de
organização, concretizados nos partidos comunistas26; o método de ações armadas como
caminho para a revolução. Muitas ações desses agrupamentos ganharam o noticiário nacional,
como o seqüestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, coordenados pela
ALN e pela DI-GB (Dissidência da Guanabara), a expropriação do “cofre do Ademar” (assim
conhecida a ação que raptou o cofre do ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros,
efetivado pelo grupo de Lamarca, VAR-Palmares), a Guerrilha do Araguaia, o roubo de armas
nos quartéis do exército, entre outros. Essas ações objetivavam despertar o povo brasileiro
para a luta revolucionária, e também arrecadar fundos para manter a dispendiosa guerrilha.

        Depois das manifestações estudantis e das passeatas que sacudiam principalmente o
Rio de Janeiro e São Paulo no período 64/68, a ditadura militar encrudesce ainda mais. O
governo Médici (1969-1974) é considerado por muitos como o mais sanguinário e cruel dos
ditadores do regime militar. Thomas Skidmore denominou-o de “a face autoritária” do regime
de exceção.27 Ao tomar posse em 30 de Outubro de 1969, Médici prometeu devolver o País à
plenitude do regime democrático. Mas o que se viu foi totalmente o contrário. Já nas
nomeações dos principais ministérios, Médici coloca nas pastas justamente os signatários do
AI-5. Edita a Lei de Imprensa para censurar ainda mais os meios de comunicação. Cria os
famigerados DOI-CODI’s (Departamento de Operações Internas- Centro de Operações para
Defesa Interna). No seu governo, a tortura foi institucionalizada.


25
   SEVERIANO, Mylton (editor). Coleções Caros Amigos: A ditadura militar no Brasil. São Paulo: Casa
Amarela, 2007. pg. 29
26
   Para essas novas organizações, submeter suas estratégias de atuação ao comando de um partido político formal
seria incorrer no mesmo erro do PCB , por isso o abandono ao modelo leninista de organização
27
   SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
14



       É nesse contexto de repressão que em setembro de 1971 o personagem Tiago e seu
Grupo de Ação são surpreendidos pelos militares, entrando em conflito. Dora (Odara
Carvalho), militante do Grupo de Ação, é presa, enquanto Tiago é ferido. Mesmo ferido, ele
ainda tenta salvar Dora dos militares, mas Mateus chega para resgatá-lo e impedir que
também seja preso.

       O apartamento onde Tiago fica confinado faz parte da trama e do drama do
personagem. Para um guerrilheiro que precisava “fazer a Revolução”, estar naquelas
condições não era nada animador. O tédio, a solidão deixava-lhe totalmente perturbado. A
todo o momento, as câmeras mostram o relógio, que teima avançar no tempo. A rachadura no
teto também é enfocada com intensidade. Tiago olha para ela muitas vezes. O destaque é
dado porque este elemento será usado, no decorrer da história, como medida de tempo
atrelada ao desenvolvimento dramático do protagonista confinado e à lógica interna do filme.
Trata-se de uma licença poética que revela o recrudescimento do ambiente em torno do
personagem.

       Essa escolha do diretor Toni Venturi de concentrar as cenas no apartamento,
mostrando as reações de Tiago, seja diante do toque de uma campainha ou telefone, ou com a
chegada de alguém a casa, difere da forma com que boa parte das produções brasileiras
representou à temática. Enquanto que Lamarca (1994) Zuzu Angel (2005) e Batismo de
Sangue (2006) optaram por enfocar as ações externas, com intensas movimentações, Cabra-
Cega concentra seu foco no drama intimista vivido pelo guerrilheiro Tiago confinado no
apartamento. Guardadas as devidas proporções, a tortura psicológica de Tiago na clausura é
análoga à tortura submetida aos companheiros guerrilheiros pegos pelo regime repressor
policial. E sobre a tortura sentida na pele pelos inúmeros mortos e desaparecidos no auge da
repressão, cabe aqui levantar uma ausência significativa em relação a Cabra-Cega; quase
ausência de cenas de tortura física.

       É fato que os primeiros anos da década de 1970 foram os mais intensos nas práticas da
tortura deliberada pelos órgãos repressor. Também é fato que a maioria dos filmes já citados
sobre essa temática abordam a questão da tortura como elemento primordial para se entender
esse contexto específico. No entanto, como já referi acima, Cabra-Cega mostra apenas uma
companheira de Tiago do Grupo de Ação que foi capturada no tiroteio entre o grupo e os
militares sendo torturada. A opção de Venturi é realmente substituir a tortura física insana
sofrida pelos militantes de esquerda, pela tortura psicológica, paranóica, da clausura do
15



esconderijo. Essa cena de tortura da guerrilheira Dora causou surpresa para alguns estudantes
de comunicação, entre 18 e 22 anos, numa exibição-teste do filme, pois os estudantes não
tinham muita informação sobre a tortura28. Por conta disso, Venturi sentiu a necessidade de
ampliar a preocupação com a parcela desse público que tem pouca idéia do que se passou
durante aqueles anos, acrescentando mais informações sobre a tortura. Mas como se vê na
montagem final, se comparando com outros filmes sobre luta armada, as cenas de tortura são
escassas. Interessante notar que essa cena de tortura tem apenas uma frase dita pelo oficial
interpretado pelo ator Renato Rorghi que é: “vai parir eletricidade!”. Essa cena foi uma
homenagem de Venturi a Dulce Maia, uma das ex-guerrilheiras que relataram suas histórias
no documentário No olho do furacão, e a primeira mulher a ser torturada pela ditadura
brasileira.

          Curiosamente, a ênfase dada às cenas no confinamento é motivada boa parte por conta
do baixo orçamento que a produção conseguiu captar para realização da obra. No roteiro
original, estavam programadas mais cenas externas do que as que chegaram as salas de
cinema. No início do filme, por exemplo, a chegada de Tiago ao apartamento se daria após
uma perseguição policial, oriundas de uma blitz para fiscalizar as ruas de São Paulo. No
entanto, essas cenas foram eliminadas pouco antes das filmagens. Toni Venturi e Ricardo
Kauffmam explicam o processo:

                           Filmar a perseguição era um forte desejo da direção. Muita energia foi empreendida
                           neste sentido, tanto que foram feitos vários preparativos. A equipe chegou a elaborar
                           o storyboard das cenas e fez pesquisa de locação completa. Cabra-Cega é um filme
                           de época, passado na São Paulo do início dos anos 70, o que amplia
                           significativamente as dificuldades das gravações externas. [...] Esse tipo de
                           seqüência é raridade no audiovisual brasileiro. A demanda técnica implicada expõe
                           um variado leque de carências que as nossas produções sempre enfrentaram- da falta
                           de equipamentos à de pessoal especializado, tudo agravado pela intrínseca ausência
                           de tradição e experiência no ramo. A estrutura ainda deficiente no Brasil para a
                           realização de cenas deste tipo é o motivo da retirada da seqüência inicial do filme29.



          Só sabemos como Tiago foi parar no apartamento de Pedro, com os flashbacks usados
pelo diretor, explicando a ação repressora policial que capturou a militante da organização
Dora. Isso por que o filme já se inicia com Rosa preparando o apartamento para a chegada de
Tiago.




28
     MORETTI, Di, 2005. pg. 116
29
     MORETTI, Di, 2005. pg. 10.
16



        Tiago tinha uma personalidade difícil. Ríspido, rígido, quase beirando a antipatia,
tinha uma postura muito dura, e mesmo com as pessoas próximas a ele, não mostrava ternura.
No primeiro grande bloco do filme, ele se fecha nesse mundo, isolado, introspectivo. Sua
mente esta povoada com as lembranças de fogo. Quase não falava com Rosa e Pedro. Essa
postura se revelava também em suas posições revolucionárias que eram inegociáveis. Aos
poucos ele vai sendo seduzido pelo mundo externo. No segundo bloco, ele vai se soltando,
deixando o mau humor de lado, começando a observar as coisas a sua volta, inclusive vai se
abrindo com Rosa. Depois de manter um breve contato com dona Nenê, Tiago se abre a um
romance com Rosa e inicia um processo de humanização que o levará a recuperar a ternura.
Porém se a solidez de sua personalidade rígida e difícil vai se desmanchando, a sua fé na luta
armada se robustece, inclusive a ponto de questionar todas as reorientações do Grupo de
Ação.

        Tiago e Mateus eram membros ativos do Grupo de Ação. Os agrupamentos político-
militares durante os anos 70/71 estavam passando por uma situação muito grave que
ameaçava sua extinção. Por um lado a repressão policial estava cada vez mais especializada e
coordenada, sobretudo com a sistematização dos órgãos de informação como os DOI-CODI’s,
o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), a OBAN (Operação
Bandeirantes), CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), dentre outros. Por outro,
havia a luta interna em cada uma dessas organizações, que discutia a possibilidade do
abandono da luta armada por outra estratégia de luta.

        O Grupo de Ação estava nessa situação. Depois de perder vários quadros na ação
revolucionária armada, os dirigentes debatiam uma nova orientação. Entretanto, Tiago não
aceitava o abandono das ações, e teimava em continuar mesmo fundando outro agrupamento
armado ou se juntando às outras ainda existentes.

