O documento discute 10 desafios para a gestão pública no Espírito Santo, com especialistas apresentando suas perspectivas sobre cada desafio. Os desafios incluem presídios e crimes, tráfico de drogas e menores de idade, consultas médicas, remédios de alto custo, estradas, imprudência no trânsito, impostos, turismo, analfabetismo funcional e ética na política. O autor espera que o livro possa ajudar os políticos a localizarem as necessidades da população e forn
8. SUMÁRIO
Prefácio
Introdução
Desafio 1
Presídios e crimes, 13
Carlos Eduardo Lemos, Juiz.
André Luiz Moreira, Advogado.
Desafio 2
Tráfico de drogas e menores de idade,
Patrícia Neves, Juíza.
Edinete Rosa, Psicóloga.
Desafio 3
Consultas Médicas
Fernando Costa, Pres. CRM
Francisco José Dias, Médico.
8
9. Desafio 4
Remédios de alto custo
Luiz Carlos Reblin, Especialista em Saúde Pública.
Patrícia Luzia Ton, Coordenadora da Farmácia Popular
Desafio 5
Estradas
Wagner Chieppe, Sindicato Transporte Cargas.
Mauro Leite Teixeira, Engenheiro Rodoviário.
Desafio 6
Imprudência no trânsito.
Jaime de Angeli, Especialista em Trânsito.
Maria Cristina Carvalho, Assoc. Acidentes Trânsito.
Desafio 7
Impostos
Orlando Caliman, Economista.
Luiz Cláudio Alemand, Advogado Tributarista
9
10. Desafio 8
Turismo
Cacau Monjardim, Especialista em Turismo.
Marco Azevedo, ES-Convention Visitors Bureau
Desafio 9
Analfabeto Funcional
Cláudia Gontijo, prof. Especialista em Educação
Roberto Simões, prof. Especialista em Políticas Públicas
Desafio 10
Ética na Política
Francisco Albernaz, Cientista Político.
Rafael Simões, Transparência Capixaba.
Considerações Finais,
10
11. AGRADECIMENTO
Agradeço aos meus colegas da TV Gazeta que
participaram da série especial “10 Temas para a
Campanha Eleitoral”; ao jornalista e amigo Abdo Chequer
e, especialmente, ao professor Dr. Sebastião Pimentel,
que fez o prefácio para “ontem” , aderindo ao dead-line
do jornalismo.
Também agradeço ao Sindipostos-ES, à XXX que
acreditaram neste trabalho, adquirindo exemplares
antecipadamente, o que possibilitou a produção do livro.
11
13. PREFÁCIO
Foi com grande satisfação que tomamos
conhecimento da publicação do jornalista Carlos
Tourinho.
O Brasil vive hoje um momento ímpar de sua história,
em que uma significativa transformação efetua-se: a
população está mais consciente quanto a seus direitos e
obrigações e, nesse sentido, tem possibilidade de
escolher melhor seus representantes governamentais,
dentre aqueles que melhor explicitam como farão para
atender às necessidades da sociedade. O que estamos
dizendo, em verdade, é que, hoje, se ampliam os recursos
disponíveis para que a população possa cobrar do
Legislativo e do Executivo idéias e soluções factíveis,
que mudem para melhor a vida do País.
No Brasil atual, a população cobra, reivindica políticas
sociais que não somente atendam aos anseios por infra-
estrutura física e melhores serviços urbanos, mas
também sirvam de esteio à promoção do ser humano,
garantindo-lhe o pleno exercício da cidadania.
Ao escolher dez desafios “a partir de um
levantamento sobre os pedidos mais freqüentes de
reportagens pelos telespectadores”, Carlos Tourinho
optou por dar vez a essa população, evidenciando que
13
14. “jornalismo é um dos termômetros das expectativas do
cidadão”. Dentre os temas indicados, a população
sabidamente optou por escolher aqueles que mais de
perto a afligem ou simbolizam sua preocupação maior,
tais como presídios x crimes; tráfico de drogas x
menores de idade; consultas médicas; remédios de alto
custo; estradas; trânsito; impostos; turismo;
analfabetismo funcional; ética na política.
Enfocam-se aqui dois pontos de vista para cada tema.
Algumas vezes eles se complementam; outras, mostram-
se discordantes. Isso, aliás, constitui-se em um dos
pontos altos do livro: o debate de idéias exige o
contraditório. Significativo, como diz o autor, é o fato
de serem apresentadas “idéias, diagnósticos que poderão
ser de grande utilidade para os gestores públicos que, de
fato, pretendem atender às necessidades do povo”.
Este é um livro otimista, porque, à luz da letra
impressa, ao refletir sobre alguns dos principais
problemas que afligem a população, permite que se pense
em sua solução. Mas não apenas é um livro otimista. Como
afirma Carlos Tourinho, trata-se, em verdade, de um
mapa que permitirá aos eleitos localizar alguns dos
anseios mais prementes da sociedade e satisfazê-los. Se
quiserem.
Prof. Dr. Sebastião Pimentel Franco
14
15. Professor do Programa de Pós-Graduação em História
Social das Relações Políticas da Ufes
15
16. INTRODUÇÃO
O que você espera dos políticos? Pouco, talvez
seja a resposta mais imediata. Porque há um descrédito
com estas instituições (Assembléia, Câmaras, Governos)
e com “eles”, principalmente. Este fato registrado por
todos os institutos de opinião pública, que têm apontado
decepção e até indiferença dos eleitores com seus
"representantes". Pouco, porque na era do individualismo
a busca por soluções coletivas tem-se mostrado cada vez
mais complexa, lenta e de pouca resolutividade. Enfim,
espera-se pouco porque a ainda recente retomada da
democracia no Brasil nos surpreendeu com denúncias,
impeachment, Cpis, cassações e muita corrupção. No
Espírito Santo, tivemos um choque de moralização nos
últimos anos, mas as denúncias ainda pipocam aqui e ali,
especialmente no âmbito do Legislativo.
Mesmo assim, o eleitor, sabiamente, gosta de
votar e não abre mão do poder de apostar no futuro, dar
oportunidade a quem acha que merece ou punir quem
considera que abusou de sua confiança. Avançamos em
muitas coisas: já temos a inflação sob controle, a classe
média - apesar da habitual reclamação - tem uma vida
melhor, comparada a de uma ou duas gerações atrás,
quando ter um carro na garagem era um luxo para
poucos. Por outro lado, temos de pagar escola particular,
plano de saúde, previdência privada, seguros e
16
17. dispositivos tecnológicos para a nossa segurança.
Direitos que deveríamos ter garantidos pelos impostos
que pagamos cada vez mais e nos compensam cada vez
menos. Mas acredita-se que o País avança. Mais lento do
que gostaríamos, com atalhos que preferiríamos evitar,
mas com a certeza de que não há alternativa melhor do
que insistir. E isso significa escolher bem nossos
representantes, definir prioridades e cobrar as soluções.
Nas últimas eleições (2006), fizemos uma série
especial para a TV Gazeta em que "elegemos" 10 temas
para enriquecer o debate na campanha eleitoral, época
que deveria ser de grande reflexão e crescimento da
educação política. Escolhemos esses temas a partir de
um levantamento sobre os pedidos mais freqüentes de
reportagens feitos por telespectadores. O jornalismo é
um dos termômetros das expectativas do cidadão: se as
coisas vão bem, há menos ligações, poucos pedidos. Se
vão mal...
A proposta foi a de escolher 10 temas que
fugissem do modelo clássico: saúde, educação, segurança
etc. É claro que é disso que tratamos, mas optamos por
"separar as sílabas" dessas palavras tão importantes e ao
mesmo tempo tão esvaziadas pelos discursos. Quando
liga para a redação, escreve ou nos procura
pessoalmente, o cidadão não vai reivindicar "saúde". Ele
quer consulta com um especialista da rede pública, pois
está tendo que dormir na fila. Ou vai pedir que o remédio
de alto custo não tenha o fornecimento interrompido na
farmácia do SUS. Ele não solicita "segurança": ele quer
17
18. que o ônibus não seja incendiado e que o seu filho não
seja "fisgado" por um traficante de drogas. Pede
resoluções que lhe possibilitem fazer uma viagem
tranquila no fim-de-semana. O cidadão quer respostas
concretas para problemas da sua rotina.
No conjunto dos 10 Desafios, também estamos
falando de desenvolvimento. Por outro viés, que não a
tradicional abordagem empresarial ou sobre os planos
específicos dos governos para o setor. A soma das ações
apresentadas aqui pelos especialistas entrevistados
representa “desenvolvimento” no seu sentido mais
generoso. Ou até no sentido mais específico quando
tratamos, por exemplo, do turismo. Nesta mesma toada,
podemos entender que a temática do “emprego”, embora
não analisada separadamente, pode ser contemplada
quando se fala de melhorias em estradas, de presídios
mais seguros, de um sistema de saúde competente, de
uma atividade turística profissional, de impostos bem
aplicados ou do combate à corrupção. É sabido que o
Estado não é responsável por criar empregos, mas ao
fornecer uma plataforma que dê as condições
necessárias para a ação da iniciativa privada, ele faz a
sua parte. Em um ambiente ético e comprometido com a
boa aplicação dos recursos públicos, a iniciativa privada
sente-se confiante para investir no desenvolvimento e,
por conseqüência, gerar novas oportunidades de
empregos.
18
19. Este é um livro otimista. Mostra problemas, faz
cobranças, põe o dedo na ferida. Destaca alguns dos
dramas diários da nossa população. Situações-limite que,
sem pedir licença, entraram para a sua rotina. Mas a
abordagem não é de denúncia ou protesto. É uma
publicação que pretende contribuir na solução das
questões apresentadas, a partir da “doação” intelectual
de especialistas que não estão em campanha para nada,
não querem agradar a ninguém e não se ofereceram para
falar. Foram convidados, inicialmente, para a série da TV,
por mim e pela jornalista Giovana Lanna, que atuou como
produtora de pautas. São especialistas com notório
conhecimento sobre os temas propostos. Dois pontos de
vista para cada tema. Opiniões que se complementaram
na maior parte das vezes. Apresentaram idéias,
diagnósticos que poderão ser de grande utilidade para
aqueles gestores públicos que, de fato, pretendem
atender às necessidades do povo. Como disse um popular,
em uma entrevista para a televisão, "o povo não quer
nada de excepcional", ou como sintetizou uma eleitora, "o
político só deve prometer o que ele pode cumprir".
Apesar disso, ainda vimos candidato que defendeu a
utilização de "música para ativar o córtex cerebral" ou,
mais comumente, repetiu seguidamente o velho chavão de
"saúde, segurança, transporte, educação, trabalho e
moradia", ainda que o cargo que estava pleiteando não lhe
desse a possibilidade de prometer coisas do gênero.
19
20. O cidadão tem amadurecido mais rapidamente do
que muitos de nossos políticos. É acreditando nesse
amadurecimento de ambas as partes que resolvi escrever
este livro, partindo das entrevistas da série para a tv, e
acrescentando novas pesquisas e uma ampliada
abordagem dos temas. Da proposta inicial de oferecer
uma bússola para escolher os candidatos que
apresentassem as melhores propostas, temos agora um
mapa para que os eleitos localizem algumas das
necessidades da sociedade. Para todos - políticos e
cidadãos - uma ferramenta que pode abrir caminhos.
Alguém poderá sentir a falta dos depoimentos de
nossos representantes públicos. Não, eles não escrevem
nesse livro. Estão desafiados a serem atentos leitores.
Este é o nosso objetivo.
Há uma frase comum entre os jornalistas, que
afirma que “o papel do jornalismo é afligir os
acomodados e consolar os aflitos”. Nos meus 22 anos de
profissão, tenho aprendido a entender e privilegiar os
dramas populares, a hierarquizar as demandas daqueles
que têm poucas alternativas, a respeitar o sofrimento e
a cobrar das autoridades. Ao lado de meus colegas na
redação da TV Gazeta tentamos fazer disso o nosso
exercício diário de cidadania e de compromisso com a
vida.
