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Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários
Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054
http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa
JOSÉ DE ALENCAR E A CRÍTICA REALISTA
Marcelo Peloggio (UFC)
peloggio@hotmail.com
RESUMO:  O presente artigo aborda a posição realista da fortuna crítica de José de Alencar para, em
seguida, compará-la com outras formas de análise e interpretação dos textos ficcionais e não-ficiconais
do escritor cearense; neste caso, aqueles que apresentem uma leitura renovadora (revitalizadora) de
sua obra.
PALAVRAS-CHAVE: José de Alencar; tradição literária; crítica realista; inovação crítica.
A obra estética, crítica e política de José de Alencar sempre nos despertou grande
interesse, e isso não apenas pelo fato de ser ampla e vária, mas em razão, sobretudo,
do tratamento dispensado por sua fortuna crítica: em geral repetitivo, superficial e
equivocado.
Notamos que, em tempos de vida de Alencar, como após sua morte, os juízos crí-
ticos se alternaram, no mais das vezes, entre os elogios de ocasião e as censuras
injustas, algumas até maldosas e levianas. E de tal modo foi que o próprio Alencar
chegou a queixar-se da ausência de uma crítica superior para as suas obras (Araripe
Júnior 1958: 245).
Daí a necessidade de se coligir autores que apresentem uma nova postura crítica
em relação à obra geral alencarina, fazendo, desse modo, a contraposição necessária
àquelas surgidas até aproximadamente os anos 80 do século XX, as quais se pautam
ainda, em boa parte, pelos mesmos equívocos e distorções. Assim, pois, é de funda-
mental importância cotejar a fortuna crítica recente com a que ajudou a formar todo
um quadro teórico sobre o pensamento geral do criador de O guarani.
Isso não significa dizer que se dê preferência irrestrita ao “novo” patamar críti-
co, de modo a silenciar outro, que seria então “antiquado” e “ultrapassado”; pelo
contrário, foi com o parecer mesmo de alguns comentadores dos anos 50 e 60, por
exemplo, que se dilataram outros pontos de vista, apoiados em novidades trazidas
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pelo estudo do subconsciente, pela ecologia e até pela teoria da história (sua dimen-
são escatológica e metafísica).
Com efeito, esse problema de abordagem não deve ser encarado apenas como o
produto de uma geração ou período específico; autores os mais recentes incorrem
também em juízos que, se não são equivocados, em geral, mostram-se cediços. O
contrário pode ser observado no fato de um ou outro crítico indicar, ou permitir en-
trever, idéias que aparecem como subsídios fundamentais à revitalização tanto da
fortuna crítica quanto da visão artística, política e filosófica alencarina. Neste último
caso – o que trata da incursão de Alencar pelo campo da filosofia (posição sempre
tão ignorada) –, bem vale ressaltar o estudo fundamental de Alceu Amoroso Lima,
a enfatizar a perspectiva global das concepções estéticas e humanas do autor de O
tronco do ipê:
Seu brasileirismo não é apenas nacionalista. Se o fosse seria muito mais
limitado e estreito do que de fato é. Representa o humanismo brasileiro no que
tem de mais amplo e mais profundo, ao mesmo tempo nacional e universal, ou
antes nacional porque universal e naturista porque sobrenaturalista. (1965: 42,
grifos do autor)
Essa análise, francamente hegeliana, a indicar, na obra indiana de José de Alencar,
“a primazia do Espírito” a partir de “uma visão cósmica e profética da realidade total”
(Lima 1965: 44), isto é, em um movimento “do universal ao nacional” (Lima 1965: 60,
grifos do autor), guardará sua importância pelas possibilidades que abre; acompa-
nhará, portanto, a flexibilidade e originalidade de outros comentadores, sejam atuais
ou de gerações mais antigas.
Mas essa perspectiva não mereceu a compreensão devida. À luz da crítica, seu
nacionalismo anuviará a real abrangência com que situa o romance brasileiro na mais
elevada esfera da literatura mundial. Por conseguinte, sua coerência estética será
tanto mais empobrecida quanto mais ao encargo da literatura pátria, em termos de
forma e argumento, estiver seu universalismo, que é desvencilhado assim dos pro-
blemas humanos.
O resultado de tudo isso é o forte encurtamento da vida psicológica dos caracte-
res: em função dele, não podem ultrapassar o grau da pura forma estética, à qual “da-
ríamos vida”, pondo-a a “desempenhar papéis”. A conclusão é evidente: a condição
humana dos tipos alencarinos, se não representa um ataque franco à verossimilhan-
ça, expressará o concurso da inabilidade artística para dotar de músculo e ossatura
os entes que põe em movimento. Com Lucíola, Araripe Júnior resumirá a deficiência
em fórmula naturalista: “A dualidade de Lúcia, pois, no campo dos atos conscientes
da alma normal, é inadmissível” (1958: 185). Mais tarde, para o geral da crítica, a repri-
menda tornar-se útil porque encorpada: pois o autor de Encarnação “não arrastava
pela profundeza das idéias” (Araripe Júnior 1958: 178). É amante então “das longas
travessias pelas regiões azuis” (Araripe Júnior 1958: 150, grifos do autor), onde tudo
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seria talhado por uma luminosidade insólita, ora cândida e esmaecida, ora de um co-
lorido forte e vibrante – fossem pessoas ou objetos.
Tudo seria, aí e então, plasma de uma faculdade enfermiça, a qual faz erguer um
mundo demasiado extravagante mediante as ferramentas da arte; quer dizer, à me-
dida que afloram à mente sugestões de todo gênero (estéticas, lúdicas, morais), uma
forte idealidade vai se apossando do meio à volta até operar-se uma troca de lugares
entre a fantasia e a realidade.
A esse passo, a análise crítica fixaria o seu lugar-comum: as abordagens e elogios
gastos ou o juízo belicoso e injusto.
Assim, uma das preeminências de José de Alencar foi, sem dúvida alguma, o estilo
– qualidade que serviu também de munição aos críticos de orientação realista, firme-
mente contrários à sua dicção poética.
No mais, lhe é sempre destacada a escrita “sonora”, produto de uma “rica pintura
de silabas”, a encher então de ânimo os seres e as florestas que romanceou. A prosa
lírica alencarina vai comunicar, por conseguinte, uma atmosfera que seria “multico-
lorida”, ou ainda “sensória”, como o cenário de Iracema, “envolvido em perfumes
e aromas agrestes, no qual a brisa e o terral trazem sons e frescura” (Scalambrin,
1995: 842); estilo “que se faz notar mediante um ritmo melódico demasiadamente
envolvente ou com particularidades vocabulares ou fraseológicas que denunciem a
preocupação ornamental” (Gomes 1958: 30).
