Apresentação 7
José Rudge
Prefácio 9
Gabriel Jorge Ferreira
Algumas palavras 13
José Renato Nalini
A operação de seguro 19
O que é seguro 19
A operação de seguro – 1 21
A operação de seguro – 2 23
A operação de seguro – 3 25
Seguro é negócio e contrato 27
A responsabilidade da Seguradora 30
Ética, seguros e transparência – 1 33
Ética, seguros e transparência – 2 36
O lucro das Seguradoras 38
O contrato de seguro 41
Um pouco sobre o contrato de seguro 41
O contrato de seguro – 1 43
O contrato de seguro – 2 46
Os problemas com o clausulado das apólices 48
O caráter social do seguro 51
Seguro é produto socialmente necessário 51
Custo Brasil e seguro 54
Sobre a seguridade social 56
O seguro e as catástrofes naturais 59
Ainda sobre as catástrofes naturais 62
O seguro e o judiciário 65
O Seguro e o Judiciário 65
O preço do desconhecimento 68
Seguro e segurança jurídica 71
Insegurança jurídica e judiciária 74
Ainda sobre insegurança jurídica 76
Uma ferramenta para o desenvolvimento –
arbitragem 79
A CONTRATAÇÃO DO SEGURO 81
Por que e como contratar um seguro 81
O que é importante na hora de contratar
um seguro 83
Dicas para contratar seguros 86
Para não ter problemas com o seu seguro – 1 88
Para não ter problemas com o seu seguro – 2 90
Como se calcula o preço de um seguro – 1 93
Como se calcula o preço de um seguro – 2 95
Como se calcula o preço de um seguro – 3 97
Sobre o preço dos seguros 99
Ainda sobre o preço do seguro 102
Não existe seguro de graça 104
A proposta do seguro de vida 107
Boa-fé e má-fé da seguradora 109
Preexistência e seguro 112
Agravação de risco 115
Perda de direito 118
Risco coberto e risco excluído 121
Franquia e participação obrigatória 123
Cláusula de rateio 125
Contrato de adesão relativa 128
Resseguro 131
Resseguro e cosseguro – 1 131
Resseguro e cosseguro – 2 134
Resseguro e cosseguro – 3 137
O sinistro 141
O sinistro no seguro 141
O produto da seguradora é a indenização 143
Quem paga a indenização é o segurado 146
A importância da regulação do sinistro 149
Cuidados com a fraude interna 151
Rede credenciada e terceiro no seguro de
automóveis 154
O custo do sinistro e o custo do seguro 157
Quem paga o custo da fraude 159
Cuidado com os acordos 161
O CORRETOR DE SEGUROS 165
Seguro só com corretor de seguros – 1 165
Seguro só com corretor de seguros – 2 167
Considerações sobre quem é o corretor
de seguros 170
Ainda sobre o corretor de seguros – 1 173
Ainda sobre o corretor de seguros – 2 176
A importância do corretor de seguros 179
O corretor de seguros no século 21 181
AUTOMÓVEIS 185
Algumas considerações sobre o DPVAT 185
Carro com seguro 188
Um drama chamado oficina? 191
Assistência 24 horas 193
O terceiro no sinistro de automóvel 195
GARANTIA 199
Seguros de gar
7. 7
Em um cenário de estabilidade econômica alcançado pelo
Brasil, a partir de 1994, o mercado segurador pôde, finalmente,
crescer e ocupar o patamar em que está hoje. Maior em núme
ros, em perspectivas e repleto de possibilidades, o país tem uma
indústria de seguros consolidada e, também, mais complexa,
para a qual esta obra traz uma contribuição importante.
Entender temas do mercado segurador é fundamental
para todos os que estão, de alguma forma, inseridos nesta in
dústria. Informação de qualidade é fundamental para fazer
girar o motor do crescimento. Por essa razão, a Unibanco Se
guros & Previdência abraçou, como patrocinadora, o projeto
deste livro assinado por Antonio Penteado Mendonça, um dos
mais conceituados especialistas do setor.
Além disso, informação e comunicação sempre foram
importantes para o sucesso do planejamento estratégico da
Unibanco Seguros, que, em apenas 10 anos – entre 1997 e
2007 –, saltou de uma participação de mercado de pouco mais
de 1% para 8%, conquistando liderança em Grandes Riscos,
Seguros Patrimoniais Empresariais, Responsabilidade Civil de
Dirigentes e Garantia Estendida.
APRESENTAÇÃO
8. 8
Temas de Seguro, de Antonio Penteado Mendonça, será
de grande utilidade para aqueles que navegam por esse mar de
possibilidades em que se transformou o mercado segurador
brasileiro.