Este é um livro otimista porque aprendi que, para
os problemas serem resolvidos, eles devem ser expostos.
Colocados a nu. Há muita gente querendo esconder
20
21. problemas. As 20 pessoas entrevistadas neste livro são
otimistas.
DESAFIO 1
PRESÍDIOS X CRIMES
Ônibus incendiados, agentes penitenciários sob
constantes ameaças, assaltos para garantir o “caixa” de
pagamentos dos crimes encomendados pelos “chefes”.
Esses são alguns exemplos de uma nova modalidade de
gerência do crime organizado: o crime comandado de
dentro dos presídios.
Alguns números colaboram para entender os
motivos que têm levado os presidiários a tentar chamar a
atenção da sociedade. Em julho de 2006, os boletins de
ocupação dos presídios capixabas registravam 1.652
detentos a mais que a capacidade do sistema, que é de
3.465 vagas nas 14 unidades prisionais espalhadas pelo
Estado, incluindo aí o Manicômio Judiciário. Ou seja, o
sistema administrado pela Secretaria de Estado da
Justiça (SEJUS) contabiliza a existência de 5.117
presos. A superlotação é evidente: nesta época havia
47% de presos a mais em relação ao que o sistema era
capaz de suportar. O Estado precisaria construir mais
quatro presídios, com capacidade acima de 400 vagas
cada, somente para abrigar o excesso, considerando,
numa situação improvável, que não haveria novos presos.
21
22. O problema poderia ser amenizado, se não
houvesse tantos presos provisórios. Eles vêm ocupando
cada vez mais espaço nas penitenciárias. São 2.648
presos nessas condições, mais da metade (51,74%) da
lotação dos presídios. Caso todos os presos provisórios
fossem julgados e absolvidos, o sistema teria um
superávit de 817 vagas, ou seja, 23,57% da capacidade
total. Um exemplo desse desequilíbrio pode ser
constatado na Casa de Passagem de Vila Velha, localizada
no bairro da Glória. Em julho de 2006, 605 detentos
aguardavam julgamento contra 110 presos já condenados
pela Justiça. Ou seja, para cada condenado, havia cinco
provisórios.
O Governo vem acenando com a promessa de
construção de novas unidades e realizando mutirões nos
presídios para verificar quantos detentos têm direito a
algum tipo de benefício, inclusive, à liberdade provisória.
Projetos polêmicos, como o da cadeia metálica
(containeres adaptados para servirem como celas de
presos) de Novo Horizonte, município da Serra, têm sido
tentados para aliviar a crise no sistema prisional. O
Tribunal de Justiça também tem anunciado esforço no
sentido de determinar inspeções nas Comarcas para que
os juízes criminais verifiquem o andamento dos
processos dos presos. A intenção é a de acelerar a
tramitação dos processos e desafogar os presídios.
Embora o Sistema seja extremamente dinâmico e
os números oscilem diariamente, veja, para efeito
ilustrativo, a relação entre ocupação e capacidade dos
22
23. presídios capixabas. Os dados são de 12 de julho de
2006, fornecidos pela Diretoria-geral dos
estabelecimentos penais, órgão da Secretaria estadual
da Justiça.
DEMONSTRATIVO 1
OCUPAÇÃO DOS PRESÍDIOS NO ESPÍRITO SANTO
PRESÍDIO OCUPAÇÃO CAPACIDADE DÉFICIT
IRS (Glória, VV). 216 210 6 vagas
CASCUVV (Glória, Vila Velha) 409 215 194 vagas
Casa de Passagem (Glória, Vila 719 270 449 vagas
Velha)
Casa de Custódia (Viana) 1.126 * 360 766 vagas
Penitenciária de 237 110 127 vagas
Segurança Média I (Viana)
Penitenciária de Segurança 271 274 -
Média II (Viana)
Penitenciária Agrícola (Viana) 224 195 29 vagas
Presídio Feminino (Cariacica) 279 105 174 vagas
Manicômio Judiciário (Cariacica) 81 90 -
Penitenciária regional de 373 250 123 vagas
Cachoeiro de Itapemirim
Penitenciária regional de 335 356 -
Linhares
Penitenciária regional de 320 110 210 vagas
Colatina
Penitenciária de Colatina (gestão 264 268 -
terceirizada)
Penitenciária de Barra de São 266 120 146 vagas
Francisco
Fonte: Diretoria-geral dos Estabelecimentos Penais (DIGESP), Secretaria
Estadual da Justiça, em 12/7/2006.
23
24. *Destes, 673 são detentos da Penitenciária de
Segurança Máxima (PSMA).
Esta situação levou os Centros de Defesa dos
Direitos Humanos da Serra, Cariacica e Vila Velha e o
Centro de apoio aos direitos humanos “Valdício Barbosa
dos Santos” a ingressarem com ação civil pública contra
o Estado do Espírito Santo pelo descumprimento da Lei
de Execuções Penais e da Constituição Federal por
manter presídios superlotados, detentos em condições
sub-humanas e uma situação de insegurança para a
sociedade. A ação protocolada no dia 21 de junho de
2006 foi apoiada pelo Movimento Nacional de Direitos
Humanos e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-
ES. Trata-se de um problema que vem se arrastando ano
após ano, governo após governo.
24
25. O juiz Carlos Eduardo Lemos, titular da 5ª vara criminal
de Vitória foi, durante quatro anos, o responsável pela
execução das penas de condenados presos. Nesta vara,
foi parceiro do Juiz Alexandre Martins de Castro Filho,
assassinado em 2003, numa trama que envolveu policiais
civis, militares e até um colega, Juiz de Direito, em um
caso ainda não concluído pela Justiça do Espírito Santo.
Carlos Eduardo Lemos tem-se destacado nas ações
contra o crime organizado e na cobrança pública de
providências por parte do Governo do Estado para
amenizar a crise no Sistema Penitenciário. Após muitas
dessas cobranças, ele teve suas funções alteradas,
passando a ser responsável pela execução de penas
alternativas (VEPENA) e perdendo o comando das
execuções penais.
A sociedade vive o terror da falta de segurança e
dos crimes ordenados de dentro dos presídios, como
os homicídios, assaltos e incêndios a ônibus.Qual é a
avaliação que o senhor faz deste quadro?
Carlos Eduardo Lemos: A avaliação feita
nacionalmente da situação carcerária do Espírito Santo é
dramática.
Atualmente temos no Estado um depósito de presos. Com
depósitos de presos vão-se criando monstros, o que
significa mais riscos para a sociedade.
25
26. Ninguém está dizendo que temos de passar a mão na
cabeça de bandido. Não é isso. O Espírito Santo hoje
gasta muito com o preso, mas o devolve pior para a
família, a sociedade. É preciso construir uma Política
Penitenciária para realmente tentar recuperar esse
cidadão.
O que deve e pode ser feito nos próximos anos?
Carlos Eduardo Lemos: Nosso Estado tem tudo para
dar certo, para ser um modelo positivo. A nossa
realidade é muito simples perto da complexidade de
outros Estados brasileiros. Temos sete mil presos,
contando os que estão em delegacias e presídios -
enquanto em São Paulo,, por exemplo, tem 160 mil. Eu
acho que precisamos de um Presídio de efetiva segurança
máxima – o que não temos hoje não por falta de dinheiro,
já que o Governo Federal até ofereceu condições, mas o
Estado não conseguiu local para construir. A Segurança
Máxima reprime os presos; eles precisam ter medo de
cometer crimes bárbaros dentro das unidades e de
comandar crimes que ocorrem aqui fora.
Além disso, precisamos de mais Unidades de Segurança
Média, com possibilidade efetiva para trabalho. Hoje
menos de 20% dos presos trabalham nos nossos
presídios. O ócio é a pior mazela do cárcere. E por fim,
eu acho que precisamos de investimento sério do
Governo nas penas alternativas e nas alternativas penais.
Nos últimos governos nada foi investido nessa ação. O
26
27. que se pratica hoje em pena alternativa é investimento
do Ministério da Justiça e do Poder Judiciário. O Poder
Executivo teria de investir nessas penas para estimular
os juízes a não mandar tantas pessoas para as cadeias.
Muitas dessas pessoas poderiam estar cumprindo penas
alternativas, lembrando sempre que a aplicação delas
exige fiscalização severa.
São propostas que podem ser executadas dentro de
um período de quatro anos?
Carlos Eduardo Lemos: Sim. Se for feito um projeto
sério, isso pode ser realizado, sim. Nos últimos anos, os
gastos foram mal planejados. E o planejamento deve
começar a partir do primeiro dia de governo, para que
possa ser executado o mais rápido possível. Agindo
assim, o Governo pode mudar a realidade em quatro
anos.
E o que cabe ao Governador, aos Deputados
Estaduais, Federais e Senadores?
Carlos Eduardo Lemos: Ao Governador cabe planejar e
executar uma Política Prisional, o que o Espírito Santo,
assim como muitos Estados Brasileiros, não tem. O que
se tem feito é reparo, reforma em presídios.
O que é uma Política Prisional?
27
28. Carlos Eduardo Lemos: Política Prisional é pensar o
Sistema como um todo, não só pensar na construção ou
reforma de presídio. Também na capacitação e
treinamento do pessoal que trabalha com presos, no
policiamento que faz a segurança do presídio, assistência
à família, entre outras coisas. Uma Política Prisional
avalia a alternativa dos investimentos, que podem ser
públicos ou privados. Eu já presenciei, nos últimos seis
anos, unidades sendo reformadas mais de 10 vezes e
cada vez que são reformadas, e mal reformadas, são
depredadas imediatamente após. O gasto é alto e a
situação está ficndo pior.
E o que cabe aos Deputados e Senadores?
Carlos Eduardo Lemos: Aos Deputados Estaduais cabe
repensar os orçamentos para estas pastas. Noss últimos
anos foram retiradas verbas que deveriam ir para a
Segurança Pública do nosso Estado. Então, cabe aos
Deputados Estaduais repensar estes orçamentos. Já o
Deputado Federal e os Senadores, têm de fazer
gestões junto ao Governo Federal para que, por
exemplo, não se contingencie mais o dinheiro do
Departamento Penitenciário Nacional, do Fundo
Penitenciário, o FUNPEN, que hoje tem mais de R$ 500
milhões contingenciados para o aumento do superávit
primário do Governo Federal. Isso é um absurdo, pois
retira-se dinheiro que deveria ir para a Segurança
Pública do País e o repassa para aumentar o superávit. E
28
29. cabe aos Deputados e Senadores lutarem para que isso
não aconteça.
O senhor acredita em mudanças, então?
Carlos Eduardo Lemos: Acredito. Nosso Estado é muito
pequeno, nosso problema é pontual. Como já disse, temos
tudo para sermos modelo, desde que se faça um
planejamento em todos estes setores. Tem de ser um
assunto de ponta de pauta. Toda a sociedade sofre. O
filho do pobre, do excluído, está morrendo enquanto está
assaltando, e o filho do rico está morrendo enquanto
está sendo assaltado. Acho que a todos interessa esse
assunto. Os políticos têm de discutir e pensar isso de
forma séria. É preciso fazer uma discussão profissional
sobre o assunto.
29
30. O advogado André Luiz Moreira é membro da Comissão
de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil,
seção Espírito Santo. Ele foi um dos que assinaram a
ação civil pública contra o Estado do Espírito Santo pelo
descumprimento da Lei de Execuções Penais e da
Constituição Federal. Nessa entrevista, realizada no
auge dos ataques a ônibus ocorridos em São Paulo e no
Espírito Santo em 2006, ele diz que um dos motivos do
descalabro do Sistema Judiciário está na desobediência
do Estado à Legislação que impede a mistura de presos:
“o Estado tem sido o gestor da mão-de-obra da
criminalidade”, sentencia.
