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A VERDADEIRA
 VIDA CRISTÃ
 "Não mais eu... mas Cristo"



      Watchman Nee
Tradução do italiano: Daniela Raffo
                         Baixado da Internet de esnips
               Em quarta-feira, 29 de agosto de 2007, 15:05:14
    Terminado de traduzir em terça-feira, 11 de dezembro de 2007,12:57:29
            Disponível em http://digilander.iol.it/camminocristiano/
2
CAPÍTULO 1 – O SANGUE DE CRISTO

   Em que consiste a verdadeira vida cristã? Faremos bem em considerar esta questão
desde o início. O objetivo destes estudos é demonstrar quanto ela é diferente da vida da
maior partes dos cristãos. De fato, uma meditação da Palavra escrita de Deus —por
exemplo, o Sermão da Montanha— deveria impulsionar-nos a nos perguntar se uma
semelhante vida tenha sido jamais vivida sobre a terra, aparte do Filho de Deus mesmo.
A resposta encontra-se justamente nesta última afirmação.
     O apóstolo Paulo nos dá a sua definição da vida cristã na carta aos Gálatas, no
capítulo 2, versículo 20: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas
Cristo vive em mim". O apóstolo, aqui, não expõe uma maneira de viver particular, um
cristianismo de alto nível, mas apresenta simplesmente aquilo que Deus pede de cada
cristão.
   Deus nos revela em sua Palavra que Ele tem somente uma resposta para cada
necessidade humana: seu Filho Jesus Cristo. Em cada relação dEle conosco Ele opera
colocando-nos aparte e pondo Cristo em nosso lugar.
   O Filho de Deus morreu em nosso lugar para o nosso perdão, e vive, em nosso lugar,
para a nossa liberação. Podemos assim falar de duas substituições: um Substituto sobre
a Cruz que nos procura o perdão, e um Substituto dentro de nós, que nos assegura a
vitória. Nos ajudará enormemente e ficaremos protegidos de muitas confusões, se nos
lembrarmos sempre deste fato: Deus resolverá todos os nossos problemas de uma única
forma, ou seja, com a revelação sempre mais profunda do seu Filho.

   O NOSSO DUPLO PROBLEMA: OS PECADOS E O PECADO
   Tomaremos como ponto de partida pelo nosso estudo sobre a verdadeira vida cristã o
grande ensino que nos é apresentado nos primeiros oito capítulos da epístola aos
Romanos, e enfrentaremos nosso projeto desde um ponto de vista prático. Será útil, de
qualquer forma, ressaltar a divisão natural desta seção bíblica em duas partes, e
considerarmos aquelas que emerjam nos temas tratados em cada uma delas.
    Os primeiros oito capítulos da carta aos Romanos constituem um todo em si mesmo.
Os primeiros quatro, junto com os versículos 1-11 do quinto, formam a primeira parte, e
os outros três capítulos e meio (5:12 – 8:39) formam a segunda parte deste conjunto.
Uma leitura atenta nos mostrará que o argumento tratado na primeira metade é
diferente daquele tratado na segunda. Por exemplo, na primeira metade podemos relevar
o uso preponderante da palavra "pecados", em plural. Na segunda metade, ao contrário,
já não é mais assim, porque enquanto a palavra "pecados" aparece somente uma vez, a
palavra "pecado", em singular, repete-se muitas vezes e si constitui no principal tema
tratado. Por que acontece isto?
   Porque na primeira parte trata-se dos pecados que eu tenho cometido diante de Deus,
pecados numerosos e que podem ser contados; enquanto na segunda, o pecado é
examinado como o princípio que opera em mim. Qualquer seja o número de pecado que
eu tenha cometido, aquilo que age em mim é sempre o mesmo princípio de pecado. Eu
preciso de perdão pelos meus pecados, mas necessito também ser liberado do poder do
pecado. O perdão diz respeito a minha consciência, a liberação concerne a minha vida.
Posso receber o perdão de todos os meus pecados, mas, a causa do "meu" pecado, não
encontro paz duradoura no meu espírito.
   Quando a luz de Deus penetrou pela primeira vez em meu coração, meu primeiro
desejo foi o de ser perdoado, porque compreendi que tinha pecado diante dEle; mas
depois de ter recebido o perdão dos pecados fiz um novo descobrimento, aquele do
pecado, e percebi que não somente havia pecado diante de Deus, mas que dentro de
mim existe alguma coisa injusta.
   Descobri a minha natureza de pecador. Existe em mim uma tendência natural para o
pecado, um poder superior que me arrasta ao pecado. Quando esta força maléfica se
manifesta, eu peco. Posso procurar de receber o perdão, mas ainda assim continuarei
pecando. A minha vida continua então num círculo viçoso: peco, sou perdoado, porém
volto pecar. Alegro-me considerando a bênção do perdão de Deus, mas preciso de
alguma coisa a mais: eu preciso da liberação. Necessito do perdão por aquilo que eu fiz,
mas preciso também de ser liberado daquilo que eu sou.

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O DUPLO REMÉDIO DE DEUS: O SANGUE E A CRUZ
   Portanto, os oito primeiros capítulos da Epístola aos Romanos nos apresentam dois
aspectos da salvação: primeiro o perdão dos nossos pecados, e depois a liberação do
pecado. Porém agora, levando em conta este fato, devemos considerar mais uma
diferença.
   Na primeira parte de Romanos 1-8 (versículos de 1:1 até 5:11) menciona-se duas
vezes o sangue de Jesus, no versículo 3:25 e no versículo 5:9. Na segunda parte
(versículos de 5:12 até 8:38) é introduzida, no versículo 6:6, uma nova idéia, quando
nos é dito que nós fomos "crucificados" com Cristo. O tema tratado na primeira seção
concentra-se sobre aquele aspecto da obra do Senhor Jesus, que é representado pelo
"sangue" vertido pela nossa justificação através da "remissão dos pecados". Esta
terminologia já não é utilizada na segunda seção, onde o tema se concentra sobre o
aspecto de sua obra, representado pela "Cruz", ou seja, pela nossa união com Cristo em
sua morte, em sua sepultura e em sua ressurreição. Esta distinção tem um grande valor.
Veremos assim que o sangue tem a ver com o que temos feito, enquanto que a Cruz
refere-se ao que somos. O sangue cancela nossos pecados, ao passo que a Cruz se
ocupa da origem de nossa natureza pecaminosa. Este último aspecto será a substância
de nossa meditação, nos capítulos que se seguem.

   O PROBLEMA DOS NOSSOS PECADOS
   Comecemos, então, a considerar o sangue precioso do Senhor Jesus Cristo e o seu
valor para nós, em quanto cancela os nossos pecados e nos justifica diante dos olhos de
Deus. Este aspecto é apresentado nos seguintes passos: "todos pecaram" (Rm 3:23).
   "Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós
ainda pecadores. Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue,
seremos por ele salvos da ira" (Rm 5:8-9).
   "Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo
Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a
sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para
demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador
daquele que tem fé em Jesus." (Rm 3:24-26).
   Mais adiante no curso do nosso estudo mostraremos a verdadeira natureza da queda e
sobre como sermos salvos. Aqui lembraremos, simplesmente, que o pecado se revelou
como um ato de desobediência a Deus (Rm 5:19). Devemos lembrar agora que a
desobediência é imediatamente seguida da culpa.
   O pecado manifesta-se, então, como uma desobediência, e cria uma separação entre
Deus e o homem, a continuação do qual o homem é expulso longe de Deus. Deus não
pode ter mais comunhão com ele, porque tem penetrado um obstáculo ao qual a
Escritura dá o nome de "pecado". Assim Deus estabelece, antes que nada, que "todos
estão debaixo do pecado" (Rm 3:9), sendo então que o pecado, que de agora em diante
constitui um obstáculo à comunhão do homem com Deus, dá origem no homem a um
sentido de culpa pelo distanciamento de Deus. Então o homem, seguindo a sua
consciência redescoberta, diz: "Pequei" (Lc 15:18). Porém isto não é tudo, porque o
pecado fornece também uma razão para o adversário acusar o homem diante de Deus,
enquanto o nosso sentido de culpa lhe dá a razão para acusar-nos em nosso coração,
convertendo-o assim, finalmente, no "acusador dos irmãos" (Ap 12:10), que lhes diz:
"Vocês pecaram".
   Era necessário, então, que o Senhor Jesus, para introduzir-nos novamente no plano
de Deus, cumprisse a sua obra no que respeita a estes três aspectos: o pecado, a culpa e
a acusação de Satanás contra nós. Precisava-se, antes que nada, que os nossos pecados
fossem cancelados, e isto foi cumprido pelo precioso sangue de Cristo. Necessitava-se,
depois, que a nossa culpa fosse perdoada, e que a nossa consciência fosse tranqüilizada
mediante a revelação do valor daquele sangue. Finalmente, era necessário enfrentar os
ataques no inimigo e responder as suas acusações. Nos é mostrado, nas Escrituras, que
o sangue de Cristo age eficazmente nestas três direções: para Deus, para o homem e
para Satanás.
   Se quisermos avançar, devemos absolutamente apropriar-nos das virtudes daquele
sangue. Esta é a primeira condição essencial. Devemos ter uma consciência fundamental
do fato que o Senhor Jesus morreu na Cruz em nosso lugar, e uma clara compreensão da
eficácia do seu sangue em cancelar nossos pecados.

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Se não temos esta consciência, não podemos dizer que estejamos encaminhados em
nossa via. Examinaremos estes três temas mais de perto.

   PRIMEIRAMENTE O SANGUE TEM VALOR DIANTE DE DEUS
   O sangue foi vertido pela expiação e é ligado à nossa posição diante de Deus. Para
não cair sob juízo, precisamos do perdão pelos pecados que temos cometido, e os nossos
pecados nos são perdoados não porque Deus feche seus olhos ao mal que temos
cometido, mas porque Ele vê o sangue do seu Filho. O sangue não é, então,
primariamente "para nós" mas "para Deus". Se eu desejo conhecer o valor do sangue
para mim, devo aceitar tudo aquilo que ele significa para Deus; se eu não conheço o
valor que o sangue tem para Deus, não conhecerei nunca o valor que ele tem para mim.
Somente quando o Espírito Santo tenha me revelado o preço que Deus atribui ao sangue
de Cristo, penetrará em mim o benefício de sua virtude e compreenderei o seu precioso
valor para mim. Mas o primeiro aspecto do sangue é para Deus. Na Antiga e na Nova
Aliança, a palavra "sangue", usada em conexão com a idéia de expiação, é adotada mas
de cem vezes, e é sempre apresentada como de grande valor diante de Deus.
   Existe no calendário do Antigo Testamento um dia que se encontra em estreita relação
com o argumento dos nossos pecados: é o Dia da Expiação. Nada explica este problema
dos pecados tão bem quanto a descrição deste dia. No capítulo 16 de Levítico lemos que,
no Dia da Expiação, o sangue era tomado das ofertas pelos pecados e levado no Lugar
Santíssimo para ser aspergido sete vezes diante do Eterno. É necessário compreender
isto muito claramente. Naquele dia, o sacrifício pelos pecados era oferecido publicamente
no átrio do Tabernáculo. Tudo era feito abertamente e podia ser visto por todos. mas o
Senhor tinha ordenado severamente que ninguém entrasse no Tabernáculo, a exceção do
Sumo Sacerdote. Ele só tomava o sangue depois de ter entrado no Lugar Santíssimo e
realizava a aspersão diante do Senhor. Por quê? Porque ele era figura do Senhor Jesus
em sua obra redentora: "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um
maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, Nem
por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no
santuário, havendo efetuado uma eterna redenção" (Hb 9:11-12). Assim sendo, ninguém
senão o Sumo Sacerdote podia se aproximar e penetrar no Santuário. Alem disso, ele
entrava para cumprir um único gesto: apresentar a Deus o sangue como uma oferta
aceitável, na qual Deus podia ter satisfação. Era uma transação entre o Sumo Sacerdote
e Deus no segredo do Lugar Santíssimo, longe dos olhares dos homens que deviam
resultar beneficiados. O Senhor o requeria assim. O sangue é, então, o primeiro lugar
não "para nós", mas "para Ele". Já antes achamos descrita a efusão do sangue do
cordeiro pascual no Egito para o resgate de Israel. "E aquele sangue vos será por sinal
nas casas em que estiverdes; vendo eu sangue, passarei por cima de vós, e não haverá
entre vós praga de mortandade, quando eu ferir a terra do Egito" (Êx 12:13). Aquela é
ainda, penso, uma das figuras mais claras da nossa redenção que possamos achar no
Antigo Testamento. O sangue era colocado sobre as ombreiras e na verga das portas,
enquanto o carne dos cordeiros era comido no interior das casas. E Deus disse: "vendo
eu sangue, passarei por cima de vós".
   Temos aqui uma outra ilustração do fato que o sangue não deve ser apresentado ao
homem, mas a Deus, porque o sangue era colocado no exterior da casa e aqueles que
celebravam a festa no interior não podiam vê-lo.

   DEUS É SATISFEITO
   A santidade de Deus e a justiça de Deus requerem que uma vida sem pecado seja
entregue pelo homem. A vida está no sangue e aquele sangue deve ser vertido por mim
a causa dos meus pecados. É Deus quem o reclama, Deus é Aquele que pede que o
sangue seja oferecido, para satisfazer a sua justiça; é Ele mesmo que declara: "vendo eu
sangue, passarei por cima de vós". O sangue de Cristo satisfaz plenamente a Deus.
   Gostaria aqui de dar uma palavra aos meus mais jovens irmãos no Senhor, porque é
neste ponto que achamos, com freqüência, dificuldades. Antes de acreditar em Cristo,
talvez nunca tenhamos sido turbados pelas nossas consciências, até que a Palavra de
Deus não começou despertá-la. A nossa consciência estava morta e Deus não pode fazer
nada com aqueles cuja consciência está morta. Porém mais tarde, quando cremos, a
nossa consciência acordada tornou-se extremamente sensível e isto pode constituir-se
num verdadeiro problema para nós. O sentimento do pecado e da culpa pode tornar-se
tão grande e tão terrível, que pode até chegar a paralisar-nos, fazendo-nos perder de
vista a verdadeira eficácia do sangue. Nos parece, então, que os nossos pecados sejam
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muito reais, e qualquer pecado em particular pode atormentar-nos tão freqüentemente
que pode fazer-nos acreditar que os nossos pecados sejam maiores que o sangue de
Cristo. Ora, todas as nossas dificuldades provêm disto: provar a sentir o valor do sangue
e estimar subjetivamente o que ele significa para nós. Mas não podemos fazer isto,
porque não é assim que se fazem as coisas. É Deus quem, antes que nada, deve ver o
sangue. Depois, nós devemos aceitar em seguida o valor que Deus lhe dá. somente
então compreenderemos o valor que tem para nós. Se, ao contrário, tratamos de avaliá-
lo segundo o nosso modo de pensar, não obteremos nada, ficaremos no escuro. É uma
questão de fé na Palavra de Deus, devemos acreditar que o sangue de Cristo é precioso
diante de Deus, porque Ele disse que assim era. "Sabendo que não foi com coisas
corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da sua vã maneira de viver que
por tradição recebestes dos seus pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de
um cordeiro imaculado e incontaminado, o qual, na verdade, em outro tempo foi
conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos
por amor de vós" (1 Pe 1:18-20). Se Deus pode aceitar o sangue de Cristo como uma
expiação dos nossos pecados e como preço da nossa redenção, podemos estar seguros
que a dívida ficou paga. Se Deus está satisfeito com o sangue, quer dizer que o sangue é
aceitável. O valor que nós atribuímos ao sangue deve se corresponder com o que Deus
lhe atribui, nem mais nem menos. Não pode certamente ser mais alto, mas também não
deve ser mas baixo. Lembremos que Deus é Santo e justo, e que um Deus justo e santo
tem o direito de declarar que o sangue de Cristo O tem agradado o satisfeito
plenamente.

   A VIA PELA QUAL O CRENTE VAI A DEUS
   O sangue de Jesus satisfez Deus, mas deve satisfazer também a nós. Existe, então,
um segundo valor, que é para o homem, em quanto que purifica a nossa consciência.
Meditando sobre a Epístola aos Hebreus achamos aquilo que o sangue fez. Ele conseguiu
para nós "corações purificados da má consciência" (Hb 10:22).
   Isto é muito importante. Consideremos atentamente o que está escrito. O autor não
nos diz somente que o sangue do Senhor Jesus purifica o nosso coração; não pára nesta
declaração.
   É um erro relacionar o coração com o sangue desta maneira. Assim demonstramos
não compreender a esfera na qual opera o sangue, quando apregoamos: "Senhor,
purifica o meu coração do pecado com o Teu sangue"; o coração, Deus diz, é "enganoso"
e "perverso" (Jr 17:9).
   Deus deve então fazer alguma coisa mais eficaz que purificá-lo: Ele deve nos dar um
coração novo.
   Nós nunca pensaremos em lavar e passar o ferro numa roupa que seja para jogar
fora. Como veremos mais adiante, a "carne" é demasiadamente corrupta para ser
purificada: ela deve ser crucificada.
   A obra de Deus em nós deve ser uma coisa completamente nova: "E dar-vos-ei um
coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo" (Ez 36:26).
   Não, eu não acho nenhum versículo no qual seja declarado que o sangue de Cristo
purifica o coração. A sua obra não é subjetiva neste sentido, mas inteiramente objetiva,
diante de Deus. É verdade que a obra da purificação do sangue, segundo Hebreus 10,
toca nosso coração, mas é em relação com a nossa consciência. "...tendo os corações
purificados da má consciência" (Hb 10:22): o que significa isto? Significa que um
obstáculo foi introduzido entre eu e Deus, criando em mim uma má consciência que
advirto a cada vez que tento me aproximar dEle. Ela me lembra constantemente a
barreira que foi criada entre Ele e eu. Porém agora, a obra do sangue precioso eliminou
aquela barreira, e Deus me fez conhecer este fato mediante a sua Palavra.
   Devido a que eu cri e aceitei Jesus, a minha consciência foi purificada e o meu sentido
de culpa desapareceu; já não tenho uma má consciência diante de Deus.
    Cada um de nós sabe quanto é precioso ter, em nossa relação com Deus, uma
consciência pura de cada mácula de pecado. Sim, um coração cheio de fé e uma
consciência limpa de todas as acusações são duas coisas essenciais para nós, e uma
acompanha a outra. Quando perdemos a paz da consciência, a nossa fé naufraga, e
sentimos em seguida que não podemos nos aproximar de Deus. mas para poder
continuar a caminhar com Deus devemos conhecer sempre o valor atual do sangue. Deus
tem uma contabilidade muito precisa, e é pelo sangue de Cristo que nós podemos, a
cada dia, cada hora e cada minuto, nos aproximar dEle. O sangue não perde nunca a sua
eficácia como nossa base de acesso ao trono da graça, e nós confiamos inteiramente
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nisso. Então, quando entramos no Lugar Santíssimo, sobre qual fundamento além do
sangue ousaremos nos apoiar?
    Eu preciso me fazer esta pergunta: procuro verdadeiramente ir a Deus através do
sangue, ou me confio em qualquer outra coisa? O que entendo quando digo: "através do
sangue"? Quero dizer, simplesmente, que eu reconheço os meus pecados, que necessito
purificação e expiação, e que me aproximo de Deus apoiando-me só em seus méritos, e
nunca confiando nas minhas próprias forças. Nunca, por exemplo, fundando-me no fato
de ter sido particularmente amável ou paciente durante o dia, ou de ter feito qualquer
coisa pelo Senhor nesta manhã. Devo me aproximar de Deus sempre pela via do sangue
de seu Filho. A tentação, para muitos de nós, quando queremos nos achegar a Deus, é a
de pensar que, já que Deus tem agido em nós, nos fez conhecer alguma coisa de mais
sobre Ele e nos abriu os olhos acerca de lições mais profundas a respeito da Cruz, tem
colocado assim diante de nós novas normas de vida, e que somente nos submetendo a
elas poderemos ter uma consciência pura diante dEle.
    Não! Uma consciência pura não está nunca baseada sobre uma vitória que tenhamos
conseguido; ela só pode ser estabelecida sobre a obra que o Senhor Jesus cumpriu
vertendo o seu sangue.
    Posso errar, mas tenho a impressão muito forte que alguns de nós temos, às vezes,
sentimentos como estes: "Hoje eu fui mais amável; hoje eu agi melhor; esta manhã li a
Palavra de Deus de forma mais recolhida, então posso orar melhor!", ou, ainda: "Hoje eu
tive algumas dificuldades com a minha família, comecei o dia de péssimo humor, sem
jeito, e agora não me sinto tão cômodo assim; parece que alguma coisa não está indo
bem; não posso, porém, me aproximar de Deus".
    Qual é, afinal, a base sobre a qual vocês se aproximam de Deus? Vão a Ele sobre o
fundamento incerto dos seus sentimentos, pensando que hoje conseguiram fazer alguma
coisa para Ele? Ou vocês se apóiam sobre um fundamento muito mais seguro, ou seja,
sobre o fato que o sangue foi vertido e que, vendo esse sangue, Deus está satisfeito?
Naturalmente, se tivesse sido possível conceber que a virtude do sangue pudesse ser
mudada, a base sobre a qual nos aproximamos de Deus seria menos digna de confiança.
Porém, a virtude do sangue nunca mudou e nunca mudará. Podemos, então, nos achegar
sempre a Deus com certeza, e esta segurança a obtemos através do sangue, e nunca
pelos nossos méritos pessoais. Qualquer seja a medida dos nossos méritos de hoje, de
ontem ou de anteontem, apenas nos chegamos com plena consciência ao lugar três
vezes santo, é preciso imediatamente que nos apoiemos sobre o terreno seguro e único
do sangue vertido. Se o nosso dia foi bom ou ruim, se pecamos a sabendas ou não, o
fundamento sobre o qual nos aproximamos a Deus é o mesmo: o sangue de Cristo. O
fato de este sangue ser agradável a Deus permanece a única base sobre a qual podemos
entrar em sua presença; não existem outras.
    Como em muitas outras etapas da nossa experiência cristã, este fato do acesso a
Deus se compõe de duas fases, uma inicial e uma sucessiva. A primeira está
representada em Efésios 2, e a segunda em Hebreus 10. No início, a nossa posição
diante de Deus é assegurada pelo sangue, porque nós fomos "aproximados pelo sangue
de Cristo" (Ef 2:13). E imediatamente a base do nosso contínuo acesso a Deus subsiste
ainda no sangue; portanto o apóstolo nos exorta assim: "Tendo, pois, irmãos, ousadia
para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, (...) Cheguemo-nos" (Hb 10:19,22).
Para começar fui re-aproximado pelo sangue, e a continuação, nesta nova relação com
Deus devo sempre recorrer ao sangue. Não que eu tenha sido salvado sobre uma certa
base e que depois mantenha a minha comunhão com Deus sobre uma outra base. Vocês
dirão: "Isto é muito simples; é o ABC do Evangelho". Sim, porém é um fato que muitos
de nós nos temos distanciado deste ABC. Temos pensado de ter feito progressos e de tê-
lo assim superado, mas nunca poderemos fazer isto. Não, eu me aproximei de Deus a
primeira vez através do sangue, e a cada vez que me apresento a Ele é pelo mesmo
meio. Até o fim será assim, sempre e unicamente sobre a base do sangue de Cristo.
    Isto não significa de maneira alguma que devamos viver uma vida despreocupada; de
fato, estudaremos mais tarde um outro aspecto da morte de Cristo, que mostrará a
vocês uma coisa completamente diferente. Porém de momento, contentemo-nos com o
sangue que está conosco e nos é suficiente. Podemos ser fracos, mas considerando a
nossa debilidade não ficaremos mais fortes. Nem também não tentando de sentir a nossa
miséria e fazendo penitência nos tornaremos mais santos. Não encontraremos nenhuma
ajuda neste sentido. Tenhamos então a coragem de encostar-nos em Deus confiando no
sangue, e digamos: "Senhor, eu não conheço bem o valor do sangue, mas sei que o
sangue tem Te satisfeito, portanto, o sangue me basta, e é o meu único refúgio. Vejo
                                                                                     7
agora que, tenha eu realizados progressos ou não, tenha eu melhorado ou não, não
posso nunca me apresentar diante de Ti senão sobre o fundamento do precioso sangue".
Então a nossa consciência ficará verdadeiramente livre diante de Deus. nenhuma
consciência poderá nunca ser purificada fora do sangue. É o sangue que nos dá
segurança diante de Deus; "De outra maneira, teriam deixado de se oferecer, porque,
purificados uma vez os ministrantes, nunca mais teriam consciência de pecado", esta é a
poderosa expressão de Hebreus 10:2. Somos purificados de cada pecado; podemos fazer
eco com Paulo às palavras de Davi: "Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não
imputa o pecado" (Romanos 4:8).

