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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA



Processo nº 080.11.003784-7/00000
Anulatória de Débito Fiscal
SIG nº 08.2011.413818-0
Parte principal: Navajo Veículos Ltda




                Meritíssima Juíza,

                A empresa Navajo Veículos Ltda. requer a anulação do ato
administrativo do Procon de Xanxerê que lhe aplicou multa por infringência ao
Código de Defesa do Consumidor.

                Afirma ter o Procon reconhecido, em processo administrativo,
que um consumidor foi lesado em negócio jurídico entabulado com a autora.
Todavia, em seu entender, a decisão do Procon lhe retira o direito de acesso à
Justiça. Argumenta que compete privativamente ao Poder Judiciário tutelar o
direito de uma das partes em detrimento de outra.

                Alega ter sido negada a realização de perícia no veículo objeto
da infração administrativa e que "a tanto não se pode permitir alcance o órgão
de defesa do consumidor poder" (fl. 8).

                Em    sua   contestação,   o   Município   de   Xanxerê   requer
preliminarmente a suspensão do feito enquanto tramita apelação em ação
semelhante. Alega, no mérito, que negar ao Procon o direito de aplicar multas


                                                                               1
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quando constatado descumprimento de regras do direito do consumidor
equivale a negar-lhe existência, rebatendo, no mais os argumentos da autora.

                 É a síntese necessária.

                 1) Entende o Ministério Público que a preliminar não possa ser
acolhida. Se, de fato, as ações são semelhantes, não é por outro lado possível,
diante das regras de direito processual civil em vigor, a união das ações.

                 É que, no caso dos autos, já houve sentença na ação com a
qual se alega conexão. Logo, não é possível reunirem-se as ações, já que uma
tramitará no tribunal de justiça e outra no juízo de primeiro grau.

                 2) No mérito, o Ministério Público acompanha os argumentos
do Município de Xanxerê.

                 2.1) Inicialmente, diga-se que todo o sistema de proteção e
defesa do consumidor, no Brasil, como de resto em diversos países organizados
do mundo, está centrado, prioritamente, na Administração Pública.

                 De fato, não parece razoável exigir que toda e qualquer
demanda consumerista seja apenas resolvida no Judiciário. Esta prática, que
postula a autora, tem a gravíssima consequência de assoberbar os juízes com
ações de diminuta importância, como as que se vêem rotineiramente nos
Juizados Especiais Cíveis. Nestas causas, como vem sendo evidenciado, no
mais das vezes o juiz não passa de órgão de proteção dos direitos dos
consumidores, justamente porque, ao contrário do que exige o Código de
Defesa do Consumidor, retira-se da Administração o poder/dever de intervir
nestas relações de consumo.
                                                                               2
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                 Basta ler o Código de Defesa do Consumidor e o Decreto nº
2.181/97, considerado o primeiro uma das leis mais avançadas do país, para se
ter clara ideia do que se pretende demonstrar aqui: no Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor os órgãos a que se deve deferir maior poder são,
indubitavelmente, os Procons.




                 Isso porque, em tema de direito do consumidor, vigem
princípios que conferem maior equilíbrio nas relações contratuais de consumo à
parte fragilizada, ou seja, justamente ao consumidor. Ora, se é assim, é
evidente que, em tema de direito do consumidor, as demandas devem ser
resolvidas da forma mais célere e menos burocrática possível, sempre
causando o mínimo de custos ao consumidor (art. 6º, VIII, do CDC).

                 Logo, exigir do consumidor lesado por ação do fornecedor que
só tenha acesso à proteção contratual no Judiciário (que exige o pagamento de
custas, a contratação de advogado, o pagamento de perícias) é evidentemente
negar "a facilitação da defesa de seus direitos", direito básico previsto no art.
6º do Código.

                 Fragilizar o Procon, portanto, é a um só tempo fragilizar o
consumidor e fragilizar o próprio Judiciário. Com milhares de demandas que
poderiam e teriam sido resolvidas pelos Procons, o Judiciário se fragiliza porque
dispenderá seus recursos justamente numa função que não é (e não deve ser)
sua: proteger o consumidor.

                 Tão certo é o argumento que, veja Excelência!, os princípios

                                                                               3
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consumeristas que vigem no Brasil certamente conferirão razão à pretensão do
consumidor. Por que motivos, então, exigir que seu direito seja satisfeito
apenas através da custosa máquina judiciária, quando poderia e deveria ser
imediata e integralmente satisfeito pelo próprio fornecedor?

                 Quem conheça a experiência de países estrangeiros sabe do
que se está falando. Onde se preza pelos direitos dos consumidores, como, por
exemplo, nos Estados Unidos da América, no Canadá ou na Alemanha, não há
ações judiciais para que um fornecedor respeite o direito de seu consumidor.
Basta, em geral, que o consumidor dirija sua pretensão diretamente ao
fornecedor para receber o que lhe é de direito: a devolução do dinheiro ou um
produto em perfeito estado.

                 Por que isso ocorre lá e não ocorre aqui? Porque lá, caso não
reconheça o fornecedor o direito do consumidor, os órgãos de proteção e
defesa do consumidor farão o que fez o Procon de Xanxerê: aplicarão
multas que dissuadirão o fornecedor de novas violações.

                 O que se vê aqui não é diferente. Pela simples leitura das
peças que acompanharam a inicial já se percebe que o consumidor está com
toda a razão. Comprou um Vectra zero quilômetro que começou a apresentar
falhas mecânicas constantes e – ao contrário do que exige o art. 18 do CDC –
não teve o produto substituído pelo fornecedor.

