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Revista




do professor de educação infantil




A inclusão de crianças
com deficiência
na educação infantil
Entrevista            Reportagem    Artigo                      ve
                                                                  mbro200
                                                           No




                                                                  44
                                                                        7




Léa Tiriba            Fundeb        Conhecendo a                                1
                                                            ção




                                                      revista criança
                                                                            Mini




                                    Revista Criança
                                                          ca




                                                                                s




                                                              té
                                                                rio d Edu
                                                                     a
expediente


Presidência

Ministério da Educação

Secretaria Executiva

Secretaria de Educação Básica

Departamento de Políticas da Educação Infantil e Ensino Fundamental

Coordenação de Educação Infantil


Consultora Editorial
Vitória Líbia Barreto de Faria

Jornalista Responsável
Adriana Maricato - MTB 024546/SP

Editor
Alex Criado

Reportagem
Angélica Miranda, Íris Carolina, Neuracy Viana, Rafael Cristiano Ely, Rita de Biaggio

Direção de Arte
TDA Comunicação

Criação e Projeto Gráfico
Letícia Neves Soares

Diagramação
Joana França

Fotografias
Adilvan Nogueira, Gabriel Lordêllo, Marcelo Vittorino, Ronaldo Barroso, Tasso Leal

Revisão
Roberta Gomes

Foto Capa
Adilvan Nogueira, Creche Municipal Sonho Encantado, Palmas (TO)

Envie cartas para o endereço:
Ministério da Educação – Coordenação-Geral de Educação Infantil – DPE/SEB
Esplanada dos Ministérios, Bloco L – Edifício Sede, 6o andar – Sala 623
70047-900 Brasília (DF). Tel: (61) 2104 8645
E-mail: revistacrianca@mec.gov.br
Tiragem desta edição: 200 mil exemplares
Novembro de 2007




                                                   Ministério
                                                 da Educação
sumário


5        19                              34



     4   carta ao professor

     5   entrevista
         Consciência ecológica se aprende com o pé no chão

    9    caleidoscópio
         Alfabetização e letramento: a experiência de São Luís
         A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil
         Um currículo centrado na arte

    18   professor faz literatura
         Coragem

    19   matéria de capa
         A inclusão de crianças com deficiência cresce e muda a prática
         das creches e pré-escolas

    27   artigo
         Revista Criança completa 25 anos de circulação

    30   relato
         Entre o encontro de objetos e a busca de sujeitos

    34   reportagem
         Fundeb amplia financiamento e inclui cheches e pré-escolas

    38   resenha

    40   notas

    41   cartas


                                                          revista criança   3
carta ao professor




                          Prezado (a) e professor (a),

                           Estamos vivendo um importante momento para toda a educação básica. Em janeiro
                 deste ano, passou a vigorar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
                 Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
                           Embora a legislação assegure a educação como direito de todo cidadão, a universalização
                 do acesso, especialmente na educação infantil, ainda é um grande desafio. O novo Fundo repre-
                 senta um marco histórico, pois pela primeira vez a educação infantil terá um sistema de financia-
                 mento normatizado em lei. Com os novos recursos, pretende-se ampliar a oferta e contribuir para
                 a qualidade do atendimento, garantindo condições mais igualitárias de permanência nas escolas.
                           Esta edição da Revista Criança traz entrevista com a professora Léa Tiriba, que abor-
                 da a importante temática da relação da criança com a natureza, cada vez mais significativa
                 em tempos de aquecimento global.
                           Na seção Caleidoscópio, a revista dá continuidade à discussão iniciada na edição an-
                 terior a respeito dos enfoques curriculares na educação infantil. Falar sobre currículo é em-
                 polgante e, quando o diálogo inclui professores, gestores municipais e pesquisadores, o assunto
                 torna-se ainda mais atraente.
                           A Matéria de Capa apresenta os avanços e os desafios da inclusão da criança com
                 deficiência na educação infantil. Ela também mostra a experiência de dois municípios que
                 estão garantindo o direito de toda criança à convivência, à educação e à participação ativa na
                 sociedade.
                           A seção Reportagem conta sobre a mobilização para que creches e pré-escolas fossem
                 incluídas no Fundeb. Você vai entender como funciona o fundo e como foi seu processo de cria-
                 ção, democrático e participativo.
                           As seções de Resenhas, Cartas e Artes trazem elementos que contribuem para a for-
                 mação dos professores de educação infantil. Continuem nos escrevendo e enviando suas contri-
                 buições para as seções de Relato de Experiência, Professor faz Literatura e Cartas.

                          Boa leitura!



4   revista criança
entrevista
               Léa Tiriba


               Consciência ecológica
               se aprende com o
               pé no chão
               Angélica Miranda | Rio de Janeiro/RJ




                  Não é difícil imaginar a cena:       Segundo Léa, é preciso dar mais
               uma creche em uma cidade qual-       liberdade às crianças, oferecer o
               quer da zona rural brasileira; do    que elas gostam. E o que a gente
               lado de fora, árvores, montanhas,    percebe é que criança gosta de
               animais nadando em um lago.          estar em contato com a natureza.
               Dentro da sala de aula, a profes-    Muitas vezes, elas passam o dia
               sora se esforça para ensinar no-     todo fechadas dentro da escola.
               ção de conjunto a uma turma de       É como se a realidade se reduzisse
               educação infantil. Alguma coisa      às áreas entre os muros. Esque-
               está fora da ordem, na concepção     cemos que as crianças nasceram
               da professora Léa Tiriba, já que a   para o mundo e não para a creche.
               natureza é a matéria-prima mais
               importante no processo de forma-
               ção das crianças. Segundo ela,       Revendo conceitos
               por razões históricas e culturais,
               os estudantes crescem acredi-            O grande desafio do professor de
© Tasso Leal




               tando que existe separação entre     educação infantil, preocupado com
               seres humanos e natureza. Esta       os temas da atualidade, é educar
               seria a origem da degradação do      na perspectiva de uma nova socie-
               planeta, que está nos levando a      dade sustentável. E isso, segundo
               um processo de autodestruição.       Tiriba, implica em “rever as con-
                  Um caminho sem volta, se as       cepções de mundo e de conheci-
               crianças não começarem, des-         mento que orientam as propostas
               de muito cedo, a interagir com       curriculares em que a natureza não
               a natureza e, assim, aprender a      tem valor em si mesma. Ela serve
               respeitá-la. Doutora em educação     apenas como matéria-prima para a
               e professora do Curso de Espe-       economia industrial”.
               cialização em educação infantil da       E prossegue: “se a vida trans-
               PUC/RJ, Léa Tiriba propõe, em        corre no cotidiano das institui-
               sua tese de doutorado, a reinven-    ções, é aí que ela se afirma como
               ção das relações entre seres hu-     potência ou impotência, de corpo
               manos e natureza nos espaços de      e de espírito.” Assim, autocons-
               educação infantil.                   tituição e aprendizagem não são

                                                                        revista criança   5
entrevista


processos separados, explica a educadora. Léa inspira-se na filosofia de Espinosa
para concluir que as instituições educacionais devem ser vistas como “espaços
de vivência do que é bom, do que alegra, e, frente à vida, nos faz potentes”.
   A professora propõe: “vamos ultrapassar as paredes de concreto, alargar
as janelas das salas, deixar as crianças de pés descalços, passar mais tem-
po ao ar livre”. Mesmo nas grandes cidades, em que as pré-escolas muitas
vezes têm espaço limitado, é possível fazer que a criança passe menos
tempo “emparedada”. Ela lembra que há sempre um parquinho por perto,
uma praça ou mesmo um terreno baldio que podem ser utilizados. “Como
aprender a respeitar a natureza se as crianças não convivem com seus
elementos?”, pergunta Léa. Criança feliz põe os pés na terra, toma banho
de mangueira, observa e interage com a natureza: “Ela é capaz de passar
horas observando um formigueiro e tudo o que o professor deve fazer é
participar dessas descobertas”, exemplifica.
   Léa Tiriba observou que a maioria das unidades de educação infantil
possui pátios com pisos cobertos. Em uma escola, reparou que, por baixo
da cobertura de pedra, a terra foi isolada com um plástico preto. “Uma for-
ma de evitar o crescimento de plantas e, assim, afastar os insetos”, explicaram.
E acrescenta: “A grama, onde existe, muitas vezes não está liberada para as crian-
ças, sob o pretexto de que nela não se pode pisar.” Dessa forma, as crianças são
privadas de brincadeiras como cavar, amontoar, criar, construir e demolir; atividades tão
desejadas, que só a terra e a areia propiciam.
   Geralmente, a vegetação presente nas creches e nas escolas reforça a concepção de que a na-
tureza está à disposição dos humanos. Ela tem função decorativa ou instrumental. Isto é, a relação
das crianças com o mundo vegetal é mediada por objetivos pedagógicos que visam a construção de
noções abstratas.
   Não se mostra, na prática, os processos de nascimento e de desenvolvimento dos frutos da
terra. São raríssimas as instituições em que as atividades de plantio e manutenção de hortas e
jardins incluem efetivamente as crianças. As torneiras servem apenas para limpar os espaços
e lavar as mãos delas. No verão, há banhos de mangueira ou de piscina. Mas, apesar das
altas temperaturas, não acontecem diariamente. Colocar barquinho de papel na corren-
teza em dias de chuva, brincar de comidinha, dar banho em boneca, nada disso é
corriqueiro. Pelo contrário, é exceção.



Confinamento e controle

   Tiriba ressalta que desfrutar da vida ao ar livre é um direito da criança. Mas
o contato com o mundo natural está geralmente relacionado à sujeira, à
desorganização, à doença e ao perigo: “A natureza é vista como ameaça
à organização do cotidiano e da vida, planificada e pautada nos ideais
de previsibilidade. Portanto, a solução é privar os meninos e meninas de
atividades que poderiam, na visão das famílias, afetar a saúde.”
   Léa observa ainda que manter o cotidiano distanciado da natureza
facilita o processo de controle. Na concepção das educadoras, em

6   revista criança
entrevista


                      espaços abertos, as crianças “ficam mais livres” e, portanto, mais “difíceis de con-
                       trolar”. Tal necessidade, segundo a professora, leva a uma pedagogia que privi-
                           legia os espaços fechados. “A própria formação dos educadores é pensada
                               tendo os espaços das salas como referência”, conclui.
                                    Outro fator que impede o contato com a natureza é um fenômeno que
                                 Léa chama de “ideologia do espaço construído”. A crescente demanda
                                   por creches e escolas resulta na ocupação de todos os espaços do
                                   terreno com edificações. O ar livre é tomado por novas salas, as áreas
                                   verdes somem, as crianças ficam emparedadas. Isso ocorre não só
                                   pela falta de recursos econômicos, mas também “por uma política as-
                                   sistencialista equivocada, que visa estender a cobertura do atendimen-
                                  to sem assegurar qualidade de vida”.
                                    Além do mais, a professora chama a atenção para o fato de que costu-
                               ma-se valorizar o aprendizado concreto em detrimento da oferta de vivên-
                             cias, de experiências emotivas e de sensações que só a natureza pode pro-
                         porcionar. Essa alternativa não ocorre porque, segundo Tiriba, “os sentimentos
                       não servem para confirmar o que foi trabalhado de forma sistemática”.
                        As crianças, por sua vez, têm verdadeiro fascínio pelos espaços externos por-
                  que eles são o lugar da liberdade. Ao ar livre, as vivências suscitam encontros e as
              disputas são amenizadas.



Supervalorização do intelecto

   Segundo Léa Tiriba, paradigmas como esses vêm sendo repetidos nas práticas das salas de aula
  há pelo menos trezentos anos: “Foi dessa forma que chegamos ao estado de estranhamento entre
    natureza e ser humano. Não nos percebemos mais como parte de um todo planetário, cósmico.
       Confirmou-se uma visão antropocêntrica que atribui ao ser humano todos os poderes sobre as
          demais espécies. Acreditamos ser proprietários da natureza, os grandes administradores do
             planeta”, afirma.
                   A razão, segundo a professora, sobrepôs-se aos ritmos naturais, vistos como obs-
                    táculos para um espírito pesquisador, desvendador de todos os mistérios da vida.
                       Um espírito capaz, até mesmo, “de determinar os rumos da história”. A supervalo-
                          rização do intelecto resultou no desprezo pelas vontades do corpo, provocando
                             o divórcio entre corpo e mente. Para ela, as relações com a natureza, vitais e
                               constitutivas do humano, são pouco valorizadas porque o homem moder-
                                no foi se desgarrando de suas origens animais, sensitivas, corpóreas.



                                  Disciplina e alienação

                                      A rotina pode ser inimiga da conscientização. Limitar as vontades e as
                                   necessidades é distanciar a criança do mundo natural. As repetições diárias
                                   das instituições educacionais acabam por separar também corpo e mente,
                                   razão e emoção. Segundo Léa, o projeto pedagógico deve ser pensado

                                                                                              revista criança   7
entrevista


de forma que possa harmonizar o        porque produz corpos dóceis e         Desconstruir para
sentir e o pensar. Um sistema aten-    disciplinados. Assim, “alienado       sobreviver
to às vontades do corpo, que não       da realidade natural e da realida-
aprisione os movimentos e que es-      de corporal-espiritual, o modo            Léa Tiriba chama a atenção
timule a liberdade de expressão.       de funcionamento escolar contribui    para o fato de que os educado-
   “O professor deve sempre se         para o aprofundamento de uma ló-      res se preocupam em definir as
perguntar se está aproveitando         gica que produz desequilíbrios no     políticas sobre edificações, orga-
tempo e espaço de forma sau-           plano das três ecologias”.            nização das instituições, projetos
dável e positiva. Criança precisa                                            pedagógicos e propostas de for-
de um ambiente alegre e criativo.                                            mação profissional. Mas os pátios
Quando determinamos hora exata         Degradação ecológica                  abertos raramente são menciona-
para comer, ir ao banheiro, brin-                                            dos. “A necessidade de contato
car etc., criamos um imperativo           Em sua tese de doutorado,          com a natureza não está clara em
pedagógico que aliena os ritmos        Léa Tiriba foi buscar na História a   documentos, diretrizes, padrões
internos delas e altera o equilíbrio   origem da degradação ambiental        de infra-estrutura ou propostas
de sua ecologia pessoal.”              que ameaça a vida no nosso pla-       pedagógicas”, critica ela.
   Uma das inspirações para            neta. Para isso, foi preciso com-         No entanto, a professora lem-
sua pesquisa é o conceito de           preender como se concretizou a        bra que as instituições educacio-
ecosofia, formulado pelo filóso-       separação entre seres humanos         nais são espaços perfeitos para
fo Félix Guattari. A ecosofia ar-      e natureza, ao longo da história      desconstruir e reinventar estilos
ticula as ecologias pessoal, so-       do ocidente. Segundo ela, “as         de vida. Particularmente, as ins-
cial e ambiental. Léa explica que      origens históricas e filosóficas do   tituições de educação infantil são
“a ecologia pessoal diz respeito       nosso estilo de vida resultaram em    campos férteis para as revoluções
à qualidade das relações de cada       um modelo de desenvolvimento          moleculares propostas por Félix
ser humano consigo mesmo; a            que produz, ao mesmo tempo,           Guattari. Isso porque as crianças
ecologia social está relacionada       desigualdade social, desequilíbrio    pequenas ainda não sofreram
à qualidade das relações dos se-       ambiental e sofrimento pessoal”.      inteiramente os efeitos da insti-
res humanos entre si; e a ecologia     A partir da Revolução Industrial,     tucionalização escolar. Portanto,
ambiental diz respeito às relações     passamos a pensar que o homem         “são mais flexíveis e abertas às
dos seres humanos com a natu-          é superior à natureza e não parte     possibilidades de subversão e
reza”. Reunidos, esses registros       integrante dela.                      transgressão de práticas que sus-
ecológicos expressam as dimen-            A professora entende que “as       tentam a lógica capitalista”, afirma
sões da existência. E, portanto,       conexões que se estabeleceram         a educadora.
definem equilíbrios ecosóficos que     entre a economia, a ciência e             Para se alcançar um novo
expressam a qualidade de vida na       a filosofia formaram uma nova         equilíbrio ecosófico, Léa sugere
Terra. A partir desta referência, a    rede de conceitos e de valores        que, além de qualquer curso ou
professora chegou ao seguinte          que vem dando sustentação             seminário de formação, é neces-
questionamento: qual a qualidade       ideológica a uma forma de or-         sário transformar nossos valores.
das relações de cada ser humano        ganização social voltada para a       Ela prega mudanças nos padrões
consigo mesmo, com os outros           acumulação de bens”. A partir         de consumo; a desconfiança do
humanos, e com as outras espé-         de então, a natureza passou a         poder explicativo do racionalismo
cies que habitam a Terra?              ter apenas valor comercial. Tudo      científico; a superação do antro-
   De acordo com Léa, a estra-         que vem da terra é visto como         pocentrismo e da ideologia do
tégia de emparedamento das             matéria-prima a ser transforma-       trabalho como fonte de aprimora-
crianças serve ao capitalismo          da em bem de consumo.                 mento humano.•

8   revista criança
caleidoscópio
   Neste Caleidoscópio, damos continuidade à discussão
iniciada na última edição da Revista Criança sobre o currí-
culo na educação infantil. O desdobramento do tema leva
em conta o grande desafio que está colocado para a edu-
cação infantil em relação à construção de um currículo que
atenda às necessidades de cuidado e de educação das
crianças de 0 até 6 anos. E também a grande diversidade
de abordagens sobre o assunto.
   A fim de participar deste Caleidoscópio, convidamos as
professoras Eliane Maria Pinto Pedrosa e Rosa Constância
Abreu, respectivamente coordenadora pedagógica e supe-
rintendente de educação infantil da Secretaria Municipal de
Educação de São Luís (MA), para mostrarem a importância
de um currículo focado na alfabetização e letramento para
que as crianças possam participar e usufruir dos espaços e
dos bens disponibilizados pelo mundo letrado.
   Já a professora Ângela Meyer Borba, da Universidade
Federal Fluminense, defende um currículo para a educação
infantil que considere a brincadeira como forma privilegia-
da de interação da criança com outros sujeitos e com os
objetos da natureza. Segundo ela, brincando, elas se apro-
priam criativamente de formas de ação social tipicamente
humanas.
   Por sua vez, a professora Josely Pereira Lôbo, da Escola
Municipal Henfil, de Belo Horizonte (MG), afirma que o eixo
central de um currículo para a educação infantil deve ser a
arte, uma vez que é por meio dela que as pessoas podem
comunicar o que vêm, pensam, sentem e imaginam.
caleidoscópio



Alfabetização e letramento: a
experiência de São Luís
Eliane Maria Pinto Pedrosa*
Rosa Constância Abreu*