   A VITÓRIA SOBRE O ACUSADOR
   Depois de tudo que já temos considerado, podemos agora enfrentar o inimigo, porque
existe ainda um outro aspecto da virtude do sangue, aquele que nos resguarda de
Satanás.
   A atividade mais viva de Satanás neste tempo consiste em ser o acusador dos
crentes: "...porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso
Deus os acusava de dia e de noite" (Apocalipse 12:10).
   É nesta ação sua que o nosso Senhor o enfrenta com o seu particular ministério de
Sumo Sacerdote, "por meio do seu próprio sangue" (Hb 9:12).
   Qual é, então, a obra do sangue contra Satanás? Ela consiste em colocar a Deus de
parte do homem, contra Satanás. A queda produziu no homem uma condição que tem
permitido o adversário entrar em contato com ele, com o resultado de forçar Deus a se
retirar. O homem está agora fora do Jardim do Éden, já não pode ver mais a glória de
Deus: "...todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (Rm 3:23), porque,
inteiramente, o homem transformou-se num estranho para Deus. Como conseqüência do
que o homem tem feito, existe agora alguma coisa nele que impede Deus de defendê-lo,
até que o obstáculo seja removido. Mas o sangue de Cristo tirou esta barreira; restituiu o
homem a Deus e Deus ao homem. O homem está agora sob a proteção divina, e devido
a que Deus o acompanha, Ele pode sem temor enfrentar Satanás.
     Vocês se lembrarão daquele versículo da primeira epístola de João, e esta é a
tradução que eu prefiro: "O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de cada pecado" (1
Jo 1:7). Não é exatamente "todos os pecados", no sentido geral, mas de cada pecado,
cada um detalhadamente.
   O que significa isto? É uma coisa maravilhosa!
   Deus está na luz, e se caminhamos com Ele na luz, tudo fica exposto e descoberto
diante desta luz, e assim Deus pode ver tudo perfeitamente, enquanto o sangue de
Cristo pode purificar-nos de cada pecado. Que purificação! Isto não significa que eu não
conheça profundamente a mim mesmo, ou que Deus não me reconheça perfeitamente.
Não é que eu procure escondê-Lhe alguma coisa, nem que tente de não vê-Lo. Não,
acontece que Ele é a luz, que também eu estou na luz e que ali o sangue precioso me
purifica de cada pecado. O sangue tem condições de fazer isto!
   Alguém, oprimido pela sua debilidade, poderia ser tentado a pensar que existem
pecados imperdoáveis. Lembremo-nos então destas palavras: "O sangue de Jesus Cristo,
seu Filho, nos purifica de cada pecado". Grandes pecados, pequenos pecados, pecados
que podem parecer tão pretos e pecados que não nos parecem tão graves, pecados que
eu acredito possam ser perdoados e pecados que achamos imperdoáveis, sim, todos os
pecados, conscientes ou inconscientes, tanto aqueles de que eu me lembro como aqueles
que já esqueci, estão contidos nestas palavras: "cada pecado". "O sangue de Jesus
Cristo, seu Filho, nos purifica de cada pecado". E pode fazê-lo porque em primeiro lugar
satisfaz o Pai.
   E se Deus, que vê todos os nossos pecados à luz, pode perdoá-los graças ao sangue,
qual fundamento de acusação resta a Satanás? Ele pode nos acusar diante de Deus,
porém, "se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8:31).
   Deus lhe mostra o sangue de seu Filho dileto e esta é a resposta suficiente à qual
Satanás não pode replicar de maneira alguma. "Quem intentará acusação contra os
escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem
morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e
também intercede por nós." (Rm 8:33-34). Temos ainda, no obstante, a necessidade de
reconhecer a eficácia absoluta do sangue precioso. "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote
dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é,
não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue,
entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção." (Hb 9:11-12).
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Ele foi Redentor uma vez, e agora, quase dois mil anos depois, é Sumo Sacerdote e
Advogado. Ele está na presença de Deus e é a "propiciação pelos nossos pecados" (1 Jo
2:1). Notemos bem as palavras de Hebreus 9:14: "Quanto mais o sangue de Cristo (...)
purificará as suas consciências...". Estas palavras sublinham a eficácia perfeita do seu
ministério, que é suficiente perante Deus. Qual deverá ser a nossa postura a respeito de
Satanás? Esta pergunta é importante porque o inimigo nos acusa não somente diante de
Deus, mas também em nossas próprias consciências: "Você pecou e continua a pecar.
Você é fraco, e Deus não pode fazer nada por você". Estas são as armas das quais se
serve Satanás.
   Então somos tentados de olhar dentro de nós, para tratar de achar em nós mesmos,
em nossos sentimentos ou em nossa conduta, uma razão para acreditar que Satanás
está errado; ou então somos tentados a reconhecer a nossa debilidade e, indo até o
outro extremo, de abandonar-nos ao desencorajamento e à desesperação. A acusação
converte-se assim em uma arma de Satanás, a mais forte e eficaz. Ele nos mostra
nossos pecados e procura acusar-nos diante de Deus, e se não reconhecemos a fraqueza
das suas acusações, caímos em seguida em desespero. Ora, a razão pela qual aceitamos
tão facilmente as acusações de Satanás é que esperamos ainda achar alguma justiça em
nós. Mas o fundamento de nossa esperança é falso e assim o adversário alcançou seu
objetivo, que consiste em fazer-nos olhar para a direção errada, dando-lhe assim o modo
de nos deixar sem forças para resistir. Porém, se temos aprendido a não confiar na
carne, não ficaremos surpresos quando cairmos em algum pecado, porque a natureza
própria da carne é o pecado. Compreendem o que quero dizer? Porque não conseguimos
ainda conhecer a nossa verdadeira natureza, nem ver o impotente que somos, temos
ainda alguma confiança em nós mesmos, e somos ainda esmagados pelas acusações de
Satanás. Deus tem o poder de regularizar a questão dos nossos pecados, mas nada pode
fazer por um homem que está sob acusação, até que este homem não coloca
completamente a sua confiança no sangue de Cristo. O sangue fala em seu favor, porém
o homem dá ouvidos a Satanás. Cristo é o nosso advogado, mas nós, os acusados, nos
sentamos ao lado do nosso acusador. Não compreendemos que somos dignos somente
de morte; que, como veremos em seguida, só podemos ser crucificados de todas as
maneiras. Não temos ainda compreendido que somente Deus pode responder ao
acusador e que já o fez com o sangue precioso de seu Filho. A nossa salvação consiste
em voltar o nosso olhar ao Senhor Jesus, e em ver que o sangue do Cordeiro tem
enfrentado toda a situação gerada pelo nosso pecado, e a tem resolvido.
   Este é o fundamento seguro com o qual podemos contar. Não deveremos nunca
procurar responder a Satanás com a nossa boa conduta, mas sempre com o sangue de
Jesus. Sim, somos pecadores, mas —louvado seja Deus!—, o sangue nos purifica de cada
pecado. Deus olha para o sangue pelo qual seu Filho respondeu a acusação, e Satanás
não tem mais base para nos atacar. A nossa fé no precioso sangue e a nossa recusa de
abandonar esta segura posição podem, sozinhas, reduzir ao silencio as acusações de
Satanás e pô-lo em fuga.
   "Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.
Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os
mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós." (Rm 8:33-34).
   E assim será até o fim: "E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do
seu testemunho; e não amaram as suas vidas até à morte" (Ap 12:11). Que liberação
para nós discernirmos melhor o valor que tem, aos olhos de Deus, o sangue precioso de
seu Filho dileto!


                             CAPÍTULO 2 – A CRUZ DE CRISTO

   Temos visto que os oito primeiros capítulos da epístola aos Romanos podem ser
divididos em duas partes.
   Foi-nos mostrado, na primeira parte, que o sangue age segundo o que temos feito;
enquanto, na segunda parte, veremos que a Cruz1 age segundo o que nós somos.
   1
      O autor aqui, e através deste estudo, usa o termo "a Cruz" num sentido particular. Muitos
leitores conhecerão bem o uso da expressão "a Cruz" para significar, em primeiro lugar, a inteira
obra redentora cumprida historicamente na morte, sepultura, ressurreição e ascensão do Senhor
Jesus (Fp 2:8-9); e, em segundo lugar, num sentido mais amplo, a união dos crentes com Ele
através da graça (Romanos 6:4; Efésios 2:5-6). Desde o ponto de vista de Deus, neste uso do
termo, a função de "o sangue" em relação ao perdão dos pecados (como tratado no capítulo
                                                                                               9
Precisamos do sangue de Jesus para o perdão; e precisamos da Cruz para ser liberados.
Tratamos brevemente nas páginas precedentes o primeiro aspecto e nos deteremos
agora no segundo; porém, antes de fazê-lo, consideraremos ainda algum outro passo
importante, referente em toda esta seção que sublinha a diferença entre o tema tratado
e os pensamentos seguidos nestas duas partes.

    OUTRA DISTINÇÃO
    Dois aspectos da ressurreição são mencionados nas duas partes, com referências aos
capítulos 4 e 6. na epístola aos Romanos, 4:25, a ressurreição do Senhor Jesus está
ligada à nossa justificação: "O qual (Jesus) por nossos pecados foi entregue, e
ressuscitou para nossa justificação." O tema em vista neste fragmento é a nossa posição
diante de Deus. mas em Romanos 6:4 a nossa ressurreição nos é mostrada como o dom
de uma nova vida, com vistas a um caminho santificado: "...para que, como Cristo foi
ressuscitado (...) assim andemos nós também em novidade de vida". A palavra que está
aqui diante de nós tem a ver com o nosso caminho diante de Deus. Por outra parte, se
fala da paz nos capítulos 5 e 8. Romanos 5 fala da paz com Deus que é o fruto da
justificação mediante a fé em seu sangue: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos
paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5:1). Isto significa que havendo eu
recebido o perdão pelos meus pecados, Deus já não mais será para mim causa de terror
e de angústia. Eu, que era inimigo de Deus, fui "reconciliado com Ele pela morte de seu
Filho" (Rm 5:10). Porém, em seguida, me lembro que estou por mim mesmo sujeito a
grande tormento. Existe ainda incerteza em mim, porque há no fundo do meu "eu"
alguma coisa que me empurra a pecar. Tenho a paz com Deus, mas não tenho a paz
comigo mesmo. Existe, de fato, a guerra no meu coração. Há uma descrição muito clara
em Romanos 7, onde a carne e o espírito desencadearam um conflito mortal em mim.
Mas partindo daqui, a Palavra nos conduz ao capítulo 8, à paz interior pelo caminho
segundo o Espírito. "Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é
vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à
lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser" (Rm 8:6-7).
    Prosseguindo ainda no nosso estudo, vemos que a primeira metade da segunda seção
trata em geral da questão da justificação. Veja por exemplo: "Sendo justificados
gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao qual Deus
propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela
remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da
sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem
fé em Jesus." (Romanos 3:24-26).
    E ainda: "Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé
lhe é imputada como justiça (...) Mas também por nós, a quem será tomado em conta,
os que cremos naquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor; o qual
por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação." (Romanos
4:5,24-25).
    A segunda metade da seção tratada, pelo contrário, tem como sujeito principal o
interrogativo correspondente à santificação. De fato, em Romanos 6:19 e 22 diz: "...pois
que, assim como apresentastes os seus membros para servirem à imundícia, e à
maldade para maldade, assim apresentai agora os seus membros para servirem à justiça
para santificação (...) Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o
seu fruto para santificação, e por fim a vida eterna". Então, quando conhecemos a
preciosa verdade da justificação pela fé, conhecemos somente a metade. Temos
resolvido somente o problema de nossa posição diante de Deus mas, à medida que
avançamos no conhecimento, Deus tem alguma coisa a mais para nos oferecer; ou seja,
a solução do problema de nossa conduta. O desenvolvimento do pensamento, nestes
capítulos da epístola aos Romanos, sublinha a importância deste ponto. O segundo passo
é o resultado do primeiro e se nós ficamos no primeiro teremos uma vida cristã ainda
imperfeita, ou por debaixo do normal.

precedente), é claramente incluída (com tudo que se segue neste estudo) como uma parte da obra
da Cruz.
    Neste e nos seguintes capítulos, contudo, o autor foi constrangido, por falta de um termo
alternativo, a utilizar "a Cruz" num sentido doutrinário muito mais particular e limitado, a fim de
traçar uma útil distinção entre a substituição e a identificação, como sendo, de um ponto de vista
humano, dois aspectos separados da doutrina da redenção.
    Portanto, o nome do inteiro e usado por uma das partes. O leitor deverá ter presente isto nos
textos que se segue (N. do E.).
10
Como podemos, então, viver uma vida cristã normal? Como poderemos fazer? É
preciso, naturalmente, começar por resolver o perdão dos pecados; é necessária a
justificação e a paz com Deus: isto constitui um fundamento indispensável. Porém, uma
vez estabelecida esta base como o nosso primeiro ato de fé em Cristo, fica claro, do que
precede, que devemos avançar para alguma coisa a mais. Assim vemos que o sangue
tem efeito sobre os nossos pecados. O Senhor Jesus os levou em nosso lugar sobre a
Cruz, como nosso substituto, e assim obteve o perdão para nós, a justificação e a
reconciliação. Mas devemos, agora, dar um passo adiante no conhecimento do plano de
Deus para compreender como age sobre o princípio do pecado que há em nós. O sangue
pode cancelar os meus pecados, mas não pode suprimir meu "velho homem". É preciso
que a Cruz o faça morrer. O sangue deixa os pecados de lado, mas é necessária a Cruz
para pôr de lado o pecador.
   Acharemos raramente a palavra "pecador" nos primeiros quatro capítulos da epístola
aos Romanos, porque não são os pecadores o alvo principal, mas o pecado que têm
cometido. A palavra "pecador" aparece pela primeira vez no capítulo 5, e é importante
observar como é introduzida a idéia do pecador. Diz-se neste capítulo que o pecador é
assim porque nasceu pecador, e não porque cometeu pecados. A diferença é importante.
É verdade que amiúde, para convencer o homem da rua de que é um pecador, o servo
do Senhor utiliza a instância bem conhecida de Romanos 3:23, onde diz que "todos
pecaram"; mas o uso deste texto não está estritamente de acordo com as Escrituras. Os
versículos que são utilizados assim comumente podem, às vezes, pôr em perigo a
integração e conduzir a uma conclusão errada. De fato, a epístola aos Romanos não
ensina que sejamos pecadores porque cometemos pecados, senão que cometemos
pecado porque somos pecadores. Somos pecadores por natureza, antes que pelo nosso
comportamento. Como declara Romanos 5:19: "pela desobediência de um só homem,
muitos foram feitos pecadores". Como nos convertemos em pecadores? Pela
desobediência de Adão. Nós não nos convertemos em pecadores por aquilo que fizemos,
mas a causa daquilo que Adão fez e daquilo em que se converteu. Eu falo inglês, mas
isso não me converte num inglês. Eu sou em verdade chinês. Assim, o capítulo 3 chama
a nossa atenção para o que temos feito. "Todos pecaram", mas não é porque pecamos
que nos convertemos em pecadores. Um dia fiz esta pergunta a uma aula de escolares:
"Quem é um pecador?" A resposta imediata deles foi: "Aquele que peca". Sim, aquele
que peca é um pecador, mas o fato de que peca é simplesmente a prova de que ele já é
um pecador, não é a causa. Aquele que peca é um pecador, porém também é verdade
que aquele que não peca, mas pertence à raça de Adão, é igualmente um pecador e
precisa de redenção. Vocês me seguem? Existem maus pecadores e também bons;
existem pecadores "morais" e pecadores "corruptos"; porém todos são igualmente
pecadores. Nós pensamos, às vezes, que se não tivéssemos feito certas coisas, tudo iria
melhor; mas o mal está escondido muito mais profundamente que naquilo que nós temos
cometido: está dentro de nós. Um chinês pode ter nascido em América e ser incapaz de
falar uma palavra em chinês, mas isto não evita que fique chinês pelo fato de que ele é
chinês. É o nascimento, a origem o que conta. Assim, eu sou um pecador porque nasci
em Adão. Não é pela minha conduta, mas pela minha herança, pela minha ascendência.
Não sou um pecador porque peco, mas peco porque desço de uma cepa malvada. Eu
peco porque sou um pecador. Nós nos inclinamos a pensar que aquilo que temos
cometido é muito mau, porém que nós mesmos não somos tão maus. No entanto, o
Senhor quer nos fazer compreender que a nossa natureza é malvada, fundamentalmente
malvada. A raiz do mal é o pecado; é necessário agir sobre ele. Os nossos pecados são
lavados pelo sangue, porém quanto a nós mesmos, devemos morrer sobre a Cruz. O
sangue nos assegura o perdão para tudo o que temos feito; a Cruz nos assegura a
liberação daquilo que somos.

