Este poema descreve a música triste produzida por violões chorosos à noite. Evoca sentimentos de solidão, saudade e melancolia através de imagens de harmonias dolorosas e sons soturnos que viajam pelo ar e dilaceram as almas.
1. ANTÍFONA E as emoções, todas as castidades
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras Da alma do Verso, pelos versos cantem.
De luares, de neves, de neblinas! Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Incensos dos turíbulos das aras Que brilhe a correção dos alabastros
Formas do Amor, constelarmante puras, Sonoramente, luminosamente.
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras Forças originais, essência, graça
E dolências de lírios e de rosas ... De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Indefiníveis músicas supremas, Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Cristais diluídos de clarões alacres,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Visões, salmos e cânticos serenos, Os mais estranhos estremecimentos...
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos Flores negras do tédio e flores vagas
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes ... De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Infinitos espíritos dispersos, Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Com a chama ideal de todos os mistérios. Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
Do Sonho as mais azuis diafaneidades E o tropel cabalístico da Morte...
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
2. • BRAÇOS
• Braços nervosos, brancas opulências,
brumais brancuras, fúlgidas brancuras,
alvuras castas, virginais alvuras,
latescências das raras latescências.
As fascinantes, mórbidas dormências
dos teus abraços de letais flexuras,
produzem sensações de agres torturas,
dos desejos as mornas florescências.
Braços nervosos, tentadoras serpes
que prendem, tetanizam como os herpes,
dos delírios na trêmula coorte ...
Pompa de carnes tépidas e flóreas,
braços de estranhas correções marmóreas,
abertos para o Amor e para a Morte!
3. • DILACERAÇÕES
• Ó carnes que eu amei sangrentamente,
ó volúpias letais e dolorosas,
essências de heliotropos e de rosas
de essência morna, tropical, dolente...
Carnes, virgens e tépidas do Oriente
do Sonho e das Estrelas fabulosas,
carnes acerbas e maravilhosas,
tentadoras do sol intensamente...
Passai, dilaceradas pelos zelos,
através dos profundos pesadelos
que me apunhalam de mortais horrores...
Passai, passai, desfeitas em tormentos,
em lágrimas, em prantos, em lamentos
em ais, em luto, em convulsões, em dores...
4. • ACROBATA DA DOR
• Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...
Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço. . .
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.
5. • MÚSICA DA MORTE
• A música da Morte, a nebulosa,
estranha, imensa música sombria,
passa a tremer pela minh'alma e fria
gela, fica a tremer, maravilhosa ...
Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
letes sinistro e torvo da agonia,
recresce a lancinante sinfonia
sobe, numa volúpia dolorosa ...
Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
tremenda, absurda, imponderada e larga,
de pavores e trevas alucina ...
E alucinando e em trevas delirando,
como um ópio letal, vertiginando,
os meus nervos, letárgica, fascina ...
6. • Cárcere das Almas
• Ah! Toda a Alma num cárcere anda presa,
soluçando nas trevas, entre as grades
do calabouço olhando imensidades,
mares, estrelas, tardes, natureza.
Tudo se veste de uma igual grandeza
quando a alma entre grilhões as liberdades
sonha e sonhando, as imortalidades
rasga no etéreo Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
nas prisões colossais e abandonadas,
da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!
7. • Ironia de Lágrimas
• Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.
• A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda criatura
Numa dança macabra indefinida.
• Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das Ilusões o eterno esquife prega.
• E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada cega!
8. • VIOLÕES QUE CHORAM
• Ah! Plangentes violões dormentes, • Harmonias que pungem, que
mornos, laceram,
Soluços ao luar, choros ao vento... Dedos nervosos e ágeis que
Tristes perfis, os mais vagos percorrem
contornos, Cordas e um mundo de dolências
Bocas murmurejantes de lamento. geram
• Noites de além, remotas, que eu Gemidos, prantos, que no espaço
recordo, morrem...
Noites da solidão, noites remotas • E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Que nos azuis da fantasia bordo, Mágoas amargas e melancolias,
Vou constelando de visões ignotas. No sussurro monótono das águas,
• Sutis palpitações à luz da Lua, Noturnamente, entre ramagens
Anseio dos momentos mais frias.
saudosos, • Vozes veladas, veludosas vozes,
Quando lá choram na deserta rua Volúpias dos violões, vozes veladas,
As cordas vivas dos violões chorosos. Vagam nos velhos vórtices velozes
• Quando os sons dos violões vão Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
soluçando, • Tudo nas cordas dos violões ecoa
Quando os sons dos violões nas E vibra e se contorce no ar,
cordas gemem, convulso...
E vão dilacerando e deliciando, Tudo na noite, tudo clama e voa
Rasgando as almas que nas sombras Sob a febril agitação de um pulso.
tremem.