   Trabalhar com um currículo fo-                Mobilizado por essa intenção,              Ambiente alfabetizador
cado na alfabetização e no letra-             o Programa vem produzindo, pro-
mento não é um processo fácil,                gressivamente, resultados mar-                   Já é possível perceber, nes-
mas quando se tem um gran-                    cantes nas escolas da rede como               sas instituições, a criação de um
de objetivo, todo esforço vale a              um todo. Entretanto, nos limites              ambiente alfabetizador, que se
pena. Principalmente quando o                 deste texto, focalizaremos as uni-            expressa tanto na organização
desafio significa garantir a todas            dades de educação infantil, que               da escola e das salas de aulas,
as crianças e jovens o direito de             compreendem 75 escolas e 12                   quanto na sistematização crite-
aprender a ler, a escrever e a usar           anexos, atendendo 15.869 crian-               riosa de rotinas e no desenvol-
nossa língua em diferentes con-               ças de 4 e 5 anos e 1.711 crian-              vimento de atividades didáticas.
textos e situações. Isso como                 ças de 3 anos, em creches.                    Esse ambiente alfabetizador tem
condição imprescindível para que                 Um aspecto muito importante                propiciado, em processo crescen-
continuem aprendendo e possam                 neste processo, e que possibili-              te, a compreensão e a valorização
participar e usufruir dos espaços             tou decisões fundamentais so-                 da cultura escrita, a apropriação
e dos bens disponibilizados pelo              bre o caminho que vem sendo                   do sistema alfabético, o desenvol-
mundo letrado.                                percorrido, é o entendimento                  vimento da oralidade e da prática
   Foi essa compreensão que                   apresentado por Soares (2003)                 de leitura e de produção textual.
moveu a Secretaria Municipal de               de que é necessário assegurar                    Como forma de garantir ade-
Educação (Semed) de São Luís,                 aos alunos, de forma articulada,              quadamente esse processo, é
no Maranhão, a priorizar, nas es-             a conquista do princípio alfabéti-            realizado o diagnóstico sobre os
colas de educação infantil e do               co da língua e a condição plena               conhecimentos que as crianças
ensino fundamental, um currículo              de inserção e de participação na              já possuem a respeito da escrita.
voltado para alfabetização e le-              cultura escrita.                              Isso possibilita a organização de
tramento dos meninos, das me-                    Compreendemos que as de-                   agrupamentos produtivos, a se-
ninas, dos jovens e adultos que               cisões devem levar em conta a                 leção de atividades e as interven-
atende. Decisão que já vinha se               complexidade do processo, sem                 ções pedagógicas que favoreçam
desenhando anos antes, a partir               descuidar dos outros campos de                o avanço das crianças.
de grupos de estudos, oficinas                saberes que compõem o currícu-                   Para potencializar a aprendiza-
e cursos, mas que alcançou di-                lo da educação infantil. E é nesse            gem do ler e do escrever, são da-
mensões maiores quando, no                    sentido que as escolas de educa-              das oportunidades aos alunos de
ano de 2002, a Semed implantou                ção infantil da rede municipal de             contatos com uma diversidade de
o Programa “São Luís Te Quero                 ensino de São Luís caminham.                  textos, priorizando-se os que eles
Lendo e Escrevendo”.
* Eliane é coordenadora pedagógica das UEB Dayse Linhares de Sousa e Paulo Freire, da rede municipal de ensino de São Luís (MA).
* Rosa é superintendente da área de educação infantil da Semed de São Luís (MA).


10   revista criança
caleidoscópio




já conhecem de memória, como          compartilhada com os alunos e        que permitiu às crianças, simulta-
as parlendas, as canções e as po-     exercício de práticas autênticas     neamente, a produção de textos, a
esias. A partir desses textos, são    com a língua escrita, mas, so-       prática da leitura e o desenvolvi-
apresentadas situações que lhes       bretudo, porque têm favorecido,      mento de capacidades relativas à
permitem refletir sobre a escrita,    simultaneamente, a apropriação       linguagem musical.
mobilizar estratégias de leitura e    de conteúdos das outras áreas           Ainda estamos caminhando, mas
avançar na compreensão do fun-        do conhecimento que compõem          os bons resultados já são evidentes.
cionamento da língua.                 o currículo da educação infantil.    Nessa travessia, cada escola busca
   Para a efetivação de prática          Como exemplo, podemos ci-         uma forma particular de traçar o seu
educativa de tamanho alcance,         tar o Projeto dos pregoeiros, que,   percurso. O que existe em comum
uma das ações estratégicas do         articulando os eixos de Lingua-      é que todas, na condição de apren-
programa é a formação continua-       gem oral e escrita e de Nature-      dizes, aprendem a fazer fazendo,
da dos profissionais. Tais ações se   za e sociedade, culminou com a       subsidiadas pela reflexão perma-
revelam, fundamentalmente, mo-        elaboração de um livro intitulado    nente, pelo estudo e pelas deci-
mentos de reflexão sobre a prática,   A arte de pregoar. As crianças       sões coletivas.
de compartilhamento de idéias e       leram textos, elaboraram e rea-         Enfim, esse programa está re-
inquietações, de desestabilização     lizaram entrevistas, registraram     vestido do desejo de acertar, bus-
de conceitos e de aprofundamento      observações, produziram e revi-      cando a qualidade que assegure
e ampliação de questões teóricas      saram textos para compor o livro.    às crianças a habilidade de usar a
e metodológicas. Uma preocupa-        Assim, à medida que adquiriam        língua escrita, como leitores e es-
ção fundamental é a organização       conhecimento sobre a língua, elas    critores autênticos e plenos.•
de atividades que favoreçam uma       aprendiam também sobre o modo
relação prazerosa do professor        de ser e de viver desses trabalha-
com a leitura e a escrita, condi-     dores ambulantes que tanto lhes
                                                                           BIBLIOGRAFIA
ção determinante para assegurar a     seduzem quando dizem versos
possibilidade dos alunos se torna-    encantadores, conhecidos como        MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo
                                                                           Federal. Referêncial Curricular Nacional
rem leitores e escritores de fato.    pregões, para vender seus produ-     para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998.
                                      tos pelas ruas de nossa cidade.      Semed – Prefeitura de São Luís. Programa
                                                                           São Luís te Quero Lendo e Escrevendo,
                                         Outro projeto muito interessan-   2002.
Bons resultados                       te foi o Nas asas do carcará, ar-    SOARES, Magda. Letramento e escolari-
                                                                           zação. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org.).
                                      ticulado em torno da música e da     Letramento no Brasil. São Paulo: Global
  Os projetos didáticos têm ocu-      linguagem. O projeto resultou em     Editora, 2003.
                                                                           PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy;
pado lugar especial nesse con-        coral com as canções do grande       PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia (Orgs.).
                                                                           Literatura e letramento: espaços, su-
texto, não só pela possibilidade      artista maranhense João do Vale.     portes, interfaces – o jogo do livro. Belo
do planejamento, da execução          Foi uma experiência enriquecedora    Horizonte: Autêntica Editora, 2003.


                                                                                                     revista criança   11
caleidoscópio



A brincadeira como experiência
de cultura na educação infantil
Angela Meyer Borba*

    A brincadeira sempre foi uma atividade significativa na vida dos ho-
mens em diferentes épocas e lugares. Estudos históricos mostram que
muitos jogos e brincadeiras da Europa medieval permanecem, ainda
hoje, em muitas partes do mundo. A brincadeira é, portanto, uma ativi-
dade que, ao mesmo tempo, identifica e diversifica os seres humanos
em diferentes tempos e espaços. É também uma forma de ação que
contribui para a construção da vida social coletiva. Como patrimônio
e prática cultural, a brincadeira cria laços de solidariedade e de comu-
nhão entre os sujeitos que dela participam.
    Para as crianças, a brincadeira é uma forma privilegiada de interação
com outros sujeitos, adultos e crianças, e com os objetos e a natureza
à sua volta. Brincando, elas se apropriam criativamente de formas de
ação social tipicamente humanas e de práticas sociais específicas dos
grupos aos quais pertencem, aprendendo sobre si mesmas e sobre o
mundo em que vivem. Se entendermos que a infância é um período
em que o ser humano está se constituindo culturalmente, a brincadeira
assume importância fundamental como forma de participação social e
como atividade que possibilita a apropriação, a ressignificação e a ree-
laboração da cultura pelas crianças.
    A compreensão das crianças como sujeitos de cultura vem pro-
vocando uma revisão dos currículos para a educação infantil. Assim,
dimensões culturais como a brincadeira e as diferentes formas de ex-
pressão artísticas deixam de ser atividades secundárias, ganhando
relevo e adquirindo a mesma importância que as atividades voltadas
para conhecimentos mais específicos, como é o caso da leitura e
da escrita. Ou seja, o currículo da educação infantil deverá integrar a
brincadeira, a música, a dança, as artes plásticas e a literatura, entre
outras produções culturais, ao trabalho com os conhecimentos dos
vários ramos das ciências.
    Os espaços de educação infantil precisam garantir às crianças tanto
suas necessidades básicas físicas e emocionais quanto as de participa-
ção social, de trocas e interações, de constituição de identidades e sub-
jetividades, de ampliação progressiva de experiências e conhecimentos
sobre o mundo, sobre si mesmas e sobre as relações entre as pessoas.
Essas diferentes dimensões se articulam por meio de um trabalho focado
nas relações sociais entre adultos e crianças, e destas entre si mesmas.

* Doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde é professora e membro do grupo gestor da Creche UFF.


12   revista criança
caleidoscópio


Ampliar as experiências                entre as crianças e destas com a      construção com areia, ou em uma
                                       natureza e com a cultura? Ou, ao      atividade de desenho ou qualquer
   É preciso ultrapassar o trabalho    contrário, os espaços e os tem-       outra forma de expressão gráfica.
centrado apenas em conteúdos           pos de brincar têm sido crescen-      Isso porque em todas essas ativi-
específicos. O que isso signifi-       temente reduzidos à medida que        dades ela tem a possibilidade de
ca? Quando pesquisamos com             as crianças avançam nas suas          fazer escolhas, tomar decisões,
as crianças, por exemplo, sobre        idades e segmentos escolares?         experimentar, descobrir, aprender,
abelhas, mais importante que              Vejamos uma situação relata-       transformar, atribuir novos senti-
aprender a classificá-las é aguçar     da pela mãe de uma criança de         dos às coisas.
sua curiosidade sobre o ambiente       5 anos:                                  A escola, entretanto, ao organi-
natural e sobre os conhecimentos                                             zar sua rotina e planejar atividades
científicos, incorporar atitudes de         João chega em casa da es-        pedagógicas, separa a brincadei-
preservação da natureza, apren-        cola com uma expressão tris-          ra do trabalho e também o prazer
der a trabalhar de forma coopera-      te e senta-se no sofá pensativo.      do conhecimento. Será que essas
tiva, reconhecer que se pode sa-       A mãe pergunta:                       dimensões não podem estar arti-
ber mais nos livros, na internet ou       - O que aconteceu, João?           culadas no trabalho com a crian-
dialogando com outras pessoas e           Ele responde:                      ça? Como organizar o cotidiano
especialistas, apropriar-se de dife-      -Eu não tô gostando nada des-      da educação infantil de modo a
rentes formas de argumentar, re-       sa minha vida. Agora não dá mais      garantir a brincadeira como ativi-
gistrar e comunicar seus saberes       tempo de brincar. Hoje foi só um      dade significativa, inseparável do
por meio da escrita, da oralidade,     pouquinho no lanche.                  processo de construção de co-
do desenho etc.                           A mãe perguntou o que ele ti-      nhecimentos, comunicação e in-
   Assim, a criança não estará         nha feito na escola e João fala que   terações sociais?
simplesmente incorporando con-         ficou escrevendo letras e palavri-
teúdos, mas ampliando suas ex-         nhas.
periências e se apropriando de                                               Ações para o brincar
formas de pensar, de conhecer e           Que fatores levam à perda do
de agir sobre o mundo. Do mes-         espaço da brincadeira? Por que           Uma ação importante é a or-
mo modo isso ocorre por meio da        as práticas voltadas para o ensi-     ganização dos espaços de
brincadeira, quando as crianças        no vão cada vez mais limitando as     forma a disponibilizar brinquedos
representam, por exemplo, ce-          brincadeiras e as interações so-      e materiais para as crianças, ofe-
nas da vida cotidiana, assumindo       ciais das crianças com seus pares     recendo diferentes possibilidades
papéis, construindo narrativas,        e com o ambiente ao seu redor?        de interação e de significado. Os
apropriando-se e reinventando          Basta observar com atenção uma        espaços da educação infantil de-
práticas sociais e culturais.          criança interagindo com o am-         vem ser alegres, aconchegantes e
   Mas perguntamos: será que os        biente no seu entorno e consta-       acolhedores, de forma a apoiar os
avanços já identificados em mui-       taremos que ela é capaz de se         movimentos e as relações sociais
tas propostas curriculares e os        envolver com igual alegria, prazer,   das crianças, incentivando sua
discursos pedagógicos voltados         concentração e investimento em        autoria e autonomia na formação
para a infância vêm efetivamente       uma brincadeira com bola, em          de grupos e construção de suas
se concretizando? As crianças          uma brincadeira de faz-de-conta,      brincadeiras. Desse modo, é ne-
têm sido apoiadas e incentiva-         em uma observação curiosa e           cessário que estimulem suas ca-
das a brincar? Os espaços e os         investigativa da natureza como,       pacidades de imaginar e de criar
tempos das instituições propiciam      por exemplo, olhar o trabalho das     diferentes cenários, narrativas, si-
interações lúdicas significativas      formigas, em uma atividade de         tuações, papéis e construções.

                                                                                                 revista criança   13
caleidoscópio


   É importante que estejam dis-       sa da realidade natural e social;
poníveis para as crianças objetos/     o conhecimento de brincadeiras
brinquedos, tais como caixas,          tradicionais da nossa cultura,
panos, objetos para construção,        das famílias e da comunidade a
bonecos, papéis de diferentes ta-      que pertencem as crianças.
manhos, fantasias, além de obje-          Por outro lado, o brincar tam-
tos variados da vida social. Esses     bém alimenta outros planos de
materiais devem funcionar como         ação e de aprendizagem. A in-
suportes e possibilidades de es-       corporação da dimensão lúdi-
colha e de combinações para as         ca no trabalho com os conheci-
ações, interações e invenções das      mentos das várias áreas contribui
crianças (GUIMARÃES, 2006).            para que as crianças estabele-
   O educador também deve              çam associações e significações
acompanhar, observar e apoiar          que ampliam suas possibilidades
atentamente as crianças nas suas       de aprendizagem. Desse modo,
brincadeiras. Desse modo, pode-        podemos, por exemplo, brincar
rá compreendê-las e conhecê-las        com as palavras: fazer rimas, tra-
melhor, reconhecer suas diferen-       va-línguas, adivinhações; inventar
ças e especificidades, incentivar e    novas palavras; conhecer, apre-
sustentar suas criações, oferecen-     ciar e recriar parlendas e poesias,
do-lhes materiais, ajudando-as         entre outras possibilidades. Bin-
quando necessário, estimulando         gos com nomes ou numerais, tri-
novos relacionamentos, encora-         lhas, dominós, quebra-cabeças,
jando a participação, ou seja, cui-    caça-palavras oferecem também
dando para que os espaços sejam        muitas possibilidades de ativida-
convidativos à interação social, à     des lúdicas que mobilizam apro-
imaginação e à criação.                priações de conhecimentos de
   O brincar alimenta-se das re-       diferentes campos do saber.
ferências e do acervo cultural            Enfim, o brincar, tanto para edu-
a que as crianças têm acesso,          cadores como para as crianças,
bem como das experiências que          constitui uma atividade humana
elas têm com outros planos de          promotora de muitas aprendiza-
                                                                              BIBLIOGRAFIA
ação. Assim, o educador po-            gens e experiências de cultura.
                                                                              BORBA, Angela Meyer. O brincar como um
derá ampliar e enriquecer as           É parte integrante do processo         modo de ser e estar no mundo. In: MEC/
possibilidades de ação lúdica ao       educativo, devendo ser incenti-        SEB. Ensino fundamental de nove anos:
                                                                              orientações para a inclusão das crianças de
trabalhar: a apreciação e a pro-       vada, garantida e enriquecida. É       seis anos de idade. Brasília: Ministério da
dução de diferentes formas de          também canal de encontro e de          Educação, 2006.
                                                                              BROUGÈRE, G. A criança e a cultura lúdica.
expressão artística, tais como         diálogo entre adultos e crianças,      In: KYSHIMOTO, T.M. (org.). O brincar e
                                                                              suas teorias. São Paulo: Thomson Pionei-
a literatura (poesia, contos tra-      diálogo que se faz com encan-          ra, 2002.
dicionais, lendas, trava-línguas       tamento, alegria, criatividade,        GUIMARÃES, Daniela de O. Educação in-
                                                                              fantil: espaços e experiências. In: Série “O
etc.), o teatro, as artes plásticas,   imaginação, transgressão, par-         cotidiano na educação infantil”. Boletim
a música, a fotografia, o cinema       ticipação e cooperação. Que tal        23, Programa Salto para o Futuro, TVE, Rio
                                                                              de Janeiro, novembro de 2006. Disponível
etc.; temas que interessam às          aprender com as crianças a in-         em: http//www.tvebrasil.com.br/SALTO.
crianças e conhecimentos a eles        verter a ordem, a rir, a represen-     Acesso em: 5/3/2007.
                                                                              VYGOTSKY, L.S. A formação social da
associados; a observação curio-        tar, a sonhar e a imaginar? •          mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.