Como deve ser tratada esta questão da lotação dos
presídios e dos crimes promovidos pelos presidiários
contra a sociedade?
André Moreira: Olha, como militante dos Direitos
Humanos, eu tenho alguma experiência nesta questão, e
alguma opinião formada também. Temos verificado o
descumprimento da lei, especialmente no que dispõe a
Constituição acerca da seleção dos presos, e o que
dispõe também a Legislação Penitenciária, como a Lei de
Execução Penal e várias resoluções do Conselho Nacional
de Política Penitenciária.
30
31. O descumprimento dessa legislação tem provocado essa
situação caótica verificada em São Paulo e no Espírito
Santo.
Esse descumprimento vem acontecendo há mais de vinte
anos. Então, a solução para o problema dos presídios
seria basicamente o cumprimento da legislação.
E é importante que essa discusão seja feita já. A
legislação nacional determina que os presos não podem
ser misturados. Por exemplo, preso provisório não pode
ficar junto com preso definitivo. Também tem de fazer a
seleção de preso por faixa-etária. Não podem ficar
juntos presos que cometeram o mesmo tipo de crime,
entre outras coisas.
Se houvesse essa seleção não teríamos esse caos que foi
instituído aí. O Estado tem sido o gestor da mão-de-obra
da criminalidade, porque coloca meninos novos juntos, em
condições extremas de convivência.. É como colocá-los
nas mãos de organizações criminosas.
O senhor acha que este assunto vem sendo tratado
de maneira correta desde as campanhas eleitorais,
tanto do Legislativo quanto do Executivo?
André Moreira: Não. A única proposta que tem sido
feita em geral é do aumento da punição, o que gera mais
superlotação e maior dificuldade do controle dos presos.
Inclusive, quando há uma rebelião, a gente percebe essa
dificuldade de controlar 700 presos onde deveria ter
31
32. 200. A superlotação aumenta a dificuldade de se debelar
uma possível rebelião e manter a disciplina dentro dos
presídios.
Então não adianta só aumentar a punição?
André Moreira: Não, essa promessa já está
ultrapassada. Há vinte anos que ela é proposta,
executada, e não deu certo...
O que de imediato a Gestão Pública pode fazer?
André Moreira: Primeiro, saber que se trata de um
sistema complexo – nem todas as medidas estão nas
mãos dos cargos eletivos. Parte do problema está a cargo
do Judiciário, cujo gestor não é eleito pela população. E o
Judiciário tem a função de fiscalizar.
No plano do Executivo, o cumprimento da Lei que já
existe, e que é uma das melhores do mundo, é a solução.
Se o Sistema está como está, é porque a Legislação não
está sendo cumprida.
Quanto ao Legislativo, eu destaco duas questões:
primeiro, ele deve estar voltado a repensar o Sistema
Penitenciário. O Legislador deve se pautar no
acompanhamento da legislação para ver se algumas
alterações precisam ser feitas. Mas os princípios dessa
legislação que existe hoje no país, principalmente a Lei
de Execução Penal, são ótimos. Em segundo lugar, tem de
haver responsabilidade. O Legislativo não pode fazer
32
33. mudança no sistema penal só no calor da situação. Por
exemplo, aconteceu uma rebelião em São Paulo, então
vamos mudar o sistema... Não pode ser assim. Essa
decisão depende de um estudo, e existem pessoas
capacitadas para isso. O Legislativo pode trazer a
contribuição dessas pessoas, ter um espaço de debates
amplos. Se ele fizer isso, já estará cumprindo bem a
função dele.
O senhor disse que os políticos devem levar isso a
sério. E qual é a recomendação para o cidadão?
André Moreira: Exigir este tipo de debate e ter muito
cuidado com a promessa fácil nos períodos eleitorais. A
promessa de que somente aumentando a pena vai
melhorar o funcionamento do Sistema não procede.
Tem de se pensar nisso não como uma resposta de
primeira hora, mas pensar de forma racional, porque os
políticas que foram eleitos nos últimos 20 anos adotaram
medidas que não ajudaram a solucionar os problemas do
Sistema Prisional. O cidadão deve ficar de olho naquilo
que o político está propondo.Ele tem de pensar em
propostas racionais para a solução do problema. A
Legislação que nós temos hoje no País é uma das
melhores do mundo e ela já dá a solução e os
encaminhamentos adequados ao Sistema Prisional. Repito
que, se o sistema está funcionando mal é porque o
Governo vem descumprindo sistematicamente a lei que
trata do tema.
33
34. Então tem de discutir, exigir mais o cumprimento
dessa Lei?
André Moreira: Exatamente. Discutir como implementar
a Lei de Sistema Penal que diz que não se pode colocar
dentro do mesmo presídio preso provisório e preso
definitivo, por exemplo, entre outras coisas. Essa
situação facilita a criação das facções criminosas dentro
dos presídios, onde elas não deveriam estar operando,
pois no presídio o preso está sob a custódia e sob a
vigilância do Estado.
E o senhor acredita que esse caos pode ser
revertido, que a sociedade pode voltar a viver em
paz, sem essas ações criminosas como essas?
André Moreira: Certamente. E o primeiro passo é o que
falei sobre a separação dos presos. É claro que eu não
seria simplório em dizer que só isso resolveria, até
porque o problema se agravou. Mas um passo
fundamental é fazer essa seleção que determina a Lei e
criar condições dentro do Sistema Prisional, dando
trabalho e educação para o preso, porque aí você vai
afastá-lo do interesse pelas gangues e vai despertar
neles o interesse pela ressocialização.
34
35. DESAFIO 2
TRÁFICO DE DROGAS E MENORES
DE IDADE
Um problema para quem pensa o futuro. As
notícias mostram, a cada dia, mais jovens e adolescentes
envolvidos com crimes, incluindo aí o tráfico de drogas,
que é a porta para a maior parte das delinqüências. O
tráfico não se “emociona” com a infância. Recruta
crianças de 8, 9 e 10 anos, nas ruas e nas portas das
Escolas. Oferece balas, doces e drogas. Seduz com a
promessa de dinheiro e proteção. Um problema
gigantesco, um desafio à sobrevivência da sociedade.
Dados da Unidade de Internação Socioeducativa
(UNIS) do Governo do Espírito Santo revelam o perfil
socioeconômico dos adolescentes que estão internados
cumprindo medidas socioeducativas.
Em geral, o adolescente que cumpre medida
socioeducativa de internação é de família
economicamente desprovida, cuja renda, quando existe, é
resultante do trabalho informal, e varia de R$ 300,00 a
R$ 450,00. Seu núcleo familiar é concentrado em avós ou
somente na figura da mãe, residentes em bairros
periféricos e com alto índice de violência e tráfico de
35
36. drogas. Muitas vezes, o adolescente chega à UNIS sem
nunca ter ido ao dentista e ao médico.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD), feita pelo IBGE em 2004, o Brasil
mantém o índice de 41,4% de famílias com filhos de zero
a seis anos vivendo com até meio salário mínimo por
pessoa.
DEMONSTRATIVO 2
QUANTITATIVO DE ADOLESCENTES POR IDADE
CUMPRINDO MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE
INTERNAÇÃO.
IDADE QUANTITATIVO
13 ANOS 1%
14 ANOS 2%
15 ANOS 9%
16 ANOS 16,5%
17 ANOS 31,5%
18 ANOS 30%
19 ANOS * 3%
20 ANOS * 4,5%
21 ANOS * 2,5%
TOTAL 100%
Fonte: UNIS
* Em alguns casos o adolescente pode ficar internado até
os 21 anos (art. 2°, parágrafo único, do Estatuto da
36
37. Criança e do Adolescente –ECA). Nos casos expressos
em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às
pessoas entre 18 e 21 anos.)
DEMONSTRATIVO 3
QUANTITATIVO DE ADOLESCENTES POR
ESCOLARIDADE CUMPRINDO MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO.
ESCOLARIDADE QUANTITATIVO
1° ANO-ENSINO MÉDIO 5%
2° ANO– EM 1,5%
3° ANO– EM 1,5%
1° ANO- ENSINO FUNDAMENTAL 1%
2° ANO- EF 2%
3° ANO- EF 6%
4° ANO- EF 8%
5° ANO- EF 26,5%
6° ANO- EF 13,5%
7° ANO- EF 19%
8° ANO- EF 9%
ANALFABETO 1,5%
NÃO INFORMADO 5,5%
TOTAL 100%
Fonte: UNIS
37
38. Na observação da própria UNIS, os números
demonstram que há escolaridade baixa, com muitos
adolescentes "alfabetos funcionais”: sabem ler, mas não
conseguem compreender e interpretar textos (como
destacaremos mais na frente, dentro do tema
EDUCAÇÃO ) o que demonstra a baixa qualidade da
educação.
DEMONSTRATIVO 4
QUANTIDADE DE ADOLESCENTES QUE CUMPREM
MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO POR
ATO INFRACIONAL.
ATO INFRACIONAL QUANTITATIVO
ROUBO 42%
HOMICÍDIO 27%
DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA 9%
FURTO 9%
TRÁFICO DE DROGAS 6%
OUTROS 7%
TOTAL 100%
Fonte: UNIS
38
39. Numa antiga casa residencial, em Vila Velha,
adaptada como sede da Vara da Infância e Juventude do
município, entrevistamos a Dra. Patrícia Neves, que
ocupa o cargo de juíza há 16 anos.Ela conhece bem a
relação do tráfico de drogas com as crianças, chama a
atenção para o número crescente de crianças e
adolescentes envolvidos com o crime no Estado e salienta
que a maioria deles é reincidente, ou seja, com passagem
anterior pela polícia. O dado mais relevante nessa
relação entre crianças e traficantes é o de que 90%
desse universo de pequenos infratores são usuários de
drogas. A juíza diz ainda que é cada vez mais comum ver
crianças de 10 e 11 anos nesse mundo das drogas e que as
idades tendem a diminuir. E faz um alerta: “até a justiça
é ameaçada. É preciso abrir os olhos agora...”
Qual é a relação que existe hoje entre a criança e o
adolescente e o tráfico de drogas?
Patrícia Neves: É uma relação que não é nova. A partir
do momento de que se divulgou uma falsa noção de o
adolescente não pode ser punido, o que não é verdade,
pois o Estatuto prevê punições; e no momento em que o
tráfico cresceu de uma forma desordenada até, a
criança e o adolescente foram utilizados como mão-de-
obra barata e facilmente reposta. Há uma questão muito
interessantes, por exemplo: o tráfico não permite a
entrada de determinadas drogas em algumas regiões, por
se tratar de drogas altamente letais, que matam muito e
39
40. com muita rapidez. Como o menor é substituído na cadeia
hierárquica do tráfico com muita facilidade, há muitos
anos ele é utilizado de forma desumana.
Eles são substituídos por que, em que situação?
Patrícia Neves: Eles morrem, são assassinados. Temos
situações já comprovadas em processos em que eles são
assassinados por uma dívida de 50 centavos.
Dívidas com o tráfico...
Patrícia Neves: Sim, com o tráfico. Eles morrem com
muita facilidade. Muitos simplesmente desaparecem;
muitos nós não temos a comprovação da morte, mas
estão desaparecidos, e muitos morrem em razão dos
problemas de saúde que a droga cria, o que é bem
comum.
Como o tráfico recruta esses menores?
Patrícia Neves: Ele recruta até na porta de escolas.
Oferece inicialmente doces, balas, brinquedos. E depois
criam dependência. Essa dependência está acontecendo
mais cedo, com sete, oito anos. O tráfico também
recruta em praças, ruas, festas. No momento em que
você transforma aquela criança ou adolescente em
dependente, ele entra naquela instituição criminosa, pois
40
41. precisa vender a droga para conseguir obter a droga que
vai utilizar.
Qual seria faixa de idade em que a criança ou
adolescente entra nesse mundo?
Patrícia Neves: Nós colocamos a situação dos aviões.