                 Ora, se está com toda a razão, não é demais concluir que esta
ação só visa a procrastinar o reconhecimento do direito do consumidor: receber
o dinheiro de volta ou ter o produto substituído por outro da mesma espécie,
em perfeitas condições de uso.

                                                                             4
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                    2.2) Bem por isso não se pode afirmar, como o faz a autora,
que a atuação do Procon lhe retirou o acesso à Justiça.

                    São coisas completamente distintas: a aplicação de multa por
descumprimento de norma consumerista e a obrigação civil de substituição do
produto por outro.

                    O Procon em momento algum determina à autora que devolva
o dinheiro ou que substitua o produto por outro. Aliás, à fl. 31 consta
expressamente que o Procon orientou o consumidor "para que procure a
Justiça para buscar o ressarcimento de seus valores".

                    O Procon, como órgão administrativo que é, simplesmente
aplicou    sanção     administrativa   pelo   descumprimento    de   uma    norma
administrativa de direito do consumidor (art. 13, XXIV, do Decreto nº
2.181/97).

                    A levar o raciocínio da autora adiante, a Vigilância Sanitária,
por exemplo, órgão administrativo, jamais poderia aplicar multa para
estabelecimento que operasse sem alvará sanitário em prejuízo de vizinhos.
Deveria provocar o Judiciário para que o estabelecimento realizasse as
adequações, sob pena de ser acusada de "obrigar uma das partes a se
submeter á decisão que atende o reclamo da outra" (fl. 8)

                    Noutro exemplo, a Polícia Militar não poderia remover ou
multa veículo estacionado defronte a garagem. Alegaria a autora que tal
conduta equivaleria a obrigar uma das partes a se submeter à decisão que
atende o reclamo da outra" (fl. 8).

                                                                                 5
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                    Na verdade, Excelência, basta substituir hipoteticamente a
multa    aplicada     pelo    Procon     por    qualquer     outra    multa     por    infração
administrativa rotineiramente aplicada no país para verificar que é, na verdade,
absurdo o entendimento da autora. A aplicação de multa por infração
administrativa sempre prescinde de atuação judicial, justamente porque a
Administração goza da prerrogativa da auto-executoriedade dos atos
administrativos1.

                    Logo, confundir a obrigação de fazer (substituir o veículo) com
a obrigação de pagar multa por infração administrativa é forçar o raciocínio
para levar ao esvaziamento do principal órgão de proteção do
consumidor: o Procon.

                    2.3) A alegada negativa de perícia também não convence.

                    Empresa com o poder econômico que tem a autora,
certamente poderia ter instruído sua defesa administrativa com a perícia que
quisesse. Não era necessário ao Procon nomear perito.

                    Além disso, conforme ficou claro da absurdamente desidiosa
contranotificação extrajudicial que apresentou ao consumidor (fl. 78), que
serviu de substrato para a defesa administrativa (fl. 95), a empresa em
momento algum requereu a realização de perícia. Aliás, não requereu a


1
  Recorde-se a velha lição de Hely Lopes Meirelles: "o poder de polícia seria inane e ineficiente
se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência
à ordem legal da autoridade competente".
 "Estas sanções, em virtude do princípio da autoexecutoriedade do ato de polícia, são impostas
e executadas pela própria Administração em procedimentos administrativos compatíveis com as
exigências do interesse público." (Direito administrativo brasileiro, 10 ed. atual., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984, p. 100-1).
                                                                                                6
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realização de perícia e sequer apresentou proposta mais adequada ao
consumidor, coisa que podia e devia ter feito. Disse laconicamente que estava
à disposição para "verificar eventuais ocorrências".

                  Logo, o processo administrativo respeitou integralmente o
contraditório e a ampla defesa, não havendo qualquer nulidade a ser declarada.

                  3) Sabe-se que, em outros casos da Comarca de Xanxerê, o
Tribunal de Justiça de Santa Catarina vem adotando o entendimento da autora.

                  Não pode, todavia, o Ministério Público concordar.

                  Veja-se que toda a tradicional jurisprudência do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina é no sentido de que "existindo reclamação do
particular   ao   PROCON     e   tendo   sido   observado   o   devido   processo
administrativo, é lícita a imposição de multa à instituição financeira que efetua
cobrança de tarifa de emissão de boleto bancário" (Apelação Cível em Mandado
de Segurança n. 2009.030845-3, de Caçador).

                  Outro caso ficou assim ementado:


                        APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. CONSUMIDOR
                     QUE CONTRATOU PLANO DE TELEFONIA COM DESCONTO
                     PROMOCIONAL POR 24 (VINTE E QUATRO) MESES.
                     DESCUMPRIMENTO DO PRAZO ESTABELECIDO NO
                     CONTRATO     PELA   OPERADORA    DE   TELEFONIA.
                     RECLAMAÇÃO REALIZADA JUNTO AO PROCON. ÓRGÃO
                     QUE,    APÓS    INSTAURAÇÃO      DE   PROCESSO
                     ADMINISTRATIVO, APLICOU PENALIDADE. MULTA
                     DEVIDA. VALOR ARBITRADO EM CONSONÂNCIA COM OS
                     PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.
                     FIXAÇÃO MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA
                                                                                7
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                      FIXADA ADEQUADAMENTE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS
                      QUE INDIQUEM A NECESSIDADE DE MINORAÇÃO.
                      RECURSO DESPROVIDO.
                          Conquanto bastante delicada a discussão em torno do
                      tom confiscatório das penalidades administrativas, é
                      insofismável que sua aplicação deve pautar-se por um
                      mínimo de razoabilidade. No caso, a imposição de pena
                      pecuniária, tem por base os parâmetros adotados pelo
                      CDC, que varia entre 200 UFIRs e 3.000.000 UFIRs. Tendo
                      a decisão aplicado valor adequado, a manutenção da multa
                      é medida que se impõe (Apelação Cível n. 2010.073859-5,
                      de Balneário Camboriú).
                   Todavia, ao julgar outros casos da Comarca de Xanxerê, o
Tribunal de Justiça de Santa Catarina abandonou esta jurisprudência e decidiu
que "O PROCON não tem legitimidade para impor, sob ameaça de aplicação de
multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes. A
solução de litígio com a obrigatoriedade de submissão de um dos litigantes à
decisão que favorece a outra parte é prerrogativa da jurisdição, cujo exercício
incumbe exclusivamente ao Poder Judiciário. A não observância deste
postulado implica obstáculo ao acesso à Justiça (CF, art. 35, inc. XXXV) e
configura o exercício da autotutela fora dos casos autorizados em lei" (Apelação
Cível n. 2007.030212-5, de Xanxerê).