José Rudge
Presidente da Unibanco
Seguros & Previdência
9. 9
Há muitos anos costumo ouvir, pelas ondas da Eldora
do, durante minhas caminhadas matinais, as crônicas sempre
inspiradas do Antonio Penteado Mendonça, em que ele abor
da temas concernentes a aspectos da cidade e a seus perso
nagens, inserindo neles suas úteis, precisas e didáticas lições
sobre seguros.
Penteado, como ninguém, desenvolveu um estilo de co
municação ímpar para falar de forma direta ao público sobre
a função que o sistema segurador desempenha na sociedade,
que é a de levar às pessoas e empresas a oportunidade de des
frutar da tranqüilidade proporcionada pelas diversas modali
dades de cobertura oferecidas pelo mercado segurador.
Ouvindo atentamente as lúcidas e claras exposições do
ilustre comentarista, com o correr do tempo me perguntava
se lições tão bem ministradas a respeito de assunto de grande
interesse para os indivíduos e corporações não deveriam, em
algum momento, ser reproduzidas em livro, de forma que os
leitores pudessem também desfrutar desses ensinamentos. Isto
me motivou a provocar meus colegas da Unibanco Seguros
& Previdência a levar adiante a publicação do livro Temas
PREFÁCIO
10. 10
de Seguro. Zeca Rudge, rapidamente, encampou a idéia e em
pouco tempo, contactado o autor, a parceria estava selada e,
quem diria, recebi a honrosa missão de prefaciar a obra que
agora vem a público.
Integrantes do sistema financeiro nacional, as segura
doras, as companhias de previdência e de capitalização, ao
oferecerem a seus clientes e consumidores as coberturas, os
benefícios e as vantagens contemplados em seus produtos, es
tão gerando, através dos prêmios ou contribuições recebidas,
expressiva poupança financeira que é canalizada para os mer
cados monetário, de capitais e imobiliário que, em resumo,
significam investimentos que alavancam o progresso e o de
senvolvimento econômico e social do país.
Apesar do crescimento contínuo e sustentável desse vi
tal sistema de proteção e de prevenção, atenuação ou elimina
ção de riscos, e da existência de operadoras extremamente
eficientes e competitivas na oferta de produtos, esse mercado
tem imenso potencial para atingir patamares ainda muito mais
altos, graças à dimensão e ao dinamismo da economia brasi
leira. E, nesse particular, as lições do Penteado, ministradas
por rádio, publicação de artigos, palestras, aulas e militância
incansável no setor, têm exercido influência altamente positi
va no desenvolvimento do mercado segurador.
Como poucas vezes se viu, Penteado explica e detalha,
sem a linguagem do ‘segurês’, um serviço ou produto em suas
nuances, diferenças, limites e extensão de cobertura, restrições,
ressalvas e abordagens sobre cláusulas contratuais e outros pon
tos essenciais para que o segurado faça adequada avaliação do
que está comprando. Num paralelo com o mercado de capi
tais, a transmissão ao ouvinte ou ao leitor dessas pormenoriza
das informações equivale à transparência dada num prospecto
11. 11
de lançamento de valores mobiliários. E tudo isso feito de for
ma institucional por um agente privado prestando um serviço
de caráter público.
Daí o valor imensurável desta obra que reúne os melho
res textos do autor elaborados durante os profícuos anos de
seu magistério nesse campo e, portanto, de grande valia para
estudiosos, professores, universidades, pesquisadores, espe
cialistas, seguradores, segurados, profissionais dos mercados
de seguro, de previdência, de capitalização e, acima de tudo,
para os que pretendem nele ingressar, em qualquer de suas
frentes. A Unibanco Seguros & Previdência se orgulha de par
ticipar da iniciativa de seu lançamento.
Inspirando-me na velha tradição das trovas acadêmicas
das Arcadas, peço vênia (e perdão) ao leitor (e ao autor) para
colocar aqui também minha colher nesse mingau, dizendo:
“Penteado fala de flores
Nas ondas da Eldorado
Mas lembra que os corretores
Protegem o segurado”
Gabriel Jorge Ferreira*1
* Advogado, membro do Comitê de Auditoria do Unibanco, é Presidente
do Conselho de Administração do Fundo Garantidor de Créditos – FGC
e Diretor Presidente da Confederação Nacional das Instituições Financei
ras – CNF.
12.
