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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
          GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA




     DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÊNCIA NAS
         MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S




               Conceição do Coité, 2011
GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA




     DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÇÊNCIA NAS
          MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S




                            Monografia apresentada ao Curso de
                           Comunicação Social (Rádio e TV) da
                           Universidade do Estado da Bahia –
                           Departamento de Educação, Campus XIV,
                           como requisito parcial para a obtenção do
                           título de Bacharel em Comunicação com
                           Habilitação em Rádio e TV, sob a
                           orientação do Prof. Msc. Tiago Santos
                           Sampaio.




               Conceição do Coité, 2011
GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA




     DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÇÊNCIA NAS
          MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S




                              Monografia apresentada ao Curso de
                              Comunicação Social (Rádio e TV) da
                              Universidade do Estado da Bahia –
                              Departamento de Educação, Campus XIV,
                              como requisito parcial para a obtenção do
                              título de Bacharel em Comunicação com
                              Habilitação em Rádio e TV, sob a
                              orientação do Prof. Msc. Tiago Santos
                              Sampaio.




            Data:____________________________
            Resultado:________________________
                   BANCA EXAMINADORA
            Prof. (orientador)___________________
            Assinatura________________________
            Prof.____________________________
            Assinatura_______________________
            Prof.____________________________
            Assinatura_______________________
O negro sempre foi vítima de
discriminação, tanto social quanto racial.
Por isso, dedico esse trabalho a todos os
movimentos sociais da negritude que
lutaram e ainda lutam por essa causa -
almejam uma futura igualdade racial.
AGRADECIMENTOS



  Agradeço, primeiramente a Jesus Cristo, Senhor e Salvador de minha alma que,
com seu sacrifício na cruz do calvário me ensinou o amor ao próximo como premissa
  imprescindível ao caráter humano. E que me deu força e sabedoria para que eu
                             conseguisse essa vitória.
Agradeço em especial aos meus pais. Meus primeiros educadores e, certamente, os
  mais importantes da minha vida. Minha mãe pelo amor incondicional e parceria,
 exemplo de mulher que devo seguir. Meu pai, pelo apoio integral e pelo incentivo,
   mesmo diante de muitas dificuldades. Vocês fazem parte desse caminho. Amo
                                       vocês!
À Rômullo Alves Cedraz, seu amor, companheirismo, cumplicidade e compreensão
 foram fundamentais nestes últimos anos. Sei que neste período, muitas vezes teve
  que conviver com minha ausência. Por isso mais uma vez muito obrigada, você
também faz parte dessa conquista e foi um fator importante, tanto como acalento de
           meu coração, como na minha formação profissional. Te Amo!
A minha família (irmãos, tios, avô e primos) que foi e é um fator de suma importância
      na minha trajetória, desde os primeiros passos até o fim de minha vida.
 Às Minhas amigas Osméria Almeida Carneiro (Bella Almeyda) e Mariana Azevedo,
     por estar sempre junto a mim nos momentos difíceis que tive de enfrentar.
    Aos meus ex-colegas de trabalho pelo apoio e pela compreensão na minha
   ausência, em especial ao diretor, Fernando Cedraz de Oliveira Filho e ao Vice-
                          diretor, Odeval Moraes Carneiro.
A Henrique Valença, por sua colaboração e compreensão nos momentos que mais
                              precisei de um suporte.
                  Ao Professor e orientador Tiago Santos Sampaio
E a todos e todas que direta ou indiretamente me ajudaram nessa conquista. Grata
                                      por tudo.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa
pela cor de sua pele, ou por sua origem,
ou sua religião. Para odiar, as pessoas
precisam aprender, e se elas aprendem
a odiar, podem ser ensinadas a amar...”

                        Nelson Mandela
RESUMO


Esta monografia tem como objeto de estudo a análise das letras das músicas da
banda Reflexu’s, a partir da Análise do Discurso de orientação francesa (AD). Parte-
se do pressuposto de que essas músicas têm seus sentidos construídos
especialmente para dois aspectos centrais: a valorização étnico-racial e o protesto
contra o preconceito racial. Partindo da premissa de que o negro sempre foi
oprimido e posto em lugar de desvantagem se comparado ao branco, a banda, por
meio das suas músicas, promovia a possibilidade de uma reflexão sobre a igualdade
social em suas relações com as questões étnico-raciais. A estrutura da monografia é
dividida em 3 capítulos – o primeiro faz uma breve contextualização do racismo, de
forma a caracterizá-lo, abordando acerca da complexidade que existe sobre a idéia
de raça; No segundo, são abordados conceitos da Análise do Discurso (AD) de
orientação francesa, respaldada em estudos elaborados, principalmente por Michel
Foucault e Michel Pêcheux. O último capítulo faz a análise dos enunciados retirados
das letras de 17 músicas da banda Reflexu’s. É necessário ponderar que a banda
utiliza-se de recursos baseados em discursos de resistência e valorização com
intuito de transmitir uma mensagem contra o preconceito racial através da exaltação
e valorização dessa etnia. Para fins de facilitar o trabalho, a análise foi subdividida
em 2 categorias: a primeira refere-se aos enunciados que remetem a resistência
contra o preconceito racial e a segunda aos de valorização da etnia negra. A partir
da análise dos enunciados pode-se inferir que os sentidos e significados enraizados
nas letras das músicas da banda Reflexu’s, refletem acima de tudo a um desejo de
liberdade que através da simbolização remetem a uma africanidade ancestral por
meio da utilização de elementos culturais. Utilizando-se da memória discursiva,
representou todo um passado histórico. Já com as condições sociais de produção,
foi possível perceber a importância do contexto em que esses discursos estavam
inseridos.

Palavras-chave: Análise do Discurso; Preconceito Racial; Protesto; Valorização
étnico-racial; Música.
ABSTRACT


This monograph has as its object of study to analyze the lyrics of the band's Reflexu
from the Discourse Analysis of French oriented (AD). It starts from the assumption
that these songs have their senses built especially for two central aspects: the
valuation and the ethnic-racial protest against racial prejudice. Assuming that the
black has always been oppressed and put in place a disadvantage compared to
white, the band through their music, promoted the possibility of a reflection on social
equality in their relationships with ethnic and racial issues. The structure of the
monograph is divided into three chapters - the first is a brief background of racism in
order to characterize it, focusing on the complexity that exists on the idea of race: In
the second, concepts are covered Discourse Analysis (DA ) French guidance,
supported the concepts developed primarily by Michel Foucault and Michel Pecheux.
The last chapter is the analysis of statements taken from the lyrics to 17 songs from
the band's Reflexu‟s. It is necessary to consider that the band makes use of features
based on discourses of resistance and enhancement in order to convey a message
against racial prejudice through praise and appreciation of this ethnic group. In order
to facilitate the work, the analysis was divided into two categories: The first refers to
statements that refers to resistance against racial prejudice and the second valuation
of the black race. From the analysis of statements can be inferred that the meanings
embedded in the lyrics of their songs Reflexu's reflect above all a desire for freedom
through the symbolization refer to an African ancestor through the use of cultural
elements. Using the discursive memory, represented a whole historical past. Now
with social conditions of production, it was possible to realize the importance of
context in Which these talks were inserted.

Keywords: Discourse Analysis; Racial Prejudice, Protest, ethnic and racial
Appreciation, Music.
SUMÁRIO




INTRODUÇÃO-------------------------------------------------------------------------------------------09
1. RACISMO E HISTÓRIA ----------------------------------------------------------------------------13
1.1 A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO----------------------------------------------------------------13
1.2 O RACISMO E AS TEORIAS RACIOLÓGICAS--------------------------------------------14
1.3 PARA ALÉM DO CONCEITO DE RAÇA------------------------------------------------------15
1.4 A SUPOSTA DEMOCRACIA RACIAL---------------------------------------------------------19
1.5 OS ESTUDOS SOBRE RAÇA PATROCINADOS PELA UNESCO NO BRASIL---21
1.6 A SEGREGAÇÃO DO NEGRO NA BAHIA: DADOS SOCIO-ECONÔMICOS------25
2. ANÁLISE DO DISCURSO--------------------------------------------------------------------------28
2.1 CATEGORIAS DA ANÁLISE DO DISCURSSO---------------------------------------------28
2.2 DISCURSO E PODER----------------------------------------------------------------------------29
2.3 AS CONDIÇOES SOCIAIS DE PRODUÇÃO DO DISCURSO-------------------------30
2.4 FORMAÇÃO DISCURSIVA E IDEOLÓGICA------------------------------------------------32
2.5 ENUNCIADO----------------------------------------------------------------------------------------34
2.6 MEMÓRIA DISCURSIVA-------------------------------------------------------------------------36
2.7 PARÁFRASE E POLISSEMIA-------------------------------------------------------------------37
3. MÚSICAS DA BANDA REFLEXUS: CONSTRUINDO OS SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO E DA RESISTÊNCIA -------------------------------------------------------------39
3.1 RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL-------------------------43
3.2 VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE--------------------------------------------------------------60
REFERÊNCIAS------------------------------------------------------------------------------------------70
APÊNDICE------------------------------------------------------------------------------------------------75
ANEXOS---------------------------------------------------------------------------------------------------81
9




INTRODUÇÃO




      É fato que a participação do negro, em todas as dimensões da sociedade,
sempre foi marcada pela submissão dos valores da cultura negra em relação aos
brancos. Historicamente os negros sempre estiveram subordinados na estrutura
social e econômica, tanto no período escravocrata quanto nos que se seguiram.
Para Lilia Moritz (2002), o preconceito racial brasileiro tem suas raízes no século
XVIII, quando se iniciou o tráfico dos negros escravizados para o país. A sociedade
se desenvolveu preconceituosamente, mesmo sendo este um país de maioria afro-
descendente. Esta questão, no entanto, não é amplamente discutida e abordada
pelos veículos de comunicação, camuflando o preconceito com a afirmação da
existência de uma suposta democracia racial.
      Não são poucos os exemplos de manifestações sociais e culturais que
existem em prol de uma política antirracista ao longo da história da humanidade. No
Brasil não foi diferente. No decorrer da história brasileira podem-se observar
diversas ações e manifestações contra o preconceito racial. Um exemplo que pode
ser citado é a organização do Movimento Negro Unificado (MNU), que produziu e
incentivou no Brasil, desde a década de 1970, uma ampla discussão sobre questões
raciais do ponto de vista das populações de ascendência africana.
       A partir desses movimentos uma minoria de negros conseguiu amenizar, em
parte, as barreiras impostas pelo preconceito e exclusão social. Entretanto, apesar
de tantas lutas, a população negra continua sendo marginalizada pela sociedade e é
vista ainda como despreparada. Não porque tenha menos capacidade, mas porque
nunca lhes foi possível expor a contento ou desenvolver todas as suas
potencialidades. Este problema social, enfrentado até hoje, tem suas origens quando
foi abolida a escravidão e não houve nenhuma política social de integração dos
negros às atividades comuns, o que ocasionou a formação de uma classe
desfavorecida, a qual, mais tarde, foi classificada a partir de mecanismos
preconceituosos surgidos a partir de estudos de evolução biológica do século XIX,
período no qual se aplicou o conceito de raça à humanidade, marcando a relação de
superioridade e inferioridade entre brancos e negros. Tal concepção justificou as
respectivas relações de dominação. A noção de raça foi elaborada intrinsecamente
10



para justificar e naturalizar as relações entre dominadores e dominados sob a falsa
ótica de superioridade e inferioridade entre seres humanos.
       Existe no Brasil um ideário de país cordial caracterizado pela presença de um
povo pacífico, sem preconceito de raça. Mas a realidade é que em nosso país existe
de fato um racismo camuflado, disfarçado no mito da democracia racial, oriundo de
uma tradição mental racista. Para muitos teóricos contemporâneos, o racismo
brasileiro tem se tornado uma arma ideológica. A etnia1 negra sempre foi
discriminada por uma maioria da sociedade, a qual tende a negar a existência de
uma discriminação racial.
       O mito da democracia racial é uma crença, que por muito tempo vigorou, e
ainda vigora, no Brasil, fazendo com que muitos acreditassem que não havia
obstáculos para a ascensão social do negro, diferentemente de outros países como
os EUA e a África do Sul, onde o racismo se efetiva através de conflitos raciais
abertos. A imagem que por muito tempo se cultivou no Brasil era a de um país
democrático no quesito racial. Porém, essa crença se chocava com a realidade
nacional, onde sempre foi evidente a exclusão do negro. Porém, essa crença se
chocava com a realidade nacional, onde sempre foi evidente a exclusão do negro.
       A década de 1980 foi um período caracterizado por inúmeras manifestações
político-sócio-culturais em prol da efetiva democracia racial brasileira, fazendo com
que alguns artistas buscassem na música uma forma de denunciar o preconceito e
as injustiças sociais que se manifestavam de diversas maneiras durante essa
década. Diante disso, torna-se relevante e necessário aprofundar o conhecimento
sobre esse tema, contextualizando e caracterizando o papel da música uma vez que
esta funcionará aqui um alvo de análise sobre a produção de sentidos ao assumir-se
como instrumento de contestação e resistência.
       A música tornou-se, assim, para os negros, mais que um espaço de
representação sem fronteiras, para funcionar como um símbolo de resistência e
contestação. A música sobre o preconceito racial existe há muito tempo. No Brasil,
foi a partir da redemocratização, na década de 1980, que a música como forma de
protesto contra o preconceito racial ganhou popularidade. Desde então, a sociedade

1
  Será utilizada a nomenclatura etnia em detrimento da de raça, já que a gênese da idéia de raça,
base do pensamento racista, é de onde se originou a ideologia de superioridade e racial.
(SKIDMORE, 1976)
11



brasileira passou a buscar na música uma forma de representação social e protesto,
oriunda de uma perspectiva que é possível integrar a esta elementos históricos e
culturais.
         Foi nesse contexto que a banda Reflexu's se destacou, tornando-se a
primeira banda baiana a se projetar no cenário nacional dessa década. A trajetória
da banda        evidencia uma proposta especialmente de protesto, traduzindo
musicalmente uma riqueza cultural, baseada na denúncia e na valorização da etnia
negra.
         Pensando nessas considerações, esta monografia objetiva analisar a
construção do discurso de valorização da negritude e de protesto contra o
preconceito racial nas letras de algumas músicas da banda baiana Reflexu's. De
forma específica e como premissas analíticas objetiva compreender as condições
históricas do contexto brasileiro que ensejaram a produção de discursos de protesto
– logo de valorização étnico-racial – apontando genericamente para o tratamento
conferido a estas questões nas músicas do período analisado; repertoriar e discutir
as categorias teórico-metodológicas da Análise do Discurso de orientação francesa
(AD) e identificar e analisar os recursos discursivos que constroem os sentidos de
protesto e exaltação da negritude nas letras das músicas da banda Reflexu´s.
         O problema parte da questão de como são construídos discursivamente os
sentidos de valorização étnico-racial e de protesto contra o preconceito racial nas
letras das músicas da banda Reflexu´s. O argumento hipotético gira em torno da
pressuposição de que a música é trabalhada a partir de recursos discursivos
carregados de mecanismos de persuasão que visam transmitir uma mensagem
contra o preconceito racial através e valorização dessa etnia através da constante
exaltação de elementos culturais em suas relações com os processos históricos.
         Como referencial teórico, a pesquisa partiu dos estudos realizados no âmbito
da Análise de Discurso de orientação francesa (AD), utilizando autores como Michel
Foucault e Michel Pêcheux, que criaram conceitos e categorias, facilitando assim o
entendimento da construção dos sentidos, significados e posicionamentos
ideológicos existentes nos discursos. A música, enquanto discurso, permite focalizar
a linguagem em seu funcionamento, o sujeito em interação, produzindo sentido por
meio da linguagem em dada situação e contexto histórico, concebendo a relação
entre história, sujeito e linguagem, na complexa decorrência de produção de
sentidos (ORLANDI, 2005).
12



      Entende-se a partir da AD que os aspectos relevantes discutidos, sobre as
músicas da banda Reflexu’s, bem como o tipo de análise, a maneira, a extensão da
discussão a estes dedicados e sua ordem de apresentação, são decisões do
analista que subentendem uma atitude crítica a partir da AD. Para tanto, será
analisada uma amostra com 17 letras de músicas, as quais seguem anexadas. Em
um universo de aproximadamente 75 músicas, estas foram escolhidas de acordo
com a aproximação da abordagem do tema em questão.
      A estrutura da monografia é dividida em três capítulos: apresenta um breve
histórico do racismo e como este foi se constituindo ao longo da nossa história. Uma
história marcada pelo preconceito e discriminação racial numa sociedade
marcadamente pluricultural; O Capítulo 2 aborda as categorias de análise da AD,
bem como trabalha alguns conceitos intrínsecos a ela; O Capítulo 3 traz o estudo
específico sobre as análises propriamente ditas, ou seja, a análise do discurso das
letras das músicas.
13




1. RACISMO E HISTÓRIA




       Analisar sob uma visão crítica as relações raciais no Brasil foi e tem sido uma
tarefa difícil, sobretudo porque o país possui uma imagem de nação racialmente
democrática. Ao avaliar as várias dimensões das relações existentes entre
indivíduos negros e brancos torna-se perceptível que os negros sempre estiveram
em posições desiguais em relação à oportunidade de emprego e educação, por
exemplo. Para tentar justificar esta afirmativa tem sido evocada a herança da
escravidão como um dos argumentos principais.




1.1 A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO




       O processo de escravidão de acordo com a definição dada por Paul Lovejoy
é uma forma de exploração que possuía características especificas que




                    Incluíam a idéia de que os escravos eram propriedade; que eles eram
                    estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, por sanções judiciais ou
                    outras, se retirara a herança social que lhes coubera ao nascer; que a
                    coerção podia ser usada à vontade; que a sua força de trabalho estava à
                    completa disposição de um senhor [...] e que a condição de escravo era
                    herdada, a não ser que fosse tomada alguma medida para modificar essa
                    situação. (LOVEJOY, 2002, p. 29-30)




      A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser
contestada pela Inglaterra, que proibiu o tráfico de escravos, pressionando o país a
aprovar a Lei Eusébio de Queiróz, abolindo o tráfico negreiro. Aprovou-se logo em
seguida a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a
partir daquela data e foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que garantia liberdade
aos escravos com mais de 60 anos de idade. Somente no final do século XIX é que
a escravidão foi mundialmente proibida. No Brasil, sua abolição foi tardia, ocorrendo
em 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel.
14



      A lei deu a “liberdade” aos escravos, porém não resolveu os problemas racias.
A realidade foi cruel com muitos deles. Sem moradia, e em condições econômicas
precárias, muitos negros não conseguiam emprego, sofriam preconceito e
discriminação racial. A grande maioria passou a viver em habitações de péssimas
condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários. Fazendo uma
releitura do processo de abolição brasileiro, Lilia Schwarcz afirma que esse
procedimento:




                    Carregava consigo algumas singularidades. Em primeiro lugar, a crença
                    enraizada de que o futuro levaria a uma nação branca. Em segundo, o alívio
                    decorrente de uma libertação que se fez sem lutas nem conflitos e
                    sobretudo evitou distinções legais baseadas na raça [...] Além disso, em
                    lugar do estabelecimento de ideologias raciais oficiais e da criação de
                    categorias de segregação [...] já nesse contexto projetou-se aqui a imagem
                    de uma democracia racial, corolário da representação de uma escravidão
                    benigna.(SCHWARCZ, 1998, p. 187)




      A discriminação sempre existiu ao longo da história como um fenômeno
social, no entanto, o racismo tal como concebemos hoje, é um conceito
relativamente recente. Surgiu essencialmente como uma justificativa da escravidão e
do colonialismo, opondo-se aos movimentos abolicionistas emergentes.