                   Na verdade, como se observa claramente da decisão
administrativa de fl. 26 a 31, em momento algum o Procon impõe, sob a
ameaça de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter
partes. O Procon simplesmente aplica multa por infringência a norma de
proteção do consumidor.


                                                                              8
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

                 O fato de esta norma de proteção do consumidor ter, como
efeito reflexo, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes
não desfigura o poder administrativo do Procon em aplicar a multa.

                 Os exemplos já citados são clara prova disso. Um morador
prejudicado pelo lixo constante do prédio vizinho, que ameace ruir, poderia
propor ação demolitória (art. 888, VIII, do Código de Processo Civil).

                 Se, todavia, a Vigilância Sanitária (órgão administrativo, tal
qual o Procon) notificasse o vizinho a proceder à limpeza do prédio e o
secretário de obras (órgão também administrativo, tal qual o Procon)
determinasse a demolição da obra irregular, jamais se alegaria serem partes
ilegítimas para imporem uma obrigação (que é também individual e também é
inter partes), de uma parte em favor da outra. E estas notificações, bem se
sabe, são diárias e rotineiras em qualquer município organizado.

                 Por que motivos, então, se pretende proibir o Procon de fazer
o mesmo, ou seja, de simplesmente exercer suas atribuições administrativas?
Evidentemente, com o devido respeito, a decisão acima citada parece destoar
do sistema de direito administrativo brasileiro. E o pior: em detrimento do já
altamente fragilizado consumidor brasileiro.

                 Agora talvez se compreenda melhor a argumentação trazida
no item 2.1 desta manifestação. Imagine-se se, como declarou o acórdão
transcrito, que um órgão administrativo como a Vigilância Sanitária não tenha
"legitimidade para impor, sob ameaça de aplicação de multa, o cumprimento de
obrigação de natureza individual inter partes". Imagine-se se, como declarou o
acórdão, a Polícia Militar não tenha "legitimidade para impor, sob ameaça de

                                                                             9
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aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter
partes". Imagine-se se a Cidasc não tenha "legitimidade para impor, sob
ameaça de aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza
individual inter partes".

                  Nesta situação, qualquer remoção de entulho ou limpeza de
terreno baldio seria objeto de ação judicial. Qualquer remoção de veículo que
prejudicasse a circulação de outro veículo seria objeto de ação judicial.
Qualquer ação de proteção sanitária relativa a animais, em proteção de uma
outra propriedade, seria objeto de ação judicial. E, como é óbvio, a vingar o
entendimento da autora, o Judiciário se transformará em Administração,
deixando sem atendimento as verdadeiras demandas para as quais foi
incumbido pela Constituição.

                  4) No Rio Grande do Sul a jurisprudência vem abonando a
posição aqui adotada pelo Ministério Público:

                        APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS.
                     PROCON. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APLICAÇÃO DE
                     MULTA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM
                     CONTA CORRENTE. COBRANÇA DE TARIFAS. AUSÊNCIA
                     DE PROVA DO PACTO. CDA. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E
                     LIQUIDEZ. MULTA APLICADA. REQUISITOS DO ARTIGO
                     57, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
                     OBSERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE,
                     PROPORCIONALIDADE    E    LEGALIDADE.  (AC  nº
                     70034281642).


                        ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. PROCON. VÍCIO
                     DE QUALIDADE DO PRODUTO. ART. 18, CDC.
                     RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 3º, CDC, E
                     CONCEITO DE FORNECEDOR.
                                                                           10
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             Em se tratando de vício do próprio produto, quem
         comercializa o bem é responsável solidariamente, na forma
         do art. 18, CDC, inaplicáveis à hipótese previsão dos
         artigos 12 e 13 do referido diploma legal, já que estes
         tratam de danos causados pelo produto ou serviço, o que é
         inteiramente distinto à hipótese dos autos.
             MULTA. ARTIGOS 56 E 57, CDC. LEGISLAÇÃO
         MUNICIPAL. GRADUAÇÃO.
             Afigura-se razoável e proporcional, não fosse seu
         estofo legal, a imposição de multa que considera a
         dimensão da fornecedora e a gravidade da sua conduta, só
         superada com intervenção judicial, não se podendo falar,
         ainda, em qualquer anomalia na legislação municipal (AC
         nº 70040892929)

   Do corpo deste acórdão se colhe:
             "E não há como excluir o comerciante que faz a venda
         do produto, notadamente, como no caso da apelante, pela
         sua dimensão e volume de vendas – fato notório, art. 334,
         I, CPC – dispõe de evidentes condições para interferir junto
         ao fabricante, não sendo episódico o seu relacionamento
         com este último.

            Aliás, nada mais significativo do que ter a ré trocado o
         bem. Por certo, mediante intervenção judicial. Mas, de
         qualquer sorte, demonstrando que poderia ter realizado a
         substituição do produto defeituoso.