   A CONDIÇÃO NATURAL DO HOMEM
   Temos assim chegado a Romanos 5:12: "Portanto, como por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os
homens por isso que todos pecaram."
   Nesta grande passagem, a graça é colocada em contraste com o pecado, e a
obediência de Cristo é oposta à desobediência de Adão. Este fragmento fica no início da
segunda parte da carta aos Romanos (de 5:12 até 8:3) de que, agora, nos ocuparemos
mais particularmente, e o tema que aqui é tratado conduz de uma conclusão que será a
base de todas as meditações que seguirão. Qual é esta conclusão? A achamos no
versículo 19, citado acima: "Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos
                                                                                     11
foram feitos pecadores, assim pela obediência de um, muitos serão feitos justos". O
Espírito de Deus busca aqui mostrar-nos como éramos antes e no que nos convertemos
depois.
   No inicio de nossa vida cristã estamos preocupados com as nossas ações e não com a
nossa natureza; estamos entristecidos mais com aquilo que temos feito que com aquilo
que somos. Imaginamos que se pudéssemos só reparar certas ações, poderíamos ser
bons cristãos e nos esforçamos, então, para mudar nossa maneira de agir. Mas o
resultado não é o que esperamos. Reparamos, desalentados, que o mal não provém
somente das dificuldades exteriores, mas que há, em efeito, uma causa mais grave em
nosso interior. Desejamos que o Senhor goste de nós, mas achamos em nós alguma
coisa que não deseja gostar dEle. Buscamos de sermos humildes, mas há alguma coisa
em nossa natureza que rejeita a humildade. Desejamos amar, mas não há amor em nós.
Sorrimos e procuramos aparecer muito amáveis, mas intimamente nos sentimos muito
longe da verdadeira bondade. Porém tentamos corrigir o nosso exterior, mais reparamos
quão profundas são as raízes do mal. Então, vamos ao Senhor e lhe dizemos: "Senhor,
agora vejo! Não é só que faço o mal; eu mesmo sou malvado".
   A conclusão de Romanos 5:19 começa a iluminar o nosso coração. Somos pecadores.
Somos membros de uma raça de criaturas que, pela sua constituição, são muito
diferentes daquilo que Deus tinha planejado. A causa da queda, uma mudança
fundamental si produziu no caráter de Adão, que o converteu num pecador, num homem
incapaz, por natureza, de gostar a Deus; o parecido que nós temos com a família não é
simplesmente superficial, senão que abrange inteiramente a nossa natureza interior.
Fomos "constituídos pecadores". Como chegamos a isto? "Pela desobediência de um só",
diz o apóstolo.
   Permitam-me ilustrar este fato com uma analogia. O meu nome é Nee. É um nome
chinês muito comum. Como eu o recebi? Não fui eu que o escolhi. Não examinei a lista
de nomes chineses para eleger este. O fato que o meu nome seja Nee não depende em
nada de mim, e meu pai era Nee porque meu avô era Nee, etc... Se eu atuo como um
Nee sou um Nee, e se não atuo como um Nee, igualmente sou um Nee. Se eu virasse
Presidente da República China serei Nee, e se me tornasse mendigo ainda seria Nee.
Nada do que eu faça ou deixe de fazer poderá me converter numa outra coisa que não
seja Nee. Nós somos pecadores não a causa de nós mesmos, mas por causa de Adão. Eu
sou pecador não porque peco individualmente, mas porque eu estava em Adão quando
ele pecou. Porque desço de Adão, sou uma parte dele. E, ainda mais, não posso fazer
nada para mudar isso. Nem sequer melhorando a minha conduta posso fazer de mim
mesmo outra coisa que não seja uma parte de Adão, ou seja, um pecador.
   Um dia na China, eu falava sobre isto e fiz esta afirmação: "Nós todos pecamos em
Adão". Um homem disse: "Não entendo". Eu tentarei então de me explicar deste modo:
"Todos os chineses têm a sua origem em Huang-Ti. Quatro mil anos atrás, entrou em
guerra com Si-Iu. Seu inimigo era fortíssimo, porém, Huang-Ti venceu Si-Iu e o matou.
Depois disso, Huang-Ti fundou a nação chinesa. Ora, onde nós estaríamos se Huang-Ti
não tivesse vencido e matado seu inimigo, mas tivesse sido morto ele mesmo? Onde
estariam vocês?" "Eu não existiria", disse o meu interlocutor. "Ah, não! Huang-Ti podia
morrer sua morte, porém vocês podiam de qualquer jeito viver as suas vidas".
"Impossível!", gritou aquele homem. "Se ele tivesse morrido, eu nunca poderia ter
vivido, porque é dele que eu recebi a vida, de sua descendência".
   Vemos nós a unidade da vida humana? A nossa vida vem de Adão. Se seu avô fosse
morto na idade de três anos, onde estariam vocês? Teriam morrido nele! A sua existência
está ligada à dele. Ora, exatamente da mesma maneira a existência de cada um de
vocês está ligada à de Adão. Ninguém pode dizer: "Eu nunca estive no Éden", porque
virtualmente nós estávamos lá quando Adão cedeu às palavras da serpente. Estamos,
então, todos implicados no pecado de Adão, e a causa do nosso nascimento em Adão
herdamos dele todo aquilo em que ele se converteu como conseqüência do seu pecado,
ou seja, a natureza de Adão, que é a natureza do pecador. Temos recebido dele a nossa
existência física e, como sua vida se converteu numa vida de pecado, numa natureza
pecaminosa, a natureza que nós temos dele é também pecaminosa. Assim, como já
dissemos, o mal é a nossa herança, não somente no nosso agir. A menos que possamos
mudar o nosso nascimento, não há liberação para nós. Mas é precisamente nesta direção
que acharemos a solução do nosso problema, porque é exatamente assim que Deus o
fez.

     COMO EM ADÃO, ASSIM EM CRISTO
12
Em Romanos 5:12-21 não si fala somente de Adão; também se fala do Senhor Jesus.
"Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte,
assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram". Em Adão
recebemos tudo o que é de Adão; em Cristo recebemos tudo o que é de Cristo.
    As expressões "em Adão" e "em Cristo" são suficientemente entendidas pelos cristãos
e, a risco de me repetir, gostaria de sublinhar ainda com uma demonstração o significado
hereditário e racial da expressão "em Cristo". Esta demonstração encontra-se na carta
aos Hebreus. Vocês se lembram que, na 1° parte desta carta, o autor trata de
demonstrar que Melquisedeque é maior que Levi? Recordarão que o argumento para
demonstrar é que o sacerdócio de Cristo é maior que aquele de Arão, que pertencia à
tribo de Levi. Ora, para demonstrar isto, o autor deve provar que o sacerdócio de
Melquisedeque é maior do que aquele de Levi, pela simples razão que o sacerdócio de
Cristo é "segundo a ordem de Melquisedeque". É bem notório que o nosso Senhor surgiu
da tribo da Judá, acerca da qual Moisés nada disse que concernisse ao sacerdócio. E a
coisa é ainda mais evidente se surge, a semelhança de Melquisedeque, um outro
Sacerdote que foi feito tal não em teor de uma lei de prescrições humanas, mas em
virtude do poder de uma vida indissolúvel; porque lhe é rendido este testemunho: "Tu és
sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque" (Hb 7:17). Ao contrário, o
sacerdócio de Arão foi, naturalmente, segundo a ordem de Levi. Se o autor pode nos
demonstrar que Melquisedeque, aos olhos de Deus, é maior que Levi, ele conseguiu o
seu objetivo e o prova de maneira notável.
    No capítulo 7 dos Hebreus se diz que Abraão, um dia, voltando da batalha dos Reis
(Gênesis 14), ofereceu a décima parte do seu botim a Melquisedeque e foi por ele
abençoado. Se Abraão ofereceu a décima parte a Melquisedeque, significa que Levi era
menos importante que Melquisedeque. Por quê? O fato de que Abraão fez a oferta
significa também que Isaque, "em Abraão", ofereceu a Melquisedeque. Mas se isso era
verdade, então também Jacó "em Abraão", o que, pela sua vez, significa que também
Levi "em Abraão" fez a sua oferta a Melquisedeque. Ora, sem contradição, o inferior é
abençoado pelo superior (Hebreus 7:7). Levi está numa posição inferior à de
Melquisedeque, e portanto o sacerdócio de Arão é inferior àquele do Senhor Jesus. Levi,
na época da batalha dos Reis, não tinha sido ainda nem sequer concebido, porém já
estava "nos lombos de seu pai (Abraão)" e, por assim dizer, através de Abraão ele
"pagou dízimos" (Hebreus 7:9-10).
    Este é de fato o exato significado do termo "em Cristo".
    Abraão, como cabeça da família da fé, inclui em si mesmo a inteira família. Quando
ele fez a sua oferta a Melquisedeque, a inteira família fez aquela oferta nele. Eles não
ofereceram separadamente como indivíduos, mas estavam nele, portanto ao fazer a sua
oferta ele incluiu em si a sua descendência. Assim, nos é apresentada uma nova
possibilidade. Em Adão todos estamos perdidos. Através da desobediência de um homem
nós fomos todos constituídos pecadores. Por meio dele entrou o pecado e, através do
pecado, a morte; e através de toda a raça o pecado reinou, daquele dia em diante, para
a morte. Mas agora um raio de luz foi jogado sobre a cena. Através da obediência de um
Outro nós podemos ser constituídos justos. Onde o pecado abundou, a graça
superabundou, e como o pecado reinou dando a morte, assim pode a graça reinar
através da justiça, dando a vida eterna por meio de Jesus Cristo nosso Senhor (Rm
5:19-21). A nossa desesperança está em Adão; a nossa esperança, em Cristo.

   O MEIO DIVINO DA LIBERAÇÃO
   Deus deseja certamente que esta consideração nos conduza à liberação prática do
pecado. Paulo o mostra muito claramente quando inicia o capítulo 6 de sua carta aos
Romanos com esta pergunta: "Que diremos pois? Permaneceremos no pecado?" todo seu
ser se rebela diante do pensamento de uma tal possibilidade. "De modo nenhum!",
exclama. Como poderia um Deus Santo estar satisfeito de ter filhos impuros e
encadeados ao pecado? Assim, "como viveremos ainda nele (no pecado)?" (Rm 6:1-2).
Deus tem, então, providenciado um meio poderoso e eficaz para liberar-nos do domínio
do pecado. Mas é esse o nosso problema; nascemos pecadores, como podemos eliminar
a nossa herança de pecado? Se somos nascidos em Adão, como poderemos sair de
Adão? Deixem-me dizê-lo em seguida, o sangue de Cristo não pode nos fazer sair de
Adão. Solo nos resta um único meio. Já que entramos na raça de Adão através do
nascimento, só poderemos sair através da morte. Para pôr fim a nossa natureza
pecaminosa é necessário pôr fim a nossa vida. A escravidão do pecado veio pelo
nascimento; a liberação do pecado vem com a morte —e é esse precisamente o meio de
                                                                                     13
liberação que Deus dispus. A morte é o segredo da liberação. "Nós, que estamos mortos
para o pecado..." (Rm 6:1).
    Mas como podemos morrer? Muitos de nós, talvez, temos realizado enormes esforços
para livrar-nos deste estado de pecado, só para achá-lo ainda mas tenaz. Qual será,
então, a saída? Não certamente tratando de matar-se, senão somente com o
reconhecimento de que Deus tem resolvido o nosso problema "em Cristo". Isto é
retomado na declaração sucessiva do apóstolo Paulo: "...todos quantos fomos batizados
em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte" (Rm 6:3). Todavia se Deus tem
providenciado a nossa morte "em Jesus Cristo", é necessário que nós sejamos "nEle"
para que isto seja verdade; e isto parece um problema tão difícil. Como podemos ser
colocados "em Cristo"? Também aqui Deus vem em nosso auxílio. De fato, nós não
possuímos meio algum de assumir a nossa posição em Cristo, porém, e o que é mais
importante, não temos a necessidade de procurar fazê-lo, porque já estamos "em
Cristo". Isso que nós não podíamos fazer por nós mesmos, Deus tem realizado por nós.
Ele nos colocou em Cristo. Lembrem de 1 Coríntios 1:30. Acredito que este seja um dos
mais preciosos versículos de todo o Novo Testamento: "Vós sois dele, em Jesus Cristo".
Como? Por meio dEle: "...o qual para nós foi feito por Deus"
    Louvado seja Deus! Não nos deu a preocupação de procurarmos um meio para sermos
"em Cristo". Não precisamos predispor a nossa nova posição. Deus o tem feito por nós; e
não somente tem predisposto a nossa posição em Cristo, mas também a cumpriu.
Estamos já em Cristo; não temos, então, necessidade de esforçar-nos para estar nEle.
Este é um fato divino, e foi cumprido. Ora, se isto é verdade, então se seguem algumas
coisas. Na demonstração de Hebreus 7, que temos já considerado, vimos que "em
Abraão" todo Israel —e portanto Levi, que ainda não tinha nascido— ofereceu o dizimo a
Melquisedeque. Não ofereceram separada ou individualmente, mas estavam em Abraão
quando ele ofereceu, e a sua oferta abrangeu toda a sua progênie. Esta, então, é a
verdadeira figura de nós mesmos "em Cristo". Quando o Senhor Jesus esteve na Cruz,
todos nós morremos —não separadamente, porque não tínhamos ainda nascido—, mas
morremos nEle porque já éramos nEle. "Um morreu por todos, logo todos morreram" (2
Coríntios 5:14). Quando Ele foi crucificado, todos nós fomos crucificados, lá, com Ele.
Freqüentemente, quando se predica nas cidades chinesas, é necessário usar exemplos
muito simples para verdades divinas muito profundas. Lembro-me que um dia peguei um
livro, coloquei nele um pedacinho de papel, e disse àquelas pessoas tão símplices:
"Agora prestem muita atenção. Pego um pedacinho de papel. Ele tem uma identidade
completamente diferente da do livro. Neste momento não o necessito, e o guardo dentro
do livro. Agora faço alguma coisa com este livro. O envio para Xangai. Não envio o
pedacinho de papel, porém o pedacinho de papel foi colocado dentro do livro. O que
acontece com o pedacinho de papel? Poderá o livro ir para Xangai e o pedacinho de papel
que está dentro dele ficar aqui? Pode o pedacinho de papel levar uma sorte diferente à
do livro, se está dentro dele? Não! Aonde vá o livro, lá irá igualmente o pedacinho de
papel. Se deixar cair o livro no rio, também o pedacinho de papel cairá nele, e se eu
volto pegá-lo rapidamente, salvarei também o pedacinho de papel, porque ele está
dentro do livro. Assim, "vós sois dele (de Deus), em Jesus Cristo".
    O Senhor Deus mesmo nos colocou em Cristo, e o que Ele fez a Jesus Cristo, Ele o fez
à humanidade toda. O nosso destino está ligado ao dele. Aquilo que Ele atravessou, nós
o atravessamos também, porque "estar em Cristo" quer dizer estar identificados com Ele
em sua morte e ressurreição. Ele foi crucificado; então, o que será de nós? Pediremos a
Deus para que nos crucifique a nós também? Nunca! Já que Cristo foi crucificado, todos
nós fomos já crucificados nEle; e como a sua crucifixão já aconteceu, a nossa não pode
ainda estar no futuro. Duvido que vocês possam achar no Novo Testamento um único
texto no qual se diga que a nossa crucifixão ainda deve acontecer.
    Todas as referências a ela estão na forma "aoristo", do verbo grego que indica aquilo
que aconteceu "uma vez para sempre", aquilo que aconteceu "eternamente no passado"
(veja Rm 6:6; Gl 2:20; 5:24; 6:14). E como ninguém pode matar-se por meio da Cruz,
porque é materialmente impossível, assim também sob o ponto de vista espiritual, Deus
não nos pede para nos crucificar a nós mesmos. Já fomos crucificados quando Cristo foi
crucificado, porque Deus nos colocou nEle. O fato de que estejamos mortos em Cristo
não é simplesmente uma posição doutrinária, mas uma realidade eterna e inegável.

  O QUE A SUA MORTE E RESSURREIÇÃO REPRESENTAM E ABRANGEM
  O Senhor Jesus, quando morreu na Cruz, verteu seu sangue; doava assim a sua vida
sem pecado para expiar os nossos pecados e satisfazer a justiça e santidade de Deus.
14
somente o Filho de Deus podia cumprir esta obra. Nenhum homem pode ter parte nela.
As Escrituras nunca tem falado que nós tenhamos vertido o nosso sangue com Cristo. Em
sua obra expiatória diante de Deus, foi sozinho; mais ninguém poderia participar. Mas o
Senhor não morreu somente para verter o seu sangue; Ele morreu para que nós
pudéssemos morrer. Ele morreu como o nosso representante. Em sua morte, Ele abraça
todos nós, vocês e eu.
   Adotamos amiúde os termos "justificação" e "identificação" para descrever estes dois
aspectos da morte de Cristo.
   Na maior parte dos casos, a palavra "identificação" é exata. Mas "identificação"
poderia fazer pensar que a iniciativa seja nossa: que seja eu que me esforço em
identificar-me com o Senhor. Reconheço que o termo é apropriado, mas deveria ser
adotado mais além. É melhor começar pelo fato que o Senhor me incluiu em sua morte.
É a morte inclusiva do Senhor o que me dá o modo de me identificar; não sou eu que me
identifico por ser incluído em sua morte. O que importa é que Deus tem me incluído em
Cristo. Isto é uma coisa que Deus realizou. Por esta razão, aquelas duas palavras do
Novo Testamento, "em Cristo", são sempre tão preciosas ao meu coração. A morte do
Senhor Jesus nos abraça, nos liga. A ressurreição do Senhor Jesus é igualmente
inclusiva. Nós paramos no primeiro capítulo da primeira epístola aos Coríntios, para
estabelecer o fato de que estamos "em Jesus Cristo". Agora iremos até o fim dessa
mesma epístola, para ver mais profundamente o que significa isto. Em 1 Coríntios
15:45-47, dois nomes ou títulos são adotados para indicar o Senhor Jesus. Ele é
chamado "o último Adão" e ainda "o segundo homem". As Escrituras não falam dEle
como do segundo Adão, mas como "o último Adão"; elas não falam nunca dEle como do
último homem, mas como "o segundo homem". É preciso sublinhar esta distinção,
porque ela confirma uma cada de grande valore. Como último Adão, Cristo abrange em si
toda a humanidade; como segundo homem se converte na cabeça de uma nova raça.
Achamos aqui, então, uma dupla união, uma relativa à sua morte e a outra à sua
ressurreição. Em primeiro lugar, a sua união com a raça como "o último Adão" iniciou-se
historicamente em Belém para terminar na Cruz e no túmulo. Por ela Ele recolheu em si
mesmo tudo o que havia em Adão para levá-lo a juízo e à morte. Em segundo lugar, a
nossa união com Ele como "segundo homem" inicia da ressurreição para terminar na
eternidade —ou seja, para não acabar nunca—, porque tendo em sua morte deixado de
lado o primeiro homem, no qual o desígnio de Deus não se cumpriu, Ele ressurgiu como
Cabeça de uma nova raça de homens, na qual aquele desígnio será finalmente
plenamente realizado. Assim, quando o Senhor Jesus foi crucificado na Cruz, o foi como o
último Adão. Tudo o que estava no primeiro Adão foi recolhido e destruído com Ele.
Também nós. Como último Adão, Ele cancelou a velha raça; e como segundo homem,
introduziu a nova raça. Em sua ressurreição Ele avança como o segundo homem, e
também aqui nós estamos compreendidos. "Porque, se fomos plantados juntamente com
ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição" (Rm 6:5).
   Nós morremos nEle quando era o último Adão; vivemos nEle agora que é o segundo
homem. A Cruz é assim o poder de Deus que nos faz passar de Adão a Cristo.


                  CAPÍTULO 3 – O CAMINHO PARA IR ALÉM: SABER

   A nossa velha vida terminou sobre a Cruz;a nossa nova vida começa na Ressurreição.
"Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis
que tudo se fez novo" (2 Coríntios 5:17). A Cruz dá um fim à primeira criação, e da
morte surge uma nova criação em Cristo, o segundo homem. Se formos "em Adão", tudo
aquilo que há em Adão nos é forçosamente transmitido; tudo se faz nosso
involuntariamente, porque não devemos fazer nada para nos apropriarmos disso. Não
temos necessidade de tomar uma decisão para irar-nos, ou para cometer qualquer outro
pecado, porque tudo nos chega espontaneamente, queiramos ou não. Do mesmo jeito,
se formos "em Cristo", tudo aquilo que é "em Cristo" é nosso pela graça, sem esforço
algum de nossa parte, mas sobre a base da simples fé.
   Porém dizer que tudo o que precisamos é nosso "em Cristo" por pura graça, ainda que
seja verdade, pode parecer impossível de se atuar na prática. Como acontece isso na
vida? Como pode converter-se em real em nossa própria experiência?
   Estudando os capítulos 6, 7 e 8 da epístola aos Romanos, veremos que existem quatro
condições necessárias para uma vida cristã normal. Elas são: 1) Saber; 2) Considerar; 3)
Confiar em Deus; 4) Caminhar segundo o Espírito; na ordem em que são apresentadas.
                                                                                     15
Se nós desejamos viver aquela vida, deveremos aceitar e submeter-nos a estas quatro
condições, não cumprir somente uma ou duas, ou três, senão todas, as quatro. Ao passo
que estudemos cada uma delas, confiemo-nos no Senhor para que Ele ilumine a nossa
inteligência com o seu Santo Espírito e peçamos agora o Seu auxílio para realizar o
primeiro grande passo, examinando a primeira condição: Saber.