1.2 O RACISMO E AS TEORIAS RACIOLÓGICAS




      O racismo é uma teoria construída sob a égide da pureza e separação da
raça, respaldada em uma falsidade cultural ou científica que nasce no século XVIII,
mas eclode no século XIX, período em que surgem as teorias sobre as diferenças
entre as raças. É considerado ainda como a manifestação do preconceito e da
discriminação que permeiam as relações de raças em uma sociedade (MUNANGA,
1996). Segundo Skidmore (1976), as teorias raciais podem-se dividir em três grupos.
A primeira escola é a etnológico-biológica, cuja afirmação centrava-se no argumento
de que as diferenças fisiológicas representavam as variedades da raça humana e
que tais diferenças tinham ligação com o clima a que cada raça estava exposta,
15



confirmando assim a superioridade branca sobre índios e negros. A segunda, a
escola histórica, argumentava que as raças podiam ser fisicamente diferentes umas
das outras, com a branca superior a todas as outras, por que o gene do homem
branco seria mais forte. O terceiro grupo teórico de pensamento racista foi o
chamado darwinismo social. Defendia um processo evolutivo que iniciava com uma
única espécie, na qual as raças evoluíam de formas inferiores para superiores,
resultado da sobrevivência dos mais aptos. Todas essas teorias tinham intuito de
justificar a superioridade do homem branco.
       O então chamado racismo científico ganha corpo nas grandes nações do
mundo. No Brasil, o seu desdobramento na política e na sociedade do período
tornou-se assunto amplamente debatido entre os historiadores, sociólogos,
antropólogos   e   cientistas   políticos.   Essa    nova    abordagem       histórico-sócio-
antropológica considera que




                     A origem do racismo não é cientifica, e o homem não nasce com
                     preconceito. É política, social ou econômica, prestando-se para justificar
                     seus interesses, exploração econômica, ou como argumento para a
                     dominação política. (CARNEIRO, 2005, p. 9)




       Ou seja, a teoria raciológica, serviu principalmente para concretizar os
interesses econômicos e políticos das grandes potências colonizadoras que estavam
interessadas em dominar certos segmentos populacionais, como exemplo, os povos
da América, Ásia e África.
       As teorias raciais impulsionaram as desigualdades entre os seres humanos e
por meio do conceito de “raça” puderam classificar a humanidade. Para Munanga “a
raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito, aliás,
cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em
raças estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem” (2004, p.
19).




1.3 PARA ALÉM DO CONCEITO DE RAÇA
16



      O termo raça tem uma variedade de acepções, geralmente utilizadas para
descrever um grupo de pessoas que compartilham certas características
morfológicas. A idéia de raça tem sido questionada pela chamada genética de
populações, que se debruça sobre a variabilidade biológica das populações
humanas. Desde as atrocidades do nazismo, no contexto da Segunda Guerra
Mundial, esse termo vem sendo refutado por biólogos e cientistas sociais, já que
vem sendo usado para se referir à cor da pele e à aparência das pessoas ou mesmo
a sua ancestralidade. Politicamente, o conceito de raça também é utilizado por
setores de movimentos negros na luta contra o racismo.
      No Brasil, o conceito de raça foi retomado pelo movimento negro na segunda
metade do século XX, especificamente no final da década de 1970, destacando-se o
MNU, surgido em 1978. Hoje presente em quase todo o Brasil, é referência de
grande significado para a luta político-ideológica de encaminhamentos de agregação
e mobilização da população afro-descendente.
      Por conta dessa multiplicidade de significações acerca desse conceito é que a
ciência e a política têm se entrelaçado nos debates sobre raça no Brasil, baseados
numa suposta desigualdade genética entre os indivíduos. Alertam para os perigos
postos pelo determinismo genético que podem abrir margem para novas formas de
racismo.




                     O tema da raça é ainda mais complexo na medida em que inexistem no país
                     regras fixas ou modelos de descendência biológica aceitos de forma
                     consensual. Afinal, estabelecer uma “linha de cor” no Brasil é ato temerário,
                     já que essa é capaz de variar de acordo com a condição social do individuo,
                     o local e mesmo a situação. Aqui, não só o dinheiro e certas posições de
                     prestigio embranquecem, assim como, para muitos, a “raça”, transvestida no
                     conceito “cor” transforma-se em condição passageira e relativa.
                     (SCHWARCZ, 1998, p. 182)




      Lideranças do movimento negro têm questionado também a utilização do
conceito de raça, por acreditar que ela reforça, através da biologia, o discurso da
miscigenação que tende, por sua vez, a ser associado à existência de uma
democracia racial no Brasil, fornecendo, desta forma, um respaldo biológico para o
discurso da mestiçagem que, historicamente, tem sido acionado para se minimizar a
existência de racismo e das desigualdades raciais no Brasil.
17



         O final dos anos de 1930 é marcado no Brasil pela dominância de uma certa
ideologia mestiça, pela qual os teóricos do racismo afirmavam que o problema racial
brasileiro residia na miscigenação, ou seja, estavam preocupados com o problema
da mistura racial. O mestiço era o exemplo da “degeneração” surgida com o
cruzamento de “espécies diversas”. De acordo com Raeders (1988), o principal
nome nesse sentido foi o de Arthur de Gobineau, autor do “Ensaio sobre a
desigualdade das raças humanas”. Nesta obra, ele postula que a história deriva da
dinâmica das raças, subdividindo a humanidade em três complexos raciais: branco,
amarelo e negro. Esclarece que a desigualdade das raças humanas não era uma
questão absoluta, mas um fenômeno ligado à miscigenação, colocando assim o
futuro do progresso histórico dependente da ação direta ou indireta das raças
brancas. Para Ali Kamel, que também escreve a cerca do assunto:




                      O debate em torno de raças no Brasil sempre foi intenso. Deixando de lado
                      todo o debate entre escravocratas e abolicionistas, o século XX foi todo ele
                      permeado por essa discussão. Nas primeiras décadas do século passado, o
                      pensamento majoritário nas ciências sociais era racista. Mas até ele
                      reconhecia que o Brasil era fruto da miscigenação. (KAMEL, 2009, p.18)




         Diante disso, o Brasil era considerado pelos europeus como um país mestiço.
A visão era que o negro desaparecesse pela miscigenação e que algum dia o Brasil
seria branco. Muitos nesse período, como Louis Agassiz, afirmavam que era no
Brasil que as melhores qualidades do branco, negro e índio estavam se apagando
rapidamente, deixando surgir um tipo indefinido e híbrido. Já Raeders (1988),
definiu-a como uma população mulata, “assustadoramente feia”.
         Essas teorias racistas impregnaram o Brasil do século XX. A imagem de um
país contraditório diante dos seus avanços e recuos sociais, políticos e científicos,
ora era colocado, em ritmo de modernidade, ora como símbolo de atraso, atribuído
por alguns à presença de negros. Como resposta, segundo Schwarcz (1998), na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 1976,
pesquisadores do IBGE registraram 136 respostas, intituladas de “Aquarela do
Brasil” 2 diferentes relacionadas à cor negra, ou seja, as nomenclaturas foram dadas

2
    Ver anexo
18



com intuito de substituir a identidade negra. Isso foi interpretado pelos movimentos
negros como um dos efeitos do racismo disseminado na sociedade brasileira.
       Darcy Ribeiro (1985) já dizia que prevalece em todo Brasil uma expectativa
assimilacionista, que leva os brasileiros a supor e desejar que os negros
desaparecessem pela branquização progressiva. Fazendo com que ocorra uma
suposta e efetiva modernização dos brasileiros, procedente tanto por meio da
branquização dos pretos, como pela negrização dos brancos.
       As tórias raciais teorias pregavam o cruzamento inter-racial como forma de
resolver o problema de um país negro e mestiço. Para Skidmore a teoria do
branqueamento




                       [...] baseava-se na presunção da superioridade branca, às vezes, pelo uso
                       dos eufemismos raças “mais adiantadas” e “menos adiantadas” e pelo fato
                       de ficar em aberto a questão de ser a inferioridade inata. À suposição inicial
                       juntava-se a mais duas. A primeira – a população negra diminuía
                       progressivamente em relação à branca por motivos que incluía a suposta
                       taxa de natalidade mais baixa, a maior incidência de doenças, e a
                       desorganização social. Segundo – a miscigenação produzia “naturalmente”
                       uma população mais clara, em parte porque o gene branco era mais forte e
                       em parte porque as pessoas procurassem parceiros mais claros do que
                       elas. (SKIDMORE, 1976, p.81)




       Essa ideia afirma a busca da negação da imagem de inferioridade inata dos
mestiços. A intelectualidade brasileira forjou uma conclusão otimista afirmando que a
miscigenação não produzia de maneira inevitável “degenerados”, mas uma
população branca, tanto cultural quanto fisicamente superior (Skidmore, 1976). A
imigração de europeus apareceu nessa conjuntura como veículo impulsionador do
branqueamento da nação, pois, constituindo uma “raça mais forte”, se imporiam no
contexto racial brasileiro.
       Sílvio Romero, autor expoente que escreveu sobre o branqueamento, expõe
uma ideia da agregação das raças, característica do Brasil.




                       A obra de transformação das raças entre nós ainda está mui longe de ser
                       completa e de ter dado todos os seus resultados. Ainda existem os três
                       povos distintos em face um dos outros; ainda existem brancos, índios e
                       negros puros. Só nos séculos que se nos hão de seguir a assimilação se
19


                        completará. (ROMERO, 1954, p.52).




          Fica evidente que o autor acreditava na viabilidade de um futuro no qual, por
meio da mestiçagem, o sangue de negros e índios viesse a desaparecer da
sociedade, mesmo que fosse preciso esperar por séculos, dando lugar aos mulatos,
que surgiram com o processo de embranquecimento, significando que o Brasil seria
uma nação sem raça. Esta era a imagem passada para o exterior, de um país
democrático no quesito racial. Começa então a ser discutido o mito da democracia
racial.




1.4 A SUPOSTA DEMOCRACIA RACIAL BRASILEIRA




          O ideário da democracia racial brasileira surgiu por volta da década de 1930 e
era caracterizado como “um sistema legal desprovido de qualquer barreira legal ou
institucional para a igualdade racial, e, em certa medida, um sistema racial
desprovido      de   qualquer    manifestação     de   preconceito   ou   descriminação”
(DOMINGUES, 2005, p. 116). Essa idéia foi formulada de forma exemplar por
Gilberto Freyre (1999), que contribuiu muito para a legitimação científica da
afirmação de que no Brasil não havia preconceitos e discriminações raciais. A partir
de uma análise minuciosa da formação da sociedade brasileira, descreve como se
dava a relação senhor-escravo dentro do engenho, ressaltando a “benevolência” e a
“solidariedade” que permeavam esse universo. Freyre também valorizou a fusão das
três raças ou a interpenetração das culturas portuguesa, indígena e africana na
formação do Brasil e de seu povo.

          Essa argumentação era consistente, uma vez que se baseava na positividade
da intensa mestiçagem da população, fundamentada na riqueza das diferentes
contribuições culturais a formar uma nova e rica civilização nos trópicos,
caracterizada ainda por baixo grau de tensão inter-racial.            A respeito dessa
civilização nos trópicos, Sampaio afirma que as condições geográficas foram
20



utilizadas pelas teorias raciológicas como fatores definidores da caracterização das
raças.




                      Encontrareis, nos climas do Norte, povos que tem poucos vícios, muitas
                      virtudes, sinceridade e franqueza. Aproximai-vos dos países do Sul e
                      acreditareis afastar-vos da própria moral: as paixões mais ardentes
                      multiplicarão os crimes; cada um procurará tomar sobre demais todas as
                      vantagens que podem favorecer essas mesmas paixões. (MONTESQUIEU
                      APUD SAMPAIO, 2006, p. 32)




         Outro conceito também muito discutido na década de 30 foi inserido por
Sergio Buarque de Holanda (1995), na qual analisa como as relações entre índios,
escravos e portugueses nestas terras do sul acabaram por gerar um povo particular,
especial, que pode ser entendido através da imagem do homem cordial. Holanda
(1995) afirma que o homem cordial é resultado da cultura patrimonialista e
personalista própria da sociedade brasileira. Essa cordialidade enfatizava o
predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitavam a polidez e a
padronização. Para o autor, as relações familiares não eram benevolentes para a
formação de homens responsáveis, pois havia uma hegemonia patriarcal vinculada
também ao homem cordial, a qual impedia uma distinção entre a noção de público e
privado. A impossibilidade que o brasileiro tem em se desvincular dos laços
familiares a partir do momento que ele se torna um cidadão gera o homem cordial.
Esse homem cordial é aquele generoso, de bom trato, que para confiar em alguém
precisa conhecê-lo primeiro. Holanda considera o Brasil uma sociedade onde o
Estado é apropriado pela família, os homens públicos são formados no círculo
doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente
do Estado.

         Pode-se inferir, portanto, que tanto a obra de Gilberto Freyre como a de
Sergio Buarque de Holanda constituem referencial básico para discutir a sociedade
brasileira, mas muitas dessas hipóteses e conclusões foram posteriormente
rechaçadas por uma nova geração de intelectuais que, entre os anos 1950 e 1960,
fixaram às ciências sociais no Brasil uma acentuada crítica do materialismo histórico
e dialético. Esta crítica acusa, principalmente, Freyre de sustentar o mito de uma
21



democracia racial, calcada da convivência pacífica das diferentes raças formadoras
da nacionalidade brasileira.



1.5 OS ESTUDOS SOBRE RAÇA PATROCINADOS PELA UNESCO NO BRASIL




      A partir dos anos 1950, um grupo de cientistas sociais começaram a
questionar o mito da democracia racial, fazendo com que a defesa freyreana das
concepções de identidade nacional brasileira começasse a se flexibilizar. Por sua
vez, isso só foi possível após uma série de projetos de pesquisas sobre relações
raciais brasileiras, encomendada pela Organização Educacional, Científica e Cultural
das Nações Unidas (UNESCO) em 1960, a qual adotou como parte de sua missão o
combate ao racismo em todo o mundo. A princípio, a pesquisa foi feita no Rio de
Janeiro e São Paulo, estendendo-se por algumas cidades de Minas Gerais, e nos
estados nordestinos da Bahia e de Pernambuco. As equipes constataram elevados
níveis de desigualdade entre as populações brancas e negras, além de fortes
evidências de atitudes e estereótipos racistas.

      Segundo Oracy Nogueira, os projetos de pesquisa patrocinados pela
UNESCO deixaram um vasto legado para a história da luta contra o racismo, como
também para o repensar da identidade nacional brasileira.




                     A principal tendência que chama atenção, nos estudos patrocinados pela
                     UNESCO, acima mencionados, é a de reconhecerem seus autores a
                     existência de preconceito racial no Brasil. Assim, pela primeira vez, vem,
                     francamente, de encontro e em reforço ao que, com base em sua própria
                     experiência, já proclamavam, de um modo geral, os brasileiros de cor.
                     (NOGUEIRA, 1985, p. 97)




      É notório que as pesquisas mostraram que o racismo no Brasil manifesta-se
como preconceito de cor. De acordo com Maggie (1991), na base da discussão em
torno dos sistemas de classificação racial no Brasil estaria a naturalização da cor.
22



Para a autora, no pensamento social brasileiro a cor aparece como algo concreto.
Nos diversos âmbitos, a cor emerge como algo natural, os sistemas classificatórios a
partir dos quais os significados são demarcados servem para marcar as distinções
presentes no mundo social, as quais são produtos da construção cultural ou social.

      Ou seja, a identificação entre negro ou mestiço e a pobreza disfarçam as
barreiras que mantêm estas populações afastadas das oportunidades de inserção
social, visto que os traços físicos, como formato do rosto, tipo de cabelo e a cor da
pele são transformadas em base para a discriminação. Para Nogueira (1985), isso
pode ser explicado porque aqui o preconceito é de marca, ou seja, determinado pela
aparência, onde o racismo manifesta-se no âmago das relações sociais é
incorporado posteriormente pelos negros. É diferentemente do preconceito não de
origem, como nos Estados Unidos, definido pela ascendência.

      O interesse da UNESCO referente à problemática da raça no Brasil incentivou
consideráveis debates e reflexões, além de incentivar muitos estudiosos brasileiros
que haviam participado de pesquisas, a exemplo de Florestan Fernandes (1965) e
Thales de Azevedo (1996), a prosseguirem com essa temática da democracia racial
em suas futuras carreiras.

      O sociólogo Florestan Fernandes (1965) ao enfatizar a existência do
preconceito de cor no Brasil, vai contestar assim a ideologia da democracia racial.
No entanto, no seu discurso, o preconceito de cor está muito articulado ao
preconceito de classe, abordando a temática racial fundamentada na desigualdade e
numa forma particular de racismo, ou seja, “um preconceito de não ter preconceito”.
A respeito da pesquisa feita por Fernandes, Schwarcz afirma que o conjunto das
análises feitas por ele é revelador, na medida em que,




                     [...] aborda a temática racial tendo como fundamento o ângulo da
                     desigualdade [...] notava, ainda, a existência de uma forma particular de
                     racismo: “um preconceito de não ter preconceito”. Ou seja, a tendência do
                     brasileiro seria continuar discriminando, apesar de considerar tão atitude
                     ultrajante (para quem sofre) e degradante (para quem a pratica).
                     (SCHWARCS, 1998, P. 202)




      Fica evidente que o foco da análise de Fernandes recai preferencialmente
23



sobre a desigualdade social, evidenciando que a abolição da escravatura relegou a
massa de ex-escravos, pondo-os à margem da sociedade. Ou seja, para Florestan
Fernandes a origem do preconceito e da discriminação tem sua origem na
escravidão. Preconceito este que estaria resolvido com o desenvolvimento
econômico do país. Em outras palavras, o autor focalizou o processo de inserção do
negro na estrutura social e econômica em vias de transformação, e sobre a luta
política dos mesmos.

       Guimarães utiliza as categorias analíticas de „raça‟ e „cor‟ buscando uma
  razão para o preconceito e a discriminação no Brasil.




                       „Raça‟ é não apenas uma categoria política necessária para organizar a
                       resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria analítica
                       indispensável: a única que revela que as discriminações e desigualdades
                       que a noção brasileira de „cor‟ enseja são efetivamente raciais e não apenas
                       de classe (GUIMARÃES, 2002 p. 50).




      Com isso pode-se dizer que o preconceito racial no Brasil se sobrepõe ao
preconceito de classe. Neste prisma, as categorias „raça‟ e „cor‟ se articulam e estão
presentes nos processos de discriminação e preconceito racial (p. 55).

      Outro pesquisador muito imponente foi Thales de Azevedo, que fez um
panorama da ascensão social de homens de cor na Bahia dos anos 1950. Ao
escrever sobre a existência do preconceito de cor na Bahia, afirma que:




                       A posição dos que negam inteiramente o preconceito é a de quem formula
                       um padrão ideal de relações, inspirado "no desejo que não houvesse (o
                       problema), ou no vão intento de contribuir para que a sociedade o esqueça"
                       [Rômulo Almeida]. Os que exageram as proporções da questão poderiam
                       ser personalidades inadaptadas, o que não ocorre sempre; essa
                       exageração é um poderoso meio para chamar atenção para um problema
                       que se supõe inexistente ou sem importância e funciona também como uma
                       forma de agressão contra o grupo discriminante. (AZEVEDO, 1996, p. 154-
                       155)
24




      Este estudo possibilitou observar as eventuais barreiras para a ascensão
social dos negros e mulatos, ou seja, a sua trajetória familiar ou pessoal, os seus
instrumentos, mecanismos e instituições de mobilidade vertical, assim como o
padrão das relações sociais entre brancos e negros e as suas atitudes uma vez
inseridos nas classes altas.

      Em linhas gerais, o mito da democracia racial brasileira foi concebido como
parte de uma campanha ideológica maior para justificar o domínio autoritarista e
oligárquico no Brasil. Segundo Guimarães (1999), durante o regime da ditadura
militar foi formada uma ideologia racista, que utilizou a democracia racial como uma
espécie de ideologia do Estado brasileiro, para negar os fatos de discriminação e as
desigualdades raciais, que cresciam cada vez mais no país, formando assim uma
justificativa da ordem discriminatória e das desigualdades raciais realmente
existentes. A partir do momento em que esse modelo de governo passou a sofrer
crescentes ataques, pôde-se observar o declínio desse mito. Dos anos 1960 aos
anos 1980, novos estudos foram feitos sobre as relações raciais, denunciando uma
vez mais como os negros ficavam em posições desvantajosas diante dos brancos.