O próprio Alencar definiu o estilo como “arte plástica”, como esboça no “Pós-
escrito” à Iracema (1951: 190): “poucos darão mais, se não tanta importância à forma
do que eu; pois entendo que o estilo é também uma arte plástica”; e talvez embalada
pela sentença de Araripe Júnior (1958: 178) – que resumiu a obra ficcional do autor do
Til como “forma, tão-somente forma” –, a crítica resolveu também considerar-lhe as
realizações estéticas pelo mesmo ponto de vista. Daí que Alencar é tido como “o pri-
meiro dos nossos romancistas [...] a escrever com elegância” (Veríssimo 1916: 267),
e de um modo todo próprio, visto que teria em mente a “emancipação espiritual da
língua falada no Brasil” (Gomes 1958: 12).
Dessa maneira, é o denodo lingüístico, bem como a forma original e “brasileira”
de escrever o português, que leva o autor cearense a conquistar posição de desta-
que; claro está que o seu grande poder na fabulação e o seu forte domínio narrativo
atuam também para assegurar-lhe o posto de maior autor de nossa ficção romântica,
levando a tomá-lo, de modo efetivo, por grande esteta – ou o “paisagista soberbo”,
conforme Augusto Meyer (1958: 409).
Mas, por outro lado, tanto o estilo quanto as operações lingüísticas tentadas por
Alencar tornam-se motivos de críticas duras, que influirão também, de certa maneira,
nos que lhe fazem a defesa ou do estilo ou de sua imaginação criadora: sem mais, “o
estilo insinua-se com algo de personagem principal” (Gomes 1958: 28), o que equiva-
le dizer que a forma de expressão é o que importa.
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Por causa desse paroxismo formalista, tudo em José de Alencar não passaria de
luz, cor e som; por conseguinte, seus caracteres e paisagens não integrarão um pro-
cesso interpretativo da vida humana em geral, já que não haverá uma abordagem
direta da realidade objetiva. De modo que a urdidura da intriga “encolhe” ante o
gigantismo de um “desmedido idealismo” (Veríssimo, 1916: 273), o qual, nas peças in-
dianas, sobretudo, desponta avassalador, aliando “as mais disparatadas imaginações
com as mais fragrantes inverossimilhanças etnológicas, históricas e morais” (Veríssi-
mo 1916: 275). Em outras palavras,
seu conceito de poesia, armado sobre expedientes formais emprestados da
músicaedapintura,acomoda-seaofimalmejado.“VisãodoParaíso”[...]envolta
em halos de vaguidade poética, como se a mente da criança balbuciasse, no
desordenado de suas impressões, o assombro perante uma natureza pródiga
e sugeridora de ser habitada por duendes e fadas. Tudo em Alencar converge
para tal espanto: dir-se-ia que, nele, a criança persistiu até o fim, recusando-se
a amadurecer e a reconhecer o inverso da realidade pintada, dotado que era
duma imaginação geradora de mitos. (Moisés, 1984: 101)
Esse foi pois o juízo corrente, alargando a opinião de que o criador de Iracema era
pela fantasia desenfreada, então resultado de seu esteticismo de índole tropical; mas
também a expressão de uma personalidade arredia e sonhadora; de um “eu” que se
contempla a si próprio nas imagens que idealiza e projeta. Os críticos de tendência
realista lhe censurariam, portanto, a exuberância e o colorido do texto, o qual des-
prezaria os problemas humanos em nome de uma “descrição pela descrição”: ou o
embelezamento pleno dos seres e das coisas. Sendo assim, sua ficção ver-se-ia habi-
tada, invariavelmente, por criaturas que não teriam
calor, quando expostas aos olhos de todos, na rua barulhenta ou no salão
festivo. Perdidas, porém, nas selvas, entre o rumor das cachoeiras e dos
córregos, à sombra das árvores silenciosas, ganham um aspecto de legenda,
crescem de repente, tornam-se míticas, iguais às forças elementares de onde
surgem como por milagre. (Carvalho 1968: 251)
Logo, a densidade humana das personagens tende a desaparecer por força de um
“idealismo absoluto” (Araripe Júnior 1958: 196), a refletir uma preocupação de orna-
mentar pela imaginação do que de observar a realidade à volta. O mundo que José
de Alencar articulou no papel não teria então o lastro do vivido, mas tão-somente o
do imaginado, daquilo que adornou sem meias-tintas. Eugênio Gomes (1958: 32), à
luz do psicologismo, também qualificou esse estado de ânimo de infantil; e conforme
Olívio Montenegro:
É fácil explicar o irrealismo quase infantil da concepção de muitos dos seus
romances – e também a forma descomunal das suas figuras, descomunal menos
pelo excesso do que pela divergência das suas proporções. Figuras desiguais,
fluidas, infixáveis, dando a lembrar reflexos de uma luz batida de muito vento.
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[...]
[Alencar] procurou criar o homem não à sua própria semelhança, mas à
semelhança da sua paisagem, disforme como a natureza que ele inventa. [Suas
personagens dão] mais a idéia de figuras de retórica do que de figuras de gente:
são [...] puramente decorativas. (Montenegro 1938: 42 e 43)
No ver dos críticos, como “figuras de retórica” a serviço da pura ornamentação ex-
terior, as personagens alencarinas não teriam a vida interior penetrada ou traduzida,
impossibilitando-lhes assim a análise psicológica, mesmo nos romances urbanos, de
inclinação realista. É que, em se tentando algo nessa direção, José de Alencar
raramente apresentava os personagens com a justa proporção do mundo
real. O seu temperamento lírico deturpava o debuxo das figuras, exaltando-lhes
qualidades e feições.
As paixões dos heróis e heroínas de seus romances eram amplificadas ao
sabor de sua estesia. As vibrações da alma das personagens eram reguladas à
descrição do seu temperamento de artista, desde o isocronismo monótono às
crispações nervosas de extrema variabilidade.
Possuíaodomderepresentarofísico,segundoaspompasdoestilodescritivo;
mas exagerava os contornos dos esboços psicológicos, intervindo sempre com
a sua imaginação de artista, com a sua alma de porta (Motta 1921: 258).
Todavia, em 1931, em trabalho francamente impressionista, a sustentar parecer
ousado mas original, escreveria Américo Valério (94 e 189):
Alencar é, antes de tudo, genuíno psicólogo freudiano [...] não só devassou,
em alto coeficiente psicológico freudiano [...] os caprichos, tiques, segredos
e pecados da consciência e espírito femininos, como esquadrinhou os
temperamentos humanos, em vários de seus trabalhos. Erram os que encaram,
em sua obra definitiva, a imaginação apenas luxuriante.
Até porque não passariam de títeres, verdadeiras sombras de si próprias: pois que
só existiriam para o coroamento do cenário, das peças de decoração, ou se se prefe-
rir, da “maquinaria”, da “carpintaria de bastidor” (Grieco s/d: 113). Daí que, no criador
de Lucíola, o estilo seria tudo; o homem, nada: suas criaturas são “como duendes que
só vivem na nossa imaginação. O que está estuante de vida, o que nos arrebata nas
suas páginas é a prosa”, diz José Lins do Rego (1951: 12). Enfim, para grande parte da
crítica, “Alencar movia-se [...] na esfera do onírico e do fantasioso” (Moisés 1984: 98),
embalado que era por um “egotismo radical” (Bosi 1994: 137).