              Cumpre, neste tema, por fim, dizer que outra não é a
         jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se
         pode ver do REsp nº 547.794-PR, MARIA ISABEL
         GALLOTTI:

            RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO
         CONSUMIDOR. VEÍCULO NOVO. AQUISIÇÃO. DEFEITOS
         NÃO SOLUCIONADOS DURANTE O PERÍODO DE
         GARANTIA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE.
         RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO
         FORNECEDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DO CDC.
                                                                  11
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        DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. FLUÊNCIA DO PRAZO A
        PARTIR DO TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL.
            1. Diversos precedentes desta Corte, diante de
        questões relativas a defeitos apresentados em veículos
        automotores novos, firmaram a incidência do art. 18 do
        Código de Defesa do Consumidor para reconhecer a
        responsabilidade solidária entre o fabricante e o
        fornecedor.
            2. O prazo de decadência para a reclamação de vícios
        do produto (art. 26 do CDC) não corre durante o período
        de garantia contratual, em cujo curso o veículo foi, desde o
        primeiro mês da compra, reiteradamente apresentado à
        concessionária com defeitos. Precedentes.
            3. Recurso especial provido para anular o acórdão
        recorrido.

           E do REsp nº 912.772-RS, ALDIR PASSARINHO:

            CIVIL E PROCESSUAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO
        CPC. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REPARO DE
        VEÍCULO NOVO. DEFEITOS DE FÁBRICA. EXECUÇÕES
        INADEQUADAS.        SUCESSIVAS     TENTATIVAS        PELA
        CONCESSIONÁRIA. ILEGITIMIDADE AFASTADA. ART. 18
        DO     CDC.    RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO
        FABRICANTE E DO FORNECEDOR. SUBSTITUIÇÃO POR
        VEÍCULO NOVO. ART. 18. § 1º, I, DO CDC. OPÇÃO DO
        CONSUMIDOR. DANO MORAL CONCEDIDO PELAS
        INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSOS ESPECIAIS QUE
        DISCUTEM       O     INCABIMENTO.      AUSÊNCIA       DOS
        PRESSUPOSTOS ENSEJADORES DO DANO MORAL.
        EXCLUSÃO.
            I. Não há violação ao art. 535 do CPC quando a
        matéria impugnada é devidamente enfrentada pelo
        Colegiado de origem, que dirimiu a controvérsia de modo
        claro e completo, apenas de forma contrária aos interesses
        da parte.
            II. "Comprado veículo novo com defeito, aplica-se o
        art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não os
        artigos 12 e 13 do mesmo Código, na linha de precedentes
                                                                 12
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

                  da Corte. Em tal cenário, não há falar em ilegitimidade
                  passiva do fornecedor" (REsp nº 554.876/RJ, 3ª Turma,
                  Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, DJU de 17/02/2004).
                      III. Devida a indenização por dano moral, porém em
                  valor inferior ao fixado, de modo a evitar enriquecimento
                  sem causa.
                      IV. Cabe ao consumidor a escolha entre a substituição,
                  a restituição do preço, ou o seu abatimento proporcional
                  em tais hipóteses - art. 18, § 1º, I a III, da Lei n.
                  8.078/1990. Precedente.
                      V. Recursos especiais conhecidos em parte e, nessa
                  extensão, parcialmente providos.
                      [...]

                      O descaso com o consumidor, ao não ser efetuada a
                  troca do refrigerador defeituoso, resta incontroversa nos
                  autos. Demais disso, o Código de Defesa do Consumidor,
                  em seu artigo 6º, incido VIII, ressalva a facilitação da
                  defesa dos direitos do consumidor por meio da inversão do
                  ônus da prova, quando hipossuficiente. Ou seja, cabia à
                  demandante comprovar que as alegações do consumidor
                  não condiziam com a verdade.

                      Gize-se que os atos da Administração Pública possuem
                  presunção de veracidade, elidível por contraprova, que não
                  aportou aos autos. Quanto aos atos administrativos,
                  leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro2:

                      A presunção de legitimidade afirma que o ato está em
                  observância, de acordo com a lei, até que se prove o
                  contrário. Já a de veracidade se relaciona com os fatos. Em
                  decorrência dele, presumem-se verdadeiros todos os fatos
                  alegados pela Administração Pública. Assim, os
                  documentos fornecidos pela Administração são dotados de
                  fé pública.”

                       Com       efeito,    inexiste      qualquer   arbitrariedade,

2
    Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.187
                                                                                 13
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

         encontrando-se nos autos a memória de cálculo e sua
         justificativa (fls. 55 e 137), devidamente autorizada a
         imposição pela Administração Municipal, com base em
         legislação que nada apresenta de estranho ou anormal (fl.
         133), assegurada a ora apelante oportunidade para sua
         impugnação (fls. 130 a 132), o que não fez.

             No mais, há de se considerar, na forma do art. 57,
         CDC, a envergadura empresarial da apelante, sendo
         extremamente parcimoniosa a receita mensal de R$
         500.000,00, assim como a gravidade da infração, valendo
         lembrar que o adquirente teve de entrar em juízo para
         conseguir a troca do bem (fls. 161 a 167).

            Com o que não se justifica qualquer abrandamento do
         apenamento".