      Na década de 1980, período marcado pela redemocratização brasileira, esse
mito foi transformado no principal alvo de criticas dos movimentos negros, pois
acreditavam ser esta uma ideologia racista. Nesse período, foi instituído o Conselho
de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, com a implementação de
políticas voltadas para promover a inserção qualificada da população negra, além de
uma crescente valorização da cultura com a criação do Dia Nacional da Consciência
Negra e o Programa Nacional do Centenário da Abolição da Escravatura, que
atraem a atenção para o negro e a questão racial, possibilitando um ambiente
favorável ao debate sobre as relações raciais. Desde então, o poder público, por
meio dessas manifestações reconhece que existe discriminação racial na sociedade
e que cabe a ele o desenvolvimento de ações retificadoras. Ponderando que numa
sociedade, que tem no preconceito racial um dos pilares de sua construção sócio-
histórica, fica evidente que o negro precisa lutar cotidianamente para tentar
desconstruir as imagens criadas em torno da sua etnicidade, pois:
25




                     [...] a identidade da pessoa negra traz do passado a negação da tradição
                     africana, a condição de escravo e o estigma de ser objeto de uso como
                     instrumento de trabalho. [...] A cor da pele e as características fenotípicas
                     acabam operando como referências que associam de forma inseparável
                     raça e condição social, o que leva o negro à introjeção de um julgamento de
                     inferioridade [...] (SOUZA apud FERREIRA, 2000, p. 41-42)




      A Constituição Federal de 1988 também traz avanços indiscutíveis referentes
à questão racial. Fundamentada no respeito da dignidade humana, tem como um de
seus objetivos fundamentais, explícitos no artigo 3º,




                     I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o
                     desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e
                     reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de
                     todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
                     outras formas de discriminação.” (Grifo meu). (BRASIL, CONSTITUIÇÃO
                     FEDERAL, 1988)




      Muito embora afirme a igualdade e tenha por princípio o pluralismo e a
proteção étnico-cultural como direitos fundamentais, a acessibilidade aos direitos
dos segmentos representados merece ainda grande empenho para que se
concretize. A democracia brasileira foi reinventada a partir do pleito dos movimentos
sociais organizados, que passaram a denunciar as disparidades e injustiças sociais.
Não seria coerente dizer que inexiste preconceito no Brasil se a sua extinção foi
elencada como objetivo de nosso país há pouco mais de duas décadas. Apesar das
conquistas e progressos, estamos longe de termos uma sociedade na qual sejam
extintas todas as formas de preconceito e discriminação.



1.6 A SEGREGAÇÃO DO NEGRO NA BAHIA: DADOS SÓCIO-ECONÔMICOS




      As discussões sobre raça na Bahia começaram com as pesquisas sobre os
negros escravizados trazidos da África nos navios negreiros. Desde Nina Rodrigues,
26



inúmeros cientistas estudaram a evolução e a problemática dos negros, um tema
fundamental, tendo em vista a presença majoritária dos afro-descendentes no Brasil.
A partir da década de 1970, foi reforçada a ideia de uma Bahia tradicional, ligada à
africanidade, e ao mesmo tempo repleta de necessidades não atendidas de políticas
públicas ante as desigualdades raciais. A Bahia é um estado eminentemente negro,
a maior parte de sua população é negra ou afro-descendente. Segundo o censo
2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar de não
ocupar o primeiro lugar no Ranking, a Bahia é o Estado com o maior número
proporcional de negros na população, com 14,4% de pretos e 64,4% de pardos.
Entretanto, por um longo período de nossa história, todo esse percentual de negros
parecia invisível ao Estado brasileiro.

          Essenciais para o norteamento de políticas públicas, as pesquisas
demográficas do país só começaram a incluir em seus formulários o quesito cor a
partir do censo realizado em 1987, o primeiro feito após o regime militar. A partir de
então as estatísticas começaram a desvendar as desigualdades raciais existentes no
país, fornecendo dados que serviram de instrumentos de pesquisas acadêmicas e
como fomentadores de mobilizações sociais em prol de melhorias nas condições de
cidadania do povo negro, que vem resultando em avanços significativos nas políticas
públicas e, aos poucos, promovendo ações de equiparação da igualdade racial no
Brasil.

          De acordo com os índices sobre a desigualdade racial, os negros do século
XXI ainda sofrem com as marcas deixadas pela escravidão no país. Do total da
população brasileira, os negros são os que possuem menor escolaridade, têm mais
dificuldade no acesso à saúde e ao mercado de trabalho e são mais expostos às
moradias precárias. Na Bahia, este fato é mais marcante, devido, sobretudo à maior
penetração do sistema escravocrata na formação da cultura. Este sistema sempre
trabalhou com ofertas restritas de trabalho, sendo mais um meio de limitação da
condição de desenvolvimento do cidadão de origem negra. Isso faz com que ocorra
uma verdadeira segregação.

          Segundo pesquisa intitulada “Os negros no mercado de trabalho e o acesso
ao sistema público de emprego, trabalho e renda”, realizada pelo Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Sociais e Econômicos (Dieese), Governo do
Estado da Bahia, Fundação Seade e Universidade Federal da Bahia em 2010, no
27



mercado de trabalho há uma desigualdade enorme. Os negros ainda são os que
ocupam os piores cargos, recebendo os menores salários, isto quando não estão
desempregados. Os dados da pesquisa revelaram que a desigualdade racial no
mercado de trabalho, nos últimos cincos anos, permaneceu praticamente a mesma
na Região Metropolitana de Salvador. Enquanto um negro recebe R$ 4,75 por hora
trabalhada, o não-negro ganha R$ 9,63. As primeiras alternativas surgidas para o
negro, neste processo, estão relacionadas com trabalhos manuais, ligados
principalmente em empregos públicos, nos sistemas de educação e de saúde.

        O histórico brasileiro foi marcado pela negação das desigualdades raciais,
mesmo apresentando profundo distanciamento entre brancos e negros. O Estado
sempre demonstrou competência para sufocar os modelos de resistência coletiva
que pudessem ameaçar o poder hegemônico estabelecido. As relações raciais
estiveram, por muitos anos, influenciadas pela idéia de democracia racial. Essa
imagem dificultou a visão crítica da realidade vivenciada pelo país acerca das
relações raciais. Somente nos últimos anos, o Estado brasileiro começa a
reconhecer as desigualdades existentes entre os negros e brancos e a necessidade
de implementação de medidas de combate ao racismo e à desigualdade racial.

      Segundo Lilia Schwarcz (1993), se durante o período escravocrata os negros
estiveram submetidos a todo tipo de suplícios e humilhações, isto não fez com que
perdessem seus traços culturais. Ao contrário, foram capazes de impregna-los na
cultura da nação.      Mesmo estando submetidos ao poder político e econômico
vigente no período, sua cultura permanece vigorosa, estabelecendo lugar inegável
na cultura nacional.
28



2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DO DISCURSO (AD)




2.1 AS CATEGORIAS DA AD




      A AD é a disciplina das Ciências da Linguagem que teve origem na década de
1960, em função da contribuição, principalmente, de Michel Foucault e Michel
Pêcheux. Possui uma base interdisciplinar situada em três domínios: a Linguística, o
Marxismo e a Psicanálise, tendo como suportes iniciais o método de análise
estruturalista, o conceito de ideologia marxista e o de sujeito advindo da teoria
psicanalítica. Tem como objetivo demonstrar que “o discurso é o lugar em que se
pode observar a relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua
produz sentido por/ para os sujeitos” (ORLANDI, 2005, p.17).
      Essa teoria especializada em analisar, de forma reflexiva, as construções
ideológicas presentes num texto, sugere que o objeto de estudo não deveria tratar
da língua, nem da gramática, embora essas coisas lhes interessassem, e sim
estudar o discurso, isto é, a palavra em movimento por meio da qual se procura
compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do
trabalho social geral, constitutivo do homem e de sua história, concebendo assim a
linguagem como mediadora entre o homem e a realidade socio-cutural. Realidade
que, tratada por esta pesquisa, foi camuflada, se assim pode-se dizer, pelo discurso
racista da sociedade brasileira, que influenciou e ditou padrões específicos, muitas
vezes massificando a imagem do negro, que nem sempre estava adequada a estes
padrões instituídos pelas classes dominantes e que acabou por gerar desvalorização
das diferenças físicas e sociais dessa etnia e suas miscigenações. A partir do
estudo dos discursos de valorização do negro e de protesto contra o racismo nas
músicas será possível estabelecer relações as ações e posturas das sociedades ao
longo da história, em relação ao tema, bem como dão sentido e transformam a
própria história através das suas representações discursivas.
      Conciderando ainda a linguagem como não transparente, a AD procura
entender “como este texto significa”(ORLANDI, 2005, p.17) e não o que ele diz,
como ressalva Minton Pinto. “A análise do discurso não se interessa tanto pelo que
o texto diz ou mostra, pois nao é uma interpretação semântica de conteúdos, mas
29



sim em como e porque o diz e mostra”.(PINTO, 2002, p.27)
      A questao é que a AD não trabalha apenas para entender o que os textos
exemplificam, mas tem o intuito de produzir conhecimentos a partir do próprio texto,
ou seja, trabalha em busca de se estabelecer um determinado sentido. Assim, para
a AD, nos estudos discursivos não existe separação entre forma e conteúdo, ou seja,
possuem uma relaçao de reciprocidade . Diante disso, trabalha a confluência entre a
linguística, a história e a ideologia, constituindo assim o novo objeto de estudos, o
discurso.




2.2 DISCURSO E PODER




      Foucault (2008) entende o discurso como um “ conjunto de enunciados que
se apoiam em um mesmo sistema de formação”, além disso, para ele




                     O discurso - como a psicanálise nos mostrou - não é simplesmente aquilo
                     que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do
                     desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar - o discurso
                     não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
                     dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos
                     queremos apoderar. (FOUCAULT, 2004, p.10)




      Essa é uma idéia renovadora em relação ao discurso, este aparece como
produto de algo que é exterior a ele, que é o poder. “Por mais que o discurso seja
aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo,
rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” (FOUCAULT, 2004, p.10).
      Com sólidos conhecimentos acerca das diversas manifestações de poder por
meio do discurso, Foucault nos leva a compreender as idéias básicas de sua linha
filosófica sobre o saber e o poder, bem como a descobrir o poder das palavras no
discurso do indivíduo, que ora o exclui, ora o torna dono do saber poder, como muito
bem se define nos procedimentos externos ou internos de controle e delimitação do
discurso.
30



         O poder, segundo a conceituação elaborada por Michel Foucault, é visto
como algo que se dispersou pelas entrelinhas da sociedade. Não é mais aceito
como um poder que provém do centro do governo para a sociedade. Mas, o que
procura estar em “harmonia” com as possibilidades dos vários locais de poder.

         Esses poderes determinam discursos próprios para seus interesses,
facilitando a ligação entre o discurso que se quer proferir e o poder que pretende
privilegiar. É válido inferir que o preconceito racial está associado às relações de
poder e dominação existentes entre os grupos da sociedade brasileira, não estando
restrito à dimensão individual, mas presente nas relações sociais sobreviventes de
padrões arcaicos moldados durante a escravidão.

         Em outras palavras, o discurso trabalha para o poder e para aqueles que
fazem do discurso arma do poder, conduzindo assim os sujeitos que estão à volta
desses núcleos de poder. [...] O poder se excerce em rede e, nessa rede, não só os
indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de serem submetidos a esse
poder e também de exercê-lo. (FOUCAULT, 1999, p.35).

         O discurso surge como o defensor de um grupo em detrimento de outro,
tomando o discurso enquanto desejo, não é só porque o manifesta, mas aquilo que é
o objeto de desejo. Enquanto poder, não só porque traduz as lutas, mas aquilo pelo
que se luta o poder do qual nos queremos apoderar. Dessa forma sublinha a idéia de
que o discurso sempre se produziria em razão de relações de poder, as quais
controla, seleciona, organiza e redistribui a produção de sentido dentro da própria
sociedade. Segundo Focault (2004, p.9), “Sabe-se bem que não se tem o direito de
dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer
um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”. Essa ideia se explica no fato de que
para Foucault alguns assuntos e discussões são proibidos dentro da própria
sociedade, uma vez que existem processos de exclusão dentro da produção do
discurso, os quais dizem respeito aos discursos que coloca em jogo o desejo e o
poder.




2.3 AS CONDIÇOES SOCIAIS DE PRODUÇÃO DO DISCURSO


         Para Foucault, é preciso ainda considerar o discurso nas suas condições de
31



produção, considerá-lo limitado por procedimentos de controle e delimitação, que se
apresentam tanto de modo externo, como de modo interno. Estas condições
compreendem fundamentalmente a relação entre situação e sujeito. Segundo
Orlandi,




                     As condições de produção do discurso irão determinar não o sentido em si,
                     mas as posições ideológicas do jogo discursivo. Podemos considerar as
                     condições de produção em sentido restrito e temos as circunstâncias da
                     enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em sentido
                     amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico,
                     ideológico. (ORLANDI, 2005, p.30)



      Pensando nessas afirmações, pode-se inferir que as condições sociais de
produção interferem diretamente no processo discursivo, já que é através dela que o
sujeito posiciona-se ideologicamente, fazendo com que os discursos funcionem de
acordo com valores, os quais estão presentes nos procedimentos de assimilação
dos sujeitos trabalhados no discurso, analisando assim as relações históricas, de
práticas concretas, que estão vivas nos próprios discursos, relacionando deste modo
a língua com “outra coisa”. Foucault define como “prática discursiva”.




                     [...] é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no
                     tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma
                     determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições
                     de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2008, p. 133)



      Na verdade, tudo é prática para Foucault, uma vez que ela está imerso em
relações de poder e saber, que se implicam mutuamente, constituindo práticas
sociais permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem
e as atualizam, concebendo assim o discurso, não somente como lugar de
expressão de um saber, mas o lugar em que o poder se exerce.
      Para o teórico (2008, p.55), os discursos são “práticas que formam
sistematicamente os objetos de que falam”. As práticas às quais esse autor se refere
advêm de acontecimentos históricos, que são representados sob o ponto de vista
das formações discursivas (FD).
32



2.4 FORMAÇÃO DISCURSIVA E IDEOLÓGICA




      A introdução do conceito de FD coloca em xeque a noção de máquina
estrutural fechada, “na medida em que o dispositivo da formação discursiva está em
relação paradoxal com seu „exterior‟: uma formação discursiva não é um espaço
estrutural fechado, pois é constitutivamente „invadida‟ por elementos que vêm de
outro lugar” (Pêcheux 1997a, p.314).
       Esclarecendo a noção de FD, Foucault apresenta quatro hipóteses: a
primeira considera que os enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no
tempo, formam um conjunto quando se referem a um único e mesmo objeto; na
segunda, ressalta que para definir um grupo de relações entre enunciados, deve-se
levar em conta sua forma e seu tipo de encadeamento; a terceira parte do
pressuposto   de   que   não   se   poderia estabelecer   grupos de     enunciados
determinando-lhes o sistema de conceitos permanentes e coerentes que aí se
encontram em jogo. A quarta e última leva em consideração que a identidade e a
persistência dos temas podem relacionar os enunciados de uma mesma formação
discursiva (FOUCAULT, 2008, p. 35-43).
      Esse conceito de FD de Foucault é baseado em um sistema de dispersão,
formados por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade,
cabendo à AD descrever essa dispersão, buscando as “regras de formação” que
regem a formação dos discursos. A preocupação de Foucault não é com o discurso,
enquanto expressão de uma idéia ou de uma linguagem, mas enquanto suas
condições de possibilidade, o que o autor denomina como as condições da
“formação discursiva”.
      A noção de FD para Orlandi (2005) permite a compreensão do processo de
produção dos sentidos e sua relação com a ideologia. Além de dar ao analista
possibilidades de regular o funcionamento dos discursos, lembra que embora seja
ainda polêmica, a noção de FD é de suma importância para analisar esses
discursos, pois permite compreender o processo de produção dos sentidos, bem
como a sua relação com uma determinada conjuntura sócio-histórica, que determina
o que pode ser dito e o que deve ser dito.
      Determinantes na formação de um discurso, os objetos, os tipos de
enunciação, conceitos e estratégias, caracterizam as singularidades e possibilitam a
33



regularidade do discurso. O que Foucault propõe é analisar esses quatro níveis não
como elementos dados, mas analisá-los nas suas condições de possibilidade,
verificando as regras que tornam possível seu aparecimento e transformação.
      Ao descrever o conceito de FD, Foucault define aquilo que é essencial para
compreender a constituição de um saber, isto porque, para o autor: “[...] não há
saber sem uma prática discursiva definida, e toda prática discursiva pode definir-se
pelo saber que ela forma” (FOUCAULT, 2008, p. 205). Para Orlandi (2005), as
formações discursivas são formações componentes das formações ideológicas.
Assim sendo, as palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação
discursiva para outra, pois muda sua relação com a formação ideológica.
      Outro conceito importante na AD é o de formação ideológica (FI). Pêcheux, no
primeiro momento de construção de sua teoria, absorve das revisões althusserianas
sobre o marxismo, apresentando, então, a ideologia como aquela que interpela o
indivíduo em sujeito, concebendo assim, o sujeito coagido ao assujeitamento,
destacando a autonomia relativa da ideologia de uma base econômica, e a sua
significativa contribuição para a reprodução ou transformação das relações
econômicas. Nesse sentido, o racismo pode se expressar através das estratégias
que os grupos dominantes encontraram para driblar as normas anti-racistas. Trata-
se, pois, de discursos ideológicos que justificam a sua situação dominante sem,
aparentemente, violar as normas vigentes.
      Para Orlandi (2005), o discurso não existe sem o sujeito e “não há sujeito sem
ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua
faz sentido”( p. 46). Reforça a tese de que a ideologia ocorre em formas materiais e
atua através da constituição das pessoas como sujeitos sociais, fixando-os em
posições-sujeito e dando-lhes, ao mesmo tempo, a ilusão de serem agentes livres.
      Ao tratar de ideologia, Orlandi (2005) parte da idéia que a ideologia é o
discurso em si, considerando que a forma histórica de um sujeito assim como a
ideologia da sociedade em que vive, pode alterar sua percepção sobre determinados
discursos. Como por exemplo, no capitalismo, onde existem processos de
individualização do sujeito pelo Estado, que o submete a um reflexo da realidade
aparentemente livre e responsável, provocando o assujeitamento dos indivíduos. A
autora também ressalta que “(...) é pela sua abertura que o processo de significação
também está sujeito à determinação, à institucionalização, à estabilização e a
cristalização” (2005, p. 52), e que por isso temos que trabalhar continuamente a
34



articulação entre estrutura e acontecimento. Adotando a perspectiva de que o
discurso é da ordem da estrutura e do acontecimento, Pêcheux pauta-se na unidade
do discurso para propor modos de leitura




                     Não se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerólito
                     miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos
                     quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo
                     discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação
                     dessas redes e trajetos: todo discurso é um índice potencial de uma
                     agitação nas filiações sócio-histórica de identificação. (PÊCHEUX, 2006, p.
                     56).