A conseqüência mais ampla dessa abordagem acabou situando-lhe o pensamento
dentro de uma visão de mundo estrita, ou antes, em um nacionalismo limitado, e até
mesmo “xenófobo” (Moisés 1984: 95) – o que, em função dos embates de Alencar
com os portugueses em torno de nossa nacionalidade literária e de problemas lingü-
ísticos, levou a acreditar-se que o movia um “sentimento antilusitano” (Castello 1961:
37).
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Assim, pois, reduziu-se sua obra ficcional, crítica e política a um nativismo extre-
mo, o que é afastado pelo próprio Alencar no prefácio de Sonhos d’ouro (1872):
Palheta,ondeopintordeitalaivosdecoresdiferentes,quejuntasemescladas
entre si, dão uma nova tinta de tons mais delicados, tal é a nossa sociedade
atualmente. Notam-se aí, através do gênio brasileiro, umas vezes embebendo-
se nele, outras invadindo-o, traços de várias nacionalidades adventícias; é a
inglesa, a italiana, a espanhola, a americana, porém especialmente a portuguesa
e francesa, que todas flutuam, e a pouco e pouco vão diluindo-se para infundir-
se n’alma da pátria adotiva, e formar a nova e grande nacionalidade brasileira.
(Alencar 1953: 35)
Entendemos que, desse modo, a crítica contribuiu para criar a imagem de um au-
tor votado única e exclusivamente às coisas brasileiras nas bases de um esteticismo
febril, o qual ajudaria mais a deformar do que a traduzir a “cor local”, diretamente,
em todo o seu conjunto.
Em função dessa técnica de apreensão da realidade, não haveria, segundo Augus-
to Meyer (1964), romance histórico em Alencar: é que a imaginação doaria ao mundo
um “sentido fabuloso”; com efeito, a escrita da história seria algo impossível, de vez
que a fábula turvaria, de pleno direito, a objetividade do fato, reduzindo a Weltans-
chauung alencarina a um rasgo juvenil. Isso implica dizer que esta não defenderia um
princípio geral, uma tese, como no caso do romance histórico As minas de prata, que
teria “um fim em si mesmo” (Lousada 1951: 17), ou seja, revelaria mais forma que con-
teúdo, não admitindo, portanto, qualquer valor universal.
Assim, a questão de se colocar em primeiro plano as paixões humanas nas páginas
alencarinas, isto é, de se trazer de volta o homem para o centro do debate, não é
tanto a de silenciar o Alencar esteta apagando-lhe o colorido da prosa; mas sim a de
deter-se nas opiniões da crítica, a de ontem e a de hoje, para confrontá-las entre si na
busca de novas possibilidades de análise à luz deste objetivo central.
Desse modo, revitaliza-se o pensamento crítico acerca da obra geral de José de
Alencar: por um lado, a partir da renovação de postura dos novos comentadores, e,
por outro, através da releitura daqueles que, como dissemos, contribuíram para a
formação de um painel teórico acerca do juízo estético, político e filosófico do cria-
dor de As minas de prata. Sob essa orientação, colher-se-á elementos que passaram
despercebidos, ou mesmo o texto inteiro, como o ensaio de cunho filosófico de Alceu
Amoroso Lima, ignorado por grande parte da fortuna crítica alencarina.
Cotejando alguns desses trabalhos, verificamos avanços em torno da idéia de se
reconhecer nos textos de José de Alencar a força do interesse humano, com seus
desdobramentos e conseqüências. Afastando-se portanto de sua prosa todo o co-
lorido semeado pela visão crítica, chegou-se, por exemplo, a uma revitalização dos
caracteres femininos, que, antes de constituírem simples “bonecas de pano”, hão de
revelar “a possibilidade da densidade dos sentimentos, a potencial complexidade das
relações humanas” (De Marco 1990: 83).
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Sendo assim, não haveria a ausência de um “dom de humanidade” (Carvalho, 1921:
322-31) – posto que, para alguns, o autor de Lucíola “não foi escritor do Homem”
(Chaves de Melo 1953: 45). Em verdade, Alencar deu vida a personagens que seriam
“reais, quentes de naturalidade, falando, comendo, suspirando, pecando, humana-
mente” (Cascudo 1955: 8) – bastando recordar a densidade humana de Berta, do Til
(1872), e os conflitos interiores de Emília, em Diva (1864), ambos muito bem destaca-
dos por Antonio Candido (1981: 225 e 230). E em outra perspectiva, a sociocultural,
Lucia Helena (2006) leva-nos a uma compreensão globalizadora do traço nacional e
também humano dos escritos alencarinos; numa palavra, situa-os ante uma realidade
que exibe, por um lado, as ingerências da modernidade em um Brasil de ambições
progressistas e, por outro, as formas brutais de um autoritarismo herdado dos tem-
pos da colonização, e presentes até hoje.
Para terminar, o ensaio de Pedro Lyra mostrará a vida mental de Aurélia e Seixas,
os protagonistas de Senhora (1875), como “o campo de um conflito psicológico pro-
fundo” (1982: 38), que é tomado, em toda a sua extensão, por sentimentos como o
orgulho desvairado, a ambição e o egoísmo; e situará Lucíola (1862), igualmente, na
categoria de obra de observação (1982: 39). Conforme ainda Oscar Mendes:
A partir de Lucíola, e nos demais “perfis de mulher”, [...] a heroína ideal,
Angélica, simples, de caráter uno e típico, dá lugar à mulher-contradição, à
mulher de caráter algo sutil e complicado, revelando as suas contradições, os
seus complexos, os seus desencontros psicológicos, os recessos esconsos da
alma. Diva, por exemplo, tido até hoje como mero romance para mocinhas,
singelo e muito “água de flor de laranja” é, na realidade, a apresentação de um
caso que os escritores abeberados em freudismo tratariam hoje com extremos
de sondagens audaciosas no subconsciente da personagem, acentuando com
excessos de realismo, de naturalismo e até mesmo de cruezas fisiológicas os
embates entre o ego, o id e o super-ego. (1977: 116)
Entendemos, porém, que essa sugestão de abordagem não tem qualquer valor
analítico sem que se localize a obra geral de José de Alencar, antes do mais, no domí-
nio amplo das paixões. No que diz respeito ao texto ficcional, por exemplo, pode-se
salientar a cupidez (O guarani), a vingança (O gaúcho), a avareza (Sonhos d’ouro), o
ressentimento (Ubirajara), o amor repassado de ódio (Senhora), etc. De sorte que a
condição humana seja uma força constante, partindo sempre do universo alencarino
para a crítica, quer dizer, revitalizando esta ao redimensionar aquele, que é, por con-
trapartida, revitalizado.