        Essa nova orientação é fruto direto da repressão acima citada, mas também motivada
pela falta de apoio das massas frente aos agrupamentos armados. Hoje, boa parte dos
militantes combatentes que pegaram em armas faz autocrítica dizendo que o que mais
contribuiu para a derrota da luta armada foi exatamente o quase nulo apoio popular. A cena
em que Mateus se encontra com Rosa no Cinema foi criada para fazer uma crítica simbólica
ao distanciamento que a luta armada gerava na população. No cinema estava sendo exibido o
filme Betão Ronca-Ferro de Mazzaropi, ou seja, um filme popular que divertia boa parte da
população alheia ao processo revolucionário. Por sua vez, a guerrilha encarnada por Mateus e
17



Rosa, que representava a libertação nacional das massas, não atraía a participação da mesma.
A cena expõe esta contradição da luta armada no Brasil. Outro trecho dessa mesma cena
mostra na tela do cinema o matuto sentindo mau cheiro no ar e desconfia que o odor venha do
sapato do “doutor” ao seu lado. Para Toni Venturi “o país fedia”. 30

        Uma análise dos documentos políticos dessas organizações políticas é feito pelo
historiador, e na época militante de esquerda, Daniel Aarão Reis em parceria com Jair Ferreira
Sá. O livro Imagens da Revolução é uma importante coletânea desses documentos, que foi
publicado em 1985, e permite um contato direto com os documentos produzidos pelos grupos,
o que possibilita verificar as divergências de seus projetos políticos31. Os grupos clandestinos
pesquisados pelos autores são fundados, organizados e, muitos deles, extintos, entre os anos
1961/71. A luta armada foi brutalmente reprimida, e as organizações precisavam mudar de
estratégia:

                          A destruição de mais esta tentativa (a Guerrilha do Araguaia) fortaleceria a
                          tendência esboçada, já em 1970, pelos primeiros documentos autocríticos, que,
                          depois de uma fase de transição prolongada até 1973, se afirmariam reconhecendo
                          novas realidades, propondo novos caminhos, inaugurando nova fase, caracterizada
                          pela busca de formas legais de luta e pela admissão da situação de defensiva em que
                          se encontravam o movimento popular e as organizações e partidos de esquerda do
                          Brasil.32

        Uma das principais cenas do filme mostra uma indagação oportuna sobre essa questão.
Tiago e Rosa estão no terraço do prédio olhando para a imensidão de São Paulo, quando
Tiago pergunta: Será que alguém aí sabe da nossa luta? O próprio Venturi comenta essa cena:

                          o personagem Tiago e o próprio filme vivem nesta cena o seu clímax. No roteiro não
                          há nenhuma descrição detalhada deste momento. A equipe viveu na pele a sensação
                          de liberdade, já que havia permanecido fechada nas filmagens do apartamento. O
                          alívio experimentado ao se chegar num espaço aberto, retratado nesta cena, se
                          reforçou pelo sentimento real que permeou o trabalho da dupla de atores, diretos e
                          diretor de fotografia. [...] A música escolhida, Eu Qquero é Botar o Meu Bloco na
                          Rua, se Sérgio Sampaio, foi uma sugestão do consultor informal do filme Carlos
                          Eugenio Paz- ex-comandante da ALN, ouvido no documentário No Olho do
                          Furacão. Ele contou ao diretor que vibrava com esse hit da época em seu fusca
                          quando seguia em missão da organização, naqueles tempos. Esta é uma canção que
                          se conecta aos sentimentos da juventude rebelde dos anos de chumbo33.




30
   MORETI, Di, 2005. Pg. 211
31
   REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ,Jair Ferreira de (orgs.). Imagens da Revolução. Documentos políticos das
organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971.2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
32
   Idem. Ibidem. Pg. 19
33
   MORETTI, Di, 2005. Pg. 224
18



        Outra cena de muito impacto e de significação para perceber a idéia central do filme é
a seqüência que informa a morte do Capitão Lamarca. Tiago está no apartamento assistindo à
televisão quando um plantão do repórter Esso noticia:

                          Cai o último líder do terror... Carlos Lamarca foi morto em Ipupiara, no interior da
                          Bahia. Aos 34 anos, o ex-capitão, desertor do Exército brasileiro, transformou-se no
                          inimigo número 1 da nossa democracia. Autor de assaltos, seqüestros e assassinatos,
                          o terrorista é o líder da VPR, Vanguarda Popular Revolucionária.34



        Em seguida, frente ao momento de impacto Tiago se expões desesperado à janela do
aparelho. O close da câmara fixa nos olhos tensos de Tiago. O teto parece que vai desabar. O
seu mundo, esse desaba, pois Lamarca era uma referencia para a esquerda armada.

        Lamarca era uma das grandes lideranças armadas que o Brasil dispunha. Tiago, assim
como tantos outros militantes, tinha em Lamarca um exemplo de revolucionário a ser seguido.
Ex-Capitão do Exército brasileiro deixou o lado da repressão e se juntou aos milhares de
militantes na causa contra a Ditadura. Ao sair do exército, levou consigo armamentos que foi
utilizado depois contra o próprio exército em ações armadas. Junto com o sargento Darcy
Rodrigues, integra a VPR. Em julho 1969, a VPR e o Comando de Libertação Nacional
(COLINA) se fundem e forma a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-
Palmares). Entretanto, divergências envolvendo questões referentes à concepção da
combinação entre luta armada e lutas sociais, e a estratégia revolucionária, levariam à
reconstituição da VPR.35

        O nome de Lamarca vai ficando conhecido no Brasil todo. Os militantes de esquerda
tinham uma profunda admiração por ele, e pela VPR. Daniel Aarão e Jair Ferreira afirmam
que:

                          A VPR tornar-se-ia conhecida por uma série de ações de caráter espetacular. Em
                          1969: expropriação de armas no quartel do 49° Regimento de Infantaria de São
                          Paulo, quando o capitão Lamarca abandonaria o exército; expropriação da
                          “caixinha” do ex- governador Ademar de Barros no valor de US$ 2,5 milhões. Em
                          1970: seqüestros do cônsul japonês em são Paulo (março) e dos embaixadores
                          alemão (com a ALN) e suíço (junho e dezembro), trocados pelas vidas de 115
                          militantes presos; rompimento do cerco ao campo de treinamento guerrilheiro da
                          VPR no Vale do Ribeira36


34
   Transcrição de uma cena do filme em análise
35
   Toda a discussão sobre os rumos do VAR-Palmares e ressurgimento da VPR foi debatida em um congresso
que durou 44 dias. Emiliano José e Oldack Miranda escreveram uma biografia que ate hoje é referencia sobre a
vida do Capitão da Guerrilha. Ver: JOSÉ, Emiliano e MIRANDA, Oldack. Lamarca, o Capitão da Guerrilha.
São Paulo: Global editora, 16ª Ed. 2004
36
   REIS FILHO, 2006. Pg. 84
19




       Assim como Lamarca, Tiago era renitente em relação à guerrilha. Lamarca sabia que a
repressão estava próximo dele. Foi lhe proposta, inclusive, que saísse do país para repensar as
estratégias mais ele não acata as ordens. Tiago também insiste renitente na postura de
guerrilheiro.

       A cena que retrata a morte de Mateus também é muito significativa. Tiago precisava
se encontrar com Mateus em um ponto na Praça Ramos, centro de São Paulo. No entanto,
houve muita dificuldade para filmar essa cena. Então Venturi optou por incluir novamente
cenas de arquivo. Tiago passa pela escadaria do Bexiga e pelo jardim do Teatro Municipal
com a música Construção, como fundo musical, versão de Fernanda Porto para o filme. A
nova roupagem do clássico de Chico Buarque é tão ritmada que a direção sentiu a necessidade
de aumentar a quantidade de imagens na seqüência para combiná-la com a batida da canção.
A tarefa de se rodar mais cenas do personagem caminhando nas ruas esbarrou na dificuldade
de encontrar locações em São Paulo que mantiveram suas características. Assim, Venturi
optou por trazer uma linguagem documental para este trecho do filme. As cenas de
manifestações e confrontos com a polícia foram inseridas para dar uma impressão de que elas
estavam passando pela cabeça de Tiago naquele momento. Aqui se percebe a justaposição de
documentário e ficção que marcam a obra de Venturi. Emotivamente, para Tiago, nada
poderia ser pior do que ver um de seus inspiradores morto em pleno centro de São Paulo.

       Durante toda a película, Venturi defende sua tese: enquanto a esquerda armada no
auge dos anos de chumbo repensa a luta armada, Tiago reafirma sua importância. Desde a
apresentação do início do filme que termina com a imagem da morte de Ernesto “Che”
Guevara, o diretor já quer mostrar a utopia das armas. Che era uma referência para toda
esquerda revolucionária. Mostrá-lo morto no início do filme já direciona uma impressão para
o expectador. No momento de intensidade, logo após a morte de Lamarca, Pedro faz uma
crítica direta ao movimento armado, pois todos estão morrendo.