      O autor afirma que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se
outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente para derivar para um
outro” (PÊCHEUX,2006, p.53), ou seja, uma seqüência lingüística é suscetível de
se tornar sempre outra, uma vez que as palavras mudam de sentido conforme as
formações ideológicas que as determinam. O que é significativo para a AD, pois o
sentido não é compreendido como uma unidade fixa, já que é histórico e, por isso,
pode deslizar-se para outro, mostrando que a língua tem a sua materialidade
discursiva, ou seja, a tomada de um enunciado pressupõe a consideração das
condições de produção.
      É indispensável verificar, na associação dos elementos musicais, a presença
do elemento ideológico, já que, para se constituir sujeito, o indivíduo é interpelado
pela história e pela ideologia (ORLANDI, 2003, p. 46). Essa interpelação acontece
quando o indivíduo sofre intervenções da história no sentido de se inscrever em um
discurso já existente (memória discursiva). E essa inscrição não é eventual, pois há
um processo de identificação do sujeito com o discurso predominante.




2.5 ENUNCIADO




      Convém expor ainda o conceito de enunciado. Tendo-se como pressupostos a
se considerar o fato de que toda enunciação pressupõe interação verbal entre
interlocutores, pode-se dizer, a partir de Foucault, que o conceito de enunciado, está
35



associado ao de função enunciativa e discurso:




                    em seu modo ser singular (nem inteiramente lingüístico, nem
                    exclusivamente material) o enunciado é indispensável para que se possa
                    dizer se há ou não frase, proposição, ato de linguagem (...) ele não é, em si
                    mesmo, uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de
                    estruturas e unidades possíveis e que faz com que apareçam, com
                    conteúdos concretos, no tempo e no espaço. (FOUCAULT, 2008, p. 97-98)




      Essa definição completa-se ao considerar o discurso como um conjunto de
enunciados que se apóiam na mesma formação discursiva, constituído de um
número de enunciados para os quais se podem definir condições de existência. O
conceito de discurso, compreendendo um conjunto de enunciados que ocorrem
como performances verbais em função enunciativa, é apresentado considerando a
idéia de práticas discursivas. Assim, amparado por esse modo de analisar os
enunciados, considerando-os instáveis, reconhece-os como objeto de luta, regulados
por uma ordem do dizível, definida no interior de lutas políticas. Ao propor uma
explanação do conceito de enunciado, Foucault diz que:




                    pode-se, na verdade, ter dois enunciados perfeitamente distintos que se
                    referem a grupamentos discursivos bem diferentes, onde não se encontra
                    mais que uma proposição, suscetível de um único e mesmo valor,
                    obedecendo a um único e mesmo conjunto de leis de construção e
                    admitindo as mesmas possibilidades de utilização. (FOUCAULT, 2008, p.
                    91)



      Em outras palavras, uma mesma proposição, em sua forma material, pode
comportar mais de um significação e definir enunciados diferentes no que concerne
à função enunciativa desempenhada, pois a materialidade de um proposição é a
base significatica comum. Por isso, Foucault define a materialidade como uma
propriedade do enunciado e não como o enunciado produto da intervenção verbal.
      Ao investigar a materialidade discursiva das músicas, percebe-se que para a
maioria das pessoas é uma forma de expressar sentimentos, desejos, frustrações,
conceito que não está muito longe da realidade, pois durante muito tempo ela foi
utilizada como forma de “abrir os olhos da humanidade” para as questões que
36



afligiam o mundo, como a guerra, a opressão, enfim a discriminação. Partindo do
pressuposto de Orlandi de que


                       a Análise de Discurso visa fazer compreender como os objetos simbólicos
                      produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação
                      que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no
                      real do sentido [...](ORLANDI, 2005, p. 26)




      Para Foucault, o importante é a análise das relações entre os enunciados
num domínio de coexistência, pensando na existência da palavra como efeito de
saberes postos em circulação numa dada época, possibilitando o entendimento de
como se formam os saberes que dão emergência a esses trajetos teóricos que
chegam a engendrar qualquer outra coisa.




2.6 MEMÓRIA DISCURSIVA




       Dentro dos postulados da AD Francesa, cada sujeito, na produção de um
discurso, promove uma relação deste discurso em formulação com o interdiscurso
ou memória discursiva, ou seja, com todos os dizeres que já foram de fato, ditos.
Pêcheux afirma que:




                      a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como
                      acontecimento a ser lido, vem restabelecer os „implícitos‟ (quer dizer, mais
                      tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-
                      transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em
                      relação ao próprio legível.(PÊCHEUX, 1999, p.52)




      Em outras palavras, é na memória discursiva que surge a possibilidade de
toda formação discursiva produzir e operar formulações anteriores, que já foram
feitas, que já foram enunciadas. Ou seja, a memória discursiva permitirá na infinita
rede de formulações (existente no intradiscurso de uma formação discursiva) o
aparecimento, a rejeição ou a transformação de enunciados que pertencem a
formações discursivas posicionadas historicamente.
37



       Nesse sentido, Orlandi (2006) explica que o conceito de interdiscurso de
Pêcheux possibilita-nos compreender que as pessoas estão vinculadas a esse saber
discursivo que não se aprende, mas que produz seus efeitos através da ideologia e
do inconsciente. Segundo essa autora, a memória discursiva está articulada ao
complexo de formações ideológicas. Nesse processo discursivo, segundo Pêcheux,
os enunciados produzidos em outro período da história podem ser atualizados no
novo discurso ou rejeitados mais tarde em novos contextos discursivos. A partir da
memória discursiva, os enunciados pré-construídos podem ser operados na
formação discursiva de cada sujeito que, ao produzir novos discursos, constitui
relações com o que já foi dito, ou seja, com sua memória discursiva.




2.7 PARÁFRASE E POLISSEMIA




       O funcionamento da linguagem assenta-se na tensão entre processos
parafrásticos e processos polissêmicos. Vale salientar que




                     Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há
                     sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase
                     representa assim, o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se
                     diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase esta do
                     lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é
                     deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o
                     equivoco. (ORLANDI, 2005, p.36)




       O primeiro procedimento apresenta-se como indispensável na AD, uma vez
que todo o dizer vai se estruturando a partir de famílias parafrásticas, as quais dão
continuidade ao sentido formado durante a história do indivíduo ou da sociedade.
Sobre esse processo, Pêcheux (2001) escreve que “a produção do sentido é
estritamente indissociável da relação de paráfrase” e que a família parafrástica de
um determinado corpus “constitui o que poderia chamar de matriz de sentido”. (p.
155)
       O segundo é a polissemia, pela qual surge a possibilidade de múltiplos
sentidos para uma mesma enunciação que fundamenta a atividade do dizer, está
38



diretamente relacionada à criatividade que instaura o diferente na linguagem, na
medida em que o uso pode romper com o processo de produção dominante de
sentidos e, na tensão da relação com o contexto histórico-social, pode criar novas
formas, novos sentidos, a multiplicidade de sentidos.
      Em uma última inferência é importante ressaltar que estes dispositivos
analíticos, são imprescindíveis à realização da AD, constituindo-se, portanto, em um
desafio para aqueles que desejam apreender o processo de realização deste tipo de
análise, já que fazem com que todo sentido se manifeste na relação existente entre
o significado e o significante sempre produzindo práticas com sentido. Ainda, a
utilização desses dispositivos pode colaborar na compreensão de fenômenos
discursivos que interessam à comunicação e à música, permitindo que novos modos
de se pesquisar se concretizem e que intervenções propícias possam ser
implementadas no âmbito assistencial.
39



3. MÚSICAS DA BANDA REFLEXUS: CONSTRUINDO OS SENTIDOS DA
VALORIZAÇÃO E DA RESISTÊNCIA




       Os sentidos e significados dados às letras das músicas podem ser
representados a partir do levantamento dos enunciados que expressam discursos
referentes à valorização étnica e de combate ao preconceito racial. É importante
ressalvar que dentre as diversas categorias da AD já mencionadas neste trabalho,
foram escolhidas como norte principal e metodológico para tecer a análise, as
condições sociais de produção e a memória discursiva. Diante disso, Ao realizar a
análise do discurso desses enunciados, tem-se como objetivo primordial
estabelecer/compreender as relações existentes entre a memória discursiva e as
condições sociais de produção. Nesse sentido, a memória recria discursivamente
sentidos que dialogam com a produção dos acontecimentos ocorridos no passado
através da referência a fatos históricos. Pode ser considerada ainda como “o saber
discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído,
o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”
(ORLANDI, 2005, p. 31). Já as condições sociais de produção referem-se ao
contexto histórico em que a música foi produzida, a década de 1980. Todas
influenciam na produção de sentido da música.
       Os enunciados transcritos das letras das músicas da banda Reflexu’s
possuem uma relação estreita com uma série de formulações com as quais ele
coexiste. É através dessas relações que os discursos de valorização da negritude e
de resistência se constituíram, como também pelas quais se apagará ou tomará um
lugar, podendo ser ou não valorizado, conservado, sacralizado e oferecido, como
objeto possível, a um discurso futuro. (GREGOLIN, 2006, p.27).
       Além disso, são constituídos por formações discursivas que condicionam os
sujeitos por uma determinada ideologia regulando aquilo que podem ou não dizer
em determinadas conjunturas histórico-sociais. São construídos a partir de uma
memória discursiva que remete a símbolos da cultura, como também a fatos
históricos já ocorridos.
       Partindo do pressuposto de Pêcheux, de que o discurso é sempre produzido
por sujeitos sócio-historicamente determinados e, por isso, condicionado a regras
que regulam as práticas discursivas, as quais determinam as condições de exercício
40



da função enunciativa (2006). A AD possibilitará uma investigação minuciosa dos
enunciados, a fim de entender os acontecimentos discursivos que possibilitaram o
estabelecimento de certos sentidos em nossa cultura, e concomitantemente nas
letras das músicas.
      Os enunciados foram categorizados de acordo com o pressuposto de que as
músicas demonstram uma expressiva evidência de resistência e valorização da
negritude, ambas relacionadas a elementos culturais. Assim sendo, os enunciados
foram classificados em duas categorias: os que remetem à resistência e luta contra o
racismo e à valorização da negritude.
      Os enunciados foram retirados das letras de 17 músicas da banda Reflexu’s
intituladas de: “A fé da razão”, “As forças de Olorum”, “Canto a Minha Cor”, “Canto a
Nigéria”, “Canto da Cor”, “Canto Para o Senegal”, “Chicote Não”, “Deuses Afro
Baianos”, “Jogo Duro”, “Kizomba”, “festa da Raça”, “Libertem Mandela”,” Mariê”
“Madagascar Olodum”, “Mulher Negra”, “Olodum Ologbom”, “Oração pela libertação
da África do Sul” e “Serpente Negra”. Em um universo aproximado de 75 músicas,
estas foram retiradas de acordo com a aproximação do tema que aborda a questão
do negro, como também, pelo fato de que todas elas reúnem elementos bem
representativos que abordam as duas temáticas centrais - a valorização da negritude
e a resistência contra o preconceito racial, estas estão presentes em todo o
universo. Contudo, estes elementos aparecem de forma mais emblemática e com
maior freqüência nas músicas que serão aqui analisadas.
      É importante enfatizar que a forma como serão analisados os enunciados,
seguirá a sequência de categorias estabelecidas anteriormente. Isso só para fins de
organização e como guia de percurso para facilitar o encaminhamento da análise
das letras. É preciso esclarecer também que a ordem em que os enunciados
aparecem no presente trabalho não caracteriza uma importância hierárquica, uma
vez que todos são de suma importância para a concretização dessa pesquisa. Além
do mais, as categorias não são isoladas. Apesar dos enunciados serem subdivididos
nessas duas categorias distintas, muitos deles se relacionam de forma simultânea
com as duas, no entanto, para fins de análise foi proposta a categorização a partir da
identificação de enunciados com sentido, remetendo-se de modo mais emblemático,
ora a uma, ora a outra categoria. Com intuito de estabelecer uma coerência na
análise foram escolhidos três enunciados, os quais representam de modo mais
marcante as categorias.
41



          Os enunciados serão representados uniformemente através das marcas: E.1,
E.2 e assim por conseguinte.




CATEGORIA 1: RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO


E.13 - E viva Pelô Pelourinho

Patrimônio da humanidade ah
Pelourinho, Pelourinho
Palco da vida e negras verdades
Protestos, manifestações
Faz o Olodum contra o Apartheid
Juntamente com Madagascar
Evocando liberdade e igualdade a reinar


E. 24 - Liberdade, liberdade Tanto negro sofredor
Com a pena de uma ave A historia já mudou
Não ser mais chicoteado Pelourinho, só na lembrança
O feito da raça negra Traz a todos esperança
Muita fé, muita coragem Tanta garra, quanto amor
Pra trazer toda a justiça Que o negro tanto sonhou
Libertou do cativeiro  Este povo lutador
Este povo tão guerreiro Que Zumbi acobertou


CATEGORIA 2: VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE


E.35 - Por persistir seu gingado / O negro foi modelado
Mostrando a cor mais linda Quando se vê na história
Não é motivo de glória / A frustração que passou
3
  ZULU, Rey; JESUS, Marinez de. Madagascar Olodum. In: Reflexu‟s da Mãe Africa. Emi, 1987.
Faixa 1.
4
    REFLEXU‟S; ALMEIDA, Marquinhos. Chicote Não. In: Serpente Negra. Emi, 1988. Faixa 3.
5
    REFLEXUS; JESUS, Marinez de. A fé da razão. In: Atlântida.som livre, 1999. Faixa 7 .
42




O negro é lindo é uma ostensidade
    Em erupção, movimento Negros invadem
No bate rebate, uma pausa Uma velha canção




           Inicialmente pode-se observar que toda a composição dos dois enunciados foi
construída utilizando-se de um passado histórico. A representatividade do
Pelourinho, centro histórico da cidade de Salvador e patrimônio histórico da
humanidade, é apresentada na letra da música de forma marcante, como “Palco da
vida e negras verdades”, ou seja, é considerado histórico porque representa a
origem dos negros que aqui foram escravizados. Porém, no segundo enunciado o
termo pelourinho vem com outro significado, era utilizado para nomear uma coluna
de madeira ou pedra erguida em praça pública para castigar criminosos e escravos,
servindo também como símbolo do poder público. O pelourinho, segundo Tavares
(1981), serviu para acorrentar e castigar escravos. Tem-se aí uma formação
discursiva baseada em fatores simbólicos que se referem a fatores sócio-históricos e
ideológicos.
           No trecho “Protestos, manifestações - Faz o Olodum contra o Apartheid”, além
da formação discursiva de resistência ser baseada em uma memória discursiva,
considerada aqui como o que já foi dito, que remete à política de segregação do
Apartheid6. É possível perceber claramente a relação existente entre o desejo e o
poder abordado por Foucault, pois considerando que o poder é causador de
discursos, os discursos de protestos e manifestações expressam o poder que se
quer privilegiar e apoderar, surgindo como defensor dos negros em detrimento aos
brancos, revelando dessa forma o discurso enquanto desejo proclamado por [...]
”Juntamente com Madagascar - Evocando liberdade e igualdade a reinar”.
“Liberdade, liberdade Tanto negro sofredor”
           A partir do enunciado “Com a pena de uma ave A história já mudou Não ser
mais chicoteado Pelourinho, só na lembrança” já se percebe um discurso libertário
que por meio da memória discursiva remete à abolição da escravatura, focalizando a
assinatura da Lei Áurea, pela qual se deu em parte a liberdade aos escravos que

6
    Será mais detalhado nas análises seguintes.
43



lutaram contra a desigualdade na tentativa de mudar a situação em que a população
de cor se encontrava e que em sua grande maioria foi relegada no decorrer do
processo histórico. Os enunciados incentivam ainda a luta pela emancipação do
negro e do reconhecimento e sobrevivência da cultura e da tradição afro-brasileira.
Neste trecho pode-se perceber ainda a presença do componente ideológico nos
elementos musicais, os quais fazem com que o sujeito dessa prática discursiva seja
interpolado pela história e pela própria ideologia (ORLANDI, 2005).
         Na categoria 2, os enunciados são baseados em discursos provenientes de
uma mentalidade anti -racista representada por meio da resistência e de elementos
culturais como a dança e a música. Valoriza os negros através de adjetivos e
locuções adjetivas “cor mais linda” “O negro é lindo, é uma ostensidade” e da
referência á escravidão, mostrar que esse passado foi superado, tornando
necessário uma nova prática social, que além de respeitar a origem, reconheça-os
como formadores da cultura da nação.
         A partir disso, a formação discursiva que rege esses discursos é de suma
importância, pois admite apreender o processo de produção dos sentidos e
significados, dados aos próprios discursos, bem como a sua relação com uma
determinada situação sócio-histórica, que determina o que pode ser dito e o que
deve ser dito. A polissemia é caracterizada pela emergência do diferente e da
multiplicidade de sentidos de valorização e resistência no discurso, tornando sua
presença marcante e obrigatória nas mudanças que a sociedade construiu, e pode
ser percebida em diferentes situações de discursividade ao longo da história do
negro.




3.1 RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL




         O discurso de resistência aparece nas letras das músicas da banda Reflexu’s
por meios de representações histórico-culturais que remetem a uma ancestralidade
baseada na religião e em fatos históricos já ocorridos, ou seja, na memória
discursiva, que nesse sentido pode ser entendida como as experiências passadas,
retomando os sentidos já ditos em algum momento anterior, produzindo dessa forma
44



um efeito no discurso da fala corrente, ou seja, o já-dito possui uma relação com o
que se está dizendo (ORLANDI, 2005). Os fatos históricos mencionados possuem
alguma ligação com o tema da negritude. Isso pode ser observado com mais clareza
nos enunciados abaixo:


E. 47: O negro é nativo é guerreiro/ Padecera coisas que Zambi não quis
Eu trago a força das negras raízes /O grito do escravo acorrentado
O seu passado negro não envolve O presente


E.58: Há tanta estrada a luzir / Quanta ladeira a descer
O negro é, mel na cultura /Sobre uma abolição que me dá amargura em dizer

Enquanto eles esnobam nobreza / A gente não tem o que comer
O negro modela a certeza / De uma igualdade nascer



       No fragmento “Enquanto eles esnobam nobreza / A gente não tem o que
comer” percebe-se a influência do contexto em que a música foi criada. No início da
década de 80, o país atravessava uma forte crise econômica, e a região brasileira
que mais se destacou nesse cenário foi o Nordeste que passava por uma situação
de fome e miséria, até então imensurável. O fragmento em sequência “O negro
modela a certeza / De uma igualdade nascer,” fortalece a ideia de que os negros no
país, em sua grande maioria, se encontravam nessa situação. Os debates atuais
que se referem às questões da exclusão social afirmam que quase sempre essa
exclusão se dá pela cor e/ou classe social do indivíduo. Não é interessante observar
apenas o contexto em que vivemos para tentar entendê-las em sua totalidade, mas
retroceder um pouco na história em uma relação dialética com o presente, para
assim compreender melhor como se formaram os processos que afirmaram as
classes e posições sociais brasileiras, ou seja, os exclusos e os inclusos na nossa

7
 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO, Valmir; Julinho. As forças de Olorum. Kabiêssele. Som Livre, 1989.
Faixa 3.
8
CARVALHO, Roque; ALMEIDA, Marcos. Jogo duro. In: Serpente Negra. Som Livre,1988. Faixa 11.
45



sociedade atual. O que é bem visível, e não foge da temática, é que realmente
havia uma classe excluída naquela sociedade, remanescentes principalmente, do
processo de abolição.
           Outra forma de marginalização dos negros no Brasil manifestou-se por meio
da segregação espacial. Alguns estudos como o de Edward Telles(2003), na obra
“Racismo à Brasileira”, mostram que os lugares em que se encontra o maior número
da população negra são consequentemente os mais pobres. Sendo assim, um dos
meios estratégicos que essa população encontra para rejeitar tal estado de exclusão
é o deslocamento espacial. “A pobreza, o subdesenvolvimento, a falta de
oportunidades – os legados do Império, em toda parte – podem forçar as pessoas a
migrar, o que causa o espalhamento” (Hall, 2001, p. 28).

           A alusão a escravatura aparece também com muita freqüência nas letras das
músicas, ressaltando a presença do negro escravizado na criação do progresso dos
impérios, denunciando dessa forma a situação em que os negros eram submetidos
naquela época, como mostrado nos enunciados abaixo, os quais fazem referência a
uma memória discursiva que possibilita um saber perpetuado através do sentido das
palavras dado ao período escravocrata.