14   revista criança
caleidoscópio


Um currículo centrado na arte
Josely Pereira Lôbo*




   A Escola Municipal Henfil de                    Cada turma tem quatro horas                  conhecido, observado, explorado,
educação infantil atende crian-                 semanais destinadas às aulas de                 interpretado e ressignificado pelas
ças na faixa etária de 3 a 5 anos               artes distribuídas em dois módulos              crianças. Assim, contribuímos para
e tem como objetivo central de-                 de duas horas. Com o intuito de                 que descubram seu próprio poten-
senvolver as várias dimensões do                garantir a vivência direta de todas             cial, enriqueçam-se estética e espi-
sujeito educando, preocupando-                  as professoras com o trabalho de                ritualmente, tenham autoconfiança,
se com a totalidade da forma-                   artes, propusemo-nos a realizar um              tornem-se autônomas e se certifi-
ção humana. Para alcançar essa                  rodízio de dois em dois anos. Preo-             quem de que hoje elas são “peque-
meta, a escola tem considerado                  cupamo-nos muito com a formação                 nas grandes” artistas.
como eixo central de seu currícu-               em serviço. Para essa formação, te-                 Procuramos propiciar momen-
lo o trabalho com as artes e suas               mos encontros semanais nos quais                tos de observação, sensibilização,
múltiplas linguagens. Acredita-se               discutimos questões relacionadas                exploração, experimentação e cria-
que por meio delas as pessoas                   às turmas, projetos específicos da              ção, valorizando o trabalho de cada
podem comunicar um pouco do                     sala e da “Oficina de Artes”, trocas            criança. A participação das famí-
que vêem, pensam, sentem, ima-                  de experiências, estudos etc. Pro-              lias por meio da apreciação, visita
ginam. A escola como um todo se                 curamos, também, sempre ampliar                 às nossas exposições, oficinas na
expressa artisticamente.                        o acervo bibliográfico, até mesmo o             escola e auxílio no “Para casa” tam-
   Nesse contexto, desde o início               repertório de artistas, tendo sempre            bém fortaleceram o trabalho.
da Escola Henfil, há dez anos, ar-              os Referenciais Curriculares à mão.                 No início do ano, desenvolvemos
ticulamo-nos e lutamos pela cons-                                                               muitas técnicas com as crianças,
trução de uma sala específica para                                                              utilizando materiais variados, tendo
aulas de artes. Hoje, contamos                  Tarsila do Amaral                               como objetivo a exploração e a ma-
com a “Oficina de Artes” com uma                                                                nipulação. Nos meses seguintes,
estrutura que favorece a explora-                  No início de 2006, as três profes-           trabalhamos com desenhos livres
ção, a experimentação e a criação               soras da “Oficina de Artes” desen-              e dirigidos, modelagem, poesias e
das crianças. Ela é ampla, rica em              volveram, cada qual com sua turma,              músicas que permearam o estudo
materiais variados (canetinhas, ca-             um projeto, tendo em comum as                   das obras de Tarsila do Amaral.
netões, lápis de cor e de cera, pin-            obras da artista brasileira Tarsila do          As poesias escolhidas foram de
céis grossos e finos, tintas diver-             Amaral. Nosso principal objetivo era            Vinícius de Moraes. Interpreta-
sas, papéis coloridos de diferentes             propiciar às crianças maior contato             mos, recitamos e fizemos apre-
texturas, botões, linhas e lãs, areia           com as múltiplas linguagens, por en-            sentações com alunos de 3 anos.
colorida, bolinha de sabão, suca-               tendermos que o vasto mundo das                 As obras foram registradas em um
tas, revistas, livros, brinquedos               artes, seja pintura, desenho, escul-            caderno que, durante o ano, foi
etc.) sendo muitos deles objetos                tura, literatura, cerâmica, arquitetura,        para casa para apreciação ou para
de fácil acesso das crianças, o que             modelagem, dança, música, poesia,               realização de alguma tarefa com a
ajuda em muito o trabalho.                      teatro, cinema, fotografia, deve ser            participação das famílias.

* Professora de educação infantil da rede municipal de Belo Horizonte. Trabalha atualmente na Escola Municipal Henfil com Oficinas de Artes
para crianças de 3 a 5 anos.

                                                                                                                         revista criança   15
caleidoscópio



   Utilizamos as cores primárias:     riormente, mudei o enfoque me-       entorno da Lagoa da Pampulha
azul, amarelo e magenta, mistu-       todológico do projeto para não       e o Parque José Lins do Rego.
rando-as para descobrir novas         fazermos cópias e sim releituras     Depois, construímos um painel
cores. As crianças quiseram sa-       das obras, adequando-as à nossa      do Brejinho como o encontra-
ber como fazer para clarear ou        vivência e realidade social.         mos e uma maquete da Lagoa
escurecer as cores. Daí passa-           Manacá – Foi trabalhada com       da Pampulha.
mos a usar o branco e o preto.        as três turmas: após observação e       Sol poente / a lua – Foram
Tais atividades de mistura das co-    apreciação, levei para sala rosas,   trabalhadas com a turma de 3
res proporcionaram momentos de        margaridas, violetas e jardineiras   anos, após a ida ao Brejinho, na
curiosidade, de criação, de alegria   (gerânios). As crianças fizeram      rodinha, planejamos fazer um
e de descobertas.                     desenho de observação das flo-       painel do dia e outro da noite.
   Para o trabalho das obras de       res e usaram diferentes técnicas     Enviei um “Para casa” pedindo
Tarsila do Amaral, expusemos vá-      para pintá-las.                      a observação do dia e da noite
rias obras da artista na parede da       A família – Foi trabalhada        por dois dias e depois uma arte
sala, e as crianças demonstraram      com as três turmas: em uma           sobre a observação. No pátio da
curiosidade em saber quem era         oficina de pais e alunos, obser-     escola, deitamos no chão e por
ela, o que significavam aquelas       vamos e conhecemos a obra.           alguns minutos observamos o
pinturas. Em algumas obras elas       Cada representante da família        céu. Daí, representamos o céu
demonstraram mais interesse que       fez com sua criança, o desenho       de dia com o que apareceu na-
em outras.                            da sua família.                      queles instantes: céu azul de tons
   Na rodinha, apresentei o auto-        Auto-retrato – Foi trabalhada     diferentes e com poucas nuvens,
retrato da artista e combinei com     com as três turmas: observação,      três pássaros, um avião e uma
as crianças que iria contar a his-    formulação de hipóteses sobre        borboleta. Usamos tinta guache
tória dela em capítulos (cada dia     ”como ela conseguiu fazer ela        fazendo misturas de azul claro,
um pouquinho). Ao conhecer um         mesma?”. E frente ao espelho         de azul escuro e de branco para
pouco de sua história e obra, sem-    cada criança fez seu auto-retrato.   pintar o céu. As nuvens foram de
pre chamava a atenção dos alunos         A cuca – Foi trabalhada com       algodão, os pássaros modelados
para observarem as cores, as for-     a turma de 4 anos: após conhe-       com massinha e peninhas colori-
mas, os tamanhos, as proporções,      cerem a obra, organizei uma ex-      das, e o avião foi também mode-
a realidade social e, a partir do     cursão ao Brejinho com as três       lado com massinha
interesse de cada turma, explora-     turmas. O Brejinho é um espaço          A feira – Foi trabalhada com
mos mais uma tela que outra.          próximo à escola com área ver-       a turma de 5 anos: visitamos um
   Abaporu – Primeira obra ex-        de. Queria que as crianças ob-       sacolão em frente à escola e fize-
plorada, porque as crianças de-       servassem o caminho da escola        mos a representação, com argila,
monstraram grande interesse por       até lá, a vegetação existente (ti-   das frutas e legumes. Organiza-
ela. Após observação e história da    pos de plantas e flores), o céu,     mos uma exposição para a escola
tela, quiseram reproduzí-la. Então,   os tipos de construção, a água       e famílias.
dei o desenho xerografado e elas      (nascente). Como encontramos            Morro da favela – Foi traba-
o pintaram. Ao avaliarmos a ativi-    o Brejinho abandonado e com          lhada com a turma de 5 anos:
dade, na rodinha, demonstraram        queimadas, elas quiseram apro-       fizemos um painel coletivo repre-
satisfação com o produto final e      fundar o estudo sobre o lugar        sentando uma rua do bairro, com
passamos a discutir os medos in-      e suas melhorias, mudando os         casas, prédios, árvores, asfalto,
teriores. Depois, elas desenharam     rumos do projeto com esta tur-       carros, ônibus e pessoas, ade-
o monstro de cada uma. Poste-         ma. Fomos também conhecer o          quados à nossa realidade.

16   revista criança
caleidoscópio



Avaliação e                             • que o pincel provoca efeitos di-        BIBLIOGRAFIA

descobertas                             ferentes, se usado na posição ho-         OLIVEIRA, Jô; GARCEZ, Lucilia. Expli-
                                                                                  cando a arte brasileira. Rio de Janeiro:
                                        rizontal ou vertical;                     Ediouro, 2003.
    A avaliação ocorria ao término de   • que ao pintar uma paisagem é mais       MANGE, Marlyn Diggs. Arte brasileira
                                                                                  para crianças. 2 ed. São Paulo: Martins
cada atividade realizada, ajudando      fácil pintar primeiro o céu, depois a     fontes, 1996.
a definir os rumos do projeto. Em       terra. E delimitar a linha do horizonte   MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo
                                                                                  Federal. Referêncial Curricular Nacional
nossas aulas, o diálogo era cons-       para depois fazer desenhos;               para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998.
                                                                                  SÁNCHEZ, Isidoro; BALLESTAR, Vicenç;
tante, seja no coletivo, nas rodinhas   • que o trabalho fica ainda mais          SÁBAT, Jord; MARUCCI, Liege M. S. Fa-
ou nas interações individuais, pos-     bonito se ao final contornarmos,          zendo Arte - Guache: Materiais, técnicas
                                                                                  e exercícios. São Paulo: Moderna, s/d.
sibilitando às crianças tornarem-se     usando a cor branca ou preta.             AZEVEDO, Heloiza de Aquino. Tarsila do
sujeitos do processo pedagógico.           Ao realizarem estas atividades,        Amaral - a primeira dama da arte brasi-
                                                                                  leira. Jundiaí (SP): Árvore do Saber, 2004.
Além disso, regularmente, as famí-      as crianças estavam sempre ale-           CUNHA, Sérgio. Arte, educação e
lias eram convidadas a participar da    gres e entusiasmadas e gostavam           projetos – Tarsila do Amaral para
                                                                                  Crianças e Educadores. Jundiaí (SP):
avaliação dos processos.                muito do resultado final. O projeto       Árvore do Saber, 2004.
    A avaliação do desenvolvi-          culminou com uma vernissage.
mento e aprendizagem ocorreu            Apresentamos as obras das crian-
de forma permanente. Daí surgi-         ças para toda a escola e para os
ram as dificuldades enfrentadas         familiares, com uma bela apresen-
e as alternativas para melhorar         tação artística delas.•
as atividades. Sempre com a fi-
nalidade de analisar os proces-
sos vividos e as construções rea-
lizadas, no sentido de reforçar as
aquisições de competências por
parte das crianças.
    Estes trabalhos nos permitiram
fazer grandes e importantes des-
cobertas:
• que o céu possui vários tons
de azul;
• que podemos torná-lo mais claro
ou mais escuro, misturando tintas;
• que às vezes é melhor usar ro-
linho ou buchinha substituindo o
pincel grosso para pintar espaços
grandes ou pincel fino para pintar
espaços pequenos. E, para espa-
ços bem pequenos, usar também
cotonetes ou os dedinhos;
• que as nuvens escondem o sol
e o céu em dias de chuva;
• que a luz do dia, mesmo que
não apareça o sol, indica mais ou
menos a hora;

                                                                                                            revista criança   17
professor faz literatura


               Coragem
               Maria Luiza dos Reis Teixeira*



                Coragem
                Força que brota no deserto
                Vontade de que tudo dê certo
                Ao viver uma situação caótica
                Enxergar as coisas de diferente óptica.

                Coragem
                Para o erro reconhecer
                Se necessário retroceder
                Fazer uso da força motriz
                Tornar-se um eterno aprendiz.

                Coragem
                Para os obstáculos enfrentar
                Sem a mente turvar
                Agir com lucidez
                Deixar de lado a mesquinhez.

                Coragem
                Para se calar quando necessário
                Saber respeitar o adversário
                Perceber que o outro pode ter razão
                Mesmo tendo outra opinião.

                Coragem
                Para perdoar e esquecer
                Quando alguém se exceder
                A visão alheia ignorar
                Quando isso lhe prejudicar.

                Coragem
                Só no forte existe
                E este não permite
                Jamais se acovardar
                Prefere sonhar e realizar.




* Professora municipal e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Presidente Olegário (MG).



18   revista criança
matéria de capa



A inclusão de crianças
com deficiência cresce
e muda a prática das
creches e pré-escolas
Rita de Biaggio | São Paulo/SP



   O aumento do número de crianças deficientes na educação infantil
faz parte no movimento mundial pela inclusão. Mas se a política de
inclusão educacional traz benefícios para todos, também lança novos
desafios para instituições, professores e sociedade.




    O número de crianças com algum tipo de deficiência na rede regular
de ensino do País cresce a cada ano. O impacto da política de inclusão
na educação infantil pode ser medido pelo crescimento das matrículas
entre 2002 e 2006. O crescimento não é casual, mas resultado da mobi-
lização da sociedade brasileira. A Constituição Brasileira de 1988 garante
o acesso ao ensino fundamental regular a todas as crianças e adolescen-
tes, sem exceção, e deixa claro que a criança com necessidade educa-
cional especial deve receber atendimento especializado complementar,
de preferência dentro da escola. A inclusão ganhou reforços com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e com a Convenção
da Guatemala, de 2001, que proíbem qualquer tipo de diferenciação, de
exclusão ou de restrição baseadas na deficiência das pessoas.
    Segundo Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da Repúbli-
ca responsável pelos direitos do cidadão no Estado de São Paulo, no biê-
nio 2002–2004, “o acesso das pessoas com deficiência ao ensino formal
é garantido até pela legislação penal, pois o artigo 8o, da Lei no 7.853/89,
prevê como crime condutas que frustam, sem justa causa, a matrícula de
aluno com deficiência”. Sendo assim, a exclusão é crime.
    Mãe de um filho com Síndrome de Down, ela foi autora, juntamen-
te com o procurador Sérgio Gardenghi Suiama, da recomendação
no 05/2007/MPF/PR/SP, em fevereiro deste ano, ao diretor da novela “Pá-
ginas da Vida” – na qual a personagem Clara, com Síndrome de Down,
foi recusada em várias escolas – para que não encerrasse o folhetim sem
deixar claro que o acesso de alunos com deficiência a escolas comuns não
é mera opção de seus pais ou responsáveis, e que a conduta excludente
das escolas pode ter conseqüências cíveis, penais e administrativas.

                                                            revista criança   19
matéria de capa




As escolas comuns são obrigadas
a receberem matrículas de crianças
especiais
                                     Movimento mundial chega ao País

                                        Eventos e acordos internacionais foram fundamentais para impulsionar
                                     a criação de uma política educacional mais justa para todos, sobretudo
                                     para os portadores de necessidades especiais. Entre eles, destaca-se
                                     a Declaração mundial de educação para todos, resultado da Conferên-
                                     cia Mundial de Educação, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990,
                                     e, posteriormente, a Declaração de Salamanca, oriunda da Conferência
                                     Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e qualidade
                                     (UNESCO, 1994).
                                        A Declaração de Salamanca ressalta que a educação de crianças com
                                     necessidades educacionais especiais deve ser tarefa partilhada por pais
                                     e profissionais. Para Rosa Blanco, consultora da Unesco, o conceito de
                                     inclusão é “holístico, um modelo educacional guiado pela certeza de que
                                     discriminar seres humanos é filosoficamente ilegal, e incluir é acreditar
                                     que todos têm o direito de participar ativamente da educação e da so-
                                     ciedade em geral”. Essa nova proposta educacional tem como alicerce:
                                     acessibilidade, projeto político-pedagógico, criação de redes e de parce-
                                     rias, formação de professores e atendimento educacional especializado.



                                     Passado de segregação

                                        Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% das pes-
                                     soas têm algum tipo de deficiência, o que representaria 15 milhões
                                     de brasileiros, de acordo com o Censo do IBGE de 2000. Em 2004,
                                     a fim de aprimorar a formulação de políticas públicas, o MEC passou
                                     a definir melhor as várias categorias de deficiência. Assim, deficiência
                                     auditiva/surdez é aquela em que, mesmo utilizando aparelho auditi-
                                     vo, a pessoa não consegue ouvir a voz humana. A deficiência visual/
                                     cegueira passa a se referir àquelas pessoas que, mesmo utilizando
                                     óculos, continuam com dificuldade para enxergar. Assim, o universo de

20   revista criança
© Gabriel Lordêllo




                     pessoas com deficiência entre 0 e 17 anos fica em torno de 820 mil.          matéria de capa
                     Dentre essas, cerca de 190 mil crianças fazem parte do público a ser
                     atendido pela educação infantil.
                        Historicamente, o atendimento educacional a crianças com defici-
                     ência era realizado apenas em escolas especiais, fato que trouxe con-
                     seqüências negativas e segregacionistas, pois se imaginava que elas
                     eram incapazes de conviver com crianças sem deficiência. “Hoje, com
                     a política de inclusão, a educação infantil é a porta de ingresso ao sis-
                     tema educacional para boa parte das crianças, devendo o atendimento
                     educacional especializado ser ofertado na própria creche ou pré-escola
                     em que a criança está matriculada”, afirma Cláudia Pereira Dutra, Se-
                     cretária de Educação Especial do MEC (Seesp). “Muitas vezes os pais,
                     por desconhecimento, resistem à inclusão, preferindo deixar seus filhos
                     em casa ou em escolas especiais. À medida que as práticas educacio-
                     nais inclusivas ganham maior visibilidade, as famílias entendem os be-
                     nefícios dos espaços heterogêneos de aprendizagem para seus filhos”,
                     assegura Denise de Oliveira Alves, Coordenadora-Geral de Articulação
                     da Política de Inclusão, da Seesp.



                     Programas e ações

                         O MEC, no seu papel de indutor de políticas, tem trabalhado na pers-
                     pectiva de que os Estados e municípios brasileiros incluam em suas esco-
                     las e instituições de educação infantil todas as crianças com deficiência.
                     Nesse sentido, tem firmado parcerias e convênios para garantir o atendi-
                     mento desses alunos. “O ministério contribui com ações de sensibilização
                     da sociedade e da comunidade escolar, disponibiliza material de apoio e
                     tecnologia educacional que contribua com a prática pedagógica e de ges-
                     tão escolar, e também com a produção e disseminação de conhecimento
                     sobre a educação inclusiva”, explica Cláudia Pereira Dutra.
                         Entre os programas e ações da Seesp, destaca-se o Programa edu-
                     cação inclusiva: Direito à diversidade, desenvolvido em todos os Esta-
                     dos e no Distrito Federal, envolvendo 144 municípios-pólo que atuam
                     como multiplicadores para 4.646 municípios de sua área de abrangên-
                     cia. O objetivo é formar gestores e educadores para efetivar a constru-
                     ção de sistemas educacionais inclusivos, tendo como princípio garantir
                     o direito de acesso e de permanência com qualidade dos alunos com
                     necessidades educacionais nas escolas do ensino regular. Até o final
                     de 2007, serão 5.564, ou seja, 100% dos municípios brasileiros terão
                     recebido formação para a educação inclusiva.
                         O programa disponibiliza aos sistemas de ensino equipamentos, mo-
                     biliários e material pedagógico para a implantação de salas de recursos
                     e organização da oferta de atendimento. E tem implantado um conjunto
                     de outras ações e programas em parceria com dirigentes estaduais e
                     municipais da educação, bem como apoiado a formação continuada dos
                     professores, em diversas áreas, como Deficiência Mental, Deficiência Au-
                     ditiva, Deficiência Visual, Superdotação/Altas Habilidades, entre outras.