       Todos os guerrilheiros mostrados no filme, diretamente nas imagens, ou apenas sendo
citado pelos personagens, morreram em combate: Che, Mário Alves (do PCBR), Carlos
Marighella, Toledo (Joaquim Câmara, da ALN), Carlos Lamarca, Mateus (companheiro de
Thiago), o filho de Dona Nenê (jovem guerrilheiro morto na ditadura franquista na Espanha),
e o pai de Rosa. Diante dessa realidade, era esperado que Thiago, convalescente, mudasse de
20



estratégia e abandonasse a guerrilha. Ainda mais, quando se sabe que sua própria organização
já optara por um novo caminho para enfrentar os militares.

       O mundo utópico e romântico do revolucionário Tiago estava desmoronando. Os
heróis em que ele se inspirava estavam todos mortos. Entretanto, mesmo diante da realidade
da repressão, tortura, mortes, desaparecimento, e desmembramento dos grupos armados,
Tiago reitera sua crença na Luta Armada arregimentando para sua luta Pedro e Rosa. Os três,
todos com armas nas mãos, na última cena do filme mergulham na imensidão das incertezas.
A cena final vai concretizar a opção de Tiago, e também mostra a transformação do
personagem Pedro que nesse momento abre mão do seu conforto e bem estar individuais, e
opta por contribuir com a causa.

       Por fim, em homenagem aos jovens militantes dos grupos armados, Venturi e Moretti
finaliza a película com uma frase poética: “Aos muitos brasileiros, cabras-cegas, que tentaram
atravessar a escuridão para tomar os céus de assalto”

CONCLUSÃO

       Diante de tudo isso, cabra-cega simboliza bem essa nova tendência de filmes que após
a retomada do cinema brasileiro optou por efetivar uma leitura cinematográfica da história.
Toni Venturi procurou confeccionou primorosamente a obra, construindo uma história
cativante de um jovem herói, que se humaniza e leva até as últimas conseqüências sua crença
revolucionária na luta contra o regime militar, mesmo sem o apoio do agrupamento a qual
fazia parte. Toda a composição da mise-en-scene comprova a aplicação do diretor em
construir uma representação fiel aos fatos, por isso lançou mão de uma consultoria com
pessoas que participaram diretamente da luta.

        Obviamente, não se deve esquecer que o filme tem uma linguagem própria e não é
um tratado historiográfico sobre a problemática a que se propõe abordar. Como a análise do
filme não deve ficar restrita apenas a reconstituição histórica, Cabra-Cega é mais um desse
filmes que une cada vez mais o Cinema com a História, uma relação que é historicamente
nova, mas que vislumbra um futuro cada vez mais dialógico. Sem falar na utilização cada vez
mais ampla de fontes audiovisuais pela historiografia contemporânea, fruto direto dos novos
rumos preconizado pelos Annales.

       Além do mais, essa obra cinematográfica pode ser utilizada em sala de aula como
ferramenta pedagógica que auxiliam o professor na prática educacional. Faz-se necessário, no
21



entanto, que o professor tome os devidos cuidados, e lembrar, acima de tudo que o que se
passa no filme não é a realidade, e sim uma representação.




       Segundo Marc Ferro, o filme, seja ele documentário ou ficção, quando analisado em
associação com o mundo que o produziu, pode prestar testemunhos da realidade representada.
Diante disso, Cabra-Cega consegue apresentar a Luta Armada de forma muito construtiva,
lançando um olhar crítico e reflexivo sobre os jovens revolucionários que nos anos de chumbo
do regime militar pegaram em arma para fazer a revolução.
22




Referências:

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Contexto, 1988.

FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 1992. [original Francês: 1976].

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NAPOLITANO, Marcos. A escrita fílmica da história e a monumentalização do passado: uma análise
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NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008.
23



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REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ,Jair Ferreira de (orgs.). Imagens da Revolução. Documentos
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SALLES, Jean Rodrigues. A luta armada contra a ditadura militar: a esquerda brasileira e a
influência da revolução cubana. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. (Coleção História
do povo brasileiro)

SEVERIANO, Mylton (editor). Coleções Caros Amigos: A ditadura militar no Brasil. São Paulo: Casa
Amarela, 2007.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.




Fontes:

- Audiovisual:

CABRA- CEGA. Toni Venturi(dir). Brasil: Europa Filmes, 2005. 1filme (108 mim.), son.,
col.

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A ditadura militar no cinema a luta armada em cabra-cega

