1. Coordenadoria de Processo Civil
CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO
NÃO É TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL
PAULO CESAR NEVES MAIA
ADVOGADO PÓS GRADUADO EM
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
PELA ESA OABSP
2. BREVE CONSIDERAÇÕES SOBRE O
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA
CORRENTE, QUE EVOLUIU POSTERIORMENTE
PARA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO.
3.
4. Ante o fracasso jurídico experimentado pelas
instituições bancárias, que insistiam em promover
ações executivas fundadas no contrato de abertura de
crédito em conta corrente, inclusive com diversas
condenações em verbas de sucumbência, o Poder
Executivo sofrendo forte pressão das instituições
financeiras criou pela medida provisória 2.160-25 de
2001, a temerária e inconstitucional cédula de crédito
bancário.
5. Não obstante, a pressão das instituições financeiras
estendeu-se ao Poder Legislativo e em 02 de agosto
de 2004, foi sancionada a lei 10.931/04, revogando a
Medida Provisória 2.160-25 de 2001, buscando
legitimar a força executiva da cédula de crédito
bancário.
6. Mais uma vez, a comunidade jurídica lutando contra
pressões políticas e financeiras, iniciou nova
jornada, agora, na busca de reconhecer-se a
inconstitucionalidade da famigerada lei 10.931/04, que
atribuiu força executiva a cédula de crédito bancário.
7. Argumenta-se ser inconstitucional a lei 10.931/04,
pois não foi observado pelo legislador a lei
complementar no. 95, de 26 de fevereiro de 1998, que
ditou normas gerais, estabelecendo padrões para a
“elaboração”, redação, a “alteração e a “consolidação”
da legislação federal, assim dispondo no que é
pertinente ao tema apresentado:
8. O artigo 7º da lei complementar no 95 determina:
O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o
respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes
princípios:
9. I – excetuadas as codificações, cada lei tratará de
um único objeto:
II- a lei não conterá matéria estranha a seu objeto
ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou
conexão;
III- o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de
forma tão específica quanto o possibilite o
conhecimento técnico ou científico da área respectiva;
10. A lei 10.931/04, trata de matérias de direito que
são distintas e que não se relacionam entre si,
como, por exemplo, a Cédula de Crédito Bancário
e o Regime Especial de Tributação aplicável às
incorporações imobiliárias.
11. O objeto da lei 10.931/04 é a regulação do patrimônio de
afetação de incorporações imobiliárias, conforme
estabelecido no artigo1o:
12. Artigo 1º da lei 10.931/04:
Fica instituído o regime especial de tributação aplicável às
incorporações imobiliárias, em caráter opcional e irretratável
enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do
incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a
incorporação.
13. Em obediência a lei complementar 95 seriam conexas
ou correlatas a esse objeto a instituição de Letra de
Crédito Imobiliário e a Cédula de Crédito
Imobiliário, jamais a Cédula de Crédito Bancário.
14. Sobre o tema em discussão, assevera Nelson Nery
Junior que a Cédula de Crédito Bancário constitui
instrumento a que se pretende dar eficácia executiva
genérica, nada tendo a ver com incorporação imobiliária.
15. Essa intromissão de assunto que nada tem a ver com o
objeto da lei – que tem de ser um só (LC 95/98 7º I) – foi
banida do sistema jurídico brasileiro pela LC 95/98 7º ,
que, como norma complementar à Constituição, deve
ser entendida como extensão da CF, motivo por que
suas regras têm de ser respeitadas pela legislação
ordinária. (NERY JUNIOR, 2006, p.838).
16. A celeuma das matérias cuidadas pela Lei 10.931/04 é
de deixar todos nos operadores do direito
perplexos, isto porque, dispõe sobre: letra de crédito
imobiliário, cédula de crédito imobiliário; dos contratos
de financiamento imobiliário de imóveis; alterações na
Lei de Incorporações e de Capitais, alterações no
Código Civil e pasmem na Lei de Registros Públicos.
17. É de se concluir, então, que a lei no 10.931 de 02 de
agosto de 2004, quando da sua elaboração ou
redação, não atendeu aos requisitos estatuídos na lei
complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998, que
regulamenta o artigo 59 da Constituição
Federal, razão pela qual padece de
inconstitucionalidade formal.
18. Reconhece o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar
Mendes, em brilhante obra, que um dos mais tormentosos
temas do controle de constitucionalidade hodierno é o vício de
inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de
poder legislativo. Trata-se da aferição da compatibilidade da lei
com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a
observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se
proceder à censura sobre a adequação e a necessidade do ato
legislativo.
19. Na realidade, doutrina e jurisprudência modernos
entendem que, em se tratando de restrição a
determinados direitos, deve-se perquirir não apenas
sobre a admissibilidade constitucional da referida
restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas
também sobre a compatibilidade das restrições
estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.
20. Como dito, pautando-se pela doutrina do Ministro,
emergem do princípio da proporcionalidade dois
subprincípios, o da adequação e o da necessidade.
Aquele exige que as medidas interventivas adotadas
mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos.
Este significa que nenhum meio menos gravoso para
o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na
consecução dos objetivos pretendidos. Em outras
palavras, "o meio não será necessário se o objetivo
almejado puder ser alcançado com a adoção de
medida que se revele a um só tempo adequada e
menos onerosa." (MENDES, Gilmar, 2001).