                                                                                                       revista criança   21
matéria de capa                       Crianças aprendem desde pequenas
                                                  a respeitar as diferenças


Responsabilidade coletiva

   A professora Francisca Roseneide Furtado do Monte, consultora da
Seesp/MEC para a publicação Saberes e práticas da inclusão, distri-
buída para todas as escolas do país, também entende que “a inclusão
tem força legal e política para quebrar barreiras sólidas em torno das
minorias excluídas da sociedade”. Trata-se de uma experiência que
pode gerar conflitos e contradições, segundo Marilda Bruno, da Uni-
versidade Federal da Grande Dourados (MS), outra consultora para a
publicação do MEC. “A inclusão mobiliza a família, os professores, a
escola e os profissionais de apoio especializado. Nos primeiros me-
ses, pode gerar medo, angústia, tensão, dúvidas, tanto para a família
como para escola”.
   Para ela, a escola ou a instituição de educação infantil torna-se
inclusiva quando há um projeto pedagógico elaborado coletivamente,
entre as instituições educativas, a família e os profissionais especia-
lizados. “A maior demanda encontra-se na esfera das atitudes, pos-
turas, formas de lidar com a diversidade e a diferença significativa de
cada aluno. Essa não deve ser responsabilidade só do professor, mas
do coletivo escolar”, avalia.
   Marilda é mãe de André Gustavo, 32 anos de idade, mestre em
educação especial pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
e funcionário público concursado. Ele teve paralisia cerebral, defici-
ência visual severa e quadro neurológico de hipotonia e convulsões
freqüentes por seqüela de infecção hospitalar, ao nascer. Ingressou
na educação infantil com 1 ano e oito meses, não andava, nem falava.
Mas gostava muito de ir à creche e participar de todas as atividades,
do seu jeito. “Para André foi muito importante freqüentar uma insti-
tuição educativa cedo: aprendeu a falar, a conviver, a viver frustra-
ções, a conhecer suas possibilidades e a lidar com suas limitações
desde pequeno”, relembra.



Mudança de mentalidade

   Para que a inclusão aconteça, é preciso olhar a educação de outro
modo. Isso é o que preconiza a professora Maria Tereza Eglér Mantoan,
coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Di-
versidade da Universidade Estadual de Campinas. Mantoan afirma que
a inclusão escolar “pegou a escola de calças curtas” e o nível de esco-
laridade mais atingido por essa inovação foi o do ensino fundamental,
apesar de estar “mexendo” também com a educação infantil.
   A professora adverte que a escola, organizada como está, produz
a exclusão. Ela diz que para entender a razão de tanta dificuldade é
preciso analisar o contexto escolar. “Os alunos estão enturmados por

22 revista criança
matéria de capa


                     séries, o currículo é organizado por disciplinas e o conteúdo é selecio-




© Gabriel Lordêllo
                     nado pelas coordenações pedagógicas, pelos livros didáticos, enfim,
                     por uma ‘inteligência’ que define os saberes úteis e a seqüência em
                     que devem ser ensinados”, analisa. “A divisão do currículo em disci-
                     plinas fragmenta e especializa o conhecimento e faz do conteúdo de
                     cada uma dessas matérias um fim em si mesmo e não um meio para
                     esclarecer o mundo em que vivemos e para entendermos a nós mes-
                     mos”, argumenta. “Com esse perfil organizacional, dá para imaginar o
                     impacto da inclusão na maioria das escolas, esta é uma prática que
                     tem de ser banida”, aconselha.



                     Resistência ao novo

                        Para Mantoan, todas as estratégias e argumentos pelos quais a es-
                     cola tradicional resiste à inclusão refletem a sua incapacidade de atuar
                     diante da complexidade, diversidade, do que é real nos seres e nos gru-
                     pos humanos. “Estes não são virtuais, categorizáveis, mas existem de
                     fato, são pessoas que provêm de contextos culturais os mais variados;
                     representam diferentes segmentos sociais, que produzem e ampliam
                     conhecimentos e que têm desejos, aspirações, valores, sentimentos e
                     costumes com os quais se identificam”, frisa.
                        Maria Tereza vai mais longe. Ela acredita que ”o desafio da inclu-
                     são está desestabilizando as cabeças dos que sempre defenderam
                     a seleção, a divisão do ensino nas modalidades especial e regular, as
                     especializações e especialistas, o poder das avaliações, da visão clíni-
                     ca do ensino e da aprendizagem”. Ela também acha “difícil manter res-
                     guardados e imunes às mudanças todos os que colocam nos alunos
                     a incapacidade de aprender”, referindo-se a membros da comunidade
                     escolar resistentes às mudanças.



                     Direito humano à inclusão

                        A garantia de acesso e permanência com sucesso nas escolas
                     comuns regulares significa um patamar imprescindível de cidadania
                     para pessoas com deficiência, na opinião de especialistas. A sua in-
                     clusão nos ambientes comuns de aprendizagem, oferecendo todas
                     as condições de acessibilidade, possibilita o preparo para a inserção
                     nos espaços sociais, incluindo o mercado de trabalho. “A inclusão é
                     extremamente favorável à eliminação de posturas excludentes, pois
                     a partir da convivência na heterogeneidade, as crianças aprendem,
                     desde cedo, a não discriminar. Estudos comprovam o desenvolvi-
                     mento de práticas colaborativas e valores como a solidariedade e o
                     respeito à diferença”, alerta Denise Alves, do MEC.

                                                                              revista criança   23
matéria de capa


  O grande desafio da formação
  Rita de Biaggio | São Paulo/SP

     Para a maioria dos especialistas, o professor é a peça-chave na implantação da educação inclusiva e
  precisa ter uma melhor formação, em um processo contínuo e permanente. Essa formação não ocorre
  meramente por meio de cursos de graduação, de pós-graduação ou de aperfeiçoamento.
     Segundo Roseneide Furtado, especialista em educação especial/educação infantil, a formação con-
  tinuada, com cursos de curta e média duração, é o caminho para garantir a aquisição de competências
  relevantes para atuar junto a essas crianças. Ela também aponta a necessidade urgente de mudanças
  nos cursos de formação de professores em geral, com destaque para os cursos da área de educação
  infantil e seus currículos, os quais devem incluir conteúdos que favoreçam as práticas pedagógicas in-
  clusivas.
     Para Marilda Bruno, “nós professores temos dificuldade para romper com a idéia de homogeneidade
  em que fomos formados: a criança ideal, abstrata, que se desenvolve e aprende de uma forma única.
  Este é o grande desafio que a inclusão impõe à escola: lidar com a diversidade e buscar respostas para
  as diferentes necessidades educacionais. Trabalhar com o nível de conhecimento, adaptar o ensino ao
  interesse e ao ritmo de aprendizagem de cada aluno e ajudá-lo a progredir e a ter experiências significa-
  tivas de aprendizagem são a chave da questão”.•




Educação inclusiva x                 altas habilidades/superdotação, e        no cotidiano educacional e social.
educação especial                    abrange desde a educação infan-          Hoje, os pais já não escondem
                                     til até a educação superior.             seus filhos com deficiência. As es-
    Por isso, é necessário estar         Hoje, o atendimento educacio-        colas e instituições de educação
clara a diferença entre educação     nal especializado é apenas com-          infantil não podem negar a matrí-
inclusiva e educação especial.       plemento da escolarização, e não         cula, alegando não saber como
A educação inclusiva é um mo-        substituto. Muitos municípios bra-       atuar, e os professores buscam
vimento mundial fundamentado         sileiros já começaram a adaptar          aperfeiçoar sua prática, o que se
nos princípios dos direitos hu-      escolas, a capacitar professores         traduz em benefício não só dos
manos e da cidadania, tendo por      e a comprar equipamentos. Salas          alunos com deficiência, mas tam-
objetivo eliminar a discriminação    multimeios, instaladas em escolas-       bém de todos os alunos”, reitera
e a exclusão, para garantir o di-    pólo, que servem outras escolas          Cláudia Pereira Dutra. “Com uma
reito à igualdade de oportunida-     e instituições de educação infantil      nova concepção de ser huma-
des e à diferença, transformando     das redondezas estão sendo cria-         no, ética, cultura e sociedade, e
os sistemas de ensino, de modo       das, e atendem crianças cegas,           também com a evolução do co-
a propiciar a participação de to-    com baixa visão, surdas e com di-        nhecimento científico acerca da
dos os alunos, com foco espe-        ficuldades motoras. Os professores       inteligência humana, a educação
cífico naqueles que são vulnerá-     são capacitados para ensinar libras      passa a ser definida e viabilizada
veis à marginalização e exclusão.    (língua brasileira de sinais), braile,   como direito de todos. À medida
A educação especial é uma área       língua portuguesa para surdos e o        que existe esta mudança de men-
de conhecimento que visa promo-      uso de instrumentos como o soro-         talidade nas escolas, altera-se o
ver o desenvolvimento das poten-     ban (ábaco japonês).                     pensamento e a realidade cultural
cialidades de pessoas com defi-          “Falamos de um processo de           do País”, afirma a Secretária de
ciência, autismo, síndromes ou       mudança cultural que se constrói         Educação Especial do MEC.•

24   revista criança
matéria de capa




                                                            © Adilvan Nogueira
                                                                                 Educação inclusiva desde a creche
                                                                                 Neuracy Viana | Palmas/TO

                                                                                     A cada passo, a cada palavra balbuciada, o pe-
                                                                                 queno Érick Cordeiro da Silva, 2 anos, foi ganhando
                                                                                 confiança, adquirindo auto-estima e se relacionan-
                                                                                 do melhor com os coleguinhas de sala na Creche
                                                                                 Municipal Sonho Encantado, em Palmas (TO), que
                                                                                 freqüenta há cerca de um ano. Érick é um dos 288
                                                                                 alunos de instituições de ensino acompanhados pelo
                                                                                 projeto Educação precoce começa na creche, de-
                                                                                 senvolvido pela secretaria municipal de educação,
                                                                                 em parceria com universidades locais, desde agosto
                                                                                 de 2006. Ele é um exemplo de que é possível traba-
                                                                                 lhar a educação inclusiva, desde a educação infantil.
                                                                                     O pequeno Érick começou a freqüentar a creche
                                                                                 quando tinha 1 ano e meio. Na época, a orientado-
                                                                                 ra educacional da instituição, Jucilene Demétrio de
                                                                                 Moraes, percebeu um retardo nas funções motora
                                                                                 e de linguagem do menino, uma vez que ainda não
                                                                                 andava, não tinha firmeza no corpo e não conseguia
                                                                                 balbuciar qualquer palavra. Foi aí que entraram em
                                                                                 ação os grupos de trabalho do projeto.
                                                                                     Inicialmente, foi feita uma avaliação do grau de difi-
                                                                                 culdade da criança e, a partir de então, intervenções
                                                                                 dentro da creche, abrangendo as áreas de educação
                                                                                 física, de pedagogia, de psicologia e de enfermagem.
                                                                                 O trabalho é realizado por grupos de estudantes uni-
                                                                                 versitários, supervisionados por seus professores.
                                                                                 Cada acadêmico acompanha 12 crianças de 0 a 3
                                                                                 anos. Atualmente, as ações atendem a quatro insti-
                                                                                 tuições. O grupo reúne-se três dias na semana para
                                                                                 estudo das dificuldades das crianças acompanhadas
                                                                                 e dois para fazer as intervenções na escola.
                                                                                     A coordenadora do projeto, Leny Carrasco, psi-
                                                                                 cóloga, explica as intervenções: “a partir do estu-
                                                                                 do, nós construímos as atividades pedagógicas
                                                                                 específicas para cada criança que faz parte do pro-
                                                                                 jeto”. Segundo ela, as crianças são indicadas pela
                                                                                 própria creche e o projeto atua nas áreas cognitiva,
                                                                                 de linguagem, motora e social. Com esse trabalho,
                                                                                 centenas de crianças como Érick têm tido a chan-
                                                                                 ce de desenvolver suas capacidades com acolhi-
                                                                                 mento e respeito.•

Érick recebe atendimento para desenvolver funções motoras
                                                                                                                           revista criança   25
matéria de capa




                                                                                                                   © Gabriel Lordêllo
Colega de classe colabora com o desenvolvimento de Hugo


Educação infantil com direito à diversidade
Iris Carolina | Vitória/ES

   Na ficha de matrícula do Centro Municipal de Educação Infantil Darcy Vargas, em Vitória (ES), ele é Hugo
dos Santos Oliveira, 6 anos, aluno do pré e portador de deficiências múltiplas. Na definição de sua coleguinha
de turma, Raissa Brisque Cunha, 6 anos, ele é “Huguinho, meu amigo com quem gosto de brincar de esco-
lher as cores”. A inclusão de crianças portadoras de deficiências no ensino infantil da cidade de Vitória ocorre
assim: as dificuldades ficam registradas nas fichas, mas a preocupação central é trabalhar toda a turma para
a prática colaborativa de aprendizagem.
   A inclusão de crianças com necessidades especiais na educação regular exige informação especializada
para professores, escolas e pais, além de adaptações no currículo. Há pouco tempo, os alunos da Escola
Darcy Vargas encenaram uma peça sobre as lendas capixabas. Hugo, com suas deficiências motoras e sen-
soriais, participou como o “pássaro de fogo” que levava mensagens para o casal de apaixonados. A cadeira
de rodas de Hugo transitava de um lado para o outro do palco empurrada por uma amiguinha que, juntos,
representavam o pássaro. Hugo se divertiu, e a amiguinha mais ainda, “voando” com a cadeira pelo cenário.
A mãe, Rachel Pinheiro dos Santos, emocionada, repetia: “todas as crianças portadoras de deficiência deve-
riam ter o direito de experimentar o que meu filho está vivendo.”
   A pedagoga Janete Roque Sobrinho acredita que a Escola Darcy Vargas ganha com a inclusão porque
pode construir relações afetivas. Ela sustenta que os alunos deficientes, 210 ao todo na rede infantil do mu-
nicípio, despertam na comunidade escolar a certeza de que as diferenças não os tornam desiguais em direi-
tos. A política da secretaria de educação de Vitória possibilita a presença de profissionais especializados em
todas as 45 escolas da rede. Eles orientam professores, pais e diretores no trabalho da inclusão e realizam
adaptações curriculares de tal forma que os alunos especiais possam ser contemplados.
   Projetos fora do horário escolar, como oficinas de artes e de desenvolvimento de talentos específicos e o
convênio com a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) Vitória dão concretude à inclusão.
Dessa maneira, é possível avaliar as dificuldades de cada criança, e oferecer terapia ocupacional fora do
horário regular das instituições de educação infantil. Em todas as ações do sistema educacional, o que se
busca é a solidariedade com respeito às diferenças.•

26   revista criança
artigo



Revista Criança
completa 25 anos de circulação
Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho*




    O lançamento de uma revista                Na Constituição de 1967, a edu-               Todavia, organizações nacio-
é sempre um momento cheio de                cação pré-escolar não é sequer                nais e internacionais já insistiam
expectativas. Pode ser entendido            mencionada. A Lei no 5.692/71                 que a educação pré-escolar inci-
como forma de organizar determi-            dedica-lhe o parágrafo 2o do art.             dia sobre o período mais sensível
nada área do conhecimento. Em               19, cujo teor é o seguinte: “Os sis-          da vida de uma criança e que ti-
uma revista de caráter educacio-            temas de ensino velarão para que              nha funções próprias. Também,
nal, os trabalhos publicados re-            as crianças de idade inferior a 7             as pesquisas acadêmicas nessa
presentam, de modo geral, o pen-            anos recebam conveniente educa-               área começavam a ganhar mais
samento político-pedagógico da              ção em escolas maternais, jardins             espaço. Como se constata, o
época, divulgam a temática relati-          de infância e instituições equiva-            debate de que a educação pré-
va a essa área, suscitam debates            lentes” (BOYNARD; GARCIA; RO-                 escolar se justificava já estava
que poderão daí advir e supõe-se,           BERT, 1971, p. 34) e no artigo 61             instalado na sociedade brasileira.
ainda, que farão aumentar os re-            incentiva as empresas a organizar             Assim diz Jobim e Souza (1984,
ferenciais para as práticas edu-            e manter a educação anterior ao               p. 14), que as verdadeiras razões
cacionais, se lidos e debatidos             ensino de 1o grau, se tiverem como            para se implantar uma pré-escola
pelo conjunto de professores e              força de trabalho mães com filhos             encontram-se:
de professoras que a receberão.             menores de 7 anos.
A Revista Criança inclui-se nes-               Segundo Rosemberg (1995),                    [...] inicialmente, nas necessidades
ta perspectiva.                             a forma vaga e o pequeno inte-                próprias da criança e nas formas como
    Para melhor conhecer este               resse contribuiu para não haver               estas podem ser satisfeitas pelo ambien-
periódico, precisamos remontar              uma política nacional para esse               te. Mesmo porque uma pré-escola que
à época da ditadura iniciada no             nível de educação. É somen-                   tenha como objetivo prevenir o fracasso
Brasil em 1964, com o golpe mi-             te em 1975 que o MEC inclui                   escolar da criança pobre desloca injus-
litar, visto que a Revista Criança          no seu organograma um órgão                   tamente para ela a responsabilidade de
nasceu em 1982, no fim desse                responsável pela educação pré-                uma incompetência que não está nela,
período, e grande parte das políti-         escolar, que inicialmente chama-              mas sim no sistema educacional e na
cas públicas daquela época ainda            va-se Sepre,1 Codepre,2 depois                desigualdade social.
são reflexo do período anterior.            Coepre,3 em seguida Coedi.4
* Doutora em Educação pela UNICAMP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA).
1
  Serviço de Educação Pré-escolar.
2
  Coordenação de Educação Pré-escolar.
3
  Coordenadoria de Educação Pré-escolar.
4
  Coordenação de Educação Infantil, hoje Coordenação Geral de Educação Infantil.
                                                                                                                 revista criança   27
artigo