Mas é preciso lembrar, para o caso, fora do campo ficcional, da posição alencari-
na demasiado polêmica – todavia, profunda e surpreendentemente extemporânea –
ante o problema colocado do fim do cativeiro. Conforme a opinião de Luiz Fernando
Valente:
O próprio discurso no qual Alencar ataca a Lei do Ventre Livre evidencia
uma compreensão tão profunda quanto profética dos problemas sociais
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e econômicos que teriam que ser enfrentados após a abolição. De fato, o
pessimismo alencariano quanto ao destino dos ex-escravos abandonados à
sua própria sorte seria, infelizmente, confirmado pelo crescimento dos cortiços
ou favelas no Rio de Janeiro a partir do final do século XIX, pelo aumento da
pobreza urbana durante o século XX, e pela descriminação sócio-econômica
sob a qual a maioria da população afro-brasileira vive ainda em nossos dias.
(1997-1998: 106-107)
Cabe salientar, por outro lado, que posições críticas inovadoras, no campo for-
mal, devem ser levadas em consideração, como as dos debates de caráter estrutural:
destacando-se, no caso, as opiniões de Araripe Júnior – para quem Iracema não seria
um canto aborígine nem europeu, e sim “um produto inteiramente crioulo” (1958:
200) – e Braga Montenegro, segundo o qual a obra indiana revelaria “uma composi-
ção ambígua de romanesco e inspiração poética” (1965: 43), impedindo uma “defini-
ção genérica precisa” (1965: 41) – o que vem mostrar-lhe a originalidade de forma e
rebater o juízo dos que enxergam em Alencar o reflexo tropical de Chateaubriand e
Walter Scott (Bosi, 1994: 137), a exemplo de Franklin Távora, que, nas Cartas a Cinci-
nato (1871), com a intenção clara de diminuir o estro de José de Alencar, confronta a
obra romanesca deste com passagens de Cooper, Audubon e Aimard.
Essas formulações, a exemplo de tantas outras, têm, de maneira inegável, o va-
lor imorredouro do reconhecimento: nelas ganharão destaque o engenho, o estro,
a imaginação, a sensibilidade lírica, enfim, o brilho, a grandeza estética de José de
Alencar. O que pretendemos dizer é que a dimensão humana, nos conflitos que esta
reúne e exibe, apareceu, com alguma exceção, reduzida a quase nada; daí ser preciso
assinalar que não buscou o autor de O guarani, através da “misantropia artística”,
comunicar-se apenas consigo próprio, em lance egotista, plasmado em notas lúdicas
e irracionais; ou, fora do campo particular, na esfera propriamente nacional, travan-
do luta nativista, de sentimento antilusitano entranhado, refutando, por extensão, o
empréstimo cultural de outros povos e lugares. Seu universalismo estético veio mos-
trar o contrário: Alencar encetou antes o diálogo; deu a sua obra um fim pedagógico,
integrando o homem à atmosfera artística que criou – o que refuta a tese maior do
psicologismo: que teria escrito romances para se projetar em seus heróis, e que por
isso mesmo seriam ou infantis ou poderosamente épicos, nada mais, nada menos do
que isso. A contrapartida a essa concepção se manifesta, pois, na tentativa alencarina
de percorrer literariamente todo o Brasil; de não mostrar desconhecer-lhe o que tem
de humano, ou antes, de não lhe sintetizar os tipos mediante um jogo de palavras
meramente sonoro e plangente. É preciso que se conclua com Alceu Amoroso Lima
(1965: 60): “Alencar representa muito mais do que isso”.
OBRAS CITADAS
ALENCAR, J. Benção paterna. Sonhos d’ouro. Romance brasileiro. 2a
ed. Rio de Janei-
ro: José Olympio, 1953 [1872]. p. 31-38. v. XII
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José de Alencar e a crítica realista
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___. Pós-escrito. Iracema. Lenda do Ceará. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951 [1870].
p. 183-205. v. VIII
ARARIPE JÚNIOR, T. A. José de Alencar: perfil literário. Obra crítica de Araripe Júnior.
Rio de Janeiro: MEC/Casa de Rui Barbosa, 1958 [1882]. v. I
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 37a
ed. São Paulo: Cultrix, 1994
[1970].
CÂMARA CASCUDO, L. O folclore na obra de José de Alencar. In: ALENCAR, J. Til. Ro-
mance brasileiro. 3a
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955 [1951]. p. 3-10. v. XI
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6a
ed. Belo Hori-
zonte: Itatiaia, 1981 [1959]. v. 2
CARVALHO, R. O romance no Brasil. Revista do Brasil, São Paulo, nº 67, p. 322-31, julho
de 1921.
___. Pequena história da literatura brasileira. 13a
ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia.,
1968 [1919].
CASTELLO, J. A. Aspectos do romance brasileiro. Rio de Janeiro: MEC, Serviço de do-
cumentação, 1961.
CHAVES DE MELO, G. Alencar e a ‘língua brasileira’. In: ALENCAR, J. Senhora. Perfil de
mulher. 2a
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953 [1951]. p. 17-88. v. XV
DE MARCO, V. As mulheres fundadoras de Alencar. In: ALMEIDA GAZOLLA, A. L.
(org.). A mulher na literatura. Belo Horizonte: UFMG, v. I, 1990. p. 80-85.
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Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054
http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa
Marcelo Peloggio (UFC)
José de Alencar e a crítica realista
14
[5-14]
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Lisboa: Livraria Bertrand, 1916.
JOSÉ DE ALENCAR AND THE REALISTIC CRITICISM
ABSTRACT: This article dicusses the realistic position in José de Alencar’s critical material in order to
compare it to other analitical approaches and the interpretation of fictionalized or non fictionalized
texts by the Brazilian writer; espcially those that represent a revigorating reading of his work.
KEYWORDS: José de Alencar; literary tradicion; realistic criticism; critical inovation.
Recebido em 13 de março de 2009; aprovado em 30 de setembro de 2009.
