1. Ciência in Foco
RECIfES CORALÍNEOS:
DA DIvERSIDADE
MICROBIANA À EXPLORAÇÃO
BIOTECNOLóGICA
Alinne Pereira de Castro
Universidade de Brasília – UnB
Samuel Dias Araújo Júnior
Universidade Católica de Brasília – UCB
Alessandra Maria Moreira Reis
Universidade Católica de Brasília – UCB
Carolina Del Lama Marques
Universidade de Brasília – UnB
Rodrigo Leão de Moura
Universidade Estadual de Santa Cruz, BA – UESC
Ronaldo B. Francini-Filho
Universidade Federal da Paraíba, PB - UFPB
Fabiano Thompson
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Ricardo Henrique Krüger
Universidade de Brasília – UnB, Instituto Central de Ciências Sul – Dept. de Biologia
Celular, Laboratório de Enzimologia, Cep. 700910-900 Brasília, DF, Brazil. E-mail:
kruger@unb.br - Phone: +55+61+3107-2977 - FAX: +55+61+ 3273-4608
1. recifes corAlíneos riando entre 600 mil e 9 milhões de es- sas tropicais, oligotróficas (com poucos
pécies (4). Todas essas espécies com- nutrientes) e com alta salinidade e baixa
Os recifes coralíneos são ecossis- põem uma complexa rede de interações turbidez.
temas marinhos diversos e altamente tróficas, competitivas e cooperativas, as O interesse em relação aos recifes
produtivos, com uma longa história evo- quais não são completamente conheci- coralíneos é crescente, uma vez que
lutiva de cerca de 500 milhões de anos. das. Os recifes coralíneos ocorrem em estes ecossistemas são bastante sus-
Esses ecossistemas podem suportar mi- várias partes dos oceanos, inclusive em cetíveis às perturbações ambientais
lhões de espécies diferentes de plantas águas profundas, mas seu desenvolvi- que os oceanos tropicais vêm sofrendo,
e animais, com estimativas globais va- mento é mais acentuado em áreas ra- em especial a sobrepesca, a ocupação
34
2. descontrolada da costa (aumentando a 2. DiversiDADe MicroBiAnA pécie de coral podem ser quantitativa
descarga de sedimentos e nutrientes) AssociADA Ao corAl. e/ou qualitativamente diferentes, com-
e as mudanças globais (anomalias tér- pondo comunidades microbianas únicas
micas e acidificação da água do mar). Por terem co-evoluido em íntima (7). O esqueleto do coral caracteriza-se
A importância dos ambientes coralíneos associação com micro-organismos de como uma estrutura porosa na qual se
estende-se desde a formação de barrei- diversos grupos, os corais são especial- insere a comunidade microbiana endo-
ras físicas que protegem regiões costei- mente interessantes do ponto de vista lítica, responsável por grande parte do
ras até a formação de berçários para a ecológico e evolutivo. Juntos, o cnidário suprimento de nitrogênio e pela produ-
reprodução e crescimento de diferentes e os micro-organismos compõem o que ção de compostos orgânicos a partir da
espécies de peixes. Não se deve esque- os cientistas têm denominado de holo- fotossíntese de cianobactérias (8). Vale
cer ainda que os recifes coralíneos sus- bionte (Box 1). ressaltar também a presença de micro-
tentam atividades econômicas expressi- organismos eucariontes, especialmente
vas como a pesca e o turismo. protozoários dinoflagelados do gênero
A maioria dos corais é colonial, Box 1: Holobionte. Symbiodinium, conhecidos como zoo-
sendo as colônias formadas por póli- O holobionte coral refere-se a xantelas. Esses dinoflagelados são os
pos (indivíduos) pequenos, com alguns um sistema complexo de interações elementos fotossintetizantes mais signi-
milímetros ou poucos centímetros de entre o organismo hospedeiro (o ficativos no holobionte coral, recebendo
diâmetro. Toda a colônia é coberta por cnidário) e representantes dos três metabólitos do cnidário e fornecendo,
uma camada de muco superficial e, no domínios de vida: Eucaria, Bacteria em contrapartida, nutrientes orgânicos
caso dos corais construtores (herma- e Archaea, assim como inúmeros usados como substratos respiratórios.
típicos), a colônia possui um grande e vírus. Essa simbiose oferece para Muitos micro-organismos marinhos são
esqueleto poroso de carbonato de cál- cada componente uma série de van- importantes participantes no ciclo global
cio (CaCO3). Os recifes são construídos tagens. Por exemplo, as bactérias de bioelementos como o nitrogênio, car-
por corais e por vários outros organis- proporcionam nutrientes para o hos- bono, oxigênio, fósforo, enxofre, ferro e
mos biomineralizadores, especialmente pedeiro, participando de processos oligoelementos (9), mas a parcela exata
as algas coralináceas, que podem ter envolvendo resíduos metabólicos e das contribuições microbianas ainda são
um papel tão ou mais importante que a produção de metabólitos secundá- mal conhecidas.
