1) A entrevista discute a importância do contato das crianças com a natureza na educação infantil, segundo a perspectiva da professora Léa Tiriba. 2) Tiriba defende que as crianças devem ter mais liberdade para brincar ao ar livre e interagir diretamente com elementos naturais como árvores, animais e terra. 3) Ela critica a visão de que a natureza é apenas matéria-prima ou espaço decorativo nas escolas, defendendo uma relação mais orgânica entre seres humanos e o meio ambiente já na
Slides Semana do Deficiênte intelectual e múltiplo
Revista criança sobre inclusão
1. Revista
do professor de educação infantil
A inclusão de crianças
com deficiência
na educação infantil
Entrevista Reportagem Artigo ve
mbro200
No
44
7
Léa Tiriba Fundeb Conhecendo a 1
ção
revista criança
Mini
Revista Criança
ca
s
té
rio d Edu
a
2. expediente
Presidência
Ministério da Educação
Secretaria Executiva
Secretaria de Educação Básica
Departamento de Políticas da Educação Infantil e Ensino Fundamental
Coordenação de Educação Infantil
Consultora Editorial
Vitória Líbia Barreto de Faria
Jornalista Responsável
Adriana Maricato - MTB 024546/SP
Editor
Alex Criado
Reportagem
Angélica Miranda, Íris Carolina, Neuracy Viana, Rafael Cristiano Ely, Rita de Biaggio
Direção de Arte
TDA Comunicação
Criação e Projeto Gráfico
Letícia Neves Soares
Diagramação
Joana França
Fotografias
Adilvan Nogueira, Gabriel Lordêllo, Marcelo Vittorino, Ronaldo Barroso, Tasso Leal
Revisão
Roberta Gomes
Foto Capa
Adilvan Nogueira, Creche Municipal Sonho Encantado, Palmas (TO)
Envie cartas para o endereço:
Ministério da Educação – Coordenação-Geral de Educação Infantil – DPE/SEB
Esplanada dos Ministérios, Bloco L – Edifício Sede, 6o andar – Sala 623
70047-900 Brasília (DF). Tel: (61) 2104 8645
E-mail: revistacrianca@mec.gov.br
Tiragem desta edição: 200 mil exemplares
Novembro de 2007
Ministério
da Educação
3. sumário
5 19 34
4 carta ao professor
5 entrevista
Consciência ecológica se aprende com o pé no chão
9 caleidoscópio
Alfabetização e letramento: a experiência de São Luís
A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil
Um currículo centrado na arte
18 professor faz literatura
Coragem
19 matéria de capa
A inclusão de crianças com deficiência cresce e muda a prática
das creches e pré-escolas
27 artigo
Revista Criança completa 25 anos de circulação
30 relato
Entre o encontro de objetos e a busca de sujeitos
34 reportagem
Fundeb amplia financiamento e inclui cheches e pré-escolas
38 resenha
40 notas
41 cartas
revista criança 3
4. carta ao professor
Prezado (a) e professor (a),
Estamos vivendo um importante momento para toda a educação básica. Em janeiro
deste ano, passou a vigorar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Embora a legislação assegure a educação como direito de todo cidadão, a universalização
do acesso, especialmente na educação infantil, ainda é um grande desafio. O novo Fundo repre-
senta um marco histórico, pois pela primeira vez a educação infantil terá um sistema de financia-
mento normatizado em lei. Com os novos recursos, pretende-se ampliar a oferta e contribuir para
a qualidade do atendimento, garantindo condições mais igualitárias de permanência nas escolas.
Esta edição da Revista Criança traz entrevista com a professora Léa Tiriba, que abor-
da a importante temática da relação da criança com a natureza, cada vez mais significativa
em tempos de aquecimento global.
Na seção Caleidoscópio, a revista dá continuidade à discussão iniciada na edição an-
terior a respeito dos enfoques curriculares na educação infantil. Falar sobre currículo é em-
polgante e, quando o diálogo inclui professores, gestores municipais e pesquisadores, o assunto
torna-se ainda mais atraente.
A Matéria de Capa apresenta os avanços e os desafios da inclusão da criança com
deficiência na educação infantil. Ela também mostra a experiência de dois municípios que
estão garantindo o direito de toda criança à convivência, à educação e à participação ativa na
sociedade.
A seção Reportagem conta sobre a mobilização para que creches e pré-escolas fossem
incluídas no Fundeb. Você vai entender como funciona o fundo e como foi seu processo de cria-
ção, democrático e participativo.
As seções de Resenhas, Cartas e Artes trazem elementos que contribuem para a for-
mação dos professores de educação infantil. Continuem nos escrevendo e enviando suas contri-
buições para as seções de Relato de Experiência, Professor faz Literatura e Cartas.
Boa leitura!
4 revista criança
6. entrevista
processos separados, explica a educadora. Léa inspira-se na filosofia de Espinosa
para concluir que as instituições educacionais devem ser vistas como “espaços
de vivência do que é bom, do que alegra, e, frente à vida, nos faz potentes”.
A professora propõe: “vamos ultrapassar as paredes de concreto, alargar
as janelas das salas, deixar as crianças de pés descalços, passar mais tem-
po ao ar livre”. Mesmo nas grandes cidades, em que as pré-escolas muitas
vezes têm espaço limitado, é possível fazer que a criança passe menos
tempo “emparedada”. Ela lembra que há sempre um parquinho por perto,
uma praça ou mesmo um terreno baldio que podem ser utilizados. “Como
aprender a respeitar a natureza se as crianças não convivem com seus
elementos?”, pergunta Léa. Criança feliz põe os pés na terra, toma banho
de mangueira, observa e interage com a natureza: “Ela é capaz de passar
horas observando um formigueiro e tudo o que o professor deve fazer é
participar dessas descobertas”, exemplifica.
Léa Tiriba observou que a maioria das unidades de educação infantil
possui pátios com pisos cobertos. Em uma escola, reparou que, por baixo
da cobertura de pedra, a terra foi isolada com um plástico preto. “Uma for-
ma de evitar o crescimento de plantas e, assim, afastar os insetos”, explicaram.
E acrescenta: “A grama, onde existe, muitas vezes não está liberada para as crian-
ças, sob o pretexto de que nela não se pode pisar.” Dessa forma, as crianças são
privadas de brincadeiras como cavar, amontoar, criar, construir e demolir; atividades tão
desejadas, que só a terra e a areia propiciam.
Geralmente, a vegetação presente nas creches e nas escolas reforça a concepção de que a na-
tureza está à disposição dos humanos. Ela tem função decorativa ou instrumental. Isto é, a relação
das crianças com o mundo vegetal é mediada por objetivos pedagógicos que visam a construção de
noções abstratas.
Não se mostra, na prática, os processos de nascimento e de desenvolvimento dos frutos da
terra. São raríssimas as instituições em que as atividades de plantio e manutenção de hortas e
jardins incluem efetivamente as crianças. As torneiras servem apenas para limpar os espaços
e lavar as mãos delas. No verão, há banhos de mangueira ou de piscina. Mas, apesar das
altas temperaturas, não acontecem diariamente. Colocar barquinho de papel na corren-
teza em dias de chuva, brincar de comidinha, dar banho em boneca, nada disso é
corriqueiro. Pelo contrário, é exceção.
Confinamento e controle
Tiriba ressalta que desfrutar da vida ao ar livre é um direito da criança. Mas
o contato com o mundo natural está geralmente relacionado à sujeira, à
desorganização, à doença e ao perigo: “A natureza é vista como ameaça
à organização do cotidiano e da vida, planificada e pautada nos ideais
de previsibilidade. Portanto, a solução é privar os meninos e meninas de
atividades que poderiam, na visão das famílias, afetar a saúde.”
Léa observa ainda que manter o cotidiano distanciado da natureza
facilita o processo de controle. Na concepção das educadoras, em
6 revista criança
7. entrevista
espaços abertos, as crianças “ficam mais livres” e, portanto, mais “difíceis de con-
trolar”. Tal necessidade, segundo a professora, leva a uma pedagogia que privi-
legia os espaços fechados. “A própria formação dos educadores é pensada
tendo os espaços das salas como referência”, conclui.