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  • 1. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa JOSÉ DE ALENCAR E A CRÍTICA REALISTA Marcelo Peloggio (UFC) peloggio@hotmail.com RESUMO:  O presente artigo aborda a posição realista da fortuna crítica de José de Alencar para, em seguida, compará-la com outras formas de análise e interpretação dos textos ficcionais e não-ficiconais do escritor cearense; neste caso, aqueles que apresentem uma leitura renovadora (revitalizadora) de sua obra. PALAVRAS-CHAVE: José de Alencar; tradição literária; crítica realista; inovação crítica. A obra estética, crítica e política de José de Alencar sempre nos despertou grande interesse, e isso não apenas pelo fato de ser ampla e vária, mas em razão, sobretudo, do tratamento dispensado por sua fortuna crítica: em geral repetitivo, superficial e equivocado. Notamos que, em tempos de vida de Alencar, como após sua morte, os juízos crí- ticos se alternaram, no mais das vezes, entre os elogios de ocasião e as censuras injustas, algumas até maldosas e levianas. E de tal modo foi que o próprio Alencar chegou a queixar-se da ausência de uma crítica superior para as suas obras (Araripe Júnior 1958: 245). Daí a necessidade de se coligir autores que apresentem uma nova postura crítica em relação à obra geral alencarina, fazendo, desse modo, a contraposição necessária àquelas surgidas até aproximadamente os anos 80 do século XX, as quais se pautam ainda, em boa parte, pelos mesmos equívocos e distorções. Assim, pois, é de funda- mental importância cotejar a fortuna crítica recente com a que ajudou a formar todo um quadro teórico sobre o pensamento geral do criador de O guarani. Isso não significa dizer que se dê preferência irrestrita ao “novo” patamar críti- co, de modo a silenciar outro, que seria então “antiquado” e “ultrapassado”; pelo contrário, foi com o parecer mesmo de alguns comentadores dos anos 50 e 60, por exemplo, que se dilataram outros pontos de vista, apoiados em novidades trazidas
  • 2. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 6 [5-14] pelo estudo do subconsciente, pela ecologia e até pela teoria da história (sua dimen- são escatológica e metafísica). Com efeito, esse problema de abordagem não deve ser encarado apenas como o produto de uma geração ou período específico; autores os mais recentes incorrem também em juízos que, se não são equivocados, em geral, mostram-se cediços. O contrário pode ser observado no fato de um ou outro crítico indicar, ou permitir en- trever, idéias que aparecem como subsídios fundamentais à revitalização tanto da fortuna crítica quanto da visão artística, política e filosófica alencarina. Neste último caso – o que trata da incursão de Alencar pelo campo da filosofia (posição sempre tão ignorada) –, bem vale ressaltar o estudo fundamental de Alceu Amoroso Lima, a enfatizar a perspectiva global das concepções estéticas e humanas do autor de O tronco do ipê: Seu brasileirismo não é apenas nacionalista. Se o fosse seria muito mais limitado e estreito do que de fato é. Representa o humanismo brasileiro no que tem de mais amplo e mais profundo, ao mesmo tempo nacional e universal, ou antes nacional porque universal e naturista porque sobrenaturalista. (1965: 42, grifos do autor) Essa análise, francamente hegeliana, a indicar, na obra indiana de José de Alencar, “a primazia do Espírito” a partir de “uma visão cósmica e profética da realidade total” (Lima 1965: 44), isto é, em um movimento “do universal ao nacional” (Lima 1965: 60, grifos do autor), guardará sua importância pelas possibilidades que abre; acompa- nhará, portanto, a flexibilidade e originalidade de outros comentadores, sejam atuais ou de gerações mais antigas. Mas essa perspectiva não mereceu a compreensão devida. À luz da crítica, seu nacionalismo anuviará a real abrangência com que situa o romance brasileiro na mais elevada esfera da literatura mundial. Por conseguinte, sua coerência estética será tanto mais empobrecida quanto mais ao encargo da literatura pátria, em termos de forma e argumento, estiver seu universalismo, que é desvencilhado assim dos pro- blemas humanos. O resultado de tudo isso é o forte encurtamento da vida psicológica dos caracte- res: em função dele, não podem ultrapassar o grau da pura forma estética, à qual “da- ríamos vida”, pondo-a a “desempenhar papéis”. A conclusão é evidente: a condição humana dos tipos alencarinos, se não representa um ataque franco à verossimilhan- ça, expressará o concurso da inabilidade artística para dotar de músculo e ossatura os entes que põe em movimento. Com Lucíola, Araripe Júnior resumirá a deficiência em fórmula naturalista: “A dualidade de Lúcia, pois, no campo dos atos conscientes da alma normal, é inadmissível” (1958: 185). Mais tarde, para o geral da crítica, a repri- menda tornar-se útil porque encorpada: pois o autor de Encarnação “não arrastava pela profundeza das idéias” (Araripe Júnior 1958: 178). É amante então “das longas travessias pelas regiões azuis” (Araripe Júnior 1958: 150, grifos do autor), onde tudo 66
  • 3. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 7 [5-14] seria talhado por uma luminosidade insólita, ora cândida e esmaecida, ora de um co- lorido forte e vibrante – fossem pessoas ou objetos. Tudo seria, aí e então, plasma de uma faculdade enfermiça, a qual faz erguer um mundo demasiado extravagante mediante as ferramentas da arte; quer dizer, à me- dida que afloram à mente sugestões de todo gênero (estéticas, lúdicas, morais), uma forte idealidade vai se apossando do meio à volta até operar-se uma troca de lugares entre a fantasia e a realidade. A esse passo, a análise crítica fixaria o seu lugar-comum: as abordagens e elogios gastos ou o juízo belicoso e injusto. Assim, uma das preeminências de José de Alencar foi, sem dúvida alguma, o estilo – qualidade que serviu também de munição aos críticos de orientação realista, firme- mente contrários à sua dicção poética. No mais, lhe é sempre destacada a escrita “sonora”, produto de uma “rica pintura de silabas”, a encher então de ânimo os seres e as florestas que romanceou. A prosa lírica alencarina vai comunicar, por conseguinte, uma atmosfera que seria “multico- lorida”, ou ainda “sensória”, como o cenário de Iracema, “envolvido em perfumes e aromas agrestes, no qual a brisa e o terral trazem sons e frescura” (Scalambrin, 1995: 842); estilo “que se faz notar mediante um ritmo melódico demasiadamente envolvente ou com particularidades vocabulares ou fraseológicas que denunciem a preocupação ornamental” (Gomes 1958: 30). O próprio Alencar definiu o estilo como “arte plástica”, como esboça no “Pós- escrito” à Iracema (1951: 190): “poucos darão mais, se não tanta importância à forma do que eu; pois entendo que o estilo é também uma arte plástica”; e talvez embalada pela sentença de Araripe Júnior (1958: 178) – que resumiu a obra ficcional do autor do Til como “forma, tão-somente forma” –, a crítica resolveu também considerar-lhe as realizações estéticas pelo mesmo ponto de vista. Daí que