os corais na construção dos recifes. A rios que são importantes nos meca- Apesar dessas lacunas no conheci-
deposição de CaCO3 e o crescimento nismos de defesa do coral (2) . mento acredita-se que os micro-organis-
variam em múltiplas escalas espaciais mos são os principais responsáveis pela
e temporais, em função da dinâmica manutenção dos ciclos biogeoquímicos
oceanográfica, da profundidade, da dis- Os corais fornecem três micro-habi- marinhos, devido a versatilidade do seu
ponibilidade de luz e alimento e de uma tats (Figura 1) que são colonizados por metabolismo e a enorme biomassa mi-
série de outras variáveis, resultando em micro-organismos: o muco, os tecidos e crobiana presente nos oceanos (10).
uma enorme diversidade de formas de o esqueleto de carbonato de cálcio (6, A partir de estudos microbiológicos
crescimento das colônias e arranjo de 7). Os micro-organismos residentes no em corais, Reshef e colaboradores
seus pólipos (5) . tecido e no muco de uma mesma es- (2006) propuseram a “hipótese probióti-
ca do coral”, explorando a dinâmica da
relação simbiótica entre a comunidade
microbiana e o coral hospedeiro (Figura
2) (11). A ampla variedade genética de
micro-organismos no holobionte confe-
re resistência a diferentes patógenos e
permite rápida adaptação a novas condi-
ções ambientais.
O pesquisador Forest Rohwer e co-
laboradores (2002) foram os primeiros a
aplicar técnicas independentes de cultivo
para avaliar comunidades microbianas
associadas a corais (12), revelando uma
grande diversidade de espécies micro-
bianas, boa parte completamente des-
conhecida, ou seja, ainda não descrita
pela comunidade científica. Este estudo
Figura 1. Estrutura do tecido do coral. O coral é composto de três estruturas pioneiro da ecologia microbiana nos co-
que servem de habitat para as bactérias: a camada superficial de muco, os rais também contribuiu para demonstrar
tecidos e o esqueleto de carbonato de cálcio (CaCO3). que os métodos de cultivo (microbiologia
35
3. clássica) não conseguem refletir a total
estimativa da composição da diversida-
de microbiana dos recifes de coral.
Os estudos mais recentes visando
analisar comunidades microbianas do
coral holobionte têm adotado técnicas
moleculares (6, 13). Há uma variedade
de técnicas moleculares que podem ser
aplicadas, sendo que cada uma possui
vantagens e desvantagens de acordo
Figura 2. Relações de simbiose entre o coral e seus micro-organismos hospe-
com os objetivos da pesquisa. Por exem-
deiros. O coral funciona como fonte de carbono e nutrientes para seus hospe-
plo, técnicas moleculares que exploram
deiros, e estes oferecem produtos metabólicos em troca.
as variações dentro do gene rDNA ou
regiões intergênicas (entre genes rDNA)
permitiram que o campo da ecologia
microbiana em corais progredisse rapi-
damente nessa última década (14, 15).
Entretanto, essas técnicas limitam-se
em analisar apenas a estrutura da comu-
nidade microbiana, com pouca ênfase
em aspectos funcionais (Figura 3a). Em
contrapartida, para acessar a funciona-
lidade, ou buscar genes de interesse
biotecnológico, a abordagem metagenô-
mica (Box 2) tem surgido como principal
opção, permitindo o acesso direto aos
genomas complexos dos ecossistemas
marinhos (Figura 3b) (16, 17).
Neste aspecto, vale ressaltar os
avanços nas técnicas de sequenciamen-
to de DNA. Por exemplo, técnicas como
o pirosequenciamento têm gerado da-
dos mais robustos e com melhor custo-
benefício (18, 19). É importante ressaltar
que a maioria dos estudos realizados
atualmente não visa clonagem de DNA
e transformação em células hospedei-
ras, ou seja, estas etapas podem ser
substituídas simplesmente pelo sequen-
ciamento direto do DNA metagenômico,
diminuindo o tempo de trabalho laborato-
rial e em custos adicionais.
