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2.08.2012
Debate:


     Mobilidade social ou o seu ‘avesso’?
     Elísio Estanque
     Sociólogo, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

       O modelo social do Ocidente foi, em larga medida, construído à sombra da ideia de
mobilidade social. Quer nos regimes mais liberais (como os EUA) onde a iniciativa individual e o
sucesso profissional assentam no critério do mérito, quer em modelos de matriz social-
democrata, onde o Estado deveria ajudar os mais carenciados a adquirir as competências para
tal, o princípio geral era o de que a sociedade – e as suas instituições – reconhece e premeia as
capacidades e competência dos indivíduos. A escola, a profissão e o casamento foram
considerados os principais canais de mobilidade ascendente. Sociedades com barreiras de
classe frágeis e permeáveis, como as democracias liberais, são aquelas onde a mobilidade social
é suposto ocorrer naturalmente. As fronteiras de classe são abertas e nessa medida tende a
esbater-se a “solidariedade de classe”; e vice versa: quanto menos esta funcione mais intensos
serão os fluxos de mobilidade social. Para cima; sempre para cima (!), pois, foi esse o cliché que
se instalou no imaginário popular e das classes médias do mundo ocidental.
       Um dos problemas desta conceção, de raiz americana, é que a sociedade é pensada como
um campo estático e passivo, um cenário onde os indivíduos atomisticamente correm em busca
do sucesso e do reconhecimento. Trata-se de uma teoria da “escolha racional” fundada na ideia
da autodeterminação dos indivíduos, viciados na competição entre si, numa “corrida” onde,
naturalmente, só os melhores podem vencer e chegar ao topo. Como se não existissem
relações de poder em favor de quem monopoliza riqueza e prestígio. Essa foi a visão de um
modelo de sociedade “meritocrática” – na verdade uma ideologia, mas a que o sucesso
económico de alguns e as políticas públicas conferiram credibilidade – que convenceu milhões
de cidadãos e, nessa medida, alimentou os sonhos de ascensão social da classe média
assalariada.
Ora, se essa narrativa foi eficaz não foi porque traduzisse a realidade social da ordem
capitalista (com mais mercado ou com mais Estado) mas sobretudo pela opacidade que criou.
Por isso mesmo é de ideologia que se trata (no sentido sociológico do termo). Na verdade, os
grandes processos de mudança social derivam sobretudo do descontentamento popular e da
conflitualidade, sem os quais o ímpeto reformista das instituições tende a adormecer. Por isso
mesmo, a mobilidade social só pode ser compreendida na sua relação com a luta de classes. É
certo que a mudança estrutural – na economia, na educação, na saúde ou na recomposição
sociodemográfica das populações – cria muitas vezes a ilusão nos indivíduos de que as suas
trajetórias de vida evoluíram unicamente em razão do esforço ou do talento de cada um, pois,
tendem a comparar-se com os seus antepassados, geralmente em pior condição. Sem dúvida
que as vidas pessoais podem alterar-se substancialmente ao longo de duas ou três gerações, e
aí o esforço e mérito contam. Mas a iniciativa e talento de cada um só dão lugar a efetivas
oportunidades de subida quando os objetivos e investimentos individuais vão ao encontro da
ordem vigente ou de uma dinâmica mais vasta que obedece, acima de tudo, ao desígnio das
classes e grupos no poder, cujos privilégios procuram a todo o custo preservar. Há sempre
exceções, é claro, mas os exemplos particulares não podem confundir-se com as grandes
tendências históricas.
      Em Portugal, a mudança social rápida por que passámos ao longo de quatro décadas
obedeceu exatamente a esse tipo de lógicas. A mobilidade social foi uma realidade mas, hoje,
entrámos numa “sociedade da austeridade” que põe a nu todas as fragilidades e contradições
desse processo: 1) os fluxos de mobilidade são em geral de curto alcance e os grupos que
atingiram um estatuto “superior”, uma vez lá chegados, tratam de alterar as “regras do jogo”
para assegurar o seu exclusivo; 2) a melhoria de condição dos estratos mais baixos não significa
uma redução das distâncias sociais em relação aos que fazem parte da elite; 3) a mobilidade
social ocorre sempre em ambos os sentidos, para cima e para baixo, embora neste caso os
envolvidos recusem em geral assumi-lo (como está a acontecer entre nós); 4) a recomposição
do emprego e a expansão do setor dos serviços criou uma ilusão de “ascensão” que é, no
mínimo, questionável; e por fim 5), as deslocações do mundo rural para o espaço urbano
induziram em alguns setores da classe trabalhadora portuguesa estilos de vida, modelos de
consumo e um imaginário fantasioso de pertença a um estatuto de “classe média”. Em suma, se
a mobilidade social nunca foi um fenómeno linear, no momento atual – quando a escada social
está em acelerada descida para muitas famílias – o conceito carece de uma profunda revisão
para nos ajudar a captar o que poderíamos considerar como “o avesso da mobilidade social”.