E.69: Desde o princípio do mundo
Que os homens muitas coisas criaram
E para a plantação do progresso
Escravizaram esse negro nagô
E o império do mundo
Se excediam em todos os países


E.710: Pois o sangue desses negros
Derramavam na Terra
Para que os senhores passassem
Um tipo de vida melhor

9
    Id.,1989,   faixa 3.
10
 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO, Valmir; CARVALHO, Roque. JESUS, Marinez de. Serpente Negra. In:
Serpente Negra. 1988. Faixa 1
46



           A escravidão no Brasil durou cerca de 300 anos, sendo o último país a abolir
este sistema que se apropriava da mão-de-obra cativa advinda do continente
africano, condicionando a essas pessoas um regime desumano, com trabalho
excessivo e péssimas condições de vida. Acerca disto Goettert afirma que:




                             Diferentemente do índio, o negro era traficado e chegava ao Brasil
                            "despossuídos" de sua humanidade. O Negro não era nem trabalhador, nem
                            vadio: era escravo. Ao escravo não era possibilitado o "entrar e sair" do
                            mundo do conquistado; ele nascia escravo e se formava dentro desse
                            mundo ao ser embarcado nos navios do tráfico na costa africana. [...] É que
                            seu mundo é "destroçado" pela sua condição de "coisa", de mercadoria. A
                            representação de "coisa", como construção dos traficantes e dos senhores
                            no engenho, não possibilitava transitar entre dois mundos [...]. (GOETTERT
                            2002, p. 262).




            Em outras palavras, os escravos não eram reconhecidos enquanto cidadãos
e pessoas, sendo visto pela sociedade da época como "coisa", mercadoría, objeto,
passível de compra e venda. Os autores das letras das músicas, fazem questão de
ressaltar que esse processo de escravidão não foi o bastante para conter a força e
garra do negro que representa a face da terra:


E.811: As barras da prisão
Não são fortes pra conter
A razão que emana, Oh Jah


E.912: O quadro negro
Representa na face da Terra
Hoje não existe mais guerra
A escravidão acabou ô ô


           A escravidão não foi apenas um meio de sustentação de uma colônia e
posteriormente de uma nação, ela foi bem mais significativa do que nos parece. Ela
construiu futuramente uma classe marginalizada vítima de preconceitos e exclusão.

11
     REFLEXU‟S. JESUS, Marinez de. Canto A Minha Cor In: Serpente Negra. 1988. Faixa 1.
12
     Id.,1988,   faixa 1.
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Música negra e resistência: Análise das letras da banda Reflexu's