Outro fator que impede o contato com a natureza é um fenômeno que
Léa chama de “ideologia do espaço construído”. A crescente demanda
por creches e escolas resulta na ocupação de todos os espaços do
terreno com edificações. O ar livre é tomado por novas salas, as áreas
verdes somem, as crianças ficam emparedadas. Isso ocorre não só
pela falta de recursos econômicos, mas também “por uma política as-
sistencialista equivocada, que visa estender a cobertura do atendimen-
to sem assegurar qualidade de vida”.
Além do mais, a professora chama a atenção para o fato de que costu-
ma-se valorizar o aprendizado concreto em detrimento da oferta de vivên-
cias, de experiências emotivas e de sensações que só a natureza pode pro-
porcionar. Essa alternativa não ocorre porque, segundo Tiriba, “os sentimentos
não servem para confirmar o que foi trabalhado de forma sistemática”.
As crianças, por sua vez, têm verdadeiro fascínio pelos espaços externos por-
que eles são o lugar da liberdade. Ao ar livre, as vivências suscitam encontros e as
disputas são amenizadas.
Supervalorização do intelecto
Segundo Léa Tiriba, paradigmas como esses vêm sendo repetidos nas práticas das salas de aula
há pelo menos trezentos anos: “Foi dessa forma que chegamos ao estado de estranhamento entre
natureza e ser humano. Não nos percebemos mais como parte de um todo planetário, cósmico.
Confirmou-se uma visão antropocêntrica que atribui ao ser humano todos os poderes sobre as
demais espécies. Acreditamos ser proprietários da natureza, os grandes administradores do
planeta”, afirma.
A razão, segundo a professora, sobrepôs-se aos ritmos naturais, vistos como obs-
táculos para um espírito pesquisador, desvendador de todos os mistérios da vida.
Um espírito capaz, até mesmo, “de determinar os rumos da história”. A supervalo-
rização do intelecto resultou no desprezo pelas vontades do corpo, provocando
o divórcio entre corpo e mente. Para ela, as relações com a natureza, vitais e
constitutivas do humano, são pouco valorizadas porque o homem moder-
no foi se desgarrando de suas origens animais, sensitivas, corpóreas.
Disciplina e alienação
A rotina pode ser inimiga da conscientização. Limitar as vontades e as
necessidades é distanciar a criança do mundo natural. As repetições diárias
das instituições educacionais acabam por separar também corpo e mente,
razão e emoção. Segundo Léa, o projeto pedagógico deve ser pensado
revista criança 7
8. entrevista
de forma que possa harmonizar o porque produz corpos dóceis e Desconstruir para
sentir e o pensar. Um sistema aten- disciplinados. Assim, “alienado sobreviver
to às vontades do corpo, que não da realidade natural e da realida-
aprisione os movimentos e que es- de corporal-espiritual, o modo Léa Tiriba chama a atenção
timule a liberdade de expressão. de funcionamento escolar contribui para o fato de que os educado-
“O professor deve sempre se para o aprofundamento de uma ló- res se preocupam em definir as
perguntar se está aproveitando gica que produz desequilíbrios no políticas sobre edificações, orga-
tempo e espaço de forma sau- plano das três ecologias”. nização das instituições, projetos
dável e positiva. Criança precisa pedagógicos e propostas de for-
de um ambiente alegre e criativo. mação profissional. Mas os pátios
Quando determinamos hora exata Degradação ecológica abertos raramente são menciona-
para comer, ir ao banheiro, brin- dos. “A necessidade de contato
car etc., criamos um imperativo Em sua tese de doutorado, com a natureza não está clara em
pedagógico que aliena os ritmos Léa Tiriba foi buscar na História a documentos, diretrizes, padrões
internos delas e altera o equilíbrio origem da degradação ambiental de infra-estrutura ou propostas
de sua ecologia pessoal.” que ameaça a vida no nosso pla- pedagógicas”, critica ela.
Uma das inspirações para neta. Para isso, foi preciso com- No entanto, a professora lem-
sua pesquisa é o conceito de preender como se concretizou a bra que as instituições educacio-
ecosofia, formulado pelo filóso- separação entre seres humanos nais são espaços perfeitos para
fo Félix Guattari. A ecosofia ar- e natureza, ao longo da história desconstruir e reinventar estilos
ticula as ecologias pessoal, so- do ocidente. Segundo ela, “as de vida. Particularmente, as ins-
cial e ambiental. Léa explica que origens históricas e filosóficas do tituições de educação infantil são
“a ecologia pessoal diz respeito nosso estilo de vida resultaram em campos férteis para as revoluções
à qualidade das relações de cada um modelo de desenvolvimento moleculares propostas por Félix
ser humano consigo mesmo; a que produz, ao mesmo tempo, Guattari. Isso porque as crianças
ecologia social está relacionada desigualdade social, desequilíbrio pequenas ainda não sofreram
à qualidade das relações dos se- ambiental e sofrimento pessoal”. inteiramente os efeitos da insti-
res humanos entre si; e a ecologia A partir da Revolução Industrial, tucionalização escolar. Portanto,
ambiental diz respeito às relações passamos a pensar que o homem “são mais flexíveis e abertas às
dos seres humanos com a natu- é superior à natureza e não parte possibilidades de subversão e
reza”. Reunidos, esses registros integrante dela. transgressão de práticas que sus-
ecológicos expressam as dimen- A professora entende que “as tentam a lógica capitalista”, afirma
sões da existência. E, portanto, conexões que se estabeleceram a educadora.
definem equilíbrios ecosóficos que entre a economia, a ciência e Para se alcançar um novo
expressam a qualidade de vida na a filosofia formaram uma nova equilíbrio ecosófico, Léa sugere
Terra. A partir desta referência, a rede de conceitos e de valores que, além de qualquer curso ou
professora chegou ao seguinte que vem dando sustentação seminário de formação, é neces-
questionamento: qual a qualidade ideológica a uma forma de or- sário transformar nossos valores.
das relações de cada ser humano ganização social voltada para a Ela prega mudanças nos padrões
consigo mesmo, com os outros acumulação de bens”. A partir de consumo; a desconfiança do
humanos, e com as outras espé- de então, a natureza passou a poder explicativo do racionalismo
cies que habitam a Terra? ter apenas valor comercial. Tudo científico; a superação do antro-
De acordo com Léa, a estra- que vem da terra é visto como pocentrismo e da ideologia do
tégia de emparedamento das matéria-prima a ser transforma- trabalho como fonte de aprimora-
crianças serve ao capitalismo da em bem de consumo. mento humano.•
8 revista criança
9. caleidoscópio
Neste Caleidoscópio, damos continuidade à discussão
iniciada na última edição da Revista Criança sobre o currí-
culo na educação infantil. O desdobramento do tema leva
em conta o grande desafio que está colocado para a edu-
cação infantil em relação à construção de um currículo que
atenda às necessidades de cuidado e de educação das
crianças de 0 até 6 anos. E também a grande diversidade
de abordagens sobre o assunto.
A fim de participar deste Caleidoscópio, convidamos as
professoras Eliane Maria Pinto Pedrosa e Rosa Constância
Abreu, respectivamente coordenadora pedagógica e supe-
rintendente de educação infantil da Secretaria Municipal de
Educação de São Luís (MA), para mostrarem a importância
de um currículo focado na alfabetização e letramento para
que as crianças possam participar e usufruir dos espaços e
dos bens disponibilizados pelo mundo letrado.
Já a professora Ângela Meyer Borba, da Universidade
Federal Fluminense, defende um currículo para a educação
infantil que considere a brincadeira como forma privilegia-
da de interação da criança com outros sujeitos e com os
objetos da natureza. Segundo ela, brincando, elas se apro-
priam criativamente de formas de ação social tipicamente
humanas.