  • 1. 0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV LICENCIATURA EM HISTÓRIA ROBENILTON PINTO CARNEIRO A Ditadura Militar no cinema: A luta armada em Cabra-Cega Conceição do Coité 2010
  • 2. 1 ROBENILTON PINTO CARNEIRO A Ditadura Militar no cinema A luta armada em Cabra-Cega Artigo apresentado à Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Licenciatura em História sob a orientação da professora Susana M. de S. S. Severs Conceição do Coité 2010
  • 3. 2 Componentes da Banca examinadora: Orientadora: Professora Susana M. de S. S. Severs ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________
  • 4. 3 RESUMO As relações entre a História e o Cinema estão cada vez mais em evidencia. Ao longo da sua história, o cinema produziu filmes com as mais diversas temáticas e gêneros, entre elas se destacam as de temáticas históricas. As produções nacionais também seguem essa tendência. Uma das temáticas mais filmadas do cinema brasileiro é a Ditadura Militar em seus diversos aspectos. Esse artigo analisa a representação da luta armada no filme Cabra-Cega (2005). O filme Cabra-Cega se insere dentro das produções da retomada do cinema nacional, e se destaca por mostrar um personagem muito complexo que quer junto com seu agrupamento político-militar, através da guerrilha, implantar a revolução no país e derrubar o regime militar. PALAVRAS – CHAVES: Cinema – História – Ditadura Militar – Luta Armada
  • 5. 4 INTRODUÇÃO O cinema é um fenômeno histórico relativamente novo. Surgiu no final do século XIX, e se popularizou no século seguinte, transformando-se em indústria cultural de massas. Propagando valores e disseminando ideologias, influenciou e povoou o imaginário da sociedade. No Brasil o fenômeno se repete. A nossa indústria cinematográfica cresce a cada ano produzindo, distribuindo e exibindo filmes nacionais. Em 2009, por exemplo, o público que assistiu às produções nacionais cresceu 76% em relação ao ano anterior. Também cresceu o numero de filmes nacionais, chegando ao número de 84 filmes lançados comercialmente. 1 Ao longo da sua história, o cinema produziu filmes com as mais diversas e interessantes temáticas e gêneros. Temáticas políticas, filosóficas, religiosas. Gêneros como o western, ficção científica, comédia, romance, drama, dentre outros. No entanto, uma temática específica sempre foi trabalhada pelo cinema: a dos filmes históricos. O termo filmes históricos é colocado aqui como um gênero de filmes que aborda uma temática histórica. Entretanto, todo filme produzido é histórico, pois pode transformar-se em fonte para o historiador, revelando aspectos do contexto em que foi produzido. Desde a primeira fase do cinema mundial, passando pelo cinema mudo, e até nos principais movimentos cinematográficos mundiais, como o neo-realismo italiano, a nouvelle vague, o Cinema Novo, entre outros, todos abordaram temáticas históricas em suas produções. A indústria hollywoodiana se apropriou como nenhuma outra da produção em massa dessa fonte. Filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã, a Conquista do Oeste, o Nazismo, a Guerra Fria, o Império Romano, são constantemente produzidos, filmados, refilmados e lançados pela mais influente indústria cinematográfica do planeta. O cinema brasileiro também, desde os primeiros passos, produziu filmes de temáticas históricas. Jean Claude Bernadet e Alcides Freire Ramos2 analisam panoramicamente essa situação, enfatizando que o cinema nacional até o final da década de 1980 (quando o trabalho foi publicado) sempre recorreu às temáticas históricas. Observando a temática da 1 Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/01/13/publico-do-cinema-brasileiro-cresceu-76-em-2009/ 2 BERNADET, Jean-Claude e RAMOS, Alcides Freire. Cinema e história do Brasil. São Paulo: Contexto, 1988.
  • 6. 5 Inconfidência Mineira e a figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, os autores pontuam “que nenhuma figura da história do Brasil a não ser, nas últimas décadas, Getúlio Vargas, foi tema de tantos filmes quanto Tiradentes (e por extensão, a Inconfidência Mineira)” 3 Outro tema histórico muito retratado pelo cinema brasileiro é o cangaço. Existem mais de cinqüenta filmes, dos mais variados gêneros, sobre essa temática, desde comédia (Deu a louca no cangaço, de Nelson Teixeira e Fauzi Mansur, 1969; O Cangaceiro Trapalhão, de Daniel Filho, 1983), romance (Entre o Amor e o Cangaço, de Aurélio Teixeira, 1965), e até filmes eróticos como As Cangaceiras Eróticas de Roberto Mansur, de 19744. Um dos grandes nomes do Cinema Novo, Glauber Rocha, também produziu duas películas sobre esse fenômeno: Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e O Dragão da Maldade Contra O Santo Guerreiro (1969). Durante a Ditadura Militar a Embrafilme 5 passou a fomentar produções de temáticas históricas com o objetivo de promover a cultura nacional, adaptando a literatura brasileira às telas e reproduzindo as biografias de grandes vultos brasileiros como Santos Dumont, Marechal Rondon, Tiradentes, dentre outros. Os militares não imaginavam que a reprodução de episódios históricos poderia servir para criticar o sistema político vigente no presente. Eles não perceberam a relação passado/presente nas obras cinematográficas. Aproveitando essa brecha, e ainda com recursos do próprio governo militar, Joaquim Pedro de Andrade levou as telas uma das mais sutis críticas cinematográficas ao regime militar brasileiro: o filme Os Inconfidentes. Produzido em 1972, foi todo escrito e montado utilizando como fonte histórica de pesquisa para produção o Auto das Devassas e o poema de Cecília Meirelles, o Romanceiro da Inconfidência. Em uma das cenas, os revoltosos discutem a participação do povo nos planos dos inconfidentes. Um militar, que fazia parte do grupo, em posse de armas de fogo esbraveja: “pra que o povo se temos a força das armas”! 6. Evidentemente, ao filmar essa cena em 1972, a intenção do autor não era simplesmente reproduzir um possível diálogo de 1789, mas sim, criticar o Regime de Exceção que o país vivia naqueles anos de chumbo. 3 Idem. Ibidem. Pg. 19 4 Há um trabalho de mestrado sendo desenvolvido atualmente sobre as mulheres do cangaço no cinema pela aluna Caroline dos Santos Lima no mestrado de História Regional e local no Campus V da UNEB. 5 Criada em 1969, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes) se tornou a principal referencia da produção cinematográfica no país. 6 INCONFIDENTES. Joaquim Pedro de Andrade (dir.). Brasil: Sagres, 1972. 1 filme (100 min.), son., col.
  • 7. 6 Com a abertura política do país, na década de 1980, e a reestruturação do setor cinematográfico, intensificaram as produções de filmes sobre o período da Ditadura Militar. E, ainda que na década de 1980, já tivessem sido produzidos filmes com temática sobre o período dos militares no poder, como por exemplo, Cabra Marcado Pra Morrer (1984, Eduardo Coutinho), o Bom Burguês (1982, Oswaldo Caldeira), e Memória do Cárcere (1984, Nelson Pereira dos Santos), na década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI, esse interesse foi maximizado, inclusive recortando especificamente os anos de chumbo, que ocorreram logo após a promulgação do Ato Institucional nº 5, conhecido amplamente como AI-5, e que motivou o surgimento da luta armada e as guerrilha. Após a retomada do cinema nacional, a produção de filmes brasileiros que quase zerou entre os anos 1992/1993, voltou com muita força a partir de 1994. De 1994 até 2009 mais de uma dezena de filmes sobre a ditadura militar foi produzido. Alguns foram produções de muito sucesso como: Lamarca, de Sérgio Rezende (1994) e O que é isso Companheiro? de Bruno Barreto (1997), indicado ao prêmio Oscar do cinema norte-americano.7 Concomitante ao desenvolvimento das produções de temáticas históricas ao longo da história do cinema desenvolveu-se no seio da historiografia mundial a necessidade de estudar as relações umbilicais existentes entre Cinema e história. Um dos primeiros estudiosos a fazer esse trajeto foi o historiador francês Marc Ferro. Influenciado pela Nova História, que preconizava a ampliação de novos objetos e novos métodos de pesquisa, Ferro, ainda na década de 1960 publicava o artigo intitulado “O filme, uma contra-análise da sociedade”, revelando interesse pela área.8 Nas últimas duas décadas a produção acadêmica sobre a relação história/cinema é espantosa, inclusive no Brasil. Além de se estudar o Cinema na História, como faz Marc Ferro e outros historiadores, também pesquisa-se a História do cinema e a História no Cinema. O Cinema na História é a prespectiva através da qual o cinema é visto como fonte primária para investigação histórica. É quando um historiador utiliza os filmes como documento para interpretação histórica da sociedade que o produz. Por exemplo, O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl (1934), pode ser utilizado como fonte primária para se perceber a estética e 7 A lista é muito peculiar: Lamarca, de Sérgio Rezende (1994); O que é isso Companheiro, de Bruno Barreto (1997); Ação entre Amigos, de Beto Brent (1998); Dois córregos, de Carlos Reichenbach (1999); Quase Dois Irmãos, de Lucia Murat (2003); Araguaia, a conspiração do silêncio, de Ronaldo Duque (2004) Cabra-Cega, de Toni Venturi (2004); Zuzu Angel, de Sergio Rezende (2006); Batismo de Sangue, de Helvecio Ratton (2006); O Ano em que meus país saíram de Férias, de Cão Hambúrger (2007). 8 FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 1992. [original Francês: 1976].