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÊNCIA NAS MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S Conceição do Coité, 2011
  • 2. GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÇÊNCIA NAS MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social (Rádio e TV) da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação com Habilitação em Rádio e TV, sob a orientação do Prof. Msc. Tiago Santos Sampaio. Conceição do Coité, 2011
  • 3. GLÉCIA CARNEIRO OLIVEIRA DISCURSO E PRECONCEITO: SENTIDOS DA VALORIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E DA RESISTÇÊNCIA NAS MÚSICAS DA BANDA REFLEXU'S Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social (Rádio e TV) da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação com Habilitação em Rádio e TV, sob a orientação do Prof. Msc. Tiago Santos Sampaio. Data:____________________________ Resultado:________________________ BANCA EXAMINADORA Prof. (orientador)___________________ Assinatura________________________ Prof.____________________________ Assinatura_______________________ Prof.____________________________ Assinatura_______________________
  • 4. O negro sempre foi vítima de discriminação, tanto social quanto racial. Por isso, dedico esse trabalho a todos os movimentos sociais da negritude que lutaram e ainda lutam por essa causa - almejam uma futura igualdade racial.
  • 5. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente a Jesus Cristo, Senhor e Salvador de minha alma que, com seu sacrifício na cruz do calvário me ensinou o amor ao próximo como premissa imprescindível ao caráter humano. E que me deu força e sabedoria para que eu conseguisse essa vitória. Agradeço em especial aos meus pais. Meus primeiros educadores e, certamente, os mais importantes da minha vida. Minha mãe pelo amor incondicional e parceria, exemplo de mulher que devo seguir. Meu pai, pelo apoio integral e pelo incentivo, mesmo diante de muitas dificuldades. Vocês fazem parte desse caminho. Amo vocês! À Rômullo Alves Cedraz, seu amor, companheirismo, cumplicidade e compreensão foram fundamentais nestes últimos anos. Sei que neste período, muitas vezes teve que conviver com minha ausência. Por isso mais uma vez muito obrigada, você também faz parte dessa conquista e foi um fator importante, tanto como acalento de meu coração, como na minha formação profissional. Te Amo! A minha família (irmãos, tios, avô e primos) que foi e é um fator de suma importância na minha trajetória, desde os primeiros passos até o fim de minha vida. Às Minhas amigas Osméria Almeida Carneiro (Bella Almeyda) e Mariana Azevedo, por estar sempre junto a mim nos momentos difíceis que tive de enfrentar. Aos meus ex-colegas de trabalho pelo apoio e pela compreensão na minha ausência, em especial ao diretor, Fernando Cedraz de Oliveira Filho e ao Vice- diretor, Odeval Moraes Carneiro. A Henrique Valença, por sua colaboração e compreensão nos momentos que mais precisei de um suporte. Ao Professor e orientador Tiago Santos Sampaio E a todos e todas que direta ou indiretamente me ajudaram nessa conquista. Grata por tudo.
  • 6. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar...” Nelson Mandela
  • 7. RESUMO Esta monografia tem como objeto de estudo a análise das letras das músicas da banda Reflexu’s, a partir da Análise do Discurso de orientação francesa (AD). Parte- se do pressuposto de que essas músicas têm seus sentidos construídos especialmente para dois aspectos centrais: a valorização étnico-racial e o protesto contra o preconceito racial. Partindo da premissa de que o negro sempre foi oprimido e posto em lugar de desvantagem se comparado ao branco, a banda, por meio das suas músicas, promovia a possibilidade de uma reflexão sobre a igualdade social em suas relações com as questões étnico-raciais. A estrutura da monografia é dividida em 3 capítulos – o primeiro faz uma breve contextualização do racismo, de forma a caracterizá-lo, abordando acerca da complexidade que existe sobre a idéia de raça; No segundo, são abordados conceitos da Análise do Discurso (AD) de orientação francesa, respaldada em estudos elaborados, principalmente por Michel Foucault e Michel Pêcheux. O último capítulo faz a análise dos enunciados retirados das letras de 17 músicas da banda Reflexu’s. É necessário ponderar que a banda utiliza-se de recursos baseados em discursos de resistência e valorização com intuito de transmitir uma mensagem contra o preconceito racial através da exaltação e valorização dessa etnia. Para fins de facilitar o trabalho, a análise foi subdividida em 2 categorias: a primeira refere-se aos enunciados que remetem a resistência contra o preconceito racial e a segunda aos de valorização da etnia negra. A partir da análise dos enunciados pode-se inferir que os sentidos e significados enraizados nas letras das músicas da banda Reflexu’s, refletem acima de tudo a um desejo de liberdade que através da simbolização remetem a uma africanidade ancestral por meio da utilização de elementos culturais. Utilizando-se da memória discursiva, representou todo um passado histórico. Já com as condições sociais de produção, foi possível perceber a importância do contexto em que esses discursos estavam inseridos. Palavras-chave: Análise do Discurso; Preconceito Racial; Protesto; Valorização étnico-racial; Música.
  • 8. ABSTRACT This monograph has as its object of study to analyze the lyrics of the band's Reflexu from the Discourse Analysis of French oriented (AD). It starts from the assumption that these songs have their senses built especially for two central aspects: the valuation and the ethnic-racial protest against racial prejudice. Assuming that the black has always been oppressed and put in place a disadvantage compared to white, the band through their music, promoted the possibility of a reflection on social equality in their relationships with ethnic and racial issues. The structure of the monograph is divided into three chapters - the first is a brief background of racism in order to characterize it, focusing on the complexity that exists on the idea of race: In the second, concepts are covered Discourse Analysis (DA ) French guidance, supported the concepts developed primarily by Michel Foucault and Michel Pecheux. The last chapter is the analysis of statements taken from the lyrics to 17 songs from the band's Reflexu‟s. It is necessary to consider that the band makes use of features based on discourses of resistance and enhancement in order to convey a message against racial prejudice through praise and appreciation of this ethnic group. In order to facilitate the work, the analysis was divided into two categories: The first refers to statements that refers to resistance against racial prejudice and the second valuation of the black race. From the analysis of statements can be inferred that the meanings embedded in the lyrics of their songs Reflexu's reflect above all a desire for freedom through the symbolization refer to an African ancestor through the use of cultural elements. Using the discursive memory, represented a whole historical past. Now with social conditions of production, it was possible to realize the importance of context in Which these talks were inserted. Keywords: Discourse Analysis; Racial Prejudice, Protest, ethnic and racial Appreciation, Music.
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO-------------------------------------------------------------------------------------------09 1. RACISMO E HISTÓRIA ----------------------------------------------------------------------------13 1.1 A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO----------------------------------------------------------------13 1.2 O RACISMO E AS TEORIAS RACIOLÓGICAS--------------------------------------------14 1.3 PARA ALÉM DO CONCEITO DE RAÇA------------------------------------------------------15 1.4 A SUPOSTA DEMOCRACIA RACIAL---------------------------------------------------------19 1.5 OS ESTUDOS SOBRE RAÇA PATROCINADOS PELA UNESCO NO BRASIL---21 1.6 A SEGREGAÇÃO DO NEGRO NA BAHIA: DADOS SOCIO-ECONÔMICOS------25 2. ANÁLISE DO DISCURSO--------------------------------------------------------------------------28 2.1 CATEGORIAS DA ANÁLISE DO DISCURSSO---------------------------------------------28 2.2 DISCURSO E PODER----------------------------------------------------------------------------29 2.3 AS CONDIÇOES SOCIAIS DE PRODUÇÃO DO DISCURSO-------------------------30 2.4 FORMAÇÃO DISCURSIVA E IDEOLÓGICA------------------------------------------------32 2.5 ENUNCIADO----------------------------------------------------------------------------------------34 2.6 MEMÓRIA DISCURSIVA-------------------------------------------------------------------------36 2.7 PARÁFRASE E POLISSEMIA-------------------------------------------------------------------37 3. MÚSICAS DA BANDA REFLEXUS: CONSTRUINDO OS SENTIDOS DA VALORIZAÇÃO E DA RESISTÊNCIA -------------------------------------------------------------39 3.1 RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL-------------------------43 3.2 VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE--------------------------------------------------------------60 REFERÊNCIAS------------------------------------------------------------------------------------------70 APÊNDICE------------------------------------------------------------------------------------------------75 ANEXOS---------------------------------------------------------------------------------------------------81
  • 10. 9 INTRODUÇÃO É fato que a participação do negro, em todas as dimensões da sociedade, sempre foi marcada pela submissão dos valores da cultura negra em relação aos brancos. Historicamente os negros sempre estiveram subordinados na estrutura social e econômica, tanto no período escravocrata quanto nos que se seguiram. Para Lilia Moritz (2002), o preconceito racial brasileiro tem suas raízes no século XVIII, quando se iniciou o tráfico dos negros escravizados para o país. A sociedade se desenvolveu preconceituosamente, mesmo sendo este um país de maioria afro- descendente. Esta questão, no entanto, não é amplamente discutida e abordada pelos veículos de comunicação, camuflando o preconceito com a afirmação da existência de uma suposta democracia racial. Não são poucos os exemplos de manifestações sociais e culturais que existem em prol de uma política antirracista ao longo da história da humanidade. No Brasil não foi diferente. No decorrer da história brasileira podem-se observar diversas ações e manifestações contra o preconceito racial. Um exemplo que pode ser citado é a organização do Movimento Negro Unificado (MNU), que produziu e incentivou no Brasil, desde a década de 1970, uma ampla discussão sobre questões raciais do ponto de vista das populações de ascendência africana. A partir desses movimentos uma minoria de negros conseguiu amenizar, em parte, as barreiras impostas pelo preconceito e exclusão social. Entretanto, apesar de tantas lutas, a população negra continua sendo marginalizada pela sociedade e é vista ainda como despreparada. Não porque tenha menos capacidade, mas porque nunca lhes foi possível expor a contento ou desenvolver todas as suas potencialidades. Este problema social, enfrentado até hoje, tem suas origens quando foi abolida a escravidão e não houve nenhuma política social de integração dos negros às atividades comuns, o que ocasionou a formação de uma classe desfavorecida, a qual, mais tarde, foi classificada a partir de mecanismos preconceituosos surgidos a partir de estudos de evolução biológica do século XIX, período no qual se aplicou o conceito de raça à humanidade, marcando a relação de superioridade e inferioridade entre brancos e negros. Tal concepção justificou as respectivas relações de dominação. A noção de raça foi elaborada intrinsecamente
  • 11. 10 para justificar e naturalizar as relações entre dominadores e dominados sob a falsa ótica de superioridade e inferioridade entre seres humanos. Existe no Brasil um ideário de país cordial caracterizado pela presença de um povo pacífico, sem preconceito de raça. Mas a realidade é que em nosso país existe de fato um racismo camuflado, disfarçado no mito da democracia racial, oriundo de uma tradição mental racista. Para muitos teóricos contemporâneos, o racismo brasileiro tem se tornado uma arma ideológica. A etnia1 negra sempre foi discriminada por uma maioria da sociedade, a qual tende a negar a existência de uma discriminação racial. O mito da democracia racial é uma crença, que por muito tempo vigorou, e ainda vigora, no Brasil, fazendo com que muitos acreditassem que não havia obstáculos para a ascensão social do negro, diferentemente de outros países como os EUA e a África do Sul, onde o racismo se efetiva através de conflitos raciais abertos. A imagem que por muito tempo se cultivou no Brasil era a de um país democrático no quesito racial. Porém, essa crença se chocava com a realidade nacional, onde sempre foi evidente a exclusão do negro. Porém, essa crença se chocava com a realidade nacional, onde sempre foi evidente a exclusão do negro. A década de 1980 foi um período caracterizado por inúmeras manifestações político-sócio-culturais em prol da efetiva democracia racial brasileira, fazendo com que alguns artistas buscassem na música uma forma de denunciar o preconceito e as injustiças sociais que se manifestavam de diversas maneiras durante essa década. Diante disso, torna-se relevante e necessário aprofundar o conhecimento sobre esse tema, contextualizando e caracterizando o papel da música uma vez que esta funcionará aqui um alvo de análise sobre a produção de sentidos ao assumir-se como instrumento de contestação e resistência. A música tornou-se, assim, para os negros, mais que um espaço de representação sem fronteiras, para funcionar como um símbolo de resistência e contestação. A música sobre o preconceito racial existe há muito tempo. No Brasil, foi a partir da redemocratização, na década de 1980, que a música como forma de protesto contra o preconceito racial ganhou popularidade. Desde então, a sociedade 1 Será utilizada a nomenclatura etnia em detrimento da de raça, já que a gênese da idéia de raça, base do pensamento racista, é de onde se originou a ideologia de superioridade e racial. (SKIDMORE, 1976)
  • 12. 11 brasileira passou a buscar na música uma forma de representação social e protesto, oriunda de uma perspectiva que é possível integrar a esta elementos históricos e culturais. Foi nesse contexto que a banda Reflexu's se destacou, tornando-se a primeira banda baiana a se projetar no cenário nacional dessa década. A trajetória da banda evidencia uma proposta especialmente de protesto, traduzindo musicalmente uma riqueza cultural, baseada na denúncia e na valorização da etnia negra. Pensando nessas considerações, esta monografia objetiva analisar a construção do discurso de valorização da negritude e de protesto contra o preconceito racial nas letras de algumas músicas da banda baiana Reflexu's. De forma específica e como premissas analíticas objetiva compreender as condições históricas do contexto brasileiro que ensejaram a produção de discursos de protesto – logo de valorização étnico-racial – apontando genericamente para o tratamento conferido a estas questões nas músicas do período analisado; repertoriar e discutir as categorias teórico-metodológicas da Análise do Discurso de orientação francesa (AD) e identificar e analisar os recursos discursivos que constroem os sentidos de protesto e exaltação da negritude nas letras das músicas da banda Reflexu´s. O problema parte da questão de como são construídos discursivamente os sentidos de valorização étnico-racial e de protesto contra o preconceito racial nas letras das músicas da banda Reflexu´s. O argumento hipotético gira em torno da pressuposição de que a música é trabalhada a partir de recursos discursivos carregados de mecanismos de persuasão que visam transmitir uma mensagem contra o preconceito racial através e valorização dessa etnia através da constante exaltação de elementos culturais em suas relações com os processos históricos. Como referencial teórico, a pesquisa partiu dos estudos realizados no âmbito da Análise de Discurso de orientação francesa (AD), utilizando autores como Michel Foucault e Michel Pêcheux, que criaram conceitos e categorias, facilitando assim o entendimento da construção dos sentidos, significados e posicionamentos ideológicos existentes nos discursos. A música, enquanto discurso, permite focalizar a linguagem em seu funcionamento, o sujeito em interação, produzindo sentido por meio da linguagem em dada situação e contexto histórico, concebendo a relação entre história, sujeito e linguagem, na complexa decorrência de produção de sentidos (ORLANDI, 2005).
  • 13. 12 Entende-se a partir da AD que os aspectos relevantes discutidos, sobre as músicas da banda Reflexu’s, bem como o tipo de análise, a maneira, a extensão da discussão a estes dedicados e sua ordem de apresentação, são decisões do analista que subentendem uma atitude crítica a partir da AD. Para tanto, será analisada uma amostra com 17 letras de músicas, as quais seguem anexadas. Em um universo de aproximadamente 75 músicas, estas foram escolhidas de acordo com a aproximação da abordagem do tema em questão. A estrutura da monografia é dividida em três capítulos: apresenta um breve histórico do racismo e como este foi se constituindo ao longo da nossa história. Uma história marcada pelo preconceito e discriminação racial numa sociedade marcadamente pluricultural; O Capítulo 2 aborda as categorias de análise da AD, bem como trabalha alguns conceitos intrínsecos a ela; O Capítulo 3 traz o estudo específico sobre as análises propriamente ditas, ou seja, a análise do discurso das letras das músicas.
  • 14. 13 1. RACISMO E HISTÓRIA Analisar sob uma visão crítica as relações raciais no Brasil foi e tem sido uma tarefa difícil, sobretudo porque o país possui uma imagem de nação racialmente democrática. Ao avaliar as várias dimensões das relações existentes entre indivíduos negros e brancos torna-se perceptível que os negros sempre estiveram em posições desiguais em relação à oportunidade de emprego e educação, por exemplo. Para tentar justificar esta afirmativa tem sido evocada a herança da escravidão como um dos argumentos principais. 1.1 A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO O processo de escravidão de acordo com a definição dada por Paul Lovejoy é uma forma de exploração que possuía características especificas que Incluíam a idéia de que os escravos eram propriedade; que eles eram estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, por sanções judiciais ou outras, se retirara a herança social que lhes coubera ao nascer; que a coerção podia ser usada à vontade; que a sua força de trabalho estava à completa disposição de um senhor [...] e que a condição de escravo era herdada, a não ser que fosse tomada alguma medida para modificar essa situação. (LOVEJOY, 2002, p. 29-30) A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra, que proibiu o tráfico de escravos, pressionando o país a aprovar a Lei Eusébio de Queiróz, abolindo o tráfico negreiro. Aprovou-se logo em seguida a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data e foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. No Brasil, sua abolição foi tardia, ocorrendo em 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel.
  • 15. 14 A lei deu a “liberdade” aos escravos, porém não resolveu os problemas racias. A realidade foi cruel com muitos deles. Sem moradia, e em condições econômicas precárias, muitos negros não conseguiam emprego, sofriam preconceito e discriminação racial. A grande maioria passou a viver em habitações de péssimas condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários. Fazendo uma releitura do processo de abolição brasileiro, Lilia Schwarcz afirma que esse procedimento: Carregava consigo algumas singularidades. Em primeiro lugar, a crença enraizada de que o futuro levaria a uma nação branca. Em segundo, o alívio decorrente de uma libertação que se fez sem lutas nem conflitos e sobretudo evitou distinções legais baseadas na raça [...] Além disso, em lugar do estabelecimento de ideologias raciais oficiais e da criação de categorias de segregação [...] já nesse contexto projetou-se aqui a imagem de uma democracia racial, corolário da representação de uma escravidão benigna.(SCHWARCZ, 1998, p. 187) A discriminação sempre existiu ao longo da história como um fenômeno social, no entanto, o racismo tal como concebemos hoje, é um conceito relativamente recente. Surgiu essencialmente como uma justificativa da escravidão e do colonialismo, opondo-se aos movimentos abolicionistas emergentes. 1.2 O RACISMO E AS TEORIAS RACIOLÓGICAS O racismo é uma teoria construída sob a égide da pureza e separação da raça, respaldada em uma falsidade cultural ou científica que nasce no século XVIII, mas eclode no século XIX, período em que surgem as teorias sobre as diferenças entre as raças. É considerado ainda como a manifestação do preconceito e da discriminação que permeiam as relações de raças em uma sociedade (MUNANGA, 1996). Segundo Skidmore (1976), as teorias raciais podem-se dividir em três grupos. A primeira escola é a etnológico-biológica, cuja afirmação centrava-se no argumento de que as diferenças fisiológicas representavam as variedades da raça humana e que tais diferenças tinham ligação com o clima a que cada raça estava exposta,
  • 16. 15 confirmando assim a superioridade branca sobre índios e negros. A segunda, a escola histórica, argumentava que as raças podiam ser fisicamente diferentes umas das outras, com a branca superior a todas as outras, por que o gene do homem branco seria mais forte. O terceiro grupo teórico de pensamento racista foi o chamado darwinismo social. Defendia um processo evolutivo que iniciava com uma única espécie, na qual as raças evoluíam de formas inferiores para superiores, resultado da sobrevivência dos mais aptos. Todas essas teorias tinham intuito de justificar a superioridade do homem branco. O então chamado racismo científico ganha corpo nas grandes nações do mundo. No Brasil, o seu desdobramento na política e na sociedade do período tornou-se assunto amplamente debatido entre os historiadores, sociólogos, antropólogos e cientistas políticos. Essa nova abordagem histórico-sócio- antropológica considera que A origem do racismo não é cientifica, e o homem não nasce com preconceito. É política, social ou econômica, prestando-se para justificar seus interesses, exploração econômica, ou como argumento para a dominação política. (CARNEIRO, 2005, p. 9) Ou seja, a teoria raciológica, serviu principalmente para concretizar os interesses econômicos e políticos das grandes potências colonizadoras que estavam interessadas em dominar certos segmentos populacionais, como exemplo, os povos da América, Ásia e África. As teorias raciais impulsionaram as desigualdades entre os seres humanos e por meio do conceito de “raça” puderam classificar a humanidade. Para Munanga “a raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito, aliás, cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem” (2004, p. 19). 1.3 PARA ALÉM DO CONCEITO DE RAÇA
  • 17. 16 O termo raça tem uma variedade de acepções, geralmente utilizadas para descrever um grupo de pessoas que compartilham certas características morfológicas. A idéia de raça tem sido questionada pela chamada genética de populações, que se debruça sobre a variabilidade biológica das populações humanas. Desde as atrocidades do nazismo, no contexto da Segunda Guerra Mundial, esse termo vem sendo refutado por biólogos e cientistas sociais, já que vem sendo usado para se referir à cor da pele e à aparência das pessoas ou mesmo a sua ancestralidade. Politicamente, o conceito de raça também é utilizado por setores de movimentos negros na luta contra o racismo. No Brasil, o conceito de raça foi retomado pelo movimento negro na segunda metade do século XX, especificamente no final da década de 1970, destacando-se o MNU, surgido em 1978. Hoje presente em quase todo o Brasil, é referência de grande significado para a luta político-ideológica de encaminhamentos de agregação e mobilização da população afro-descendente. Por conta dessa multiplicidade de significações acerca desse conceito é que a ciência e a política têm se entrelaçado nos debates sobre raça no Brasil, baseados numa suposta desigualdade genética entre os indivíduos. Alertam para os perigos postos pelo determinismo genético que podem abrir margem para novas formas de racismo. O tema da raça é ainda mais complexo na medida em que inexistem no país regras fixas ou modelos de descendência biológica aceitos de forma consensual. Afinal, estabelecer uma “linha de cor” no Brasil é ato temerário, já que essa é capaz de variar de acordo com a condição social do individuo, o local e mesmo a situação. Aqui, não só o dinheiro e certas posições de prestigio embranquecem, assim como, para muitos, a “raça”, transvestida no conceito “cor” transforma-se em condição passageira e relativa. (SCHWARCZ, 1998, p. 182) Lideranças do movimento negro têm questionado também a utilização do conceito de raça, por acreditar que ela reforça, através da biologia, o discurso da miscigenação que tende, por sua vez, a ser associado à existência de uma democracia racial no Brasil, fornecendo, desta forma, um respaldo biológico para o discurso da mestiçagem que, historicamente, tem sido acionado para se minimizar a existência de racismo e das desigualdades raciais no Brasil.
  • 18. 17 O final dos anos de 1930 é marcado no Brasil pela dominância de uma certa ideologia mestiça, pela qual os teóricos do racismo afirmavam que o problema racial brasileiro residia na miscigenação, ou seja, estavam preocupados com o problema da mistura racial. O mestiço era o exemplo da “degeneração” surgida com o cruzamento de “espécies diversas”. De acordo com Raeders (1988), o principal nome nesse sentido foi o de Arthur de Gobineau, autor do “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas”. Nesta obra, ele postula que a história deriva da dinâmica das raças, subdividindo a humanidade em três complexos raciais: branco, amarelo e negro. Esclarece que a desigualdade das raças humanas não era uma questão absoluta, mas um fenômeno ligado à miscigenação, colocando assim o futuro do progresso histórico dependente da ação direta ou indireta das raças brancas. Para Ali Kamel, que também escreve a cerca do assunto: O debate em torno de raças no Brasil sempre foi intenso. Deixando de lado todo o debate entre escravocratas e abolicionistas, o século XX foi todo ele permeado por essa discussão. Nas primeiras décadas do século passado, o pensamento majoritário nas ciências sociais era racista. Mas até ele reconhecia que o Brasil era fruto da miscigenação. (KAMEL, 2009, p.18) Diante disso, o Brasil era considerado pelos europeus como um país mestiço. A visão era que o negro desaparecesse pela miscigenação e que algum dia o Brasil seria branco. Muitos nesse período, como Louis Agassiz, afirmavam que era no Brasil que as melhores qualidades do branco, negro e índio estavam se apagando rapidamente, deixando surgir um tipo indefinido e híbrido. Já Raeders (1988), definiu-a como uma população mulata, “assustadoramente feia”. Essas teorias racistas impregnaram o Brasil do século XX. A imagem de um país contraditório diante dos seus avanços e recuos sociais, políticos e científicos, ora era colocado, em ritmo de modernidade, ora como símbolo de atraso, atribuído por alguns à presença de negros. Como resposta, segundo Schwarcz (1998), na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 1976, pesquisadores do IBGE registraram 136 respostas, intituladas de “Aquarela do Brasil” 2 diferentes relacionadas à cor negra, ou seja, as nomenclaturas foram dadas 2 Ver anexo