Com base nesses avanços recentes,
tem sido possível estabelecer quais os di- Figura 3. Diferentes abordagens para estudo da comunidade microbiana a
ferentes grupos de micro-organismos re- partir de amostras de coral. (A) Abordagem ecológica pela amplificação e aná-
sidentes nos diversos corais holobiontes, lise de genes ribossomais. (B) Abordagem biotecnológica com a construção de
mesmo quando estes não fazem parte bibliotecas metagenômicas e seleção dos clones com atividade positiva.
dos grupos dominantes e estão presentes
em quantidade diminuta. Por exemplo,
diferentes espécies de Cianobactérias e Box 2: Metagenoma.
Proteobactérias são tidas como residen- Metagenoma é o conjunto total de genomas da microbiota em uma dada amostra
tes permanentes, independentemente ambiental. A abordagem metagenômica é baseada na recuperação do DNA, seguida
da espécie de coral analisado ou de sua ou não de clonagem e análise de todo o complemento genético de um habitat, conten-
localização geográfica, dada a grande do muito mais informação do que aquela alcançada a partir das técnicas de cultivo in
similaridade observada nas sequências vitro (3). Essa metodologia aumenta enormemente nosso entendimento sobre a estru-
desse filos. Firmicutes, Bacteroides e tura e funcionalidade das comunidades de micro-organismos, assim como o descobri-
Planctomicetos são outros filos que com- mento de novos genes e vias metabólicas sem a necessidade de cultivo.
36
4. põem a comunidade bacteriana do ho- nos na saúde do coral. Esses fatores po- em mortalidade de corais. Os corais
lobionte (14, 20, 21). Apesar dessas ge- dem agir isoladamente ou em sinergia, branqueados, além de perder suas zoo-
neralidades, sabe-se que a comunidade levando a uma redução da cobertura xantelas, também apresentam alteração
microbiana em escalas taxonômicas mais natural dos recifes de corais em todo o significativa em sua comunidade micro-
refinadas tende a ser espécie-específica, mundo. Os danos causados por doenças biana. Ainda que o branqueamento seja
assim como completamente distintas das podem exterminar o coral por completo um fenômeno cíclico, e na maioria das
comunidades microbianas presentes na (28), ou mesmo acarretar prejuízos em vezes relacionado a anomalias térmicas,
água do mar (14). Esses resultados de- seu crescimento e reprodução (29, 30). os eventos muito severos acarretam
monstraram que as diferentes espécies Atualmente, cerca de trinta doenças mortalidade em massa dos corais, espe-
de corais são capazes de fornecer habitat de corais são reconhecidas em todo o cialmente quando as anomalias térmicas
específico para evolução de determina- mundo. Entretanto, em apenas cinco são duradouras.
dos grupos de microrganismos marinhos. dessas doenças foi possível comprovar Numerosos trabalhos têm demonstra-
Além disso, Littman e colaboradores qual o agente causador através dos pos- do que a comunidade microbiana é altera-
(2009), ao analisar espécies de coral do tulados de Koch (31) (Tabela 1). O bran- da devido às doenças no coral. Por exem-
gênero Acropora, demonstraram que a di- queamento (Box 3) é um dos eventos plo, Ritchie, analisando a espécie Acropo-
versidade de bactérias também difere sig- mais bem documentados em corais em ra palmata, demonstrou que a população
nificativamente em função da localização todo o mundo, principalmente no Caribe, de Vibrio aumenta durante o evento de
geográfica das colônias, indicando que local que é considerado um dos hotspots branqueamento, mas que esse número
fatores ambientais exercem um importan-
te papel na determinação da microbiota tABelA 1. cinco DoençAs De corAl coMprovADAs pelos postulADos De
presente em um dado coral (22), dando KocH. (fonte: HArvell, et al., 2007)
suporte à “hipótese probiótica” (11). Doenças Coral susceptível Patógeno Coral doente
Grande parte dos estudos nesta área
é exclusivamente focada na diversidade
do domínio Bacteria (23-25). Este domí-
nio apresenta algumas “facilidades” para Praga branca II
Diploria labyrinthiformis Aurantimonas coralicida
(White plague II)
análise, tais como genes conservados
utilizados como marcadores (16S rRNA,
rpoB) e, conseqüentemente, bancos de
dados consolidados que possibilitam sua
a identificação e classificação funcional.
A diversidade de Archaea (13), fun-
Banda Branca II
gos e protistas (26), assim como dos nu- Acropora palmata Vibrio carchariae
(White band II)
merosos vírus (27), são outros importan-
tes campos que merecem estudos sobre
suas respectivas funções no holobionte.
3. DoençAs que AfetAM os
corAis.