13. 13
ALGUMAS PALAVRAS
Na era do efêmero, apenas uma coisa parece duradou
ra: a incerteza. O incerto ronda a aventura humana. À dú
vida metódica, necessária para se chegar à certeza, sucedeu
o império da dúvida sistemática. Já não basta a cada dia sua
própria aflição, pois o aflitivo é permanente. Os dogmas se
desconstroem, não existem definições satisfatórias. O século
21 começou turbulento e ambíguo. Na visão de Díez Picazo
os últimos anos foram de uma verdadeira revolução, capaz de
conquistar três infinitos: o infinitamente pequeno (o átomo),
o infinitamente grande (o cosmos) e o infinitamente complexo
(a informática).1
Concepção análoga à de Albert Einstein, que
denotara a explosão de três grandes bombas no século 20: a
bomba demográfica, a bomba atômica e a bomba das teleco
municações. Ou aquilo que já foi chamado o segundo dilúvio,
o das informações.2
1
Antonio García-Pablos Molina, Catedrático de Direito Penal da Universi
dade Complutense de Madrid. “Informatica y Derecho Penal”. In: Implica-
ciones sócio-juridicas de las tecnologias de la informacion”. Madrid: Citema
(Centro de la Informática, Telemática y Médios Afines), s.d., p.39.
2
Citado por Pierre Lévy. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 5ª reimpressão,
2005, p.13. A expressão ‘segundo dilúvio’ é de Roy Ascott, que Pierre
Lévy denomina um dos pioneiros e principais teóricos da arte em rede.
14. 14
No Brasil a situação é ainda mais intrincada. Aqui con
vivem, no mesmo espaço territorial, ilhas pré-medievais, me
dievais, modernas e pós-modernas. O arquipélago da impro
babilidade amedronta os ainda capazes de discernir. O porvir
é letargo, e ainda se acena com a produção de inteligências
artificiais superiores ao raciocínio humano.
Um dos signos desta era é a virtualidade. Baudrillard
constatou que “nada mais preserva o palco do real. Nada mais
nos preserva da obscenidade do virtual (da informação, da
transparência etc.). Não somos mais os autores do real, e sim
os agentes duplos do virtual”.3
O ciberespaço e a cibercultura
não tranqüilizaram o ser humano.
Submetido ao estresse crescente das atribulações, da vo
lúpia da velocidade com que o drama contemporâneo o re
quisita e com a paradoxal fragilidade de seu arcabouço físico,
o homem tenderia a desesperar-se, não fora a existência de
compensações para o seu desconforto existencial.
A crença é uma alavanca mantenedora do curso da vida.
A fuga para o hedonismo e o consumismo irrefreável é um alça
pão transitório. Mas a civilização criou mecanismos outros para
lenitivo da criatura que não quer se defrontar com sua finitu
de. O seguro é uma dessas instituições propiciadoras de alívio
à humanidade. Atenuar o fardo de suas adversidades é anseio
profundamente natural a qualquer ente da espécie humana.
Viver é trilhar uma estrada rumo ao desconhecido.
A cada momento escancara-se o surpreendente, e este nem
sempre amistoso. Os infortúnios, as perdas e os danos são os
companheiros mais encontradiços no percurso. Ao final do
caminho, a única infalibilidade: a morte.
3
Jean Baudrillard. Cool Memories III – Fragmentos 1991-1995. São Paulo:
Estação Liberdade, 2000, p.138.
15. 15
Se a História – observada ao longo do tempo – adquire
conotação de série de fatos inteligíveis, a história particular
de cada homem, por ele mesmo analisada, pode não guardar
coerência racional. É que
a história (do mundo, da vida, do homem) não pode ser
concebida como simples desenvolvimento de uma lógica se
encarnando nos fenômenos através do tempo, à maneira
hegeliana. De fato, a história é, em parte, hegeliana, mas é
também anti-hegeliana: fatos, acidentes, áleas modificam,
aceleram ou quebram os processos fenomenológicos, e
participam também da constituição de novos princípios.
Portanto, a história biológica, assim como a história humana,
é, não a de um desenvolvimento, e sim a de uma cascata de
desenvolvimentos. É uma história fragmentada, desordenada
e deslocada.4
Objeto da desventura, o ser humano – frágil caniço pen
sante – perde o prumo e o norte. Desvalido, compromete o
seu porvir e o de sua prole. O efeito nefasto do insucesso é
contaminador de múltiplos destinos.
Bem por isso, a sucessão de inesperados não pode colher
o homem desprevenido. Cumpre ao precavido aparelhar-se
para o enfrentamento da álea demolidora de suas estruturas.
A desestruturação econômica é suficiente a conduzir uma em
presa ou pessoa exitosa à ruína completa. Ruem os alicerces
psicológicos mantenedores de seu equilíbrio, de sua resistên
cia aos embates, de sua coragem para o reinício.