Temos os olheiros – crianças menores, de sete e oito
anos, que ficam vigiando a chegada da policia, do Juizado
ou de instituições que combatem o tráfico etc.
E aviões a partir de dez anos de idade, com qualquer tipo
de drogas.
E como é a relação dos traficantes que recrutam
essas crianças com as famílias delas?
Patrícia Neves: Nós temos tido situações em que
famílias que são maltratadas pelos traficantes, são
extremamente amedrontadas. Elas têm de vender tudo
para pagar dívida. Famílias que tem de abandonar suas
casas e entrar no programa de proteção porque são
ameaçadas.
E temos casos de famílias que são coniventes, que não se
importam com a entrada desse dinheiro ilícito na receita
familiar.
41
42. Como assim, como funciona isso?
Patrícia Neves: Sabem que os filhos estão praticando
esses crimes. E muitos pais que podem ser também do
tráfico e da vida criminosa, são sustentados, vivem com
aquele dinheiro.
Existe de alguma maneira uma proteção, isto é, o
menor de certa maneira se sente protegido pelo
tráfico?
Patrícia Neves: É uma relação estranha. No tráfico ele
encontra um princípio de autoridade que ele já não vem
encontrando em casa: de impor regras, limites, é uma
relação desvirtuada, promíscua. Ele se sente protegido
sim, uma proteção que ele não tem no seio familiar dele,
uma atenção.Temos a questão de casos de crianças ou
adolescentes que entram para o crime para pertencer a
um grupo social. Eles têm essa necessidade.
Dá status...
Patrícia Neves: Sim, para eles dá status. Um falso
status para nós, que estamos do outro lado, combatendo
esse mal, mas para eles dá status.
42
43. Está aumentando o envolvimento de crianças com o
tráfico de drogas?
Patrícia Neves: Está. Lamentavelmente tem aumentado,
até porque a gente tem de partir do principio de que o
uso do álcool leva muito facilmente ao mundo das drogas
ilícitas e é socialmente aceito. Então as famílias se
insurgem contra o Juizado quando ele faz a apreensão de
seus filhos, não uma apreensão no sentido infracional,
mas para entregar seus filhos em casa quando eles
estavam fazendo uso de bebidas alcoólicas em festas. As
famílias reclamam e perguntam se nós não temos mais
serviço, mais o que fazer, quando nós sabemos que esse
uso constante do álcool vai levar ao uso das drogas
ilícitas, é um encadeamento das coisas.
Essas crianças envolvidas têm noção do risco de
morte ou a morte já estaria sendo banalizada?
Patrícia Neves: Que a morte foi banalizada, isso é
evidente, pois a violência foi banalizada. Não há o que
discutir. Eu diria que ela tem ciência do risco da morte,
porque o entendimento da morte para a criança e o
adolescente é diferente do entendimento para nós
adultos. A criança e o adolescente têm uma visão da vida
diferente de nós. Eles têm ciência do risco, mas não a
noção real daquele risco, até porque é uma característica
43
44. do adolescente achar que as coisas só acontecem com os
outros, não com eles. É o caso das drogas, da morte, da
gravidez, das doenças sexualmente transmissíveis que as
próprias drogas trazem. Então, ele tem essa noção de
que acontece com o outro. Agora, um ser humano em
formação de personalidade, que não tem a maturidade
suficiente, ele tem ciência de que pode morrer, mas ele
não entende realmente a dimensão do que seja isso..
Como é a relação que vocês tem com os pequenos e
grandes traficantes? Quando a Justiça se envolve,
quando alguém é chamada à sala de audiência, como é
essa relação?
Patrícia Neves: A não ser que venha com crime de
violência contra a pessoa, já de uma forma inadaptável da
ressocialização, a nossa tentativa é sempre através de
medidas de meio aberto. Sempre buscamos o tratamento
de desintoxicação e do acompanhamento da família. Nós
temos uma dificuldade muito grande, pois não temos
locais no Estado para tratamento de desintoxicação. Em
alguns municípios há tratamento ambulatorial, mas uma
grande parcela dos nossos casos depende de internação.
E não temos como fazer isso. O nosso Juizado é o único
no Estado que tem um setor específico para usuário
dependente de drogas. Mas nós temos problemas
constantemente. Há uma demanda por semana de 20
44
45. pessoas que precisam de internação e não temos esse
local.
O nosso atendimento inicial objetiva o tratamento, a
ressocialização e o acompanhamento da família.
Vocês já chegaram a sofrer alguma ameaça na sala
de audiência?
Patrícia Neves: Não só nas salas de audiência, em
qualquer setor do Juizado. E não é só no Juizado.Isso é
constante. A gente vê que está havendo, até por um
afrouxamento dos valores sociais, essa perda de
sensação de autoridade. Seja do Estado, da família, dos
mais velhos, ou da própria Igreja, que está sendo
assaltada...
O Juizado não tem a prerrogativa de ser o único a
receber esse tipo de postura.
A senhora pode lembrar algum caso em que houve uma
ameaça?
Patrícia Neves: Já tivemos informação de que
traficantes adultos - e foi descoberto pelo Serviço de
Inteligência que faz esse monitoramento constante junto
ao Poder Judiciário, - tentariam invadir o Juizado para
arrebatarem menores, mas graças a Deus temos uma
proteção policial muito boa.
45
46. É comum o caso de família que se apóia no tráfico e
ameaça chamar traficantes para liberar os filhos da
Justiça?
Patrícia Neves: Dentro da sala de audiência não. Já
aconteceu isso com relação aos demais funcionários do
Juizado. Existe o respeito à figura do Juiz e nós também
exigimos esse mesmo respeito em relação ao
serventuário. E é lógico que quando há essa ameaça as
pessoas são encaminhadas para abertura de inquérito, já
que ameaça é um crime previsto em lei. Mas não acontece
só conosco, as denúncias mais graves dizem respeito às
áreas de Saúde e Educação, onde esses profissionais
são ameaçados. Temos de olhar a preservação da vida
desses funcionários que trabalham com o público, e em
áreas tão importantes quanto essas.
Então é comum a família se apoiar no poder do
tráfico para conseguir coisas?
Patrícia Neves: É sim, fazer ameaça, dizendo que se não
conseguir isso vai chamar o traficante para resolver a
situação... Lamentavelmente isso tem se tornando normal.
46
47. Como a senhora resumiria essa situação em que as
crianças são praticamente adotadas pelo tráfico de
drogas?
Patrícia Neves: Eu resumiria da seguinte forma: a
sociedade, o Estado, nós precisamos abrir os olhos de
que a área da Infância e da Juventude é a base da
pirâmide. Se ela não for bem trabalhada, se não houver
condições de trabalho aqui, nós vamos chegar aos
problemas que já vemos hoje na atualidade. O Sistema
Prisional tem um número enorme de presos com 18 a 25
anos.Temos o problema de mortalidade nesta idade,
então, a base, o investimento preventivo tem de ser
feito aqui. Nós não sabemos o que vai ser da sociedade
no futuro se não for feito um investimento em todos os
profissionais, das diferentes áreas, para estimularem
nessas crianças e adolescentes a ingenuidade e o direito
de serem crianças e adolescentes.
E o que a senhora acha que os gestores públicos
devem fazer?
Patrícia Neves: Devem debater a necessidade das
políticas não emergenciais de combate às situações de
crise, como é o caso do tráfico de drogas. Devem cuidar
da implantação de políticas que valorizem a família e a
convivência social pacífica e respeitosa, para que nós
tenhamos condições e ambiente que permitam tirar a
criança e o adolescente das mãos do tráfico.
47
48. Essa é a principal forma de abordar esse assunto?
Patrícia Neves: Acho que sim. Nós já temos a legislação
para penalizar. Nós temos de ter, também, mecanismos
para prevenir. Legislação para penalizar, mecanismos
para penalizar nós temos. Não temos é mecanismos para
prevenir e tratar. E é isso é que é necessário.
E isso é pouco discutido?
Patrícia Neves: A área da Infância não é muito
discutida, pois ela é muito polêmica. É uma área que traz
diversas reações. Já a área da Segurança vai ser muito
discutida mas vão se esquecer que para que haja
diminuição da insegurança, é necessário que se cuide da
criança e do adolescente.
O que a senhora espera?
Patrícia Neves: Eu gostaria, depois de tantos anos nesta
área, que nós tivéssemos mecanismos para cuidar. São os
abrigos – para aquelas crianças e adolescentes que não
têm vínculo familiar ou cujas famílias vivem da sua vida
criminosa. Locais de tratamento para internação e os
programas para acompanhamento e orientação de
famílias.Está certo? Se tivermos a condição de criarmos
recursos e escolas de atendimento em tempo integral
48
49. podem ter certeza de que muita coisa vai melhor, muita
coisa pode ser feita.
Isso é prioridade?
Patrícia Neves: Eu considero prioridade para a
sociedade. Não existe um país sem futuro e as crianças e
adolescentes são o futuro.
E hoje...
Patrícia Neves: Hoje a gente não vê perspectiva de
futuro com esse crescimento da utilização de crianças
pelo tráfico.
49
50. Doutora em Psicologia Social e professora da UFES,
Edinete Maria Rosa trabalha com crianças de rua há 20
anos, com foco na violência. Nesse tempo ela acompanhou
uma significativa mudança no imaginário das crianças da
periferia: “há tempos a gente via muita criança brincando
de polícia e ladrão e todas desejavam ser o policial,
todas brigavam por este posto. Hoje em dia o posto mais
desejado é o do bandido, que é visto como o de maior
poder...”
Para essa entrevista, a professora nos recebeu em seu
apartamento, na Praia do Canto, com vista para o morro
São José, em Vitória, onde também atua.
Como é essa relação do tráfico de drogas com as
crianças e adolescentes?
EDINETE ROSA: Cada vez com mais freqüência o
tráfico captura um adolescente ou uma criança mais
nova. A gente vê que crianças bem pequeninas de três e
quatro anos já reconhecem uma droga. E outras, de nove
e oito anos, já tem contato com o uso das drogas. Não só
o contato na casa, na região, mas já usam essa droga. E
cada vez drogas mais pesadas, não é? Há vinte anos a
gente andava no centro de Vitória, nas ruas de Vitória e
encontrava crianças que cheiravam cola de sapateiro.
Hoje crianças na mesma idade são usuárias de drogas
ilícitas mais pesadas, vamos dizer assim.
50
51. E também atuando no tráfico?
EDINETE ROSA: Um pouquinho maior, onze, doze anos,
já atuando no tráfico. Primeiro como ajudante, como
aprendiz, e depois assume o posto cada vez mais elevado.
Qual a vivência da senhora com crianças que fazem
parte dessa realidade?
EDINETE ROSA: A vivência é principalmente com
crianças que hoje são adolescentes, que iniciaram com o
uso de drogas, depois com o tráfico de drogas e hoje
estão cumprindo medidas sócio-educativas.
A senhora esteve pesquisando sobre essas crianças na
UNIS?
EDINETE ROSA: Em liberdade assistida e também em
privação da liberdade que seria o caso da UNIS. Um
contato direto com todas as crianças.
E o que estas crianças dizem? Porque elas foram por
esse caminho?
EDINETE ROSA: São várias as motivações. Aqueles que
já tem uma família e têm filhos, justificam pela
necessidade financeira. Outros pela facilidade com que a
droga veio. Muitos ingressaram no tráfico de drogas já
trabalhando e isso é um dado muito importante porque a
51
52. gente pensa que o tráfico captura as crianças que estão
a toa. Não é verdade isso. Os adolescentes ingressam
muito cedo no mercado de trabalho só que são trabalhos
mal remunerados e com pouca ou nenhuma qualificação,
como ajudante de pedreiro, entregador de revista... A
esse adolescente é oferecida uma oportunidade “melhor”
de trabalho. Eles vêem isso como trabalho também.
O que a senhora descobriu nesse contato com as
crianças?