   A NOSSA MORTE COM CRISTO É UM FATO HISTÓRICO
   O passo que está agora diante de nós está em Romanos 6:1-11: "Que diremos pois?
Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que
estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele? Ou não sabeis que todos
quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?..." Nestes
versículos fica claramente demonstrado que em sua morte o Senhor Jesus foi o nosso
representante e que incluiu todos nós. Em sua morte todos nós morremos. Ninguém
pode progredir espiritualmente se não compreende isto. Como não poderemos ser
justificados se não vemos que Ele carregou os nossos pecados na Cruz, assim também
não poderemos realizar a santificação se não temos assumido que nós morremos na Cruz
com Ele. Não somente os nossos pecados foram colocados sobre Ele, mas nós mesmos
fomos colocados dentro dEle.
   Como vocês receberam o perdão? Porque vocês compreenderam que o Senhor Jesus
morreu como seu substituto, e que levou sobre Ele os seus pecados e que o Seu sangue
foi vertido para lavar as suas iniqüidades. Quando viram que os seus pecados foram
cancelados sobre a Cruz, o que fizeram? Dizeram: "Senhor Jesus, te suplico, vem morrer
pelos meus pecados?" Não, não Lhe pediram nada; vocês simplesmente agradeceram.
Não Lhe pediram de morrer por vocês, porque entenderam que Ele já o tinha feito.
   Ora, se é verdade que vocês já receberam o perdão, é também verdade que foram
liberados. A obra foi cumprida. Não é necessário mais pedir, mas somente louvar. Deus
nos colocou a todos em Cristo para que, mediante sua crucifixão, nós fossemos
crucificados com Ele.
   Não temos, então, mais necessidade de pedir: "Eu sou uma criatura tão malvada,
Senhor, te rogo, crucifica-me". Isto não seria justo. Vocês não pediram, antes, pelos
seus pecados; por que pedir, agora, por vocês mesmos? Os seus pecados foram
cancelados pelo sangue de Cristo, e a sua natureza foi renovada com a sua Cruz. É um
fato cumprido. Tudo quanto resta é louvar ao Senhor, porque quando Cristo morreu
vocês também morreram; morreram nEle. Louvem-No por isso tudo, e vivam em sua luz!
"Então creram nas suas palavras, e cantaram os seus louvores" (Salmo 106:12).
   Acreditam na morte de Cristo? Naturalmente que vocês acreditam. Mas a mesma
Santa Escritura que nos diz que Ele morreu por nós, diz também que nós morremos com
Ele. Voltemos ler: "Cristo morreu por nós" (Rm 5:8). Esta primeira asserção é
suficientemente clara; as seguintes o serão menos? "O nosso homem velho foi com ele
crucificado" (Rm 6:6). "Já morremos com Cristo" (Rm 6:8).
   Quando fomos crucificados com Ele? Qual é a data da crucifixão do nosso velho
homem? Será amanhã? Foi ontem? Ou talvez hoje? Para responder estas perguntas
talvez seja útil ler a declaração de Paulo sob uma outra forma: "Cristo foi crucificado com
(ou seja, ao mesmo tempo) o nosso velho homem". Alguns de vocês chegaram aqui
junto com alguém. Vocês fizeram o caminho juntos até aqui. Podem dizer: "O meu amigo
veio aqui comigo", mas também poderiam dizer: "Eu vim aqui com o meu amigo", o
significado é o mesmo. Se um de vocês tivesse chegado aqui três dias atrás e o outro
tivesse chegado somente hoje, vocês já não poderiam falar assim; porém, como vocês
chegaram juntos, podem expressar o fato de um modo ou de outro, sendo os dois
igualmente verdadeiros, porque as duas afirmações expressam a mesma realidade.
Assim também no fato histórico podemos dizer, com o máximo respeito, porém com a
mesma exatidão: "Eu fui crucificado quando Cristo foi crucificado", ou então "Cristo foi
crucificado quando eu fui crucificado", porque não são dois acontecimentos separados na
história, mas um só 2. Cristo foi crucificado! Pode ser então de outra forma para mim? E
se Ele foi crucificado quase dois mil anos atrás, e eu com Ele, posso dizer que a minha
crucifixão acontecerá amanhã? A sua pode ser no passado e a minha no presente ou no
futuro? Que o Senhor seja louvado! Quando Ele morria sobre a Cruz, eu morri com Ele.
Não somente Ele morria no meu lugar, mas me levou com Ele sobre a Cruz, a fim que,
enquanto Ele morria, eu mesmo morresse com Ele. E se eu acredito na morte do Senhor

     2
     A expressão "com Ele" de Rm 6:6 inclui, naturalmente, um sentido doutrinário e um sentido
histórico (ou temporal). Só no sentido histórico a afirmação é reversível (W.N.).
16
Jesus, posso crer na minha própria morte com a mesma certeza com a que acredito na
dEle.
   Porque vocês acreditam que o Senhor morreu? Sobre que coisa baseiam a sua fé? E
porque sentem que morreu? Não! Vocês nunca sentiram isso. Vocês acreditam porque a
Palavra de Deus diz isso. Quando o Senhor Jesus foi crucificado, dois malfeitores foram
crucificados ao mesmo tempo. Vocês não têm a mínima dúvida que eles tenham sido
crucificados com Ele, porque as Escrituras o afirmam claramente. Acreditam na morte do
Senhor Jesus e acreditam na morte dos dois ladrões com Ele. Ora, o que pensam da sua
própria morte? A sua crucifixão é mais do que a deles. Eles foram crucificados junto com
o Senhor, mas sobre cruzes diferentes, enquanto vocês estavam nEle que Ele morreu.
Como podem sabê-lo? Podem saber porque Deus o disse, e esta é uma razão suficiente.
Isso não depende dos seus sentimentos. Se sentem que Cristo morreu, Ele morreu; e se
não sentem que Ele tenha morrido, ainda assim Ele morreu; e se não sentem de estar
mortos com Ele, ainda assim vocês estão igualmente mortos com Ele. Estes são fatos de
ordem divina: que Cristo morreu é um fato; que os dois malfeitores morreram, é um
fato; e que vocês morreram e também um fato. Permitam-me dizer: Vocês estão mortos!
Acabou para vocês. Estão fora. O "eu" que odeiam está sobre a Cruz com Cristo. E
"aquele que está morto está justificado do pecado" (Rm 6:7). Este é o Evangelho para os
crentes. Não chegaremos nunca a realizar a nossa crucifixão com a nossa vontade, nem
pelos nossos esforços, mas somente aceitando aquilo que o Senhor Jesus cumpriu sobre
a Cruz. É necessário que os nossos olhos sejam abertos sobre a obra cumprida sobre o
Calvário. Talvez, algum de vocês, antes da conversão, tenha tentado obter a salvação
por si mesmo. Liam a Bíblia, pregavam, iam à Igreja, davam esmolas. Depois, um dia, os
seus olhos foram abertos e viram que a salvação perfeita já tinha sido conquistada para
vocês sobre a Cruz. A aceitaram simplesmente e agradeceram a Deus, e a paz e o gozo
inundaram seus corações. E agora a boa notícia é que a sua santificação foi feita possível
exatamente sobre as mesmas bases. É-vos oferecida a liberação do pecado com o
mesmo dom de graça com o qual receberam o perdão dos seus pecados. Porque a via
que Deus segue para liberar-nos do pecado é completamente diferente da via do homem.
A via do homem consiste em suprimir o pecado, tentando vencê-lo; a via de Deus
consiste em pôr aparte o pecador. Muitos cristãos se lamentam de suas debilidades,
pensando que se fossem mais fortes tudo daria certo. A idéia que não podemos viver
uma vida santa a causa de nossas debilidades, e que mais alguma coisa nos é exigida,
conduz todo mundo naturalmente ao falso conceito de um meio de liberação. Se
estivermos preocupados pela força do pecado que nos domina e pela nossa incapacidade
de combatê-lo, concluiremos logicamente que para vencê-lo deveremos ter mais força.
"Se somente eu fosse mais forte...", dissemos, "poderia dominar os meus acessos de
cólera", e pedimos ao Senhor para fortificar-nos, a fim que possamos controlar a nossa
natureza.
   Mas este é um erro grave; isto não é cristianismo. Os meios pelos quais Deus nos
libera do pecado não consistem no fazer-nos mais fortes, senão no fazer-nos mais fracos.
É certamente um modo bastante singular para nos conduzir à vitória, vocês dirão, porém
é este o meio de que Deus se serve.
   O Senhor nos arrancou do poder do pecado não fortificando o nosso velho homem,
mas crucificando-o; não o ajudando a conseguir qualquer coisa, mas colocando-o fora de
combate. Talvez vocês tenham tentado durante anos, em vão, exercer um controle sobre
vocês mesmos, e talvez esta seja ainda hoje a sua experiência, mas quando vejam a
verdade reconhecerão que são completamente incapazes de fazer qualquer coisa e que,
afastando vocês, Deus cumpriu tudo, Ele mesmo no seu Filho. Esta revelação põe fim às
lutas e a todos os esforços humanos.

   O PRIMEIRO PASSO: "SABENDO QUE..."
   A verdadeira vida cristã deve começar com o "saber" de forma clara e definitiva, o que
não consiste em ter simplesmente uma certa vaga consciência da verdade, nem na
compreensão de qualquer doutrina importante. Não si trata de um conhecimento
intelectual, mas é preciso que os olhos de nosso coração se abram para ver o que temos
em Cristo.
   Como sabem que os seus pecados foram perdoados? É porque o seu pastor vos disse?
Não, vocês sabem. Semelhante conhecimento nos vem somente por revelação divina.
Sem dúvida, o fato do perdão dos pecados encontra-se na Bíblia, mas para que a
Escritura se convertesse para vocês na palavra viva de Deus, Ele vos tem dado "em seu
conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação" (Efésios 1:17). O que vocês
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precisavam era conhecer Cristo daquele modo, e sempre é assim. Chega um momento, a
respeito de qualquer novo conhecimento de Cristo, que quando o "conhecem" em seus
corações, o "vêem" em seu espírito. Uma luz brilhou dentro de vocês e estão plenamente
persuadidos desse fato. Aquilo que é verdade no que respeita ao perdão dos pecados,
não é menos verdadeiro quanto à liberação do pecado. Uma vez que a luz de Deus
esclareceu seu coração, vocês se vêem "em Cristo". Não é porque qualquer um tenha
falado para vocês, nem simplesmente porque Romanos 6 o diz. Há alguma coisa mais
profunda. Vocês sabem porque o Espírito Santo o revelou a vocês. Podem até não senti-
lo ou não compreendê-lo, porém o sabem, porque o têm visto. Uma vez que vocês
tenham se visto em Cristo, nada poderá abalar a sua certeza de semelhante realidade
abençoada.
   Se pedirem a diversos crentes que tenham começado a viver a verdadeira vida cristã,
que lhes falem das experiências que os têm guiado, alguns falarão de uma experiência
especial, e os outros, de uma outra. Cada um falará o caminho particular que terá
recorrido e citará um passo das Escrituras para apoiar as suas afirmações; a pesar disso,
muitos crentes apóiam-se em suas experiências pessoais e em seus fragmentos favoritos
para combater outros crentes. O fato é que, se os crentes podem alcançar uma vida
cristã mais profunda por caminhos diferentes, nós não devemos considerar as
experiências ou as doutrinas que eles sublinham como reciprocamente exclusivas senão,
antes bem, como complementárias. Uma coisa é verdade: todas as experiências
verdadeiras e preciosas aos olhos de Deus devem nascer de uma nova descoberta do
significado da pessoa e da obra do Senhor Jesus. Esta é a base decisiva e segura.
   Aqui neste passo, o apóstolo faz depender todas as coisas deste descobrimento.
"Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do
pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado" (Rm 6:6).

   A REVELAÇÃO DIVINA É A BASE ESSENCIAL DA CONSCIÊNCIA
   O primeiro passo que, então, deveremos dar, será pedir ao Senhor um conhecimento
através da revelação —não uma revelação de nós mesmos, mas da obra perfeita do
Senhor Jesus na Cruz-. Hudson Taylor, o fundador da missão na China (China Inland
Mission) conheceu a verdadeira vida cristã, e chegou a ela na seguinte maneira. Vocês
lembrarão como ele fala do problema que o atormentou por longo tempo, de como "viver
em Cristo", como transferir a si mesmo o suco da videira que há nEle. Porque sabia que
a vida de Cristo devia se expandir através dele, porém sentia que não a possuía ainda; e
então ele viu claramente que devia estar "em Cristo". "Compreendi", escreveu a sua irmã
em 1869 desde Chinkiang, "que se somente tivesse podido demorar em Cristo, tudo teria
dado certo, mas não podia".
   Mais ele se esforçava para entrar na vida verdadeira, mais ele se sentia deslizar fora,
por assim dizer, até que um dia a luz brilhou em seu coração, a revelação aconteceu e
ele viu. Assim ele descreve este fato: "Penso que o segredo esteja aqui: não como eu
possa fazer para trazer o suco da videira e transferi-lo em mim, ma em me lembrar que
Jesus é a videira, a raiz, o tronco, os galhos, os sarmentos, as folhas, as flores, o fruto,
ou seja, tudo".
   Então, citando as palavras de um amigo que o havia ajudado, continua assim: "Não
devo fazer de mim um galho. O Senhor Jesus me disse que eu sou um galho. Eu sou
uma parte dEle, e só devo acreditar e agir em conseqüência. Fazia muito tempo que eu
tinha visto isto na Bíblia, mas só agora o creio como uma verdade viva".
   Acontece como se alguma coisa que sempre foi verdadeira, de improviso se converta
em tal de um modo novo, para ele pessoalmente, e assim escrevia ainda para a sua
irmã: "Não sei até que ponto conseguirei me fazer compreender acerca deste tema,
porque não há nada de novo, nem de estranho, nem de maravilhoso —e ainda assim
tudo é novo! Numa palavra: "então eu era cego, e agora eu vejo...". Eu estou morto e
sepultado com Cristo —é verdade, e sou também ressurreto e ascendido... Deus me
considera assim e me pede para me considerar assim... Oh! A alegria de conhecer esta
verdade. Eu peço para que os olhos de tua inteligência sejam iluminados, e tu possas
conhecer e gostar as riquezas que nos são liberalmente doadas em Cristo" 3
   Oh, que alegria vermos que estamos em Cristo! Imaginem como pode ser cômico
tentar de entrar num lugar onde já estamos. Pensem que absurdo seria pedir para
sermos introduzidos. Se reconhecêssemos que já estamos dentro, não faríamos esforço
algum para entrarmos. Se temos uma revelação mais profunda, as nossas orações serão

     3
         Estas citações foram extraídas de "Hudson Taylor e a Missão interna na China".
18
mais louvores que pedidos. Pedimos muito para nós mesmos, porque estamos cegos a
respeito do que Deus tem realizado para nós.
   Lembro-me de uma conversação que tive um dia em Xangai com um irmão que estava
muito preocupado com o seu estado espiritual. Ele me dizia: "Existem tantos crentes que
têm uma vida bela e santa. Eu tenho vergonha de mim mesmo. Me chamo cristão, mas
quando me confronto com os outros, sinto que não o sou para nada. Gostaria conhecer
esta vida crucificada, esta vida de ressurreição, mas não a conheço e não vejo meio
algum para chegar até ela". Havia um outro irmão presente e os dois nos entretivemos
por mais duas horas com este homem, tentando lhe fazer compreender que não poderia
ter obtido nada fora de Cristo, mas em vão. O nosso amigo disse: "A melhor coisa que
um homem pode fazer é orar". "Mas se Deus já nos tem dado tudo, o que pode
necessitar pedir?", perguntamos. "Mas não tem me dado tudo", respondeu o homem,
"porque eu continuo a me irar e a cometer toda espécie de erros; e por isso que devo
orar mais".
   "E assim", dissemos nós, "você recebeu o que pediu?" "Lamento dizer, porém, que em
verdade não tenho recebido nada de nada", replicou ele. Nos esforçamos, então, para
fazê-lo compreender que, não tendo absolutamente a certeza de sua justificação, não
podia fazer mais nada, nem sequer pela sua santificação.
   Neste ponto, apareceu um terceiro irmão que o Senhor usava muito. Sobre a mesa
havia uma garrafa térmica; o irmão a pegou e lhe perguntou: "O que é isto?" "Um
termo". "Bem, suponha por um instante que esta garrafa possa orar, e então comece a
pedir: —Senhor, eu desejo tanto ser um termo. Você não poderia fazer de mim uma
garrafa térmica? Senhor, faze-me a graça de eu me converter num termo. Faze-o, eu te
imploro! —, o que você diria disto?"
   "Acredito que nem sequer uma garrafa térmica possa ser tão louca", respondeu o
nosso amigo, "é uma bobagem orar assim: ela já é um termo!" "É isso exatamente o que
você está fazendo", respondeu-lhe então o nosso irmão. "Deus colocou você em Cristo,
já faz tempo. Não pode, então, dizer hoje: 'Quero morrer; quero ser crucificado; quero
ter a vida e a ressurreição'. O Senhor olha para você e simplesmente te diz: 'Você já está
morto! Você já tem nova vida!' toda a maneira de você orar é tão absurda quanto à da
garrafa térmica. Você já não precisa pedir ao Senhor para que faça alguma coisa por
você; só deve pedir ter os olhos abertos para ver que Ele cumpriu tudo".
   Este é o ponto essencial. Não precisamos esforçar-nos para morrer, não necessitamos
esperar pela nossa morte, nós já estamos mortos. Temos somente necessidade de
reconhecer o que o Senhor tem feito por nós, e louvá-lo por isto. A luz iluminou aquele
homem, que com lágrimas nos olhos disse: "Ah, eu te louvo por aquilo que fizeste por
mim, porque já me colocaste em Cristo! Tudo o que é dEle é meu!" A revelação veio e
pela fé pode ser firmado; se vocês tivessem encontrado esse irmão mais tarde, teriam
constatado a mudança que tinha ocorrido nele!

   A CRUZ NA RAIZ DO NOSSO PROBLEMA
   Permitam-me recordá-lhes ainda a natureza fundamental da obra cumprida pelo
Senhor sobre a Cruz. Acredito que não possa insistir demasiadamente sobre este ponto,
porque é necessário que o examinemos.
   Suponhamos que o governo de seu país quisesse resolver radicalmente o problema do
álcool e decidir a aplicação de proibições em todo o país; como poderá ser aplicada, na
prática, uma decisão semelhante? Que ajuda poderemos aportar nós? Se fossemos
procurando, por todo o país, em todas partes, nas lojas, todas as garrafas de vinho, de
cerveja ou de licores, para seqüestrá-las e destruí-las, isto resolveria o problema?
Certamente não.
   Poderemos limpar o país de cada gota de álcool, mas por detrás daquelas garrafas de
bebidas alcoólicas estão as fábricas que as produzem, e se nós destruímos só as garrafas
e deixamos as fábricas, a produção continuará, e não haverá uma solução definitiva para
o problema. Não, as fábricas, os bares e as destilarias devem ser fechados em todo o
país para pôr fim, de uma vez para sempre, a este problema do alcoolismo.
   Nós somos a fábrica; as nossas ações são os produtos. O sangue de Cristo tem
regularizado o problema dos produtos, vale dizer, dos nossos pecados. A questão daquilo
que temos feito fica assim resolvida, mas Deus parará por aqui? O que há da questão do
que somos? Somos nós que temos produzido os nossos pecados. Foram afastados, mas o
que acontecerá conosco? Acreditam vocês que o Senhor queira nos purificar de todos os
nossos pecados e deixe em nossas mãos o assunto de livrar-nos desta fábrica que
somos, produtora de pecados? Acreditam que Ele deseje separar os produtos, deixando a
                                                                                       19
nós a responsabilidade da fonte da produção? Fazer estas perguntas significa já
responder a elas. Deus não tem realizado o trabalho pela metade, abandonando o resto.
Não, Ele suspendeu os produtos, e também destruiu a fonte de onde provinham.
   A obra cumprida por Cristo chegou realmente até a raiz do nosso problema e o
resolveu. Para o Senhor não existem meios termos. Ele assumiu provisões completas
para que o domínio do pecado fosse completamente destruído. "Sabendo isto", disse
Paulo, "que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado
seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado" (Rm 6:6). "Sabendo isto!" Sim,
mas... Vocês sabem mesmo? "Ou não sabeis?" (Rm 6:3). Que o Senhor, em sua graça,
abra os nossos olhos!


