- O Arcadismo foi um movimento literário que ocorreu no Brasil entre 1768 e 1836, tendo como obra inaugural "Obras Poéticas", de Cláudio Manuel da Costa.
- Seus principais traços eram a oposição ao estilo barroco, o uso de pseudônimos pastoris inspirados na mitologia greco-romana e a descrição de uma natureza idealizada em versos convencionais.
- Autores representativos como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga escreviam poemas sobre temas como "car
1. . ASPECTOS GERAIS DO ARCADISMO
a) Duração no Brasil: 1768 a 1836 (século XVIII).
b) Livro inaugurador: Obras Poéticas (poesias), de Cláudio Manuel da Costa.
c) Outros nomes para o movimento:
1. Arcadismo ou Neoclassicismo – São as denominações comuns para o movimento onde quer que ele tenha
existido.
2. Arcádia Mineira ou Movimento Mineiro – Em homenagem ao local em que o movimento nasceu e
desenvolveu-se: Minas Gerais, especialmente em Vila Rica, atual Ouro Preto.
3. Setecentismo – Denominação no Brasil, em seqüência ao Quinhentismo e ao Seiscentismo (Barroco).
d) O movimento arcádico é um retorno ao equilíbrio e à simplicidade do Classicismo, movimento que não existiu
no Brasil, mas que fez sucesso em Portugal.
e) Imitando a literatura clássica, o Arcadismo mantém postura de oposição ao Barroco. É contra os exageros
verbais, as sutilezas da construção, o uso abusivo das figuras de linguagem. Tudo isso na teoria, porque, na
prática, os autores brasileiros ainda escrevem fazendo largo uso da antítese e do hibérpato – figuras tipicamente
barrocas.
f) O Arcadismo propõe, pois, uma literatura compromissada com a simplicidade. Nesse sentido, os escritores
valorizam quatro palavras: clareza, razão, verdade e natureza.
g) A própria sociedade da época substitui a fé e a religião pela razão e pela ciência. Daí a denominação de Século
das Luzes para o período em que o Arcadismo predominou.
2.
3. Neste momento histórico, D. José assume o reino e nomeia como primeiro-
ministro o Marquês de Pombal, que permanecerá no poder de 1750 a 1777.
Típico representante do despotismo esclarecido, Pombal inicia uma série de
reformas para salvar Portugal da decadência em que mergulhara desde meados
do século XVI. O violento terremoto que destrói Lisboa, em 1755, amplia as
necessidades financeiras do tesouro luso e os impostos são brutalmente
aumentados.
O reformismo de Pombal enfrenta resistências, e ele decide expulsar os jesuítas
dos territórios portugueses, no ano de 1758. Também a parcela da nobreza que se
opunha a seus projetos é aprisionada e silenciada. Um grande esforço industrial
sacode a pasmaceira da Corte. Monopólios comerciais privados e
empreendimentos fabris comandam a tentativa de mudança do modelo
econômico. O ouro do Brasil funciona como lastro destas reformas.
A morte de D. José, em 1777, assinala também a queda de Pombal. A sucessora
do trono, D. Maria, procura tapar os rombos (cada vez maiores) do Erário Real,
aumentando ainda mais a pressão econômica sobre a Colônia. Além dos
impostos extorsivos, ela proíbe toda e qualquer atividade industrial em nosso
país. Criam-se assim as condições para o surgimento de um sentimento nativista.
4. Liberdade ainda que tardia é a tradução mais comumente dada ao dístico em Latim
Libertas Quæ Sera Tamen, proposto pelos inconfidentes para marcar a bandeira da
república que idealizaram, na Capitania de Minas Gerais, no Brasil do final do Século XVIII.
5. O crescente endividamento dos proprietários de minas com a Coroa aumenta o
desconforto e a repulsa pelo fisco insaciável. Na consciência de muitos ecoa o
sucesso da Independência Americana, de 1776. E também a força subversiva das
idéias iluministas - expressas em livros que circulam clandestinamente por Vila
Rica e outras cidades. Tudo isso termina por estimular membros das elites e
alguns representantes populares ao levante de 1789.
Apenas a traição de Joaquim Silvério impedirá que a Inconfidência Mineira
chegue a bom termo. Porém, o martírio de Tiradentes e a participação de poetas
árcades (ainda que tênue e por vezes equivocada), no esforço revolucionário,
transformam a sedição no episódio de maior grandeza do passado colonial
brasileiro.