EDINETE ROSA: Elas consideram que o tráfico
ofereceu algo melhor do que a sociedade oferece. É uma
oferta muito mais interessante apesar de todo o risco
que o adolescente sofre e ele sabe que sofre. Mas
mesmo assim ele acha que vale a pena porque passa de
um ganho de trezentos a trezentos e cinqüenta reais
por mês para dois mil reais.
E eles não se arrependem disso?
EDINETE ROSA: De forma alguma, não se arrependem.
Mesmo sabendo que a vida deles corre risco?
EDINETE ROSA: Eles têm essa noção até pelo número
de adolescentes que contam dos colegas que já foram
mortos. No depoimento deles a morte é uma coisa muito
52
53. presente. Eles falam de um grupo imenso de
adolescentes ao redor que já foram mortos.
Como eles se identificam nessa relação entre polícia e
ladrão?
EDINETE ROSA: As crianças quando vão brincar elas
captam as representações que existem na sociedade. Há
tempos atrás a gente via muita criança brincando de
polícia e ladrão. E todas desejavam ser o policial, todas
brigavam por este posto. Hoje em dia o posto mais
desejado é o do bandido, que é visto como o de maior
poder, maior destaque, o que tem os mais fortes meios
de domínio sobre o outro.
De alguma maneira o papel do bandido ganhou status?
EDINETE ROSA: Ganhou status, passou a ter um valor
maior que o do policial.
Como a senhora acha que esse assunto deva ser
tratado pelos gestores públicos?
EDINETE ROSA: Deve-se pensar num Programa de
Governo que valorize as políticas protetivas, adote
integralmente o Estatuto da Criança e do Adolescente,
traga diretrizes para o atendimento da criança.
Trabalhando nas políticas protetivas, consequentemente
as ações sócio-educativas não precisarão ser tão
53
54. aplicadas. As crianças precisam ter garantidas as
condições para o seu desenvolvimento saudável, seguro.
Dentro de uma sociedade que acolha a criança por suas
virtudes e não uma sociedade, um Governo que pense na
criança como um traficante em potencial. As políticas
devem ser direcionadas para aquilo que a criança traz de
bom, suas possibilidades de desenvolvimento.
Em outras palavras, o que deve ser feito na prática?
A senhora não defende punição para a criança
envolvida com o tráfico?
EDINETE ROSA: Deve ser feita uma política séria para
a criança e o adolescente que atenda desde às
necessidades básicas como educação, alimentação e
saúde até a aplicação de uma medida sócio-educativa.
Nessa gama de possibilidades ter uma política
direcionada às realidades locais, para a cultura da
criança, que valorize o seu espaço, o seu ambiente, a sua
escola, para que a gente não tenha crianças que precisem
de meios de transgressão para ser aceita na sociedade,
como acontece com o tráfico de drogas. Um dos motivos
que os adolescentes colocam é que eles queriam comprar
um tênis de marca, queriam comprar uma bermuda
“Ciclone”. Eles tem conhecimento dessas marcas que são
valores na sociedade, até mesmo porque isso é divulgado
pela mídia à todo momento. O apelo ao desejo é igual
para todo mundo.
54
55. Como se resolve isso?
EDINETE ROSA: Com a valorização de todas as formas
de viver, com todas as escolas sendo valorizadas de igual
forma. É pensar numa política que dê aquilo que o
Estatuto traz de mais importante e que não é aplicado: o
protagonismo social. É fazer da criança um sujeito de
direito, um cidadão de direitos. Isso significa dar voz à
ele para dizer “é essa política que eu quero, o
atendimento que eu quero”. Não uma política para o
jovem, mas com o jovem, não para a criança, mas com a
criança.
De maneira objetiva, o que a senhora gostaria de
ouvir dos políticos?
EDINETE ROSA: Ah, eu já ouvi isso de tantos e não
fizeram... Eu queria ouvir que a criança e o adolescente
fossem prioridades no governo dele e já demonstrasse
em seu Programa o que ele vai fazer, como vai traçar
essa política. Para ver se o seu Programa para o setor
ainda vai trazer como fundamento o antigo Código de
Menores ou se ela já traz essas concepções que são mais
libertadoras. Que são mais revolucionárias no sentido de
mudar um pouco a realidade, para que essa criança tenha
a importância que merece ter.
55
56. Mas o que pode ser exeqüível, pode se feito de
imediato, que leve a senhora a acreditar?
EDINETE ROSA: Por exemplo, um investimento
considerável nas Políticas básicas como Saúde e
Educação para a criança. Com um atendimento que
comece no pré-natal. Uma política séria direcionada para
a família, não só de renda, mas uma política social, o que
é imprescindível. Por exemplo, o número de crianças que
saem de casa por violência é muito maior que o número
de crianças que saem por problemas financeiros. Quer
dizer, falta o pão, mas se tem o carinho a criança está lá.
Mas se há violência, desrespeito, não só para com ela,
mas violência entre o casal, a criança não fica. Então,
precisamos de uma política que enfrente essa violência,
dando condições e oportunidades para que essa família
pense as suas relações. Não existe manual para se criar
um filho. Pensa-se que é algo natural, mas não é. Já vi
teses sobre a violência conjugal e crianças que convivem
com essa violência. E os governos ainda não se deram
conta que a violência da casa não é uma questão só
familiar.
A senhora acredita, então, que uma ação de
assistência poderia reduzir o risco de uma criança
ser “adotada” pelo tráfico de drogas?
EDINETE ROSA: Acho que sim. Não transferir a
responsabilidade para família, mas assistir a família que
56
57. precisa. O que é totalmente diferente de eu culpar um
pai ou uma mãe quando a criança vai para o tráfico de
drogas. Dar assistência e apoio à esta família naquilo que
ela precisa para que essa criança fique em casa.
Há necessidade de novas leis?
EDINETE ROSA: Acho que não.
Esse assunto vem sendo tratado com seriedade?
EDINETE ROSA: No papel sim. No papel temos coisas
fantásticas falando sobre a violência. Agora, os
programas em si, ainda são muito incipientes. Há pessoas
que dizem que já há muitos programas. Em 2004 foi feito
um pacto nacional para a questão da violência sexual. Mas
não é só a violência sexual, temos de pensar na violência
física e na violência psicológica também.
Nestas pesquisas que fez, que situação lhe chamou
mais a atenção?
EDINETE ROSA: Quando a gente visita as famílias a
gente vê as crianças bem cedo convivendo com o cheiro
das drogas. Ao invés de reconhecer o cheiro do leite,
reconhece o cheiro das drogas. Isso é muito
preocupante. Isso naturaliza o uso da droga, e nós
adultos é que somos os responsáveis.
57
58. DESAFIO 3
CONSULTAS MÉDICAS
Quando está doente, o que uma pessoa menos
deseja é sair do lugar, fazer esforço. Ela precisa de
atenção, carinho, cuidado e rapidez no atendimento. Na
Rede Pública de Saúde, as consultas com médicos
especialistas oferecem o contrário disso: filas pela
madrugada na porta de Postos de Saúde, corredores
lotados de doentes nos hospitais, pacientes sendo
atendidos no chão por falta de macas...Trata-se de um
problema com várias origens, independente do lugar no
País em que o problema esteja presente. As origens vão
do evidente descaso com as camadas mais pobres da
população (também penalizadas em várias outras
demandas sociais, como sabemos), ações mais voltadas
para a cura do que para a prevenção, deficiência nos
atendimentos básicos, prioridades orçamentárias, gestão
do dinheiro público, corrupção e até mesmo a falta de
conhecimento por parte da população em relação às
regras que estabelecem diferenças entre atendimentos
de urgência, emergência e saúde básica. Na dúvida para
onde ir, ou já sabedores do que irão encontrar no
atendimento básico, todos querem hospitais e médicos
especialistas.
No dia seis de outubro de 2006, no Pronto
Atendimento de Itacibá, em Cariacica, um aposentado
morreu durante o atendimento. Motivo: uma sobrecarga
58
59. na rede elétrica do Posto impediu o funcionamento de um
desfibrilador (aparelho de socorro que produz um choque
para reativar o coração) e o mais grave (se fosse possível
ser mais grave do que a própria morte) é que os
funcionários já haviam alertado seus superiores sobre o
problema. A Imprensa mostra diariamente a gravidade
da situação: pessoas que vão para a fila da Unidade de
Saúde à noite para garantir uma ficha no dia seguinte.
Quando conseguem, a ficha não é para uma consulta
imediata. Dependendo da especialidade requerida, a
consulto com o médico pode levar meses. E se o problema
é grave, como fica? A resposta pode ser encontrada nos
dias da consulta marcada: muitas vezes o paciente não
aparece. O motivo pode ser a desistência, a substituição
por outra forma de atendimento ou até mesmo pela
morte prematura do paciente, devido ao agravamento da
doença não tratada a tempo. Outra conseqüência que a
demora provoca é a superlotação dos hospitais. Sem ter
como esperar pela consulta e vendo a evolução do
problema, esse paciente acaba tendo de parar num
corredor de hospital lotado.
Na Rede Pública existem vários níveis de
atendimento. Da saúde básica, prestada pelos municípios,
ao atendimento com o médico especializado, o que é
função do Estado. Paralelamente a essas faixas, temos
os atendimentos de urgência e emergências nos pronto-
socorros que, apesar dos corredores lotados, ainda têm
se mostrado menos problemático do que as consultas com
os especialistas. Quando um paciente entra num hospital
59
60. com um problema realmente grave, ele pode até ficar no
corredor, mas será atendido. Basta ver os casos de
acidentes de trânsito. Assim que chegam ao hospital de
referência, o São Lucas, em Vitória, os acidentados são
imediatamente atendidos e tratados. Já para os casos
não urgentes, o procedimento correto indicado, começa
na Unidade Básica de Saúde da rede municipal. Lá, são
tratadas (ou deveriam ser) as doenças mais simples e
feita uma triagem dos casos mais complexos. Do Posto de
Saúde é feito o encaminhamento, quando é o caso, para o
Conselho Regional de Especialidades- CRE, que oferece
consultas para cardiologista, dentista, neurologista,
endocrinologista e reumatologista entre outros. E aí está
o drama: dia ou noite, a espera por uma consulta pode
levar meses. Mas o sofrimento é imediato.
60
61. O especialista em saúde pública, Francisco José Dias,
nos recebeu em seu gabinete, em agosto de 2006. Com
23 anos de medicina ele sempre atuou na saúde pública,
onde atualmente ocupa o cargo de Subsecretário
Estadual de Saúde. Nessa entrevista, em que fala como
profissional e não pela Instituição, aponta caminhos para
o problema das filas na marcação de consultas, mas
ressalta que essas soluções são paliativas. O que ele
defende é a mudança de foco no Sistema Público de
Saúde no Brasil, com maiores investimentos na Atenção
Básica da Saúde, caminho que nos remete aos melhores
exemplos mundo afora.
Qual a avaliação que o senhor faz do drama das
pessoas que passam horas nas filas para depois ter
de aguardar meses pela consulta com o médico
especialista na Rede Pública?
Francisco José Dias: As consultas especializadas, em
algumas áreas, ainda têm demanda reprimida por fatores
diversos. Envolve, por exemplo, o processo de formação
dos nossos especialistas. O que existe hoje ainda é um
centro de formação aleatório, com cada faculdade
escolhendo as áreas onde ela vai abrir vagas para
especialidades. Não há ainda um gerenciamento forte do
Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, para
definir o perfil de especialistas que a gente precisa no
Sistema. Tem um outro fator que é o próprio mercado de
61
62. trabalho. Algumas especialidades garantem ao
profissional uma melhor condição. Aí ele não assume uma
atividade no serviço público porque não sente
necessidade disso na sua formação profissional ou
complementação salarial. Isso é evidente quando se faz
concurso público para determinadas especialidades. A
gente oferece vagas em quantidade mas não consegue
ocupar todas.
Explique melhor: os médicos não precisam ou não
querem trabalhar na Rede Pública?