Por sua vez, a professora Josely Pereira Lôbo, da Escola
Municipal Henfil, de Belo Horizonte (MG), afirma que o eixo
central de um currículo para a educação infantil deve ser a
arte, uma vez que é por meio dela que as pessoas podem
comunicar o que vêm, pensam, sentem e imaginam.
10. caleidoscópio
Alfabetização e letramento: a
experiência de São Luís
Eliane Maria Pinto Pedrosa*
Rosa Constância Abreu*
Trabalhar com um currículo fo- Mobilizado por essa intenção, Ambiente alfabetizador
cado na alfabetização e no letra- o Programa vem produzindo, pro-
mento não é um processo fácil, gressivamente, resultados mar- Já é possível perceber, nes-
mas quando se tem um gran- cantes nas escolas da rede como sas instituições, a criação de um
de objetivo, todo esforço vale a um todo. Entretanto, nos limites ambiente alfabetizador, que se
pena. Principalmente quando o deste texto, focalizaremos as uni- expressa tanto na organização
desafio significa garantir a todas dades de educação infantil, que da escola e das salas de aulas,
as crianças e jovens o direito de compreendem 75 escolas e 12 quanto na sistematização crite-
aprender a ler, a escrever e a usar anexos, atendendo 15.869 crian- riosa de rotinas e no desenvol-
nossa língua em diferentes con- ças de 4 e 5 anos e 1.711 crian- vimento de atividades didáticas.
textos e situações. Isso como ças de 3 anos, em creches. Esse ambiente alfabetizador tem
condição imprescindível para que Um aspecto muito importante propiciado, em processo crescen-
continuem aprendendo e possam neste processo, e que possibili- te, a compreensão e a valorização
participar e usufruir dos espaços tou decisões fundamentais so- da cultura escrita, a apropriação
e dos bens disponibilizados pelo bre o caminho que vem sendo do sistema alfabético, o desenvol-
mundo letrado. percorrido, é o entendimento vimento da oralidade e da prática
Foi essa compreensão que apresentado por Soares (2003) de leitura e de produção textual.
moveu a Secretaria Municipal de de que é necessário assegurar Como forma de garantir ade-
Educação (Semed) de São Luís, aos alunos, de forma articulada, quadamente esse processo, é
no Maranhão, a priorizar, nas es- a conquista do princípio alfabéti- realizado o diagnóstico sobre os
colas de educação infantil e do co da língua e a condição plena conhecimentos que as crianças
ensino fundamental, um currículo de inserção e de participação na já possuem a respeito da escrita.
voltado para alfabetização e le- cultura escrita. Isso possibilita a organização de
tramento dos meninos, das me- Compreendemos que as de- agrupamentos produtivos, a se-
ninas, dos jovens e adultos que cisões devem levar em conta a leção de atividades e as interven-
atende. Decisão que já vinha se complexidade do processo, sem ções pedagógicas que favoreçam
desenhando anos antes, a partir descuidar dos outros campos de o avanço das crianças.
de grupos de estudos, oficinas saberes que compõem o currícu- Para potencializar a aprendiza-
e cursos, mas que alcançou di- lo da educação infantil. E é nesse gem do ler e do escrever, são da-
mensões maiores quando, no sentido que as escolas de educa- das oportunidades aos alunos de
ano de 2002, a Semed implantou ção infantil da rede municipal de contatos com uma diversidade de
o Programa “São Luís Te Quero ensino de São Luís caminham. textos, priorizando-se os que eles
Lendo e Escrevendo”.
* Eliane é coordenadora pedagógica das UEB Dayse Linhares de Sousa e Paulo Freire, da rede municipal de ensino de São Luís (MA).
* Rosa é superintendente da área de educação infantil da Semed de São Luís (MA).
10 revista criança
11. caleidoscópio
já conhecem de memória, como compartilhada com os alunos e que permitiu às crianças, simulta-
as parlendas, as canções e as po- exercício de práticas autênticas neamente, a produção de textos, a
esias. A partir desses textos, são com a língua escrita, mas, so- prática da leitura e o desenvolvi-
apresentadas situações que lhes bretudo, porque têm favorecido, mento de capacidades relativas à
permitem refletir sobre a escrita, simultaneamente, a apropriação linguagem musical.
mobilizar estratégias de leitura e de conteúdos das outras áreas Ainda estamos caminhando, mas
avançar na compreensão do fun- do conhecimento que compõem os bons resultados já são evidentes.
cionamento da língua. o currículo da educação infantil. Nessa travessia, cada escola busca
Para a efetivação de prática Como exemplo, podemos ci- uma forma particular de traçar o seu
educativa de tamanho alcance, tar o Projeto dos pregoeiros, que, percurso. O que existe em comum
uma das ações estratégicas do articulando os eixos de Lingua- é que todas, na condição de apren-
programa é a formação continua- gem oral e escrita e de Nature- dizes, aprendem a fazer fazendo,
da dos profissionais. Tais ações se za e sociedade, culminou com a subsidiadas pela reflexão perma-
revelam, fundamentalmente, mo- elaboração de um livro intitulado nente, pelo estudo e pelas deci-
mentos de reflexão sobre a prática, A arte de pregoar. As crianças sões coletivas.
de compartilhamento de idéias e leram textos, elaboraram e rea- Enfim, esse programa está re-
inquietações, de desestabilização lizaram entrevistas, registraram vestido do desejo de acertar, bus-
de conceitos e de aprofundamento observações, produziram e revi- cando a qualidade que assegure
e ampliação de questões teóricas saram textos para compor o livro. às crianças a habilidade de usar a
e metodológicas. Uma preocupa- Assim, à medida que adquiriam língua escrita, como leitores e es-
ção fundamental é a organização conhecimento sobre a língua, elas critores autênticos e plenos.•
de atividades que favoreçam uma aprendiam também sobre o modo
relação prazerosa do professor de ser e de viver desses trabalha-
com a leitura e a escrita, condi- dores ambulantes que tanto lhes
BIBLIOGRAFIA
ção determinante para assegurar a seduzem quando dizem versos
possibilidade dos alunos se torna- encantadores, conhecidos como MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo
Federal. Referêncial Curricular Nacional
rem leitores e escritores de fato. pregões, para vender seus produ- para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998.
tos pelas ruas de nossa cidade. Semed – Prefeitura de São Luís. Programa
São Luís te Quero Lendo e Escrevendo,
Outro projeto muito interessan- 2002.
Bons resultados te foi o Nas asas do carcará, ar- SOARES, Magda. Letramento e escolari-
zação. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org.).
ticulado em torno da música e da Letramento no Brasil. São Paulo: Global
Os projetos didáticos têm ocu- linguagem. O projeto resultou em Editora, 2003.
PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy;
pado lugar especial nesse con- coral com as canções do grande PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia (Orgs.).
Literatura e letramento: espaços, su-
texto, não só pela possibilidade artista maranhense João do Vale. portes, interfaces – o jogo do livro. Belo
do planejamento, da execução Foi uma experiência enriquecedora Horizonte: Autêntica Editora, 2003.
revista criança 11
12. caleidoscópio
A brincadeira como experiência
de cultura na educação infantil
Angela Meyer Borba*
A brincadeira sempre foi uma atividade significativa na vida dos ho-
mens em diferentes épocas e lugares. Estudos históricos mostram que
muitos jogos e brincadeiras da Europa medieval permanecem, ainda
hoje, em muitas partes do mundo. A brincadeira é, portanto, uma ativi-
dade que, ao mesmo tempo, identifica e diversifica os seres humanos
em diferentes tempos e espaços. É também uma forma de ação que
contribui para a construção da vida social coletiva. Como patrimônio
e prática cultural, a brincadeira cria laços de solidariedade e de comu-
nhão entre os sujeitos que dela participam.