4
Edgar Morin. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p.15.
16. 16
O seguro é a alternativa ao caos. Apercebeu-se disso o
talento, a vivacidade e o espírito criativo de Antonio Penteado
Mendonça, o brasileiro mais inventivo no setor securitário. Nin
guém pode dispensar no Brasil de hoje de suas lições providas
de clareza e tecnicamente precisas. Não é singela a missão de se
comunicar com milhões de leitores e de se fazer compreendido
por todos. Pense-se em um Brasil permeado pela heterogenei
dade na escolarização, imagine-se um universo em que o anal
fabetismo funcional acomete razoável parcela da população, até
mesmo aquela provida de formação universitária.
Os ensinamentos de direito securitário ministrados por
Antonio Penteado Mendonça não padecem da monotonia tecni
cista professoral, tão característica ao hermetismo forense. Ao
contrário, atraem já a partir dos títulos dos artigos veiculados
nos maiores jornais do país. A denominação do texto enxuto,
preciso e instigante é um ímã ao qual não se consegue resistir.
Antonio Penteado Mendonça familiariza seus leitores
com temas em regra restritos a uma comunidade de iniciados.
Desmistifica o seguro, recompõe e clarifica seus conceitos,
remove equívocos e demonstra a essencialidade de se dispor
dessa proteção indispensável na contemporaneidade.
Sua destreza comunicativa se alia ao proveitoso domí
nio vernacular, e o resultado é um texto de singular fluência
atrativa. Lê-se com prazer, pois o interesse deflui da aborda
gem elegante e persuasiva. Conclui-se, a cada leitura, que o
seguro é a companhia amorável para mitigar a desdita. Bálsa
mo para a miserável condição terrena, refrigério disponível ao
previdente. Remédio para as calamidades das quais ninguém
se libera, pois conaturais ao mortal caminheiro do planeta.
Sendas novas e auspiciosas são abertas pelo tirocínio do
conselheiro capaz de oferecer as melhores salvaguardas. Não
17. 17
há espaço vedado à contratação do seguro, seja em relação às
catástrofes naturais, seja no pertinente aos resultantes da fa
libilidade humana. Os imprevistos de toda ordem podem ser
cobertos pelo manto protetor do amparo securitário.
O assunto que o tratamento insípido das preleções tra
dicionais tornava árido e desataviado, resplandece com to
nalidades novas. Dentre as quais não é a de menor relevo a
preocupação ética.
Ética, a matéria-prima de que o Brasil tanto se ressente,
encontrou o seu lugar nos ensinamentos diáfanos de Antonio
Penteado Mendonça. A opção pelo contrato de seguro é alter
nativa ética à inviável fuga das desgraças. Agrega à reanimante
convicção de se poder arcar com as procelas, o desafogo de
uma postura moral irrepreensível frente aos atingidos. O se
guro é um fator de ataraxia no mundo de tormentos a que a
categoria produtiva de bens e de valores está subordinada.
Essa fisionomia de seguro como instrumento harmoni
zador, pacificador, conciliador e a um tempo presentâneo e
acessível, deflui da ensinança irresistível de Antonio Penteado
Mendonça. É o elemento diferencial preordenado a conferir
condensação à promessa constituinte de edificar uma nação
fraterna, justa e solidária. A capacidade de assumir responsa
bilidades abrevia esse projeto por tantos considerado utópico.
A distinção dos estudos partilhados por Antonio Pentea-
do Mendonça o credencia a um galardão duradouro no elenco
dos doutrinantes verazes e destinados ao reconhecimento dos
coetâneos e dos pósteros.
José Renato Nalini
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e
Presidente da Academia Paulista de Letras.
18.
19. 19
A OPERAÇÃO DE SEGURO
O QUE É SEGURO
Ao contrário do que muita gente pensa, a operação de
seguro não é uma invenção inglesa, surgida no século 18, nas
mesas de um pub chamado Lloyd’s.
Muito pelo contrário, a operação de seguros é uma das
mais antigas – e a mais bem-sucedida – forma de proteção so
cial desenvolvida pelo homem. Para se ter uma idéia da idade
do conceito por trás desse tipo de contrato, o Código de Ha
murabi, uma das normatizações legais mais antigas de que se
tem notícia, já trazia entre suas disposições regras de proteção
muito semelhantes aos comandos das apólices modernas, va
riando apenas o objeto a ser protegido. Enquanto hoje o mun
do se preocupa com satélites, computadores, riscos ambientais
etc., na antiga Mesopotâmia visava-se proteger as caravanas,
os camelos e os animais em geral. No mais, até alguns tipos de
risco são os mesmos: enchentes, tempestades, roubo de mer
cadorias, saques, incêndios, tumultos etc., daquela época até
os nossos dias estão entre os riscos que têm rotineiramente
seguros à sua disposição.