      CAPÍTULO 4 – O CAMINHO PARA IR ALÉM: FAZER DE CONTA DE ESTAR
                               MORTOS

   Toquemos agora um tema sobre o qual existe uma certa confusão de pensamento
entre os filhos de Deus.
   Vamos deter-nos sobre tudo nas palavras de Romanos 6:6: "Sabendo isto, que o
nosso homem velho foi com ele crucificado".
   O tempo deste verbo é dos mais preciosos, porque localiza o fato exatamente no
passado. Este fato é definitivo, cumprido de uma vez por todas. A coisa foi feita e não
pode ser anulada. O nosso velho homem foi crucificado de uma vez por todas, e nunca
mais pode ser tirado da Cruz. Eis aqui o que devemos saber.
   Quando sabemos isto, o que mais temos a fazer? Voltemos a ler novamente nosso
texto. O seguinte passo encontra-se no versículo 11: "Assim também vós considerai-vos
como mortos para o pecado". Estas palavras são claramente a continuação natural do
versículo 6. Vamos lê-las de novo juntos: "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi
com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos
mais ao pecado (...) Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor". Esta é a ordem natural. Uma vez que
sabemos que o nosso velho homem foi crucificado em Cristo, o passo seguinte é
considerá-lo como morto. Apesar disso, apresentando a verdade de nossa união com
Cristo, demasiadas vezes foi colocado o acento sobre este segundo ponto —considerar-
nos como mortos—, como se fosse o ponto de partida, enquanto a ênfase deveria melhor
ser colocada sobre o "saber-nos mortos". A Palavra de Deus mostra claramente que
"saber" deve preceder a "reconhecer-se". "Sabendo que... façam de conta que..." o fato
de "considerar-se" deve estar baseado sobre uma revelação divina, de outra forma a fé
não terá fundamento sobre o que se apoiar. Quando sabemos, então espontaneamente
nos consideramos como mortos.
   Assim, tratando este argumento, não será preciso remarcar demasiadamente a
exigência de considerar-nos mortos. Fomos demasiado tentados a nos considerar sem
antes saber. Se não temos recebido primeiro uma revelação do fato pelo Espírito e
tentamos considerar-nos, nos veremos arrastados em todo tipo de dificuldade. Quando
chegue a tentação, começaremos a repetir febrilmente: "Eu estou morto, estou morto,
estou morto!" Mas pelo mesmo esforço acabaremos por irritar-nos; e então dizemos:
"Isto não serve de nada. Romanos 6:11 não pode ser realizado". E devemos admitir que
o versículo 11 não pode ser compreendido sem o versículo 6.
   Chegaremos, então, à seguinte conclusão: até não sabermos que o estar mortos com
Cristo é um fato, mais nos esforçaremos para nos considerarmos assim, e mais intenso
será o conflito, e mais segura a queda.
   Durante anos após a minha conversão eu fui ensinado a me considerar como morto
em Cristo. Eu tentei fazê-lo desde 1920 até 1927. Mais me reconhecia morto para o
pecado, mais me manifestava vivo. Não podia simplesmente acreditar-me morto, e não
podia procurar a morte. Quando procurei ajuda dos outros, me disseram para ler
Romanos 6:11, e mais eu lia esse versículo, tentando aplicá-lo a mim mesmo, mais a
morte parecia se distanciar; eu não conseguir chegar. Estava intensamente desejoso de
obedecer àquele ensino, de considerar-me morto, mas não conseguia compreender por
que não podia conseguir. Devo confessar que este pensamento atormentou-me por
longos meses. Disse ao Senhor: "Se eu não consigo compreender claramente, se não
consigo chegar a ver esta verdade fundamental, não farei mais nada. Não mais
predicarei; não poderei mais te servir; devo, antes que nada, ser iluminado sobre estas
coisas".
20
Durante meses continuei a minha busca, às vezes jejuei, mas sem nenhum resultado.
   Lembro-me de uma manhã: foi uma manhã tão real que nunca poderei esquecê-la. Eu
estava em meu escritório, sentado em minha escrivaninha, lendo a Palavra de Deus e
orando, e disse: "Senhor, abri os meus olhos!" Então, num raio de luz, vi. Vi a minha
união com Cristo. Vi que eu estava nEle e que quando Ele morreu, também eu morri. Vi
que a questão da minha morte era um fato do passado e não do futuro, e que eu tinha
morrido verdadeiramente como Ele, porque eu estava nEle quando Ele morreu. A luz
tinha finalmente esclarecido as minhas trevas e mi iluminava completamente. Esta
grande revelação inundou-me de tal gozo que pulei da minha cadeira e gritei: "O Senhor
seja louvado, eu estou morto!" Desci as escadas à carreira e me deparei com um dos
meus irmãos que ajudavam na cozinha; eu o peguei do braço e lhe disse: "Irmão, você
sabe que eu estou morto?" Devo admitir que a sua expressão foi de estupefação. "O que
você quer dizer?", perguntou-me. Continuei: "Você não sabe que Cristo morreu? Não
sabe que eu morri com Ele? Não sabe que a minha morte é um fato tão verdadeiro
quanto à dEle?" Oh, eu estava tão seguro! Tinha vontade de correr por todas as ruas de
Xangai e proclamar a todos a minha nova descoberta. Daquele dia, nunca mais duvidei,
nem por um único instante, da importância definitiva destas palavras: "Já estou
crucificado com Cristo" (Gl 2:20).
   Não quero dizer que não devamos pô-las em prática. Existem certas aplicações desta
morte que consideraremos por um instante, mas temos aqui, antes que qualquer coisa, o
fundamento. Eu fui crucificado: este é um fato cumprido.
    Qual é, então, o segredo que nos conduz a considerar-nos como mortos? Para dizê-lo
numa palavra, é uma revelação. É uma revelação do próprio Deus.
   "Não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus" (Mt 16:17);
Ef 1:17-18). É necessário que os nossos olhos se abram a esta realidade da nossa união
com Cristo; isto é mais que conhecê-la como uma doutrina. Uma semelhante revelação
não tem nada de vago ou indefinido. Quase todos nós podemos nos lembrar do dia em
que vimos claramente que Cristo morreu por nós; e deveremos estar igualmente seguros
do momento no qual vimos que estamos mortos com Cristo. Isto não deve ser nebuloso
ou incerto, mas bem preciso, porque é sobre esta base que avançaremos. Não é me
considerando morto que eu o serei. Mas é porque já estou morto —porque vejo o que
Deus tem feito de mim em Cristo— que posso mi considerar morto. Este é o modo justo
de considerar-se. Não se trata de fazê-lo para chegar à morte, mas considerar-se morto
para avançarmos.

   O SEGUNDO PASSO: ASSIM, VOCÊS CONSIDEREM-SE COMO...
   O que significa "considerar-se como"? "Considerar-se" significa, em grego, levar as
contas, fazer a contabilidade. Fazer contas é a única coisa no mundo que nós seres
humanos podemos fazer com precisão. Um pintor pinta uma paisagem. Pode fazê-lo com
precisão matemática? O historiador pode garantir a exatidão absoluta de um tema, ou, o
geógrafo, a fidelidade precisa de um mapa? Podem chegar a fazer as melhores
aproximações. Também na conversação de todos os dias, quando tentamos contar um
incidente com a melhor intenção de honestidade e fidelidade, somos incapazes de narrar
com perfeita exatidão. É tão fácil exagerar ou diminuir os fatos, dizer uma palavra a mais
ou uma a menos. O que pode fazer o homem que seja essencialmente digno de
confiança? A aritmética! Nela não há lugar para erros. Uma cadeira mais uma cadeira
somam duas cadeiras. Isto é verdade tanto em Londres como em São Paulo. Embora
vocês vão para o Oeste ou para o Leste, será sempre a mesma coisa.
   Em tudo o mundo, em todas as épocas, um mais um são dois. Um e um são dois nos
céus, sobre a terra e no inferno.
   Por que Deus disse para nos considerarmos mortos? Porque estamos mortos.
Prossigamos a analogia com a contabilidade. Suponhamos que eu tenha R$ 800 no bolso,
o que escreverei no meu livro de contas? Posso escrever R$ 700 ou R$ 900? Não!
Deverei escrever no meu livro aquilo que realmente tenho no bolso. Levar a
contabilidade significa reconhecer os fatos, não é fantasia. Assim, porque eu realmente
morri, Deus me diz para me considerar morto. Deus não poderia pedir-me para
considerar-me morto se eu estivesse ainda vivo. Para uma similar ginástica mental, a
palavra "considerar-se" não seria apropriada; deveria, melhor, dizer: "não se
considerar". Considerar-se não é uma forma de pretensão. Isso não significa que se eu
tenho somente R$ 600 no bolso, reportando erroneamente R$ 700 no meu livro de
contabilidade, conseguirei de um modo ou outro compensar a diferença. Para nada! Se
não tenho mais que R$ 600, e trato de me persuadir repetindo: "Tenho R$ 700; tenho R$
                                                                                       21
700; tenho R$ 700", vocês acreditam que este esforço da mente conseguirá aumentar a
soma que tenho no bolso?
   De jeito nenhum! Nenhum esforço de persuasão poderá trocar R$ 600 em R$ 700. De
forma similar, não pode registrar-se falso e fazê-lo aparecer como verdadeiro. Mas, se da
outra parte, é um fato que eu tenho R$ 700 no bolso, posso, com absoluta certeza,
registrar R$ 700 no meu livro. Deus nos pede para nos considerarmos mortos, não
porque morramos se nos consideramos assim, senão porque já estamos realmente
mortos. Ele nunca nos pediu para acreditar em uma coisa que não seja verdadeira.
   Dizemos que a revelação nos conduz naturalmente a considerar-nos mortos; mas não
devemos perder de vista que é uma ordem que nos é dada: "Fazei de conta, considera-
vos". É uma atitude definitiva para assumir. Deus nos pede para que façamos as contas e
registremos: "Estou morto", e de ficarmos firmes ali. Por quê? Porque é um fato. Quando
o Senhor Jesus foi colocado na Cruz, eu estava com Ele. Por isso reconheço que é
verdade. Reconheço e confirmo que morri nEle. Paulo diz: "Considerai-vos como mortos
para o pecado e como vivos para Deus". Como é isto possível? "Em Jesus Cristo". Não
esqueçamos nunca que isto é verdade sempre e somente em Cristo. Se olharem para
vocês mesmos, pensarão que não estão mortos; é uma questão de fé não em vocês, mas
nEle. Olhem para o Senhor e reconheçam aquilo que Ele tem realizado. "Senhor, eu creio
em Ti. Me afirmo em Ti". Permaneçamos neste estado de fé em cada momento da nossa
vida.

   CONSIDERAR-SE PELA FÉ
   Os primeiros quatro capítulos e meio da carta aos Romanos falam de fé, de fé e de fé.
Somos justificados pela fé em Cristo (Rm 3:28-5:1). A justiça, o perdão dos nossos
pecados, a paz com Deus, tudo nos chega pela fé e sem a fé na obra perfeita de Jesus
Cristo, não se pode obter nada. Mas na segunda parte da carta aos Romanos, não
achamos mais repetida a mesma teoria da fé, e poderia parecer, a primeira vista, que a
ênfase fosse colocada sobre outras coisas. Porém, não é assim, porque onde falta a
palavra "fé" e "crer" achamos, em seu lugar, a palavra "considerai-vos"; e "considerar-
se" e "crer" praticamente têm o mesmo significado.
   O que é a fé? A fé é a aceitação de um fato de Deus. Ela sempre tem seu fundamento
no passado. O que diz respeito ao futuro é esperança mais que fé; ainda que seja
verdade que a fé tem como objetivo e fim o futuro, como vemos em Hebreus 11. Talvez
por esta razão a palavra aqui escolhida é "considerar-se". Este é um termo que se refere
exclusivamente ao passado: a tudo aquilo que vemos cumprido no passado, e não como
um acontecimento que deva se repetir no futuro. Este é o tipo de fé que descreve Marcos
em 11:24: "Tudo o que pedirdes em oração, crede que o recebereis, e tê-lo-eis". O que
aqui se afirma é que se acreditamos de ter já obtido aquilo que pedimos (em Cristo,
naturalmente), nos será concedido. Crer que o poderemos obter, ou que o obteremos
não é fé no sentido aqui entendido. Crer que já o obtivemos, eis a verdadeira fé. A fé,
neste sentido, apóia-se sobre o que já foi cumprido no passado. Aqueles que dizem:
"Deus pode", ou bem "Deu poderia", ou ainda "Deu deve" e "se Deus quiser", não
acreditam nada. A fé afirma sempre: "Deus o fez".
   Quando é, então, que eu tenho fé para tudo o que concerne à minha crucifixão? Não
certamente quando digo: "Deus pode" ou "se Deus quiser", ou "Ele deve crucificar-me",
mas quando afirmo, com alegria: "Deus seja louvado, eu fui crucificado em Cristo!"
   Em Romanos 3, vemos como o Senhor Jesus carregou os nossos pecados até morrer
em nosso lugar, como o nosso substituto, para que nós sejamos perdoados. Em
Romanos 6 nos vemos incluídos na morte com a qual Cristo cumpriu a nossa liberação.
Quando nos foi revelado o primeiro fato, acreditamos nEle para a nossa justificação.
Agora Deus nos pede para reconhecer o segundo fato para a nossa liberação. Assim,
praticamente, na segunda parte da carta aos Romanos, "considerar-se" tomou o lugar de
"crer". O sentido é o mesmo, e a ênfase não é diferente. Como entramos na vida cristã
normal, a vivemos progressivamente pela fé numa realidade divina: em Cristo e em sua
Cruz.



  AS TENTAÇÕES E AS QUEDAS, DESAFIO À FÉ
  As duas maiores realidades da história para nós são, então, estas: todos os nossos
pecados foram cancelados pelo sangue, e nós mesmos fomos relacionados com a Cruz.
Mas o que há, entretanto, com o problema da tentação? Qual deve ser o nosso
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Watchman nee a verdadeira vida cristã (tradução)