      E, por fim, cite-se um último precedente do TJRS:

             AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO
         ESPECIFICADO. AÇÃO ordinária.             SUSPENSÃO DA
         EXIGIBILIDADE DA MULTA APLICADA PELO PROCON
         MUNICIPAL. TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DOS
         REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO cpc.
             Tratando-se de multa aplicada pelo PROCON municipal,
         por infringência ao artigo 18, § 1°, I e II, do CDC, com a
         devida fundamentação, amparada em vários fatos, deve
         prevalecer a presunção de legalidade e veracidade do ato
         administrativo, sendo indevida a pretensão de suspensão
         da exigibilidade da multa, porque não teria a agravante
         violado qualquer dispositivo do CDC, uma vez que ausente
         prova inequívoca da verossimilhança da alegação, bem
         como a prova do dano irreparável ou de difícil reparação,
         devendo ser mantida a decisão que indeferiu a tutela
         antecipada.
             Inteligência do art. 273 do CPC.
             Precedentes do TJRGS.

                                                                14
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA




                 Para não torna enfadonha esta manifestação, cite-se, por fim,
posição semelhante do Superior Tribunal de Justiça:


                         ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. APLICAÇÃO DE
                    MULTA PELO PROCON À EMPRESA PÚBLICA FEDERAL.
                    POSSIBILIDADE.
                         1. A proteção da relação de consumo pode e deve ser
                    feita pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor -
                    SNDC - conforme dispõem os arts. 4º e 5º do CDC, e é de
                    competência do Procon a fiscalização das operações,
                    inclusive financeiras, no tocante às relações de consumo
                    com seus clientes, por incidir o referido diploma legal
                    (REsp 1103826 / RN).

                 5) Assim, em conclusão, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SANTA CATARINA entende que deva-se rever a jurisprudência
da Comarca de Xanxerê, com respeito à jurisprudência mais tradicional do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, para julgar-se improcedentes os pedidos formulados na inicial.

                 Xanxerê, 06 de outubro de 2011



                           Eduardo Sens dos Santos
                            Promotor de Justiça




                                                                            15

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Anulação de multa por infração ao CDC