20. 20
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
O conceito básico que norteia toda e qualquer operação
de seguro é a repartição de determinados prejuízos econômi
cos que afetam alguns membros de uma determinada socie
dade por todos os seus integrantes. Essa regra permanece
inalterada, desde os tempos da antiga Babilônia. A única di
ferença substancial entre o passado e o presente é que lá se
rateavam os prejuízos causados pela morte de parte dos ca
melos de uma caravana, e no mundo moderno se rateiam os
custos de um satélite que não entrou em órbita, ou do roubo
de veículos, ou da responsabilidade civil por um vazamento
de material tóxico.
É importante salientar que esse rateio só pode ser feito
entre titulares de riscos semelhantes. Não é factível segurar
objetos diversos contra riscos diferentes. Assim, a indenização
de um seguro de vida tem obrigatoriamente que ser rateada
entre os segurados de vida, ao passo que uma indenização por
roubo de veículo tem que ser rateada entre os segurados de
seguros de automóveis.
Na medida em que a operação de seguro tem na base o
rateio dos prejuízos de alguns segurados afetados por sinistros
entre a massa total de segurados, é imprescindível que os ris
cos garantidos pela companhia de seguros, em suas diferentes
carteiras, sejam semelhantes. Sem isso não é possível chegar a
um prêmio estatístico justo, porque os riscos sendo diferentes,
sua freqüência e o valor das indenizações também o serão.
Nem poderia ser de outro modo, já que um segurado que
paga prêmio para ter seu carro garantido contra roubo tem um
risco diferente daquele que paga prêmio para proteger-se de
danos causados a terceiros em decorrência de seu trabalho.
Toda essa quantificação tem na sua origem a lei dos
grandes números e a lei das probabilidades, com base nas
21. 21
T E M A S D E S E G U R O
quais são desenvolvidos os cálculos atuariais que determinam
o custo de cada seguro e a contribuição individual de cada
segurado, para a constituição de um mútuo destinado a fazer
frente às indenizações devidas aos segurados que venham a
ser atingidos por aquele determinado tipo de risco, para cuja
proteção foi criado o fundo comum.
A OPERAÇÃO DE SEGURO – 1
Desde o Código de Hamurabi, na antiga Mesopotâmia,
o homem se vale de regras muito próximas às dos seguros
atuais para proteger a sociedade organizada dos azares da vida
e da natureza. A base conceitual do seguro é a repartição dos
prejuízos de uns poucos por todos os componentes do grupo,
minimizando o impacto individual pela transferência do total
das perdas para a coletividade, proporcionalmente à capacidade
de cada um suportar custos extras, sem comprometer sua so
brevivência.
Essa operação é conhecida como mutualismo. Ela é a
soma das contribuições proporcionais aos riscos de todos os
integrantes de um grupo para fazer frente a sinistros que afe
tem alguns de seus membros, em função de riscos cobertos
pelas apólices. Em outras palavras, o mútuo é um grande fun
do, composto pelos prêmios pagos por todos os segurados,
destinados a indenizar os sinistros previstos nas apólices, que
afetem os integrantes do grupo.
Assim, o negócio de uma seguradora não é correr riscos,
mas assumir os riscos de seus segurados, com base em análises
as mais exatas possíveis, para dimensionar o custo de cada
garantia oferecida individualmente, levando em conta todo o
22. 22
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
grupo. Seguro é massa, é a soma de milhares de contribuições,
representadas pelos prêmios pagos por milhares de pessoas,
para terem seus riscos transferidos para uma companhia de
seguros, dentro de determinadas condições preestabelecidas e
previstas nas apólices.
Para a seguradora, o sinistro individual, desde que co
berto e com prêmio pago, é indiferente, porque o seu negócio
é justamente arcar com essas despesas, pagando as indeniza
ções de seus segurados.
Com o aumento da complexidade da atividade eco
nômica moderna, as seguradoras passaram a se defrontar
com riscos cada vez mais sofisticados e mais difíceis de se
rem dimensionados e assumidos de forma simples. Quer
pelo tamanho do objeto do seguro, quer pelo tamanho dos
sinistros possíveis, quer pela freqüência da sua ocorrência,
esses riscos passaram a demandar cuidados especiais, que
transformaram as seguradoras em empresas altamente espe
cializadas, capacitadas a assumi-los integralmente ou reten
do apenas um pedaço mínimo da obrigação de indenizar,
de acordo com sua capacidade de retenção e sua política de
aceitação de riscos.