  • 8. 7 propaganda nazista sob a égide de Hitler9. Ou, o Cinejornal Brasileiro (1938-1946), série de documentários exibidos obrigatoriamente em todos os cinemas do território nacional antes do filme principal, podendo ser utilizado para traçar um painel da sociedade estadonovista e entender os mecanismos de propaganda do DIP na Era Vargas. A História do cinema, no entanto, reporta-se a trajetória do cinema ao longo do tempo, do surgimento da “sétima arte” aos nossos dias, do desenvolvimento das primeiras técnicas de montagem ao uso de efeitos visuais modernos, além das correntes cinematográficas que surgiram em várias partes do mundo. Já a História no Cinema é o cinema abordado como produtor de discurso histórico, intérprete do passado e como representação histórica. Nesse artigo, a linha de pesquisa versa sobre a história no cinema. Tratar-se-á logo abaixo de uma análise da representação do fenômeno da Luta armada no filme de ficção Cabra-Cega de Toni Venturi (2005). Como já foi brevemente abordado acima, a última década do século XX e a primeira do século XXI viram intensificar a produção de obras cinematográficas sobre a Ditadura Militar. O que se percebe é que a sociedade brasileira está cada vez mais politizada, e gosta de ver sua história sendo contada e revelada nas telas do cinema. Tanto é que a recepção da crítica e do público desses filmes é considerável. Cada vez mais o cinema contribui diretamente para que a história seja contada. E sobre a história da luta armada, algumas razões conspiram para o difícil entendimento desse tema. O próprio Venturi esclarece seu ponto de vista a esse respeito: Primeiro, é a história dos derrotados e, portanto, não tem a força da história oficial, que prefere apagar o período de nossa memória em vez de refletir sobre ele. Segundo, é uma história de clandestinidade, as organizações, por questão de estratégia e sobrevivência, estavam profundamente submersas e com pouco contato com a sociedade em geral, o que também foi um motivo de seu enfraquecimento. Terceiro, o país vivia uma pesada censura nos meios de comunicação e sob o signo do medo, que pairava e pautava a vida de todos os brasileiros.10 Evidentemente, a recente historiografia já problematiza esses questionamentos, lançando luz sobre esse ponto de vista. Mesmo assim, e consciente das dificuldades, Venturi, 9 Sobre cinema nazista ver a tese de doutoramento de Luiz Nazário Imaginários de destruição - O papel da Imagem na preparação do Holocausto. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994. E toda sua produção sobre totalitarismos. 10 Disponível em http://revistaquem.globo.com/Quem/0,6993,EQG946729-3428,00.html
  • 9. 8 por outro lado, afirmava que a sociedade brasileira estava mais preparada para refletir e fazer uma revisão sobre os episódios luta armada, mas nesse caso o que se percebe é exatamente o contrário. Depois que o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Direitos Humanos, que entre outras coisas acena com a possibilidade de investigação de casos de tortura (crime imprescritível) praticados pelos militares durante o regime militar, o atual ministro da Defesa e os comandantes das Três Armas ameaçaram pedir demissão dos seus respectivos cargos alegando revanchismo. Noutras palavras, para os militares, o passado incomoda muito, as 11 “memórias reveladas” também, e é melhor deixá-lo como está para evitar embaraços no presente. Nada de revisão.12 Vários procedimentos serão tomados na análise da obra cinematográfica. A crítica analítica de uma obra cinematográfica de ficção deve se o mais amplo possível, reunindo várias possibilidades de investigação como perceber a sociedade que a produz, a relação entre autor, filme e sociedade. Também a história da produção do próprio filme (as várias versões que teve as mudanças do roteiro, as recepções da crítica e do público...). As operações de análises derivam de diferentes metodologias (história, literatura, psicanálise, análise da decupagem, da filmagem). A análise de cada filme procede da experimentação de cada uma destas aproximações, de sua aplicação ao conteúdo aparente de cada substancia do filme (imagem, música, diálogos etc.).13 Nessa perspectiva, a análise do filme também deve ser realizada apontando eventuais omissões, anacronismos e informações erradas veiculadas. Além disso, a perspectiva de análise deve ir além, detectando o discurso que a obra constrói sobre a sociedade na qual se insere, revelando suas incertezas, ambigüidades e até problemáticas nela inseridas. Esse artigo se propõe a analisar o filme Cabra-Cega destacando os principais aspectos do fenômeno da luta armada retratado na película, fazendo um diálogo como a bibliografia historiográfica sobre esse período da história brasileira: como e por que surgiu? Que classes sociais engrossaram suas fileiras? Quem apoiou os grupos? Quais eram os principais grupos e os principais líderes? Como agiam? Como a sociedade via os grupos? Como o governo reagia 11 Existe um projeto também do Governo Federal chamado Memórias Reveladas que objetiva em longo prazo a abertura dos arquivos do regime militar que também causa muito incômodo no setor militar brasileiro. 12 Sobre essa polemica, ver carta aberta de Sílvio Tendler a Nelson Jobim, atual ministro da defesa, e também carta aberta de Alípio Freire à Paulo Vannuchi, atual secretário especial dos Direitos Humanos, publicadas no endereço eletrônico: www.cartamaior.com.br 13 NAPOLITANO, Marcos.A escrita fílmica da história e a monumentalização do passado: uma análise comparada de Amistad e Danton e MORETTIN, Eduardo. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro.IN: CAPELATO, Maria Helena (ET AL): História e cinema. São Paulo: Alameda editorial, 2007.
  • 10. 9 às ações? Como o diretor dialoga com obras historiográficas sobre o tema? Como foi elaborado o processo de construção da história? Quais as teses centrais do diretor? Como o a luta armada foi representada nas telas? A PESQUISA E A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA HISTÓRICA EM CABRA-CEGA No artigo “O cinema e o conhecimento da história”, Cristiane Nova polemiza dizendo que “não é absurdo considerar que o cineasta, ao realizar um filme histórico, assume a posição de historiador, mesmo que não carregue consigo o rigor metodológico do trabalho historiográfico”.14 Como a maioria dos diretores que produzem uma película de temática histórica, Toni Venturi também realizou muita pesquisa para compor a obra Cabra-Cega. Nesse caso específico, há um complicador, já que o filme é de ficção. Dentro dessa problemática, ele faz uma reflexão salutar no livro Cabra-Cega, O caminho do filme: do roteiro de Di Moretti às telas: Como construir uma mise-en-scene “verdadeira” quando é tudo mentira? Como fazer que sua representação tenha verossimilhança e toque as pessoas se tudo (cenário, situação, época) é falso e de mentirinha? Como fazer um filme sobre a luta armada, que deixou tantas seqüelas e dor a tantas famílias, digno e autentico? São questões profundas, que estiveram sempre no âmago de minhas preocupações e meus medos15 A busca para se fazer um filme fidedigno é o principal objetivo do diretor, mesmo sabendo que a realidade em cinema, não existe. Isso se explica pela busca de uma estética naturalista, tão bem consolidada em Hollywood. Duas figuras históricas foram fundamentais na composição das características da personagem Tiago: Luis Carlos Prestes16 e Carlos Eugenio Paz 17. Venturi e Moretti já tinham 14 NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. In Revista O Olho da História, nº 1 Salvador, 1997/ Este artigo encontra-se digitalizado no seguinte endereço: http://www.oolhodahistoria.ufba.br/o3cris.html 15 MORETTI, Di. Cabra-Cega: do roteiro de Di Moretti às telas/ uma análise cena a cena de Toni Venturi e Ricardo Kauffman. São Paulo: imprensa oficial do Estado de São Paulo: Cultura- fundação padre Anchieta, 2005, pg. 10 (coleção aplauso. Série Cinema Brasil/ Coordenador Rubens Ewald Filho) 16 Luis Carlos prestes é um ícone da esquerda latino-americana. Sua luta em prol da implantação de um regime social mais justo e igualitário no Brasil começa ainda na década de 1920, com a coluna que teve seu nome, se afilia ao PCB, torna-se senador e posteriormente secretário Geral do Partido. Morreu em 1990. 17 Carlos Eugenio Paz participou intensamente da luta armada no Brasil entre 1966 e 1973. Aos 17 anos integrou-se à Ação Libertadora Nacional (ALN) e em pouco tempo era um de seus dirigentes. Poucos militantes participaram de tantas ações armadas naquele período como Clemente, codinome de Carlos Eugênio. Ao tornar- se um dos homens mais procurados do país, foi obrigado a exilar-se na França, em 1973. Lá viveu até 1981, trabalhando como músico de jazz. Jornalista, escreveu alguns livros sobre a Luta Armada na Ditadura Militar, inclusive Viagem à Luta Armada, editada em 1997 pela Civilização Brasileira.
  • 11. 10 produzidos juntos o premiadíssimo documentário O Velho, a história de Luis Carlos Prestes, que mostra toda a trajetória política do Cavaleiro da Esperança. O documentário reúne 70 anos de imagens da História do Brasil, com depoimentos de jornalistas, familiares, ex- membros do PCB. Assim, esse trabalho anterior afetou na confecção de Cabra, e mais especificamente na configuração da personagem de Tiago: o documentário O Velho é uma narrativa documental sobre um ícone da esquerda latino-americana. A luta de Prestes, durante 70 anos da história do Brasil, foi sempre marcada por sua tenacidade, teimosia, determinação, características que também me serviram para delinear a psique do personagem de Thiago, o protagonista de Cabra- Cega.18 Toni Venturi tem uma relação pessoal constante com Carlos Eugenio Paz, inclusive consultando-o durante a produção do filme. Outro consultor que colaborou com informações sobre a Luta Armada foi Alípio Freire, ex-militante que foi preso e torturado nos anos de chumbo, foi muito útil na troca de ponderações de até onde a ficção poderia ir sem macular ou transgredir os fatos daquela época. Outra fonte muito útil na construção do roteiro do filme foi o documentário No olho do furacão, de Renato Tapajós e do próprio Toni Venturi (2003), que contem 11 depoimentos de ex-combatentes da luta armada. Pensando no conjunto de toda obra de Venturi, em O velho, ele abordou muito panoramicamente a ditadura militar. Assim, fazia parte de seus planos voltar a essa temática. Em parceria com Tapajós, ele confeccionou No Olho do Furacão. Para completar o ciclo, dirigiu Cabra-Cega. Todo esse processo de criação de uma reconstituição histórica mais próxima do real é relevante na construção do filme, e também na análise da relação Cinema/História. É o que Michèle Lagny chama de “signo de autenticidade”.19 Sendo assim, os cartazes espalhados pelos cenários, os jornais lidos pelos personagens (Tiago faz um recorte em um jornal com a foto de Médici, e com a manchete de lançamento do disco de John Lennon, Imagine), os livros nas prateleiras, as imagens na televisão assistidas pelos figurantes, enfim, o cenário de um modo geral, é construído para trazer ao espectador essa sensação de verossimilhança da obra com o período nela retratado. Mais um exemplo dessa busca pela verossimilhança está na trilha sonora do filme. Capitaneada por Fernanda Porto, as músicas são todas de época, com clássicos como Roda 18 MORETTI, Di, 2005. pg. 15-16 19 LAGNY, Michèle. O cinema como fonte de história. IN: NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto; FRIEGELSON, Kristian (organizadores). Cinematografo, um olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. da UNESP, 2009.