Francisco José Dias: Não é que os médicos não queiram.
Existe uma realidade do mercado. Em outros Estados, a
gente sabe que pelo fato de haver uma oferta maior de
profissionais em determinadas áreas não há
estrangulamento. Nós estamos falando de uma realidade
regional, aqui no Espírito Santo. Algumas especialidades
têm um mercado muito peculiar, muito próprio. Apesar da
média salarial do País ser igual, você vai ver que em
determinados Estados, por ter um número maior de
especialistas, o Sistema Público consegue absorver estes
profissionais. Há outros que têm escassez. Os
profissionais conseguem sobreviver na iniciativa privada
e não estão receptivos a assumir um emprego público.
62
63. O senhor acha que há necessidade de mudanças no
Orçamento destinado à Saúde Pública?
Francisco José Dias: Tem outras variáveis, além dessa
questão do mercado. A área que a gente chama de Média
Complexidade, onde estão os procedimentos de consultas
e exames especializados, é hoje a área menos financiada
em termos de recursos públicos. A tabela do SUS
remunera os procedimentos nessas áreas com valor
considerado baixo. Isso desloca do Sistema de Saúde,
por exemplo, os Hospitais Filantrópicos, que acabam não
oferecendo procedimentos nessa área, porque
consideram que estes valores de remuneração são
insuficientes. Essa tabela é nacional, estabelecida pelo
Governo Federal, e há um movimento muito grande de
diversos atores políticos, representantes de hospitais
filantrópicos, Secretários Estaduais e Municipais de
Saúde, para que se possa fazer uma revisão dessa tabela
e torná-la do ponto de vista da remuneração do
profissional e do prestador de serviço mais atraente.
Então, existe sim uma questão de financiamento do
Sistema para garantir a oferta desses procedimentos
especializados. A gente tem dados dos últimos cinco anos
aqui no Espírito Santo, mostrando que a oferta de
consultas especializadas aumentou em 30% tanto em
nível de Estado quanto de Município. Nesse período a
população não deve ter crescido mais do que 10%. Apesar
dessa ampliação da oferta, e de hoje as consultas
especializadas representarem cerca de 30% do total de
63
64. consultas oferecidas no Estado, ainda há estas filas.
Isso demonstra que a gente tem ainda uma baixa
resolutividade na atuação da Atenção Primária. O
esperado é que os generalistas tivessem condições de
resolver até 85% dos problemas. Isso não está vinculado
só à competência do médico mas também às condições
dadas para que ele resolva os problemas lá no Município,
como o acesso à exames e outro procedimentos para que
ele possa ter resolutividade. Esse é o enfrentamento que
tem que acontecer: melhorar a qualidade da Atenção
Primária, tanto do ponto de vista da formação
profissional quanto dos recursos tecnológicos para que
menos pessoas precisem ser encaminhadas ao
especialista.
Essas questões poderiam representar uma mudança
imediata no quadro que relatei no início dessa
conversa, das pessoas que dormem na porta das
Unidades aguardando uma ficha?
Francisco José Dias: Na verdade o País tem uma dívida
social muito grande com a nossa população. O Brasil tem
um volume muito grande de excluídos. A Saúde,
curiosamente, sofre essa pressão por ser um dos poucos
Sistemas Públicos em que a porta está permanentemente
aberta. Boa parte das demandas que entram no Sistema
Público de Saúde, e que fazem parte dessa sobrecarga,
advém de problemas sociais. Há dados da literatura
mundial que demonstram que os Serviços de Saúde são
64
65. responsáveis por no máximo 30% dos problemas de saúde
de uma população. E que 70% advém de outros processos
sociais como Educação, Bem Estar Social, Saneamento
Básico, Habitação etc, ou seja, estão fora do âmbito do
Serviço de Saúde. E que essas deficiências que a gente
ainda têm na sociedade para superar, acabam
sobrecarregando e gerando uma pressão imediata no
Serviço de Saúde, devido ao adoecimento maior da
população.
O que o senhor acha que os políticos devem debater
em relação a essas necessidades da Rede Pública de
Saúde?
Francisco José Dias: Eu não tenho dúvida nenhuma de
que o foco, e isso está demonstrado historicamente em
todos os países do mundo que tem bom Sistema de
Saúde, deve estar na dedicação prioritária na
organização da Saúde Primária. Se a gente não conseguir
construir no País, um Sistema Público com atenção
Primária forte, capaz de resolver problemas e que a
população acredite nessas Unidades Básicas de Saúde
como um lugar que ela vá e tenha seus problemas
resolvidos, a gente não consegue superar os problemas
que enfrenta hoje: superlotação de hospitais, de algumas
especialidades com demanda reprimida... Porque é a
Atenção Primária que vai ordenar esse Sistema.
65
66. E como se consegue isso?
Francisco José Dias: Desde a formação profissional de
médicos, enfermeiros, dentistas, eles tem que ser
preparados para lidar como generalistas no atendimento
à população. É uma prática profissional totalmente
diferenciada e que não é ensinada hoje nas escolas
médicas. De atendimento em longo prazo, preparação
para acompanhar pacientes de forma crônica, o trabalho
em equipe, a responsabilidade sanitária do profissional
para uma determinada população, como grupos de família,
isso tudo são inovações que ainda não fazem parte da
rotina da formação dos profissionais de Saúde. E, quem
já está no exercício, os profissionais que estão no
Sistema hoje, tem que ser requalificados pelo Poder
Público. Isso permitirá que estes profissionais se
adaptem aos novos tempos e possam exercer a atividade
deles nestas Unidades de Atenção Primária.
Há ligação desse problema com a superlotação dos
hospitais e prontos-socorros?
Francisco José Dias: Não há dúvida nenhuma. A gente
pode ter soluções imediatas, a população tem demandas
de curto prazo que precisam ser sanadas. E você pode
ter incrementos na oferta de atendimento hospitalar,
oferecer maior volume de exames... Mas todas essas
soluções são paliativas. Nenhum Sistema de Saúde no
mundo conseguiu sobreviver e ser resolutivo centrando a
66
67. atividade dele em procedimentos especializados e
atividade hospitalar. E o Brasil seguiu essa trajetória,
infelizmente. Da metade do século passado para cá, todo
o incremento foi dado à rede hospitalar e procedimentos
especializados. E muito pouco se cuidou da Atenção
Primária. Essa reversão começa só na década de 90 com
a municipalização e com a implantação estratégica da
Saúde da Família.
O senhor propõe uma reversão desse tipo de
pensamento para as novas administrações?
Francisco José Dias: Sem dúvida nenhuma. Quem tem a
responsabilidade de gestão pela frente, tem que ter em
mente que, por mais que se necessite de investimentos
em curto prazo para qualificar a rede hospitalar etc -é
preciso, a população precisa desse serviço - a gente tem
que ter uma visão estratégica de que essa mudança e a
reorganização do Sistema de Saúde só se dará com uma
Atenção Primária resolutiva. Tem que ser um foco de
preocupação da gestão pública.
E o cidadão tem como interferir nas políticas para a
Saúde Pública?
Francisco José Dias: A participação do cidadão na
Saúde tem espaços que vão muito além do momento
eleitoral. Existem fóruns permanentes. Hoje quase todos
os Serviços de Saúde têm seus colegiados de gestão com
67
68. representação comunitária. Os Conselhos de Saúde são
espaços de participação. Então, acho que a mudança do
nosso processo de Saúde da população vem também da
construção da cidadania. Se as pessoas tiverem menos
expectativa do Estado como provedor que dá as coisas,
se sentirem mais cidadãos, participarem e lutarem mais
nesses fóruns que estão abertos, no dia-a-dia, a gente
pode discutir melhor a política pública, construir coisas
resolutivas e cobrar os resultados de quem tem a
responsabilidade de administrar os recursos.
E essa discussão tem que ser assimilada pelos
políticos também?
Francisco José Dias: Com certeza, está aí também essa
questão do controle social e da participação no Sistema
Público de Saúde com seus instrumentos públicos que são
esses Conselhos e Fóruns de participação. Temos de
valorizar essa condição do cidadão mais como sujeito do
seu processo, de cuidar da sua saúde e menos paciente
(no sentido da passividade) do Sistema de Saúde. Acho
que a gente tem que ter o indivíduo participando e
dizendo, realmente, o que ele quer da Saúde. Não tenho
dúvida de que os políticos devem colocar esses pontos em
discussão. Entendo que a gente está vendo apenas a
ponta de um iceberg. E que cada fila, cada demanda
reprimida esconde por trás dela uma necessidade de
organização do Sistema de Saúde. Então, as visões não
podem ser só imediatistas. Temos de ter o foco no
68
69. sofrimento imediato da população, buscar a solução para
aquele problema, mas ter a capacidade de fazer essa
reflexão de que é preciso construir uma nova prática de
Saúde também.
69
70. Fernando Costa, médico há 25 anos, é especialista em
Pediatria e Medicina do Trabalho. Atua no Conselho
Regional de Medicina dede 1998. Atualmente é o seu
Presidente. Nessa entrevista, ele dá ênfase às questões
sindicais como salários e concursos –vistas como
propostas para redução do problema - e ressalta que,
com os salários atuais os médicos preferem ficar em
seus consultórios. Daí a falta de especialistas na Rede
Pública.
Qual a avaliação que o senhor faz dessa dificuldade
para se marcar uma consulta com um médico
especialista na Rede Pública?
FERNANDO COSTA: Essa é uma questão difícil para a
população, porque uma consulta especializada muitas
vezes demora meses, e quando se consegue, esse
paciente ainda leva quase um ano para fazer o exame
especializado caso o médico o solicite.
E qual a conseqüência dessa lentidão, dessa
dificuldade?
FERNANDO COSTA: A conseqüência é que a doença vai
agravando, a doença não espera. Como demora o
atendimento, demora o exame, esse paciente
automaticamente procura os prontos-socorros.
Precisamos de novos Centros de Especialidades em
parceria com os Municípios e que tenham resolutividade.
70
71. O médico que está lá tem que ter condições de trabalho,
e condições de fazer os exames que pede. Isso vai
ajudar a diminuir o fluxo de atendimento nos hospitais
públicos.
Como um especialista na área, o que o senhor acha
que deva ser feito pelas autoridades do Setor?
FERNANDO COSTA: Aumentar o investimento na
Saúde Pública; acabar com os contratos temporários,
porque são contratos precários, instituir o concurso
público e pagar um salário digno ao médico porque os
salários estão muito baixos.
Quanto ganha em média?
FERNANDO COSTA: No Estado está em torno de mil e
trezentos reais por 20 horas. É muito baixo. Para ter um
salário digno, o médico deveria ganhar igual ao que
ganham os magistrados, em torno de quinze a dezesseis
mil reais.
A proposta do senhor, então, é pela criação de novos
Centros de Especialidades e melhores salários para os
médicos...
FERNANDO COSTA: E condições de trabalho. Por
exemplo, existem poucos especialistas na Rede. Então
para ele se fixar lá tem que ter boas condições de
71
72. trabalho com equipamentos apropriados, exames
especializados...
O CRM tem percebido que os médicos não estão
querendo trabalhar na Rede Pública?
FERNANDO COSTA: Não é que não estejam querendo.
As condições de trabalho e os salários é que não são
atrativos. O médico acaba preferindo ficar no
consultório onde tem mais retorno.
O senhor acha que o orçamento destinado atualmente
à Saúde Pública deva ser ampliado?
FERNANDO COSTA: Já existe um projeto tramitando
no Congresso definindo um recurso fixo para a Saúde. A
União com 10% das receitas correntes, os Estados com
12% e os Municípios com 15%. Isso no mínimo. Mas acho
que deveria ser mais, em torno de 20% para os Estados e
25% para os Municípios.
O que é aplicado hoje no Espírito Santo é pouco?
FERNANDO COSTA: Já melhorou, era muito menos.