Cada tipo de seguro é colocado num mútuo com ca
racterísticas próprias, destinadas a fazer frente aos sinistros
daquele tipo de seguro. São os ramos ou carteiras de seguros.
É por isso que os seguros de automóveis vão para a carteira de
automóveis e os seguros de incêndio vão para a carteira de in
cêndio ou de riscos diversos, dependendo do desenho da apó
lice contratada. Não seria possível calcular o prêmio correto
para um seguro de automóvel e outro de incêndio, aceitos na
mesma carteira. São realidades completamente diferentes, que
precisam ser tratadas de forma diferente. E como esses riscos
23. 23
T E M A S D E S E G U R O
são diferentes, as seguradoras têm mecanismos diferentes para
trabalhar cada um, através de diversas opções.
A OPERAÇÃO DE SEGURO – 2
Ao decidir atuar numa determinada carteira de seguro,
uma seguradora deve ter respostas para uma série de questões
extremamente importantes, para que chegue a um final feliz.
A primeira delas é se ela conhece o mercado em que pretende
atuar, porque, se não o conhecer, os riscos de lançar produtos
fora de sintonia com as aspirações dos segurados são grandes,
e isso pode inviabilizar o projeto, porque ninguém comprará
suas apólices. Mais grave ainda, ao atuar num segmento des
conhecido, a seguradora corre o risco de lançar produtos mal
dimensionados ou formulados com base em premissas erra
das, e aí o resultado da operação será, com certeza, o prejuízo,
e por um bom tempo, já que as apólices de seguros têm vigên
cia no mínimo anual.
Mas, além disso, é importante a companhia dimensio
nar qual a participação que ela deseja ter no risco aceito. Se
for um risco unitariamente pequeno, com baixa freqüência
de sinistros e grande potencial de segurados, pode ser interes
sante retê-lo integralmente. Porém, contratar planos de resse
guros pode representar transferência de tecnologia de ponta
para a seguradora, além de ser uma tábua de salvação impor
tante para alguém que deseja entrar num segmento novo e
desconhecido.
Como se vê, as decisões não são fáceis e envolvem variá
veis quase opostas, que, se adotadas de um ou de outro jeito,
terão impactos diferentes no resultado da empresa. É por isso
24. 24
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
que o marketing é – ou deveria ser – uma das principais ativi
dades de qualquer seguradora. Sem um conhecimento amplo
do setor visado e o planejamento estratégico adequado para
atacá-lo, uma companhia de seguros corre sérios riscos de in
solvência, independentemente do seu tamanho.
Aliás, justamente por essa gama de possibilidades, o ta
manho de uma seguradora não é tão importante, no momento
em que ela aceita um risco. Muito mais importante, especial
mente em riscos de grande porte, é a contratação dos planos
de resseguros que garantem o seguro e que são, na realidade,
quem fica com o grosso do risco. Por exemplo, a redução dos
limites de indenização nos seguros aeronáuticos, decidida de
pois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 aos Es
tados Unidos, não dependeu das seguradoras brasileiras, nem
é exclusiva para os aviões nacionais. Essa decisão foi tomada
pelos grandes pools de resseguros especializados nesses tipos
de riscos, preocupados com o tamanho dos prejuízos conta
bilizados depois dos ataques. Reduzindo o limite máximo das
indenizações, eles estão reduzindo sua exposição a catástrofes
como essa e, portanto, minimizando suas responsabilidades e
a possibilidade de prejuízos de vulto.
Como os limites das seguradoras nacionais não são sufi
cientes para reter riscos do porte de uma aeronave comercial,
elas são obrigadas a aceitar as condições impostas de fora para
dentro, porque quem realmente retém os riscos, ou seja, quem
paga as indenizações, são esses pools, cujos limites suportam
um acidente aéreo de grandes proporções.
Limiteéquantoumaseguradorapodereterdedeterminado
risco. Se, por um lado, a retenção integral de um automóvel
pode ser feita por praticamente qualquer seguradora, a mesma
regra pode não valer para os seguros de responsabilidade civil
25. 25
T E M A S D E S E G U R O
desse mesmo veículo. A retenção da companhia na carteira de
responsabilidade civil pode ser menor do que a importância
segurada pretendida por um segurado, e, aí, a seguradora é
obrigada a transferir o que exceder o seu limite para outra
seguradora ou para um ressegurador.
Essa transferência, obrigatória, visa proteger a segura
dora, limitando sua obrigação de indenizar a patamares com
patíveis com o que ela pode suportar, sem ficar abalada, em
função de seu tamanho.