  • 1. A VERDADEIRA VIDA CRISTÃ "Não mais eu... mas Cristo" Watchman Nee
  • 2. Tradução do italiano: Daniela Raffo Baixado da Internet de esnips Em quarta-feira, 29 de agosto de 2007, 15:05:14 Terminado de traduzir em terça-feira, 11 de dezembro de 2007,12:57:29 Disponível em http://digilander.iol.it/camminocristiano/ 2
  • 3. CAPÍTULO 1 – O SANGUE DE CRISTO Em que consiste a verdadeira vida cristã? Faremos bem em considerar esta questão desde o início. O objetivo destes estudos é demonstrar quanto ela é diferente da vida da maior partes dos cristãos. De fato, uma meditação da Palavra escrita de Deus —por exemplo, o Sermão da Montanha— deveria impulsionar-nos a nos perguntar se uma semelhante vida tenha sido jamais vivida sobre a terra, aparte do Filho de Deus mesmo. A resposta encontra-se justamente nesta última afirmação. O apóstolo Paulo nos dá a sua definição da vida cristã na carta aos Gálatas, no capítulo 2, versículo 20: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim". O apóstolo, aqui, não expõe uma maneira de viver particular, um cristianismo de alto nível, mas apresenta simplesmente aquilo que Deus pede de cada cristão. Deus nos revela em sua Palavra que Ele tem somente uma resposta para cada necessidade humana: seu Filho Jesus Cristo. Em cada relação dEle conosco Ele opera colocando-nos aparte e pondo Cristo em nosso lugar. O Filho de Deus morreu em nosso lugar para o nosso perdão, e vive, em nosso lugar, para a nossa liberação. Podemos assim falar de duas substituições: um Substituto sobre a Cruz que nos procura o perdão, e um Substituto dentro de nós, que nos assegura a vitória. Nos ajudará enormemente e ficaremos protegidos de muitas confusões, se nos lembrarmos sempre deste fato: Deus resolverá todos os nossos problemas de uma única forma, ou seja, com a revelação sempre mais profunda do seu Filho. O NOSSO DUPLO PROBLEMA: OS PECADOS E O PECADO Tomaremos como ponto de partida pelo nosso estudo sobre a verdadeira vida cristã o grande ensino que nos é apresentado nos primeiros oito capítulos da epístola aos Romanos, e enfrentaremos nosso projeto desde um ponto de vista prático. Será útil, de qualquer forma, ressaltar a divisão natural desta seção bíblica em duas partes, e considerarmos aquelas que emerjam nos temas tratados em cada uma delas. Os primeiros oito capítulos da carta aos Romanos constituem um todo em si mesmo. Os primeiros quatro, junto com os versículos 1-11 do quinto, formam a primeira parte, e os outros três capítulos e meio (5:12 – 8:39) formam a segunda parte deste conjunto. Uma leitura atenta nos mostrará que o argumento tratado na primeira metade é diferente daquele tratado na segunda. Por exemplo, na primeira metade podemos relevar o uso preponderante da palavra "pecados", em plural. Na segunda metade, ao contrário, já não é mais assim, porque enquanto a palavra "pecados" aparece somente uma vez, a palavra "pecado", em singular, repete-se muitas vezes e si constitui no principal tema tratado. Por que acontece isto? Porque na primeira parte trata-se dos pecados que eu tenho cometido diante de Deus, pecados numerosos e que podem ser contados; enquanto na segunda, o pecado é examinado como o princípio que opera em mim. Qualquer seja o número de pecado que eu tenha cometido, aquilo que age em mim é sempre o mesmo princípio de pecado. Eu preciso de perdão pelos meus pecados, mas necessito também ser liberado do poder do pecado. O perdão diz respeito a minha consciência, a liberação concerne a minha vida. Posso receber o perdão de todos os meus pecados, mas, a causa do "meu" pecado, não encontro paz duradoura no meu espírito. Quando a luz de Deus penetrou pela primeira vez em meu coração, meu primeiro desejo foi o de ser perdoado, porque compreendi que tinha pecado diante dEle; mas depois de ter recebido o perdão dos pecados fiz um novo descobrimento, aquele do pecado, e percebi que não somente havia pecado diante de Deus, mas que dentro de mim existe alguma coisa injusta. Descobri a minha natureza de pecador. Existe em mim uma tendência natural para o pecado, um poder superior que me arrasta ao pecado. Quando esta força maléfica se manifesta, eu peco. Posso procurar de receber o perdão, mas ainda assim continuarei pecando. A minha vida continua então num círculo viçoso: peco, sou perdoado, porém volto pecar. Alegro-me considerando a bênção do perdão de Deus, mas preciso de alguma coisa a mais: eu preciso da liberação. Necessito do perdão por aquilo que eu fiz, mas preciso também de ser liberado daquilo que eu sou. 3
  • 4. O DUPLO REMÉDIO DE DEUS: O SANGUE E A CRUZ Portanto, os oito primeiros capítulos da Epístola aos Romanos nos apresentam dois aspectos da salvação: primeiro o perdão dos nossos pecados, e depois a liberação do pecado. Porém agora, levando em conta este fato, devemos considerar mais uma diferença. Na primeira parte de Romanos 1-8 (versículos de 1:1 até 5:11) menciona-se duas vezes o sangue de Jesus, no versículo 3:25 e no versículo 5:9. Na segunda parte (versículos de 5:12 até 8:38) é introduzida, no versículo 6:6, uma nova idéia, quando nos é dito que nós fomos "crucificados" com Cristo. O tema tratado na primeira seção concentra-se sobre aquele aspecto da obra do Senhor Jesus, que é representado pelo "sangue" vertido pela nossa justificação através da "remissão dos pecados". Esta terminologia já não é utilizada na segunda seção, onde o tema se concentra sobre o aspecto de sua obra, representado pela "Cruz", ou seja, pela nossa união com Cristo em sua morte, em sua sepultura e em sua ressurreição. Esta distinção tem um grande valor. Veremos assim que o sangue tem a ver com o que temos feito, enquanto que a Cruz refere-se ao que somos. O sangue cancela nossos pecados, ao passo que a Cruz se ocupa da origem de nossa natureza pecaminosa. Este último aspecto será a substância de nossa meditação, nos capítulos que se seguem. O PROBLEMA DOS NOSSOS PECADOS Comecemos, então, a considerar o sangue precioso do Senhor Jesus Cristo e o seu valor para nós, em quanto cancela os nossos pecados e nos justifica diante dos olhos de Deus. Este aspecto é apresentado nos seguintes passos: "todos pecaram" (Rm 3:23). "Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira" (Rm 5:8-9). "Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus." (Rm 3:24-26). Mais adiante no curso do nosso estudo mostraremos a verdadeira natureza da queda e sobre como sermos salvos. Aqui lembraremos, simplesmente, que o pecado se revelou como um ato de desobediência a Deus (Rm 5:19). Devemos lembrar agora que a desobediência é imediatamente seguida da culpa. O pecado manifesta-se, então, como uma desobediência, e cria uma separação entre Deus e o homem, a continuação do qual o homem é expulso longe de Deus. Deus não pode ter mais comunhão com ele, porque tem penetrado um obstáculo ao qual a Escritura dá o nome de "pecado". Assim Deus estabelece, antes que nada, que "todos estão debaixo do pecado" (Rm 3:9), sendo então que o pecado, que de agora em diante constitui um obstáculo à comunhão do homem com Deus, dá origem no homem a um sentido de culpa pelo distanciamento de Deus. Então o homem, seguindo a sua consciência redescoberta, diz: "Pequei" (Lc 15:18). Porém isto não é tudo, porque o pecado fornece também uma razão para o adversário acusar o homem diante de Deus, enquanto o nosso sentido de culpa lhe dá a razão para acusar-nos em nosso coração, convertendo-o assim, finalmente, no "acusador dos irmãos" (Ap 12:10), que lhes diz: "Vocês pecaram". Era necessário, então, que o Senhor Jesus, para introduzir-nos novamente no plano de Deus, cumprisse a sua obra no que respeita a estes três aspectos: o pecado, a culpa e a acusação de Satanás contra nós. Precisava-se, antes que nada, que os nossos pecados fossem cancelados, e isto foi cumprido pelo precioso sangue de Cristo. Necessitava-se, depois, que a nossa culpa fosse perdoada, e que a nossa consciência fosse tranqüilizada mediante a revelação do valor daquele sangue. Finalmente, era necessário enfrentar os ataques no inimigo e responder as suas acusações. Nos é mostrado, nas Escrituras, que o sangue de Cristo age eficazmente nestas três direções: para Deus, para o homem e para Satanás. Se quisermos avançar, devemos absolutamente apropriar-nos das virtudes daquele sangue. Esta é a primeira condição essencial. Devemos ter uma consciência fundamental do fato que o Senhor Jesus morreu na Cruz em nosso lugar, e uma clara compreensão da eficácia do seu sangue em cancelar nossos pecados. 4
  • 5. Se não temos esta consciência, não podemos dizer que estejamos encaminhados em nossa via. Examinaremos estes três temas mais de perto. PRIMEIRAMENTE O SANGUE TEM VALOR DIANTE DE DEUS O sangue foi vertido pela expiação e é ligado à nossa posição diante de Deus. Para não cair sob juízo, precisamos do perdão pelos pecados que temos cometido, e os nossos pecados nos são perdoados não porque Deus feche seus olhos ao mal que temos cometido, mas porque Ele vê o sangue do seu Filho. O sangue não é, então, primariamente "para nós" mas "para Deus". Se eu desejo conhecer o valor do sangue para mim, devo aceitar tudo aquilo que ele significa para Deus; se eu não conheço o valor que o sangue tem para Deus, não conhecerei nunca o valor que ele tem para mim. Somente quando o Espírito Santo tenha me revelado o preço que Deus atribui ao sangue de Cristo, penetrará em mim o benefício de sua virtude e compreenderei o seu precioso valor para mim. Mas o primeiro aspecto do sangue é para Deus. Na Antiga e na Nova Aliança, a palavra "sangue", usada em conexão com a idéia de expiação, é adotada mas de cem vezes, e é sempre apresentada como de grande valor diante de Deus. Existe no calendário do Antigo Testamento um dia que se encontra em estreita relação com o argumento dos nossos pecados: é o Dia da Expiação. Nada explica este problema dos pecados tão bem quanto a descrição deste dia. No capítulo 16 de Levítico lemos que, no Dia da Expiação, o sangue era tomado das ofertas pelos pecados e levado no Lugar Santíssimo para ser aspergido sete vezes diante do Eterno. É necessário compreender isto muito claramente. Naquele dia, o sacrifício pelos pecados era oferecido publicamente no átrio do Tabernáculo. Tudo era feito abertamente e podia ser visto por todos. mas o Senhor tinha ordenado severamente que ninguém entrasse no Tabernáculo, a exceção do Sumo Sacerdote. Ele só tomava o sangue depois de ter entrado no Lugar Santíssimo e realizava a aspersão diante do Senhor. Por quê? Porque ele era figura do Senhor Jesus em sua obra redentora: "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção" (Hb 9:11-12). Assim sendo, ninguém senão o Sumo Sacerdote podia se aproximar e penetrar no Santuário. Alem disso, ele entrava para cumprir um único gesto: apresentar a Deus o sangue como uma oferta aceitável, na qual Deus podia ter satisfação. Era uma transação entre o Sumo Sacerdote e Deus no segredo do Lugar Santíssimo, longe dos olhares dos homens que deviam resultar beneficiados. O Senhor o requeria assim. O sangue é, então, o primeiro lugar não "para nós", mas "para Ele". Já antes achamos descrita a efusão do sangue do cordeiro pascual no Egito para o resgate de Israel. "E aquele sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes; vendo eu sangue, passarei por cima de vós, e não haverá entre vós praga de mortandade, quando eu ferir a terra do Egito" (Êx 12:13). Aquela é ainda, penso, uma das figuras mais claras da nossa redenção que possamos achar no Antigo Testamento. O sangue era colocado sobre as ombreiras e na verga das portas, enquanto o carne dos cordeiros era comido no interior das casas. E Deus disse: "vendo eu sangue, passarei por cima de vós". Temos aqui uma outra ilustração do fato que o sangue não deve ser apresentado ao homem, mas a Deus, porque o sangue era colocado no exterior da casa e aqueles que celebravam a festa no interior não podiam vê-lo. DEUS É SATISFEITO A santidade de Deus e a justiça de Deus requerem que uma vida sem pecado seja entregue pelo homem. A vida está no sangue e aquele sangue deve ser vertido por mim a causa dos meus pecados. É Deus quem o reclama, Deus é Aquele que pede que o sangue seja oferecido, para satisfazer a sua justiça; é Ele mesmo que declara: "vendo eu sangue, passarei por cima de vós". O sangue de Cristo satisfaz plenamente a Deus. Gostaria aqui de dar uma palavra aos meus mais jovens irmãos no Senhor, porque é neste ponto que achamos, com freqüência, dificuldades. Antes de acreditar em Cristo, talvez nunca tenhamos sido turbados pelas nossas consciências, até que a Palavra de Deus não começou despertá-la. A nossa consciência estava morta e Deus não pode fazer nada com aqueles cuja consciência está morta. Porém mais tarde, quando cremos, a nossa consciência acordada tornou-se extremamente sensível e isto pode constituir-se num verdadeiro problema para nós. O sentimento do pecado e da culpa pode tornar-se tão grande e tão terrível, que pode até chegar a paralisar-nos, fazendo-nos perder de vista a verdadeira eficácia do sangue. Nos parece, então, que os nossos pecados sejam 5
  • 6. muito reais, e qualquer pecado em particular pode atormentar-nos tão freqüentemente que pode fazer-nos acreditar que os nossos pecados sejam maiores que o sangue de Cristo. Ora, todas as nossas dificuldades provêm disto: provar a sentir o valor do sangue e estimar subjetivamente o que ele significa para nós. Mas não podemos fazer isto, porque não é assim que se fazem as coisas. É Deus quem, antes que nada, deve ver o sangue. Depois, nós devemos aceitar em seguida o valor que Deus lhe dá. somente então compreenderemos o valor que tem para nós. Se, ao contrário, tratamos de avaliá- lo segundo o nosso modo de pensar, não obteremos nada, ficaremos no escuro. É uma questão de fé na Palavra de Deus, devemos acreditar que o sangue de Cristo é precioso diante de Deus, porque Ele disse que assim era. "Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da sua vã maneira de viver que por tradição recebestes dos seus pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, o qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós" (1 Pe 1:18-20). Se Deus pode aceitar o sangue de Cristo como uma expiação dos nossos pecados e como preço da nossa redenção, podemos estar seguros que a dívida ficou paga. Se Deus está satisfeito com o sangue, quer dizer que o sangue é aceitável. O valor que nós atribuímos ao sangue deve se corresponder com o que Deus lhe atribui, nem mais nem menos. Não pode certamente ser mais alto, mas também não deve ser mas baixo. Lembremos que Deus é Santo e justo, e que um Deus justo e santo tem o direito de declarar que o sangue de Cristo O tem agradado o satisfeito plenamente. A VIA PELA QUAL O CRENTE VAI A DEUS O sangue de Jesus satisfez Deus, mas deve satisfazer também a nós. Existe, então, um segundo valor, que é para o homem, em quanto que purifica a nossa consciência. Meditando sobre a Epístola aos Hebreus achamos aquilo que o sangue fez. Ele conseguiu para nós "corações purificados da má consciência" (Hb 10:22). Isto é muito importante. Consideremos atentamente o que está escrito. O autor não nos diz somente que o sangue do Senhor Jesus purifica o nosso coração; não pára nesta declaração. É um erro relacionar o coração com o sangue desta maneira. Assim demonstramos não compreender a esfera na qual opera o sangue, quando apregoamos: "Senhor, purifica o meu coração do pecado com o Teu sangue"; o coração, Deus diz, é "enganoso" e "perverso" (Jr 17:9). Deus deve então fazer alguma coisa mais eficaz que purificá-lo: Ele deve nos dar um coração novo. Nós nunca pensaremos em lavar e passar o ferro numa roupa que seja para jogar fora. Como veremos mais adiante, a "carne" é demasiadamente corrupta para ser purificada: ela deve ser crucificada. A obra de Deus em nós deve ser uma coisa completamente nova: "E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo" (Ez 36:26). Não, eu não acho nenhum versículo no qual seja declarado que o sangue de Cristo purifica o coração. A sua obra não é subjetiva neste sentido, mas inteiramente objetiva, diante de Deus. É verdade que a obra da purificação do sangue, segundo Hebreus 10, toca nosso coração, mas é em relação com a nossa consciência. "...tendo os corações purificados da má consciência" (Hb 10:22): o que significa isto? Significa que um obstáculo foi introduzido entre eu e Deus, criando em mim uma má consciência que advirto a cada vez que tento me aproximar dEle. Ela me lembra constantemente a barreira que foi criada entre Ele e eu. Porém agora, a obra do sangue precioso eliminou aquela barreira, e Deus me fez conhecer este fato mediante a sua Palavra. Devido a que eu cri e aceitei Jesus, a minha consciência foi purificada e o meu sentido de culpa desapareceu; já não tenho uma má consciência diante de Deus. Cada um de nós sabe quanto é precioso ter, em nossa relação com Deus, uma consciência pura de cada mácula de pecado. Sim, um coração cheio de fé e uma consciência limpa de todas as acusações são duas coisas essenciais para nós, e uma acompanha a outra. Quando perdemos a paz da consciência, a nossa fé naufraga, e sentimos em seguida que não podemos nos aproximar de Deus. mas para poder continuar a caminhar com Deus devemos conhecer sempre o valor atual do sangue. Deus tem uma contabilidade muito precisa, e é pelo sangue de Cristo que nós podemos, a cada dia, cada hora e cada minuto, nos aproximar dEle. O sangue não perde nunca a sua eficácia como nossa base de acesso ao trono da graça, e nós confiamos inteiramente 6
  • 7. nisso. Então, quando entramos no Lugar Santíssimo, sobre qual fundamento além do sangue ousaremos nos apoiar? Eu preciso me fazer esta pergunta: procuro verdadeiramente ir a Deus através do sangue, ou me confio em qualquer outra coisa? O que entendo quando digo: "através do sangue"? Quero dizer, simplesmente, que eu reconheço os meus pecados, que necessito purificação e expiação, e que me aproximo de Deus apoiando-me só em seus méritos, e nunca confiando nas minhas próprias forças. Nunca, por exemplo, fundando-me no fato de ter sido particularmente amável ou paciente durante o dia, ou de ter feito qualquer coisa pelo Senhor nesta manhã. Devo me aproximar de Deus sempre pela via do sangue de seu Filho. A tentação, para muitos de nós, quando queremos nos achegar a Deus, é a de pensar que, já que Deus tem agido em nós, nos fez conhecer alguma coisa de mais sobre Ele e nos abriu os olhos acerca de lições mais profundas a respeito da Cruz, tem colocado assim diante de nós novas normas de vida, e que somente nos submetendo a elas poderemos ter uma consciência pura diante dEle. Não! Uma consciência pura não está nunca baseada sobre uma vitória que tenhamos conseguido; ela só pode ser estabelecida sobre a obra que o Senhor Jesus cumpriu vertendo o seu sangue. Posso errar, mas tenho a impressão muito forte que alguns de nós temos, às vezes, sentimentos como estes: "Hoje eu fui mais amável; hoje eu agi melhor; esta manhã li a Palavra de Deus de forma mais recolhida, então posso orar melhor!", ou, ainda: "Hoje eu tive algumas dificuldades com a minha família, comecei o dia de péssimo humor, sem jeito, e agora não me sinto tão cômodo assim; parece que alguma coisa não está indo bem; não posso, porém, me aproximar de Deus". Qual é, afinal, a base sobre a qual vocês se aproximam de Deus? Vão a Ele sobre o fundamento incerto dos seus sentimentos, pensando que hoje conseguiram fazer alguma coisa para Ele? Ou vocês se apóiam sobre um fundamento muito mais seguro, ou seja, sobre o fato que o sangue foi vertido e que, vendo esse sangue, Deus está satisfeito? Naturalmente, se tivesse sido possível conceber que a virtude do sangue pudesse ser mudada, a base sobre a qual nos aproximamos de Deus seria menos digna de confiança. Porém, a virtude do sangue nunca mudou e nunca mudará. Podemos, então, nos achegar sempre a Deus com certeza, e esta segurança a obtemos através do sangue, e nunca pelos nossos méritos pessoais. Qualquer seja a medida dos nossos méritos de hoje, de ontem ou de anteontem, apenas nos chegamos com plena consciência ao lugar três vezes santo, é preciso imediatamente que nos apoiemos sobre o terreno seguro e único do sangue vertido. Se o nosso dia foi bom ou ruim, se pecamos a sabendas ou não, o fundamento sobre o qual nos aproximamos a Deus é o mesmo: o sangue de Cristo. O fato de este sangue ser agradável a Deus permanece a única base sobre a qual podemos entrar em sua presença; não existem outras. Como em muitas outras etapas da nossa experiência cristã, este fato do acesso a Deus se compõe de duas fases, uma inicial e uma sucessiva. A primeira está representada em Efésios 2, e a segunda em Hebreus 10. No início, a nossa posição diante de Deus é assegurada pelo sangue, porque nós fomos "aproximados pelo sangue de Cristo" (Ef 2:13). E imediatamente a base do nosso contínuo acesso a Deus subsiste ainda no sangue; portanto o apóstolo nos exorta assim: "Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, (...) Cheguemo-nos" (Hb 10:19,22). Para começar fui re-aproximado pelo sangue, e a continuação, nesta nova relação com Deus devo sempre recorrer ao sangue. Não que eu tenha sido salvado sobre uma certa base e que depois mantenha a minha comunhão com Deus sobre uma outra base. Vocês dirão: "Isto é muito simples; é o ABC do Evangelho". Sim, porém é um fato que muitos de nós nos temos distanciado deste ABC. Temos pensado de ter feito progressos e de tê- lo assim superado, mas nunca poderemos fazer isto. Não, eu me aproximei de Deus a primeira vez através do sangue, e a cada vez que me apresento a Ele é pelo mesmo meio. Até o fim será assim, sempre e unicamente sobre a base do sangue de Cristo. Isto não significa de maneira alguma que devamos viver uma vida despreocupada; de fato, estudaremos mais tarde um outro aspecto da morte de Cristo, que mostrará a vocês uma coisa completamente diferente. Porém de momento, contentemo-nos com o sangue que está conosco e nos é suficiente. Podemos ser fracos, mas considerando a nossa debilidade não ficaremos mais fortes. Nem também não tentando de sentir a nossa miséria e fazendo penitência nos tornaremos mais santos. Não encontraremos nenhuma ajuda neste sentido. Tenhamos então a coragem de encostar-nos em Deus confiando no sangue, e digamos: "Senhor, eu não conheço bem o valor do sangue, mas sei que o sangue tem Te satisfeito, portanto, o sangue me basta, e é o meu único refúgio. Vejo 7
  • 8. agora que, tenha eu realizados progressos ou não, tenha eu melhorado ou não, não posso nunca me apresentar diante de Ti senão sobre o fundamento do precioso sangue". Então a nossa consciência ficará verdadeiramente livre diante de Deus. nenhuma consciência poderá nunca ser purificada fora do sangue. É o sangue que nos dá segurança diante de Deus; "De outra maneira, teriam deixado de se oferecer, porque, purificados uma vez os ministrantes, nunca mais teriam consciência de pecado", esta é a poderosa expressão de Hebreus 10:2. Somos purificados de cada pecado; podemos fazer eco com Paulo às palavras de Davi: "Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado" (Romanos 4:8). A VITÓRIA SOBRE O ACUSADOR Depois de tudo que já temos considerado, podemos agora enfrentar o inimigo, porque existe ainda um outro aspecto da virtude do sangue, aquele que nos resguarda de Satanás. A atividade mais viva de Satanás neste tempo consiste em ser o acusador dos crentes: "...porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite" (Apocalipse 12:10). É nesta ação sua que o nosso Senhor o enfrenta com o seu particular ministério de Sumo Sacerdote, "por meio do seu próprio sangue" (Hb 9:12). Qual é, então, a obra do sangue contra Satanás? Ela consiste em colocar a Deus de parte do homem, contra Satanás. A queda produziu no homem uma condição que tem permitido o adversário entrar em contato com ele, com o resultado de forçar Deus a se retirar. O homem está agora fora do Jardim do Éden, já não pode ver mais a glória de Deus: "...todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (Rm 3:23), porque, inteiramente, o homem transformou-se num estranho para Deus. Como conseqüência do que o homem tem feito, existe agora alguma coisa nele que impede Deus de defendê-lo, até que o obstáculo seja removido. Mas o sangue de Cristo tirou esta barreira; restituiu o homem a Deus e Deus ao homem. O homem está agora sob a proteção divina, e devido a que Deus o acompanha, Ele pode sem temor enfrentar Satanás. Vocês se lembrarão daquele versículo da primeira epístola de João, e esta é a tradução que eu prefiro: "O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de cada pecado" (1 Jo 1:7). Não é exatamente "todos os pecados", no sentido geral, mas de cada pecado, cada um detalhadamente. O que significa isto? É uma coisa maravilhosa! Deus está na luz, e se caminhamos com Ele na luz, tudo fica exposto e descoberto diante desta luz, e assim Deus pode ver tudo perfeitamente, enquanto o sangue de Cristo pode purificar-nos de cada pecado. Que purificação! Isto não significa que eu não conheça profundamente a mim mesmo, ou que Deus não me reconheça perfeitamente. Não é que eu procure escondê-Lhe alguma coisa, nem que tente de não vê-Lo. Não, acontece que Ele é a luz, que também eu estou na luz e que ali o sangue precioso me purifica de cada pecado. O sangue tem condições de fazer isto! Alguém, oprimido pela sua debilidade, poderia ser tentado a pensar que existem pecados imperdoáveis. Lembremo-nos então destas palavras: "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de cada pecado". Grandes pecados, pequenos pecados, pecados que podem parecer tão pretos e pecados que não nos parecem tão graves, pecados que eu acredito possam ser perdoados e pecados que achamos imperdoáveis, sim, todos os pecados, conscientes ou inconscientes, tanto aqueles de que eu me lembro como aqueles que já esqueci, estão contidos nestas palavras: "cada pecado". "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de cada pecado". E pode fazê-lo porque em primeiro lugar satisfaz o Pai. E se Deus, que vê todos os nossos pecados à luz, pode perdoá-los graças ao sangue, qual fundamento de acusação resta a Satanás? Ele pode nos acusar diante de Deus, porém, "se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8:31). Deus lhe mostra o sangue de seu Filho dileto e esta é a resposta suficiente à qual Satanás não pode replicar de maneira alguma. "Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós." (Rm 8:33-34). Temos ainda, no obstante, a necessidade de reconhecer a eficácia absoluta do sangue precioso. "Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção." (Hb 9:11-12). 8