  • 1. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Processo nº 080.11.003784-7/00000 Anulatória de Débito Fiscal SIG nº 08.2011.413818-0 Parte principal: Navajo Veículos Ltda Meritíssima Juíza, A empresa Navajo Veículos Ltda. requer a anulação do ato administrativo do Procon de Xanxerê que lhe aplicou multa por infringência ao Código de Defesa do Consumidor. Afirma ter o Procon reconhecido, em processo administrativo, que um consumidor foi lesado em negócio jurídico entabulado com a autora. Todavia, em seu entender, a decisão do Procon lhe retira o direito de acesso à Justiça. Argumenta que compete privativamente ao Poder Judiciário tutelar o direito de uma das partes em detrimento de outra. Alega ter sido negada a realização de perícia no veículo objeto da infração administrativa e que "a tanto não se pode permitir alcance o órgão de defesa do consumidor poder" (fl. 8). Em sua contestação, o Município de Xanxerê requer preliminarmente a suspensão do feito enquanto tramita apelação em ação semelhante. Alega, no mérito, que negar ao Procon o direito de aplicar multas 1
  • 2. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA quando constatado descumprimento de regras do direito do consumidor equivale a negar-lhe existência, rebatendo, no mais os argumentos da autora. É a síntese necessária. 1) Entende o Ministério Público que a preliminar não possa ser acolhida. Se, de fato, as ações são semelhantes, não é por outro lado possível, diante das regras de direito processual civil em vigor, a união das ações. É que, no caso dos autos, já houve sentença na ação com a qual se alega conexão. Logo, não é possível reunirem-se as ações, já que uma tramitará no tribunal de justiça e outra no juízo de primeiro grau. 2) No mérito, o Ministério Público acompanha os argumentos do Município de Xanxerê. 2.1) Inicialmente, diga-se que todo o sistema de proteção e defesa do consumidor, no Brasil, como de resto em diversos países organizados do mundo, está centrado, prioritamente, na Administração Pública. De fato, não parece razoável exigir que toda e qualquer demanda consumerista seja apenas resolvida no Judiciário. Esta prática, que postula a autora, tem a gravíssima consequência de assoberbar os juízes com ações de diminuta importância, como as que se vêem rotineiramente nos Juizados Especiais Cíveis. Nestas causas, como vem sendo evidenciado, no mais das vezes o juiz não passa de órgão de proteção dos direitos dos consumidores, justamente porque, ao contrário do que exige o Código de Defesa do Consumidor, retira-se da Administração o poder/dever de intervir nestas relações de consumo. 2
  • 3. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Basta ler o Código de Defesa do Consumidor e o Decreto nº 2.181/97, considerado o primeiro uma das leis mais avançadas do país, para se ter clara ideia do que se pretende demonstrar aqui: no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor os órgãos a que se deve deferir maior poder são, indubitavelmente, os Procons. Isso porque, em tema de direito do consumidor, vigem princípios que conferem maior equilíbrio nas relações contratuais de consumo à parte fragilizada, ou seja, justamente ao consumidor. Ora, se é assim, é evidente que, em tema de direito do consumidor, as demandas devem ser resolvidas da forma mais célere e menos burocrática possível, sempre causando o mínimo de custos ao consumidor (art. 6º, VIII, do CDC). Logo, exigir do consumidor lesado por ação do fornecedor que só tenha acesso à proteção contratual no Judiciário (que exige o pagamento de custas, a contratação de advogado, o pagamento de perícias) é evidentemente negar "a facilitação da defesa de seus direitos", direito básico previsto no art. 6º do Código. Fragilizar o Procon, portanto, é a um só tempo fragilizar o consumidor e fragilizar o próprio Judiciário. Com milhares de demandas que poderiam e teriam sido resolvidas pelos Procons, o Judiciário se fragiliza porque dispenderá seus recursos justamente numa função que não é (e não deve ser) sua: proteger o consumidor. Tão certo é o argumento que, veja Excelência!, os princípios 3
  • 4. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA consumeristas que vigem no Brasil certamente conferirão razão à pretensão do consumidor. Por que motivos, então, exigir que seu direito seja satisfeito apenas através da custosa máquina judiciária, quando poderia e deveria ser imediata e integralmente satisfeito pelo próprio fornecedor? Quem conheça a experiência de países estrangeiros sabe do que se está falando. Onde se preza pelos direitos dos consumidores, como, por exemplo, nos Estados Unidos da América, no Canadá ou na Alemanha, não há ações judiciais para que um fornecedor respeite o direito de seu consumidor. Basta, em geral, que o consumidor dirija sua pretensão diretamente ao fornecedor para receber o que lhe é de direito: a devolução do dinheiro ou um produto em perfeito estado. Por que isso ocorre lá e não ocorre aqui? Porque lá, caso não reconheça o fornecedor o direito do consumidor, os órgãos de proteção e defesa do consumidor farão o que fez o Procon de Xanxerê: aplicarão multas que dissuadirão o fornecedor de novas violações. O que se vê aqui não é diferente. Pela simples leitura das peças que acompanharam a inicial já se percebe que o consumidor está com toda a razão. Comprou um Vectra zero quilômetro que começou a apresentar falhas mecânicas constantes e – ao contrário do que exige o art. 18 do CDC – não teve o produto substituído pelo fornecedor. Ora, se está com toda a razão, não é demais concluir que esta ação só visa a procrastinar o reconhecimento do direito do consumidor: receber o dinheiro de volta ou ter o produto substituído por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso. 4
  • 5. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA 2.2) Bem por isso não se pode afirmar, como o faz a autora, que a atuação do Procon lhe retirou o acesso à Justiça. São coisas completamente distintas: a aplicação de multa por descumprimento de norma consumerista e a obrigação civil de substituição do produto por outro. O Procon em momento algum determina à autora que devolva o dinheiro ou que substitua o produto por outro. Aliás, à fl. 31 consta expressamente que o Procon orientou o consumidor "para que procure a Justiça para buscar o ressarcimento de seus valores". O Procon, como órgão administrativo que é, simplesmente aplicou sanção administrativa pelo descumprimento de uma norma administrativa de direito do consumidor (art. 13, XXIV, do Decreto nº 2.181/97). A levar o raciocínio da autora adiante, a Vigilância Sanitária, por exemplo, órgão administrativo, jamais poderia aplicar multa para estabelecimento que operasse sem alvará sanitário em prejuízo de vizinhos. Deveria provocar o Judiciário para que o estabelecimento realizasse as adequações, sob pena de ser acusada de "obrigar uma das partes a se submeter á decisão que atende o reclamo da outra" (fl. 8) Noutro exemplo, a Polícia Militar não poderia remover ou multa veículo estacionado defronte a garagem. Alegaria a autora que tal conduta equivaleria a obrigar uma das partes a se submeter à decisão que atende o reclamo da outra" (fl. 8). 5