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Mobilidade social ee_2.08.2012

  • 1. 2.08.2012 Debate: Mobilidade social ou o seu ‘avesso’? Elísio Estanque Sociólogo, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra O modelo social do Ocidente foi, em larga medida, construído à sombra da ideia de mobilidade social. Quer nos regimes mais liberais (como os EUA) onde a iniciativa individual e o sucesso profissional assentam no critério do mérito, quer em modelos de matriz social- democrata, onde o Estado deveria ajudar os mais carenciados a adquirir as competências para tal, o princípio geral era o de que a sociedade – e as suas instituições – reconhece e premeia as capacidades e competência dos indivíduos. A escola, a profissão e o casamento foram considerados os principais canais de mobilidade ascendente. Sociedades com barreiras de classe frágeis e permeáveis, como as democracias liberais, são aquelas onde a mobilidade social é suposto ocorrer naturalmente. As fronteiras de classe são abertas e nessa medida tende a esbater-se a “solidariedade de classe”; e vice versa: quanto menos esta funcione mais intensos serão os fluxos de mobilidade social. Para cima; sempre para cima (!), pois, foi esse o cliché que se instalou no imaginário popular e das classes médias do mundo ocidental. Um dos problemas desta conceção, de raiz americana, é que a sociedade é pensada como um campo estático e passivo, um cenário onde os indivíduos atomisticamente correm em busca do sucesso e do reconhecimento. Trata-se de uma teoria da “escolha racional” fundada na ideia da autodeterminação dos indivíduos, viciados na competição entre si, numa “corrida” onde, naturalmente, só os melhores podem vencer e chegar ao topo. Como se não existissem relações de poder em favor de quem monopoliza riqueza e prestígio. Essa foi a visão de um modelo de sociedade “meritocrática” – na verdade uma ideologia, mas a que o sucesso económico de alguns e as políticas públicas conferiram credibilidade – que convenceu milhões de cidadãos e, nessa medida, alimentou os sonhos de ascensão social da classe média assalariada.
  • 2. Ora, se essa narrativa foi eficaz não foi porque traduzisse a realidade social da ordem capitalista (com mais mercado ou com mais Estado) mas sobretudo pela opacidade que criou. Por isso mesmo é de ideologia que se trata (no sentido sociológico do termo). Na verdade, os grandes processos de mudança social derivam sobretudo do descontentamento popular e da conflitualidade, sem os quais o ímpeto reformista das instituições tende a adormecer. Por isso mesmo, a mobilidade social só pode ser compreendida na sua relação com a luta de classes. É certo que a mudança estrutural – na economia, na educação, na saúde ou na recomposição sociodemográfica das populações – cria muitas vezes a ilusão nos indivíduos de que as suas trajetórias de vida evoluíram unicamente em razão do esforço ou do talento de cada um, pois, tendem a comparar-se com os seus antepassados, geralmente em pior condição. Sem dúvida que as vidas pessoais podem alterar-se substancialmente ao longo de duas ou três gerações, e aí o esforço e mérito contam. Mas a iniciativa e talento de cada um só dão lugar a efetivas oportunidades de subida quando os objetivos e investimentos individuais vão ao encontro da ordem vigente ou de uma dinâmica mais vasta que obedece, acima de tudo, ao desígnio das classes e grupos no poder, cujos privilégios procuram a todo o custo preservar. Há sempre exceções, é claro, mas os exemplos particulares não podem confundir-se com as grandes tendências históricas. Em Portugal, a mudança social rápida por que passámos ao longo de quatro décadas obedeceu exatamente a esse tipo de lógicas. A mobilidade social foi uma realidade mas, hoje, entrámos numa “sociedade da austeridade” que põe a nu todas as fragilidades e contradições desse processo: 1) os fluxos de mobilidade são em geral de curto alcance e os grupos que atingiram um estatuto “superior”, uma vez lá chegados, tratam de alterar as “regras do jogo” para assegurar o seu exclusivo; 2) a melhoria de condição dos estratos mais baixos não significa uma redução das distâncias sociais em relação aos que fazem parte da elite; 3) a mobilidade social ocorre sempre em ambos os sentidos, para cima e para baixo, embora neste caso os envolvidos recusem em geral assumi-lo (como está a acontecer entre nós); 4) a recomposição do emprego e a expansão do setor dos serviços criou uma ilusão de “ascensão” que é, no mínimo, questionável; e por fim 5), as deslocações do mundo rural para o espaço urbano induziram em alguns setores da classe trabalhadora portuguesa estilos de vida, modelos de consumo e um imaginário fantasioso de pertença a um estatuto de “classe média”. Em suma, se a mobilidade social nunca foi um fenómeno linear, no momento atual – quando a escada social está em acelerada descida para muitas famílias – o conceito carece de uma profunda revisão para nos ajudar a captar o que poderíamos considerar como “o avesso da mobilidade social”.