A OPERAÇÃO DE SEGURO – 3
A principal garantia da solidez do mercado segurador
internacional é a sua capilaridade. Na medida em que as com
panhias de seguros são obrigadas a, no mínimo, respeitar os
seus limites de retenção, grande parte dos riscos acaba sendo
transferida para outras companhias que, por também terem
limites, os repassam para uma terceira leva de companhias
que, da mesma forma que as anteriores, os repassam para uma
quarta linha de empresas e assim sucessivamente, até o ris
co ser integralmente colocado, no número de seguradoras e
resseguradoras necessário para a sua absorção integral, sem
expor nenhuma delas a responsabilidades maiores do que as
de sua capacidade operacional.
Dando um exemplo para mostrar como isso funciona,
as operações de cessão de risco seriam muito mais sofistica
das, mas semelhantes às do jogo do bicho, onde as bancas
pequenas repassam para os grandes bicheiros os valores que,
caso muitos apostadores ganhassem, poderiam representar o
seu estouro.
26. 26
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
As operações de resseguro têm, em princípio, o mes
mo objetivo dos pequenos bicheiros. Todavia, dada a imensa
complexidade das atividades econômicas modernas, elas aca
baram se sofisticando para permitir às companhias de seguros
e às próprias resseguradoras, não apenas transferirem os seus
excedentes de responsabilidade, mas também desenvolverem
planos de proteção capazes de permitir uma rentabilidade mí
nima para suas respectivas carteiras, mesmo se afetadas por
altas taxas de sinistralidade.
Essa sofisticação faz a capilaridade do mercado atingir
patamares quase inacreditáveis para quem não está familiari
zado com a atividade. Por exemplo, um pedaço do seguro do
metrô de Moscou acabou chegando ao Brasil através de uma
operação de aceitação de risco do IRB Brasil Resseguros S.A.,
que é a empresa que ainda detém o monopólio do resseguro
no país.
É justamente por conta desse monopólio que o resseguro
aqui ainda é visto de forma muito elementar, já que a maioria
das seguradoras se vale basicamente de programas de resseguro
de cota e excedentes de responsabilidade. Num mercado onde
o resseguro fosse livre, essas operações poderiam ser com certe
za muito mais sofisticadas, permitindo que seguradoras de por
te pequeno competissem, até com vantagem, em função da sua
especialização, com companhias muito maiores.
Além disso, num mercado aberto seria possível, por
conta da competitividade existente entre as resseguradoras,
a aquisição de tecnologia de ponta por seguradoras que, sem
o amparo de resseguradoras modernas, não teriam como ter
acesso ao clausulado dessas apólices.
Mas se a capilaridade por si só já é uma ferramenta
fundamental para a preservação do mercado segurador
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internacional, ela não é a única. Além da obrigação de limitar
suas responsabilidades, as companhias de seguros têm também
o dever de constituir reservas técnicas para fazer frente ao seu
negócio, que é pagar sinistros.
Assim, com base nas estatísticas de sinistralidade das
diferentes carteiras das companhias de seguros, elas são obri
gadas a ter permanentemente separados, em contas especiais,
fundos dos quais são sacados os valores necessários para inde
nizar os sinistros, na medida em que estes vão sendo informa
dos pelos segurados.
Como se não bastasse, as companhias de seguros devem
ter capital e ativos compatíveis com as suas operações, e es
ses recursos, mesmo não comprometidos com as reservas, são
uma garantia adicional da sua capacidade para pagar os seus
sinistros.
Num sistema que fatura anualmente 2,3 bilhões de dó
lares, essas ferramentas são suficientes para preservar a solidez
das companhias bem gerenciadas e, conseqüentemente, a tran
qüilidade dos segurados, que têm a certeza de receber a inde
nização de seus sinistros.
SEGURO É NEGÓCIO E CONTRATO
A atividade seguradora não é instituição de caridade.
Ela é um negócio, com o objetivo do lucro, por isso tende
a ser eficiente e cumprir de forma satisfatória sua missão de
proteger e incentivar o desenvolvimento social.
Sendo negócio, a atividade segue as regras inerentes às
empresas que se dedicam a fazer negócios, mas, por ser negó
cio de caráter especial, segue, também, regras específicas, que
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a norteiam, fazendo dela um setor regulamentado por normas
especiais que interferem para dar desde a forma da constitui
ção das empresas até os parâmetros que determinam quem são
os que podem ou não participar, em que abrangência e com
que competência.
É assim que no Brasil as companhias de seguros são so
ciedades anônimas, incidindo sobre elas, de forma integral, a
legislação societária e fiscal inerente a esse tipo de empresa.