  • 12. 11 Viva e Construção (Chico Buarque), porém com nova roupagem, e Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua (Sérgio Sampaio). Já na composição ficcional do Grupo de Ação, agrupamento político-militar na qual Tiago era militante, Venturi e Moretti se inspiraram, acima de tudo na ALN e da Ala Vermelha20, grupos que fizeram parte os dois consultores do filme, Alípio Freire e Carlos Eugenio Paz. O CINEMA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NO CINEMA: CABRA-CEGA E A REPRESENTAÇÃO HISTÓRICA O filme Cabra-Cega foi uma das produções mais consagradas de 2005, vencendo vários festivais de Cinema, inclusive o Festival de Brasília, um dos mais tradicionais do país. Dirigido e produzido por Toni Venturi21, diretor do documentário O Velho, a História de Luis Carlos Prestes, e com o roteiro de Di Moretti22, o filme aborda a história de Tiago (Leonardo Medeiros), um guerrilheiro que é ferido em combate no ano de 1971 na cidade de São Paulo. A organização clandestina à qual está filiado apresenta-se debilitada no enredo do filme, inclusive a ponto de discutir o abandono da luta armada como ação política, já que eles propunham a revolução armada para derrubar os militares no poder e implantar um regime social mais justo e democrático. Assim, Tiago é confinado no apartamento de Pedro (Michel Berecovitch), um estudante de arquitetura que leva uma vida mais dedicada aos estudos. Pedro é um militante de esquerda que não está envolvido diretamente nas ações armadas, apenas cedeu o apartamento para Tiago se recuperar fisicamente. Lá, Tiago é assistido pela enfermeira Rosa (Débora Duboc), uma jovem filha de um ex-militante operário morto em ação. Na apresentação do filme é exibido um clipe com cenas em preto e branco mostrando as passeatas e manifestações estudantis ocorridas nos anos 67-68. Os estudantes questionam a parceria feita pelo o MEC (Ministério da Educação e Cultura) com o United States Aid for 20 A ALN (Ação Libertadora Nacional), cujo líder principal foi o ex-militante comunista Carlos Marighella, e a Ala Vermelha se inserem no amontoado se siglas que surgiram após o golpe de 1964. Em anexo, segue uma tabela comparativa com os principais grupos político-militares do período, enfocando as principais características, os principais líderes e os objetivos. 21 Filmografia de Toni Venturi: O Velho, a história de Luis Carlos Prestes,(1997); Latitude Zero,(2002); No olho do furacão, (2003); Cabra-Cega (2005); Dia de Festa (2006); Atualmente trabalha no filme (Estamos Juntos) 22 Parcerias entre Di Moretti e Venturi: O Velho, a história de Luis Carlos Prestes,(1997); Latitude Zero,(2002); Cabra-Cega (2005);
  • 13. 12 Development (USAID)23, enquanto vão às ruas contra o regime militar. A última cena desse clipe mostra as imagens do guerrilheiro revolucionário Ernesto “Che” Guevara morto na Bolívia. Essas cenas de material de arquivo não estavam previstas no roteiro, sendo incorporadas após a primeira exibição fechada para colaboradores do filme. Percebeu-se a necessidade de incluir na obra uma contextualização histórica. Venturi optou, então por introduzir um conteúdo imagético e documental sem didatismo. Até mesmo a utilização de um letreiro com datas foi descartada. As imagens da apresentação aparecem na tela sob a música Saveiros cuja autoria é de Nelson Motta e Dory Caymmi, com a qual Elis Regina ganhou o Festival Internacional da Canção de 1966, interpretada por Fernanda Porto, em nova versão feita para o filme. No início da década de 1960, o Brasil passava por um período de esperanças no seio da luta política. Era um período de intensa participação política das massas, instigadas, sobretudo, pela ação “politizante” dos jovens estudantes (secundaristas e universitários) e pelos principais movimentos culturais do período (Cinema Novo, CPC’s da UNE, Teatro Arena e Oficina, etc.). A esquerda política estava no poder, após João Goulart, então vice- presidente da República, assumir o poder depois da renúncia de Janio Quadros, e o PCB (Partido Comunista Brasileiro) vivia um período próspero de atuação. Na noite de 31 de março de 1964 os militares com o apoio dos conservadores brasileiros e do governo americano tomam o poder. Desde o segundo período em que Getúlio Vargas foi presidente (1951-1954), os militares já conspiravam para tomar o poder. Na verdade, esse foi um dos motivos do suicídio de Vargas. Além disso, havia uma imprensa que golpeava Jango nos noticiários, além da ação da Igreja Católica contra o presidente, manifestada na Marcha da Família com Deus pela liberdade. Mesmo com essa atmosfera golpista, a esquerda foi surpreendida, e mais precisamente o PCB. O secretário geral do partido, e já na época lendário, Luis Carlos Prestes dizia abertamente que as forças armadas brasileiras tinham um caráter democrático, e que jamais conspirariam contra o governo institucional. 24 Outro fator que pode ter contribuído para essa 23 Era uma parceria entre o MEC e a USAID (United States Aid for development: Agencia dos E.U.A para o desenvolvimento internacional) que visava a reforma universitária nos moldes norte-americanos, muito criticada pela UNE, que mesmo na ilegalidade influenciava o movimento estudantil, e também pela esquerda , que denunciavam o acordo como uma infiltração imperialista na educação nacional. 24 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1987.
  • 14. 13 leniência frente ao perigo golpista pode ter sido a aprovação do governo de Jango, no mês de março de 1964, com mais de 65% pelo instituto IBOPE.25 Decepcionados com a reação do PCB frente ao golpe vão surgir novas organizações políticas que contestarão a apatia política do partido, e que além disso, irão questionar a idéia de que a revolução no país virá através do caminho pacífico. Assim, optarão pelos métodos revolucionários da luta armada, em sua maioria inspirados nas experiências cubanas e chinesas, para se chegar à revolução brasileira. A maioria dos militantes que engrossaram as fileiras dessas organizações político-militares eram membros ativos do PCB. Todos esses agrupamentos são conhecidos historicamente como Nova Esquerda, e entre seus objetivo estão a crítica ácida ao PCB; o abandono do modelo leninista de organização, concretizados nos partidos comunistas26; o método de ações armadas como caminho para a revolução. Muitas ações desses agrupamentos ganharam o noticiário nacional, como o seqüestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, coordenados pela ALN e pela DI-GB (Dissidência da Guanabara), a expropriação do “cofre do Ademar” (assim conhecida a ação que raptou o cofre do ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, efetivado pelo grupo de Lamarca, VAR-Palmares), a Guerrilha do Araguaia, o roubo de armas nos quartéis do exército, entre outros. Essas ações objetivavam despertar o povo brasileiro para a luta revolucionária, e também arrecadar fundos para manter a dispendiosa guerrilha. Depois das manifestações estudantis e das passeatas que sacudiam principalmente o Rio de Janeiro e São Paulo no período 64/68, a ditadura militar encrudesce ainda mais. O governo Médici (1969-1974) é considerado por muitos como o mais sanguinário e cruel dos ditadores do regime militar. Thomas Skidmore denominou-o de “a face autoritária” do regime de exceção.27 Ao tomar posse em 30 de Outubro de 1969, Médici prometeu devolver o País à plenitude do regime democrático. Mas o que se viu foi totalmente o contrário. Já nas nomeações dos principais ministérios, Médici coloca nas pastas justamente os signatários do AI-5. Edita a Lei de Imprensa para censurar ainda mais os meios de comunicação. Cria os famigerados DOI-CODI’s (Departamento de Operações Internas- Centro de Operações para Defesa Interna). No seu governo, a tortura foi institucionalizada. 25 SEVERIANO, Mylton (editor). Coleções Caros Amigos: A ditadura militar no Brasil. São Paulo: Casa Amarela, 2007. pg. 29 26 Para essas novas organizações, submeter suas estratégias de atuação ao comando de um partido político formal seria incorrer no mesmo erro do PCB , por isso o abandono ao modelo leninista de organização 27 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