21. Ocorre que a lei 10.931/04 não possui nenhum dos
requisitos relacionados ao princípio da
proporcionalidade, apresentando, assim, o vício de
inconstitucionalidade substancial ou material.
22. A respeito da matéria, sobremodo sensata é a
observação do Ministro aposentado do Superior
Tribunal de Justiça, Ruy Rosado De Aguiar Junior:
Certamente não se encontrará nos países
ocidentais, no âmbito das instituições financeiras,
um diploma que conceda mais poderes ao credor
estipulante de contrato de adesão, sem limites
para taxas, comissões e multas; para completar,
faltaria apenas excluí-lo do controle judicial.
(AGUIAR JÚNIOR, 2003, p. 89).
23. A análise da gravidade do meio escolhido pelo
legislador para alcançar os objetivos pretendidos deve
ser feita sob o âmbito do subprincípio da necessidade.
Porém, desde já é possível verificar, justamente por
ocasião das arbitrariedades nela contida, que a lei em
comento não se prestará ao fim colimado pelo
legislador.
24. Conforme bem ressaltado pelo Ministro Ruy Rosado De
Aguiar Junior, no final do trecho supra destacado, é
impossível afastar do Poder Judiciário o controle de
constitucionalidade das leis, seja na forma concentrada
ou difusa, já que este representa mais uma de suas
atribuições constitucionalmente estabelecidas.
25. Nesta senda, considerando que o Judiciário há
muito vem negando aplicabilidade à lei 10.931/04,
via controle de constitucionalidade difuso, a
Cédula de Crédito não se prestará a formalizar
relação jurídica entre os bancos e os tomadores de
empréstimo como pretendia o legislador, ao revés,
implicará em grande instabilidade, não só jurídica,
mas também econômica.
26. A lei 10.931/04 contraria a própria lógica ao
conferir liquidez a título que intrinsecamente não a
possui, característica, aliás, confessada pela
própria norma:
Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título
executivo extrajudicial e representa dívida em
dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela
indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em
planilha de cálculo, ou nos extratos da conta
corrente, elaborados conforme previsto no 2o.
(...);
27. 2o Sempre que necessário, a apuração do valor exato
da obrigação, ou de seu saldo devedor, representado
pela Cédula de Crédito Bancário, será feita pelo credor,
por meio de planilha de cálculo e, quando for o caso, de
extrato emitido pela instituição financeira, em favor da
qual a Cédula de Crédito Bancário foi originalmente
emitida, documentos esses que integrarão a Cédula;
28. Pela simples leitura do dispositivo legal é possível
verificar que é frágil a argumentação de que a
Cédula de Crédito Bancário possui certeza e
liquidez. Isto é, não pode um titulo ser líquido e
certo na medida em que só se terá conhecimento
dos seus valores após apuração unilateral do
banco-credor
29. Nisso reside a inconstitucionalidade desse
título, independentemente de haver sido
previsto, originariamente por Medida Provisória
ou, agora, por lei. Essas inconstitucionalidades podem ser
controladas em abstrato pelo STF (CF 102 I a), bem como
pelo juiz no caso concreto, que, entendendo
inconstitucional a LPAII 28, pode deixar de conferir à
cédula de crédito bancário a eficácia executiva que
ela, efetivamente, não tem, mesmo quando acompanhada
de planilha feita exclusivamente pelo credor, ou por
extratos de conta corrente produzidos e juntados à
cédula exclusivamente pelo credor. (NERY
JUNIOR, 2006, p. 838
30. 0058657-52.2011.8.26.0000 Agravo de Instrumento
Relator(a): José Marcos Marrone
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 23ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 01/06/2011
Data de registro: 21/06/2011
Outros números: 00586575220118260000
Ementa: Execução - Cédula de crédito bancário - Lei 10.931/2004, reputando a cédula de crédito
bancário como título executivo extrajudicial, que apresenta grave ví- cio de origem - Lei que cuidou de
diversas outras matérias, além das mencio- nadas em seu art. 1o - Cédula de crédito bancário que não
guarda nenhuma correlação com a incorporação imobiliária - Transgressão ao art. 7° da LC 95/1998 -
Fato que afasta a observância obrigatória aos preceitos da Lei 10.931/2004. Execução - Cédula de
crédito bancário - Execução que não deve prosseguir nem sequer contra os avalistas - Não sendo o
título exequível, a ação executi- va é incabível tanto em face do devedor principal quanto em face do
avalista. Execução - Cédula de crédito bancário - Falta de título executivo eficaz que constitui matéria
que deve ser conhecida de ofício - Art. 267, § 3o, do CPC - Inexistência de título com eficácia
executiva, nos moldes do art. 586 do CPC - Declarada a nulidade da execução - Carência da ação -
Falta de interesse processual - Art. 618,1, do CPC - Ressalvada ao agravante, para o recebimen- to de
seu crédito, a utilização das vias monitoria ou ordinária - Anulada, de ofí- cio, a execução, com fulcro
no art. 267, VI, do CPC - Extinção do processo - Perda do objeto do agravo - Agravo prejudicado.