Excesso dos valores de diárias no Executivo de Xanxerê
1. 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE XANXERÊ
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Procedimento nº 06.2013.00012689-2
"Valor excessivo das diárias do Legislativo e
executivo Municipal de Xanxerê"
Parte: Fernando Callfass - Presidente da Câmara
de Vereadores, Ademir José Gasparini - Prefeito
Municipal e Câmara Municipal de Vereadores de
Xanxerê
DESPACHO
Este inquérito civil público foi instaurado a partir de reclamação
popular dando conta dos altos valores das diárias nos Poderes Legislativo e
Executivo do Município de Xanxerê.
Para apuração detalhada dos fatos, realizou-se inicialmente
pesquisa na internet dos valores das diárias em outros órgãos públicos, ocasião
em que se obtiveram os seguintes dados1:
Órgão Exterior Brasília Fora Estado No Estado
Alesc R$ 1.237,66 R$ 770,00 R$ 770,00 R$ 670,00
MPSC Não há previsão R$ 350,00 R$ 260,00 R$ 170,00
TJSC R$ 756,00 R$ 614,00 R$ 560,00 R$ 362,00
Senado2 R$ 977,433 Não se aplica R$ 581,004 R$ 460,615
Câmara de
Deputados
R$ 1.292,28 Não se aplica R$ 611,00 R$ 611,00
Câm Xanxerê R$ 2.450,00 R$ 1.610,00 R$ 980,00 R$ 980,00
Pref Xanxerê R$ 2.450,00 R$ 1.610,00 R$ 980,00 R$ 980,00
Pref. Erechim R$ 1.172,00 R$ 879,00 R$ 879,006 R$ 586,00
1
Cotação para conversão de dólares e euros na data de hoje: US$ = R$ 2,3496; € = 3,257
2
Valores para senadores.3
Para viagens à América do Sul o valor é de R$ 829,41.4
O valor se refere a diárias para cidades com mais de 200 mil habitantes.5
O valor se refere a diárias para cidades com menos de 200 mil habitantes.6
Exceto Paraná e Santa Catarina, em que a diária é de R$ 732,50.
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Como se observa, as diárias dos vereadores e prefeito de
Xanxerê eram, até este momento, mais que o triplo do valor das diárias dos
desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina para o exterior e
2,62 vezes maiores que dos mesmos desembargadores para a Capita Federal.
Dentro de Santa Catarina, a diária dos vereadores e do prefeito é 2,7 vezes
maior que a diária dos desembargadores. E, em todos os casos (exterior ou
no Brasil), as diárias são maiores que as diárias concedidas ao
Presidente da Câmara, da República e do Senado Federal!!!
Diante de tamanho absurdo, e atendendo a orientação verbal
do Ministério Público, a Câmara de Vereadores prontamente reconheceu a
irregularidade e reduziu os valores das diárias para patamares mais aceitáveis.
Conforme a Resolução nº 30/2013, passou a viger a seguinte
tabela para o presidente da Câmara e para os vereadores, bem mais adequada
aos valores de mercado:
Órgão Exterior Brasília Fora Estado No Estado
Câm. Xanxerê R$ 682,00 R$ 553,00 R$ 505,00 R$ 342,00
A mesma orientação foi objeto de reunião com o Prefeito
Municipal, Ademir José Gasparini, que esteve acompanhado do assessor
jurídico, dr. Anacleto Listoni.
Todavia, em resposta, Sua Excelência informou ter realizado
simulação de reserva de hoteis e valores de alimentação, informando entender
razoável fixar em R$ 1.540,00 a diária para Brasília e R$ 840,00 para
Florianópolis, ou seja, ainda mais que o dobro dos valores das diárias de
deputados estaduais, federais, senadores e desembargadores. E, para
justificar os altos valores, afirmou que incide imposto de renda sobre os valores
das diárias.
Inicialmente, deve-se lembrar que diárias são "rendimentos
isentos e não tributáveis", de acordo com o art. 6º, II, da Lei nº 7.713/88, de
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modo que é no mínimo equivocada a afirmação do Prefeito de que incide IRRF
no patamar de "27,5% sobre a verba em questão".
Além disso, analisando os dados apresentados, notadamente os
orçamentos, e realizando por conta própria novos orçamentos, verifico que os
dados apresentados não são absolutamente fieis.