    Em 1975, a Coordenadoria de                 nitor [...] e confirmada por Dido-                 Para melhor visualização da tra-
educação pré-escolar (Coepre)                   net (2006) quando informa que                   jetória deste periódico, expõe-se
elaborou o documento intitulado                 ela “Foi criada como instrumento                no quadro informações relativas
Diagnóstico Preliminar da educa-                de informação, formação e apoio                 a números publicados até hoje,
ção pré-escolar (KRAMER, 1992)                  aos professores e monitores [...]”              mês/ano da publicação, órgão
e, com base nesse documento,                    e, posteriormente, o MEC esten-                 responsável pela publicação, in-
formulou o Programa Nacional de                 deu a sua distribuição a todos os               terlocutor, nível e modalidade de
Educação Pré-escolar, lançado                   professores de educação pré-es-                 educação e tiragem.
em 1981, que passou a ser im-                   colar das instituições públicas.                   O quadro permite constatar que
plantado pelo MEC/Coepre tanto                      A Revista Criança está em cir-              na trajetória da Revista Criança
pelas secretarias de educação,                  culação há 25 anos. Foi a primeira              diferentes concepções político-pe-
quanto pelo Mobral.5 O Presiden-                publicação, em âmbito nacional,                 dagógicas, diferentes concepções
te do Mobral informou que o MEC                 dedicada à educação pré-escolar.                de crianças, diferentes políticas
estabeleceu como prioridade na-                 Não tem periodicidade regular, re-              públicas foram desenvolvidas pelo
cional a criança, e continua:                   flete a política oficial para a área. A         Estado brasileiro para a criança
    De acordo com as orienta-                   tiragem vem aumentando signifi-                 pequena na área da educação, te-
ções do MEC, o Mobral assumiu                   cativamente, tendo alcançado em                 mas, sem dúvida alguma, instigan-
o compromisso com as crianças                   2005 a marca de 200 mil exem-                   tes que poderão ser discutidos em
de populações de baixa renda,                   plares. E, para garantir sua cir-               outra oportunidade.•
da faixa etária de 4 a 6 anos, na               culação, inúmeras organizações,
certeza de que a sua educação                   oficiais ou não, têm contribuído.               BIBLIOGRAFIA
é um direito universalmente re-                 Os catorze primeiros números
conhecido (RC, no 1, BRASIL,                    permitem afirmar que o periódico:               BOYNARD, Aluisio Peixoto; GARCIA, Edília
                                                                                                Coelho; ROBERT, Maria Iracilda. A reforma
1982, p.1).                                     focaliza a criança de baixa renda,              do ensino. Lei no 5.692 de 11 de agosto de
                                                                                                1971, São Paulo: 1971.
    O Mobral transfere para a                   que freqüentava o pré-escolar,                  CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG,
educação pré-escolar a mes-                     excluindo, portanto, a creche; é                Fúlvia; FERREIRA, Isabel. Creches e pré-
                                                                                                escolas no Brasil. São Paulo: Cortez:
ma prática que vinha utilizando                 dirigida ao monitor, que não é um               Fundação Carlos Chagas, 1995.
nos programas de alfabetização                  profissional da área; os temas ver-             DIDONET, Vital. Algumas questões sobre
                                                                                                o Mobral e a Revista Criança. Entre-
de adultos, entre as quais estão                sam sobre a criança (o que pensa,               vista Março, 2006, recebido pelo e-mail:
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                                                                                                LEITE FILHO, Aristeo. Algumas questões
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                                                                                                Sonia. Avanços, retrocessos e impasses
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a Revista Criança foi criada                    Os temas são apresentados de                    Brasil. Educação & Sociedade (28), São
                                                                                                Paulo: Cortez editora, p. 12-31. dez. 1984.
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                                                                                                Cortez, 1992.
do programa, corroborada na                     mula a participação, incentivando               TANCREDI CARVALHO, Ana Maria Orlan-
apresentação da Revista. Nela,                  a correspondência não só com o                  dina. Políticas nacionais de educação
                                                                                                infantil: Mobral, educação pré-escolar e a
o então Presidente do Mobral                    MEC, mas entre os profissionais                 Revista Criança, 222 p. Tese (doutorado).
diz que o objetivo da revista é a               que exercem o magistério neste                  Campinas, (SP): Faculdade de Educação,
                                                                                                Universidade Estadual de Campinas, 2006.
[...] melhoria do trabalho do mo-               nível de educação.

