Este poema narra a história de bonecos de plástico que ganham vida sob o lençol enquanto a pessoa dorme. Os bonecos exploram o corpo da pessoa dormindo e refletem sobre conceitos como beleza, arte, limite e urgência.
1. Uma luz a(s)cendia em setembro...
A propósito de uma dança
(Pois vivo num mundo onde não se dança, se faz coreografia)
“Miró[...] Encarregou então o seu amigo Josep Lluis Sert de lhe construir
o grande atelier com que há muito sonhava[...]A mudança para seu
atelier em 1956 marcou uma nova etapa de sua vida: consolidou os seus
bens, questionou ideias e destruiu ou repintou telas que já não lhe
agradavam”
Separei alguns pequenos bonecos de plástico
de quando era criança,
e quando pegava-te o sono
espalhei-os por debaixo do lenç(s)ol
-Faltou dizer, que por algum tipo (alquimia, magia, ou algo que meu ateísmo ainda
procurava a melhor forma de me situar),
Eu os dei vida,
finalmente, eles se tornavam extensão de mim
Por
cada
cada
um daqueles olhos de plástico, podia verte-a (`)a pele como jamais pudera antes.
( devido ao tamanho, assim como sua visão, a sensação em relação ao tempo também se
dilatava, de modo que aproximadamente aquelas 9 horas de sono, eram toda uma vida:
morreriam pela manhã)
(restava saber a quem restaria a mais dolorosa das mortes: de petrificar-se até virar pó,
te vendo abandonar o quarto)
(ou a mais agradável, sufocado nos teus cabelos pela noite, ou esmagado contra sua
bunda)
Coloquei-os de modo que tomassem todo seu corpo,
como primeiro contato, alguns confundiam aquela extensa combinação de ossos, carne,
com a terra batida, de cor areia-torrada, onde os submetia, quando criança, enquanto
brincava
2. dos seus dedos não tão grandes,
(`)as unhas curvadas,
passando pela tua perna lisa e curta,
chegando as tuas coxas,
– que por vezes me deitei, ou simplesmente espalmava minha mão sobre elas
deixando que um dos dedos encostassem na tua virilia
na tua vagina,
só, dentre todos, aquele que considerava o mais respeitável,
aquele, qual não lhe causaria nenhum dano, mas o seu exato contrário,
prazer
– derramaria sobre a fonte aquilo que dela se espera:
o gozo, a vida
Continuava a espalhá-los na medida que,
enquanto
dormia
sozinha,
virava por algumas vezes, até que pulassem do teu umbigo para tua barriga,
as
curvas
da
tua
coluna.
Sobre aqueles dois cumes rosados:
sentinelas
– para que que resguardassem de todo mal.
O que seria você sem teu pescoço?
O que dizer sobre o queixo?
3. os lábios
– , que de pequenos e sensíveis - o guardião do todo
quanto me fez falta, quanta falta me faz
te ouvir
–
OlhOs,
“O mel desses olhos, luz, mel, de cor ímpar”
Mais do que nunca, o suspiro de vida nos levanta aos poucos e nos pede ainda que
sussurrando:
que vivamos.
Os perigos, as loucuras, os medos, as barreiras,
as barricadas!
Assim como um homem que morre aos poucos e outro que tem sua trajetória que se
finda daqui (há) uma semana, essa vida não se leva a sério; se mata o homem quando
entende que irá morrer daqui uma semana, mas se mata também o que morre aos
poucos
Morre por que não se há mais nada honroso a fazer.(?)(!)
Se por algum motivo essa vida ainda lhe valesse a pena ser vivida, ele (h)a(´)s(-)sim
viveria
No tubo de ensaio do apocalipse
Amar, é o mais honroso a se fazer
Aquele total conhecimento sobre os males que irá sofrer e a escolha deles, é onde mora
a liberdade?
Faltou dizer também que um deles ficava próximo de sua testa, e de tão tímido não te
encostava, ficava olhando de longe admirado aquele monte de elevações, que
exatamente pela pouca perfeição é o que tornava tudo perfeito,
o limite do sublime e limite da não-volta
Com uma cor clara, meio parda, algumas sardas e boca fechada enquanto dormia
De todos, era o mais indisciplinado, aquele que perdia noites de sono e descanso, numa
função que não havia sido designada, mas que acabava por ser a mais bela de todas
4. Dizia ele que dentre todas a noites - dizia ser o mais antigo guardião do corpo, e ter
adentrado lugares que lhe dariam o privilégio da exceção: a eternidade -, a que mais
gostava, era quando voltava tarde, de alguma festa, ou ocasião que por algum motivo
estivesse maquiada, e quando limpava o rosto uma sensação de frescor – que de ti
emanava - tomava-lhe o pequeno corpo e o matinha acordado
Sensação que eu mesmo não sei descrever – mas que paralisa, e neste exato momento
me faz correr os olhos na estante de livros para procurar as mais eruditas palavras, as
mais belas metáforas
Mas o que é belo, afinal?
Se o belo é exato contrário ao tosco, te proponho uma dança, nos limites do tosco,
onde, é o próprio tosco que rompe com os limites do sexo mecânico e belo, aquele que
que tem dia certo, lugar, e limites
te convido ao grotesco, potencialização extrema do tosco,
ruptura completa do bom, do comportado, do condizente, conivente
(se a arte, e se apaixonar, são
expressões-sensações verdadeiras,
todas a verdades são dignas de uma
arte e de uma paixão, ainda que toscas,
inseguras e mal acabadas? todo momento
verdadeiro, em que se apaixona, necessita de uma obra)
O mesmo boneco que lhe vigiava, diga-se de passagem, contava que uma vez seguiu-a
ao teatro e achou magnifico, que aquele bicho-humano tinha outras formas, vozes,
extensões, e eram tão verdadeiramente encantadoras quanto vê-la deitada
Um deles, entre a suas sobrancelhas, cabisbaixo, entendia que aqueles olhos fechados
eram uma forma de ignorá-lo, ou simplesmente massificar sua existência; talvez ele não
percebesse que de olhos fechados vivemos, sentimos mais, pensamos mais, e que em
volta dele haviam tantos outros, de sentinelas a cabos, tentando descobrir a menos
equivocada forma de se alojar em toda aquela enorme complexidade...
Ora ou outra, o guardião dos lábios, olhava para cima e via o companheiro cabisbaixo, e
lhe erguia à mão, um copo com água, uma mão no ombro:
– Não se trata, de entristecer agora companheiro, mas de entender que sua missão
aqui não é tomar este espaço, e nem abrir as portas que guarda, mas apenas
guardá-los, com competência, e cuidado...
– O que você não entende, é que guardar, tomar, abrir as portas do não
estabelecido será danoso de semelhante forma a alguém, e não sei se corro o
risco de ficar acordado durante toda a noite, para que durante a manhã, tudo se
vá...
– Até onde faz sentido guardar esses olhos?
– Agora, no momento em que nos encontramos, todo o sentido companheiro.
– Então, fique.
5. (Que lugares habita o limite?
O Risco.
Para todos:
RUPTURA)
(Que lugares habita a urgência?
Algo entre o teu teu olhar
e a direção que mira...:
o extra-corpo
Onde se semeia o medo)
(Que torna este texto-ensaio-argumento-poético-politico-reflexivo
urgente: Não porque a tenho em
mão, e deixaria escapar por entre dedos,
pelo contrário: não me quereres mais,
já que nunca foste - ou será -minha[?])
Àquela que vela pela alegria do mundo
Manaus,AM - 2011