6. OPOSIÇÃO AO BARROCO – Proposta de linguagem simples, de frases na ordem
direta e de palavreado de uso popular, ou seja, o contrário das pregações do
seiscentismo.
VERSOS BRANCOS – Ao contrário do Barroco, o poeta árcade pode usar o verso
branco (sem rima), numa atitude que simboliza liberdade na criação. No Brasil,
Basílio da Gama foi o mais ousado: compôs o livro O Uraguai (poema épico) sem
fazer uso da rima.
A POESIA COMO IMITAÇÃO DA NATUREZA – Os árcades copiavam os modelos
clássicos antigos ou renascentistas, numa flagrante falta de originalidade. O poeta
buscava, na natureza, os modelos de beleza, bondade e perfeição. Falta, pois, ao
árcade a capacidade de inventar, comum nos poetas do Barroco, do Romantismo, do
Simbolismo e do Modernismo.
COMPROMISSO COM A BELEZA, O BEM, A PERFEIÇÃO – Compromisso com a
poesia descritiva e objetiva. Nesse aspecto, a poesia árcade faz lembrar a época
parnasiana. Há mais preocupação com situações do que com emoções.
7. PASTORALISMO – O poeta do Arcadismo imagina-se, na hora de produzir poemas, um
“pastor de ovelhas”. É de supor que um pastor não disponha de linguagem sofisticada. Daí a
idéia de simplicidade no escrever. O próprio tema da poesia converge para assuntos bucólicos,
amorosos, com riachos, campinas, fontes, rebanho, ovelhas, cajado. A própria condição de
amar e ser feliz é condicionada à convivência campestre.
USO DE PSEUDÔNIMOS – O poeta árcade adota nome falso porque se considera um
“pastor de ovelhas”. É como se o escritor tivesse duas identidades: uma real, outra especial,
usada apenas para compor poesias. Tomás Antônio Gonzaga, o nosso maior poeta árcade, era
advogado e político na vida real. Na momento de compor poemas, transformava-se em
Dirceu, um simples (às vezes nem tanto) pastor de ovelhas.
PRESENÇA DE MUSAS – Diz-se que a condição precípua para ser poeta, no Arcadismo,
era estar apaixonado. Exageros à parte, a maioria dos poetas árcades brasileiros
notabilizaram-se fazendo poesias líricas para suas amadas. Alguns comedidos (caso de
Gonzaga que se inspirava em uma só mulher: Marília), outros mais ousados (caso de Cláudio
Manuel da Costa que fazia poemas para Nise e Eulina), a verdade é que poucos se
aventuraram à lavra pura e simples da poesia dissociada da figura feminina.
8. ☻A disciplina era uma idéia fixa, que tinha como características alguns
pseudônimos pastoris que foram inspirados da literatura ou da mitologia clássica,
em que os poetas pastores adotavam uma série de convenções e temas como:
† Inutilia truncat, que significa “cortar o inútil”, ou seja, houve uma rejeição
contra o estilo barroco, os exageros verbais e as sutilezas argumentativas, pois se
acreditava que a Literatura devia ser usada como instrumento de ensino, fazendo
com que houvesse transformação (para melhor) do pensamento através dela.
9. † Fugere urbem, que significa “evitar a cidade”, ou seja, evitar contato com a sociedade,
que busca clareza e diz que o contato com a natureza era considerava uma alternativa
saudável em uma cidade que ainda está em desenvolvimento urbano, na época da
industrialização, tornava intranqüila a vida nas cidades.
† Áurea mediocritas, que significa “dourada mediania” que é inspirado no culto à
racionalidade filosófica e científica.
† Locus amoenus, que significa lugar calmo, que usava a natureza como um cenário
agradável, devemos observar que no Arcadismo a natureza é artificial imitada da
Literatura clássica, ou seja, o poeta não descreve uma paisagem realmente como ela é,
mas a idealiza, passando a idéia de irreal, usando até entidades mitológicas.
† Carpe diem, que significa aproveitar o dia, é um tema que foi estimulado por Horácio,
um personagem que aparece bastante na Lírica ocidental, com um lugar-comum que
mostrava a duração da vida, ou seja, o quanto ela era passageira.