  • 19. 18 com intuito de substituir a identidade negra. Isso foi interpretado pelos movimentos negros como um dos efeitos do racismo disseminado na sociedade brasileira. Darcy Ribeiro (1985) já dizia que prevalece em todo Brasil uma expectativa assimilacionista, que leva os brasileiros a supor e desejar que os negros desaparecessem pela branquização progressiva. Fazendo com que ocorra uma suposta e efetiva modernização dos brasileiros, procedente tanto por meio da branquização dos pretos, como pela negrização dos brancos. As tórias raciais teorias pregavam o cruzamento inter-racial como forma de resolver o problema de um país negro e mestiço. Para Skidmore a teoria do branqueamento [...] baseava-se na presunção da superioridade branca, às vezes, pelo uso dos eufemismos raças “mais adiantadas” e “menos adiantadas” e pelo fato de ficar em aberto a questão de ser a inferioridade inata. À suposição inicial juntava-se a mais duas. A primeira – a população negra diminuía progressivamente em relação à branca por motivos que incluía a suposta taxa de natalidade mais baixa, a maior incidência de doenças, e a desorganização social. Segundo – a miscigenação produzia “naturalmente” uma população mais clara, em parte porque o gene branco era mais forte e em parte porque as pessoas procurassem parceiros mais claros do que elas. (SKIDMORE, 1976, p.81) Essa ideia afirma a busca da negação da imagem de inferioridade inata dos mestiços. A intelectualidade brasileira forjou uma conclusão otimista afirmando que a miscigenação não produzia de maneira inevitável “degenerados”, mas uma população branca, tanto cultural quanto fisicamente superior (Skidmore, 1976). A imigração de europeus apareceu nessa conjuntura como veículo impulsionador do branqueamento da nação, pois, constituindo uma “raça mais forte”, se imporiam no contexto racial brasileiro. Sílvio Romero, autor expoente que escreveu sobre o branqueamento, expõe uma ideia da agregação das raças, característica do Brasil. A obra de transformação das raças entre nós ainda está mui longe de ser completa e de ter dado todos os seus resultados. Ainda existem os três povos distintos em face um dos outros; ainda existem brancos, índios e negros puros. Só nos séculos que se nos hão de seguir a assimilação se
  • 20. 19 completará. (ROMERO, 1954, p.52). Fica evidente que o autor acreditava na viabilidade de um futuro no qual, por meio da mestiçagem, o sangue de negros e índios viesse a desaparecer da sociedade, mesmo que fosse preciso esperar por séculos, dando lugar aos mulatos, que surgiram com o processo de embranquecimento, significando que o Brasil seria uma nação sem raça. Esta era a imagem passada para o exterior, de um país democrático no quesito racial. Começa então a ser discutido o mito da democracia racial. 1.4 A SUPOSTA DEMOCRACIA RACIAL BRASILEIRA O ideário da democracia racial brasileira surgiu por volta da década de 1930 e era caracterizado como “um sistema legal desprovido de qualquer barreira legal ou institucional para a igualdade racial, e, em certa medida, um sistema racial desprovido de qualquer manifestação de preconceito ou descriminação” (DOMINGUES, 2005, p. 116). Essa idéia foi formulada de forma exemplar por Gilberto Freyre (1999), que contribuiu muito para a legitimação científica da afirmação de que no Brasil não havia preconceitos e discriminações raciais. A partir de uma análise minuciosa da formação da sociedade brasileira, descreve como se dava a relação senhor-escravo dentro do engenho, ressaltando a “benevolência” e a “solidariedade” que permeavam esse universo. Freyre também valorizou a fusão das três raças ou a interpenetração das culturas portuguesa, indígena e africana na formação do Brasil e de seu povo. Essa argumentação era consistente, uma vez que se baseava na positividade da intensa mestiçagem da população, fundamentada na riqueza das diferentes contribuições culturais a formar uma nova e rica civilização nos trópicos, caracterizada ainda por baixo grau de tensão inter-racial. A respeito dessa civilização nos trópicos, Sampaio afirma que as condições geográficas foram
  • 21. 20 utilizadas pelas teorias raciológicas como fatores definidores da caracterização das raças. Encontrareis, nos climas do Norte, povos que tem poucos vícios, muitas virtudes, sinceridade e franqueza. Aproximai-vos dos países do Sul e acreditareis afastar-vos da própria moral: as paixões mais ardentes multiplicarão os crimes; cada um procurará tomar sobre demais todas as vantagens que podem favorecer essas mesmas paixões. (MONTESQUIEU APUD SAMPAIO, 2006, p. 32) Outro conceito também muito discutido na década de 30 foi inserido por Sergio Buarque de Holanda (1995), na qual analisa como as relações entre índios, escravos e portugueses nestas terras do sul acabaram por gerar um povo particular, especial, que pode ser entendido através da imagem do homem cordial. Holanda (1995) afirma que o homem cordial é resultado da cultura patrimonialista e personalista própria da sociedade brasileira. Essa cordialidade enfatizava o predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitavam a polidez e a padronização. Para o autor, as relações familiares não eram benevolentes para a formação de homens responsáveis, pois havia uma hegemonia patriarcal vinculada também ao homem cordial, a qual impedia uma distinção entre a noção de público e privado. A impossibilidade que o brasileiro tem em se desvincular dos laços familiares a partir do momento que ele se torna um cidadão gera o homem cordial. Esse homem cordial é aquele generoso, de bom trato, que para confiar em alguém precisa conhecê-lo primeiro. Holanda considera o Brasil uma sociedade onde o Estado é apropriado pela família, os homens públicos são formados no círculo doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado. Pode-se inferir, portanto, que tanto a obra de Gilberto Freyre como a de Sergio Buarque de Holanda constituem referencial básico para discutir a sociedade brasileira, mas muitas dessas hipóteses e conclusões foram posteriormente rechaçadas por uma nova geração de intelectuais que, entre os anos 1950 e 1960, fixaram às ciências sociais no Brasil uma acentuada crítica do materialismo histórico e dialético. Esta crítica acusa, principalmente, Freyre de sustentar o mito de uma
  • 22. 21 democracia racial, calcada da convivência pacífica das diferentes raças formadoras da nacionalidade brasileira. 1.5 OS ESTUDOS SOBRE RAÇA PATROCINADOS PELA UNESCO NO BRASIL A partir dos anos 1950, um grupo de cientistas sociais começaram a questionar o mito da democracia racial, fazendo com que a defesa freyreana das concepções de identidade nacional brasileira começasse a se flexibilizar. Por sua vez, isso só foi possível após uma série de projetos de pesquisas sobre relações raciais brasileiras, encomendada pela Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO) em 1960, a qual adotou como parte de sua missão o combate ao racismo em todo o mundo. A princípio, a pesquisa foi feita no Rio de Janeiro e São Paulo, estendendo-se por algumas cidades de Minas Gerais, e nos estados nordestinos da Bahia e de Pernambuco. As equipes constataram elevados níveis de desigualdade entre as populações brancas e negras, além de fortes evidências de atitudes e estereótipos racistas. Segundo Oracy Nogueira, os projetos de pesquisa patrocinados pela UNESCO deixaram um vasto legado para a história da luta contra o racismo, como também para o repensar da identidade nacional brasileira. A principal tendência que chama atenção, nos estudos patrocinados pela UNESCO, acima mencionados, é a de reconhecerem seus autores a existência de preconceito racial no Brasil. Assim, pela primeira vez, vem, francamente, de encontro e em reforço ao que, com base em sua própria experiência, já proclamavam, de um modo geral, os brasileiros de cor. (NOGUEIRA, 1985, p. 97) É notório que as pesquisas mostraram que o racismo no Brasil manifesta-se como preconceito de cor. De acordo com Maggie (1991), na base da discussão em torno dos sistemas de classificação racial no Brasil estaria a naturalização da cor.
  • 23. 22 Para a autora, no pensamento social brasileiro a cor aparece como algo concreto. Nos diversos âmbitos, a cor emerge como algo natural, os sistemas classificatórios a partir dos quais os significados são demarcados servem para marcar as distinções presentes no mundo social, as quais são produtos da construção cultural ou social. Ou seja, a identificação entre negro ou mestiço e a pobreza disfarçam as barreiras que mantêm estas populações afastadas das oportunidades de inserção social, visto que os traços físicos, como formato do rosto, tipo de cabelo e a cor da pele são transformadas em base para a discriminação. Para Nogueira (1985), isso pode ser explicado porque aqui o preconceito é de marca, ou seja, determinado pela aparência, onde o racismo manifesta-se no âmago das relações sociais é incorporado posteriormente pelos negros. É diferentemente do preconceito não de origem, como nos Estados Unidos, definido pela ascendência. O interesse da UNESCO referente à problemática da raça no Brasil incentivou consideráveis debates e reflexões, além de incentivar muitos estudiosos brasileiros que haviam participado de pesquisas, a exemplo de Florestan Fernandes (1965) e Thales de Azevedo (1996), a prosseguirem com essa temática da democracia racial em suas futuras carreiras. O sociólogo Florestan Fernandes (1965) ao enfatizar a existência do preconceito de cor no Brasil, vai contestar assim a ideologia da democracia racial. No entanto, no seu discurso, o preconceito de cor está muito articulado ao preconceito de classe, abordando a temática racial fundamentada na desigualdade e numa forma particular de racismo, ou seja, “um preconceito de não ter preconceito”. A respeito da pesquisa feita por Fernandes, Schwarcz afirma que o conjunto das análises feitas por ele é revelador, na medida em que, [...] aborda a temática racial tendo como fundamento o ângulo da desigualdade [...] notava, ainda, a existência de uma forma particular de racismo: “um preconceito de não ter preconceito”. Ou seja, a tendência do brasileiro seria continuar discriminando, apesar de considerar tão atitude ultrajante (para quem sofre) e degradante (para quem a pratica). (SCHWARCS, 1998, P. 202) Fica evidente que o foco da análise de Fernandes recai preferencialmente
  • 24. 23 sobre a desigualdade social, evidenciando que a abolição da escravatura relegou a massa de ex-escravos, pondo-os à margem da sociedade. Ou seja, para Florestan Fernandes a origem do preconceito e da discriminação tem sua origem na escravidão. Preconceito este que estaria resolvido com o desenvolvimento econômico do país. Em outras palavras, o autor focalizou o processo de inserção do negro na estrutura social e econômica em vias de transformação, e sobre a luta política dos mesmos. Guimarães utiliza as categorias analíticas de „raça‟ e „cor‟ buscando uma razão para o preconceito e a discriminação no Brasil. „Raça‟ é não apenas uma categoria política necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria analítica indispensável: a única que revela que as discriminações e desigualdades que a noção brasileira de „cor‟ enseja são efetivamente raciais e não apenas de classe (GUIMARÃES, 2002 p. 50). Com isso pode-se dizer que o preconceito racial no Brasil se sobrepõe ao preconceito de classe. Neste prisma, as categorias „raça‟ e „cor‟ se articulam e estão presentes nos processos de discriminação e preconceito racial (p. 55). Outro pesquisador muito imponente foi Thales de Azevedo, que fez um panorama da ascensão social de homens de cor na Bahia dos anos 1950. Ao escrever sobre a existência do preconceito de cor na Bahia, afirma que: A posição dos que negam inteiramente o preconceito é a de quem formula um padrão ideal de relações, inspirado "no desejo que não houvesse (o problema), ou no vão intento de contribuir para que a sociedade o esqueça" [Rômulo Almeida]. Os que exageram as proporções da questão poderiam ser personalidades inadaptadas, o que não ocorre sempre; essa exageração é um poderoso meio para chamar atenção para um problema que se supõe inexistente ou sem importância e funciona também como uma forma de agressão contra o grupo discriminante. (AZEVEDO, 1996, p. 154- 155)
  • 25. 24 Este estudo possibilitou observar as eventuais barreiras para a ascensão social dos negros e mulatos, ou seja, a sua trajetória familiar ou pessoal, os seus instrumentos, mecanismos e instituições de mobilidade vertical, assim como o padrão das relações sociais entre brancos e negros e as suas atitudes uma vez inseridos nas classes altas. Em linhas gerais, o mito da democracia racial brasileira foi concebido como parte de uma campanha ideológica maior para justificar o domínio autoritarista e oligárquico no Brasil. Segundo Guimarães (1999), durante o regime da ditadura militar foi formada uma ideologia racista, que utilizou a democracia racial como uma espécie de ideologia do Estado brasileiro, para negar os fatos de discriminação e as desigualdades raciais, que cresciam cada vez mais no país, formando assim uma justificativa da ordem discriminatória e das desigualdades raciais realmente existentes. A partir do momento em que esse modelo de governo passou a sofrer crescentes ataques, pôde-se observar o declínio desse mito. Dos anos 1960 aos anos 1980, novos estudos foram feitos sobre as relações raciais, denunciando uma vez mais como os negros ficavam em posições desvantajosas diante dos brancos. Na década de 1980, período marcado pela redemocratização brasileira, esse mito foi transformado no principal alvo de criticas dos movimentos negros, pois acreditavam ser esta uma ideologia racista. Nesse período, foi instituído o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, com a implementação de políticas voltadas para promover a inserção qualificada da população negra, além de uma crescente valorização da cultura com a criação do Dia Nacional da Consciência Negra e o Programa Nacional do Centenário da Abolição da Escravatura, que atraem a atenção para o negro e a questão racial, possibilitando um ambiente favorável ao debate sobre as relações raciais. Desde então, o poder público, por meio dessas manifestações reconhece que existe discriminação racial na sociedade e que cabe a ele o desenvolvimento de ações retificadoras. Ponderando que numa sociedade, que tem no preconceito racial um dos pilares de sua construção sócio- histórica, fica evidente que o negro precisa lutar cotidianamente para tentar desconstruir as imagens criadas em torno da sua etnicidade, pois:
  • 26. 25 [...] a identidade da pessoa negra traz do passado a negação da tradição africana, a condição de escravo e o estigma de ser objeto de uso como instrumento de trabalho. [...] A cor da pele e as características fenotípicas acabam operando como referências que associam de forma inseparável raça e condição social, o que leva o negro à introjeção de um julgamento de inferioridade [...] (SOUZA apud FERREIRA, 2000, p. 41-42) A Constituição Federal de 1988 também traz avanços indiscutíveis referentes à questão racial. Fundamentada no respeito da dignidade humana, tem como um de seus objetivos fundamentais, explícitos no artigo 3º, I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (Grifo meu). (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988) Muito embora afirme a igualdade e tenha por princípio o pluralismo e a proteção étnico-cultural como direitos fundamentais, a acessibilidade aos direitos dos segmentos representados merece ainda grande empenho para que se concretize. A democracia brasileira foi reinventada a partir do pleito dos movimentos sociais organizados, que passaram a denunciar as disparidades e injustiças sociais. Não seria coerente dizer que inexiste preconceito no Brasil se a sua extinção foi elencada como objetivo de nosso país há pouco mais de duas décadas. Apesar das conquistas e progressos, estamos longe de termos uma sociedade na qual sejam extintas todas as formas de preconceito e discriminação. 1.6 A SEGREGAÇÃO DO NEGRO NA BAHIA: DADOS SÓCIO-ECONÔMICOS As discussões sobre raça na Bahia começaram com as pesquisas sobre os negros escravizados trazidos da África nos navios negreiros. Desde Nina Rodrigues,
  • 27. 26 inúmeros cientistas estudaram a evolução e a problemática dos negros, um tema fundamental, tendo em vista a presença majoritária dos afro-descendentes no Brasil. A partir da década de 1970, foi reforçada a ideia de uma Bahia tradicional, ligada à africanidade, e ao mesmo tempo repleta de necessidades não atendidas de políticas públicas ante as desigualdades raciais. A Bahia é um estado eminentemente negro, a maior parte de sua população é negra ou afro-descendente. Segundo o censo 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar de não ocupar o primeiro lugar no Ranking, a Bahia é o Estado com o maior número proporcional de negros na população, com 14,4% de pretos e 64,4% de pardos. Entretanto, por um longo período de nossa história, todo esse percentual de negros parecia invisível ao Estado brasileiro. Essenciais para o norteamento de políticas públicas, as pesquisas demográficas do país só começaram a incluir em seus formulários o quesito cor a partir do censo realizado em 1987, o primeiro feito após o regime militar. A partir de então as estatísticas começaram a desvendar as desigualdades raciais existentes no país, fornecendo dados que serviram de instrumentos de pesquisas acadêmicas e como fomentadores de mobilizações sociais em prol de melhorias nas condições de cidadania do povo negro, que vem resultando em avanços significativos nas políticas públicas e, aos poucos, promovendo ações de equiparação da igualdade racial no Brasil. De acordo com os índices sobre a desigualdade racial, os negros do século XXI ainda sofrem com as marcas deixadas pela escravidão no país. Do total da população brasileira, os negros são os que possuem menor escolaridade, têm mais dificuldade no acesso à saúde e ao mercado de trabalho e são mais expostos às moradias precárias. Na Bahia, este fato é mais marcante, devido, sobretudo à maior penetração do sistema escravocrata na formação da cultura. Este sistema sempre trabalhou com ofertas restritas de trabalho, sendo mais um meio de limitação da condição de desenvolvimento do cidadão de origem negra. Isso faz com que ocorra uma verdadeira segregação. Segundo pesquisa intitulada “Os negros no mercado de trabalho e o acesso ao sistema público de emprego, trabalho e renda”, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sociais e Econômicos (Dieese), Governo do Estado da Bahia, Fundação Seade e Universidade Federal da Bahia em 2010, no
  • 28. 27 mercado de trabalho há uma desigualdade enorme. Os negros ainda são os que ocupam os piores cargos, recebendo os menores salários, isto quando não estão desempregados. Os dados da pesquisa revelaram que a desigualdade racial no mercado de trabalho, nos últimos cincos anos, permaneceu praticamente a mesma na Região Metropolitana de Salvador. Enquanto um negro recebe R$ 4,75 por hora trabalhada, o não-negro ganha R$ 9,63. As primeiras alternativas surgidas para o negro, neste processo, estão relacionadas com trabalhos manuais, ligados principalmente em empregos públicos, nos sistemas de educação e de saúde. O histórico brasileiro foi marcado pela negação das desigualdades raciais, mesmo apresentando profundo distanciamento entre brancos e negros. O Estado sempre demonstrou competência para sufocar os modelos de resistência coletiva que pudessem ameaçar o poder hegemônico estabelecido. As relações raciais estiveram, por muitos anos, influenciadas pela idéia de democracia racial. Essa imagem dificultou a visão crítica da realidade vivenciada pelo país acerca das relações raciais. Somente nos últimos anos, o Estado brasileiro começa a reconhecer as desigualdades existentes entre os negros e brancos e a necessidade de implementação de medidas de combate ao racismo e à desigualdade racial. Segundo Lilia Schwarcz (1993), se durante o período escravocrata os negros estiveram submetidos a todo tipo de suplícios e humilhações, isto não fez com que perdessem seus traços culturais. Ao contrário, foram capazes de impregna-los na cultura da nação. Mesmo estando submetidos ao poder político e econômico vigente no período, sua cultura permanece vigorosa, estabelecendo lugar inegável na cultura nacional.
  • 29. 28 2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DO DISCURSO (AD) 2.1 AS CATEGORIAS DA AD A AD é a disciplina das Ciências da Linguagem que teve origem na década de 1960, em função da contribuição, principalmente, de Michel Foucault e Michel Pêcheux. Possui uma base interdisciplinar situada em três domínios: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise, tendo como suportes iniciais o método de análise estruturalista, o conceito de ideologia marxista e o de sujeito advindo da teoria psicanalítica. Tem como objetivo demonstrar que “o discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentido por/ para os sujeitos” (ORLANDI, 2005, p.17). Essa teoria especializada em analisar, de forma reflexiva, as construções ideológicas presentes num texto, sugere que o objeto de estudo não deveria tratar da língua, nem da gramática, embora essas coisas lhes interessassem, e sim estudar o discurso, isto é, a palavra em movimento por meio da qual se procura compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e de sua história, concebendo assim a linguagem como mediadora entre o homem e a realidade socio-cutural. Realidade que, tratada por esta pesquisa, foi camuflada, se assim pode-se dizer, pelo discurso racista da sociedade brasileira, que influenciou e ditou padrões específicos, muitas vezes massificando a imagem do negro, que nem sempre estava adequada a estes padrões instituídos pelas classes dominantes e que acabou por gerar desvalorização das diferenças físicas e sociais dessa etnia e suas miscigenações. A partir do estudo dos discursos de valorização do negro e de protesto contra o racismo nas músicas será possível estabelecer relações as ações e posturas das sociedades ao longo da história, em relação ao tema, bem como dão sentido e transformam a própria história através das suas representações discursivas. Conciderando ainda a linguagem como não transparente, a AD procura entender “como este texto significa”(ORLANDI, 2005, p.17) e não o que ele diz, como ressalva Minton Pinto. “A análise do discurso não se interessa tanto pelo que o texto diz ou mostra, pois nao é uma interpretação semântica de conteúdos, mas
  • 30. 29 sim em como e porque o diz e mostra”.(PINTO, 2002, p.27) A questao é que a AD não trabalha apenas para entender o que os textos exemplificam, mas tem o intuito de produzir conhecimentos a partir do próprio texto, ou seja, trabalha em busca de se estabelecer um determinado sentido. Assim, para a AD, nos estudos discursivos não existe separação entre forma e conteúdo, ou seja, possuem uma relaçao de reciprocidade . Diante disso, trabalha a confluência entre a linguística, a história e a ideologia, constituindo assim o novo objeto de estudos, o discurso. 2.2 DISCURSO E PODER Foucault (2008) entende o discurso como um “ conjunto de enunciados que se apoiam em um mesmo sistema de formação”, além disso, para ele O discurso - como a psicanálise nos mostrou - não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar - o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 2004, p.10) Essa é uma idéia renovadora em relação ao discurso, este aparece como produto de algo que é exterior a ele, que é o poder. “Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” (FOUCAULT, 2004, p.10). Com sólidos conhecimentos acerca das diversas manifestações de poder por meio do discurso, Foucault nos leva a compreender as idéias básicas de sua linha filosófica sobre o saber e o poder, bem como a descobrir o poder das palavras no discurso do indivíduo, que ora o exclui, ora o torna dono do saber poder, como muito bem se define nos procedimentos externos ou internos de controle e delimitação do discurso.
  • 31. 30 O poder, segundo a conceituação elaborada por Michel Foucault, é visto como algo que se dispersou pelas entrelinhas da sociedade. Não é mais aceito como um poder que provém do centro do governo para a sociedade. Mas, o que procura estar em “harmonia” com as possibilidades dos vários locais de poder. Esses poderes determinam discursos próprios para seus interesses, facilitando a ligação entre o discurso que se quer proferir e o poder que pretende privilegiar. É válido inferir que o preconceito racial está associado às relações de poder e dominação existentes entre os grupos da sociedade brasileira, não estando restrito à dimensão individual, mas presente nas relações sociais sobreviventes de padrões arcaicos moldados durante a escravidão. Em outras palavras, o discurso trabalha para o poder e para aqueles que fazem do discurso arma do poder, conduzindo assim os sujeitos que estão à volta desses núcleos de poder. [...] O poder se excerce em rede e, nessa rede, não só os indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de serem submetidos a esse poder e também de exercê-lo. (FOUCAULT, 1999, p.35). O discurso surge como o defensor de um grupo em detrimento de outro, tomando o discurso enquanto desejo, não é só porque o manifesta, mas aquilo que é o objeto de desejo. Enquanto poder, não só porque traduz as lutas, mas aquilo pelo que se luta o poder do qual nos queremos apoderar. Dessa forma sublinha a idéia de que o discurso sempre se produziria em razão de relações de poder, as quais controla, seleciona, organiza e redistribui a produção de sentido dentro da própria sociedade. Segundo Focault (2004, p.9), “Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”. Essa ideia se explica no fato de que para Foucault alguns assuntos e discussões são proibidos dentro da própria sociedade, uma vez que existem processos de exclusão dentro da produção do discurso, os quais dizem respeito aos discursos que coloca em jogo o desejo e o poder. 2.3 AS CONDIÇOES SOCIAIS DE PRODUÇÃO DO DISCURSO Para Foucault, é preciso ainda considerar o discurso nas suas condições de
  • 32. 31 produção, considerá-lo limitado por procedimentos de controle e delimitação, que se apresentam tanto de modo externo, como de modo interno. Estas condições compreendem fundamentalmente a relação entre situação e sujeito. Segundo Orlandi, As condições de produção do discurso irão determinar não o sentido em si, mas as posições ideológicas do jogo discursivo. Podemos considerar as condições de produção em sentido restrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico, ideológico. (ORLANDI, 2005, p.30) Pensando nessas afirmações, pode-se inferir que as condições sociais de produção interferem diretamente no processo discursivo, já que é através dela que o sujeito posiciona-se ideologicamente, fazendo com que os discursos funcionem de acordo com valores, os quais estão presentes nos procedimentos de assimilação dos sujeitos trabalhados no discurso, analisando assim as relações históricas, de práticas concretas, que estão vivas nos próprios discursos, relacionando deste modo a língua com “outra coisa”. Foucault define como “prática discursiva”. [...] é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2008, p. 133) Na verdade, tudo é prática para Foucault, uma vez que ela está imerso em relações de poder e saber, que se implicam mutuamente, constituindo práticas sociais permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem e as atualizam, concebendo assim o discurso, não somente como lugar de expressão de um saber, mas o lugar em que o poder se exerce. Para o teórico (2008, p.55), os discursos são “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam”. As práticas às quais esse autor se refere advêm de acontecimentos históricos, que são representados sob o ponto de vista das formações discursivas (FD).