5
  Movimento Brasileiro de Alfabetização criado em 1967, com o objetivo declarado de desenvolver prioritariamente a alfabetização funcional.
(COSTA ROCHA, [s/d]).
6
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  • 1. Revista do professor de educação infantil A inclusão de crianças com deficiência na educação infantil Entrevista Reportagem Artigo ve mbro200 No 44 7 Léa Tiriba Fundeb Conhecendo a 1 ção revista criança Mini Revista Criança ca s té rio d Edu a
  • 2. expediente Presidência Ministério da Educação Secretaria Executiva Secretaria de Educação Básica Departamento de Políticas da Educação Infantil e Ensino Fundamental Coordenação de Educação Infantil Consultora Editorial Vitória Líbia Barreto de Faria Jornalista Responsável Adriana Maricato - MTB 024546/SP Editor Alex Criado Reportagem Angélica Miranda, Íris Carolina, Neuracy Viana, Rafael Cristiano Ely, Rita de Biaggio Direção de Arte TDA Comunicação Criação e Projeto Gráfico Letícia Neves Soares Diagramação Joana França Fotografias Adilvan Nogueira, Gabriel Lordêllo, Marcelo Vittorino, Ronaldo Barroso, Tasso Leal Revisão Roberta Gomes Foto Capa Adilvan Nogueira, Creche Municipal Sonho Encantado, Palmas (TO) Envie cartas para o endereço: Ministério da Educação – Coordenação-Geral de Educação Infantil – DPE/SEB Esplanada dos Ministérios, Bloco L – Edifício Sede, 6o andar – Sala 623 70047-900 Brasília (DF). Tel: (61) 2104 8645 E-mail: revistacrianca@mec.gov.br Tiragem desta edição: 200 mil exemplares Novembro de 2007 Ministério da Educação
  • 3. sumário 5 19 34 4 carta ao professor 5 entrevista Consciência ecológica se aprende com o pé no chão 9 caleidoscópio Alfabetização e letramento: a experiência de São Luís A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil Um currículo centrado na arte 18 professor faz literatura Coragem 19 matéria de capa A inclusão de crianças com deficiência cresce e muda a prática das creches e pré-escolas 27 artigo Revista Criança completa 25 anos de circulação 30 relato Entre o encontro de objetos e a busca de sujeitos 34 reportagem Fundeb amplia financiamento e inclui cheches e pré-escolas 38 resenha 40 notas 41 cartas revista criança 3
  • 4. carta ao professor Prezado (a) e professor (a), Estamos vivendo um importante momento para toda a educação básica. Em janeiro deste ano, passou a vigorar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Embora a legislação assegure a educação como direito de todo cidadão, a universalização do acesso, especialmente na educação infantil, ainda é um grande desafio. O novo Fundo repre- senta um marco histórico, pois pela primeira vez a educação infantil terá um sistema de financia- mento normatizado em lei. Com os novos recursos, pretende-se ampliar a oferta e contribuir para a qualidade do atendimento, garantindo condições mais igualitárias de permanência nas escolas. Esta edição da Revista Criança traz entrevista com a professora Léa Tiriba, que abor- da a importante temática da relação da criança com a natureza, cada vez mais significativa em tempos de aquecimento global. Na seção Caleidoscópio, a revista dá continuidade à discussão iniciada na edição an- terior a respeito dos enfoques curriculares na educação infantil. Falar sobre currículo é em- polgante e, quando o diálogo inclui professores, gestores municipais e pesquisadores, o assunto torna-se ainda mais atraente. A Matéria de Capa apresenta os avanços e os desafios da inclusão da criança com deficiência na educação infantil. Ela também mostra a experiência de dois municípios que estão garantindo o direito de toda criança à convivência, à educação e à participação ativa na sociedade. A seção Reportagem conta sobre a mobilização para que creches e pré-escolas fossem incluídas no Fundeb. Você vai entender como funciona o fundo e como foi seu processo de cria- ção, democrático e participativo. As seções de Resenhas, Cartas e Artes trazem elementos que contribuem para a for- mação dos professores de educação infantil. Continuem nos escrevendo e enviando suas contri- buições para as seções de Relato de Experiência, Professor faz Literatura e Cartas. Boa leitura! 4 revista criança
  • 5. entrevista Léa Tiriba Consciência ecológica se aprende com o pé no chão Angélica Miranda | Rio de Janeiro/RJ Não é difícil imaginar a cena: Segundo Léa, é preciso dar mais uma creche em uma cidade qual- liberdade às crianças, oferecer o quer da zona rural brasileira; do que elas gostam. E o que a gente lado de fora, árvores, montanhas, percebe é que criança gosta de animais nadando em um lago. estar em contato com a natureza. Dentro da sala de aula, a profes- Muitas vezes, elas passam o dia sora se esforça para ensinar no- todo fechadas dentro da escola. ção de conjunto a uma turma de É como se a realidade se reduzisse educação infantil. Alguma coisa às áreas entre os muros. Esque- está fora da ordem, na concepção cemos que as crianças nasceram da professora Léa Tiriba, já que a para o mundo e não para a creche. natureza é a matéria-prima mais importante no processo de forma- ção das crianças. Segundo ela, Revendo conceitos por razões históricas e culturais, os estudantes crescem acredi- O grande desafio do professor de © Tasso Leal tando que existe separação entre educação infantil, preocupado com seres humanos e natureza. Esta os temas da atualidade, é educar seria a origem da degradação do na perspectiva de uma nova socie- planeta, que está nos levando a dade sustentável. E isso, segundo um processo de autodestruição. Tiriba, implica em “rever as con- Um caminho sem volta, se as cepções de mundo e de conheci- crianças não começarem, des- mento que orientam as propostas de muito cedo, a interagir com curriculares em que a natureza não a natureza e, assim, aprender a tem valor em si mesma. Ela serve respeitá-la. Doutora em educação apenas como matéria-prima para a e professora do Curso de Espe- economia industrial”. cialização em educação infantil da E prossegue: “se a vida trans- PUC/RJ, Léa Tiriba propõe, em corre no cotidiano das institui- sua tese de doutorado, a reinven- ções, é aí que ela se afirma como ção das relações entre seres hu- potência ou impotência, de corpo manos e natureza nos espaços de e de espírito.” Assim, autocons- educação infantil. tituição e aprendizagem não são revista criança 5
  • 6. entrevista processos separados, explica a educadora. Léa inspira-se na filosofia de Espinosa para concluir que as instituições educacionais devem ser vistas como “espaços de vivência do que é bom, do que alegra, e, frente à vida, nos faz potentes”. A professora propõe: “vamos ultrapassar as paredes de concreto, alargar as janelas das salas, deixar as crianças de pés descalços, passar mais tem- po ao ar livre”. Mesmo nas grandes cidades, em que as pré-escolas muitas vezes têm espaço limitado, é possível fazer que a criança passe menos tempo “emparedada”. Ela lembra que há sempre um parquinho por perto, uma praça ou mesmo um terreno baldio que podem ser utilizados. “Como aprender a respeitar a natureza se as crianças não convivem com seus elementos?”, pergunta Léa. Criança feliz põe os pés na terra, toma banho de mangueira, observa e interage com a natureza: “Ela é capaz de passar horas observando um formigueiro e tudo o que o professor deve fazer é participar dessas descobertas”, exemplifica. Léa Tiriba observou que a maioria das unidades de educação infantil possui pátios com pisos cobertos. Em uma escola, reparou que, por baixo da cobertura de pedra, a terra foi isolada com um plástico preto. “Uma for- ma de evitar o crescimento de plantas e, assim, afastar os insetos”, explicaram. E acrescenta: “A grama, onde existe, muitas vezes não está liberada para as crian- ças, sob o pretexto de que nela não se pode pisar.” Dessa forma, as crianças são privadas de brincadeiras como cavar, amontoar, criar, construir e demolir; atividades tão desejadas, que só a terra e a areia propiciam. Geralmente, a vegetação presente nas creches e nas escolas reforça a concepção de que a na- tureza está à disposição dos humanos. Ela tem função decorativa ou instrumental. Isto é, a relação das crianças com o mundo vegetal é mediada por objetivos pedagógicos que visam a construção de noções abstratas. Não se mostra, na prática, os processos de nascimento e de desenvolvimento dos frutos da terra. São raríssimas as instituições em que as atividades de plantio e manutenção de hortas e jardins incluem efetivamente as crianças. As torneiras servem apenas para limpar os espaços e lavar as mãos delas. No verão, há banhos de mangueira ou de piscina. Mas, apesar das altas temperaturas, não acontecem diariamente. Colocar barquinho de papel na corren- teza em dias de chuva, brincar de comidinha, dar banho em boneca, nada disso é corriqueiro. Pelo contrário, é exceção. Confinamento e controle Tiriba ressalta que desfrutar da vida ao ar livre é um direito da criança. Mas o contato com o mundo natural está geralmente relacionado à sujeira, à desorganização, à doença e ao perigo: “A natureza é vista como ameaça à organização do cotidiano e da vida, planificada e pautada nos ideais de previsibilidade. Portanto, a solução é privar os meninos e meninas de atividades que poderiam, na visão das famílias, afetar a saúde.” Léa observa ainda que manter o cotidiano distanciado da natureza facilita o processo de controle. Na concepção das educadoras, em 6 revista criança
  • 7. entrevista espaços abertos, as crianças “ficam mais livres” e, portanto, mais “difíceis de con- trolar”. Tal necessidade, segundo a professora, leva a uma pedagogia que privi- legia os espaços fechados. “A própria formação dos educadores é pensada tendo os espaços das salas como referência”, conclui. Outro fator que impede o contato com a natureza é um fenômeno que Léa chama de “ideologia do espaço construído”. A crescente demanda por creches e escolas resulta na ocupação de todos os espaços do terreno com edificações. O ar livre é tomado por novas salas, as áreas verdes somem, as crianças ficam emparedadas. Isso ocorre não só pela falta de recursos econômicos, mas também “por uma política as- sistencialista equivocada, que visa estender a cobertura do atendimen- to sem assegurar qualidade de vida”. Além do mais, a professora chama a atenção para o fato de que costu- ma-se valorizar o aprendizado concreto em detrimento da oferta de vivên- cias, de experiências emotivas e de sensações que só a natureza pode pro- porcionar. Essa alternativa não ocorre porque, segundo Tiriba, “os sentimentos não servem para confirmar o que foi trabalhado de forma sistemática”. As crianças, por sua vez, têm verdadeiro fascínio pelos espaços externos por- que eles são o lugar da liberdade. Ao ar livre, as vivências suscitam encontros e as disputas são amenizadas. Supervalorização do intelecto Segundo Léa Tiriba, paradigmas como esses vêm sendo repetidos nas práticas das salas de aula há pelo menos trezentos anos: “Foi dessa forma que chegamos ao estado de estranhamento entre natureza e ser humano. Não nos percebemos mais como parte de um todo planetário, cósmico. Confirmou-se uma visão antropocêntrica que atribui ao ser humano todos os poderes sobre as demais espécies. Acreditamos ser proprietários da natureza, os grandes administradores do planeta”, afirma. A razão, segundo a professora, sobrepôs-se aos ritmos naturais, vistos como obs- táculos para um espírito pesquisador, desvendador de todos os mistérios da vida. Um espírito capaz, até mesmo, “de determinar os rumos da história”. A supervalo- rização do intelecto resultou no desprezo pelas vontades do corpo, provocando o divórcio entre corpo e mente. Para ela, as relações com a natureza, vitais e constitutivas do humano, são pouco valorizadas porque o homem moder- no foi se desgarrando de suas origens animais, sensitivas, corpóreas. Disciplina e alienação A rotina pode ser inimiga da conscientização. Limitar as vontades e as necessidades é distanciar a criança do mundo natural. As repetições diárias das instituições educacionais acabam por separar também corpo e mente, razão e emoção. Segundo Léa, o projeto pedagógico deve ser pensado revista criança 7
  • 8. entrevista de forma que possa harmonizar o porque produz corpos dóceis e Desconstruir para sentir e o pensar. Um sistema aten- disciplinados. Assim, “alienado sobreviver to às vontades do corpo, que não da realidade natural e da realida- aprisione os movimentos e que es- de corporal-espiritual, o modo Léa Tiriba chama a atenção timule a liberdade de expressão. de funcionamento escolar contribui para o fato de que os educado- “O professor deve sempre se para o aprofundamento de uma ló- res se preocupam em definir as perguntar se está aproveitando gica que produz desequilíbrios no políticas sobre edificações, orga- tempo e espaço de forma sau- plano das três ecologias”. nização das instituições, projetos dável e positiva. Criança precisa pedagógicos e propostas de for- de um ambiente alegre e criativo. mação profissional. Mas os pátios Quando determinamos hora exata Degradação ecológica abertos raramente são menciona- para comer, ir ao banheiro, brin- dos. “A necessidade de contato car etc., criamos um imperativo Em sua tese de doutorado, com a natureza não está clara em pedagógico que aliena os ritmos Léa Tiriba foi buscar na História a documentos, diretrizes, padrões internos delas e altera o equilíbrio origem da degradação ambiental de infra-estrutura ou propostas de sua ecologia pessoal.” que ameaça a vida no nosso pla- pedagógicas”, critica ela. Uma das inspirações para neta. Para isso, foi preciso com- No entanto, a professora lem- sua pesquisa é o conceito de preender como se concretizou a bra que as instituições educacio- ecosofia, formulado pelo filóso- separação entre seres humanos nais são espaços perfeitos para fo Félix Guattari. A ecosofia ar- e natureza, ao longo da história desconstruir e reinventar estilos ticula as ecologias pessoal, so- do ocidente. Segundo ela, “as de vida. Particularmente, as ins- cial e ambiental. Léa explica que origens históricas e filosóficas do tituições de educação infantil são “a ecologia pessoal diz respeito nosso estilo de vida resultaram em campos férteis para as revoluções à qualidade das relações de cada um modelo de desenvolvimento moleculares propostas por Félix ser humano consigo mesmo; a que produz, ao mesmo tempo, Guattari. Isso porque as crianças ecologia social está relacionada desigualdade social, desequilíbrio pequenas ainda não sofreram à qualidade das relações dos se- ambiental e sofrimento pessoal”. inteiramente os efeitos da insti- res humanos entre si; e a ecologia A partir da Revolução Industrial, tucionalização escolar. Portanto, ambiental diz respeito às relações passamos a pensar que o homem “são mais flexíveis e abertas às dos seres humanos com a natu- é superior à natureza e não parte possibilidades de subversão e reza”. Reunidos, esses registros integrante dela. transgressão de práticas que sus- ecológicos expressam as dimen- A professora entende que “as tentam a lógica capitalista”, afirma sões da existência. E, portanto, conexões que se estabeleceram a educadora. definem equilíbrios ecosóficos que entre a economia, a ciência e Para se alcançar um novo expressam a qualidade de vida na a filosofia formaram uma nova equilíbrio ecosófico, Léa sugere Terra. A partir desta referência, a rede de conceitos e de valores que, além de qualquer curso ou professora chegou ao seguinte que vem dando sustentação seminário de formação, é neces- questionamento: qual a qualidade ideológica a uma forma de or- sário transformar nossos valores. das relações de cada ser humano ganização social voltada para a Ela prega mudanças nos padrões consigo mesmo, com os outros acumulação de bens”. A partir de consumo; a desconfiança do humanos, e com as outras espé- de então, a natureza passou a poder explicativo do racionalismo cies que habitam a Terra? ter apenas valor comercial. Tudo científico; a superação do antro- De acordo com Léa, a estra- que vem da terra é visto como pocentrismo e da ideologia do tégia de emparedamento das matéria-prima a ser transforma- trabalho como fonte de aprimora- crianças serve ao capitalismo da em bem de consumo. mento humano.• 8 revista criança
  • 9. caleidoscópio Neste Caleidoscópio, damos continuidade à discussão iniciada na última edição da Revista Criança sobre o currí- culo na educação infantil. O desdobramento do tema leva em conta o grande desafio que está colocado para a edu- cação infantil em relação à construção de um currículo que atenda às necessidades de cuidado e de educação das crianças de 0 até 6 anos. E também a grande diversidade de abordagens sobre o assunto. A fim de participar deste Caleidoscópio, convidamos as professoras Eliane Maria Pinto Pedrosa e Rosa Constância Abreu, respectivamente coordenadora pedagógica e supe- rintendente de educação infantil da Secretaria Municipal de Educação de São Luís (MA), para mostrarem a importância de um currículo focado na alfabetização e letramento para que as crianças possam participar e usufruir dos espaços e dos bens disponibilizados pelo mundo letrado. Já a professora Ângela Meyer Borba, da Universidade Federal Fluminense, defende um currículo para a educação infantil que considere a brincadeira como forma privilegia- da de interação da criança com outros sujeitos e com os objetos da natureza. Segundo ela, brincando, elas se apro- priam criativamente de formas de ação social tipicamente humanas. Por sua vez, a professora Josely Pereira Lôbo, da Escola Municipal Henfil, de Belo Horizonte (MG), afirma que o eixo central de um currículo para a educação infantil deve ser a arte, uma vez que é por meio dela que as pessoas podem comunicar o que vêm, pensam, sentem e imaginam.
  • 10. caleidoscópio Alfabetização e letramento: a experiência de São Luís Eliane Maria Pinto Pedrosa* Rosa Constância Abreu* Trabalhar com um currículo fo- Mobilizado por essa intenção, Ambiente alfabetizador cado na alfabetização e no letra- o Programa vem produzindo, pro- mento não é um processo fácil, gressivamente, resultados mar- Já é possível perceber, nes- mas quando se tem um gran- cantes nas escolas da rede como sas instituições, a criação de um de objetivo, todo esforço vale a um todo. Entretanto, nos limites ambiente alfabetizador, que se pena. Principalmente quando o deste texto, focalizaremos as uni- expressa tanto na organização desafio significa garantir a todas dades de educação infantil, que da escola e das salas de aulas, as crianças e jovens o direito de compreendem 75 escolas e 12 quanto na sistematização crite- aprender a ler, a escrever e a usar anexos, atendendo 15.869 crian- riosa de rotinas e no desenvol- nossa língua em diferentes con- ças de 4 e 5 anos e 1.711 crian- vimento de atividades didáticas. textos e situações. Isso como ças de 3 anos, em creches. Esse ambiente alfabetizador tem condição imprescindível para que Um aspecto muito importante propiciado, em processo crescen- continuem aprendendo e possam neste processo, e que possibili- te, a compreensão e a valorização participar e usufruir dos espaços tou decisões fundamentais so- da cultura escrita, a apropriação e dos bens disponibilizados pelo bre o caminho que vem sendo do sistema alfabético, o desenvol- mundo letrado. percorrido, é o entendimento vimento da oralidade e da prática Foi essa compreensão que apresentado por Soares (2003) de leitura e de produção textual. moveu a Secretaria Municipal de de que é necessário assegurar Como forma de garantir ade- Educação (Semed) de São Luís, aos alunos, de forma articulada, quadamente esse processo, é no Maranhão, a priorizar, nas es- a conquista do princípio alfabéti- realizado o diagnóstico sobre os colas de educação infantil e do co da língua e a condição plena conhecimentos que as crianças ensino fundamental, um currículo de inserção e de participação na já possuem a respeito da escrita. voltado para alfabetização e le- cultura escrita. Isso possibilita a organização de tramento dos meninos, das me- Compreendemos que as de- agrupamentos produtivos, a se- ninas, dos jovens e adultos que cisões devem levar em conta a leção de atividades e as interven- atende. Decisão que já vinha se complexidade do processo, sem ções pedagógicas que favoreçam desenhando anos antes, a partir descuidar dos outros campos de o avanço das crianças. de grupos de estudos, oficinas saberes que compõem o currícu- Para potencializar a aprendiza- e cursos, mas que alcançou di- lo da educação infantil. E é nesse gem do ler e do escrever, são da- mensões maiores quando, no sentido que as escolas de educa- das oportunidades aos alunos de ano de 2002, a Semed implantou ção infantil da rede municipal de contatos com uma diversidade de o Programa “São Luís Te Quero ensino de São Luís caminham. textos, priorizando-se os que eles Lendo e Escrevendo”. * Eliane é coordenadora pedagógica das UEB Dayse Linhares de Sousa e Paulo Freire, da rede municipal de ensino de São Luís (MA). * Rosa é superintendente da área de educação infantil da Semed de São Luís (MA). 10 revista criança
  • 11. caleidoscópio já conhecem de memória, como compartilhada com os alunos e que permitiu às crianças, simulta- as parlendas, as canções e as po- exercício de práticas autênticas neamente, a produção de textos, a esias. A partir desses textos, são com a língua escrita, mas, so- prática da leitura e o desenvolvi- apresentadas situações que lhes bretudo, porque têm favorecido, mento de capacidades relativas à permitem refletir sobre a escrita, simultaneamente, a apropriação linguagem musical. mobilizar estratégias de leitura e de conteúdos das outras áreas Ainda estamos caminhando, mas avançar na compreensão do fun- do conhecimento que compõem os bons resultados já são evidentes. cionamento da língua. o currículo da educação infantil. Nessa travessia, cada escola busca Para a efetivação de prática Como exemplo, podemos ci- uma forma particular de traçar o seu educativa de tamanho alcance, tar o Projeto dos pregoeiros, que, percurso. O que existe em comum uma das ações estratégicas do articulando os eixos de Lingua- é que todas, na condição de apren- programa é a formação continua- gem oral e escrita e de Nature- dizes, aprendem a fazer fazendo, da dos profissionais. Tais ações se za e sociedade, culminou com a subsidiadas pela reflexão perma- revelam, fundamentalmente, mo- elaboração de um livro intitulado nente, pelo estudo e pelas deci- mentos de reflexão sobre a prática, A arte de pregoar. As crianças sões coletivas. de compartilhamento de idéias e leram textos, elaboraram e rea- Enfim, esse programa está re- inquietações, de desestabilização lizaram entrevistas, registraram vestido do desejo de acertar, bus- de conceitos e de aprofundamento observações, produziram e revi- cando a qualidade que assegure e ampliação de questões teóricas saram textos para compor o livro. às crianças a habilidade de usar a e metodológicas. Uma preocupa- Assim, à medida que adquiriam língua escrita, como leitores e es- ção fundamental é a organização conhecimento sobre a língua, elas critores autênticos e plenos.• de atividades que favoreçam uma aprendiam também sobre o modo relação prazerosa do professor de ser e de viver desses trabalha- com a leitura e a escrita, condi- dores ambulantes que tanto lhes BIBLIOGRAFIA ção determinante para assegurar a seduzem quando dizem versos possibilidade dos alunos se torna- encantadores, conhecidos como MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo Federal. Referêncial Curricular Nacional rem leitores e escritores de fato. pregões, para vender seus produ- para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998. tos pelas ruas de nossa cidade. Semed – Prefeitura de São Luís. Programa São Luís te Quero Lendo e Escrevendo, Outro projeto muito interessan- 2002. Bons resultados te foi o Nas asas do carcará, ar- SOARES, Magda. Letramento e escolari- zação. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org.). ticulado em torno da música e da Letramento no Brasil. São Paulo: Global Os projetos didáticos têm ocu- linguagem. O projeto resultou em Editora, 2003. PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy; pado lugar especial nesse con- coral com as canções do grande PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia (Orgs.). Literatura e letramento: espaços, su- texto, não só pela possibilidade artista maranhense João do Vale. portes, interfaces – o jogo do livro. Belo do planejamento, da execução Foi uma experiência enriquecedora Horizonte: Autêntica Editora, 2003. revista criança 11