  • 15. 14 É nesse contexto de repressão que em setembro de 1971 o personagem Tiago e seu Grupo de Ação são surpreendidos pelos militares, entrando em conflito. Dora (Odara Carvalho), militante do Grupo de Ação, é presa, enquanto Tiago é ferido. Mesmo ferido, ele ainda tenta salvar Dora dos militares, mas Mateus chega para resgatá-lo e impedir que também seja preso. O apartamento onde Tiago fica confinado faz parte da trama e do drama do personagem. Para um guerrilheiro que precisava “fazer a Revolução”, estar naquelas condições não era nada animador. O tédio, a solidão deixava-lhe totalmente perturbado. A todo o momento, as câmeras mostram o relógio, que teima avançar no tempo. A rachadura no teto também é enfocada com intensidade. Tiago olha para ela muitas vezes. O destaque é dado porque este elemento será usado, no decorrer da história, como medida de tempo atrelada ao desenvolvimento dramático do protagonista confinado e à lógica interna do filme. Trata-se de uma licença poética que revela o recrudescimento do ambiente em torno do personagem. Essa escolha do diretor Toni Venturi de concentrar as cenas no apartamento, mostrando as reações de Tiago, seja diante do toque de uma campainha ou telefone, ou com a chegada de alguém a casa, difere da forma com que boa parte das produções brasileiras representou à temática. Enquanto que Lamarca (1994) Zuzu Angel (2005) e Batismo de Sangue (2006) optaram por enfocar as ações externas, com intensas movimentações, Cabra- Cega concentra seu foco no drama intimista vivido pelo guerrilheiro Tiago confinado no apartamento. Guardadas as devidas proporções, a tortura psicológica de Tiago na clausura é análoga à tortura submetida aos companheiros guerrilheiros pegos pelo regime repressor policial. E sobre a tortura sentida na pele pelos inúmeros mortos e desaparecidos no auge da repressão, cabe aqui levantar uma ausência significativa em relação a Cabra-Cega; quase ausência de cenas de tortura física. É fato que os primeiros anos da década de 1970 foram os mais intensos nas práticas da tortura deliberada pelos órgãos repressor. Também é fato que a maioria dos filmes já citados sobre essa temática abordam a questão da tortura como elemento primordial para se entender esse contexto específico. No entanto, como já referi acima, Cabra-Cega mostra apenas uma companheira de Tiago do Grupo de Ação que foi capturada no tiroteio entre o grupo e os militares sendo torturada. A opção de Venturi é realmente substituir a tortura física insana sofrida pelos militantes de esquerda, pela tortura psicológica, paranóica, da clausura do
  • 16. 15 esconderijo. Essa cena de tortura da guerrilheira Dora causou surpresa para alguns estudantes de comunicação, entre 18 e 22 anos, numa exibição-teste do filme, pois os estudantes não tinham muita informação sobre a tortura28. Por conta disso, Venturi sentiu a necessidade de ampliar a preocupação com a parcela desse público que tem pouca idéia do que se passou durante aqueles anos, acrescentando mais informações sobre a tortura. Mas como se vê na montagem final, se comparando com outros filmes sobre luta armada, as cenas de tortura são escassas. Interessante notar que essa cena de tortura tem apenas uma frase dita pelo oficial interpretado pelo ator Renato Rorghi que é: “vai parir eletricidade!”. Essa cena foi uma homenagem de Venturi a Dulce Maia, uma das ex-guerrilheiras que relataram suas histórias no documentário No olho do furacão, e a primeira mulher a ser torturada pela ditadura brasileira. Curiosamente, a ênfase dada às cenas no confinamento é motivada boa parte por conta do baixo orçamento que a produção conseguiu captar para realização da obra. No roteiro original, estavam programadas mais cenas externas do que as que chegaram as salas de cinema. No início do filme, por exemplo, a chegada de Tiago ao apartamento se daria após uma perseguição policial, oriundas de uma blitz para fiscalizar as ruas de São Paulo. No entanto, essas cenas foram eliminadas pouco antes das filmagens. Toni Venturi e Ricardo Kauffmam explicam o processo: Filmar a perseguição era um forte desejo da direção. Muita energia foi empreendida neste sentido, tanto que foram feitos vários preparativos. A equipe chegou a elaborar o storyboard das cenas e fez pesquisa de locação completa. Cabra-Cega é um filme de época, passado na São Paulo do início dos anos 70, o que amplia significativamente as dificuldades das gravações externas. [...] Esse tipo de seqüência é raridade no audiovisual brasileiro. A demanda técnica implicada expõe um variado leque de carências que as nossas produções sempre enfrentaram- da falta de equipamentos à de pessoal especializado, tudo agravado pela intrínseca ausência de tradição e experiência no ramo. A estrutura ainda deficiente no Brasil para a realização de cenas deste tipo é o motivo da retirada da seqüência inicial do filme29. Só sabemos como Tiago foi parar no apartamento de Pedro, com os flashbacks usados pelo diretor, explicando a ação repressora policial que capturou a militante da organização Dora. Isso por que o filme já se inicia com Rosa preparando o apartamento para a chegada de Tiago. 28 MORETTI, Di, 2005. pg. 116 29 MORETTI, Di, 2005. pg. 10.
  • 17. 16 Tiago tinha uma personalidade difícil. Ríspido, rígido, quase beirando a antipatia, tinha uma postura muito dura, e mesmo com as pessoas próximas a ele, não mostrava ternura. No primeiro grande bloco do filme, ele se fecha nesse mundo, isolado, introspectivo. Sua mente esta povoada com as lembranças de fogo. Quase não falava com Rosa e Pedro. Essa postura se revelava também em suas posições revolucionárias que eram inegociáveis. Aos poucos ele vai sendo seduzido pelo mundo externo. No segundo bloco, ele vai se soltando, deixando o mau humor de lado, começando a observar as coisas a sua volta, inclusive vai se abrindo com Rosa. Depois de manter um breve contato com dona Nenê, Tiago se abre a um romance com Rosa e inicia um processo de humanização que o levará a recuperar a ternura. Porém se a solidez de sua personalidade rígida e difícil vai se desmanchando, a sua fé na luta armada se robustece, inclusive a ponto de questionar todas as reorientações do Grupo de Ação. Tiago e Mateus eram membros ativos do Grupo de Ação. Os agrupamentos político- militares durante os anos 70/71 estavam passando por uma situação muito grave que ameaçava sua extinção. Por um lado a repressão policial estava cada vez mais especializada e coordenada, sobretudo com a sistematização dos órgãos de informação como os DOI-CODI’s, o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), a OBAN (Operação Bandeirantes), CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), dentre outros. Por outro, havia a luta interna em cada uma dessas organizações, que discutia a possibilidade do abandono da luta armada por outra estratégia de luta. O Grupo de Ação estava nessa situação. Depois de perder vários quadros na ação revolucionária armada, os dirigentes debatiam uma nova orientação. Entretanto, Tiago não aceitava o abandono das ações, e teimava em continuar mesmo fundando outro agrupamento armado ou se juntando às outras ainda existentes. Essa nova orientação é fruto direto da repressão acima citada, mas também motivada pela falta de apoio das massas frente aos agrupamentos armados. Hoje, boa parte dos militantes combatentes que pegaram em armas faz autocrítica dizendo que o que mais contribuiu para a derrota da luta armada foi exatamente o quase nulo apoio popular. A cena em que Mateus se encontra com Rosa no Cinema foi criada para fazer uma crítica simbólica ao distanciamento que a luta armada gerava na população. No cinema estava sendo exibido o filme Betão Ronca-Ferro de Mazzaropi, ou seja, um filme popular que divertia boa parte da população alheia ao processo revolucionário. Por sua vez, a guerrilha encarnada por Mateus e
  • 18. 17 Rosa, que representava a libertação nacional das massas, não atraía a participação da mesma. A cena expõe esta contradição da luta armada no Brasil. Outro trecho dessa mesma cena mostra na tela do cinema o matuto sentindo mau cheiro no ar e desconfia que o odor venha do sapato do “doutor” ao seu lado. Para Toni Venturi “o país fedia”. 30 Uma análise dos documentos políticos dessas organizações políticas é feito pelo historiador, e na época militante de esquerda, Daniel Aarão Reis em parceria com Jair Ferreira Sá. O livro Imagens da Revolução é uma importante coletânea desses documentos, que foi publicado em 1985, e permite um contato direto com os documentos produzidos pelos grupos, o que possibilita verificar as divergências de seus projetos políticos31. Os grupos clandestinos pesquisados pelos autores são fundados, organizados e, muitos deles, extintos, entre os anos 1961/71. A luta armada foi brutalmente reprimida, e as organizações precisavam mudar de estratégia: A destruição de mais esta tentativa (a Guerrilha do Araguaia) fortaleceria a tendência esboçada, já em 1970, pelos primeiros documentos autocríticos, que, depois de uma fase de transição prolongada até 1973, se afirmariam reconhecendo novas realidades, propondo novos caminhos, inaugurando nova fase, caracterizada pela busca de formas legais de luta e pela admissão da situação de defensiva em que se encontravam o movimento popular e as organizações e partidos de esquerda do Brasil.32 Uma das principais cenas do filme mostra uma indagação oportuna sobre essa questão. Tiago e Rosa estão no terraço do prédio olhando para a imensidão de São Paulo, quando Tiago pergunta: Será que alguém aí sabe da nossa luta? O próprio Venturi comenta essa cena: o personagem Tiago e o próprio filme vivem nesta cena o seu clímax. No roteiro não há nenhuma descrição detalhada deste momento. A equipe viveu na pele a sensação de liberdade, já que havia permanecido fechada nas filmagens do apartamento. O alívio experimentado ao se chegar num espaço aberto, retratado nesta cena, se reforçou pelo sentimento real que permeou o trabalho da dupla de atores, diretos e diretor de fotografia. [...] A música escolhida, Eu Qquero é Botar o Meu Bloco na Rua, se Sérgio Sampaio, foi uma sugestão do consultor informal do filme Carlos Eugenio Paz- ex-comandante da ALN, ouvido no documentário No Olho do Furacão. Ele contou ao diretor que vibrava com esse hit da época em seu fusca quando seguia em missão da organização, naqueles tempos. Esta é uma canção que se conecta aos sentimentos da juventude rebelde dos anos de chumbo33. 30 MORETI, Di, 2005. Pg. 211 31 REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ,Jair Ferreira de (orgs.). Imagens da Revolução. Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971.2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 32 Idem. Ibidem. Pg. 19 33 MORETTI, Di, 2005. Pg. 224