Para as crianças, a brincadeira é uma forma privilegiada de interação
com outros sujeitos, adultos e crianças, e com os objetos e a natureza
à sua volta. Brincando, elas se apropriam criativamente de formas de
ação social tipicamente humanas e de práticas sociais específicas dos
grupos aos quais pertencem, aprendendo sobre si mesmas e sobre o
mundo em que vivem. Se entendermos que a infância é um período
em que o ser humano está se constituindo culturalmente, a brincadeira
assume importância fundamental como forma de participação social e
como atividade que possibilita a apropriação, a ressignificação e a ree-
laboração da cultura pelas crianças.
A compreensão das crianças como sujeitos de cultura vem pro-
vocando uma revisão dos currículos para a educação infantil. Assim,
dimensões culturais como a brincadeira e as diferentes formas de ex-
pressão artísticas deixam de ser atividades secundárias, ganhando
relevo e adquirindo a mesma importância que as atividades voltadas
para conhecimentos mais específicos, como é o caso da leitura e
da escrita. Ou seja, o currículo da educação infantil deverá integrar a
brincadeira, a música, a dança, as artes plásticas e a literatura, entre
outras produções culturais, ao trabalho com os conhecimentos dos
vários ramos das ciências.
Os espaços de educação infantil precisam garantir às crianças tanto
suas necessidades básicas físicas e emocionais quanto as de participa-
ção social, de trocas e interações, de constituição de identidades e sub-
jetividades, de ampliação progressiva de experiências e conhecimentos
sobre o mundo, sobre si mesmas e sobre as relações entre as pessoas.
Essas diferentes dimensões se articulam por meio de um trabalho focado
nas relações sociais entre adultos e crianças, e destas entre si mesmas.
* Doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde é professora e membro do grupo gestor da Creche UFF.
12 revista criança
13. caleidoscópio
Ampliar as experiências entre as crianças e destas com a construção com areia, ou em uma
natureza e com a cultura? Ou, ao atividade de desenho ou qualquer
É preciso ultrapassar o trabalho contrário, os espaços e os tem- outra forma de expressão gráfica.
centrado apenas em conteúdos pos de brincar têm sido crescen- Isso porque em todas essas ativi-
específicos. O que isso signifi- temente reduzidos à medida que dades ela tem a possibilidade de
ca? Quando pesquisamos com as crianças avançam nas suas fazer escolhas, tomar decisões,
as crianças, por exemplo, sobre idades e segmentos escolares? experimentar, descobrir, aprender,
abelhas, mais importante que Vejamos uma situação relata- transformar, atribuir novos senti-
aprender a classificá-las é aguçar da pela mãe de uma criança de dos às coisas.
sua curiosidade sobre o ambiente 5 anos: A escola, entretanto, ao organi-
natural e sobre os conhecimentos zar sua rotina e planejar atividades
científicos, incorporar atitudes de João chega em casa da es- pedagógicas, separa a brincadei-
preservação da natureza, apren- cola com uma expressão tris- ra do trabalho e também o prazer
der a trabalhar de forma coopera- te e senta-se no sofá pensativo. do conhecimento. Será que essas
tiva, reconhecer que se pode sa- A mãe pergunta: dimensões não podem estar arti-
ber mais nos livros, na internet ou - O que aconteceu, João? culadas no trabalho com a crian-
dialogando com outras pessoas e Ele responde: ça? Como organizar o cotidiano
especialistas, apropriar-se de dife- -Eu não tô gostando nada des- da educação infantil de modo a
rentes formas de argumentar, re- sa minha vida. Agora não dá mais garantir a brincadeira como ativi-
gistrar e comunicar seus saberes tempo de brincar. Hoje foi só um dade significativa, inseparável do
por meio da escrita, da oralidade, pouquinho no lanche. processo de construção de co-
do desenho etc. A mãe perguntou o que ele ti- nhecimentos, comunicação e in-
Assim, a criança não estará nha feito na escola e João fala que terações sociais?
simplesmente incorporando con- ficou escrevendo letras e palavri-
teúdos, mas ampliando suas ex- nhas.
periências e se apropriando de Ações para o brincar
formas de pensar, de conhecer e Que fatores levam à perda do
de agir sobre o mundo. Do mes- espaço da brincadeira? Por que Uma ação importante é a or-
mo modo isso ocorre por meio da as práticas voltadas para o ensi- ganização dos espaços de
brincadeira, quando as crianças no vão cada vez mais limitando as forma a disponibilizar brinquedos
representam, por exemplo, ce- brincadeiras e as interações so- e materiais para as crianças, ofe-
nas da vida cotidiana, assumindo ciais das crianças com seus pares recendo diferentes possibilidades
papéis, construindo narrativas, e com o ambiente ao seu redor? de interação e de significado. Os
apropriando-se e reinventando Basta observar com atenção uma espaços da educação infantil de-
práticas sociais e culturais. criança interagindo com o am- vem ser alegres, aconchegantes e
Mas perguntamos: será que os biente no seu entorno e consta- acolhedores, de forma a apoiar os
avanços já identificados em mui- taremos que ela é capaz de se movimentos e as relações sociais
tas propostas curriculares e os envolver com igual alegria, prazer, das crianças, incentivando sua
discursos pedagógicos voltados concentração e investimento em autoria e autonomia na formação
para a infância vêm efetivamente uma brincadeira com bola, em de grupos e construção de suas
se concretizando? As crianças uma brincadeira de faz-de-conta, brincadeiras. Desse modo, é ne-
têm sido apoiadas e incentiva- em uma observação curiosa e cessário que estimulem suas ca-
das a brincar? Os espaços e os investigativa da natureza como, pacidades de imaginar e de criar
tempos das instituições propiciam por exemplo, olhar o trabalho das diferentes cenários, narrativas, si-
interações lúdicas significativas formigas, em uma atividade de tuações, papéis e construções.
revista criança 13
14. caleidoscópio
É importante que estejam dis- sa da realidade natural e social;
poníveis para as crianças objetos/ o conhecimento de brincadeiras
brinquedos, tais como caixas, tradicionais da nossa cultura,
panos, objetos para construção, das famílias e da comunidade a
bonecos, papéis de diferentes ta- que pertencem as crianças.
manhos, fantasias, além de obje- Por outro lado, o brincar tam-
tos variados da vida social. Esses bém alimenta outros planos de
materiais devem funcionar como ação e de aprendizagem. A in-
suportes e possibilidades de es- corporação da dimensão lúdi-
colha e de combinações para as ca no trabalho com os conheci-
ações, interações e invenções das mentos das várias áreas contribui
crianças (GUIMARÃES, 2006). para que as crianças estabele-
O educador também deve çam associações e significações
acompanhar, observar e apoiar que ampliam suas possibilidades
atentamente as crianças nas suas de aprendizagem. Desse modo,
brincadeiras. Desse modo, pode- podemos, por exemplo, brincar
rá compreendê-las e conhecê-las com as palavras: fazer rimas, tra-
melhor, reconhecer suas diferen- va-línguas, adivinhações; inventar
ças e especificidades, incentivar e novas palavras; conhecer, apre-
sustentar suas criações, oferecen- ciar e recriar parlendas e poesias,
do-lhes materiais, ajudando-as entre outras possibilidades. Bin-
quando necessário, estimulando gos com nomes ou numerais, tri-
novos relacionamentos, encora- lhas, dominós, quebra-cabeças,
jando a participação, ou seja, cui- caça-palavras oferecem também
dando para que os espaços sejam muitas possibilidades de ativida-
convidativos à interação social, à des lúdicas que mobilizam apro-
imaginação e à criação. priações de conhecimentos de
O brincar alimenta-se das re- diferentes campos do saber.
ferências e do acervo cultural Enfim, o brincar, tanto para edu-
a que as crianças têm acesso, cadores como para as crianças,
bem como das experiências que constitui uma atividade humana
elas têm com outros planos de promotora de muitas aprendiza-
BIBLIOGRAFIA
ação. Assim, o educador po- gens e experiências de cultura.