Mas precisa avançar mais. *
*O Espírito Santo, atualmente, aplica o mínimo definido
pela Constituição que é de 12%, segundo informação da
Secretaria Estadual de Saúde.
72
73. O senhor defende que o Estado compre serviços
particulares para complementar a Rede Pública?
FERNANDO COSTA: Sim, o Estado deve garantir a
Rede complementar, com os hospitais filantrópicos e
privados. Só os hospitais públicos do Espírito Santo não
atendem à demanda. Os filantrópicos, sozinhos, já
atendem a 70% dos pacientes do SUS **. Acho que tem
que ter essa Rede complementar.
Como Presidente do CRM como o senhor vê a situação
dessas pessoas que passam tanto tempo na fila,
muitas vezes tendo de dormir ao relento e nem
sempre conseguindo uma ficha?
FERNANDO COSTA: Eu vejo que essas pessoas estão
sofrendo humilhação e descaso. A população paga
impostos caros e tem o direito de ter um leito decente
nos hospitais e não ficar sendo atendida nos corredores.
Nós queremos o fim do atendimento médico à pacientes
nos corredores dos hospitais públicos.
**Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, os
filantrópicos atendem 70% das cirurgias eletivas. 90%
das urgências e emergências são atendidas nos hospitais
estaduais.
73
74. Há quanto tempo o senhor vê essa dificuldade na
Saúde Pública?
FERNANDO COSTA: Eu vou fazer 25 anos de formado.
Desde que eu entrei para trabalhar no Serviço Público,
nós estamos lutando para melhorar as condições de
trabalho, melhoria de atendimento à população e um
salário digno para o médico. Ou seja, em torno de 25
anos.
A cada nova eleição, o senhor – que é do Setor - tem
esperança que as coisas mudem?
FERNANDO COSTA: A esperança sempre existe
porque temos que pensar positivamente. E eu espero que,
como este ano os governos já estão aplicando pelo menos
o mínimo na Saúde Pública, possam, em breve, aumentar
o orçamento para área.
74
75. DESAFIO 4
REMÉDIOS DE ALTO CUSTO
É uma cena triste e rotineiramente repetitiva. É só
passar na porta das farmácias dos Centros Regionais de
Especialidade na Praça Costa Pereira, em Vitória ou na
Glória, em Vila Velha, além das farmácias municipais, e
ouvir as reclamações. Remédios de fornecimento
obrigatório por parte do Estado, do Governo Federal e
dos Municípios faltam nas prateleiras com muita
freqüência. E a cada vez que isso acontece, nasce um
drama: é um tratamento que corre o risco de ser
perdido, um transplante que pode caminhar para a
rejeição ou mesmo para o risco de morte. São
medicamentos de alto custo, tecnicamente chamados de
“excepcionais” que a maioria dos pacientes não tem
condições de comprar. Exemplos são os medicamentos
contra a Esclerose Múltipla, Hepatite, Alzheimer,
Parkinson, antibióticos de última geração, hormônio de
crescimento, artrites graves e colesterol alto.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o
Estado fornece aproximadamente 200 tipos de
medicamentos diferentes que atendem a 210.692
pessoas. Uma despesa, que só no primeiro semestre de
2006 chegava a R$ 50 milhões de reais. Até o ano
passado a despesa era menor: R$ 44 milhões durante
todo o ano, atendendo a 148 mil pessoas. A explicação
para o enorme crescimento da demanda é uma mudança
75
76. determinada pelo Ministério da Saúde: agora as
farmácias públicas são obrigadas a aceitar receitas
particulares. Apesar do elevado valor despendido, o
serviço prestado é insatisfatório. Passam-se os anos,
mudam os governos e continua o sofrimento de quem
depende dos remédios da Rede Pública.
Muitas vezes, a Justiça é acionada para garantir o
fornecimento do remédio. E nestes casos o Estado se vê
obrigado a fornecer remédios que nem mesmo fazem
parte da lista dos 111 itens padronizados pelo Ministério
da Saúde. Em agosto de 2006, o Espírito Santo estava
fornecendo 117 itens de alto custo comprados por
demandas judiciais e ofíciais, as chamadas “situações
especiais”, ou seja, um número de itens superior ao da
lista padronizada. Já as Prefeituras são responsáveis
pelo fornecimento de remédios de Atenção Básica, em
complemento ao atendimento prestado nos Postos de
Saúde municipais. A prefeitura de Vitória, por exemplo,
gasta de 4 a 5 milhões de reais por ano, oferecendo
remédios para pressão, diabetes, saúde da família,
Tuberculose, Hanseníase, antibióticos mais simples e
anticoncepcionais. Para 2007 haverá novo incremento no
montante de recursos para a compra de medicamentos
de Atenção Básica, passando o custo per capita/ano de
R$ 2,00 para R$ 3,65, num financiamento compartilhado
entre os governos municipais, estadual e federal,
conforme garantiu a Secretaria Estadual de Saúde. São
medidas para tentar reduzir o tamanho do problema.
76
77. A falta de medicamentos tem sido tema de constantes
denúncias através da imprensa. Alguns depoimentos
relatados entre o final de 2005 e 2006 dão uma amostra
do drama.
“Dona Alzira de Souza, pensionista, mora em
Cariacica e pega dois ônibus para chegar bem cedo à
farmácia do SUS na praça Costa Pereira. Ela buscava
remédio para colesterol alto, mas voltou para casa de
mãos vazias, mais uma vez”.
Mesma situação a do “aposentado Rômulo Campos,
de 73 anos, que precisava do medicamento Atorvastatina
que custa nas farmácias comerciais R$ 105,00”.
“A estudante Lorena Valentin tem Esclerose
Múltipla. Seus sintomas, no dia que procurou a farmácia
do SUS, eram dormência nas pernas e tremedeira nas
mãos. Alguns dias ela acorda sem enxergar. Esses
sintomas só aparecem em horas como essa, em que o
remédio está em falta. Seu medicamento, o Aorez, custa
R$ 5.000,00”.
“Marlon, de quatro anos, tem crises convulsivas e
corre risco de morte. O remédio custa mais de R$
300,00 a caixa. A falta do medicamento deixa a mãe,
naturalmente, desesperada”.
O mesmo problema tem o jovem “Vinicius, de 14
anos. Sem remédio, a crise convulsiva é diária. A mãe,
Carmem Thofoli, sente-se impotente diante da situação”.
“A merendeira Marilza de Souza Abreu saiu às 4
da manhã de Conceição do Castelo e chegou a Vitória às
77
78. 7. Veio em busca do Entropim, hormônio do crescimento,
de alto custo. Cada ampola, de uso diário, custa R$
150,00. Não há prazo para chegar o remédio. Ela volta
para a casa com o dia perdido e sem o remédio para o
filho”.
78
79. Luis Carlos Reblin é formado em Enfermagem pela
Ufes, especializou-se pela Escola Nacional de Saúde
Pública e concluiu mestrado na mesma área pela USP.
Além da formação acadêmica e da experiência prática,
tem grande conhecimento na gestão da Saúde Pública. É
Secretário de Saúde do município de Vitória e, há 27
anos, é funcionário de carreira da Secretaria Estadual
de Saúde onde desempenhou a função de
Superintendente de Ações de Saúde do Estado, entre
2003 e 2004, tendo sob sua gerência o planejamento da
distribuição de medicamentos de alto custo para as
farmácias do Centro Regional de Especialidades. Nessa
entrevista ele defende um novo modelo de compra para
os medicamentos e diz que a solução para o problema
depende menos de dinheiro e mais de gerenciamento.
Por quê falta remédio na Rede Pública com tanta
freqüência?
Luis Carlos Reblin: Principalmente porque há uma
deficiência quando nós estimamos a população que
precisa utilizar esses medicamentos. Não há como
calcular exatamente a quantidade de pessoas que utiliza
os medicamentos excepcionais.
79
80. Como é um problema que se repete há tantos anos,
por que não se tem essa estimativa e se garante esse
abastecimento permanente nos remédios utilizados?
Luis Carlos Reblin: Na verdade, nós temos um elenco
importante de medicamentos excepcionais. São mais de
220 itens. Agora, a população muda muito o seu perfil. As
doenças crônico-degenerativas, aquelas que acometem as
pessoas com avançada idade, elas estão se apresentando
cada vez com mais propriedade... São elas que vão definir
o nosso perfil epidemiológico daqui pra frente. Então, o
grupo de pessoas que precisa utilizar medicamento
excepcional cresce a cada ano e é difícil estimar esse
crescimento.
A falta dessa periocidicidade pode prejudicar
tratamentos e cirurgias já efetivadas?
Luis Carlos Reblin: A utilização do medicamento de
maneira continuada, principalmente para aqueles
pacientes que vão se utilizar para o resto de sua vida de
determinados produtos é essencial. A falta, a
descontinuidade da utilização do medicamento, traz
prejuízos sérios para a saúde dessa pessoa.
80
81. É um problema que merece uma atenção maior por
parte dos gestores públicos e dos políticos?
Luis Carlos Reblin: Com certeza, a utilização de
medicamentos por parte da população, merece uma
atenção especial por parte de todos os governantes. Uma
atenção para a utilização adequada, para a vigilância
sanitária sobre os medicamentos e também para a
utilização indiscriminada de medicamentos.
E o que deveria ser feito, qual a proposta do senhor
para resolver o problema da falta dos medicamentos?
Luis Carlos Reblin: Em primeiro lugar cada um tem que
definir qual é a sua base, qual o tamanho da população
local, e que tipos de medicamentos essas pessoas
precisam utilizar. Isso é feito através de uma relação de
medicamentos, uma relação -municipal ou estadual- de
medicamentos. Isso requer a reunião de especialistas
para discutir quais são as doenças que mais afetam as
pessoas, que tipos de medicamentos resolvem esses
problemas. E aí disponibilizar esses medicamentos. A
outra questão importante é a definição dos protocolos.
Protocolo significa dizer que para cada doença, para cada
agravo, há uma indicação de determinados medicamentos
a serem utilizados. E treinar os profissionais da área
pública para a utilização desses protocolos. Por fim,
manter o abastecimento, porque a grande questão do
81
82. abastecimento hoje seria um registro de preços a nível
nacional.
Como funciona esse registro de preços?
Luis Carlos Reblin: Registro de preços é uma modalidade
de compra usada para qualquer item de custeio, e pode
ser feita também com medicamento. Nós podemos
estabelecer um registro de preços nacional, estadual ou
mesmo a nível municipal. É basicamente um edital em que
se publica o interesse de um conjunto de compradores ou
do Estado em adquirir medicamento. O fabricante ou
fornecedor desse medicamento registra o preço dele no
processo e aí toda vez que o Estado precisar comprar um
remédio ele adquire através desse processo.
Isso deve ser implantado ou melhor gerenciado?
Luis Carlos Reblin: Isso deve ser implantado porque no
Espírito Santo, em especial, nós ainda não temos o
registro de preços na área de medicamentos para que
todos possam fazer a adesão.
Tornaria a compra mais ágil?
Luis Carlos Reblin: É um processo muito mais ágil de
aquisição e permite a reposição imediata dos itens que
vierem a diminuir no estoque ou mesmo a faltar em
determinado momento.
82
83. Quer dizer, então, que uma solução para esse
problema de falta de remédios de alto custo não
passa necessariamente pela falta de dinheiro. É mais
uma questão de gerenciamento?
Luis Carlos Reblin: É um problema de gerenciamento
porque os processos de compra na forma como são feitos
hoje, dificultam a reposição. O registro de preços
facilita a reposição dos medicamentos.
Gostaria que o senhor esclarecesse um pouco mais o
processo atual de compras e como deveria ser
feito...
Luis Carlos Reblin: Hoje é um processo que segue
através do pregão (uma espécie de leilão na internet). É
um processo de compra de fornecimento de um
item.Então, você faz uma agenda programada para
determinado período, ou seja, compra de uma só vez. Já
o registro de preços facilita muito porque a todo o
momento em que houver um aumento da demanda, eu vou
ao registro de preços e retomo essa demanda, busco
aquilo que está faltando para a Prefeitura ou para o
Estado, enfim.