  • 12. caleidoscópio A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil Angela Meyer Borba* A brincadeira sempre foi uma atividade significativa na vida dos ho- mens em diferentes épocas e lugares. Estudos históricos mostram que muitos jogos e brincadeiras da Europa medieval permanecem, ainda hoje, em muitas partes do mundo. A brincadeira é, portanto, uma ativi- dade que, ao mesmo tempo, identifica e diversifica os seres humanos em diferentes tempos e espaços. É também uma forma de ação que contribui para a construção da vida social coletiva. Como patrimônio e prática cultural, a brincadeira cria laços de solidariedade e de comu- nhão entre os sujeitos que dela participam. Para as crianças, a brincadeira é uma forma privilegiada de interação com outros sujeitos, adultos e crianças, e com os objetos e a natureza à sua volta. Brincando, elas se apropriam criativamente de formas de ação social tipicamente humanas e de práticas sociais específicas dos grupos aos quais pertencem, aprendendo sobre si mesmas e sobre o mundo em que vivem. Se entendermos que a infância é um período em que o ser humano está se constituindo culturalmente, a brincadeira assume importância fundamental como forma de participação social e como atividade que possibilita a apropriação, a ressignificação e a ree- laboração da cultura pelas crianças. A compreensão das crianças como sujeitos de cultura vem pro- vocando uma revisão dos currículos para a educação infantil. Assim, dimensões culturais como a brincadeira e as diferentes formas de ex- pressão artísticas deixam de ser atividades secundárias, ganhando relevo e adquirindo a mesma importância que as atividades voltadas para conhecimentos mais específicos, como é o caso da leitura e da escrita. Ou seja, o currículo da educação infantil deverá integrar a brincadeira, a música, a dança, as artes plásticas e a literatura, entre outras produções culturais, ao trabalho com os conhecimentos dos vários ramos das ciências. Os espaços de educação infantil precisam garantir às crianças tanto suas necessidades básicas físicas e emocionais quanto as de participa- ção social, de trocas e interações, de constituição de identidades e sub- jetividades, de ampliação progressiva de experiências e conhecimentos sobre o mundo, sobre si mesmas e sobre as relações entre as pessoas. Essas diferentes dimensões se articulam por meio de um trabalho focado nas relações sociais entre adultos e crianças, e destas entre si mesmas. * Doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde é professora e membro do grupo gestor da Creche UFF. 12 revista criança
  • 13. caleidoscópio Ampliar as experiências entre as crianças e destas com a construção com areia, ou em uma natureza e com a cultura? Ou, ao atividade de desenho ou qualquer É preciso ultrapassar o trabalho contrário, os espaços e os tem- outra forma de expressão gráfica. centrado apenas em conteúdos pos de brincar têm sido crescen- Isso porque em todas essas ativi- específicos. O que isso signifi- temente reduzidos à medida que dades ela tem a possibilidade de ca? Quando pesquisamos com as crianças avançam nas suas fazer escolhas, tomar decisões, as crianças, por exemplo, sobre idades e segmentos escolares? experimentar, descobrir, aprender, abelhas, mais importante que Vejamos uma situação relata- transformar, atribuir novos senti- aprender a classificá-las é aguçar da pela mãe de uma criança de dos às coisas. sua curiosidade sobre o ambiente 5 anos: A escola, entretanto, ao organi- natural e sobre os conhecimentos zar sua rotina e planejar atividades científicos, incorporar atitudes de João chega em casa da es- pedagógicas, separa a brincadei- preservação da natureza, apren- cola com uma expressão tris- ra do trabalho e também o prazer der a trabalhar de forma coopera- te e senta-se no sofá pensativo. do conhecimento. Será que essas tiva, reconhecer que se pode sa- A mãe pergunta: dimensões não podem estar arti- ber mais nos livros, na internet ou - O que aconteceu, João? culadas no trabalho com a crian- dialogando com outras pessoas e Ele responde: ça? Como organizar o cotidiano especialistas, apropriar-se de dife- -Eu não tô gostando nada des- da educação infantil de modo a rentes formas de argumentar, re- sa minha vida. Agora não dá mais garantir a brincadeira como ativi- gistrar e comunicar seus saberes tempo de brincar. Hoje foi só um dade significativa, inseparável do por meio da escrita, da oralidade, pouquinho no lanche. processo de construção de co- do desenho etc. A mãe perguntou o que ele ti- nhecimentos, comunicação e in- Assim, a criança não estará nha feito na escola e João fala que terações sociais? simplesmente incorporando con- ficou escrevendo letras e palavri- teúdos, mas ampliando suas ex- nhas. periências e se apropriando de Ações para o brincar formas de pensar, de conhecer e Que fatores levam à perda do de agir sobre o mundo. Do mes- espaço da brincadeira? Por que Uma ação importante é a or- mo modo isso ocorre por meio da as práticas voltadas para o ensi- ganização dos espaços de brincadeira, quando as crianças no vão cada vez mais limitando as forma a disponibilizar brinquedos representam, por exemplo, ce- brincadeiras e as interações so- e materiais para as crianças, ofe- nas da vida cotidiana, assumindo ciais das crianças com seus pares recendo diferentes possibilidades papéis, construindo narrativas, e com o ambiente ao seu redor? de interação e de significado. Os apropriando-se e reinventando Basta observar com atenção uma espaços da educação infantil de- práticas sociais e culturais. criança interagindo com o am- vem ser alegres, aconchegantes e Mas perguntamos: será que os biente no seu entorno e consta- acolhedores, de forma a apoiar os avanços já identificados em mui- taremos que ela é capaz de se movimentos e as relações sociais tas propostas curriculares e os envolver com igual alegria, prazer, das crianças, incentivando sua discursos pedagógicos voltados concentração e investimento em autoria e autonomia na formação para a infância vêm efetivamente uma brincadeira com bola, em de grupos e construção de suas se concretizando? As crianças uma brincadeira de faz-de-conta, brincadeiras. Desse modo, é ne- têm sido apoiadas e incentiva- em uma observação curiosa e cessário que estimulem suas ca- das a brincar? Os espaços e os investigativa da natureza como, pacidades de imaginar e de criar tempos das instituições propiciam por exemplo, olhar o trabalho das diferentes cenários, narrativas, si- interações lúdicas significativas formigas, em uma atividade de tuações, papéis e construções. revista criança 13
  • 14. caleidoscópio É importante que estejam dis- sa da realidade natural e social; poníveis para as crianças objetos/ o conhecimento de brincadeiras brinquedos, tais como caixas, tradicionais da nossa cultura, panos, objetos para construção, das famílias e da comunidade a bonecos, papéis de diferentes ta- que pertencem as crianças. manhos, fantasias, além de obje- Por outro lado, o brincar tam- tos variados da vida social. Esses bém alimenta outros planos de materiais devem funcionar como ação e de aprendizagem. A in- suportes e possibilidades de es- corporação da dimensão lúdi- colha e de combinações para as ca no trabalho com os conheci- ações, interações e invenções das mentos das várias áreas contribui crianças (GUIMARÃES, 2006). para que as crianças estabele- O educador também deve çam associações e significações acompanhar, observar e apoiar que ampliam suas possibilidades atentamente as crianças nas suas de aprendizagem. Desse modo, brincadeiras. Desse modo, pode- podemos, por exemplo, brincar rá compreendê-las e conhecê-las com as palavras: fazer rimas, tra- melhor, reconhecer suas diferen- va-línguas, adivinhações; inventar ças e especificidades, incentivar e novas palavras; conhecer, apre- sustentar suas criações, oferecen- ciar e recriar parlendas e poesias, do-lhes materiais, ajudando-as entre outras possibilidades. Bin- quando necessário, estimulando gos com nomes ou numerais, tri- novos relacionamentos, encora- lhas, dominós, quebra-cabeças, jando a participação, ou seja, cui- caça-palavras oferecem também dando para que os espaços sejam muitas possibilidades de ativida- convidativos à interação social, à des lúdicas que mobilizam apro- imaginação e à criação. priações de conhecimentos de O brincar alimenta-se das re- diferentes campos do saber. ferências e do acervo cultural Enfim, o brincar, tanto para edu- a que as crianças têm acesso, cadores como para as crianças, bem como das experiências que constitui uma atividade humana elas têm com outros planos de promotora de muitas aprendiza- BIBLIOGRAFIA ação. Assim, o educador po- gens e experiências de cultura. BORBA, Angela Meyer. O brincar como um derá ampliar e enriquecer as É parte integrante do processo modo de ser e estar no mundo. In: MEC/ possibilidades de ação lúdica ao educativo, devendo ser incenti- SEB. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão das crianças de trabalhar: a apreciação e a pro- vada, garantida e enriquecida. É seis anos de idade. Brasília: Ministério da dução de diferentes formas de também canal de encontro e de Educação, 2006. BROUGÈRE, G. A criança e a cultura lúdica. expressão artística, tais como diálogo entre adultos e crianças, In: KYSHIMOTO, T.M. (org.). O brincar e suas teorias. São Paulo: Thomson Pionei- a literatura (poesia, contos tra- diálogo que se faz com encan- ra, 2002. dicionais, lendas, trava-línguas tamento, alegria, criatividade, GUIMARÃES, Daniela de O. Educação in- fantil: espaços e experiências. In: Série “O etc.), o teatro, as artes plásticas, imaginação, transgressão, par- cotidiano na educação infantil”. Boletim a música, a fotografia, o cinema ticipação e cooperação. Que tal 23, Programa Salto para o Futuro, TVE, Rio de Janeiro, novembro de 2006. Disponível etc.; temas que interessam às aprender com as crianças a in- em: http//www.tvebrasil.com.br/SALTO. crianças e conhecimentos a eles verter a ordem, a rir, a represen- Acesso em: 5/3/2007. VYGOTSKY, L.S. A formação social da associados; a observação curio- tar, a sonhar e a imaginar? • mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987. 14 revista criança
  • 15. caleidoscópio Um currículo centrado na arte Josely Pereira Lôbo* A Escola Municipal Henfil de Cada turma tem quatro horas conhecido, observado, explorado, educação infantil atende crian- semanais destinadas às aulas de interpretado e ressignificado pelas ças na faixa etária de 3 a 5 anos artes distribuídas em dois módulos crianças. Assim, contribuímos para e tem como objetivo central de- de duas horas. Com o intuito de que descubram seu próprio poten- senvolver as várias dimensões do garantir a vivência direta de todas cial, enriqueçam-se estética e espi- sujeito educando, preocupando- as professoras com o trabalho de ritualmente, tenham autoconfiança, se com a totalidade da forma- artes, propusemo-nos a realizar um tornem-se autônomas e se certifi- ção humana. Para alcançar essa rodízio de dois em dois anos. Preo- quem de que hoje elas são “peque- meta, a escola tem considerado cupamo-nos muito com a formação nas grandes” artistas. como eixo central de seu currícu- em serviço. Para essa formação, te- Procuramos propiciar momen- lo o trabalho com as artes e suas mos encontros semanais nos quais tos de observação, sensibilização, múltiplas linguagens. Acredita-se discutimos questões relacionadas exploração, experimentação e cria- que por meio delas as pessoas às turmas, projetos específicos da ção, valorizando o trabalho de cada podem comunicar um pouco do sala e da “Oficina de Artes”, trocas criança. A participação das famí- que vêem, pensam, sentem, ima- de experiências, estudos etc. Pro- lias por meio da apreciação, visita ginam. A escola como um todo se curamos, também, sempre ampliar às nossas exposições, oficinas na expressa artisticamente. o acervo bibliográfico, até mesmo o escola e auxílio no “Para casa” tam- Nesse contexto, desde o início repertório de artistas, tendo sempre bém fortaleceram o trabalho. da Escola Henfil, há dez anos, ar- os Referenciais Curriculares à mão. No início do ano, desenvolvemos ticulamo-nos e lutamos pela cons- muitas técnicas com as crianças, trução de uma sala específica para utilizando materiais variados, tendo aulas de artes. Hoje, contamos Tarsila do Amaral como objetivo a exploração e a ma- com a “Oficina de Artes” com uma nipulação. Nos meses seguintes, estrutura que favorece a explora- No início de 2006, as três profes- trabalhamos com desenhos livres ção, a experimentação e a criação soras da “Oficina de Artes” desen- e dirigidos, modelagem, poesias e das crianças. Ela é ampla, rica em volveram, cada qual com sua turma, músicas que permearam o estudo materiais variados (canetinhas, ca- um projeto, tendo em comum as das obras de Tarsila do Amaral. netões, lápis de cor e de cera, pin- obras da artista brasileira Tarsila do As poesias escolhidas foram de céis grossos e finos, tintas diver- Amaral. Nosso principal objetivo era Vinícius de Moraes. Interpreta- sas, papéis coloridos de diferentes propiciar às crianças maior contato mos, recitamos e fizemos apre- texturas, botões, linhas e lãs, areia com as múltiplas linguagens, por en- sentações com alunos de 3 anos. colorida, bolinha de sabão, suca- tendermos que o vasto mundo das As obras foram registradas em um tas, revistas, livros, brinquedos artes, seja pintura, desenho, escul- caderno que, durante o ano, foi etc.) sendo muitos deles objetos tura, literatura, cerâmica, arquitetura, para casa para apreciação ou para de fácil acesso das crianças, o que modelagem, dança, música, poesia, realização de alguma tarefa com a ajuda em muito o trabalho. teatro, cinema, fotografia, deve ser participação das famílias. * Professora de educação infantil da rede municipal de Belo Horizonte. Trabalha atualmente na Escola Municipal Henfil com Oficinas de Artes para crianças de 3 a 5 anos. revista criança 15
  • 16. caleidoscópio Utilizamos as cores primárias: riormente, mudei o enfoque me- entorno da Lagoa da Pampulha azul, amarelo e magenta, mistu- todológico do projeto para não e o Parque José Lins do Rego. rando-as para descobrir novas fazermos cópias e sim releituras Depois, construímos um painel cores. As crianças quiseram sa- das obras, adequando-as à nossa do Brejinho como o encontra- ber como fazer para clarear ou vivência e realidade social. mos e uma maquete da Lagoa escurecer as cores. Daí passa- Manacá – Foi trabalhada com da Pampulha. mos a usar o branco e o preto. as três turmas: após observação e Sol poente / a lua – Foram Tais atividades de mistura das co- apreciação, levei para sala rosas, trabalhadas com a turma de 3 res proporcionaram momentos de margaridas, violetas e jardineiras anos, após a ida ao Brejinho, na curiosidade, de criação, de alegria (gerânios). As crianças fizeram rodinha, planejamos fazer um e de descobertas. desenho de observação das flo- painel do dia e outro da noite. Para o trabalho das obras de res e usaram diferentes técnicas Enviei um “Para casa” pedindo Tarsila do Amaral, expusemos vá- para pintá-las. a observação do dia e da noite rias obras da artista na parede da A família – Foi trabalhada por dois dias e depois uma arte sala, e as crianças demonstraram com as três turmas: em uma sobre a observação. No pátio da curiosidade em saber quem era oficina de pais e alunos, obser- escola, deitamos no chão e por ela, o que significavam aquelas vamos e conhecemos a obra. alguns minutos observamos o pinturas. Em algumas obras elas Cada representante da família céu. Daí, representamos o céu demonstraram mais interesse que fez com sua criança, o desenho de dia com o que apareceu na- em outras. da sua família. queles instantes: céu azul de tons Na rodinha, apresentei o auto- Auto-retrato – Foi trabalhada diferentes e com poucas nuvens, retrato da artista e combinei com com as três turmas: observação, três pássaros, um avião e uma as crianças que iria contar a his- formulação de hipóteses sobre borboleta. Usamos tinta guache tória dela em capítulos (cada dia ”como ela conseguiu fazer ela fazendo misturas de azul claro, um pouquinho). Ao conhecer um mesma?”. E frente ao espelho de azul escuro e de branco para pouco de sua história e obra, sem- cada criança fez seu auto-retrato. pintar o céu. As nuvens foram de pre chamava a atenção dos alunos A cuca – Foi trabalhada com algodão, os pássaros modelados para observarem as cores, as for- a turma de 4 anos: após conhe- com massinha e peninhas colori- mas, os tamanhos, as proporções, cerem a obra, organizei uma ex- das, e o avião foi também mode- a realidade social e, a partir do cursão ao Brejinho com as três lado com massinha interesse de cada turma, explora- turmas. O Brejinho é um espaço A feira – Foi trabalhada com mos mais uma tela que outra. próximo à escola com área ver- a turma de 5 anos: visitamos um Abaporu – Primeira obra ex- de. Queria que as crianças ob- sacolão em frente à escola e fize- plorada, porque as crianças de- servassem o caminho da escola mos a representação, com argila, monstraram grande interesse por até lá, a vegetação existente (ti- das frutas e legumes. Organiza- ela. Após observação e história da pos de plantas e flores), o céu, mos uma exposição para a escola tela, quiseram reproduzí-la. Então, os tipos de construção, a água e famílias. dei o desenho xerografado e elas (nascente). Como encontramos Morro da favela – Foi traba- o pintaram. Ao avaliarmos a ativi- o Brejinho abandonado e com lhada com a turma de 5 anos: dade, na rodinha, demonstraram queimadas, elas quiseram apro- fizemos um painel coletivo repre- satisfação com o produto final e fundar o estudo sobre o lugar sentando uma rua do bairro, com passamos a discutir os medos in- e suas melhorias, mudando os casas, prédios, árvores, asfalto, teriores. Depois, elas desenharam rumos do projeto com esta tur- carros, ônibus e pessoas, ade- o monstro de cada uma. Poste- ma. Fomos também conhecer o quados à nossa realidade. 16 revista criança
  • 17. caleidoscópio Avaliação e • que o pincel provoca efeitos di- BIBLIOGRAFIA descobertas ferentes, se usado na posição ho- OLIVEIRA, Jô; GARCEZ, Lucilia. Expli- cando a arte brasileira. Rio de Janeiro: rizontal ou vertical; Ediouro, 2003. A avaliação ocorria ao término de • que ao pintar uma paisagem é mais MANGE, Marlyn Diggs. Arte brasileira para crianças. 2 ed. São Paulo: Martins cada atividade realizada, ajudando fácil pintar primeiro o céu, depois a fontes, 1996. a definir os rumos do projeto. Em terra. E delimitar a linha do horizonte MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo Federal. Referêncial Curricular Nacional nossas aulas, o diálogo era cons- para depois fazer desenhos; para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998. SÁNCHEZ, Isidoro; BALLESTAR, Vicenç; tante, seja no coletivo, nas rodinhas • que o trabalho fica ainda mais SÁBAT, Jord; MARUCCI, Liege M. S. Fa- ou nas interações individuais, pos- bonito se ao final contornarmos, zendo Arte - Guache: Materiais, técnicas e exercícios. São Paulo: Moderna, s/d. sibilitando às crianças tornarem-se usando a cor branca ou preta. AZEVEDO, Heloiza de Aquino. Tarsila do sujeitos do processo pedagógico. Ao realizarem estas atividades, Amaral - a primeira dama da arte brasi- leira. Jundiaí (SP): Árvore do Saber, 2004. Além disso, regularmente, as famí- as crianças estavam sempre ale- CUNHA, Sérgio. Arte, educação e lias eram convidadas a participar da gres e entusiasmadas e gostavam projetos – Tarsila do Amaral para Crianças e Educadores. Jundiaí (SP): avaliação dos processos. muito do resultado final. O projeto Árvore do Saber, 2004. A avaliação do desenvolvi- culminou com uma vernissage. mento e aprendizagem ocorreu Apresentamos as obras das crian- de forma permanente. Daí surgi- ças para toda a escola e para os ram as dificuldades enfrentadas familiares, com uma bela apresen- e as alternativas para melhorar tação artística delas.• as atividades. Sempre com a fi- nalidade de analisar os proces- sos vividos e as construções rea- lizadas, no sentido de reforçar as aquisições de competências por parte das crianças. Estes trabalhos nos permitiram fazer grandes e importantes des- cobertas: • que o céu possui vários tons de azul; • que podemos torná-lo mais claro ou mais escuro, misturando tintas; • que às vezes é melhor usar ro- linho ou buchinha substituindo o pincel grosso para pintar espaços grandes ou pincel fino para pintar espaços pequenos. E, para espa- ços bem pequenos, usar também cotonetes ou os dedinhos; • que as nuvens escondem o sol e o céu em dias de chuva; • que a luz do dia, mesmo que não apareça o sol, indica mais ou menos a hora; revista criança 17
  • 18. professor faz literatura Coragem Maria Luiza dos Reis Teixeira* Coragem Força que brota no deserto Vontade de que tudo dê certo Ao viver uma situação caótica Enxergar as coisas de diferente óptica. Coragem Para o erro reconhecer Se necessário retroceder Fazer uso da força motriz Tornar-se um eterno aprendiz. Coragem Para os obstáculos enfrentar Sem a mente turvar Agir com lucidez Deixar de lado a mesquinhez. Coragem Para se calar quando necessário Saber respeitar o adversário Perceber que o outro pode ter razão Mesmo tendo outra opinião. Coragem Para perdoar e esquecer Quando alguém se exceder A visão alheia ignorar Quando isso lhe prejudicar. Coragem Só no forte existe E este não permite Jamais se acovardar Prefere sonhar e realizar. * Professora municipal e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Presidente Olegário (MG). 18 revista criança
  • 19. matéria de capa A inclusão de crianças com deficiência cresce e muda a prática das creches e pré-escolas Rita de Biaggio | São Paulo/SP O aumento do número de crianças deficientes na educação infantil faz parte no movimento mundial pela inclusão. Mas se a política de inclusão educacional traz benefícios para todos, também lança novos desafios para instituições, professores e sociedade. O número de crianças com algum tipo de deficiência na rede regular de ensino do País cresce a cada ano. O impacto da política de inclusão na educação infantil pode ser medido pelo crescimento das matrículas entre 2002 e 2006. O crescimento não é casual, mas resultado da mobi- lização da sociedade brasileira. A Constituição Brasileira de 1988 garante o acesso ao ensino fundamental regular a todas as crianças e adolescen- tes, sem exceção, e deixa claro que a criança com necessidade educa- cional especial deve receber atendimento especializado complementar, de preferência dentro da escola. A inclusão ganhou reforços com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e com a Convenção da Guatemala, de 2001, que proíbem qualquer tipo de diferenciação, de exclusão ou de restrição baseadas na deficiência das pessoas. Segundo Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da Repúbli- ca responsável pelos direitos do cidadão no Estado de São Paulo, no biê- nio 2002–2004, “o acesso das pessoas com deficiência ao ensino formal é garantido até pela legislação penal, pois o artigo 8o, da Lei no 7.853/89, prevê como crime condutas que frustam, sem justa causa, a matrícula de aluno com deficiência”. Sendo assim, a exclusão é crime. Mãe de um filho com Síndrome de Down, ela foi autora, juntamen- te com o procurador Sérgio Gardenghi Suiama, da recomendação no 05/2007/MPF/PR/SP, em fevereiro deste ano, ao diretor da novela “Pá- ginas da Vida” – na qual a personagem Clara, com Síndrome de Down, foi recusada em várias escolas – para que não encerrasse o folhetim sem deixar claro que o acesso de alunos com deficiência a escolas comuns não é mera opção de seus pais ou responsáveis, e que a conduta excludente das escolas pode ter conseqüências cíveis, penais e administrativas. revista criança 19
  • 20. matéria de capa As escolas comuns são obrigadas a receberem matrículas de crianças especiais Movimento mundial chega ao País Eventos e acordos internacionais foram fundamentais para impulsionar a criação de uma política educacional mais justa para todos, sobretudo para os portadores de necessidades especiais. Entre eles, destaca-se a Declaração mundial de educação para todos, resultado da Conferên- cia Mundial de Educação, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e, posteriormente, a Declaração de Salamanca, oriunda da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e qualidade (UNESCO, 1994). A Declaração de Salamanca ressalta que a educação de crianças com necessidades educacionais especiais deve ser tarefa partilhada por pais e profissionais. Para Rosa Blanco, consultora da Unesco, o conceito de inclusão é “holístico, um modelo educacional guiado pela certeza de que discriminar seres humanos é filosoficamente ilegal, e incluir é acreditar que todos têm o direito de participar ativamente da educação e da so- ciedade em geral”. Essa nova proposta educacional tem como alicerce: acessibilidade, projeto político-pedagógico, criação de redes e de parce- rias, formação de professores e atendimento educacional especializado. Passado de segregação Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% das pes- soas têm algum tipo de deficiência, o que representaria 15 milhões de brasileiros, de acordo com o Censo do IBGE de 2000. Em 2004, a fim de aprimorar a formulação de políticas públicas, o MEC passou a definir melhor as várias categorias de deficiência. Assim, deficiência auditiva/surdez é aquela em que, mesmo utilizando aparelho auditi- vo, a pessoa não consegue ouvir a voz humana. A deficiência visual/ cegueira passa a se referir àquelas pessoas que, mesmo utilizando óculos, continuam com dificuldade para enxergar. Assim, o universo de 20 revista criança