BORBA, Angela Meyer. O brincar como um
derá ampliar e enriquecer as É parte integrante do processo modo de ser e estar no mundo. In: MEC/
possibilidades de ação lúdica ao educativo, devendo ser incenti- SEB. Ensino fundamental de nove anos:
orientações para a inclusão das crianças de
trabalhar: a apreciação e a pro- vada, garantida e enriquecida. É seis anos de idade. Brasília: Ministério da
dução de diferentes formas de também canal de encontro e de Educação, 2006.
BROUGÈRE, G. A criança e a cultura lúdica.
expressão artística, tais como diálogo entre adultos e crianças, In: KYSHIMOTO, T.M. (org.). O brincar e
suas teorias. São Paulo: Thomson Pionei-
a literatura (poesia, contos tra- diálogo que se faz com encan- ra, 2002.
dicionais, lendas, trava-línguas tamento, alegria, criatividade, GUIMARÃES, Daniela de O. Educação in-
fantil: espaços e experiências. In: Série “O
etc.), o teatro, as artes plásticas, imaginação, transgressão, par- cotidiano na educação infantil”. Boletim
a música, a fotografia, o cinema ticipação e cooperação. Que tal 23, Programa Salto para o Futuro, TVE, Rio
de Janeiro, novembro de 2006. Disponível
etc.; temas que interessam às aprender com as crianças a in- em: http//www.tvebrasil.com.br/SALTO.
crianças e conhecimentos a eles verter a ordem, a rir, a represen- Acesso em: 5/3/2007.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da
associados; a observação curio- tar, a sonhar e a imaginar? • mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
14 revista criança
15. caleidoscópio
Um currículo centrado na arte
Josely Pereira Lôbo*
A Escola Municipal Henfil de Cada turma tem quatro horas conhecido, observado, explorado,
educação infantil atende crian- semanais destinadas às aulas de interpretado e ressignificado pelas
ças na faixa etária de 3 a 5 anos artes distribuídas em dois módulos crianças. Assim, contribuímos para
e tem como objetivo central de- de duas horas. Com o intuito de que descubram seu próprio poten-
senvolver as várias dimensões do garantir a vivência direta de todas cial, enriqueçam-se estética e espi-
sujeito educando, preocupando- as professoras com o trabalho de ritualmente, tenham autoconfiança,
se com a totalidade da forma- artes, propusemo-nos a realizar um tornem-se autônomas e se certifi-
ção humana. Para alcançar essa rodízio de dois em dois anos. Preo- quem de que hoje elas são “peque-
meta, a escola tem considerado cupamo-nos muito com a formação nas grandes” artistas.
como eixo central de seu currícu- em serviço. Para essa formação, te- Procuramos propiciar momen-
lo o trabalho com as artes e suas mos encontros semanais nos quais tos de observação, sensibilização,
múltiplas linguagens. Acredita-se discutimos questões relacionadas exploração, experimentação e cria-
que por meio delas as pessoas às turmas, projetos específicos da ção, valorizando o trabalho de cada
podem comunicar um pouco do sala e da “Oficina de Artes”, trocas criança. A participação das famí-
que vêem, pensam, sentem, ima- de experiências, estudos etc. Pro- lias por meio da apreciação, visita
ginam. A escola como um todo se curamos, também, sempre ampliar às nossas exposições, oficinas na
expressa artisticamente. o acervo bibliográfico, até mesmo o escola e auxílio no “Para casa” tam-
Nesse contexto, desde o início repertório de artistas, tendo sempre bém fortaleceram o trabalho.
da Escola Henfil, há dez anos, ar- os Referenciais Curriculares à mão. No início do ano, desenvolvemos
ticulamo-nos e lutamos pela cons- muitas técnicas com as crianças,
trução de uma sala específica para utilizando materiais variados, tendo
aulas de artes. Hoje, contamos Tarsila do Amaral como objetivo a exploração e a ma-
com a “Oficina de Artes” com uma nipulação. Nos meses seguintes,
estrutura que favorece a explora- No início de 2006, as três profes- trabalhamos com desenhos livres
ção, a experimentação e a criação soras da “Oficina de Artes” desen- e dirigidos, modelagem, poesias e
das crianças. Ela é ampla, rica em volveram, cada qual com sua turma, músicas que permearam o estudo
materiais variados (canetinhas, ca- um projeto, tendo em comum as das obras de Tarsila do Amaral.
netões, lápis de cor e de cera, pin- obras da artista brasileira Tarsila do As poesias escolhidas foram de
céis grossos e finos, tintas diver- Amaral. Nosso principal objetivo era Vinícius de Moraes. Interpreta-
sas, papéis coloridos de diferentes propiciar às crianças maior contato mos, recitamos e fizemos apre-
texturas, botões, linhas e lãs, areia com as múltiplas linguagens, por en- sentações com alunos de 3 anos.
colorida, bolinha de sabão, suca- tendermos que o vasto mundo das As obras foram registradas em um
tas, revistas, livros, brinquedos artes, seja pintura, desenho, escul- caderno que, durante o ano, foi
etc.) sendo muitos deles objetos tura, literatura, cerâmica, arquitetura, para casa para apreciação ou para
de fácil acesso das crianças, o que modelagem, dança, música, poesia, realização de alguma tarefa com a
ajuda em muito o trabalho. teatro, cinema, fotografia, deve ser participação das famílias.
* Professora de educação infantil da rede municipal de Belo Horizonte. Trabalha atualmente na Escola Municipal Henfil com Oficinas de Artes
para crianças de 3 a 5 anos.
revista criança 15
16. caleidoscópio
Utilizamos as cores primárias: riormente, mudei o enfoque me- entorno da Lagoa da Pampulha
azul, amarelo e magenta, mistu- todológico do projeto para não e o Parque José Lins do Rego.
rando-as para descobrir novas fazermos cópias e sim releituras Depois, construímos um painel
cores. As crianças quiseram sa- das obras, adequando-as à nossa do Brejinho como o encontra-
ber como fazer para clarear ou vivência e realidade social. mos e uma maquete da Lagoa
escurecer as cores. Daí passa- Manacá – Foi trabalhada com da Pampulha.
mos a usar o branco e o preto. as três turmas: após observação e Sol poente / a lua – Foram
Tais atividades de mistura das co- apreciação, levei para sala rosas, trabalhadas com a turma de 3
res proporcionaram momentos de margaridas, violetas e jardineiras anos, após a ida ao Brejinho, na
curiosidade, de criação, de alegria (gerânios). As crianças fizeram rodinha, planejamos fazer um
e de descobertas. desenho de observação das flo- painel do dia e outro da noite.
Para o trabalho das obras de res e usaram diferentes técnicas Enviei um “Para casa” pedindo
Tarsila do Amaral, expusemos vá- para pintá-las. a observação do dia e da noite
rias obras da artista na parede da A família – Foi trabalhada por dois dias e depois uma arte
sala, e as crianças demonstraram com as três turmas: em uma sobre a observação. No pátio da
curiosidade em saber quem era oficina de pais e alunos, obser- escola, deitamos no chão e por
ela, o que significavam aquelas vamos e conhecemos a obra. alguns minutos observamos o
pinturas. Em algumas obras elas Cada representante da família céu. Daí, representamos o céu
demonstraram mais interesse que fez com sua criança, o desenho de dia com o que apareceu na-
em outras. da sua família. queles instantes: céu azul de tons
Na rodinha, apresentei o auto- Auto-retrato – Foi trabalhada diferentes e com poucas nuvens,
retrato da artista e combinei com com as três turmas: observação, três pássaros, um avião e uma
as crianças que iria contar a his- formulação de hipóteses sobre borboleta. Usamos tinta guache
tória dela em capítulos (cada dia ”como ela conseguiu fazer ela fazendo misturas de azul claro,
um pouquinho). Ao conhecer um mesma?”. E frente ao espelho de azul escuro e de branco para
pouco de sua história e obra, sem- cada criança fez seu auto-retrato. pintar o céu. As nuvens foram de
pre chamava a atenção dos alunos A cuca – Foi trabalhada com algodão, os pássaros modelados
para observarem as cores, as for- a turma de 4 anos: após conhe- com massinha e peninhas colori-
mas, os tamanhos, as proporções, cerem a obra, organizei uma ex- das, e o avião foi também mode-
a realidade social e, a partir do cursão ao Brejinho com as três lado com massinha
interesse de cada turma, explora- turmas. O Brejinho é um espaço A feira – Foi trabalhada com
mos mais uma tela que outra. próximo à escola com área ver- a turma de 5 anos: visitamos um
Abaporu – Primeira obra ex- de. Queria que as crianças ob- sacolão em frente à escola e fize-
plorada, porque as crianças de- servassem o caminho da escola mos a representação, com argila,
monstraram grande interesse por até lá, a vegetação existente (ti- das frutas e legumes. Organiza-
ela. Após observação e história da pos de plantas e flores), o céu, mos uma exposição para a escola
tela, quiseram reproduzí-la. Então, os tipos de construção, a água e famílias.