Alencar é tido como “o pri- meiro dos nossos romancistas [...] a escrever com elegância” (Veríssimo 1916: 267), e de um modo todo próprio, visto que teria em mente a “emancipação espiritual da língua falada no Brasil” (Gomes 1958: 12). Dessa maneira, é o denodo lingüístico, bem como a forma original e “brasileira” de escrever o português, que leva o autor cearense a conquistar posição de desta- que; claro está que o seu grande poder na fabulação e o seu forte domínio narrativo atuam também para assegurar-lhe o posto de maior autor de nossa ficção romântica, levando a tomá-lo, de modo efetivo, por grande esteta – ou o “paisagista soberbo”, conforme Augusto Meyer (1958: 409). Mas, por outro lado, tanto o estilo quanto as operações lingüísticas tentadas por Alencar tornam-se motivos de críticas duras, que influirão também, de certa maneira, nos que lhe fazem a defesa ou do estilo ou de sua imaginação criadora: sem mais, “o estilo insinua-se com algo de personagem principal” (Gomes 1958: 28), o que equiva- le dizer que a forma de expressão é o que importa. 77
  • 4. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 8 [5-14] Por causa desse paroxismo formalista, tudo em José de Alencar não passaria de luz, cor e som; por conseguinte, seus caracteres e paisagens não integrarão um pro- cesso interpretativo da vida humana em geral, já que não haverá uma abordagem direta da realidade objetiva. De modo que a urdidura da intriga “encolhe” ante o gigantismo de um “desmedido idealismo” (Veríssimo, 1916: 273), o qual, nas peças in- dianas, sobretudo, desponta avassalador, aliando “as mais disparatadas imaginações com as mais fragrantes inverossimilhanças etnológicas, históricas e morais” (Veríssi- mo 1916: 275). Em outras palavras, seu conceito de poesia, armado sobre expedientes formais emprestados da músicaedapintura,acomoda-seaofimalmejado.“VisãodoParaíso”[...]envolta em halos de vaguidade poética, como se a mente da criança balbuciasse, no desordenado de suas impressões, o assombro perante uma natureza pródiga e sugeridora de ser habitada por duendes e fadas. Tudo em Alencar converge para tal espanto: dir-se-ia que, nele, a criança persistiu até o fim, recusando-se a amadurecer e a reconhecer o inverso da realidade pintada, dotado que era duma imaginação geradora de mitos. (Moisés, 1984: 101) Esse foi pois o juízo corrente, alargando a opinião de que o criador de Iracema era pela fantasia desenfreada, então resultado de seu esteticismo de índole tropical; mas também a expressão de uma personalidade arredia e sonhadora; de um “eu” que se contempla a si próprio nas imagens que idealiza e projeta. Os críticos de tendência realista lhe censurariam, portanto, a exuberância e o colorido do texto, o qual des- prezaria os problemas humanos em nome de uma “descrição pela descrição”: ou o embelezamento pleno dos seres e das coisas. Sendo assim, sua ficção ver-se-ia habi- tada, invariavelmente, por criaturas que não teriam calor, quando expostas aos olhos de todos, na rua barulhenta ou no salão festivo. Perdidas, porém, nas selvas, entre o rumor das cachoeiras e dos córregos, à sombra das árvores silenciosas, ganham um aspecto de legenda, crescem de repente, tornam-se míticas, iguais às forças elementares de onde surgem como por milagre. (Carvalho 1968: 251) Logo, a densidade humana das personagens tende a desaparecer por força de um “idealismo absoluto” (Araripe Júnior 1958: 196), a refletir uma preocupação de orna- mentar pela imaginação do que de observar a realidade à volta. O mundo que José de Alencar articulou no papel não teria então o lastro do vivido, mas tão-somente o do imaginado, daquilo que adornou sem meias-tintas. Eugênio Gomes (1958: 32), à luz do psicologismo, também qualificou esse estado de ânimo de infantil; e conforme Olívio Montenegro: É fácil explicar o irrealismo quase infantil da concepção de muitos dos seus romances – e também a forma descomunal das suas figuras, descomunal menos pelo excesso do que pela divergência das suas proporções. Figuras desiguais, fluidas, infixáveis, dando a lembrar reflexos de uma luz batida de muito vento. 88
  • 5. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 9 [5-14] [...] [Alencar] procurou criar o homem não à sua própria semelhança, mas à semelhança da sua paisagem, disforme como a natureza que ele inventa. [Suas personagens dão] mais a idéia de figuras de retórica do que de figuras de gente: são [...] puramente decorativas. (Montenegro 1938: 42 e 43) No ver dos críticos, como “figuras de retórica” a serviço da pura ornamentação ex- terior, as personagens alencarinas não teriam a vida interior penetrada ou traduzida, impossibilitando-lhes assim a análise psicológica, mesmo nos romances urbanos, de inclinação realista. É que, em se tentando algo nessa direção, José de Alencar raramente apresentava os personagens com a justa proporção do mundo real. O seu temperamento lírico deturpava o debuxo das figuras, exaltando-lhes qualidades e feições. As paixões dos heróis e heroínas de seus romances eram amplificadas ao sabor de sua estesia. As vibrações da alma das personagens eram reguladas à descrição do seu temperamento de artista, desde o isocronismo monótono às crispações nervosas de extrema variabilidade. Possuíaodomderepresentarofísico,segundoaspompasdoestilodescritivo; mas exagerava os contornos dos esboços psicológicos, intervindo sempre com a sua imaginação de artista, com a sua alma de porta (Motta 1921: 258). Todavia, em 1931, em trabalho francamente impressionista, a sustentar parecer ousado mas original, escreveria Américo Valério (94 e 189): Alencar é, antes de tudo, genuíno psicólogo freudiano [...] não só devassou, em alto coeficiente psicológico freudiano [...] os caprichos, tiques, segredos e pecados da consciência e espírito femininos, como esquadrinhou os temperamentos humanos, em vários de seus trabalhos. Erram os que encaram, em sua obra definitiva, a imaginação apenas luxuriante. Até porque não passariam de títeres, verdadeiras sombras de si próprias: pois que só existiriam para o coroamento do cenário, das peças de decoração, ou se se prefe- rir, da “maquinaria”, da “carpintaria de bastidor” (Grieco s/d: 113). Daí que, no criador de Lucíola, o estilo seria tudo; o homem, nada: suas criaturas são “como duendes que só vivem na nossa imaginação. O que está estuante de vida, o que nos arrebata nas suas páginas é a prosa”, diz José Lins do Rego (1951: 12). Enfim, para grande parte da crítica, “Alencar movia-se [...] na esfera do onírico e do fantasioso” (Moisés 1984: 98), embalado que era por um “egotismo radical” (Bosi 1994: 137). A conseqüência mais ampla dessa abordagem acabou situando-lhe o pensamento dentro de uma visão de mundo estrita, ou antes, em um nacionalismo limitado, e até mesmo “xenófobo” (Moisés 1984: 95) – o que, em função dos embates de Alencar com os portugueses em torno de nossa nacionalidade literária e de problemas lingü- ísticos, levou a acreditar-se que o movia um “sentimento antilusitano” (Castello 1961: 37). 99