  • 9. Ele foi Redentor uma vez, e agora, quase dois mil anos depois, é Sumo Sacerdote e Advogado. Ele está na presença de Deus e é a "propiciação pelos nossos pecados" (1 Jo 2:1). Notemos bem as palavras de Hebreus 9:14: "Quanto mais o sangue de Cristo (...) purificará as suas consciências...". Estas palavras sublinham a eficácia perfeita do seu ministério, que é suficiente perante Deus. Qual deverá ser a nossa postura a respeito de Satanás? Esta pergunta é importante porque o inimigo nos acusa não somente diante de Deus, mas também em nossas próprias consciências: "Você pecou e continua a pecar. Você é fraco, e Deus não pode fazer nada por você". Estas são as armas das quais se serve Satanás. Então somos tentados de olhar dentro de nós, para tratar de achar em nós mesmos, em nossos sentimentos ou em nossa conduta, uma razão para acreditar que Satanás está errado; ou então somos tentados a reconhecer a nossa debilidade e, indo até o outro extremo, de abandonar-nos ao desencorajamento e à desesperação. A acusação converte-se assim em uma arma de Satanás, a mais forte e eficaz. Ele nos mostra nossos pecados e procura acusar-nos diante de Deus, e se não reconhecemos a fraqueza das suas acusações, caímos em seguida em desespero. Ora, a razão pela qual aceitamos tão facilmente as acusações de Satanás é que esperamos ainda achar alguma justiça em nós. Mas o fundamento de nossa esperança é falso e assim o adversário alcançou seu objetivo, que consiste em fazer-nos olhar para a direção errada, dando-lhe assim o modo de nos deixar sem forças para resistir. Porém, se temos aprendido a não confiar na carne, não ficaremos surpresos quando cairmos em algum pecado, porque a natureza própria da carne é o pecado. Compreendem o que quero dizer? Porque não conseguimos ainda conhecer a nossa verdadeira natureza, nem ver o impotente que somos, temos ainda alguma confiança em nós mesmos, e somos ainda esmagados pelas acusações de Satanás. Deus tem o poder de regularizar a questão dos nossos pecados, mas nada pode fazer por um homem que está sob acusação, até que este homem não coloca completamente a sua confiança no sangue de Cristo. O sangue fala em seu favor, porém o homem dá ouvidos a Satanás. Cristo é o nosso advogado, mas nós, os acusados, nos sentamos ao lado do nosso acusador. Não compreendemos que somos dignos somente de morte; que, como veremos em seguida, só podemos ser crucificados de todas as maneiras. Não temos ainda compreendido que somente Deus pode responder ao acusador e que já o fez com o sangue precioso de seu Filho. A nossa salvação consiste em voltar o nosso olhar ao Senhor Jesus, e em ver que o sangue do Cordeiro tem enfrentado toda a situação gerada pelo nosso pecado, e a tem resolvido. Este é o fundamento seguro com o qual podemos contar. Não deveremos nunca procurar responder a Satanás com a nossa boa conduta, mas sempre com o sangue de Jesus. Sim, somos pecadores, mas —louvado seja Deus!—, o sangue nos purifica de cada pecado. Deus olha para o sangue pelo qual seu Filho respondeu a acusação, e Satanás não tem mais base para nos atacar. A nossa fé no precioso sangue e a nossa recusa de abandonar esta segura posição podem, sozinhas, reduzir ao silencio as acusações de Satanás e pô-lo em fuga. "Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós." (Rm 8:33-34). E assim será até o fim: "E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as suas vidas até à morte" (Ap 12:11). Que liberação para nós discernirmos melhor o valor que tem, aos olhos de Deus, o sangue precioso de seu Filho dileto! CAPÍTULO 2 – A CRUZ DE CRISTO Temos visto que os oito primeiros capítulos da epístola aos Romanos podem ser divididos em duas partes. Foi-nos mostrado, na primeira parte, que o sangue age segundo o que temos feito; enquanto, na segunda parte, veremos que a Cruz1 age segundo o que nós somos. 1 O autor aqui, e através deste estudo, usa o termo "a Cruz" num sentido particular. Muitos leitores conhecerão bem o uso da expressão "a Cruz" para significar, em primeiro lugar, a inteira obra redentora cumprida historicamente na morte, sepultura, ressurreição e ascensão do Senhor Jesus (Fp 2:8-9); e, em segundo lugar, num sentido mais amplo, a união dos crentes com Ele através da graça (Romanos 6:4; Efésios 2:5-6). Desde o ponto de vista de Deus, neste uso do termo, a função de "o sangue" em relação ao perdão dos pecados (como tratado no capítulo 9
  • 10. Precisamos do sangue de Jesus para o perdão; e precisamos da Cruz para ser liberados. Tratamos brevemente nas páginas precedentes o primeiro aspecto e nos deteremos agora no segundo; porém, antes de fazê-lo, consideraremos ainda algum outro passo importante, referente em toda esta seção que sublinha a diferença entre o tema tratado e os pensamentos seguidos nestas duas partes. OUTRA DISTINÇÃO Dois aspectos da ressurreição são mencionados nas duas partes, com referências aos capítulos 4 e 6. na epístola aos Romanos, 4:25, a ressurreição do Senhor Jesus está ligada à nossa justificação: "O qual (Jesus) por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação." O tema em vista neste fragmento é a nossa posição diante de Deus. mas em Romanos 6:4 a nossa ressurreição nos é mostrada como o dom de uma nova vida, com vistas a um caminho santificado: "...para que, como Cristo foi ressuscitado (...) assim andemos nós também em novidade de vida". A palavra que está aqui diante de nós tem a ver com o nosso caminho diante de Deus. Por outra parte, se fala da paz nos capítulos 5 e 8. Romanos 5 fala da paz com Deus que é o fruto da justificação mediante a fé em seu sangue: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5:1). Isto significa que havendo eu recebido o perdão pelos meus pecados, Deus já não mais será para mim causa de terror e de angústia. Eu, que era inimigo de Deus, fui "reconciliado com Ele pela morte de seu Filho" (Rm 5:10). Porém, em seguida, me lembro que estou por mim mesmo sujeito a grande tormento. Existe ainda incerteza em mim, porque há no fundo do meu "eu" alguma coisa que me empurra a pecar. Tenho a paz com Deus, mas não tenho a paz comigo mesmo. Existe, de fato, a guerra no meu coração. Há uma descrição muito clara em Romanos 7, onde a carne e o espírito desencadearam um conflito mortal em mim. Mas partindo daqui, a Palavra nos conduz ao capítulo 8, à paz interior pelo caminho segundo o Espírito. "Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser" (Rm 8:6-7). Prosseguindo ainda no nosso estudo, vemos que a primeira metade da segunda seção trata em geral da questão da justificação. Veja por exemplo: "Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus." (Romanos 3:24-26). E ainda: "Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça (...) Mas também por nós, a quem será tomado em conta, os que cremos naquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor; o qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação." (Romanos 4:5,24-25). A segunda metade da seção tratada, pelo contrário, tem como sujeito principal o interrogativo correspondente à santificação. De fato, em Romanos 6:19 e 22 diz: "...pois que, assim como apresentastes os seus membros para servirem à imundícia, e à maldade para maldade, assim apresentai agora os seus membros para servirem à justiça para santificação (...) Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o seu fruto para santificação, e por fim a vida eterna". Então, quando conhecemos a preciosa verdade da justificação pela fé, conhecemos somente a metade. Temos resolvido somente o problema de nossa posição diante de Deus mas, à medida que avançamos no conhecimento, Deus tem alguma coisa a mais para nos oferecer; ou seja, a solução do problema de nossa conduta. O desenvolvimento do pensamento, nestes capítulos da epístola aos Romanos, sublinha a importância deste ponto. O segundo passo é o resultado do primeiro e se nós ficamos no primeiro teremos uma vida cristã ainda imperfeita, ou por debaixo do normal. precedente), é claramente incluída (com tudo que se segue neste estudo) como uma parte da obra da Cruz. Neste e nos seguintes capítulos, contudo, o autor foi constrangido, por falta de um termo alternativo, a utilizar "a Cruz" num sentido doutrinário muito mais particular e limitado, a fim de traçar uma útil distinção entre a substituição e a identificação, como sendo, de um ponto de vista humano, dois aspectos separados da doutrina da redenção. Portanto, o nome do inteiro e usado por uma das partes. O leitor deverá ter presente isto nos textos que se segue (N. do E.). 10
  • 11. Como podemos, então, viver uma vida cristã normal? Como poderemos fazer? É preciso, naturalmente, começar por resolver o perdão dos pecados; é necessária a justificação e a paz com Deus: isto constitui um fundamento indispensável. Porém, uma vez estabelecida esta base como o nosso primeiro ato de fé em Cristo, fica claro, do que precede, que devemos avançar para alguma coisa a mais. Assim vemos que o sangue tem efeito sobre os nossos pecados. O Senhor Jesus os levou em nosso lugar sobre a Cruz, como nosso substituto, e assim obteve o perdão para nós, a justificação e a reconciliação. Mas devemos, agora, dar um passo adiante no conhecimento do plano de Deus para compreender como age sobre o princípio do pecado que há em nós. O sangue pode cancelar os meus pecados, mas não pode suprimir meu "velho homem". É preciso que a Cruz o faça morrer. O sangue deixa os pecados de lado, mas é necessária a Cruz para pôr de lado o pecador. Acharemos raramente a palavra "pecador" nos primeiros quatro capítulos da epístola aos Romanos, porque não são os pecadores o alvo principal, mas o pecado que têm cometido. A palavra "pecador" aparece pela primeira vez no capítulo 5, e é importante observar como é introduzida a idéia do pecador. Diz-se neste capítulo que o pecador é assim porque nasceu pecador, e não porque cometeu pecados. A diferença é importante. É verdade que amiúde, para convencer o homem da rua de que é um pecador, o servo do Senhor utiliza a instância bem conhecida de Romanos 3:23, onde diz que "todos pecaram"; mas o uso deste texto não está estritamente de acordo com as Escrituras. Os versículos que são utilizados assim comumente podem, às vezes, pôr em perigo a integração e conduzir a uma conclusão errada. De fato, a epístola aos Romanos não ensina que sejamos pecadores porque cometemos pecados, senão que cometemos pecado porque somos pecadores. Somos pecadores por natureza, antes que pelo nosso comportamento. Como declara Romanos 5:19: "pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores". Como nos convertemos em pecadores? Pela desobediência de Adão. Nós não nos convertemos em pecadores por aquilo que fizemos, mas a causa daquilo que Adão fez e daquilo em que se converteu. Eu falo inglês, mas isso não me converte num inglês. Eu sou em verdade chinês. Assim, o capítulo 3 chama a nossa atenção para o que temos feito. "Todos pecaram", mas não é porque pecamos que nos convertemos em pecadores. Um dia fiz esta pergunta a uma aula de escolares: "Quem é um pecador?" A resposta imediata deles foi: "Aquele que peca". Sim, aquele que peca é um pecador, mas o fato de que peca é simplesmente a prova de que ele já é um pecador, não é a causa. Aquele que peca é um pecador, porém também é verdade que aquele que não peca, mas pertence à raça de Adão, é igualmente um pecador e precisa de redenção. Vocês me seguem? Existem maus pecadores e também bons; existem pecadores "morais" e pecadores "corruptos"; porém todos são igualmente pecadores. Nós pensamos, às vezes, que se não tivéssemos feito certas coisas, tudo iria melhor; mas o mal está escondido muito mais profundamente que naquilo que nós temos cometido: está dentro de nós. Um chinês pode ter nascido em América e ser incapaz de falar uma palavra em chinês, mas isto não evita que fique chinês pelo fato de que ele é chinês. É o nascimento, a origem o que conta. Assim, eu sou um pecador porque nasci em Adão. Não é pela minha conduta, mas pela minha herança, pela minha ascendência. Não sou um pecador porque peco, mas peco porque desço de uma cepa malvada. Eu peco porque sou um pecador. Nós nos inclinamos a pensar que aquilo que temos cometido é muito mau, porém que nós mesmos não somos tão maus. No entanto, o Senhor quer nos fazer compreender que a nossa natureza é malvada, fundamentalmente malvada. A raiz do mal é o pecado; é necessário agir sobre ele. Os nossos pecados são lavados pelo sangue, porém quanto a nós mesmos, devemos morrer sobre a Cruz. O sangue nos assegura o perdão para tudo o que temos feito; a Cruz nos assegura a liberação daquilo que somos. A CONDIÇÃO NATURAL DO HOMEM Temos assim chegado a Romanos 5:12: "Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram." Nesta grande passagem, a graça é colocada em contraste com o pecado, e a obediência de Cristo é oposta à desobediência de Adão. Este fragmento fica no início da segunda parte da carta aos Romanos (de 5:12 até 8:3) de que, agora, nos ocuparemos mais particularmente, e o tema que aqui é tratado conduz de uma conclusão que será a base de todas as meditações que seguirão. Qual é esta conclusão? A achamos no versículo 19, citado acima: "Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos 11
  • 12. foram feitos pecadores, assim pela obediência de um, muitos serão feitos justos". O Espírito de Deus busca aqui mostrar-nos como éramos antes e no que nos convertemos depois. No inicio de nossa vida cristã estamos preocupados com as nossas ações e não com a nossa natureza; estamos entristecidos mais com aquilo que temos feito que com aquilo que somos. Imaginamos que se pudéssemos só reparar certas ações, poderíamos ser bons cristãos e nos esforçamos, então, para mudar nossa maneira de agir. Mas o resultado não é o que esperamos. Reparamos, desalentados, que o mal não provém somente das dificuldades exteriores, mas que há, em efeito, uma causa mais grave em nosso interior. Desejamos que o Senhor goste de nós, mas achamos em nós alguma coisa que não deseja gostar dEle. Buscamos de sermos humildes, mas há alguma coisa em nossa natureza que rejeita a humildade. Desejamos amar, mas não há amor em nós. Sorrimos e procuramos aparecer muito amáveis, mas intimamente nos sentimos muito longe da verdadeira bondade. Porém tentamos corrigir o nosso exterior, mais reparamos quão profundas são as raízes do mal. Então, vamos ao Senhor e lhe dizemos: "Senhor, agora vejo! Não é só que faço o mal; eu mesmo sou malvado". A conclusão de Romanos 5:19 começa a iluminar o nosso coração. Somos pecadores. Somos membros de uma raça de criaturas que, pela sua constituição, são muito diferentes daquilo que Deus tinha planejado. A causa da queda, uma mudança fundamental si produziu no caráter de Adão, que o converteu num pecador, num homem incapaz, por natureza, de gostar a Deus; o parecido que nós temos com a família não é simplesmente superficial, senão que abrange inteiramente a nossa natureza interior. Fomos "constituídos pecadores". Como chegamos a isto? "Pela desobediência de um só", diz o apóstolo. Permitam-me ilustrar este fato com uma analogia. O meu nome é Nee. É um nome chinês muito comum. Como eu o recebi? Não fui eu que o escolhi. Não examinei a lista de nomes chineses para eleger este. O fato que o meu nome seja Nee não depende em nada de mim, e meu pai era Nee porque meu avô era Nee, etc... Se eu atuo como um Nee sou um Nee, e se não atuo como um Nee, igualmente sou um Nee. Se eu virasse Presidente da República China serei Nee, e se me tornasse mendigo ainda seria Nee. Nada do que eu faça ou deixe de fazer poderá me converter numa outra coisa que não seja Nee. Nós somos pecadores não a causa de nós mesmos, mas por causa de Adão. Eu sou pecador não porque peco individualmente, mas porque eu estava em Adão quando ele pecou. Porque desço de Adão, sou uma parte dele. E, ainda mais, não posso fazer nada para mudar isso. Nem sequer melhorando a minha conduta posso fazer de mim mesmo outra coisa que não seja uma parte de Adão, ou seja, um pecador. Um dia na China, eu falava sobre isto e fiz esta afirmação: "Nós todos pecamos em Adão". Um homem disse: "Não entendo". Eu tentarei então de me explicar deste modo: "Todos os chineses têm a sua origem em Huang-Ti. Quatro mil anos atrás, entrou em guerra com Si-Iu. Seu inimigo era fortíssimo, porém, Huang-Ti venceu Si-Iu e o matou. Depois disso, Huang-Ti fundou a nação chinesa. Ora, onde nós estaríamos se Huang-Ti não tivesse vencido e matado seu inimigo, mas tivesse sido morto ele mesmo? Onde estariam vocês?" "Eu não existiria", disse o meu interlocutor. "Ah, não! Huang-Ti podia morrer sua morte, porém vocês podiam de qualquer jeito viver as suas vidas". "Impossível!", gritou aquele homem. "Se ele tivesse morrido, eu nunca poderia ter vivido, porque é dele que eu recebi a vida, de sua descendência". Vemos nós a unidade da vida humana? A nossa vida vem de Adão. Se seu avô fosse morto na idade de três anos, onde estariam vocês? Teriam morrido nele! A sua existência está ligada à dele. Ora, exatamente da mesma maneira a existência de cada um de vocês está ligada à de Adão. Ninguém pode dizer: "Eu nunca estive no Éden", porque virtualmente nós estávamos lá quando Adão cedeu às palavras da serpente. Estamos, então, todos implicados no pecado de Adão, e a causa do nosso nascimento em Adão herdamos dele todo aquilo em que ele se converteu como conseqüência do seu pecado, ou seja, a natureza de Adão, que é a natureza do pecador. Temos recebido dele a nossa existência física e, como sua vida se converteu numa vida de pecado, numa natureza pecaminosa, a natureza que nós temos dele é também pecaminosa. Assim, como já dissemos, o mal é a nossa herança, não somente no nosso agir. A menos que possamos mudar o nosso nascimento, não há liberação para nós. Mas é precisamente nesta direção que acharemos a solução do nosso problema, porque é exatamente assim que Deus o fez. COMO EM ADÃO, ASSIM EM CRISTO 12
  • 13. Em Romanos 5:12-21 não si fala somente de Adão; também se fala do Senhor Jesus. "Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram". Em Adão recebemos tudo o que é de Adão; em Cristo recebemos tudo o que é de Cristo. As expressões "em Adão" e "em Cristo" são suficientemente entendidas pelos cristãos e, a risco de me repetir, gostaria de sublinhar ainda com uma demonstração o significado hereditário e racial da expressão "em Cristo". Esta demonstração encontra-se na carta aos Hebreus. Vocês se lembram que, na 1° parte desta carta, o autor trata de demonstrar que Melquisedeque é maior que Levi? Recordarão que o argumento para demonstrar é que o sacerdócio de Cristo é maior que aquele de Arão, que pertencia à tribo de Levi. Ora, para demonstrar isto, o autor deve provar que o sacerdócio de Melquisedeque é maior do que aquele de Levi, pela simples razão que o sacerdócio de Cristo é "segundo a ordem de Melquisedeque". É bem notório que o nosso Senhor surgiu da tribo da Judá, acerca da qual Moisés nada disse que concernisse ao sacerdócio. E a coisa é ainda mais evidente se surge, a semelhança de Melquisedeque, um outro Sacerdote que foi feito tal não em teor de uma lei de prescrições humanas, mas em virtude do poder de uma vida indissolúvel; porque lhe é rendido este testemunho: "Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque" (Hb 7:17). Ao contrário, o sacerdócio de Arão foi, naturalmente, segundo a ordem de Levi. Se o autor pode nos demonstrar que Melquisedeque, aos olhos de Deus, é maior que Levi, ele conseguiu o seu objetivo e o prova de maneira notável. No capítulo 7 dos Hebreus se diz que Abraão, um dia, voltando da batalha dos Reis (Gênesis 14), ofereceu a décima parte do seu botim a Melquisedeque e foi por ele abençoado. Se Abraão ofereceu a décima parte a Melquisedeque, significa que Levi era menos importante que Melquisedeque. Por quê? O fato de que Abraão fez a oferta significa também que Isaque, "em Abraão", ofereceu a Melquisedeque. Mas se isso era verdade, então também Jacó "em Abraão", o que, pela sua vez, significa que também Levi "em Abraão" fez a sua oferta a Melquisedeque. Ora, sem contradição, o inferior é abençoado pelo superior (Hebreus 7:7). Levi está numa posição inferior à de Melquisedeque, e portanto o sacerdócio de Arão é inferior àquele do Senhor Jesus. Levi, na época da batalha dos Reis, não tinha sido ainda nem sequer concebido, porém já estava "nos lombos de seu pai (Abraão)" e, por assim dizer, através de Abraão ele "pagou dízimos" (Hebreus 7:9-10). Este é de fato o exato significado do termo "em Cristo". Abraão, como cabeça da família da fé, inclui em si mesmo a inteira família. Quando ele fez a sua oferta a Melquisedeque, a inteira família fez aquela oferta nele. Eles não ofereceram separadamente como indivíduos, mas estavam nele, portanto ao fazer a sua oferta ele incluiu em si a sua descendência. Assim, nos é apresentada uma nova possibilidade. Em Adão todos estamos perdidos. Através da desobediência de um homem nós fomos todos constituídos pecadores. Por meio dele entrou o pecado e, através do pecado, a morte; e através de toda a raça o pecado reinou, daquele dia em diante, para a morte. Mas agora um raio de luz foi jogado sobre a cena. Através da obediência de um Outro nós podemos ser constituídos justos. Onde o pecado abundou, a graça superabundou, e como o pecado reinou dando a morte, assim pode a graça reinar através da justiça, dando a vida eterna por meio de Jesus Cristo nosso Senhor (Rm 5:19-21). A nossa desesperança está em Adão; a nossa esperança, em Cristo. O MEIO DIVINO DA LIBERAÇÃO Deus deseja certamente que esta consideração nos conduza à liberação prática do pecado. Paulo o mostra muito claramente quando inicia o capítulo 6 de sua carta aos Romanos com esta pergunta: "Que diremos pois? Permaneceremos no pecado?" todo seu ser se rebela diante do pensamento de uma tal possibilidade. "De modo nenhum!", exclama. Como poderia um Deus Santo estar satisfeito de ter filhos impuros e encadeados ao pecado? Assim, "como viveremos ainda nele (no pecado)?" (Rm 6:1-2). Deus tem, então, providenciado um meio poderoso e eficaz para liberar-nos do domínio do pecado. Mas é esse o nosso problema; nascemos pecadores, como podemos eliminar a nossa herança de pecado? Se somos nascidos em Adão, como poderemos sair de Adão? Deixem-me dizê-lo em seguida, o sangue de Cristo não pode nos fazer sair de Adão. Solo nos resta um único meio. Já que entramos na raça de Adão através do nascimento, só poderemos sair através da morte. Para pôr fim a nossa natureza pecaminosa é necessário pôr fim a nossa vida. A escravidão do pecado veio pelo nascimento; a liberação do pecado vem com a morte —e é esse precisamente o meio de 13