  • 6. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Na verdade, Excelência, basta substituir hipoteticamente a multa aplicada pelo Procon por qualquer outra multa por infração administrativa rotineiramente aplicada no país para verificar que é, na verdade, absurdo o entendimento da autora. A aplicação de multa por infração administrativa sempre prescinde de atuação judicial, justamente porque a Administração goza da prerrogativa da auto-executoriedade dos atos administrativos1. Logo, confundir a obrigação de fazer (substituir o veículo) com a obrigação de pagar multa por infração administrativa é forçar o raciocínio para levar ao esvaziamento do principal órgão de proteção do consumidor: o Procon. 2.3) A alegada negativa de perícia também não convence. Empresa com o poder econômico que tem a autora, certamente poderia ter instruído sua defesa administrativa com a perícia que quisesse. Não era necessário ao Procon nomear perito. Além disso, conforme ficou claro da absurdamente desidiosa contranotificação extrajudicial que apresentou ao consumidor (fl. 78), que serviu de substrato para a defesa administrativa (fl. 95), a empresa em momento algum requereu a realização de perícia. Aliás, não requereu a 1 Recorde-se a velha lição de Hely Lopes Meirelles: "o poder de polícia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem legal da autoridade competente". "Estas sanções, em virtude do princípio da autoexecutoriedade do ato de polícia, são impostas e executadas pela própria Administração em procedimentos administrativos compatíveis com as exigências do interesse público." (Direito administrativo brasileiro, 10 ed. atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 100-1). 6
  • 7. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA realização de perícia e sequer apresentou proposta mais adequada ao consumidor, coisa que podia e devia ter feito. Disse laconicamente que estava à disposição para "verificar eventuais ocorrências". Logo, o processo administrativo respeitou integralmente o contraditório e a ampla defesa, não havendo qualquer nulidade a ser declarada. 3) Sabe-se que, em outros casos da Comarca de Xanxerê, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina vem adotando o entendimento da autora. Não pode, todavia, o Ministério Público concordar. Veja-se que toda a tradicional jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina é no sentido de que "existindo reclamação do particular ao PROCON e tendo sido observado o devido processo administrativo, é lícita a imposição de multa à instituição financeira que efetua cobrança de tarifa de emissão de boleto bancário" (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2009.030845-3, de Caçador). Outro caso ficou assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. CONSUMIDOR QUE CONTRATOU PLANO DE TELEFONIA COM DESCONTO PROMOCIONAL POR 24 (VINTE E QUATRO) MESES. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO ESTABELECIDO NO CONTRATO PELA OPERADORA DE TELEFONIA. RECLAMAÇÃO REALIZADA JUNTO AO PROCON. ÓRGÃO QUE, APÓS INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO, APLICOU PENALIDADE. MULTA DEVIDA. VALOR ARBITRADO EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA 7
  • 8. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA FIXADA ADEQUADAMENTE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM A NECESSIDADE DE MINORAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. Conquanto bastante delicada a discussão em torno do tom confiscatório das penalidades administrativas, é insofismável que sua aplicação deve pautar-se por um mínimo de razoabilidade. No caso, a imposição de pena pecuniária, tem por base os parâmetros adotados pelo CDC, que varia entre 200 UFIRs e 3.000.000 UFIRs. Tendo a decisão aplicado valor adequado, a manutenção da multa é medida que se impõe (Apelação Cível n. 2010.073859-5, de Balneário Camboriú). Todavia, ao julgar outros casos da Comarca de Xanxerê, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina abandonou esta jurisprudência e decidiu que "O PROCON não tem legitimidade para impor, sob ameaça de aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes. A solução de litígio com a obrigatoriedade de submissão de um dos litigantes à decisão que favorece a outra parte é prerrogativa da jurisdição, cujo exercício incumbe exclusivamente ao Poder Judiciário. A não observância deste postulado implica obstáculo ao acesso à Justiça (CF, art. 35, inc. XXXV) e configura o exercício da autotutela fora dos casos autorizados em lei" (Apelação Cível n. 2007.030212-5, de Xanxerê). Na verdade, como se observa claramente da decisão administrativa de fl. 26 a 31, em momento algum o Procon impõe, sob a ameaça de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes. O Procon simplesmente aplica multa por infringência a norma de proteção do consumidor. 8
  • 9. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA O fato de esta norma de proteção do consumidor ter, como efeito reflexo, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes não desfigura o poder administrativo do Procon em aplicar a multa. Os exemplos já citados são clara prova disso. Um morador prejudicado pelo lixo constante do prédio vizinho, que ameace ruir, poderia propor ação demolitória (art. 888, VIII, do Código de Processo Civil). Se, todavia, a Vigilância Sanitária (órgão administrativo, tal qual o Procon) notificasse o vizinho a proceder à limpeza do prédio e o secretário de obras (órgão também administrativo, tal qual o Procon) determinasse a demolição da obra irregular, jamais se alegaria serem partes ilegítimas para imporem uma obrigação (que é também individual e também é inter partes), de uma parte em favor da outra. E estas notificações, bem se sabe, são diárias e rotineiras em qualquer município organizado. Por que motivos, então, se pretende proibir o Procon de fazer o mesmo, ou seja, de simplesmente exercer suas atribuições administrativas? Evidentemente, com o devido respeito, a decisão acima citada parece destoar do sistema de direito administrativo brasileiro. E o pior: em detrimento do já altamente fragilizado consumidor brasileiro. Agora talvez se compreenda melhor a argumentação trazida no item 2.1 desta manifestação. Imagine-se se, como declarou o acórdão transcrito, que um órgão administrativo como a Vigilância Sanitária não tenha "legitimidade para impor, sob ameaça de aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes". Imagine-se se, como declarou o acórdão, a Polícia Militar não tenha "legitimidade para impor, sob ameaça de 9
  • 10. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes". Imagine-se se a Cidasc não tenha "legitimidade para impor, sob ameaça de aplicação de multa, o cumprimento de obrigação de natureza individual inter partes". Nesta situação, qualquer remoção de entulho ou limpeza de terreno baldio seria objeto de ação judicial. Qualquer remoção de veículo que prejudicasse a circulação de outro veículo seria objeto de ação judicial. Qualquer ação de proteção sanitária relativa a animais, em proteção de uma outra propriedade, seria objeto de ação judicial. E, como é óbvio, a vingar o entendimento da autora, o Judiciário se transformará em Administração, deixando sem atendimento as verdadeiras demandas para as quais foi incumbido pela Constituição. 4) No Rio Grande do Sul a jurisprudência vem abonando a posição aqui adotada pelo Ministério Público: APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. PROCON. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APLICAÇÃO DE MULTA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. COBRANÇA DE TARIFAS. AUSÊNCIA DE PROVA DO PACTO. CDA. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ. MULTA APLICADA. REQUISITOS DO ARTIGO 57, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. OBSERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E LEGALIDADE. (AC nº 70034281642). ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. PROCON. VÍCIO DE QUALIDADE DO PRODUTO. ART. 18, CDC. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ART. 3º, CDC, E CONCEITO DE FORNECEDOR. 10