dei o desenho xerografado e elas (nascente). Como encontramos Morro da favela – Foi traba-
o pintaram. Ao avaliarmos a ativi- o Brejinho abandonado e com lhada com a turma de 5 anos:
dade, na rodinha, demonstraram queimadas, elas quiseram apro- fizemos um painel coletivo repre-
satisfação com o produto final e fundar o estudo sobre o lugar sentando uma rua do bairro, com
passamos a discutir os medos in- e suas melhorias, mudando os casas, prédios, árvores, asfalto,
teriores. Depois, elas desenharam rumos do projeto com esta tur- carros, ônibus e pessoas, ade-
o monstro de cada uma. Poste- ma. Fomos também conhecer o quados à nossa realidade.
16 revista criança
17. caleidoscópio
Avaliação e • que o pincel provoca efeitos di- BIBLIOGRAFIA
descobertas ferentes, se usado na posição ho- OLIVEIRA, Jô; GARCEZ, Lucilia. Expli-
cando a arte brasileira. Rio de Janeiro:
rizontal ou vertical; Ediouro, 2003.
A avaliação ocorria ao término de • que ao pintar uma paisagem é mais MANGE, Marlyn Diggs. Arte brasileira
para crianças. 2 ed. São Paulo: Martins
cada atividade realizada, ajudando fácil pintar primeiro o céu, depois a fontes, 1996.
a definir os rumos do projeto. Em terra. E delimitar a linha do horizonte MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo
Federal. Referêncial Curricular Nacional
nossas aulas, o diálogo era cons- para depois fazer desenhos; para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998.
SÁNCHEZ, Isidoro; BALLESTAR, Vicenç;
tante, seja no coletivo, nas rodinhas • que o trabalho fica ainda mais SÁBAT, Jord; MARUCCI, Liege M. S. Fa-
ou nas interações individuais, pos- bonito se ao final contornarmos, zendo Arte - Guache: Materiais, técnicas
e exercícios. São Paulo: Moderna, s/d.
sibilitando às crianças tornarem-se usando a cor branca ou preta. AZEVEDO, Heloiza de Aquino. Tarsila do
sujeitos do processo pedagógico. Ao realizarem estas atividades, Amaral - a primeira dama da arte brasi-
leira. Jundiaí (SP): Árvore do Saber, 2004.
Além disso, regularmente, as famí- as crianças estavam sempre ale- CUNHA, Sérgio. Arte, educação e
lias eram convidadas a participar da gres e entusiasmadas e gostavam projetos – Tarsila do Amaral para
Crianças e Educadores. Jundiaí (SP):
avaliação dos processos. muito do resultado final. O projeto Árvore do Saber, 2004.
A avaliação do desenvolvi- culminou com uma vernissage.
mento e aprendizagem ocorreu Apresentamos as obras das crian-
de forma permanente. Daí surgi- ças para toda a escola e para os
ram as dificuldades enfrentadas familiares, com uma bela apresen-
e as alternativas para melhorar tação artística delas.•
as atividades. Sempre com a fi-
nalidade de analisar os proces-
sos vividos e as construções rea-
lizadas, no sentido de reforçar as
aquisições de competências por
parte das crianças.
Estes trabalhos nos permitiram
fazer grandes e importantes des-
cobertas:
• que o céu possui vários tons
de azul;
• que podemos torná-lo mais claro
ou mais escuro, misturando tintas;
• que às vezes é melhor usar ro-
linho ou buchinha substituindo o
pincel grosso para pintar espaços
grandes ou pincel fino para pintar
espaços pequenos. E, para espa-
ços bem pequenos, usar também
cotonetes ou os dedinhos;
• que as nuvens escondem o sol
e o céu em dias de chuva;
• que a luz do dia, mesmo que
não apareça o sol, indica mais ou
menos a hora;
revista criança 17
18. professor faz literatura
Coragem
Maria Luiza dos Reis Teixeira*
Coragem
Força que brota no deserto
Vontade de que tudo dê certo
Ao viver uma situação caótica
Enxergar as coisas de diferente óptica.
Coragem
Para o erro reconhecer
Se necessário retroceder
Fazer uso da força motriz
Tornar-se um eterno aprendiz.
Coragem
Para os obstáculos enfrentar
Sem a mente turvar
Agir com lucidez
Deixar de lado a mesquinhez.
Coragem
Para se calar quando necessário
Saber respeitar o adversário
Perceber que o outro pode ter razão
Mesmo tendo outra opinião.
Coragem
Para perdoar e esquecer
Quando alguém se exceder
A visão alheia ignorar
Quando isso lhe prejudicar.
Coragem
Só no forte existe
E este não permite
Jamais se acovardar
Prefere sonhar e realizar.
* Professora municipal e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Presidente Olegário (MG).
18 revista criança
19. matéria de capa
A inclusão de crianças
com deficiência cresce
e muda a prática das
creches e pré-escolas
Rita de Biaggio | São Paulo/SP
O aumento do número de crianças deficientes na educação infantil
faz parte no movimento mundial pela inclusão. Mas se a política de
inclusão educacional traz benefícios para todos, também lança novos
desafios para instituições, professores e sociedade.
O número de crianças com algum tipo de deficiência na rede regular
de ensino do País cresce a cada ano. O impacto da política de inclusão
na educação infantil pode ser medido pelo crescimento das matrículas
entre 2002 e 2006. O crescimento não é casual, mas resultado da mobi-
lização da sociedade brasileira. A Constituição Brasileira de 1988 garante
o acesso ao ensino fundamental regular a todas as crianças e adolescen-
tes, sem exceção, e deixa claro que a criança com necessidade educa-
cional especial deve receber atendimento especializado complementar,
de preferência dentro da escola. A inclusão ganhou reforços com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e com a Convenção
da Guatemala, de 2001, que proíbem qualquer tipo de diferenciação, de
exclusão ou de restrição baseadas na deficiência das pessoas.
Segundo Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da Repúbli-
ca responsável pelos direitos do cidadão no Estado de São Paulo, no biê-
nio 2002–2004, “o acesso das pessoas com deficiência ao ensino formal
é garantido até pela legislação penal, pois o artigo 8o, da Lei no 7.853/89,
prevê como crime condutas que frustam, sem justa causa, a matrícula de
aluno com deficiência”. Sendo assim, a exclusão é crime.
Mãe de um filho com Síndrome de Down, ela foi autora, juntamen-
te com o procurador Sérgio Gardenghi Suiama, da recomendação
no 05/2007/MPF/PR/SP, em fevereiro deste ano, ao diretor da novela “Pá-
ginas da Vida” – na qual a personagem Clara, com Síndrome de Down,
foi recusada em várias escolas – para que não encerrasse o folhetim sem
deixar claro que o acesso de alunos com deficiência a escolas comuns não
é mera opção de seus pais ou responsáveis, e que a conduta excludente
das escolas pode ter conseqüências cíveis, penais e administrativas.
revista criança 19
20. matéria de capa
As escolas comuns são obrigadas
a receberem matrículas de crianças
especiais
Movimento mundial chega ao País
Eventos e acordos internacionais foram fundamentais para impulsionar
a criação de uma política educacional mais justa para todos, sobretudo
para os portadores de necessidades especiais. Entre eles, destaca-se
a Declaração mundial de educação para todos, resultado da Conferên-
cia Mundial de Educação, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990,
e, posteriormente, a Declaração de Salamanca, oriunda da Conferência
Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e qualidade
(UNESCO, 1994).