† O objetivismo, o poeta mostra tranqüilidade quanto às suas obras, ou seja, passa ao leitor
toda sua individualidade. A paisagem descrita nos poemas é clara e tranqüila e não
descreve os mistérios da vida nem e nem as surpresas.
10. Nos temas que a poesia árcade tematiza, são convencionais, existindo assim uma
falta de originalidade do estilo em questão da recorrência aos motivos da poesia
greco-romana e renascentista. Existe também a repetição dos mesmos temas.
Vejamos alguns poemas que nos comprovem isso:
†Carpe Diem
Que havemos de esperar, Marília bela?
que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm tarde já vêm frias,
e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha Marília,
aprovei-te o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças,
e ao semblante a graça!
(Tomás Antônio Gonzaga).
11. † Áurea Mediocritas:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais a finas lãs, de que me visto,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
(Tomás Antonio Gonzaga)
12. † Natureza bucólica e pastoril - Toda a poesia árcade tem uma figura da
natureza de uma maneira idealizada, esse tipo de natureza chama-se de:
natureza convencional, ou seja, mostra sempre a vida calma que os pastores
têm com suas mulheres. o poeta busca no campo a pureza a felicidade perdida.
Acaso são estes
Os sítios formosos.
Aonde passava
Os anos gostosos?
São estes os prados,
Aonde brincava,
Enquanto passava
O gordo rebanho,
Que Alceu me deixou?
(Tomás Antonio Gonzaga)
13. AUTORES
Cláudio Manuel da Costa (1729 - 1789)
Obras: Obras poéticas (1768), Vila Rica (1839)
Cláudio Manuel da Costa é um curioso caso de poeta de transição.
Ele reconhece e admira os princípios estéticos do Arcadismo, aos
quais pretende se filiar, mas não consegue vencer as fortes
influências barrocas e camonianas que marcaram a sua juventude
intelectual. Racionalmente um árcade, emotivamente um barroco,
conforme ele mesmo confessa no prólogo de Obras poéticas:
(...) Bastará para te satisfazer, o lembrar-te que a maior parte destas
Obras foram compostas ou em Coimbra ou pouco depois (...) tempo
em que Portugal apenas principiava a melhorar de gosto nas belas
letras. É infelicidade confessar que vejo e aprovo o melhor, mas sigo
o contrário na execução.
14. O poeta admite a contradição que existe entre o ideal poético e a realidade de sua
obra. Com efeito, se os poemas estão cheios de pastores - comprovando o projeto
de literatura árcade - o seu gosto pela antítese e a preferência pelo soneto indicam
a herança de uma tradição que remonta ao Camões lírico e à poesia portuguesa
do século XVII.
Aliás, os seus temas são quase sempre barrocos. O desencanto com a vida, a
brevidade dolorosa do amor, a rapidez com que todos os sentimentos passam são
os motivos principais de sua expressão. Motivos barrocos. Contudo, para o
homem barroco do século XVII, havia a perspectiva da divindade. Para o poeta
de transição, existe apenas o sofrimento:
Ouvi pois o meu fúnebre lamento
Se é que de compaixão sois animados.
15. Do sofrimento dos amores perdidos e de sua ânsia em revivê-los, nasce a
desolada angústia de alguém que, procurando o objeto de sua paixão, não o
encontra:
Nise? Nise? onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata e gira,
Tanto mais de encontrar-te desespera!
Ah! Se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido que diz; mas é mentira.
Nise, cuido que ouvia; e tal não era.
Grutas, troncos, penhascos de espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.
Nem ao menos o eco me responde!
Ah! como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?
16. A todo instante, o autor de Obras poéticas vale-se de antíteses - típico
procedimento barroco - para registrar os seus conflitos pessoais. No soneto
LXXXIV, temos um belo exemplo de contraste entre a dureza da pedra e a
ternura do coração:
Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci! Oh, quem cuidara
Que entre penhas * tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!
*Penha: rocha
17. AUTORES
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810)
Obras: Marília de Dirceu (Parte I - 1792; Parte II - 1799; Parte
III - 1812), Cartas Chilenas (1845).
Uma das obras líricas mais estimadas e lidas no país, Marília de
Dirceu permite duas abordagens igualmente válidas. A primeira
mostra-a como o texto árcade por excelência. A segunda aponta para
sua dimensão pré-romântica.