Mas, além de ser obrigatoriamente uma sociedade anô
nima, para que uma empresa possa ser seguradora, ela deve
preencher uma série de requisitos impostos por uma lei espe
cial que regulamenta o sistema nacional de seguros privados,
que determina desde o capital mínimo até a forma de atuação
e os ramos em que a companhia, dependendo de sua constitui
ção, pode ou não operar.
Ao contrário da imensa maioria das sociedades anônimas
que para iniciar suas atividades necessitam apenas os registros
previstos na legislação aplicável a elas, as seguradoras, antes
de serem autorizadas a vender suas apólices, precisam, além
de se constituírem como sociedades anônimas, provar a
subscrição de um capital mínimo determinado por norma
legal, obter autorização de funcionamento junto à SUSEP
(Superintendência de Seguros Privados), definir os ramos de
seguros e as unidades da Federação em que pretende atuar,
definir os limites técnicos e operacionais de cada ramo de
seguro, registrar-se no IRB Brasil Resseguros para efeito de
cessão dos resseguros e do recebimento da retrocessão, aprovar
os nomes de seus dirigentes junto à SUSEP, realizar um depósito
mínimo em conta vinculada no Banco do Brasil etc.
De acordo com a lei, apenas as companhias de seguros
estão autorizadas a aceitar riscos, contratar seguros e vender
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apólices. Dada a natureza de caráter fortemente social da ati
vidade, elas estão sujeitas a controles muito mais rígidos e a
uma legislação que vai além da legislação societária empresa
rial normal brasileira.
Uma seguradora, ao fazer um seguro, está se dispondo a
cumprir uma obrigação futura, que, em se materializando a si
tuação, se não for integralmente respeitada, pode causar dano
de vulto ao segurado que comprou dela uma apólice, imagi
nando se proteger, por estar transferindo para a seguradora a
responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes de
sinistros cujos eventos estão previstos e cobertos pelo seguro.
Se uma seguradora deixa de honrar o pagamento de
uma indenização devida, o segurado, que pagou adiantada
mente pelo direito de ter essa contrapartida, além do prejuízo
direto causado pelo sinistro que o atingiu, fica também sem
ter a quem recorrer para arcar com os custos para a recompo
sição de seu patrimônio, sendo obrigado a destinar parte de
suas reservas – se as tiver – para fazer frente a uma obrigação
que havia sido transferida para a companhia de seguros, em
virtude de um negócio formalizado através de um contrato.
Daí a importância da participação do poder público na
regulamentação e na fiscalização da atividade seguradora, e
daí a necessidade de todo negócio de seguro ser feito obriga
toriamente através de um contrato com regras extremamente
rígidas, a começar por ter nome: apólice de seguro. Sem que
haja uma apólice, não há um contrato de seguro, ou seja, não
há uma operação de seguro e, conseqüentemente, não há a
transferência da obrigação de arcar com os prejuízos causados
por um sinistro coberto do contratante para a contratada.
O contrato de seguro é um contrato de adesão regu
lado pelo Código Civil em capítulo especialmente dedicado
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a ele. Essa exclusividade que lhe é dada pela lei pertinente
não é mais do que a forma prática de se proteger as partes, já
que, pelas tipicidades da operação, tanto a seguradora como
o segurado podem causar dano ao outro, se não respeitarem
os pressupostos básicos e essenciais de um negócio que tem
no mutualismo sua base econômica, de onde são sacados os
recursos para o pagamento de indenizações decorrentes de
eventos futuros, aleatórios, previstos na apólice e que causem
prejuízo econômico ao segurado.
Assim, a apólice deve especificar os riscos cobertos, as
exclusões, bens sem cobertura e situações de perda de direito
à indenização com clareza, nos termos impostos pelo Código
de Defesa do Consumidor no que tange aos contratos de ade
são. Feito isso, as condições contratadas devem ser respeitadas
para não prejudicar o mútuo.
A RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Uma questão interessante para quem estuda os assuntos
ligados a seguros é a da responsabilidade da seguradora, ou
melhor, das responsabilidades da seguradora, já que, sendo
um contrato complexo, o contrato de seguro coloca mais de
uma responsabilidade no pólo da companhia de seguros.
Entre todas, sem dúvida a mais relevante é a responsabi
lidade contratual de pagar a indenização. Afinal, o pagamento
da indenização é a razão de ser do contrato de seguro, sua
essência e sua finalidade. Mas a companhia de seguros só é
responsável perante seu segurado em função de um contrato,
a apólice de seguro, que delimita a extensão dessa respon
sabilidade de acordo com seu clausulado e com os valores