  • 19. 18 Outra cena de muito impacto e de significação para perceber a idéia central do filme é a seqüência que informa a morte do Capitão Lamarca. Tiago está no apartamento assistindo à televisão quando um plantão do repórter Esso noticia: Cai o último líder do terror... Carlos Lamarca foi morto em Ipupiara, no interior da Bahia. Aos 34 anos, o ex-capitão, desertor do Exército brasileiro, transformou-se no inimigo número 1 da nossa democracia. Autor de assaltos, seqüestros e assassinatos, o terrorista é o líder da VPR, Vanguarda Popular Revolucionária.34 Em seguida, frente ao momento de impacto Tiago se expões desesperado à janela do aparelho. O close da câmara fixa nos olhos tensos de Tiago. O teto parece que vai desabar. O seu mundo, esse desaba, pois Lamarca era uma referencia para a esquerda armada. Lamarca era uma das grandes lideranças armadas que o Brasil dispunha. Tiago, assim como tantos outros militantes, tinha em Lamarca um exemplo de revolucionário a ser seguido. Ex-Capitão do Exército brasileiro deixou o lado da repressão e se juntou aos milhares de militantes na causa contra a Ditadura. Ao sair do exército, levou consigo armamentos que foi utilizado depois contra o próprio exército em ações armadas. Junto com o sargento Darcy Rodrigues, integra a VPR. Em julho 1969, a VPR e o Comando de Libertação Nacional (COLINA) se fundem e forma a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR- Palmares). Entretanto, divergências envolvendo questões referentes à concepção da combinação entre luta armada e lutas sociais, e a estratégia revolucionária, levariam à reconstituição da VPR.35 O nome de Lamarca vai ficando conhecido no Brasil todo. Os militantes de esquerda tinham uma profunda admiração por ele, e pela VPR. Daniel Aarão e Jair Ferreira afirmam que: A VPR tornar-se-ia conhecida por uma série de ações de caráter espetacular. Em 1969: expropriação de armas no quartel do 49° Regimento de Infantaria de São Paulo, quando o capitão Lamarca abandonaria o exército; expropriação da “caixinha” do ex- governador Ademar de Barros no valor de US$ 2,5 milhões. Em 1970: seqüestros do cônsul japonês em são Paulo (março) e dos embaixadores alemão (com a ALN) e suíço (junho e dezembro), trocados pelas vidas de 115 militantes presos; rompimento do cerco ao campo de treinamento guerrilheiro da VPR no Vale do Ribeira36 34 Transcrição de uma cena do filme em análise 35 Toda a discussão sobre os rumos do VAR-Palmares e ressurgimento da VPR foi debatida em um congresso que durou 44 dias. Emiliano José e Oldack Miranda escreveram uma biografia que ate hoje é referencia sobre a vida do Capitão da Guerrilha. Ver: JOSÉ, Emiliano e MIRANDA, Oldack. Lamarca, o Capitão da Guerrilha. São Paulo: Global editora, 16ª Ed. 2004 36 REIS FILHO, 2006. Pg. 84
  • 20. 19 Assim como Lamarca, Tiago era renitente em relação à guerrilha. Lamarca sabia que a repressão estava próximo dele. Foi lhe proposta, inclusive, que saísse do país para repensar as estratégias mais ele não acata as ordens. Tiago também insiste renitente na postura de guerrilheiro. A cena que retrata a morte de Mateus também é muito significativa. Tiago precisava se encontrar com Mateus em um ponto na Praça Ramos, centro de São Paulo. No entanto, houve muita dificuldade para filmar essa cena. Então Venturi optou por incluir novamente cenas de arquivo. Tiago passa pela escadaria do Bexiga e pelo jardim do Teatro Municipal com a música Construção, como fundo musical, versão de Fernanda Porto para o filme. A nova roupagem do clássico de Chico Buarque é tão ritmada que a direção sentiu a necessidade de aumentar a quantidade de imagens na seqüência para combiná-la com a batida da canção. A tarefa de se rodar mais cenas do personagem caminhando nas ruas esbarrou na dificuldade de encontrar locações em São Paulo que mantiveram suas características. Assim, Venturi optou por trazer uma linguagem documental para este trecho do filme. As cenas de manifestações e confrontos com a polícia foram inseridas para dar uma impressão de que elas estavam passando pela cabeça de Tiago naquele momento. Aqui se percebe a justaposição de documentário e ficção que marcam a obra de Venturi. Emotivamente, para Tiago, nada poderia ser pior do que ver um de seus inspiradores morto em pleno centro de São Paulo. Durante toda a película, Venturi defende sua tese: enquanto a esquerda armada no auge dos anos de chumbo repensa a luta armada, Tiago reafirma sua importância. Desde a apresentação do início do filme que termina com a imagem da morte de Ernesto “Che” Guevara, o diretor já quer mostrar a utopia das armas. Che era uma referência para toda esquerda revolucionária. Mostrá-lo morto no início do filme já direciona uma impressão para o expectador. No momento de intensidade, logo após a morte de Lamarca, Pedro faz uma crítica direta ao movimento armado, pois todos estão morrendo. Todos os guerrilheiros mostrados no filme, diretamente nas imagens, ou apenas sendo citado pelos personagens, morreram em combate: Che, Mário Alves (do PCBR), Carlos Marighella, Toledo (Joaquim Câmara, da ALN), Carlos Lamarca, Mateus (companheiro de Thiago), o filho de Dona Nenê (jovem guerrilheiro morto na ditadura franquista na Espanha), e o pai de Rosa. Diante dessa realidade, era esperado que Thiago, convalescente, mudasse de
  • 21. 20 estratégia e abandonasse a guerrilha. Ainda mais, quando se sabe que sua própria organização já optara por um novo caminho para enfrentar os militares. O mundo utópico e romântico do revolucionário Tiago estava desmoronando. Os heróis em que ele se inspirava estavam todos mortos. Entretanto, mesmo diante da realidade da repressão, tortura, mortes, desaparecimento, e desmembramento dos grupos armados, Tiago reitera sua crença na Luta Armada arregimentando para sua luta Pedro e Rosa. Os três, todos com armas nas mãos, na última cena do filme mergulham na imensidão das incertezas. A cena final vai concretizar a opção de Tiago, e também mostra a transformação do personagem Pedro que nesse momento abre mão do seu conforto e bem estar individuais, e opta por contribuir com a causa. Por fim, em homenagem aos jovens militantes dos grupos armados, Venturi e Moretti finaliza a película com uma frase poética: “Aos muitos brasileiros, cabras-cegas, que tentaram atravessar a escuridão para tomar os céus de assalto” CONCLUSÃO Diante de tudo isso, cabra-cega simboliza bem essa nova tendência de filmes que após a retomada do cinema brasileiro optou por efetivar uma leitura cinematográfica da história. Toni Venturi procurou confeccionou primorosamente a obra, construindo uma história cativante de um jovem herói, que se humaniza e leva até as últimas conseqüências sua crença revolucionária na luta contra o regime militar, mesmo sem o apoio do agrupamento a qual fazia parte. Toda a composição da mise-en-scene comprova a aplicação do diretor em construir uma representação fiel aos fatos, por isso lançou mão de uma consultoria com pessoas que participaram diretamente da luta. Obviamente, não se deve esquecer que o filme tem uma linguagem própria e não é um tratado historiográfico sobre a problemática a que se propõe abordar. Como a análise do filme não deve ficar restrita apenas a reconstituição histórica, Cabra-Cega é mais um desse filmes que une cada vez mais o Cinema com a História, uma relação que é historicamente nova, mas que vislumbra um futuro cada vez mais dialógico. Sem falar na utilização cada vez mais ampla de fontes audiovisuais pela historiografia contemporânea, fruto direto dos novos rumos preconizado pelos Annales. Além do mais, essa obra cinematográfica pode ser utilizada em sala de aula como ferramenta pedagógica que auxiliam o professor na prática educacional. Faz-se necessário, no
  • 22. 21 entanto, que o professor tome os devidos cuidados, e lembrar, acima de tudo que o que se passa no filme não é a realidade, e sim uma representação. Segundo Marc Ferro, o filme, seja ele documentário ou ficção, quando analisado em associação com o mundo que o produziu, pode prestar testemunhos da realidade representada. Diante disso, Cabra-Cega consegue apresentar a Luta Armada de forma muito construtiva, lançando um olhar crítico e reflexivo sobre os jovens revolucionários que nos anos de chumbo do regime militar pegaram em arma para fazer a revolução.
  • 23. 22 Referências: BERNADET, Jean-Claude e RAMOS, Alcides Freire. Cinema e história do Brasil. São Paulo: Contexto, 1988. FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 1992. [original Francês: 1976]. FREIRE, Alípio; ALAMADA, Isaias; PONCE, J. A. de Granville (orgs). Tiradentes: um presídio da ditadura. São Paulo: Scipione Cultural, 1997. GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1987. JOSÉ, Emiliano e MIRANDA, Oldack. Lamarca, o Capitão da Guerrilha. São Paulo: Global editora, 16ª Ed. 2004. LAGNY, Michèle. O cinema como fonte de história. IN: NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto; FRIEGELSON, Kristian (organizadores). Cinematografo, um olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. da UNESP, 2009 LEITE, Sidney Ferreira. Cinema brasileiro: das origens à retomada. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. (Coleção História do povo brasileiro) MORAIS, Fernando. Olga. 17ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. MORETTI, Di. Cabra-Cega: do roteiro de Di Moretti às telas/ uma análise cena a cena de Toni Venturi e Ricardo Kauffman. São Paulo: imprensa oficial do Estado de São Paulo: Cultura- fundação padre Anchieta, 2005, pg. 10 (coleção aplauso. Série Cinema Brasil/ Coordenador Rubens Ewald Filho) NAPOLITANO, Marcos. A escrita fílmica da história e a monumentalização do passado: uma análise comparada de Amistad e Danton e MORETTIN, Eduardo. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. IN: CAPELATO, Maria Helena (ET AL): História e cinema. São Paulo: Alameda editorial, 2007 NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008.
  • 24. 23 NOVOA, Jorge; BARROS, José D’Assunção (org). Cinema-história: teoria e representações sociais no cinema – 2.Ed. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ,Jair Ferreira de (orgs.). Imagens da Revolução. Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971.2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006. SALLES, Jean Rodrigues. A luta armada contra a ditadura militar: a esquerda brasileira e a influência da revolução cubana. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. (Coleção História do povo brasileiro) SEVERIANO, Mylton (editor). Coleções Caros Amigos: A ditadura militar no Brasil. São Paulo: Casa Amarela, 2007. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Fontes: - Audiovisual: CABRA- CEGA. Toni Venturi(dir). Brasil: Europa Filmes, 2005. 1filme (108 mim.), son., col.