83
84. E qual é a dificuldade de se implantar esse sistema?
Luis Carlos Reblin: Esse é um modelo novo que alguns
Estados tem utilizado e que algumas capitais, também. A
dificuldade é que os sistemas internos das
administrações públicas, de Estado e de Municípios,
ainda não estão adequados a esta forma. Mas estamos
buscando essa adequação porque esse é um tema
fundamental que afeta o cotidiano de todas as pessoas
84
85. Nossa segunda entrevistada apresenta um ponto de vista
complementar a essa discussão. Patrícia Luzia Ton,
Farmacêutica e Bioquímica, é a responsável por uma
experiência pioneira no Estado. Ela atua como
Coordenadora da Farmácia Popular de Cariacica,
inaugurada em abril de 2006, através de um convênio do
Município com o Ministério da Saúde e a Fundação
Oswaldo Cruz. A farmácia atende clientes de todo o
Estado com medicamentos vendidos a preços de custo.
Os preços são até 80% mais baratos que os do mercado.
Atualmente a Unidade é procurada por aproximadamente
400 pessoas por dia e oferece 107 itens como: remédios
para pressão, Diabete, Cardiopatia, Colesterol, pílulas
anticoncepcionais e até preservativos.
Qual tem sido a experiência da Farmácia Popular aqui
em Cariacica?
Patrícia Luzia Ton: Tem sido uma experiência boa. Tem
atendido às expectativas do Município, da Fundação
Oswaldo Cruz e do Ministério da Saúde.
E qual tem sido a satisfação de quem procura a
farmácia?
Patrícia Luzia Ton: Agradar a população é uma questão
sempre complicada. Mas acredito que temos alcançado o
objetivo e atendido de forma satisfatória.
85
86. Há um problema crônico hoje na Rede Pública que é a
frequente falta de alguns medicamentos distribuídos
pelas farmácias públicas do SUS e dos municípios.
Você teria alguma proposta nesse sentido?
Patrícia Luzia Ton: Uma proposta que já funciona: a
Farmácia Popular. Ela veio para auxiliar a Unidade de
Saúde, com medicamentos que nem sempre estão
disponíveis. Na Farmácia Popular a população pode
encontrar o medicamento que precisa, não de graça, mas
de uma forma bem mais barata que o preço convencional
do mercado. Acho que é uma maneira de resolver o
problema, pelo menos em parte. Minha proposta seria a
criação de novas unidades da Farmácia Popular.
Os clientes que vocês atendem aqui são os mesmos
que freqüentam as farmácias públicas?
Patrícia Luzia Ton: Também, mas não só. Temos clientes
que vem das farmácias do SUS e também outros que vem
das farmácias particulares. Temos receitas da Rede
Pública e da rede privada. Acredito que seja 50% de
cada uma dessas duas origens.
86
87. Considerando os tipos de medicamentos que são
vendidos aqui, a criação de novas farmácias populares
seria realmente uma solução de parte do problema?
Patrícia Luzia Ton: Sim, seria um complemento.
Principalmente no acesso da população ao medicamento
básico e essencial. A Farmácia Popular foi criada com
esse objetivo.
Pelo que você pode verificar nessa primeira
experiência, qual seria o reflexo na Saúde Pública da
criação de novas Unidades da Farmácia Popular?
Patrícia Luzia Ton: O tratamento das patologias através
de uma medicação adequada e de qualidade diminui a
lotação nos hospitais públicos. Automaticamente, você
garante melhor saúde e melhor atendimento para aqueles
que realmente precisam dos hospitais. Evita que você vá
ao médico sem necessidade. Implantar Farmácia Popular
é um dos caminhos para isso. Cariacica é o primeiro
município do Estado a ter uma Farmácia Popular ligada ao
Ministério da Saúde e estamos conseguindo um bom
resultado. Acredito que outros municípios deveriam
partir para isso também. É um assunto que eu gostaria
que fizesse parte das propostas de governo de todos os
gestores públicos sejam do Estado ou dos municípios.
87
88. DESAFIO 5
ESTRADAS
“O acidente aconteceu no município de Fundão e
envolveu um Escort, um caminhão e um Pálio. Três
pessoas morreram no local, entre elas a juíza Cristiane
Lobo...”. Assim começou mais uma, entre as muitas e
rotineiras reportagens, que tratam de acidentes
gravíssimos nas rodovias que cortam o Espírito Santo.
Um drama que, infelizmente, faz parte da rotina do
Estado, e já não provoca reação de surpresa na
população.
O Espírito Santo é cortado por dez rodovias
federais, que ultrapassam os 1200 quilômetros se
considerarmos as estradas prontas, em obras e
projetadas. Destas, apenas as quatro com maior
movimento são fiscalizadas pela Polícia Rodoviária
Federal, numa extensão de 763,5 km. São elas: a BR 101
que tem 458,4km, corta o Estado de Norte a Sul,
atravessa 20 municípios e, mais do que isso, é o principal
eixo de ligação do sul ao norte do Brasil; a BR 262, com
195,9km dentro do Espírito Santo, é a principal ligação
do Estado do Espírito Santo com Minas Gerais, além de
ser a grande via rodoviária de escoamento do corredor
centro-leste que segue até a divisa com a Bolívia; a BR
259, com 106,3km, sai de João Neiva, passa por Colatina,
Baixo Guandu e segue por Minas Gerais; e a BR 601, com
apenas 2,9km, mais conhecida como a “Reta do
88
89. Aeroporto”, em Vitória. Além destas, segundo o DNIT,
órgão responsável pela manutenção das estradas
federais, ainda há a BR 393 (Cachoeiro/Muqui); BR 342
(Nova Venécia/Ecoporanga); BR 381 (São Mateus/Nova
Venécia); BR 484 (Itarana, Afonso Cláudio); BR 482
(contorno de Cachoeiro de Itapemirim); BR 447
(projetada para ir da BR 101 até o Porto de Capuaba).
Todas estas as rodovias apresentam problemas de
conservação.
A rodovia do Contorno –trecho da BR 101- é a
mais perigosa do Estado, sendo apontada como o
principal “gargalo” do transporte rodoviário no Espírito
Santo. Ela é assim chamada por fazer o contorno de
Vitória, facilitando a movimentação de quem vem da
Bahia ou do Rio de Janeiro, ligando o município da Serra
a Cariacica, ao longo de 26km. Este trecho apresenta um
quadro de acidentes diário, geralmente de alguma
gravidade. De primeiro de janeiro a trinta e um de
outubro de 2006, aconteceram ali 401 acidentes, com 16
mortos e 227 feridos, segundo os dados da Polícia
Rodoviária Federal. Ou seja, 1,3 acidentes por dia nesse
período. O movimento na rodovia do Contorno cresce 5%
ao ano, com uma média de 15 mil veículos/dia, podendo
chegar a 25mil nos dias de pico. Especialistas ressaltam
que o movimento desse trecho da BR 101 é quase duas
vezes superior ao que seria ideal. A estrada ficou
pequena, tem poucos pontos de ultrapassagem e é
cercada de bairros residenciais.
89
90. Dados da Polícia Rodoviária Federal apontam que,
entre janeiro e outubro de 2006, ocorreram nas quatro
rodovias fiscalizadas 4.697 acidentes, com 2.754 feridos
e 217 mortos. Mais de 50% dos acidentes aconteceram
na BR 101.
Nas rodovias estaduais, segundo os dados da
Polícia Militar, foram 1460 acidentes entre janeiro e
novembro de 2006, com 45 mortos e 891 feridos.
Quando os primeiros dados para este estudo foram
apurados, em junho do mesmo ano, havia 870 acidentes,
com 30 mortos e 540 feridos. Ou seja, à medida que as
informações chegavam, mais 15 pessoas morreram e
outras 351 foram feridas nas rodovias estaduais.
Segundo a Secretaria Estadual de Transportes,
em janeiro de 2003, a maior parte das estradas
estaduais era ruim ou regular. Já no final de 2006, a
situação já era inversa, de acordo com os dados oficiais
(veja na tabela a seguir). Ainda assim, dos 5200Km de
rodovias estaduais no Espírito Santo, metade não tem
asfalto.
90
91. DEMONSTRATIVO 5
QUALIDADE DAS ESTRADAS ESTADUAIS
SITUAÇÃO Janeiro/2003 DEZEMBRO/2006
Bom estado 25% 57%
Regular 34,6% 31,2%
Mau estado 40,4% 11,8%
Fonte: Secretaria Estadual de Transportes
Se fizermos uma projeção das estatísticas de
acidentes nas estradas que cortam o Espírito Santo,
sejam elas administradas pela União ou pelo Estado,
teremos um número de mortos anual próximo de 290
pessoas, o que dá uma média de 24 mortes por mês.
É bom destacar que a estatística aponta como
mortos apenas os óbitos registrados no momento do
acidente, o que exclui o grande número de vítimas que
vêm a falecer nos hospitais. Uma questão que até merece
melhor discussão, posto que maquia a verdade dos
números, amenizando a dimensão das tragédias
provocadas por essas estradas
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92. Wagner Chieppe é Presidente do Sindicato de
Transportadores de Cargas, no Espírito Santo. Mais do
que isso, é um empresário com 35 anos de experiência
em transporte rodoviário, diretor de uma das maiores
empresas do ramo no País, a Águia Branca. Conhecedor
da logística que envolve passageiros, cargas,
funcionários, equipamentos e estradas, Wagner Chieppe
diz que a maior causa dos acidentes é a ultrapassagem
forçada e que isso ocorre porque os motoristas se
estressam e perdem a paciência. Nessa entrevista ele
elogia o plano de recuperação das estradas estaduais e
faz críticas ao modelo que está sendo proposto para a
concessão da BR 101. O empresário alerta para a
tragédia: “não se pode mais perder pessoas e valores nas
estradas”.
Qual o principal problema das estradas que cortam o
Espírito Santo?
Wagner Chieppe: Nós temos dois problemas sérios que
é a BR 101 e a BR 262. O maior número de acidentes está
acontecendo nestas rodovias, e elas têm como
característica um traçado já superado, para uma
demanda de veículos mais leves, sendo que hoje nós
temos equipamentos muito mais pesados, e um tráfego
muito maior. O último investimento que houve no Espírito
Santo foi no final da década de 60. Estamos com quase
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93. 40 anos sem nenhum investimento expressivo nas
rodovias, e com aumento de tráfego, principalmente no
Espírito Santo, em razão do crescimento de vários
setores da economia. E isso aumenta a necessidade do
modal rodoviário. Por mais que se queira desenvolver os
outros modais e estão se desenvolvendo, ainda assim,
cada vez mais estamos tendo um aumento de tráfego.
Qual o perfil dessas estradas?
Wagner Chieppe: As Brs federais, como a 101, por
exemplo, são pistas simples que não comportam mais a
demanda, e que sofrem com uma demora muito grande
nos investimentos. É claro que não é um problema só do
Espírito Santo, é um problema do Brasil. Não é de agora
também, é um problema que se arrasta há muito tempo...
Nós empresários apoiamos a criação da CIDE sobre
combustíveis há sete anos, acreditando que aí nós
teríamos uma solução para a falta de recursos. E nós
temos hoje aí, uma geração de oito a nove milhões de
reais para aplicação em infra-estrutura e não estamos
vendo esse recurso aplicado. Aliás, a participação no PIB
tem caído a um valor insignificante o que se aplica em
infra-estrutura. Uma hora falta projeto, outra hora é
problema de obra embargada pelo TCU e quando tem a
verba a obra acaba não saindo por alguma razão
burocrática. Então, nós entendemos que tem que ser
priorizado, não se suporta mais essa quantidade de
acidentes que estamos tendo, perdendo valores,
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