Na média entre onze hotéis da Capita Federal, dentre eles o
Hotel Royal Tulip, em que se hospedou o Prefeito Municipal nas últimas viagens
a Brasília, a média é de R$ 322,55.
Hotel Brasília
St. Paul Plaza R$ 255,00
Brasília Palace R$ 280,00
The Sun R$ 260,00
Saint Moritz R$ 290,00
Manhattan Plaza R$ 305,00
Nobile Suítes R$ 319,00
Kubitschek Plaza R$ 495,00
Metropolitan Flat R$ 250,00
Bonaparte Bluepoint R$ 351,00
Royal Tulip R$ 380,00
Mercure Brasília R$ 359,70
MÉDIA R$ 322,55
Na média entre seis hotéis, inclusive alguns de luxo (mas não
tão luxuosos quanto o Hotel Boutique Quinta das Videiras, do orçamento
apresentado pelo Prefeito), em Florianópolis, a média de preços é de R$
215,74.
Hotel Florianópolis
Mercure Centro R$ 202,45
Cambirela R$ 148,00
Slaviero Executive R$ 196,00
InterCity Premium R$ 219,00
Blue Tree Towers R$ 240,00
Majestic R$ 289,00
MÉDIA R$ 215,74
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Logo, a média de R$ 580,00 para Brasília, e de R$ 408,00 para
Florianópolis, apresentada pelo Prefeito Municipal, é incrivelmente elevada.
Mas o mais grave é verificar que nos orçamentos o Executivo
Municipal informou a média de gastos de alimentação em R$ 180,00 por dia
em Brasília e R$ 240,00 para Florianópolis.
Analisando os documentos apresentados, observo que não se
trata de qualquer alimentação, mas de refeições nos mais luxuosos
restaurantes das duas capitais. Em Florianópolis, os orçamentos chegam a
incluir o restaurante Ponta das Caranhas e Recanto dos Brunidores, este último
o restaurante escolhido para as refeições da multimilionária pop star Paris
Hilton, no Carnaval de 2014. Em Brasília, um dos orçamentos traz o restaurante
Figueira da Villa La Parrilla, em que uma salada de palmito, alface e tomate com
molho custa R$ 33,00.
Pois bem.
No direito brasileiro, a noção de moralidade administrativa já é
antiga. Data de 1974 o célebre estudo de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho,
que desde então já discernia legalidade de moralidade, e compreendeu
corretamente que a moralidade exige mais que a simples legalidade. Indagava-
se à época o jurista, professor catedrático de direito Administrativo da UFPR:
"Bastará a legalidade para justificar toda a ação do poder administrativo? Não
haverá além da legalidade outras regras capazes de impor limitações à
Administração?" (O Controle da Moralidade Administrativa, 1974, p. 3).
Para o autor, "muito embora não se cometam faltas legais, a
ordem jurídica não se justifica no excesso, no desvio, no arbítrio, motivações
outras que não encontram garantia no interesse geral, público e necessário" (O
Controle da Moralidade Administrativa, 1974, p. 18 e seguintes).
A conclusão é bem conhecida: "A legalidade, sem dúvida, é
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uma qualidade daquele ato que se conforma com a lei. Não há como separar,
no conceito, nem como distinguir facilmente, o moral do jurídico. No entanto,
não é só a lei que deve ser lembrada, mas também a regra que manda
a Administração agir conforme o direito" (p. 36). E mais adiante: "A lei
não é só o texto, mas o contexto também. Porque na essência dos
mandamentos legais deve estar o princípio ético, ao menos uma
exigência moral, a de justiça" (p. 37).
A jurisprudência atual vem reconhecendo a ocorrência de
improbidade administrativa no excesso de pagamento de diárias. Recentes
julgados dos tribunais brasileiros consideraram ocorrer improbidade
administrativa neste caso:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. DIÁRIAS. VICE-PREFEITO MUNICIPAL.
DESVIO DE FINALIDADE. Verificado o excesso de
diárias de viagem recebidas pelo réu durante o
período de seu mandato, sem que haja prova de que
os cursos e eventos a que compareceu tenham revertido
em benefício público, revelando inegável desvio de
finalidade. SANÇÕES DO ART. 12 , III , DA LEI Nº
8.429/92. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. Inexiste
vedação à cumulação das sanções previstas no art. 12 da
Lei nº 8.429/92. A regra contida no parágrafo único do
dispositivo legal deve balizar a quantificação da sanção,
entre o mínimo e o máximo legalmente previstos. APELO
PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70046652756, Segunda
Câmara Cível - Serviço de Apoio Jurisdição, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado
em 12/06/2013).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO
ESPECIFICADO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. PRELIMINARES. NULIDADE DA
SENTENÇA POR ULTRA PETITA. DESCABIMENTO.