  • 21. © Gabriel Lordêllo pessoas com deficiência entre 0 e 17 anos fica em torno de 820 mil. matéria de capa Dentre essas, cerca de 190 mil crianças fazem parte do público a ser atendido pela educação infantil. Historicamente, o atendimento educacional a crianças com defici- ência era realizado apenas em escolas especiais, fato que trouxe con- seqüências negativas e segregacionistas, pois se imaginava que elas eram incapazes de conviver com crianças sem deficiência. “Hoje, com a política de inclusão, a educação infantil é a porta de ingresso ao sis- tema educacional para boa parte das crianças, devendo o atendimento educacional especializado ser ofertado na própria creche ou pré-escola em que a criança está matriculada”, afirma Cláudia Pereira Dutra, Se- cretária de Educação Especial do MEC (Seesp). “Muitas vezes os pais, por desconhecimento, resistem à inclusão, preferindo deixar seus filhos em casa ou em escolas especiais. À medida que as práticas educacio- nais inclusivas ganham maior visibilidade, as famílias entendem os be- nefícios dos espaços heterogêneos de aprendizagem para seus filhos”, assegura Denise de Oliveira Alves, Coordenadora-Geral de Articulação da Política de Inclusão, da Seesp. Programas e ações O MEC, no seu papel de indutor de políticas, tem trabalhado na pers- pectiva de que os Estados e municípios brasileiros incluam em suas esco- las e instituições de educação infantil todas as crianças com deficiência. Nesse sentido, tem firmado parcerias e convênios para garantir o atendi- mento desses alunos. “O ministério contribui com ações de sensibilização da sociedade e da comunidade escolar, disponibiliza material de apoio e tecnologia educacional que contribua com a prática pedagógica e de ges- tão escolar, e também com a produção e disseminação de conhecimento sobre a educação inclusiva”, explica Cláudia Pereira Dutra. Entre os programas e ações da Seesp, destaca-se o Programa edu- cação inclusiva: Direito à diversidade, desenvolvido em todos os Esta- dos e no Distrito Federal, envolvendo 144 municípios-pólo que atuam como multiplicadores para 4.646 municípios de sua área de abrangên- cia. O objetivo é formar gestores e educadores para efetivar a constru- ção de sistemas educacionais inclusivos, tendo como princípio garantir o direito de acesso e de permanência com qualidade dos alunos com necessidades educacionais nas escolas do ensino regular. Até o final de 2007, serão 5.564, ou seja, 100% dos municípios brasileiros terão recebido formação para a educação inclusiva. O programa disponibiliza aos sistemas de ensino equipamentos, mo- biliários e material pedagógico para a implantação de salas de recursos e organização da oferta de atendimento. E tem implantado um conjunto de outras ações e programas em parceria com dirigentes estaduais e municipais da educação, bem como apoiado a formação continuada dos professores, em diversas áreas, como Deficiência Mental, Deficiência Au- ditiva, Deficiência Visual, Superdotação/Altas Habilidades, entre outras. revista criança 21
  • 22. matéria de capa Crianças aprendem desde pequenas a respeitar as diferenças Responsabilidade coletiva A professora Francisca Roseneide Furtado do Monte, consultora da Seesp/MEC para a publicação Saberes e práticas da inclusão, distri- buída para todas as escolas do país, também entende que “a inclusão tem força legal e política para quebrar barreiras sólidas em torno das minorias excluídas da sociedade”. Trata-se de uma experiência que pode gerar conflitos e contradições, segundo Marilda Bruno, da Uni- versidade Federal da Grande Dourados (MS), outra consultora para a publicação do MEC. “A inclusão mobiliza a família, os professores, a escola e os profissionais de apoio especializado. Nos primeiros me- ses, pode gerar medo, angústia, tensão, dúvidas, tanto para a família como para escola”. Para ela, a escola ou a instituição de educação infantil torna-se inclusiva quando há um projeto pedagógico elaborado coletivamente, entre as instituições educativas, a família e os profissionais especia- lizados. “A maior demanda encontra-se na esfera das atitudes, pos- turas, formas de lidar com a diversidade e a diferença significativa de cada aluno. Essa não deve ser responsabilidade só do professor, mas do coletivo escolar”, avalia. Marilda é mãe de André Gustavo, 32 anos de idade, mestre em educação especial pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e funcionário público concursado. Ele teve paralisia cerebral, defici- ência visual severa e quadro neurológico de hipotonia e convulsões freqüentes por seqüela de infecção hospitalar, ao nascer. Ingressou na educação infantil com 1 ano e oito meses, não andava, nem falava. Mas gostava muito de ir à creche e participar de todas as atividades, do seu jeito. “Para André foi muito importante freqüentar uma insti- tuição educativa cedo: aprendeu a falar, a conviver, a viver frustra- ções, a conhecer suas possibilidades e a lidar com suas limitações desde pequeno”, relembra. Mudança de mentalidade Para que a inclusão aconteça, é preciso olhar a educação de outro modo. Isso é o que preconiza a professora Maria Tereza Eglér Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Di- versidade da Universidade Estadual de Campinas. Mantoan afirma que a inclusão escolar “pegou a escola de calças curtas” e o nível de esco- laridade mais atingido por essa inovação foi o do ensino fundamental, apesar de estar “mexendo” também com a educação infantil. A professora adverte que a escola, organizada como está, produz a exclusão. Ela diz que para entender a razão de tanta dificuldade é preciso analisar o contexto escolar. “Os alunos estão enturmados por 22 revista criança
  • 23. matéria de capa séries, o currículo é organizado por disciplinas e o conteúdo é selecio- © Gabriel Lordêllo nado pelas coordenações pedagógicas, pelos livros didáticos, enfim, por uma ‘inteligência’ que define os saberes úteis e a seqüência em que devem ser ensinados”, analisa. “A divisão do currículo em disci- plinas fragmenta e especializa o conhecimento e faz do conteúdo de cada uma dessas matérias um fim em si mesmo e não um meio para esclarecer o mundo em que vivemos e para entendermos a nós mes- mos”, argumenta. “Com esse perfil organizacional, dá para imaginar o impacto da inclusão na maioria das escolas, esta é uma prática que tem de ser banida”, aconselha. Resistência ao novo Para Mantoan, todas as estratégias e argumentos pelos quais a es- cola tradicional resiste à inclusão refletem a sua incapacidade de atuar diante da complexidade, diversidade, do que é real nos seres e nos gru- pos humanos. “Estes não são virtuais, categorizáveis, mas existem de fato, são pessoas que provêm de contextos culturais os mais variados; representam diferentes segmentos sociais, que produzem e ampliam conhecimentos e que têm desejos, aspirações, valores, sentimentos e costumes com os quais se identificam”, frisa. Maria Tereza vai mais longe. Ela acredita que ”o desafio da inclu- são está desestabilizando as cabeças dos que sempre defenderam a seleção, a divisão do ensino nas modalidades especial e regular, as especializações e especialistas, o poder das avaliações, da visão clíni- ca do ensino e da aprendizagem”. Ela também acha “difícil manter res- guardados e imunes às mudanças todos os que colocam nos alunos a incapacidade de aprender”, referindo-se a membros da comunidade escolar resistentes às mudanças. Direito humano à inclusão A garantia de acesso e permanência com sucesso nas escolas comuns regulares significa um patamar imprescindível de cidadania para pessoas com deficiência, na opinião de especialistas. A sua in- clusão nos ambientes comuns de aprendizagem, oferecendo todas as condições de acessibilidade, possibilita o preparo para a inserção nos espaços sociais, incluindo o mercado de trabalho. “A inclusão é extremamente favorável à eliminação de posturas excludentes, pois a partir da convivência na heterogeneidade, as crianças aprendem, desde cedo, a não discriminar. Estudos comprovam o desenvolvi- mento de práticas colaborativas e valores como a solidariedade e o respeito à diferença”, alerta Denise Alves, do MEC. revista criança 23
  • 24. matéria de capa O grande desafio da formação Rita de Biaggio | São Paulo/SP Para a maioria dos especialistas, o professor é a peça-chave na implantação da educação inclusiva e precisa ter uma melhor formação, em um processo contínuo e permanente. Essa formação não ocorre meramente por meio de cursos de graduação, de pós-graduação ou de aperfeiçoamento. Segundo Roseneide Furtado, especialista em educação especial/educação infantil, a formação con- tinuada, com cursos de curta e média duração, é o caminho para garantir a aquisição de competências relevantes para atuar junto a essas crianças. Ela também aponta a necessidade urgente de mudanças nos cursos de formação de professores em geral, com destaque para os cursos da área de educação infantil e seus currículos, os quais devem incluir conteúdos que favoreçam as práticas pedagógicas in- clusivas. Para Marilda Bruno, “nós professores temos dificuldade para romper com a idéia de homogeneidade em que fomos formados: a criança ideal, abstrata, que se desenvolve e aprende de uma forma única. Este é o grande desafio que a inclusão impõe à escola: lidar com a diversidade e buscar respostas para as diferentes necessidades educacionais. Trabalhar com o nível de conhecimento, adaptar o ensino ao interesse e ao ritmo de aprendizagem de cada aluno e ajudá-lo a progredir e a ter experiências significa- tivas de aprendizagem são a chave da questão”.• Educação inclusiva x altas habilidades/superdotação, e no cotidiano educacional e social. educação especial abrange desde a educação infan- Hoje, os pais já não escondem til até a educação superior. seus filhos com deficiência. As es- Por isso, é necessário estar Hoje, o atendimento educacio- colas e instituições de educação clara a diferença entre educação nal especializado é apenas com- infantil não podem negar a matrí- inclusiva e educação especial. plemento da escolarização, e não cula, alegando não saber como A educação inclusiva é um mo- substituto. Muitos municípios bra- atuar, e os professores buscam vimento mundial fundamentado sileiros já começaram a adaptar aperfeiçoar sua prática, o que se nos princípios dos direitos hu- escolas, a capacitar professores traduz em benefício não só dos manos e da cidadania, tendo por e a comprar equipamentos. Salas alunos com deficiência, mas tam- objetivo eliminar a discriminação multimeios, instaladas em escolas- bém de todos os alunos”, reitera e a exclusão, para garantir o di- pólo, que servem outras escolas Cláudia Pereira Dutra. “Com uma reito à igualdade de oportunida- e instituições de educação infantil nova concepção de ser huma- des e à diferença, transformando das redondezas estão sendo cria- no, ética, cultura e sociedade, e os sistemas de ensino, de modo das, e atendem crianças cegas, também com a evolução do co- a propiciar a participação de to- com baixa visão, surdas e com di- nhecimento científico acerca da dos os alunos, com foco espe- ficuldades motoras. Os professores inteligência humana, a educação cífico naqueles que são vulnerá- são capacitados para ensinar libras passa a ser definida e viabilizada veis à marginalização e exclusão. (língua brasileira de sinais), braile, como direito de todos. À medida A educação especial é uma área língua portuguesa para surdos e o que existe esta mudança de men- de conhecimento que visa promo- uso de instrumentos como o soro- talidade nas escolas, altera-se o ver o desenvolvimento das poten- ban (ábaco japonês). pensamento e a realidade cultural cialidades de pessoas com defi- “Falamos de um processo de do País”, afirma a Secretária de ciência, autismo, síndromes ou mudança cultural que se constrói Educação Especial do MEC.• 24 revista criança
  • 25. matéria de capa © Adilvan Nogueira Educação inclusiva desde a creche Neuracy Viana | Palmas/TO A cada passo, a cada palavra balbuciada, o pe- queno Érick Cordeiro da Silva, 2 anos, foi ganhando confiança, adquirindo auto-estima e se relacionan- do melhor com os coleguinhas de sala na Creche Municipal Sonho Encantado, em Palmas (TO), que freqüenta há cerca de um ano. Érick é um dos 288 alunos de instituições de ensino acompanhados pelo projeto Educação precoce começa na creche, de- senvolvido pela secretaria municipal de educação, em parceria com universidades locais, desde agosto de 2006. Ele é um exemplo de que é possível traba- lhar a educação inclusiva, desde a educação infantil. O pequeno Érick começou a freqüentar a creche quando tinha 1 ano e meio. Na época, a orientado- ra educacional da instituição, Jucilene Demétrio de Moraes, percebeu um retardo nas funções motora e de linguagem do menino, uma vez que ainda não andava, não tinha firmeza no corpo e não conseguia balbuciar qualquer palavra. Foi aí que entraram em ação os grupos de trabalho do projeto. Inicialmente, foi feita uma avaliação do grau de difi- culdade da criança e, a partir de então, intervenções dentro da creche, abrangendo as áreas de educação física, de pedagogia, de psicologia e de enfermagem. O trabalho é realizado por grupos de estudantes uni- versitários, supervisionados por seus professores. Cada acadêmico acompanha 12 crianças de 0 a 3 anos. Atualmente, as ações atendem a quatro insti- tuições. O grupo reúne-se três dias na semana para estudo das dificuldades das crianças acompanhadas e dois para fazer as intervenções na escola. A coordenadora do projeto, Leny Carrasco, psi- cóloga, explica as intervenções: “a partir do estu- do, nós construímos as atividades pedagógicas específicas para cada criança que faz parte do pro- jeto”. Segundo ela, as crianças são indicadas pela própria creche e o projeto atua nas áreas cognitiva, de linguagem, motora e social. Com esse trabalho, centenas de crianças como Érick têm tido a chan- ce de desenvolver suas capacidades com acolhi- mento e respeito.• Érick recebe atendimento para desenvolver funções motoras revista criança 25
  • 26. matéria de capa © Gabriel Lordêllo Colega de classe colabora com o desenvolvimento de Hugo Educação infantil com direito à diversidade Iris Carolina | Vitória/ES Na ficha de matrícula do Centro Municipal de Educação Infantil Darcy Vargas, em Vitória (ES), ele é Hugo dos Santos Oliveira, 6 anos, aluno do pré e portador de deficiências múltiplas. Na definição de sua coleguinha de turma, Raissa Brisque Cunha, 6 anos, ele é “Huguinho, meu amigo com quem gosto de brincar de esco- lher as cores”. A inclusão de crianças portadoras de deficiências no ensino infantil da cidade de Vitória ocorre assim: as dificuldades ficam registradas nas fichas, mas a preocupação central é trabalhar toda a turma para a prática colaborativa de aprendizagem. A inclusão de crianças com necessidades especiais na educação regular exige informação especializada para professores, escolas e pais, além de adaptações no currículo. Há pouco tempo, os alunos da Escola Darcy Vargas encenaram uma peça sobre as lendas capixabas. Hugo, com suas deficiências motoras e sen- soriais, participou como o “pássaro de fogo” que levava mensagens para o casal de apaixonados. A cadeira de rodas de Hugo transitava de um lado para o outro do palco empurrada por uma amiguinha que, juntos, representavam o pássaro. Hugo se divertiu, e a amiguinha mais ainda, “voando” com a cadeira pelo cenário. A mãe, Rachel Pinheiro dos Santos, emocionada, repetia: “todas as crianças portadoras de deficiência deve- riam ter o direito de experimentar o que meu filho está vivendo.” A pedagoga Janete Roque Sobrinho acredita que a Escola Darcy Vargas ganha com a inclusão porque pode construir relações afetivas. Ela sustenta que os alunos deficientes, 210 ao todo na rede infantil do mu- nicípio, despertam na comunidade escolar a certeza de que as diferenças não os tornam desiguais em direi- tos. A política da secretaria de educação de Vitória possibilita a presença de profissionais especializados em todas as 45 escolas da rede. Eles orientam professores, pais e diretores no trabalho da inclusão e realizam adaptações curriculares de tal forma que os alunos especiais possam ser contemplados. Projetos fora do horário escolar, como oficinas de artes e de desenvolvimento de talentos específicos e o convênio com a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) Vitória dão concretude à inclusão. Dessa maneira, é possível avaliar as dificuldades de cada criança, e oferecer terapia ocupacional fora do horário regular das instituições de educação infantil. Em todas as ações do sistema educacional, o que se busca é a solidariedade com respeito às diferenças.• 26 revista criança
  • 27. artigo Revista Criança completa 25 anos de circulação Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho* O lançamento de uma revista Na Constituição de 1967, a edu- Todavia, organizações nacio- é sempre um momento cheio de cação pré-escolar não é sequer nais e internacionais já insistiam expectativas. Pode ser entendido mencionada. A Lei no 5.692/71 que a educação pré-escolar inci- como forma de organizar determi- dedica-lhe o parágrafo 2o do art. dia sobre o período mais sensível nada área do conhecimento. Em 19, cujo teor é o seguinte: “Os sis- da vida de uma criança e que ti- uma revista de caráter educacio- temas de ensino velarão para que nha funções próprias. Também, nal, os trabalhos publicados re- as crianças de idade inferior a 7 as pesquisas acadêmicas nessa presentam, de modo geral, o pen- anos recebam conveniente educa- área começavam a ganhar mais samento político-pedagógico da ção em escolas maternais, jardins espaço. Como se constata, o época, divulgam a temática relati- de infância e instituições equiva- debate de que a educação pré- va a essa área, suscitam debates lentes” (BOYNARD; GARCIA; RO- escolar se justificava já estava que poderão daí advir e supõe-se, BERT, 1971, p. 34) e no artigo 61 instalado na sociedade brasileira. ainda, que farão aumentar os re- incentiva as empresas a organizar Assim diz Jobim e Souza (1984, ferenciais para as práticas edu- e manter a educação anterior ao p. 14), que as verdadeiras razões cacionais, se lidos e debatidos ensino de 1o grau, se tiverem como para se implantar uma pré-escola pelo conjunto de professores e força de trabalho mães com filhos encontram-se: de professoras que a receberão. menores de 7 anos. A Revista Criança inclui-se nes- Segundo Rosemberg (1995), [...] inicialmente, nas necessidades ta perspectiva. a forma vaga e o pequeno inte- próprias da criança e nas formas como Para melhor conhecer este resse contribuiu para não haver estas podem ser satisfeitas pelo ambien- periódico, precisamos remontar uma política nacional para esse te. Mesmo porque uma pré-escola que à época da ditadura iniciada no nível de educação. É somen- tenha como objetivo prevenir o fracasso Brasil em 1964, com o golpe mi- te em 1975 que o MEC inclui escolar da criança pobre desloca injus- litar, visto que a Revista Criança no seu organograma um órgão tamente para ela a responsabilidade de nasceu em 1982, no fim desse responsável pela educação pré- uma incompetência que não está nela, período, e grande parte das políti- escolar, que inicialmente chama- mas sim no sistema educacional e na cas públicas daquela época ainda va-se Sepre,1 Codepre,2 depois desigualdade social. são reflexo do período anterior. Coepre,3 em seguida Coedi.4 * Doutora em Educação pela UNICAMP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). 1 Serviço de Educação Pré-escolar. 2 Coordenação de Educação Pré-escolar. 3 Coordenadoria de Educação Pré-escolar. 4 Coordenação de Educação Infantil, hoje Coordenação Geral de Educação Infantil. revista criança 27
  • 28. artigo Em 1975, a Coordenadoria de nitor [...] e confirmada por Dido- Para melhor visualização da tra- educação pré-escolar (Coepre) net (2006) quando informa que jetória deste periódico, expõe-se elaborou o documento intitulado ela “Foi criada como instrumento no quadro informações relativas Diagnóstico Preliminar da educa- de informação, formação e apoio a números publicados até hoje, ção pré-escolar (KRAMER, 1992) aos professores e monitores [...]” mês/ano da publicação, órgão e, com base nesse documento, e, posteriormente, o MEC esten- responsável pela publicação, in- formulou o Programa Nacional de deu a sua distribuição a todos os terlocutor, nível e modalidade de Educação Pré-escolar, lançado professores de educação pré-es- educação e tiragem. em 1981, que passou a ser im- colar das instituições públicas. O quadro permite constatar que plantado pelo MEC/Coepre tanto A Revista Criança está em cir- na trajetória da Revista Criança pelas secretarias de educação, culação há 25 anos. Foi a primeira diferentes concepções político-pe- quanto pelo Mobral.5 O Presiden- publicação, em âmbito nacional, dagógicas, diferentes concepções te do Mobral informou que o MEC dedicada à educação pré-escolar. de crianças, diferentes políticas estabeleceu como prioridade na- Não tem periodicidade regular, re- públicas foram desenvolvidas pelo cional a criança, e continua: flete a política oficial para a área. A Estado brasileiro para a criança De acordo com as orienta- tiragem vem aumentando signifi- pequena na área da educação, te- ções do MEC, o Mobral assumiu cativamente, tendo alcançado em mas, sem dúvida alguma, instigan- o compromisso com as crianças 2005 a marca de 200 mil exem- tes que poderão ser discutidos em de populações de baixa renda, plares. E, para garantir sua cir- outra oportunidade.• da faixa etária de 4 a 6 anos, na culação, inúmeras organizações, certeza de que a sua educação oficiais ou não, têm contribuído. BIBLIOGRAFIA é um direito universalmente re- Os catorze primeiros números conhecido (RC, no 1, BRASIL, permitem afirmar que o periódico: BOYNARD, Aluisio Peixoto; GARCIA, Edília Coelho; ROBERT, Maria Iracilda. A reforma 1982, p.1). focaliza a criança de baixa renda, do ensino. Lei no 5.692 de 11 de agosto de 1971, São Paulo: 1971. O Mobral transfere para a que freqüentava o pré-escolar, CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG, educação pré-escolar a mes- excluindo, portanto, a creche; é Fúlvia; FERREIRA, Isabel. Creches e pré- escolas no Brasil. São Paulo: Cortez: ma prática que vinha utilizando dirigida ao monitor, que não é um Fundação Carlos Chagas, 1995. nos programas de alfabetização profissional da área; os temas ver- DIDONET, Vital. Algumas questões sobre o Mobral e a Revista Criança. Entre- de adultos, entre as quais estão sam sobre a criança (o que pensa, vista Março, 2006, recebido pelo e-mail: o fato de utilizar pessoas não o que gosta, suas necessidades, a022407@dac.unicamp.br. LEITE FILHO, Aristeo. Algumas questões profissionalizadas, denomina- o seu ambiente, a sua saúde, a ali- sobre o Mobral e a Revista Criança. das monitores, para desenvolver mentação); propõe atividades que Entrevista. Março, 2006, recebido pelo e-mail: a022407@dac.unicamp.br. atividades com as crianças. De possam apoiar o (a) monitor (a) no JOBIM E SOUZA, Solange; KRAMER, Sonia. Avanços, retrocessos e impasses acordo com Leite Filho (2006),6 desenvolvimento do seu trabalho. da política de educação pré-escolar no a Revista Criança foi criada Os temas são apresentados de Brasil. Educação & Sociedade (28), São Paulo: Cortez editora, p. 12-31. dez. 1984. como instrumento de formação forma simples, com orientações KRAMER, Sonia. A política do pré-esco- continuada para os monitores precisas e com ilustrações; esti- lar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1992. do programa, corroborada na mula a participação, incentivando TANCREDI CARVALHO, Ana Maria Orlan- apresentação da Revista. Nela, a correspondência não só com o dina. Políticas nacionais de educação infantil: Mobral, educação pré-escolar e a o então Presidente do Mobral MEC, mas entre os profissionais Revista Criança, 222 p. Tese (doutorado). diz que o objetivo da revista é a que exercem o magistério neste Campinas, (SP): Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2006. [...] melhoria do trabalho do mo- nível de educação. 5 Movimento Brasileiro de Alfabetização criado em 1967, com o objetivo declarado de desenvolver prioritariamente a alfabetização funcional. (COSTA ROCHA, [s/d]). 6 À época, Coordenador do Programa. 28 revista criança