Pontos Brancos
Acropora palmata Serratia marcescens
(White pox)
A mortalidade em massa de corais
observada nas últimas quatro décadas
destaca a importância de ampliar o nos-
so conhecimento sobre as interações
antagônicas e mutualísticas existentes
no coral holobionte. Entretanto, com
Aspergilose
o objetivo de se entender as causas e Gorgonia ventalina Aspergillus sydowii
(Aspergillosis)
conseqüências de doenças em corais, é
necessária a elucidação da composição
da microbiota de corais saudáveis, iden-
tificando as espécies microbianas e seus
respectivos papéis funcionais na manu-
tenção da saúde do coral.
Branqueamento
Fatores bióticos (predação, cresci- (Bacterial Bleaching)
Oculina patagonica Vibrio coralliilyticus
mento excessivo de algas) ou abióticos
(estresse de temperatura, sedimenta-
ção) podem ser responsáveis pelos da-
37
5. diminui novamente durante a recuperação
dos corais (20). Castro e colaboradores Box 3: O branqueamento dos corais.
(2010) demonstraram que corais doentes Estudos realizados com os corais Oculina patagônica e Pocillopora damicornis
do gênero Mussismilia apresentam uma demonstraram que o branqueamento pode se manifestar como uma doença, a partir
comunidade microbiana com baixa riqueza da infecção por Vibrio shiloi e Vibrio coralliilyticus, respectivamente (1,52). Entretan-
de espécies e uma abundância do filo Bac- to, o branqueamento ocorre apenas em temperaturas acima de 25ºC. O aumento da
teroidetes cinco vezes maior em relação a temperatura pode tornar o patógeno mais virulento ou ocasionar a dissociação e/ou
indivíduos saudáveis (24). diminuição da capacidade de fotossíntese pelas zooxantelas. Como conseqüência,
Em relação aos fatores abióticos, a o tecido dos corais doentes torna-se transparente, realçando a coloração branca do
comunidade bacteriana do coral Oculina esqueleto carbonático subjacente.
patagonica é alterada conforme as esta-
ções do ano, ou seja, essa espécie de co-
ral apresenta diferentes abundâncias re-
lativas de espécies de micro-organismos
no verão e inverno (7). Este trabalho su-
gere que a comunidade bacteriana pode
ser rapidamente modificada, podendo ser
considerada como um dos principais me-
canismos de defesa do coral.
3.1. situação atual dos corais
no Brasil.
Em função do isolamento geográfico
e das condições particulares nas quais
nossos recifes se desenvolvem, a diver-
sidade de corais na costa brasileira é
relativamente baixa, mas o nível de en-
demismo é alto. São encontradas cerca
de 20 espécies de corais hermatípicos
(construtores de recifes) e 5 espécies
de hidrocorais. Das 18 espécies princi-
pais que formam os recifes brasileiros,
6 são endêmicas, duas delas restritas
à costa leste – Favia leptophylla e Mus- Figura 4. a - Recife coralíneo ainda relativamente bem con-
sismilia braziliensis (32). Rodrigo Moura servado, na região de Abrolhos, BA. Foto: R.L. Moura. B - Duas
(2000) ressaltou que a costa brasileira é colônias saudáveis do coral Mussismillia brasiliensis (esquerda e
uma prioridade global para conservação direita), endêmico do Brasil. No centro, um hidrocoral do gênero Millepo-
de corais, em função da pequena área ra, conhecido como coral-de-fogo. Imagem tomada nos recifes de Abrolhos,
BA. Foto: R.L.Moura. c - Colônia saudável de Mussismillia hartii. Foto: R.L.
de recifes existente no país (menos de
Moura. D - Colônia de Mussismillia hartii afetada por branqueamento. Foto:
0,5% dos recifes do mundo), a qual con-
R.L. Moura. e - Colônia saudável de Mussismilia hispida coletada no Banco de
centra um alto nível de ameaça e ende-
Abrolhos/BA. Foto: A.M. M. Reis. F Colônia de Mussismilia hispida afetada por
mismo (33). Nesse contexto, a atenção
necrose coletada no Banco de Abrolhos/BA. Foto: A.M. M. Reis - G - Colônia
que os recifes brasileiros têm recebido é
de Mussismillia braziliensis afetada por praga branca, uma das doenças com
claramente insuficiente (Figura 4).