APLICABILIDADE DA LEI N. 9.429/92 A AGENTES
POLÍTICOS. VEREADORES. RECLAMAÇÃO N. 2.138/DF
QUE PRODUZ EFEITOS APENAS INTER PARTES. DIÁRIAS
DE VIAGEM. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS.
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DESORGANIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES.
AUSENTE COMPROVAÇÃO DE DOLO OU MÁ-FÉ.
EXCESSO DE DIÁRIAS CONFIGURADO. DESVIO DE
FINALIDADE. ARTIGO 11, INCISO I, DA LIA.
CUMULAÇÃO DE SANÇÕES. POSSIBILIDADE. APELO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDO.
APELO DO RÉU JAIRO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº
70035541580, Segunda Câmara Cível - Serviço de Apoio
Jurisdição, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo
Torres Hermann, Julgado em 14/08/2013).
APELAÇÃO CÍVEL - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -
PAGAMENTO DE DIÁRIAS EM EXCESSO - DESVIO
DA COISA PÚBLICA - CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS
SEM OBSERVÂNCIA DO PROCESSO LEGAL - OFENSA AOS
PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, LEGALIDADE E
IMPESSOALIDADE - RAZOABILIDADE NA APLICAÇÃO DA
PENALIDADE - IMPROVIMENTO DO APELO -
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - DECISÃO UNANIME (TJSE,
AC nº 5067/2009, Processo nº 2009210326, Acórdão nº
2011143, rel. Des. Elvira Maria de Almeida Silva, j.
17.1.2011).
No Mato Grosso, recentemente, vereadores que receberam
diárias de R$ 1.180,00 para viagens fora do Estado (27% menores que as do
prefeito de Xanxerê) e de R$ 590,00, dentro do Estado (40% menores que as
do prefeito de Xanxerê) foram processados por improbidade administrativa.
Na decisão de recebimento da inicial, a Juíza Joseane Carla
Viana Quinto chegou a citar trecho de decisão do Tribunal de Contas do Mato
Grosso, em que o Conselheiro relator registrou o seguinte: "Fico indignado
com o que constato nessas contas. O valor fixado para o custeio da
diária desse poder legislativo para viagens dentro do Estado é de R$
590,00 e para fora dele é de R$ 1.180,00. Vejo que o princípio da
economicidade, da razoabilidade, da prudência e acima de tudo, do
respeito ao cidadão são coisas de outro mundo” (TJMT, Comarca de
Cáceres, Ação de Improbidade Administrativa nº 4771-69.2013.811.0006, Juíza
Joseane Carla Viana Quinto, 24.2.2014).
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Logo se observa, por qualquer enfoque que se dê à matéria,
que tanto doutrina, quanto jurisprudência e até mesmo os tribunais de contas
consideram contrário à moralidade administrativa o pagamento de diárias em
valores tão exorbitantes quanto os fixados atualmente no Executivo Municipal.
Tais fatos, portanto, configuram a improbidade administrativa
do caput dos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/92 e sujeitam o prefeito municipal às
seguintes sanções: "perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de
multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos".
Diante do exposto, entendo que a proposta de redução
apresentada é inadmissível e fere mortalmente os princípios da moralidade
administrativa, da honestidade e da imparcialidade, razão pela qual determino
que se dê ciência ao senhor Prefeito Municipal do teor deste despacho, e
RECOMENDO, no prazo de 15 dias, a adequação da tabela de diárias aos
exatos valores da Resolução nº 30/2013, da Câmara de Vereadores de
Xanxerê.
Requisite-se também relatório analítico com os valores, datas,
destinos e duração das viagens, relativamente a todas as diárias pagas ao
Prefeito e ao Vice-Prefeito Municipal desde 1º de janeiro de 2013, dados que,
juntamente com a postura diante desta recomendação, serão utilizados para
aferir o elemento subjetivo de eventual ato improbidade.
Xanxerê, 11 de março de 2014
Eduardo Sens dos Santos
Promotor de Justiça