O pastoralismo, a galanteria, a clareza, a recusa em intensificar a
subjetividade, o racionalismo neoclássico que transforma a vida num
caminho fácil para as almas sossegadas, eis alguns dos elementos
que configuram o Arcadismo nas liras de Tomás Antônio Gonzaga,
especialmente as da primeira parte do livro, produzidas ainda em
liberdade
18. As vinte e três liras iniciais de Marília de Dirceu são autobiográficas dentro dos limites que as
regras árcades impõem à confissão pessoal, isto é, o EU não deve expor nada além do permitido
pelas convenções da época. Assim um pastor (que é o poeta) celebra, em tom moderadamente
apaixonado, as graças da pastora Marília, que conquistou o seu coração:
Tu, Marília, agora vendo
Do Amor o lindo retrato
Contigo estarás dizendo
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto
Que ele foi quem me venceu.
19. O Desejo da Vida Comum ("Aurea Mediocritas"): Na verdade, o pastor Dirceu é um pacato
funcionário público que sonha com a tranqüilidade do matrimônio, alheio a qualquer sobressalto,
certo de que a domesticidade gratificará Marília. Por isso, ele trata de ressaltar a estabilidade de sua
situação econômica:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal* e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, frutas, azeite.
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
*Casal: pequena propriedade rústica
20. Desvios Sensuais - há vários momentos, em Marília de Dirceu, que indicam um
desejo de confidência e onde aparecem atrevimentos eróticos surpreendentes.
São momentos de emoção genuína: o poeta lembra que o tempo passa, que com
os anos os corpos se entorpecem, e convoca Marília para o "carpe diem"
renascentista:
Ornemos nossas testas com as flores,
E façamos de feno um brando leito;
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
21. Cartas chilenas - Sob o pseudônimo de Critilo, Tomás Antônio Gonzaga ironiza
nas Cartas chilenas a prepotência e os desmandos do governador Luís da Cunha
Meneses, apelidado no texto de Fanfarrão Minésio.
Ainda há algumas dúvidas a respeito da autoria desta obra satírica, mas todos os
indícios apontam para o autor de Marília de Dirceu. O que já se tornou consenso
é o caráter pessoal dos ataques, não havendo nenhuma insinuação nativista ou
desejo de sublevação revolucionária nos mesmos.
22. Vida: Nasceu em Vila Rica, filho de um músico mulato. Fez Humanidades no Rio e estudou em
Coimbra. Ardoroso defensor de Pombal, escreveu um poema heróico-cômico, O desertor, para
exaltar as reformas do primeiro-ministro. Voltou ao Brasil em 1776 e continuou fiel as suas idéias
iluministas. Mudou-se de Vila Rica para o Rio de Janeiro, onde animou uma importante sociedade
literária. Suspeito de conspiração, foi detido, em 1794, permanecendo preso por três anos até receber
o indulto real. Dois anos após, publicou Glaura. Morreu no Rio de Janeiro.
Obra: Glaura (1799)
Identificado com a filosofia da Ilustração, a exemplo de outros árcades, Manuel Inácio da Silva
Alvarenga, em Glaura, também cultiva uma lírica de inspiração galante. Trata-se de um poema
composto por rondós* e madrigais*, onde o poeta (Alcindo Palmireno) louva a pastora Glaura, que a
princípio parece se esquivar desse canto amoroso. O sofrimento de Alcindo acabará sendo
recompensado pela retribuição do afeto, porém Glaura morrerá em seguida, deixando o pastor imerso
em depressão.
*Rondó: composição poética com estribilho constante.
*Madrigal: composição poética galante e musical.
23. POESIA ÉPICA ÁRCADE
Basílio da Gama (1741 -1795)
O esforço neoclássico do século XVIII leva alguns autores a
sonhar com a possibilidade de um retorno ao sentido épico do mundo
antigo. No entanto, numa era onde as concepções burguesas, o
racionalismo e a Ilustração triunfam, o heroísmo guerreiro ou
aventureiro parecem irremediavelmente fora de moda. A epopéia
ressurge, é verdade, mas quase como farsa.