maior prevalência nos recifes brasileiros. Foto: R.L. Moura. h - Professor
O primeiro branqueamento em mas- Fabiano Thompson, da UFRJ, examina a saúde dos corais no Parque
sa de corais documentado no Brasil Nacional Marinho dos Abrolhos, a primeira unidade de conservação
ocorreu no verão de 1993/1994, em São do gênero criada no Brasil. Foto: R.L.Moura
Paulo (34) e na Bahia (35). Desde então,
vários outros eventos de branqueamento
nos recifes brasileiros foram registrados
(32, 36-38). Essas ocorrências afetaram de branqueamento de corais na Bahia, O branqueamento dos corais no
várias espécies de corais, incluindo as 3 de 1998 a 2005, tendo constatado que, mundo está associado ao aumento da
espécies de Mussismilia, Madracis de- apesar da prevalência (proporção de co- temperatura dos oceanos (30), e no Bra-
cactis, Agaricia agaricites, Siderastrea lônias afetadas em uma população) ele- sil não tem sido diferente. A prevalência
stellata e Porites branneri. Leão e co- vada, ainda não foi registrada nenhuma de corais branqueados é consistente-
laboradores (2010), avaliaram eventos mortalidade em massa (32). mente maior no verão (32, 38). Francini-
38
6. Filho e colaboradores (2010) também podendo a espécie endêmica Mussismilia nidade, disponibilidade de nutrientes,
relataram a maior prevalência da doen- braziliensis chegar à beira da extinção. competição e predação - levaram os
ça conhecida como “praga branca” em Dois importantes estudos, com foco micro-organismos marinhos a desen-
colônias de Mussismilia braziliensis na em analisar as diferenças entre as co- volver habilidades bioquímicas e fisioló-
região de Abrolhos durante o verão (39). munidades microbianas associadas ao gicas únicas, resultando em compostos
O aumento da temperatura pode ser o muco de coral saudável e doente, foram bioativos potencialmente diferentes da-
gatilho para o aumento do número e/ou realizados em corais endêmicos do Bra- queles produzidos por micro-organismos
a expressão da virulência de bactérias sil. Apesar desses trabalhos não terem terrestres. Neste contexto, o ambiente
como os Vibrio spp, que levam à lise das descrito a doença que afetava o coral e marinho representa um conjunto de ge-
zooxantelas (40-42, 52). Determinados consequentemente não terem realizado nes de diversidade extraordinária e dinâ-
Vibrios também podem ter papel positivo os postulados de koch para identificar o mica (44). Essa diversidade resultou no
na saúde de corais (53,54). agente causador da doença, foi possível interesse em estudar micro-organismos
A situação dos recifes no Brasil tor- observar que existe diferenças marcan- marinhos com o objetivo de explorar sua
nou-se preocupante porque outras doen- tes entre a comunidade microbiana do capacidade de produzir enzimas/meta-
ças têm sido observadas. Francini-Filho coral saudável em relação a microbiota bólitos para fins biotecnológicos.
e colaboradores (2008) relataram um nú- associada ao coral doente (23, 24). Vários estudos recentes tem explorado
mero crescente de áreas com incidência As doenças podem se agravar devido a diversidade microbiana associada à or-
de doenças na região de Abrolhos (Figura às atividades antropogênicas, como a ganismos marinhos. Em estudos metage-
4) (43). Seis tipos de doenças foram re- aceleração descontrolada da urbaniza- nômicos já foram encontrados compostos
gistrados e todas apresentam sintomas ção, agricultura em larga escala ou a des- com atividade antitumoral da microbiota
parecidos com os relatados para doenças carga de esgoto não tratado próximo aos da esponja marinha Theonella swinhoei
descritas em outras regiões do mundo. recifes costeiros. A influência humana na (45), e da esponja Discodermia dissoluta
São elas: praga branca (“White plague”), modificação do habitat dos corais é retra- (46), assim como também foi isolada uma
banda vermelha (“red band”), pontos tada de forma esquemática na Figura 5. enzima alcano hidroxilase de clones me-
escuros (“dark spots”), aspergilose (“as- tagenômicos dos sedimentos de águas
pergillosis”), banda negra (“black band”), 4. Bioprospecção De profundas do Pacífico (47). Estudos meta-
além de necrose de tecidos em octorais. corAis genômicos sobre a diversidade microbiana
Esses autores estimam que se o cenário marinha resultaram na acumulação, sem
presente não se alterar, os recifes da As condições particulares sob as precedentes, de dados de seqüenciamen-
costa leste brasileira enfrentarão um de- quais evoluíram os micro-organismos to de DNA (48-51). No entanto, poucos
clínio catastrófico nos próximos 50 anos, marinhos - pressão, temperatura, sali- estudos envolvendo a análise funcional
dessas comunidades foram realizados
(45-47). Desta forma, a construção de bi-
bliotecas metagenômicas com a utilização
de vetores com características adequadas
e hospedeiros versáteis resultará na com-
preensão e investigação sistemática do
reservatório genético de produtos bioati-
vos de micro-organismos marinhos. Essa
abordagem, juntamente com a exploração
contínua da diversidade microbiana mari-
nha através de sequenciamento massal
de DNA, terá potencial para gerar novos
compostos químicos e drogas bioativas,
assim como acelerar a descoberta de
novos genes com atividade de interesse
biotecnológico.