  • 33. 32 2.4 FORMAÇÃO DISCURSIVA E IDEOLÓGICA A introdução do conceito de FD coloca em xeque a noção de máquina estrutural fechada, “na medida em que o dispositivo da formação discursiva está em relação paradoxal com seu „exterior‟: uma formação discursiva não é um espaço estrutural fechado, pois é constitutivamente „invadida‟ por elementos que vêm de outro lugar” (Pêcheux 1997a, p.314). Esclarecendo a noção de FD, Foucault apresenta quatro hipóteses: a primeira considera que os enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no tempo, formam um conjunto quando se referem a um único e mesmo objeto; na segunda, ressalta que para definir um grupo de relações entre enunciados, deve-se levar em conta sua forma e seu tipo de encadeamento; a terceira parte do pressuposto de que não se poderia estabelecer grupos de enunciados determinando-lhes o sistema de conceitos permanentes e coerentes que aí se encontram em jogo. A quarta e última leva em consideração que a identidade e a persistência dos temas podem relacionar os enunciados de uma mesma formação discursiva (FOUCAULT, 2008, p. 35-43). Esse conceito de FD de Foucault é baseado em um sistema de dispersão, formados por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade, cabendo à AD descrever essa dispersão, buscando as “regras de formação” que regem a formação dos discursos. A preocupação de Foucault não é com o discurso, enquanto expressão de uma idéia ou de uma linguagem, mas enquanto suas condições de possibilidade, o que o autor denomina como as condições da “formação discursiva”. A noção de FD para Orlandi (2005) permite a compreensão do processo de produção dos sentidos e sua relação com a ideologia. Além de dar ao analista possibilidades de regular o funcionamento dos discursos, lembra que embora seja ainda polêmica, a noção de FD é de suma importância para analisar esses discursos, pois permite compreender o processo de produção dos sentidos, bem como a sua relação com uma determinada conjuntura sócio-histórica, que determina o que pode ser dito e o que deve ser dito. Determinantes na formação de um discurso, os objetos, os tipos de enunciação, conceitos e estratégias, caracterizam as singularidades e possibilitam a
  • 34. 33 regularidade do discurso. O que Foucault propõe é analisar esses quatro níveis não como elementos dados, mas analisá-los nas suas condições de possibilidade, verificando as regras que tornam possível seu aparecimento e transformação. Ao descrever o conceito de FD, Foucault define aquilo que é essencial para compreender a constituição de um saber, isto porque, para o autor: “[...] não há saber sem uma prática discursiva definida, e toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ela forma” (FOUCAULT, 2008, p. 205). Para Orlandi (2005), as formações discursivas são formações componentes das formações ideológicas. Assim sendo, as palavras mudam de sentido ao passarem de uma formação discursiva para outra, pois muda sua relação com a formação ideológica. Outro conceito importante na AD é o de formação ideológica (FI). Pêcheux, no primeiro momento de construção de sua teoria, absorve das revisões althusserianas sobre o marxismo, apresentando, então, a ideologia como aquela que interpela o indivíduo em sujeito, concebendo assim, o sujeito coagido ao assujeitamento, destacando a autonomia relativa da ideologia de uma base econômica, e a sua significativa contribuição para a reprodução ou transformação das relações econômicas. Nesse sentido, o racismo pode se expressar através das estratégias que os grupos dominantes encontraram para driblar as normas anti-racistas. Trata- se, pois, de discursos ideológicos que justificam a sua situação dominante sem, aparentemente, violar as normas vigentes. Para Orlandi (2005), o discurso não existe sem o sujeito e “não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido”( p. 46). Reforça a tese de que a ideologia ocorre em formas materiais e atua através da constituição das pessoas como sujeitos sociais, fixando-os em posições-sujeito e dando-lhes, ao mesmo tempo, a ilusão de serem agentes livres. Ao tratar de ideologia, Orlandi (2005) parte da idéia que a ideologia é o discurso em si, considerando que a forma histórica de um sujeito assim como a ideologia da sociedade em que vive, pode alterar sua percepção sobre determinados discursos. Como por exemplo, no capitalismo, onde existem processos de individualização do sujeito pelo Estado, que o submete a um reflexo da realidade aparentemente livre e responsável, provocando o assujeitamento dos indivíduos. A autora também ressalta que “(...) é pela sua abertura que o processo de significação também está sujeito à determinação, à institucionalização, à estabilização e a cristalização” (2005, p. 52), e que por isso temos que trabalhar continuamente a
  • 35. 34 articulação entre estrutura e acontecimento. Adotando a perspectiva de que o discurso é da ordem da estrutura e do acontecimento, Pêcheux pauta-se na unidade do discurso para propor modos de leitura Não se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerólito miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos: todo discurso é um índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-histórica de identificação. (PÊCHEUX, 2006, p. 56). O autor afirma que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente para derivar para um outro” (PÊCHEUX,2006, p.53), ou seja, uma seqüência lingüística é suscetível de se tornar sempre outra, uma vez que as palavras mudam de sentido conforme as formações ideológicas que as determinam. O que é significativo para a AD, pois o sentido não é compreendido como uma unidade fixa, já que é histórico e, por isso, pode deslizar-se para outro, mostrando que a língua tem a sua materialidade discursiva, ou seja, a tomada de um enunciado pressupõe a consideração das condições de produção. É indispensável verificar, na associação dos elementos musicais, a presença do elemento ideológico, já que, para se constituir sujeito, o indivíduo é interpelado pela história e pela ideologia (ORLANDI, 2003, p. 46). Essa interpelação acontece quando o indivíduo sofre intervenções da história no sentido de se inscrever em um discurso já existente (memória discursiva). E essa inscrição não é eventual, pois há um processo de identificação do sujeito com o discurso predominante. 2.5 ENUNCIADO Convém expor ainda o conceito de enunciado. Tendo-se como pressupostos a se considerar o fato de que toda enunciação pressupõe interação verbal entre interlocutores, pode-se dizer, a partir de Foucault, que o conceito de enunciado, está
  • 36. 35 associado ao de função enunciativa e discurso: em seu modo ser singular (nem inteiramente lingüístico, nem exclusivamente material) o enunciado é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase, proposição, ato de linguagem (...) ele não é, em si mesmo, uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço. (FOUCAULT, 2008, p. 97-98) Essa definição completa-se ao considerar o discurso como um conjunto de enunciados que se apóiam na mesma formação discursiva, constituído de um número de enunciados para os quais se podem definir condições de existência. O conceito de discurso, compreendendo um conjunto de enunciados que ocorrem como performances verbais em função enunciativa, é apresentado considerando a idéia de práticas discursivas. Assim, amparado por esse modo de analisar os enunciados, considerando-os instáveis, reconhece-os como objeto de luta, regulados por uma ordem do dizível, definida no interior de lutas políticas. Ao propor uma explanação do conceito de enunciado, Foucault diz que: pode-se, na verdade, ter dois enunciados perfeitamente distintos que se referem a grupamentos discursivos bem diferentes, onde não se encontra mais que uma proposição, suscetível de um único e mesmo valor, obedecendo a um único e mesmo conjunto de leis de construção e admitindo as mesmas possibilidades de utilização. (FOUCAULT, 2008, p. 91) Em outras palavras, uma mesma proposição, em sua forma material, pode comportar mais de um significação e definir enunciados diferentes no que concerne à função enunciativa desempenhada, pois a materialidade de um proposição é a base significatica comum. Por isso, Foucault define a materialidade como uma propriedade do enunciado e não como o enunciado produto da intervenção verbal. Ao investigar a materialidade discursiva das músicas, percebe-se que para a maioria das pessoas é uma forma de expressar sentimentos, desejos, frustrações, conceito que não está muito longe da realidade, pois durante muito tempo ela foi utilizada como forma de “abrir os olhos da humanidade” para as questões que
  • 37. 36 afligiam o mundo, como a guerra, a opressão, enfim a discriminação. Partindo do pressuposto de Orlandi de que a Análise de Discurso visa fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido [...](ORLANDI, 2005, p. 26) Para Foucault, o importante é a análise das relações entre os enunciados num domínio de coexistência, pensando na existência da palavra como efeito de saberes postos em circulação numa dada época, possibilitando o entendimento de como se formam os saberes que dão emergência a esses trajetos teóricos que chegam a engendrar qualquer outra coisa. 2.6 MEMÓRIA DISCURSIVA Dentro dos postulados da AD Francesa, cada sujeito, na produção de um discurso, promove uma relação deste discurso em formulação com o interdiscurso ou memória discursiva, ou seja, com todos os dizeres que já foram de fato, ditos. Pêcheux afirma que: a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ser lido, vem restabelecer os „implícitos‟ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos- transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível.(PÊCHEUX, 1999, p.52) Em outras palavras, é na memória discursiva que surge a possibilidade de toda formação discursiva produzir e operar formulações anteriores, que já foram feitas, que já foram enunciadas. Ou seja, a memória discursiva permitirá na infinita rede de formulações (existente no intradiscurso de uma formação discursiva) o aparecimento, a rejeição ou a transformação de enunciados que pertencem a formações discursivas posicionadas historicamente.
  • 38. 37 Nesse sentido, Orlandi (2006) explica que o conceito de interdiscurso de Pêcheux possibilita-nos compreender que as pessoas estão vinculadas a esse saber discursivo que não se aprende, mas que produz seus efeitos através da ideologia e do inconsciente. Segundo essa autora, a memória discursiva está articulada ao complexo de formações ideológicas. Nesse processo discursivo, segundo Pêcheux, os enunciados produzidos em outro período da história podem ser atualizados no novo discurso ou rejeitados mais tarde em novos contextos discursivos. A partir da memória discursiva, os enunciados pré-construídos podem ser operados na formação discursiva de cada sujeito que, ao produzir novos discursos, constitui relações com o que já foi dito, ou seja, com sua memória discursiva. 2.7 PARÁFRASE E POLISSEMIA O funcionamento da linguagem assenta-se na tensão entre processos parafrásticos e processos polissêmicos. Vale salientar que Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim, o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase esta do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equivoco. (ORLANDI, 2005, p.36) O primeiro procedimento apresenta-se como indispensável na AD, uma vez que todo o dizer vai se estruturando a partir de famílias parafrásticas, as quais dão continuidade ao sentido formado durante a história do indivíduo ou da sociedade. Sobre esse processo, Pêcheux (2001) escreve que “a produção do sentido é estritamente indissociável da relação de paráfrase” e que a família parafrástica de um determinado corpus “constitui o que poderia chamar de matriz de sentido”. (p. 155) O segundo é a polissemia, pela qual surge a possibilidade de múltiplos sentidos para uma mesma enunciação que fundamenta a atividade do dizer, está
  • 39. 38 diretamente relacionada à criatividade que instaura o diferente na linguagem, na medida em que o uso pode romper com o processo de produção dominante de sentidos e, na tensão da relação com o contexto histórico-social, pode criar novas formas, novos sentidos, a multiplicidade de sentidos. Em uma última inferência é importante ressaltar que estes dispositivos analíticos, são imprescindíveis à realização da AD, constituindo-se, portanto, em um desafio para aqueles que desejam apreender o processo de realização deste tipo de análise, já que fazem com que todo sentido se manifeste na relação existente entre o significado e o significante sempre produzindo práticas com sentido. Ainda, a utilização desses dispositivos pode colaborar na compreensão de fenômenos discursivos que interessam à comunicação e à música, permitindo que novos modos de se pesquisar se concretizem e que intervenções propícias possam ser implementadas no âmbito assistencial.
  • 40. 39 3. MÚSICAS DA BANDA REFLEXUS: CONSTRUINDO OS SENTIDOS DA VALORIZAÇÃO E DA RESISTÊNCIA Os sentidos e significados dados às letras das músicas podem ser representados a partir do levantamento dos enunciados que expressam discursos referentes à valorização étnica e de combate ao preconceito racial. É importante ressalvar que dentre as diversas categorias da AD já mencionadas neste trabalho, foram escolhidas como norte principal e metodológico para tecer a análise, as condições sociais de produção e a memória discursiva. Diante disso, Ao realizar a análise do discurso desses enunciados, tem-se como objetivo primordial estabelecer/compreender as relações existentes entre a memória discursiva e as condições sociais de produção. Nesse sentido, a memória recria discursivamente sentidos que dialogam com a produção dos acontecimentos ocorridos no passado através da referência a fatos históricos. Pode ser considerada ainda como “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra” (ORLANDI, 2005, p. 31). Já as condições sociais de produção referem-se ao contexto histórico em que a música foi produzida, a década de 1980. Todas influenciam na produção de sentido da música. Os enunciados transcritos das letras das músicas da banda Reflexu’s possuem uma relação estreita com uma série de formulações com as quais ele coexiste. É através dessas relações que os discursos de valorização da negritude e de resistência se constituíram, como também pelas quais se apagará ou tomará um lugar, podendo ser ou não valorizado, conservado, sacralizado e oferecido, como objeto possível, a um discurso futuro. (GREGOLIN, 2006, p.27). Além disso, são constituídos por formações discursivas que condicionam os sujeitos por uma determinada ideologia regulando aquilo que podem ou não dizer em determinadas conjunturas histórico-sociais. São construídos a partir de uma memória discursiva que remete a símbolos da cultura, como também a fatos históricos já ocorridos. Partindo do pressuposto de Pêcheux, de que o discurso é sempre produzido por sujeitos sócio-historicamente determinados e, por isso, condicionado a regras que regulam as práticas discursivas, as quais determinam as condições de exercício
  • 41. 40 da função enunciativa (2006). A AD possibilitará uma investigação minuciosa dos enunciados, a fim de entender os acontecimentos discursivos que possibilitaram o estabelecimento de certos sentidos em nossa cultura, e concomitantemente nas letras das músicas. Os enunciados foram categorizados de acordo com o pressuposto de que as músicas demonstram uma expressiva evidência de resistência e valorização da negritude, ambas relacionadas a elementos culturais. Assim sendo, os enunciados foram classificados em duas categorias: os que remetem à resistência e luta contra o racismo e à valorização da negritude. Os enunciados foram retirados das letras de 17 músicas da banda Reflexu’s intituladas de: “A fé da razão”, “As forças de Olorum”, “Canto a Minha Cor”, “Canto a Nigéria”, “Canto da Cor”, “Canto Para o Senegal”, “Chicote Não”, “Deuses Afro Baianos”, “Jogo Duro”, “Kizomba”, “festa da Raça”, “Libertem Mandela”,” Mariê” “Madagascar Olodum”, “Mulher Negra”, “Olodum Ologbom”, “Oração pela libertação da África do Sul” e “Serpente Negra”. Em um universo aproximado de 75 músicas, estas foram retiradas de acordo com a aproximação do tema que aborda a questão do negro, como também, pelo fato de que todas elas reúnem elementos bem representativos que abordam as duas temáticas centrais - a valorização da negritude e a resistência contra o preconceito racial, estas estão presentes em todo o universo. Contudo, estes elementos aparecem de forma mais emblemática e com maior freqüência nas músicas que serão aqui analisadas. É importante enfatizar que a forma como serão analisados os enunciados, seguirá a sequência de categorias estabelecidas anteriormente. Isso só para fins de organização e como guia de percurso para facilitar o encaminhamento da análise das letras. É preciso esclarecer também que a ordem em que os enunciados aparecem no presente trabalho não caracteriza uma importância hierárquica, uma vez que todos são de suma importância para a concretização dessa pesquisa. Além do mais, as categorias não são isoladas. Apesar dos enunciados serem subdivididos nessas duas categorias distintas, muitos deles se relacionam de forma simultânea com as duas, no entanto, para fins de análise foi proposta a categorização a partir da identificação de enunciados com sentido, remetendo-se de modo mais emblemático, ora a uma, ora a outra categoria. Com intuito de estabelecer uma coerência na análise foram escolhidos três enunciados, os quais representam de modo mais marcante as categorias.
  • 42. 41 Os enunciados serão representados uniformemente através das marcas: E.1, E.2 e assim por conseguinte. CATEGORIA 1: RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO E.13 - E viva Pelô Pelourinho Patrimônio da humanidade ah Pelourinho, Pelourinho Palco da vida e negras verdades Protestos, manifestações Faz o Olodum contra o Apartheid Juntamente com Madagascar Evocando liberdade e igualdade a reinar E. 24 - Liberdade, liberdade Tanto negro sofredor Com a pena de uma ave A historia já mudou Não ser mais chicoteado Pelourinho, só na lembrança O feito da raça negra Traz a todos esperança Muita fé, muita coragem Tanta garra, quanto amor Pra trazer toda a justiça Que o negro tanto sonhou Libertou do cativeiro Este povo lutador Este povo tão guerreiro Que Zumbi acobertou CATEGORIA 2: VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE E.35 - Por persistir seu gingado / O negro foi modelado Mostrando a cor mais linda Quando se vê na história Não é motivo de glória / A frustração que passou 3 ZULU, Rey; JESUS, Marinez de. Madagascar Olodum. In: Reflexu‟s da Mãe Africa. Emi, 1987. Faixa 1. 4 REFLEXU‟S; ALMEIDA, Marquinhos. Chicote Não. In: Serpente Negra. Emi, 1988. Faixa 3. 5 REFLEXUS; JESUS, Marinez de. A fé da razão. In: Atlântida.som livre, 1999. Faixa 7 .
  • 43. 42 O negro é lindo é uma ostensidade Em erupção, movimento Negros invadem No bate rebate, uma pausa Uma velha canção Inicialmente pode-se observar que toda a composição dos dois enunciados foi construída utilizando-se de um passado histórico. A representatividade do Pelourinho, centro histórico da cidade de Salvador e patrimônio histórico da humanidade, é apresentada na letra da música de forma marcante, como “Palco da vida e negras verdades”, ou seja, é considerado histórico porque representa a origem dos negros que aqui foram escravizados. Porém, no segundo enunciado o termo pelourinho vem com outro significado, era utilizado para nomear uma coluna de madeira ou pedra erguida em praça pública para castigar criminosos e escravos, servindo também como símbolo do poder público. O pelourinho, segundo Tavares (1981), serviu para acorrentar e castigar escravos. Tem-se aí uma formação discursiva baseada em fatores simbólicos que se referem a fatores sócio-históricos e ideológicos. No trecho “Protestos, manifestações - Faz o Olodum contra o Apartheid”, além da formação discursiva de resistência ser baseada em uma memória discursiva, considerada aqui como o que já foi dito, que remete à política de segregação do Apartheid6. É possível perceber claramente a relação existente entre o desejo e o poder abordado por Foucault, pois considerando que o poder é causador de discursos, os discursos de protestos e manifestações expressam o poder que se quer privilegiar e apoderar, surgindo como defensor dos negros em detrimento aos brancos, revelando dessa forma o discurso enquanto desejo proclamado por [...] ”Juntamente com Madagascar - Evocando liberdade e igualdade a reinar”. “Liberdade, liberdade Tanto negro sofredor” A partir do enunciado “Com a pena de uma ave A história já mudou Não ser mais chicoteado Pelourinho, só na lembrança” já se percebe um discurso libertário que por meio da memória discursiva remete à abolição da escravatura, focalizando a assinatura da Lei Áurea, pela qual se deu em parte a liberdade aos escravos que 6 Será mais detalhado nas análises seguintes.
  • 44. 43 lutaram contra a desigualdade na tentativa de mudar a situação em que a população de cor se encontrava e que em sua grande maioria foi relegada no decorrer do processo histórico. Os enunciados incentivam ainda a luta pela emancipação do negro e do reconhecimento e sobrevivência da cultura e da tradição afro-brasileira. Neste trecho pode-se perceber ainda a presença do componente ideológico nos elementos musicais, os quais fazem com que o sujeito dessa prática discursiva seja interpolado pela história e pela própria ideologia (ORLANDI, 2005). Na categoria 2, os enunciados são baseados em discursos provenientes de uma mentalidade anti -racista representada por meio da resistência e de elementos culturais como a dança e a música. Valoriza os negros através de adjetivos e locuções adjetivas “cor mais linda” “O negro é lindo, é uma ostensidade” e da referência á escravidão, mostrar que esse passado foi superado, tornando necessário uma nova prática social, que além de respeitar a origem, reconheça-os como formadores da cultura da nação. A partir disso, a formação discursiva que rege esses discursos é de suma importância, pois admite apreender o processo de produção dos sentidos e significados, dados aos próprios discursos, bem como a sua relação com uma determinada situação sócio-histórica, que determina o que pode ser dito e o que deve ser dito. A polissemia é caracterizada pela emergência do diferente e da multiplicidade de sentidos de valorização e resistência no discurso, tornando sua presença marcante e obrigatória nas mudanças que a sociedade construiu, e pode ser percebida em diferentes situações de discursividade ao longo da história do negro. 3.1 RESISTÊNCIA E LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL O discurso de resistência aparece nas letras das músicas da banda Reflexu’s por meios de representações histórico-culturais que remetem a uma ancestralidade baseada na religião e em fatos históricos já ocorridos, ou seja, na memória discursiva, que nesse sentido pode ser entendida como as experiências passadas, retomando os sentidos já ditos em algum momento anterior, produzindo dessa forma
  • 45. 44 um efeito no discurso da fala corrente, ou seja, o já-dito possui uma relação com o que se está dizendo (ORLANDI, 2005). Os fatos históricos mencionados possuem alguma ligação com o tema da negritude. Isso pode ser observado com mais clareza nos enunciados abaixo: E. 47: O negro é nativo é guerreiro/ Padecera coisas que Zambi não quis Eu trago a força das negras raízes /O grito do escravo acorrentado O seu passado negro não envolve O presente E.58: Há tanta estrada a luzir / Quanta ladeira a descer O negro é, mel na cultura /Sobre uma abolição que me dá amargura em dizer Enquanto eles esnobam nobreza / A gente não tem o que comer O negro modela a certeza / De uma igualdade nascer No fragmento “Enquanto eles esnobam nobreza / A gente não tem o que comer” percebe-se a influência do contexto em que a música foi criada. No início da década de 80, o país atravessava uma forte crise econômica, e a região brasileira que mais se destacou nesse cenário foi o Nordeste que passava por uma situação de fome e miséria, até então imensurável. O fragmento em sequência “O negro modela a certeza / De uma igualdade nascer,” fortalece a ideia de que os negros no país, em sua grande maioria, se encontravam nessa situação. Os debates atuais que se referem às questões da exclusão social afirmam que quase sempre essa exclusão se dá pela cor e/ou classe social do indivíduo. Não é interessante observar apenas o contexto em que vivemos para tentar entendê-las em sua totalidade, mas retroceder um pouco na história em uma relação dialética com o presente, para assim compreender melhor como se formaram os processos que afirmaram as classes e posições sociais brasileiras, ou seja, os exclusos e os inclusos na nossa 7 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO, Valmir; Julinho. As forças de Olorum. Kabiêssele. Som Livre, 1989. Faixa 3. 8 CARVALHO, Roque; ALMEIDA, Marcos. Jogo duro. In: Serpente Negra. Som Livre,1988. Faixa 11.
  • 46. 45 sociedade atual. O que é bem visível, e não foge da temática, é que realmente havia uma classe excluída naquela sociedade, remanescentes principalmente, do processo de abolição. Outra forma de marginalização dos negros no Brasil manifestou-se por meio da segregação espacial. Alguns estudos como o de Edward Telles(2003), na obra “Racismo à Brasileira”, mostram que os lugares em que se encontra o maior número da população negra são consequentemente os mais pobres. Sendo assim, um dos meios estratégicos que essa população encontra para rejeitar tal estado de exclusão é o deslocamento espacial. “A pobreza, o subdesenvolvimento, a falta de oportunidades – os legados do Império, em toda parte – podem forçar as pessoas a migrar, o que causa o espalhamento” (Hall, 2001, p. 28). A alusão a escravatura aparece também com muita freqüência nas letras das músicas, ressaltando a presença do negro escravizado na criação do progresso dos impérios, denunciando dessa forma a situação em que os negros eram submetidos naquela época, como mostrado nos enunciados abaixo, os quais fazem referência a uma memória discursiva que possibilita um saber perpetuado através do sentido das palavras dado ao período escravocrata. E.69: Desde o princípio do mundo Que os homens muitas coisas criaram E para a plantação do progresso Escravizaram esse negro nagô E o império do mundo Se excediam em todos os países E.710: Pois o sangue desses negros Derramavam na Terra Para que os senhores passassem Um tipo de vida melhor 9 Id.,1989, faixa 3. 10 TROPICÁLIA, Itamar; BRITO, Valmir; CARVALHO, Roque. JESUS, Marinez de. Serpente Negra. In: Serpente Negra. 1988. Faixa 1
  • 47. 46 A escravidão no Brasil durou cerca de 300 anos, sendo o último país a abolir este sistema que se apropriava da mão-de-obra cativa advinda do continente africano, condicionando a essas pessoas um regime desumano, com trabalho excessivo e péssimas condições de vida. Acerca disto Goettert afirma que: Diferentemente do índio, o negro era traficado e chegava ao Brasil "despossuídos" de sua humanidade. O Negro não era nem trabalhador, nem vadio: era escravo. Ao escravo não era possibilitado o "entrar e sair" do mundo do conquistado; ele nascia escravo e se formava dentro desse mundo ao ser embarcado nos navios do tráfico na costa africana. [...] É que seu mundo é "destroçado" pela sua condição de "coisa", de mercadoria. A representação de "coisa", como construção dos traficantes e dos senhores no engenho, não possibilitava transitar entre dois mundos [...]. (GOETTERT 2002, p. 262). Em outras palavras, os escravos não eram reconhecidos enquanto cidadãos e pessoas, sendo visto pela sociedade da época como "coisa", mercadoría, objeto, passível de compra e venda. Os autores das letras das músicas, fazem questão de ressaltar que esse processo de escravidão não foi o bastante para conter a força e garra do negro que representa a face da terra: E.811: As barras da prisão Não são fortes pra conter A razão que emana, Oh Jah E.912: O quadro negro Representa na face da Terra Hoje não existe mais guerra A escravidão acabou ô ô A escravidão não foi apenas um meio de sustentação de uma colônia e posteriormente de uma nação, ela foi bem mais significativa do que nos parece. Ela construiu futuramente uma classe marginalizada vítima de preconceitos e exclusão. 11 REFLEXU‟S. JESUS, Marinez de. Canto A Minha Cor In: Serpente Negra. 1988. Faixa 1. 12 Id.,1988, faixa 1.