  • 6. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 10 [5-14] Assim, pois, reduziu-se sua obra ficcional, crítica e política a um nativismo extre- mo, o que é afastado pelo próprio Alencar no prefácio de Sonhos d’ouro (1872): Palheta,ondeopintordeitalaivosdecoresdiferentes,quejuntasemescladas entre si, dão uma nova tinta de tons mais delicados, tal é a nossa sociedade atualmente. Notam-se aí, através do gênio brasileiro, umas vezes embebendo- se nele, outras invadindo-o, traços de várias nacionalidades adventícias; é a inglesa, a italiana, a espanhola, a americana, porém especialmente a portuguesa e francesa, que todas flutuam, e a pouco e pouco vão diluindo-se para infundir- se n’alma da pátria adotiva, e formar a nova e grande nacionalidade brasileira. (Alencar 1953: 35) Entendemos que, desse modo, a crítica contribuiu para criar a imagem de um au- tor votado única e exclusivamente às coisas brasileiras nas bases de um esteticismo febril, o qual ajudaria mais a deformar do que a traduzir a “cor local”, diretamente, em todo o seu conjunto. Em função dessa técnica de apreensão da realidade, não haveria, segundo Augus- to Meyer (1964), romance histórico em Alencar: é que a imaginação doaria ao mundo um “sentido fabuloso”; com efeito, a escrita da história seria algo impossível, de vez que a fábula turvaria, de pleno direito, a objetividade do fato, reduzindo a Weltans- chauung alencarina a um rasgo juvenil. Isso implica dizer que esta não defenderia um princípio geral, uma tese, como no caso do romance histórico As minas de prata, que teria “um fim em si mesmo” (Lousada 1951: 17), ou seja, revelaria mais forma que con- teúdo, não admitindo, portanto, qualquer valor universal. Assim, a questão de se colocar em primeiro plano as paixões humanas nas páginas alencarinas, isto é, de se trazer de volta o homem para o centro do debate, não é tanto a de silenciar o Alencar esteta apagando-lhe o colorido da prosa; mas sim a de deter-se nas opiniões da crítica, a de ontem e a de hoje, para confrontá-las entre si na busca de novas possibilidades de análise à luz deste objetivo central. Desse modo, revitaliza-se o pensamento crítico acerca da obra geral de José de Alencar: por um lado, a partir da renovação de postura dos novos comentadores, e, por outro, através da releitura daqueles que, como dissemos, contribuíram para a formação de um painel teórico acerca do juízo estético, político e filosófico do cria- dor de As minas de prata. Sob essa orientação, colher-se-á elementos que passaram despercebidos, ou mesmo o texto inteiro, como o ensaio de cunho filosófico de Alceu Amoroso Lima, ignorado por grande parte da fortuna crítica alencarina. Cotejando alguns desses trabalhos, verificamos avanços em torno da idéia de se reconhecer nos textos de José de Alencar a força do interesse humano, com seus desdobramentos e conseqüências. Afastando-se portanto de sua prosa todo o co- lorido semeado pela visão crítica, chegou-se, por exemplo, a uma revitalização dos caracteres femininos, que, antes de constituírem simples “bonecas de pano”, hão de revelar “a possibilidade da densidade dos sentimentos, a potencial complexidade das relações humanas” (De Marco 1990: 83). 1010
  • 7. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 11 [5-14] Sendo assim, não haveria a ausência de um “dom de humanidade” (Carvalho, 1921: 322-31) – posto que, para alguns, o autor de Lucíola “não foi escritor do Homem” (Chaves de Melo 1953: 45). Em verdade, Alencar deu vida a personagens que seriam “reais, quentes de naturalidade, falando, comendo, suspirando, pecando, humana- mente” (Cascudo 1955: 8) – bastando recordar a densidade humana de Berta, do Til (1872), e os conflitos interiores de Emília, em Diva (1864), ambos muito bem destaca- dos por Antonio Candido (1981: 225 e 230). E em outra perspectiva, a sociocultural, Lucia Helena (2006) leva-nos a uma compreensão globalizadora do traço nacional e também humano dos escritos alencarinos; numa palavra, situa-os ante uma realidade que exibe, por um lado, as ingerências da modernidade em um Brasil de ambições progressistas e, por outro, as formas brutais de um autoritarismo herdado dos tem- pos da colonização, e presentes até hoje. Para terminar, o ensaio de Pedro Lyra mostrará a vida mental de Aurélia e Seixas, os protagonistas de Senhora (1875), como “o campo de um conflito psicológico pro- fundo” (1982: 38), que é tomado, em toda a sua extensão, por sentimentos como o orgulho desvairado, a ambição e o egoísmo; e situará Lucíola (1862), igualmente, na categoria de obra de observação (1982: 39). Conforme ainda Oscar Mendes: A partir de Lucíola, e nos demais “perfis de mulher”, [...] a heroína ideal, Angélica, simples, de caráter uno e típico, dá lugar à mulher-contradição, à mulher de caráter algo sutil e complicado, revelando as suas contradições, os seus complexos, os seus desencontros psicológicos, os recessos esconsos da alma. Diva, por exemplo, tido até hoje como mero romance para mocinhas, singelo e muito “água de flor de laranja” é, na realidade, a apresentação de um caso que os escritores abeberados em freudismo tratariam hoje com extremos de sondagens audaciosas no subconsciente da personagem, acentuando com excessos de realismo, de naturalismo e até mesmo de cruezas fisiológicas os embates entre o ego, o id e o super-ego. (1977: 116) Entendemos, porém, que essa sugestão de abordagem não tem qualquer valor analítico sem que se localize a obra geral de José de Alencar, antes do mais, no domí- nio amplo das paixões. No que diz respeito ao texto ficcional, por exemplo, pode-se salientar a cupidez (O guarani), a vingança (O gaúcho), a avareza (Sonhos d’ouro), o ressentimento (Ubirajara), o amor repassado de ódio (Senhora), etc. De sorte que a condição humana seja uma força constante, partindo sempre do universo alencarino para a crítica, quer dizer, revitalizando esta ao redimensionar aquele, que é, por con- trapartida, revitalizado. Mas é preciso lembrar, para o caso, fora do campo ficcional, da posição alencari- na demasiado polêmica – todavia, profunda e surpreendentemente extemporânea – ante o problema colocado do fim do cativeiro. Conforme a opinião de Luiz Fernando Valente: O próprio discurso no qual Alencar ataca a Lei do Ventre Livre evidencia uma compreensão tão profunda quanto profética dos problemas sociais 1111