Neste aspecto, a exploração biotec-
nológica de micro-organismos associa-
dos aos corais ainda é incipiente, mas
com enorme potencial. Por exemplo, em
um estudo recente sobre corais do gê-
nero Acropora demonstrou-se que cer-
Figura 5. Diferentes ameaças aos recifes de coral devido atividades antro- ca de 20% das bactérias destes corais
pogênicas. A pesca excessiva, a aceleração descontrolada da urbanização, apresentaram atividade antimicrobiana
agricultura em larga escala, o descarte de lixo comum e rejeitos industriais nos contra patógenos de importância clíni-
recifes costeiros e o turismo são alguns exemplos dessas atividades. ca (20). Além de sugerir que o muco de
39
7. corais desempenha um papel importante 2. Rosenberg, E., Coral microbiology. Micro- 15. Schwarz, J., et al., Coral life history and
na estruturação das comunidades bacte- bial Biotechnology, 2009. 2(2): p. 147-147. symbiosis: Functional genomic resources for
two reef building Caribbean corals, Acropora
rianas a ele associadas, esses autores
3. Handelsman, J., et al., Molecular biolo- palmata and Montastraea faveolata. BMC Ge-
mostram que há contribuição microbia-
gical access to the chemistry of unknown nomics, 2008. 9(1): p. 97-97.
na para a produção de compostos com soil microbes: a new frontier for natural pro-
atividade antimicrobiana. A pressão ducts. Chemistry & Biology, 1998. 5(10): p. 16. Thurber, R.V., et al., Metagenomic analy-
mundial para o isolamento e produção 245-249. sis of stressed coral holobionts. Environmen-
destes compostos antimicrobianos para tal Microbiology, 2009. 11(8): p. 2148-2163.
aplicações nas saúde humana e animal 4. Sheppard, C., S. Day, and G. Pilling, The
vem aumentando rapidamente devido biology of coral reefs. Oxford Univerity Press., 17. Pfister, C.A., F. Meyer, and D.A. Antono-
ao aparecimento de micro-organismos 2009: p. 339p. poulos, Metagenomic Profiling of a Microbial
resistentes às atuais drogas existentes. Assemblage Associated with the California
5. Ruppert, E.E., R.S. Fox, and R.D. Barnes, Mussel: A Node in Networks of Carbon and
Zoologia dos Invertebrados. 2005: Roca. Nitrogen Cycling. PLoS ONE, 2010. 5(5): p.
5. perspectivAs
e10518-e10518.
6. Bourne, D.G. and C.B. Munn, Diversity of
Sabe-se que diversos fatores bióticos bacteria associated with the coral Pocillopo- 18. Wegley, L., et al., Metagenomic analysis
e abióticos têm interagido e resultado ra damicornis from the Great Barrier Reef. of the microbial community associated with
em um declínio catastrófico dos recifes Environmental Microbiology, 2005. 7(8): p. the coral Porites astreoides. Environmental
coralíneos em escala global. Essas ame- 1162-1174. Microbiology, 2007. 9(11): p. 2707-2719.
aças, principalmente os impactos locais
7. Koren, O. and E. Rosenberg, Bacteria As-
antropogênicos, podem reduzir a resis- 19. Barott, K.L., et al., Microbial diversity as-
sociated with Mucus and Tissues of the Coral sociated with four functional groups of benthic
tência dos corais às mudanças globais,
Oculina patagonica in Summer and Winter. reef algae and the reef-building coral Montas-
resultando na diminuição da capacidade Applied and Environmental Microbiology,
desses ecossistemas de manterem suas traea annularis. Environmental Microbiology,
2006. 72(8): p. 5254-5259. 2011.
complexas interações ecológicas e con-
tinuarem provendo serviços ambientais 8. Ferrer, L. and A. Szmant, Nutrient regene-
20. Ritchie, K.B., Regulation of microbial po-
de valor inestimável. Apesar dos esforços ration by the endolithic communities in coral
pulations by coral surface mucus and mucus-
para entender os tipos de microorganis- skeletons, in Proc 6th Int Coral Reef Symp.
associated bacteria. Marine ecology progress
mos que se associam com corais, e como 1988, Australia: Townsville. p. 1-4.
series., 2006. 322: p. 1-1.
estes podem influenciam sua saúde,
9. Kennedy, J., J.R. Marchesi, and A.D. Do-
ainda não está totalmente claro quais 21. Kooperman, N., et al., Coral mucus-asso-
bson, Marine metagenomics: strategies for
interações microbianas e circunstâncias ciated bacterial communities from natural and
the discovery of novel enzymes with biote-
particulares são mutualistas, oportunistas aquarium environments. FEMS Microbiology
chnological applications from marine envi-
ou patogênicas. Neste sentido, mais pes- Letters, 2007. 276(1): p. 106-113.
ronments. Microbial Cell Factories, 2008. 7:
quisas devem ser feitas para esclarecer p. 27-27.