A Declaração de Salamanca ressalta que a educação de crianças com
necessidades educacionais especiais deve ser tarefa partilhada por pais
e profissionais. Para Rosa Blanco, consultora da Unesco, o conceito de
inclusão é “holístico, um modelo educacional guiado pela certeza de que
discriminar seres humanos é filosoficamente ilegal, e incluir é acreditar
que todos têm o direito de participar ativamente da educação e da so-
ciedade em geral”. Essa nova proposta educacional tem como alicerce:
acessibilidade, projeto político-pedagógico, criação de redes e de parce-
rias, formação de professores e atendimento educacional especializado.
Passado de segregação
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% das pes-
soas têm algum tipo de deficiência, o que representaria 15 milhões
de brasileiros, de acordo com o Censo do IBGE de 2000. Em 2004,
a fim de aprimorar a formulação de políticas públicas, o MEC passou
a definir melhor as várias categorias de deficiência. Assim, deficiência
auditiva/surdez é aquela em que, mesmo utilizando aparelho auditi-
vo, a pessoa não consegue ouvir a voz humana. A deficiência visual/
cegueira passa a se referir àquelas pessoas que, mesmo utilizando
óculos, continuam com dificuldade para enxergar. Assim, o universo de
20 revista criança
22. matéria de capa Crianças aprendem desde pequenas
a respeitar as diferenças
Responsabilidade coletiva
A professora Francisca Roseneide Furtado do Monte, consultora da
Seesp/MEC para a publicação Saberes e práticas da inclusão, distri-
buída para todas as escolas do país, também entende que “a inclusão
tem força legal e política para quebrar barreiras sólidas em torno das
minorias excluídas da sociedade”. Trata-se de uma experiência que
pode gerar conflitos e contradições, segundo Marilda Bruno, da Uni-
versidade Federal da Grande Dourados (MS), outra consultora para a
publicação do MEC. “A inclusão mobiliza a família, os professores, a
escola e os profissionais de apoio especializado. Nos primeiros me-
ses, pode gerar medo, angústia, tensão, dúvidas, tanto para a família
como para escola”.
Para ela, a escola ou a instituição de educação infantil torna-se
inclusiva quando há um projeto pedagógico elaborado coletivamente,
entre as instituições educativas, a família e os profissionais especia-
lizados. “A maior demanda encontra-se na esfera das atitudes, pos-
turas, formas de lidar com a diversidade e a diferença significativa de
cada aluno. Essa não deve ser responsabilidade só do professor, mas
do coletivo escolar”, avalia.
Marilda é mãe de André Gustavo, 32 anos de idade, mestre em
educação especial pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
e funcionário público concursado. Ele teve paralisia cerebral, defici-
ência visual severa e quadro neurológico de hipotonia e convulsões
freqüentes por seqüela de infecção hospitalar, ao nascer. Ingressou
na educação infantil com 1 ano e oito meses, não andava, nem falava.
Mas gostava muito de ir à creche e participar de todas as atividades,
do seu jeito. “Para André foi muito importante freqüentar uma insti-
tuição educativa cedo: aprendeu a falar, a conviver, a viver frustra-
ções, a conhecer suas possibilidades e a lidar com suas limitações
desde pequeno”, relembra.
Mudança de mentalidade
Para que a inclusão aconteça, é preciso olhar a educação de outro
modo. Isso é o que preconiza a professora Maria Tereza Eglér Mantoan,
coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Di-
versidade da Universidade Estadual de Campinas. Mantoan afirma que
a inclusão escolar “pegou a escola de calças curtas” e o nível de esco-
laridade mais atingido por essa inovação foi o do ensino fundamental,
apesar de estar “mexendo” também com a educação infantil.
A professora adverte que a escola, organizada como está, produz
a exclusão. Ela diz que para entender a razão de tanta dificuldade é
preciso analisar o contexto escolar. “Os alunos estão enturmados por
22 revista criança
24. matéria de capa
O grande desafio da formação
Rita de Biaggio | São Paulo/SP
Para a maioria dos especialistas, o professor é a peça-chave na implantação da educação inclusiva e
precisa ter uma melhor formação, em um processo contínuo e permanente. Essa formação não ocorre
meramente por meio de cursos de graduação, de pós-graduação ou de aperfeiçoamento.
Segundo Roseneide Furtado, especialista em educação especial/educação infantil, a formação con-
tinuada, com cursos de curta e média duração, é o caminho para garantir a aquisição de competências
relevantes para atuar junto a essas crianças. Ela também aponta a necessidade urgente de mudanças
nos cursos de formação de professores em geral, com destaque para os cursos da área de educação
infantil e seus currículos, os quais devem incluir conteúdos que favoreçam as práticas pedagógicas in-
clusivas.
Para Marilda Bruno, “nós professores temos dificuldade para romper com a idéia de homogeneidade
em que fomos formados: a criança ideal, abstrata, que se desenvolve e aprende de uma forma única.
Este é o grande desafio que a inclusão impõe à escola: lidar com a diversidade e buscar respostas para
as diferentes necessidades educacionais. Trabalhar com o nível de conhecimento, adaptar o ensino ao
interesse e ao ritmo de aprendizagem de cada aluno e ajudá-lo a progredir e a ter experiências significa-
tivas de aprendizagem são a chave da questão”.•
Educação inclusiva x altas habilidades/superdotação, e no cotidiano educacional e social.
educação especial abrange desde a educação infan- Hoje, os pais já não escondem
til até a educação superior. seus filhos com deficiência. As es-
Por isso, é necessário estar Hoje, o atendimento educacio- colas e instituições de educação
clara a diferença entre educação nal especializado é apenas com- infantil não podem negar a matrí-
inclusiva e educação especial. plemento da escolarização, e não cula, alegando não saber como
A educação inclusiva é um mo- substituto. Muitos municípios bra- atuar, e os professores buscam
vimento mundial fundamentado sileiros já começaram a adaptar aperfeiçoar sua prática, o que se
nos princípios dos direitos hu- escolas, a capacitar professores traduz em benefício não só dos
manos e da cidadania, tendo por e a comprar equipamentos. Salas alunos com deficiência, mas tam-
objetivo eliminar a discriminação multimeios, instaladas em escolas- bém de todos os alunos”, reitera
e a exclusão, para garantir o di- pólo, que servem outras escolas Cláudia Pereira Dutra. “Com uma
reito à igualdade de oportunida- e instituições de educação infantil nova concepção de ser huma-
des e à diferença, transformando das redondezas estão sendo cria- no, ética, cultura e sociedade, e
os sistemas de ensino, de modo das, e atendem crianças cegas, também com a evolução do co-
a propiciar a participação de to- com baixa visão, surdas e com di- nhecimento científico acerca da
dos os alunos, com foco espe- ficuldades motoras. Os professores inteligência humana, a educação
cífico naqueles que são vulnerá- são capacitados para ensinar libras passa a ser definida e viabilizada
veis à marginalização e exclusão. (língua brasileira de sinais), braile, como direito de todos. À medida
A educação especial é uma área língua portuguesa para surdos e o que existe esta mudança de men-
de conhecimento que visa promo- uso de instrumentos como o soro- talidade nas escolas, altera-se o
ver o desenvolvimento das poten- ban (ábaco japonês). pensamento e a realidade cultural
cialidades de pessoas com defi- “Falamos de um processo de do País”, afirma a Secretária de
ciência, autismo, síndromes ou mudança cultural que se constrói Educação Especial do MEC.•
24 revista criança
27. artigo
Revista Criança
completa 25 anos de circulação
Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho*
O lançamento de uma revista Na Constituição de 1967, a edu- Todavia, organizações nacio-
é sempre um momento cheio de cação pré-escolar não é sequer nais e internacionais já insistiam
expectativas. Pode ser entendido mencionada. A Lei no 5.692/71 que a educação pré-escolar inci-
como forma de organizar determi- dedica-lhe o parágrafo 2o do art. dia sobre o período mais sensível
nada área do conhecimento. Em 19, cujo teor é o seguinte: “Os sis- da vida de uma criança e que ti-
uma revista de caráter educacio- temas de ensino velarão para que nha funções próprias. Também,
nal, os trabalhos publicados re- as crianças de idade inferior a 7 as pesquisas acadêmicas nessa
presentam, de modo geral, o pen- anos recebam conveniente educa- área começavam a ganhar mais
samento político-pedagógico da ção em escolas maternais, jardins espaço. Como se constata, o
época, divulgam a temática relati- de infância e instituições equiva- debate de que a educação pré-
va a essa área, suscitam debates lentes” (BOYNARD; GARCIA; RO- escolar se justificava já estava
que poderão daí advir e supõe-se, BERT, 1971, p. 34) e no artigo 61 instalado na sociedade brasileira.