Compare-se, por exemplo, a grandeza do assunto de Os Lusíadas -
os notáveis descobrimentos de Vasco da Gama - com o mesquinho
tema de O Uraguai - a tomada das Missões jesuíticas do Rio Grande
do Sul pela expedição punitiva de Gomes Freire de Andrade, em
1756 - para se ter uma idéia das diferenças que separam as duas
obras.
24. A Estrutura do Poema - A pobreza temática impele Basílio da Gama a substituir o
modelo camoniano de dez cantos por um poema épico de apenas cinco cantos,
constituídos por versos brancos, ou seja, versos sem rimas. O enredo situa-se
todo em torno dos eventos expedicionários e de um caso de amor e morte no
reduto missioneiro.
Narrativa Dramática e Lírica - O curioso é que, fracassando como epopéia, o
poema narrativo de Basílio da Gama tem passagens de excelente força dramática
e lírica. De longe a cena mais conhecida de O Uraguai é a da morte da jovem
Lindóia, que se suicida para fugir a um casamento indesejado. Quer dizer, o
momento supremo do texto é lírico e não épico:
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece,
Tanto era bela no seu rosto a morte!
25. Além disso, a apologia das façanhas de Gomes Freire de Andrade e seus
soldados, que invadem e conquistam as reduções missioneiras para o
cumprimento do tratado de Madri, de 1750, é a parte mais fraca do poema.
Percebe-se aí a louvação implícita ao Marquês de Pombal, responsável pela ação
destruidora e símbolo da ordenação racional européia. (O livro, aliás, é dedicado
ao irmão do primeiro-ministro). Só que o efeito deste expansionismo do Império
é o apocalipse dos Sete Povos das Missões como já se vê nos versos iniciais do
primeiro canto:
Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangues tépidos e impuros,
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilharia.
26. POESIA ÉPICA ÁRCADE
Santa Rita Durão (1722-1784)
Obra: Caramuru (1781)
O poema épico Caramuru é publicado doze anos depois de O
Uraguai, contudo não existe uma continuidade entre ambos. Nem
formal, nem ideológica. Ao contrário de Basílio da Gama, admirador
de Pombal, Santa Rita Durão lembra o período pombalino como uma
época de horrores. Assim, a visão anti-jesuítica de seu antecessor cede
lugar a uma narrativa de inspiração religiosa.
27. esumo: O poema narra a história (lenda?) do aventureiro Diogo Álvares Correia,
que naufraga na costa da Bahia, no século XVI, sendo recolhido por índios. Ele
os maravilha com sua espingarda, procurando depois catequizá-los e colonizá-
los. Esta junção do herói português com o herói católico é representado pelo
desejo de Caramuru em desposar uma jovem indígena e assim sacramentar a
união entre os nativos e os conquistadores.
oiva então com a casta Paraguaçu, filha de um cacique e, como não há padres
para efetivar o matrimônio, os noivos embarcam, ainda puros, numa caravela
francesa, rumo à Europa. Lá, a exótica dupla dos trópicos vai deslumbrar a
requintada Corte da França.
28. † Na partida do litoral brasileiro, ocorre a cena mais famosa de Caramuru: jovens
indígenas apaixonadas pelo "filho do trovão" nadam em desespero atrás do
navio, suplicando que o herói não se fosse. Em certo momento, já debilitadas
resolvem retornar à terra. Uma indígena, entretanto, prefere morrer a perder de
vista o homem branco. É Moema, que vai perecer tragada pelas ondas:
Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Pálida a cor, o aspecto moribundo,
Com a mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas* escumas desce ao fundo:
Mas na onda do mar, que irado freme,
Tornando a aparecer desde o profundo:
"Ah! Diogo cruel!" disse com mágoa
E sem mais vista ser, sorveu-se n'água.
*Salsas: salgadas
29. † E mesmo que os seus índios sejam retratados de forma um pouco mais realista
que os de Basílio da Gama, há ainda na sua visão um pesado tributo aos
preconceitos da época. A descrição da "doce Paraguaçu", por exemplo, contraria
todo o princípio da realidade fisionômica e da cor dos indígenas. Ela é sem
dúvida uma moça branca:
Paraguaçu gentil (tal nome teve),
Bem diversa de gente tão nojosa,
De cor tão alva como a branca neve,
E donde não é neve, era de rosa;
O nariz natural, boca mui breve,
Olhos de bela luz, testa espaçosa.