22. Littman, R.A., et al., Diversities of coral-
a complexidade das interações existentes
associated bacteria differ with location, but not
no coral holobionte. Novos estudos inte- 10. Kennedy, J., et al., Marine metagenomics:
new tools for the study and exploitation of species, for three acroporid corals on the Gre-
grando várias abordagens “omas”, tais at Barrier Reef. FEMS Microbiology Ecology,
marine microbial metabolism. Marine Drugs,
como metagenoma e metatranscriptoma, 2009. 68(2): p. 152-163.
2010. 8(3): p. 608-628.
aliados às plataformas de sequenciamen-
to de 2a geração (ex: Pirosequencamen- 11. Reshef, L., et al., The coral probiotic hy- 23. Reis, A.M.M., et al., Bacterial diversity as-
to), podem contribuir para avançar a nos- pothesis. Environmental Microbiology, 2006. sociated with the Brazilian endemic reef coral
sa compreensão sobre a funcionalidade, 8(12): p. 2068-2073. Mussismilia braziliensis. Journal of Applied
resistência e resiliência do holobionte co- Microbiology, 2009. 106(4): p. 1378-1387.
ral, com implicações diretas no desenvol- 12. Rohwer, F., et al., Diversity of bacteria as-
sociated with the Caribbean coral Montastra- 24. de Castro, A.P., et al., Bacterial communi-
vimento de estratégias de conservação
ea franksi. Coral Reefs, 2001. 20(1): p. 85-91. ty associated with healthy and diseased reef
compatíveis com a magnitude do declínio coral Mussismilia hispida from eastern Brazil.
dos recifes coralíneos, os sistemas mari- Microbial Ecology, 2010. 59(4): p. 658-667.
13. Lins-de-Barros, M.M., et al., Archaea,
nhos com maior biodiversidade. Bacteria, and Algal Plastids Associated with
the Reef-Building Corals Siderastrea stellata 25. Raina, J.-B., et al., Do the organic sulfur
Suporte: CNPq, FAPDF, FAPRJ and Mussismilia hispida from Búzios, South compounds DMSP and DMS drive coral mi-
Atlantic Ocean, Brazil. Microbial Ecology, crobial associations? Trends in Microbiology,
6. referênciAs 2009. 59(3): p. 523-532. 2010. 18(3): p. 101-108.
1. Kushmaro, A., et al., Bacterial infection and 14. Rohwer, F., et al., Diversity and distribu- 26. Caron, D.A., et al., Microbial eukaryote
coral bleaching. Nature, 1996. 380(6573): p. tion of coral-associated bacteria. Marine Eco- ecology: questions of diversity and biogeogra-
396-396. logy Progress Series, 2002. 243: p. 1-10. phy. Microbe, 2009. 4: p. 71-77.
40
8. 27. Marhaver, K.L., R.A. Edwards, and F. Ro- 37. Leão, Z.M.A.N., R.K.P. Kikuchi, and T. 46. Schirmer, A., et al., Metagenomic Analysis
hwer, Viral communities associated with he- Testa, Corals and coral reefs of Brazil. In: Reveals Diverse Polyketide Synthase Gene
althy and bleaching corals. Environ Microbiol, J. Cortés. (ed.). Latin American coral reefs. Clusters in Microorganisms Associated with
2008. 10(9): p. 2277-2286. 2003, Amsterdam: Elsevier Science. 5-9. the Marine Sponge Discodermia dissoluta.