  • 8. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 12 [5-14] e econômicos que teriam que ser enfrentados após a abolição. De fato, o pessimismo alencariano quanto ao destino dos ex-escravos abandonados à sua própria sorte seria, infelizmente, confirmado pelo crescimento dos cortiços ou favelas no Rio de Janeiro a partir do final do século XIX, pelo aumento da pobreza urbana durante o século XX, e pela descriminação sócio-econômica sob a qual a maioria da população afro-brasileira vive ainda em nossos dias. (1997-1998: 106-107) Cabe salientar, por outro lado, que posições críticas inovadoras, no campo for- mal, devem ser levadas em consideração, como as dos debates de caráter estrutural: destacando-se, no caso, as opiniões de Araripe Júnior – para quem Iracema não seria um canto aborígine nem europeu, e sim “um produto inteiramente crioulo” (1958: 200) – e Braga Montenegro, segundo o qual a obra indiana revelaria “uma composi- ção ambígua de romanesco e inspiração poética” (1965: 43), impedindo uma “defini- ção genérica precisa” (1965: 41) – o que vem mostrar-lhe a originalidade de forma e rebater o juízo dos que enxergam em Alencar o reflexo tropical de Chateaubriand e Walter Scott (Bosi, 1994: 137), a exemplo de Franklin Távora, que, nas Cartas a Cinci- nato (1871), com a intenção clara de diminuir o estro de José de Alencar, confronta a obra romanesca deste com passagens de Cooper, Audubon e Aimard. Essas formulações, a exemplo de tantas outras, têm, de maneira inegável, o va- lor imorredouro do reconhecimento: nelas ganharão destaque o engenho, o estro, a imaginação, a sensibilidade lírica, enfim, o brilho, a grandeza estética de José de Alencar. O que pretendemos dizer é que a dimensão humana, nos conflitos que esta reúne e exibe, apareceu, com alguma exceção, reduzida a quase nada; daí ser preciso assinalar que não buscou o autor de O guarani, através da “misantropia artística”, comunicar-se apenas consigo próprio, em lance egotista, plasmado em notas lúdicas e irracionais; ou, fora do campo particular, na esfera propriamente nacional, travan- do luta nativista, de sentimento antilusitano entranhado, refutando, por extensão, o empréstimo cultural de outros povos e lugares. Seu universalismo estético veio mos- trar o contrário: Alencar encetou antes o diálogo; deu a sua obra um fim pedagógico, integrando o homem à atmosfera artística que criou – o que refuta a tese maior do psicologismo: que teria escrito romances para se projetar em seus heróis, e que por isso mesmo seriam ou infantis ou poderosamente épicos, nada mais, nada menos do que isso. A contrapartida a essa concepção se manifesta, pois, na tentativa alencarina de percorrer literariamente todo o Brasil; de não mostrar desconhecer-lhe o que tem de humano, ou antes, de não lhe sintetizar os tipos mediante um jogo de palavras meramente sonoro e plangente. É preciso que se conclua com Alceu Amoroso Lima (1965: 60): “Alencar representa muito mais do que isso”. OBRAS CITADAS ALENCAR, J. Benção paterna. Sonhos d’ouro. Romance brasileiro. 2a ed. Rio de Janei- ro: José Olympio, 1953 [1872]. p. 31-38. v. XII 1212
  • 9. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 13 [5-14] ___. Pós-escrito. Iracema. Lenda do Ceará. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951 [1870]. p. 183-205. v. VIII ARARIPE JÚNIOR, T. A. José de Alencar: perfil literário. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: MEC/Casa de Rui Barbosa, 1958 [1882]. v. I BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 37a ed. São Paulo: Cultrix, 1994 [1970]. CÂMARA CASCUDO, L. O folclore na obra de José de Alencar. In: ALENCAR, J. Til. Ro- mance brasileiro. 3a ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955 [1951]. p. 3-10. v. XI CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6a ed. Belo Hori- zonte: Itatiaia, 1981 [1959]. v. 2 CARVALHO, R. O romance no Brasil. Revista do Brasil, São Paulo, nº 67, p. 322-31, julho de 1921. ___. Pequena história da literatura brasileira. 13a ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia., 1968 [1919]. CASTELLO, J. A. Aspectos do romance brasileiro. Rio de Janeiro: MEC, Serviço de do- cumentação, 1961. CHAVES DE MELO, G. Alencar e a ‘língua brasileira’. In: ALENCAR, J. Senhora. Perfil de mulher. 2a ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953 [1951]. p. 17-88. v. XV DE MARCO, V. As mulheres fundadoras de Alencar. In: ALMEIDA GAZOLLA, A. L. (org.). A mulher na literatura. Belo Horizonte: UFMG, v. I, 1990. p. 80-85. GOMES, E. Aspectos do romance brasileiro. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1958. GRIECO, A. Poetas e prosadores do Brasil. Lisboa: Edição LBL, s/d. HELENA, Lucia. A solidão tropical. O Brasil de Alencar e da modernidade. Porto Ale- gre: EDIPUCRS, 2006. LIMA, A. A. José de Alencar, esse desconhecido? In: ALENCAR, J. Iracema. Lenda do Ceará. Edição do centenário. Rio de Janeiro: MEC/Instituto Nacional do Livro, 1965. p. 35-72. LINS DO REGO, J. José de Alencar e a língua portuguesa. In: ALENCAR, J. Cinco minu- tos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951. p. 11-14. v. III LOUSADA, W. Alencar e ‘As Minas de Prata’. In: ALENCAR, J. As minas de prata. Ro- mance brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951. p. 11-18. v. V LYRA, P. Antecipações realistas em Alencar. Convivência, Rio de Janeiro, PEN Clube do Brasil, nº 6, p. 33-43, dezembro de 1982 [1979]. MENDES, O. José de Alencar – romances urbanos. In: Alencar 100 anos depois. Forta- leza: Academia Cearense de Letras, 1977. p. 110-122. 13
  • 10. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 16 (set. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa Marcelo Peloggio (UFC) José de Alencar e a crítica realista 14 [5-14] MEYER, A. Alencar e a tenuidade brasileira. In: ALENCAR, J. Obras completas. Roman- ce Histórico. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964. p. 11-24. v. 2 ­­___. Nota preliminar. In: ALENCAR, J. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958. p. 409-418. v. 3 MOISÉS, M. História da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix/EdUSP, 1984. v. 2 MONTENEGRO, B. Iracema – um século. In: ALENCAR, J. Iracema. Lenda do Ceará. Edi- ção comemorativa do centenário. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1965. p. 17-43. MONTENEGRO, O. O romance brasileiro. As suas origens e tendências. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938. MOTTA, A. José de Alencar (o escritor e o político). Sua vida e sua obra. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia., 1921. SCALAMBRIN, L. Personagens e ambientes em dois romances indianistas de José de Alencar (Iracema/O guarani). In: Atas do 4o Congresso da Associação Internacional de Lusofonistas. Lisboa: Lidel, 1995. p. 841-847. VALENTE, L. F. A construção da nação no discurso político de José de Alencar. Lettera- tura d’America. Revista trimestrale, Roma, Bulzoni Editore, anos XVII-XVIII, ns. 73-74, p. 103-124, 1997-1998. VALÉRIO, A. José de Alencar (freudiano). Rio de Janeiro: Tipografia Aurora – H. San- tiago, 1931. VERÍSSIMO, J. História da literatura brasileira. De Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves & Cia; Paris: Livraria Aillaud; Lisboa: Livraria Bertrand, 1916. JOSÉ DE ALENCAR AND THE REALISTIC CRITICISM ABSTRACT: This article dicusses the realistic position in José de Alencar’s critical material in order to compare it to other analitical approaches and the interpretation of fictionalized or non fictionalized texts by the Brazilian writer; espcially those that represent a revigorating reading of his work. KEYWORDS: José de Alencar; literary tradicion; realistic criticism; critical inovation. Recebido em 13 de março de 2009; aprovado em 30 de setembro de 2009. 1414