  • 11. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Em se tratando de vício do próprio produto, quem comercializa o bem é responsável solidariamente, na forma do art. 18, CDC, inaplicáveis à hipótese previsão dos artigos 12 e 13 do referido diploma legal, já que estes tratam de danos causados pelo produto ou serviço, o que é inteiramente distinto à hipótese dos autos. MULTA. ARTIGOS 56 E 57, CDC. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. GRADUAÇÃO. Afigura-se razoável e proporcional, não fosse seu estofo legal, a imposição de multa que considera a dimensão da fornecedora e a gravidade da sua conduta, só superada com intervenção judicial, não se podendo falar, ainda, em qualquer anomalia na legislação municipal (AC nº 70040892929) Do corpo deste acórdão se colhe: "E não há como excluir o comerciante que faz a venda do produto, notadamente, como no caso da apelante, pela sua dimensão e volume de vendas – fato notório, art. 334, I, CPC – dispõe de evidentes condições para interferir junto ao fabricante, não sendo episódico o seu relacionamento com este último. Aliás, nada mais significativo do que ter a ré trocado o bem. Por certo, mediante intervenção judicial. Mas, de qualquer sorte, demonstrando que poderia ter realizado a substituição do produto defeituoso. Cumpre, neste tema, por fim, dizer que outra não é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se pode ver do REsp nº 547.794-PR, MARIA ISABEL GALLOTTI: RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VEÍCULO NOVO. AQUISIÇÃO. DEFEITOS NÃO SOLUCIONADOS DURANTE O PERÍODO DE GARANTIA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DO CDC. 11
  • 12. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. FLUÊNCIA DO PRAZO A PARTIR DO TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL. 1. Diversos precedentes desta Corte, diante de questões relativas a defeitos apresentados em veículos automotores novos, firmaram a incidência do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor para reconhecer a responsabilidade solidária entre o fabricante e o fornecedor. 2. O prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) não corre durante o período de garantia contratual, em cujo curso o veículo foi, desde o primeiro mês da compra, reiteradamente apresentado à concessionária com defeitos. Precedentes. 3. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido. E do REsp nº 912.772-RS, ALDIR PASSARINHO: CIVIL E PROCESSUAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REPARO DE VEÍCULO NOVO. DEFEITOS DE FÁBRICA. EXECUÇÕES INADEQUADAS. SUCESSIVAS TENTATIVAS PELA CONCESSIONÁRIA. ILEGITIMIDADE AFASTADA. ART. 18 DO CDC. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. SUBSTITUIÇÃO POR VEÍCULO NOVO. ART. 18. § 1º, I, DO CDC. OPÇÃO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL CONCEDIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSOS ESPECIAIS QUE DISCUTEM O INCABIMENTO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS ENSEJADORES DO DANO MORAL. EXCLUSÃO. I. Não há violação ao art. 535 do CPC quando a matéria impugnada é devidamente enfrentada pelo Colegiado de origem, que dirimiu a controvérsia de modo claro e completo, apenas de forma contrária aos interesses da parte. II. "Comprado veículo novo com defeito, aplica-se o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não os artigos 12 e 13 do mesmo Código, na linha de precedentes 12
  • 13. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA da Corte. Em tal cenário, não há falar em ilegitimidade passiva do fornecedor" (REsp nº 554.876/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, DJU de 17/02/2004). III. Devida a indenização por dano moral, porém em valor inferior ao fixado, de modo a evitar enriquecimento sem causa. IV. Cabe ao consumidor a escolha entre a substituição, a restituição do preço, ou o seu abatimento proporcional em tais hipóteses - art. 18, § 1º, I a III, da Lei n. 8.078/1990. Precedente. V. Recursos especiais conhecidos em parte e, nessa extensão, parcialmente providos. [...] O descaso com o consumidor, ao não ser efetuada a troca do refrigerador defeituoso, resta incontroversa nos autos. Demais disso, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, incido VIII, ressalva a facilitação da defesa dos direitos do consumidor por meio da inversão do ônus da prova, quando hipossuficiente. Ou seja, cabia à demandante comprovar que as alegações do consumidor não condiziam com a verdade. Gize-se que os atos da Administração Pública possuem presunção de veracidade, elidível por contraprova, que não aportou aos autos. Quanto aos atos administrativos, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro2: A presunção de legitimidade afirma que o ato está em observância, de acordo com a lei, até que se prove o contrário. Já a de veracidade se relaciona com os fatos. Em decorrência dele, presumem-se verdadeiros todos os fatos alegados pela Administração Pública. Assim, os documentos fornecidos pela Administração são dotados de fé pública.” Com efeito, inexiste qualquer arbitrariedade, 2 Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.187 13
  • 14. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA encontrando-se nos autos a memória de cálculo e sua justificativa (fls. 55 e 137), devidamente autorizada a imposição pela Administração Municipal, com base em legislação que nada apresenta de estranho ou anormal (fl. 133), assegurada a ora apelante oportunidade para sua impugnação (fls. 130 a 132), o que não fez. No mais, há de se considerar, na forma do art. 57, CDC, a envergadura empresarial da apelante, sendo extremamente parcimoniosa a receita mensal de R$ 500.000,00, assim como a gravidade da infração, valendo lembrar que o adquirente teve de entrar em juízo para conseguir a troca do bem (fls. 161 a 167). Com o que não se justifica qualquer abrandamento do apenamento". E, por fim, cite-se um último precedente do TJRS: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ordinária. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DA MULTA APLICADA PELO PROCON MUNICIPAL. TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO cpc. Tratando-se de multa aplicada pelo PROCON municipal, por infringência ao artigo 18, § 1°, I e II, do CDC, com a devida fundamentação, amparada em vários fatos, deve prevalecer a presunção de legalidade e veracidade do ato administrativo, sendo indevida a pretensão de suspensão da exigibilidade da multa, porque não teria a agravante violado qualquer dispositivo do CDC, uma vez que ausente prova inequívoca da verossimilhança da alegação, bem como a prova do dano irreparável ou de difícil reparação, devendo ser mantida a decisão que indeferiu a tutela antecipada. Inteligência do art. 273 do CPC. Precedentes do TJRGS. 14
  • 15. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA Para não torna enfadonha esta manifestação, cite-se, por fim, posição semelhante do Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. APLICAÇÃO DE MULTA PELO PROCON À EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. POSSIBILIDADE. 1. A proteção da relação de consumo pode e deve ser feita pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC - conforme dispõem os arts. 4º e 5º do CDC, e é de competência do Procon a fiscalização das operações, inclusive financeiras, no tocante às relações de consumo com seus clientes, por incidir o referido diploma legal (REsp 1103826 / RN). 5) Assim, em conclusão, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA entende que deva-se rever a jurisprudência da Comarca de Xanxerê, com respeito à jurisprudência mais tradicional do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para julgar-se improcedentes os pedidos formulados na inicial. Xanxerê, 06 de outubro de 2011 Eduardo Sens dos Santos Promotor de Justiça 15