Applied and Environmental Microbiology,
28. McClanahan, T.R., The relationship betwe- 38. Poggio, C., Z. Leão, and P. Mafalda- 2005. 71(8): p. 4840-4849.
en bleaching and mortality of common corals. Junior, Registro de branqueamento sazonal
Marine Biology, 2004. 144(6): p. 1239-1245. em Siderastrea spp. em poças intermareais 47. Xu, M., X. Xiao, and F. Wang, Isolation and
do Recife de Guarajuba, Bahia, Brasil. Asoci- characterization of alkane hydroxylases from
29. Buddemeier, R.W., J.A. Kleypas, and R.B. ación Interciencia, 2009. 34. a metagenomic library of Pacific deep-sea
Aronson, Coral Reefs & Global Climate Chan- sediment. Extremophiles: Life Under Extreme
ge: Potential Contributions of Climate Change 39. Francini-Filho, R., et al., Seasonal preva- Conditions, 2008. 12(2): p. 255-262.
to Stresses on Coral Reef Ecosystems. 2004: lence of white plague like disease on the en-
Pew Center on Global Climate Change. demic Brazilian reef coral Mussismilia brazil- 48. Béjà, O., et al., Construction and analy-
iensis. Lat. Am. J. Aquat. Res., 2010. 38: p. sis of bacterial artificial chromosome libraries
30. Hoegh-Guldberg, O., et al., Coral Reefs 292-296. from a marine microbial assemblage. Environ-
Under Rapid Climate Change and Ocean mental Microbiology, 2000. 2(5): p. 516-529.
Acidification. Science, 2007. 318(5857): p. 40. Rosenberg, E. and Y. Ben-Haim, Micro-
1737-1742. bial diseases of corals and global warming. 49. Hentschel, U., et al., Molecular Evi-
Environmental Microbiology, 2002. 4(6): p. dence for a Uniform Microbial Community in
31. Harvell, D., et al., Coral disease, environ- 318-326. Sponges from Different Oceans. Applied and
mental drivers, and the balance between co- Environmental Microbiology, 2002. 68(9): p.
ral and microbial associates. Oceanography, 41. Ben-Haim, Y., et al., Vibrio coralliilyticus 4431-4440.
2007. 20(1): p. 172-195. sp. nov., a temperature-dependent pathogen
of the coral Pocillopora damicornis. Int J Syst 50. Mincer, T.J., et al., Widespread and per-
32. Leão, Z.M.A.N., et al., Status of Eastern Evol Microbiol, 2003. 53(Pt 1): p. 309-15. sistent populations of a major new marine
Brazilian coral reefs in time of climate chan- actinomycete taxon in ocean sediments. Ap-
ges. Pan-American Journal of Aquatic Scien- 42. Rosenberg, E., et al., The role of micro- plied and Environmental Microbiology, 2002.
ces, 2010. 5(2): p. 224-235. organisms in coral health, disease and evo- 68(10): p. 5005-5011.
lution. Nature Reviews. Microbiology, 2007.
33. Moura, R.L., Brazilian reefs as priority 5(5): p. 355-362. 51. Venter, J.C., et al., Environmental genome
areas for biodiversity conservation in the At- shotgun sequencing of the Sargasso Sea.
lantic Ocean, in Proceedings 9th International 43. Francini-Filho, R.B., et al., Diseases lead- Science (New York, N.Y.), 2004. 304(5667):
Coral Reef Symposium. 2000: Bali, Indonesia. ing to accelerated decline of reef corals in the p. 66-74.
p. 23-27. largest South Atlantic reef complex (Abrolhos
Bank, eastern Brazil). Marine Pollution Bulle- 52. Santos, E., et al., Genomic and proteomic
34. Migotto, A.E., Anthozoan bleaching on tin, 2008. 56(5): p. 1008-1014. analysis of the coral pathogen Vibrio corallii-
the southeastern coast of Brazil in the sum- lyticus. ISME J, in press. 31 Mach 2011.
mer of 1994, in In Proc. Intern. Conference on 44. Li, X. and L. Qin, Metagenomics-based
Coelenterate Biology. 1997: Leeuwenhorst. p. drug discovery and marine microbial diversity. 53. Alves, N., et al., Diversity and pathogenic
329-335. Trends in Biotechnology, 2005. 23(11): p. 539- potential of vibrios isolated from Abrolhos
543. Bank corals. Environmental Microbiology Re-
35. Castro, C.B. and D.O. Pires, A bleaching ports, 2009. 2(1), p.90–95.
event on a Brazilian coral reef. Brazilian Jour- 45. Piel, J., et al., Antitumor polyketide bio-
nal of Oceanography, 1999. 47(1). synthesis by an uncultivated bacterial symbi- 54. Chimetto, L., et al. Vibrios dominate as
ont of the marine sponge Theonella swinhoei. culturable nitrogen-fixing bacteria of the Brazi-
36. Garzon-Ferreira, J., et al., Stony coral dis- Proceedings of the National Academy of Sci- lian coral Mussismilia hispida. Systematic and
eases observed in southwestern Caribbean ences of the United States of America, 2004. Applied Microbiology, 2008. 31(4): p. 312-9.
reefs. Hydrobiologia, 2001. 460: p. 65-69. 101(46): p. 16222-16227.
41