ainda, que farão aumentar os re- incentiva as empresas a organizar Assim diz Jobim e Souza (1984,
ferenciais para as práticas edu- e manter a educação anterior ao p. 14), que as verdadeiras razões
cacionais, se lidos e debatidos ensino de 1o grau, se tiverem como para se implantar uma pré-escola
pelo conjunto de professores e força de trabalho mães com filhos encontram-se:
de professoras que a receberão. menores de 7 anos.
A Revista Criança inclui-se nes- Segundo Rosemberg (1995), [...] inicialmente, nas necessidades
ta perspectiva. a forma vaga e o pequeno inte- próprias da criança e nas formas como
Para melhor conhecer este resse contribuiu para não haver estas podem ser satisfeitas pelo ambien-
periódico, precisamos remontar uma política nacional para esse te. Mesmo porque uma pré-escola que
à época da ditadura iniciada no nível de educação. É somen- tenha como objetivo prevenir o fracasso
Brasil em 1964, com o golpe mi- te em 1975 que o MEC inclui escolar da criança pobre desloca injus-
litar, visto que a Revista Criança no seu organograma um órgão tamente para ela a responsabilidade de
nasceu em 1982, no fim desse responsável pela educação pré- uma incompetência que não está nela,
período, e grande parte das políti- escolar, que inicialmente chama- mas sim no sistema educacional e na
cas públicas daquela época ainda va-se Sepre,1 Codepre,2 depois desigualdade social.
são reflexo do período anterior. Coepre,3 em seguida Coedi.4
* Doutora em Educação pela UNICAMP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA).
1
Serviço de Educação Pré-escolar.
2
Coordenação de Educação Pré-escolar.
3
Coordenadoria de Educação Pré-escolar.
4
Coordenação de Educação Infantil, hoje Coordenação Geral de Educação Infantil.
revista criança 27
28. artigo
Em 1975, a Coordenadoria de nitor [...] e confirmada por Dido- Para melhor visualização da tra-
educação pré-escolar (Coepre) net (2006) quando informa que jetória deste periódico, expõe-se
elaborou o documento intitulado ela “Foi criada como instrumento no quadro informações relativas
Diagnóstico Preliminar da educa- de informação, formação e apoio a números publicados até hoje,
ção pré-escolar (KRAMER, 1992) aos professores e monitores [...]” mês/ano da publicação, órgão
e, com base nesse documento, e, posteriormente, o MEC esten- responsável pela publicação, in-
formulou o Programa Nacional de deu a sua distribuição a todos os terlocutor, nível e modalidade de
Educação Pré-escolar, lançado professores de educação pré-es- educação e tiragem.
em 1981, que passou a ser im- colar das instituições públicas. O quadro permite constatar que
plantado pelo MEC/Coepre tanto A Revista Criança está em cir- na trajetória da Revista Criança
pelas secretarias de educação, culação há 25 anos. Foi a primeira diferentes concepções político-pe-
quanto pelo Mobral.5 O Presiden- publicação, em âmbito nacional, dagógicas, diferentes concepções
te do Mobral informou que o MEC dedicada à educação pré-escolar. de crianças, diferentes políticas
estabeleceu como prioridade na- Não tem periodicidade regular, re- públicas foram desenvolvidas pelo
cional a criança, e continua: flete a política oficial para a área. A Estado brasileiro para a criança
De acordo com as orienta- tiragem vem aumentando signifi- pequena na área da educação, te-
ções do MEC, o Mobral assumiu cativamente, tendo alcançado em mas, sem dúvida alguma, instigan-
o compromisso com as crianças 2005 a marca de 200 mil exem- tes que poderão ser discutidos em
de populações de baixa renda, plares. E, para garantir sua cir- outra oportunidade.•
da faixa etária de 4 a 6 anos, na culação, inúmeras organizações,
certeza de que a sua educação oficiais ou não, têm contribuído. BIBLIOGRAFIA
é um direito universalmente re- Os catorze primeiros números
conhecido (RC, no 1, BRASIL, permitem afirmar que o periódico: BOYNARD, Aluisio Peixoto; GARCIA, Edília
Coelho; ROBERT, Maria Iracilda. A reforma
1982, p.1). focaliza a criança de baixa renda, do ensino. Lei no 5.692 de 11 de agosto de
1971, São Paulo: 1971.
O Mobral transfere para a que freqüentava o pré-escolar, CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG,
educação pré-escolar a mes- excluindo, portanto, a creche; é Fúlvia; FERREIRA, Isabel. Creches e pré-
escolas no Brasil. São Paulo: Cortez:
ma prática que vinha utilizando dirigida ao monitor, que não é um Fundação Carlos Chagas, 1995.
nos programas de alfabetização profissional da área; os temas ver- DIDONET, Vital. Algumas questões sobre
o Mobral e a Revista Criança. Entre-
de adultos, entre as quais estão sam sobre a criança (o que pensa, vista Março, 2006, recebido pelo e-mail:
o fato de utilizar pessoas não o que gosta, suas necessidades, a022407@dac.unicamp.br.
LEITE FILHO, Aristeo. Algumas questões
profissionalizadas, denomina- o seu ambiente, a sua saúde, a ali- sobre o Mobral e a Revista Criança.
das monitores, para desenvolver mentação); propõe atividades que Entrevista. Março, 2006, recebido pelo
e-mail: a022407@dac.unicamp.br.
atividades com as crianças. De possam apoiar o (a) monitor (a) no JOBIM E SOUZA, Solange; KRAMER,
Sonia. Avanços, retrocessos e impasses
acordo com Leite Filho (2006),6 desenvolvimento do seu trabalho. da política de educação pré-escolar no
a Revista Criança foi criada Os temas são apresentados de Brasil. Educação & Sociedade (28), São
Paulo: Cortez editora, p. 12-31. dez. 1984.
como instrumento de formação forma simples, com orientações KRAMER, Sonia. A política do pré-esco-
continuada para os monitores precisas e com ilustrações; esti- lar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo:
Cortez, 1992.
do programa, corroborada na mula a participação, incentivando TANCREDI CARVALHO, Ana Maria Orlan-
apresentação da Revista. Nela, a correspondência não só com o dina. Políticas nacionais de educação
infantil: Mobral, educação pré-escolar e a
o então Presidente do Mobral MEC, mas entre os profissionais Revista Criança, 222 p. Tese (doutorado).
diz que o objetivo da revista é a que exercem o magistério neste Campinas, (SP): Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, 2006.
[...] melhoria do trabalho do mo- nível de educação.
5
Movimento Brasileiro de Alfabetização criado em 1967, com o objetivo declarado de desenvolver prioritariamente a alfabetização funcional.
(COSTA ROCHA, [s/d]).
6
À época, Coordenador do Programa.
28 revista criança