  • 14. liberação que Deus dispus. A morte é o segredo da liberação. "Nós, que estamos mortos para o pecado..." (Rm 6:1). Mas como podemos morrer? Muitos de nós, talvez, temos realizado enormes esforços para livrar-nos deste estado de pecado, só para achá-lo ainda mas tenaz. Qual será, então, a saída? Não certamente tratando de matar-se, senão somente com o reconhecimento de que Deus tem resolvido o nosso problema "em Cristo". Isto é retomado na declaração sucessiva do apóstolo Paulo: "...todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte" (Rm 6:3). Todavia se Deus tem providenciado a nossa morte "em Jesus Cristo", é necessário que nós sejamos "nEle" para que isto seja verdade; e isto parece um problema tão difícil. Como podemos ser colocados "em Cristo"? Também aqui Deus vem em nosso auxílio. De fato, nós não possuímos meio algum de assumir a nossa posição em Cristo, porém, e o que é mais importante, não temos a necessidade de procurar fazê-lo, porque já estamos "em Cristo". Isso que nós não podíamos fazer por nós mesmos, Deus tem realizado por nós. Ele nos colocou em Cristo. Lembrem de 1 Coríntios 1:30. Acredito que este seja um dos mais preciosos versículos de todo o Novo Testamento: "Vós sois dele, em Jesus Cristo". Como? Por meio dEle: "...o qual para nós foi feito por Deus" Louvado seja Deus! Não nos deu a preocupação de procurarmos um meio para sermos "em Cristo". Não precisamos predispor a nossa nova posição. Deus o tem feito por nós; e não somente tem predisposto a nossa posição em Cristo, mas também a cumpriu. Estamos já em Cristo; não temos, então, necessidade de esforçar-nos para estar nEle. Este é um fato divino, e foi cumprido. Ora, se isto é verdade, então se seguem algumas coisas. Na demonstração de Hebreus 7, que temos já considerado, vimos que "em Abraão" todo Israel —e portanto Levi, que ainda não tinha nascido— ofereceu o dizimo a Melquisedeque. Não ofereceram separada ou individualmente, mas estavam em Abraão quando ele ofereceu, e a sua oferta abrangeu toda a sua progênie. Esta, então, é a verdadeira figura de nós mesmos "em Cristo". Quando o Senhor Jesus esteve na Cruz, todos nós morremos —não separadamente, porque não tínhamos ainda nascido—, mas morremos nEle porque já éramos nEle. "Um morreu por todos, logo todos morreram" (2 Coríntios 5:14). Quando Ele foi crucificado, todos nós fomos crucificados, lá, com Ele. Freqüentemente, quando se predica nas cidades chinesas, é necessário usar exemplos muito simples para verdades divinas muito profundas. Lembro-me que um dia peguei um livro, coloquei nele um pedacinho de papel, e disse àquelas pessoas tão símplices: "Agora prestem muita atenção. Pego um pedacinho de papel. Ele tem uma identidade completamente diferente da do livro. Neste momento não o necessito, e o guardo dentro do livro. Agora faço alguma coisa com este livro. O envio para Xangai. Não envio o pedacinho de papel, porém o pedacinho de papel foi colocado dentro do livro. O que acontece com o pedacinho de papel? Poderá o livro ir para Xangai e o pedacinho de papel que está dentro dele ficar aqui? Pode o pedacinho de papel levar uma sorte diferente à do livro, se está dentro dele? Não! Aonde vá o livro, lá irá igualmente o pedacinho de papel. Se deixar cair o livro no rio, também o pedacinho de papel cairá nele, e se eu volto pegá-lo rapidamente, salvarei também o pedacinho de papel, porque ele está dentro do livro. Assim, "vós sois dele (de Deus), em Jesus Cristo". O Senhor Deus mesmo nos colocou em Cristo, e o que Ele fez a Jesus Cristo, Ele o fez à humanidade toda. O nosso destino está ligado ao dele. Aquilo que Ele atravessou, nós o atravessamos também, porque "estar em Cristo" quer dizer estar identificados com Ele em sua morte e ressurreição. Ele foi crucificado; então, o que será de nós? Pediremos a Deus para que nos crucifique a nós também? Nunca! Já que Cristo foi crucificado, todos nós fomos já crucificados nEle; e como a sua crucifixão já aconteceu, a nossa não pode ainda estar no futuro. Duvido que vocês possam achar no Novo Testamento um único texto no qual se diga que a nossa crucifixão ainda deve acontecer. Todas as referências a ela estão na forma "aoristo", do verbo grego que indica aquilo que aconteceu "uma vez para sempre", aquilo que aconteceu "eternamente no passado" (veja Rm 6:6; Gl 2:20; 5:24; 6:14). E como ninguém pode matar-se por meio da Cruz, porque é materialmente impossível, assim também sob o ponto de vista espiritual, Deus não nos pede para nos crucificar a nós mesmos. Já fomos crucificados quando Cristo foi crucificado, porque Deus nos colocou nEle. O fato de que estejamos mortos em Cristo não é simplesmente uma posição doutrinária, mas uma realidade eterna e inegável. O QUE A SUA MORTE E RESSURREIÇÃO REPRESENTAM E ABRANGEM O Senhor Jesus, quando morreu na Cruz, verteu seu sangue; doava assim a sua vida sem pecado para expiar os nossos pecados e satisfazer a justiça e santidade de Deus. 14
  • 15. somente o Filho de Deus podia cumprir esta obra. Nenhum homem pode ter parte nela. As Escrituras nunca tem falado que nós tenhamos vertido o nosso sangue com Cristo. Em sua obra expiatória diante de Deus, foi sozinho; mais ninguém poderia participar. Mas o Senhor não morreu somente para verter o seu sangue; Ele morreu para que nós pudéssemos morrer. Ele morreu como o nosso representante. Em sua morte, Ele abraça todos nós, vocês e eu. Adotamos amiúde os termos "justificação" e "identificação" para descrever estes dois aspectos da morte de Cristo. Na maior parte dos casos, a palavra "identificação" é exata. Mas "identificação" poderia fazer pensar que a iniciativa seja nossa: que seja eu que me esforço em identificar-me com o Senhor. Reconheço que o termo é apropriado, mas deveria ser adotado mais além. É melhor começar pelo fato que o Senhor me incluiu em sua morte. É a morte inclusiva do Senhor o que me dá o modo de me identificar; não sou eu que me identifico por ser incluído em sua morte. O que importa é que Deus tem me incluído em Cristo. Isto é uma coisa que Deus realizou. Por esta razão, aquelas duas palavras do Novo Testamento, "em Cristo", são sempre tão preciosas ao meu coração. A morte do Senhor Jesus nos abraça, nos liga. A ressurreição do Senhor Jesus é igualmente inclusiva. Nós paramos no primeiro capítulo da primeira epístola aos Coríntios, para estabelecer o fato de que estamos "em Jesus Cristo". Agora iremos até o fim dessa mesma epístola, para ver mais profundamente o que significa isto. Em 1 Coríntios 15:45-47, dois nomes ou títulos são adotados para indicar o Senhor Jesus. Ele é chamado "o último Adão" e ainda "o segundo homem". As Escrituras não falam dEle como do segundo Adão, mas como "o último Adão"; elas não falam nunca dEle como do último homem, mas como "o segundo homem". É preciso sublinhar esta distinção, porque ela confirma uma cada de grande valore. Como último Adão, Cristo abrange em si toda a humanidade; como segundo homem se converte na cabeça de uma nova raça. Achamos aqui, então, uma dupla união, uma relativa à sua morte e a outra à sua ressurreição. Em primeiro lugar, a sua união com a raça como "o último Adão" iniciou-se historicamente em Belém para terminar na Cruz e no túmulo. Por ela Ele recolheu em si mesmo tudo o que havia em Adão para levá-lo a juízo e à morte. Em segundo lugar, a nossa união com Ele como "segundo homem" inicia da ressurreição para terminar na eternidade —ou seja, para não acabar nunca—, porque tendo em sua morte deixado de lado o primeiro homem, no qual o desígnio de Deus não se cumpriu, Ele ressurgiu como Cabeça de uma nova raça de homens, na qual aquele desígnio será finalmente plenamente realizado. Assim, quando o Senhor Jesus foi crucificado na Cruz, o foi como o último Adão. Tudo o que estava no primeiro Adão foi recolhido e destruído com Ele. Também nós. Como último Adão, Ele cancelou a velha raça; e como segundo homem, introduziu a nova raça. Em sua ressurreição Ele avança como o segundo homem, e também aqui nós estamos compreendidos. "Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição" (Rm 6:5). Nós morremos nEle quando era o último Adão; vivemos nEle agora que é o segundo homem. A Cruz é assim o poder de Deus que nos faz passar de Adão a Cristo. CAPÍTULO 3 – O CAMINHO PARA IR ALÉM: SABER A nossa velha vida terminou sobre a Cruz;a nossa nova vida começa na Ressurreição. "Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2 Coríntios 5:17). A Cruz dá um fim à primeira criação, e da morte surge uma nova criação em Cristo, o segundo homem. Se formos "em Adão", tudo aquilo que há em Adão nos é forçosamente transmitido; tudo se faz nosso involuntariamente, porque não devemos fazer nada para nos apropriarmos disso. Não temos necessidade de tomar uma decisão para irar-nos, ou para cometer qualquer outro pecado, porque tudo nos chega espontaneamente, queiramos ou não. Do mesmo jeito, se formos "em Cristo", tudo aquilo que é "em Cristo" é nosso pela graça, sem esforço algum de nossa parte, mas sobre a base da simples fé. Porém dizer que tudo o que precisamos é nosso "em Cristo" por pura graça, ainda que seja verdade, pode parecer impossível de se atuar na prática. Como acontece isso na vida? Como pode converter-se em real em nossa própria experiência? Estudando os capítulos 6, 7 e 8 da epístola aos Romanos, veremos que existem quatro condições necessárias para uma vida cristã normal. Elas são: 1) Saber; 2) Considerar; 3) Confiar em Deus; 4) Caminhar segundo o Espírito; na ordem em que são apresentadas. 15
  • 16. Se nós desejamos viver aquela vida, deveremos aceitar e submeter-nos a estas quatro condições, não cumprir somente uma ou duas, ou três, senão todas, as quatro. Ao passo que estudemos cada uma delas, confiemo-nos no Senhor para que Ele ilumine a nossa inteligência com o seu Santo Espírito e peçamos agora o Seu auxílio para realizar o primeiro grande passo, examinando a primeira condição: Saber. A NOSSA MORTE COM CRISTO É UM FATO HISTÓRICO O passo que está agora diante de nós está em Romanos 6:1-11: "Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele? Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?..." Nestes versículos fica claramente demonstrado que em sua morte o Senhor Jesus foi o nosso representante e que incluiu todos nós. Em sua morte todos nós morremos. Ninguém pode progredir espiritualmente se não compreende isto. Como não poderemos ser justificados se não vemos que Ele carregou os nossos pecados na Cruz, assim também não poderemos realizar a santificação se não temos assumido que nós morremos na Cruz com Ele. Não somente os nossos pecados foram colocados sobre Ele, mas nós mesmos fomos colocados dentro dEle. Como vocês receberam o perdão? Porque vocês compreenderam que o Senhor Jesus morreu como seu substituto, e que levou sobre Ele os seus pecados e que o Seu sangue foi vertido para lavar as suas iniqüidades. Quando viram que os seus pecados foram cancelados sobre a Cruz, o que fizeram? Dizeram: "Senhor Jesus, te suplico, vem morrer pelos meus pecados?" Não, não Lhe pediram nada; vocês simplesmente agradeceram. Não Lhe pediram de morrer por vocês, porque entenderam que Ele já o tinha feito. Ora, se é verdade que vocês já receberam o perdão, é também verdade que foram liberados. A obra foi cumprida. Não é necessário mais pedir, mas somente louvar. Deus nos colocou a todos em Cristo para que, mediante sua crucifixão, nós fossemos crucificados com Ele. Não temos, então, mais necessidade de pedir: "Eu sou uma criatura tão malvada, Senhor, te rogo, crucifica-me". Isto não seria justo. Vocês não pediram, antes, pelos seus pecados; por que pedir, agora, por vocês mesmos? Os seus pecados foram cancelados pelo sangue de Cristo, e a sua natureza foi renovada com a sua Cruz. É um fato cumprido. Tudo quanto resta é louvar ao Senhor, porque quando Cristo morreu vocês também morreram; morreram nEle. Louvem-No por isso tudo, e vivam em sua luz! "Então creram nas suas palavras, e cantaram os seus louvores" (Salmo 106:12). Acreditam na morte de Cristo? Naturalmente que vocês acreditam. Mas a mesma Santa Escritura que nos diz que Ele morreu por nós, diz também que nós morremos com Ele. Voltemos ler: "Cristo morreu por nós" (Rm 5:8). Esta primeira asserção é suficientemente clara; as seguintes o serão menos? "O nosso homem velho foi com ele crucificado" (Rm 6:6). "Já morremos com Cristo" (Rm 6:8). Quando fomos crucificados com Ele? Qual é a data da crucifixão do nosso velho homem? Será amanhã? Foi ontem? Ou talvez hoje? Para responder estas perguntas talvez seja útil ler a declaração de Paulo sob uma outra forma: "Cristo foi crucificado com (ou seja, ao mesmo tempo) o nosso velho homem". Alguns de vocês chegaram aqui junto com alguém. Vocês fizeram o caminho juntos até aqui. Podem dizer: "O meu amigo veio aqui comigo", mas também poderiam dizer: "Eu vim aqui com o meu amigo", o significado é o mesmo. Se um de vocês tivesse chegado aqui três dias atrás e o outro tivesse chegado somente hoje, vocês já não poderiam falar assim; porém, como vocês chegaram juntos, podem expressar o fato de um modo ou de outro, sendo os dois igualmente verdadeiros, porque as duas afirmações expressam a mesma realidade. Assim também no fato histórico podemos dizer, com o máximo respeito, porém com a mesma exatidão: "Eu fui crucificado quando Cristo foi crucificado", ou então "Cristo foi crucificado quando eu fui crucificado", porque não são dois acontecimentos separados na história, mas um só 2. Cristo foi crucificado! Pode ser então de outra forma para mim? E se Ele foi crucificado quase dois mil anos atrás, e eu com Ele, posso dizer que a minha crucifixão acontecerá amanhã? A sua pode ser no passado e a minha no presente ou no futuro? Que o Senhor seja louvado! Quando Ele morria sobre a Cruz, eu morri com Ele. Não somente Ele morria no meu lugar, mas me levou com Ele sobre a Cruz, a fim que, enquanto Ele morria, eu mesmo morresse com Ele. E se eu acredito na morte do Senhor 2 A expressão "com Ele" de Rm 6:6 inclui, naturalmente, um sentido doutrinário e um sentido histórico (ou temporal). Só no sentido histórico a afirmação é reversível (W.N.). 16
  • 17. Jesus, posso crer na minha própria morte com a mesma certeza com a que acredito na dEle. Porque vocês acreditam que o Senhor morreu? Sobre que coisa baseiam a sua fé? E porque sentem que morreu? Não! Vocês nunca sentiram isso. Vocês acreditam porque a Palavra de Deus diz isso. Quando o Senhor Jesus foi crucificado, dois malfeitores foram crucificados ao mesmo tempo. Vocês não têm a mínima dúvida que eles tenham sido crucificados com Ele, porque as Escrituras o afirmam claramente. Acreditam na morte do Senhor Jesus e acreditam na morte dos dois ladrões com Ele. Ora, o que pensam da sua própria morte? A sua crucifixão é mais do que a deles. Eles foram crucificados junto com o Senhor, mas sobre cruzes diferentes, enquanto vocês estavam nEle que Ele morreu. Como podem sabê-lo? Podem saber porque Deus o disse, e esta é uma razão suficiente. Isso não depende dos seus sentimentos. Se sentem que Cristo morreu, Ele morreu; e se não sentem que Ele tenha morrido, ainda assim Ele morreu; e se não sentem de estar mortos com Ele, ainda assim vocês estão igualmente mortos com Ele. Estes são fatos de ordem divina: que Cristo morreu é um fato; que os dois malfeitores morreram, é um fato; e que vocês morreram e também um fato. Permitam-me dizer: Vocês estão mortos! Acabou para vocês. Estão fora. O "eu" que odeiam está sobre a Cruz com Cristo. E "aquele que está morto está justificado do pecado" (Rm 6:7). Este é o Evangelho para os crentes. Não chegaremos nunca a realizar a nossa crucifixão com a nossa vontade, nem pelos nossos esforços, mas somente aceitando aquilo que o Senhor Jesus cumpriu sobre a Cruz. É necessário que os nossos olhos sejam abertos sobre a obra cumprida sobre o Calvário. Talvez, algum de vocês, antes da conversão, tenha tentado obter a salvação por si mesmo. Liam a Bíblia, pregavam, iam à Igreja, davam esmolas. Depois, um dia, os seus olhos foram abertos e viram que a salvação perfeita já tinha sido conquistada para vocês sobre a Cruz. A aceitaram simplesmente e agradeceram a Deus, e a paz e o gozo inundaram seus corações. E agora a boa notícia é que a sua santificação foi feita possível exatamente sobre as mesmas bases. É-vos oferecida a liberação do pecado com o mesmo dom de graça com o qual receberam o perdão dos seus pecados. Porque a via que Deus segue para liberar-nos do pecado é completamente diferente da via do homem. A via do homem consiste em suprimir o pecado, tentando vencê-lo; a via de Deus consiste em pôr aparte o pecador. Muitos cristãos se lamentam de suas debilidades, pensando que se fossem mais fortes tudo daria certo. A idéia que não podemos viver uma vida santa a causa de nossas debilidades, e que mais alguma coisa nos é exigida, conduz todo mundo naturalmente ao falso conceito de um meio de liberação. Se estivermos preocupados pela força do pecado que nos domina e pela nossa incapacidade de combatê-lo, concluiremos logicamente que para vencê-lo deveremos ter mais força. "Se somente eu fosse mais forte...", dissemos, "poderia dominar os meus acessos de cólera", e pedimos ao Senhor para fortificar-nos, a fim que possamos controlar a nossa natureza. Mas este é um erro grave; isto não é cristianismo. Os meios pelos quais Deus nos libera do pecado não consistem no fazer-nos mais fortes, senão no fazer-nos mais fracos. É certamente um modo bastante singular para nos conduzir à vitória, vocês dirão, porém é este o meio de que Deus se serve. O Senhor nos arrancou do poder do pecado não fortificando o nosso velho homem, mas crucificando-o; não o ajudando a conseguir qualquer coisa, mas colocando-o fora de combate. Talvez vocês tenham tentado durante anos, em vão, exercer um controle sobre vocês mesmos, e talvez esta seja ainda hoje a sua experiência, mas quando vejam a verdade reconhecerão que são completamente incapazes de fazer qualquer coisa e que, afastando vocês, Deus cumpriu tudo, Ele mesmo no seu Filho. Esta revelação põe fim às lutas e a todos os esforços humanos. O PRIMEIRO PASSO: "SABENDO QUE..." A verdadeira vida cristã deve começar com o "saber" de forma clara e definitiva, o que não consiste em ter simplesmente uma certa vaga consciência da verdade, nem na compreensão de qualquer doutrina importante. Não si trata de um conhecimento intelectual, mas é preciso que os olhos de nosso coração se abram para ver o que temos em Cristo. Como sabem que os seus pecados foram perdoados? É porque o seu pastor vos disse? Não, vocês sabem. Semelhante conhecimento nos vem somente por revelação divina. Sem dúvida, o fato do perdão dos pecados encontra-se na Bíblia, mas para que a Escritura se convertesse para vocês na palavra viva de Deus, Ele vos tem dado "em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação" (Efésios 1:17). O que vocês 17
  • 18. precisavam era conhecer Cristo daquele modo, e sempre é assim. Chega um momento, a respeito de qualquer novo conhecimento de Cristo, que quando o "conhecem" em seus corações, o "vêem" em seu espírito. Uma luz brilhou dentro de vocês e estão plenamente persuadidos desse fato. Aquilo que é verdade no que respeita ao perdão dos pecados, não é menos verdadeiro quanto à liberação do pecado. Uma vez que a luz de Deus esclareceu seu coração, vocês se vêem "em Cristo". Não é porque qualquer um tenha falado para vocês, nem simplesmente porque Romanos 6 o diz. Há alguma coisa mais profunda. Vocês sabem porque o Espírito Santo o revelou a vocês. Podem até não senti- lo ou não compreendê-lo, porém o sabem, porque o têm visto. Uma vez que vocês tenham se visto em Cristo, nada poderá abalar a sua certeza de semelhante realidade abençoada. Se pedirem a diversos crentes que tenham começado a viver a verdadeira vida cristã, que lhes falem das experiências que os têm guiado, alguns falarão de uma experiência especial, e os outros, de uma outra. Cada um falará o caminho particular que terá recorrido e citará um passo das Escrituras para apoiar as suas afirmações; a pesar disso, muitos crentes apóiam-se em suas experiências pessoais e em seus fragmentos favoritos para combater outros crentes. O fato é que, se os crentes podem alcançar uma vida cristã mais profunda por caminhos diferentes, nós não devemos considerar as experiências ou as doutrinas que eles sublinham como reciprocamente exclusivas senão, antes bem, como complementárias. Uma coisa é verdade: todas as experiências verdadeiras e preciosas aos olhos de Deus devem nascer de uma nova descoberta do significado da pessoa e da obra do Senhor Jesus. Esta é a base decisiva e segura. Aqui neste passo, o apóstolo faz depender todas as coisas deste descobrimento. "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado" (Rm 6:6). A REVELAÇÃO DIVINA É A BASE ESSENCIAL DA CONSCIÊNCIA O primeiro passo que, então, deveremos dar, será pedir ao Senhor um conhecimento através da revelação —não uma revelação de nós mesmos, mas da obra perfeita do Senhor Jesus na Cruz-. Hudson Taylor, o fundador da missão na China (China Inland Mission) conheceu a verdadeira vida cristã, e chegou a ela na seguinte maneira. Vocês lembrarão como ele fala do problema que o atormentou por longo tempo, de como "viver em Cristo", como transferir a si mesmo o suco da videira que há nEle. Porque sabia que a vida de Cristo devia se expandir através dele, porém sentia que não a possuía ainda; e então ele viu claramente que devia estar "em Cristo". "Compreendi", escreveu a sua irmã em 1869 desde Chinkiang, "que se somente tivesse podido demorar em Cristo, tudo teria dado certo, mas não podia". Mais ele se esforçava para entrar na vida verdadeira, mais ele se sentia deslizar fora, por assim dizer, até que um dia a luz brilhou em seu coração, a revelação aconteceu e ele viu. Assim ele descreve este fato: "Penso que o segredo esteja aqui: não como eu possa fazer para trazer o suco da videira e transferi-lo em mim, ma em me lembrar que Jesus é a videira, a raiz, o tronco, os galhos, os sarmentos, as folhas, as flores, o fruto, ou seja, tudo". Então, citando as palavras de um amigo que o havia ajudado, continua assim: "Não devo fazer de mim um galho. O Senhor Jesus me disse que eu sou um galho. Eu sou uma parte dEle, e só devo acreditar e agir em conseqüência. Fazia muito tempo que eu tinha visto isto na Bíblia, mas só agora o creio como uma verdade viva". Acontece como se alguma coisa que sempre foi verdadeira, de improviso se converta em tal de um modo novo, para ele pessoalmente, e assim escrevia ainda para a sua irmã: "Não sei até que ponto conseguirei me fazer compreender acerca deste tema, porque não há nada de novo, nem de estranho, nem de maravilhoso —e ainda assim tudo é novo! Numa palavra: "então eu era cego, e agora eu vejo...". Eu estou morto e sepultado com Cristo —é verdade, e sou também ressurreto e ascendido... Deus me considera assim e me pede para me considerar assim... Oh! A alegria de conhecer esta verdade. Eu peço para que os olhos de tua inteligência sejam iluminados, e tu possas conhecer e gostar as riquezas que nos são liberalmente doadas em Cristo" 3 Oh, que alegria vermos que estamos em Cristo! Imaginem como pode ser cômico tentar de entrar num lugar onde já estamos. Pensem que absurdo seria pedir para sermos introduzidos. Se reconhecêssemos que já estamos dentro, não faríamos esforço algum para entrarmos. Se temos uma revelação mais profunda, as nossas orações serão 3 Estas citações foram extraídas de "Hudson Taylor e a Missão interna na China". 18
  • 19. mais louvores que pedidos. Pedimos muito para nós mesmos, porque estamos cegos a respeito do que Deus tem realizado para nós. Lembro-me de uma conversação que tive um dia em Xangai com um irmão que estava muito preocupado com o seu estado espiritual. Ele me dizia: "Existem tantos crentes que têm uma vida bela e santa. Eu tenho vergonha de mim mesmo. Me chamo cristão, mas quando me confronto com os outros, sinto que não o sou para nada. Gostaria conhecer esta vida crucificada, esta vida de ressurreição, mas não a conheço e não vejo meio algum para chegar até ela". Havia um outro irmão presente e os dois nos entretivemos por mais duas horas com este homem, tentando lhe fazer compreender que não poderia ter obtido nada fora de Cristo, mas em vão. O nosso amigo disse: "A melhor coisa que um homem pode fazer é orar". "Mas se Deus já nos tem dado tudo, o que pode necessitar pedir?", perguntamos. "Mas não tem me dado tudo", respondeu o homem, "porque eu continuo a me irar e a cometer toda espécie de erros; e por isso que devo orar mais". "E assim", dissemos nós, "você recebeu o que pediu?" "Lamento dizer, porém, que em verdade não tenho recebido nada de nada", replicou ele. Nos esforçamos, então, para fazê-lo compreender que, não tendo absolutamente a certeza de sua justificação, não podia fazer mais nada, nem sequer pela sua santificação. Neste ponto, apareceu um terceiro irmão que o Senhor usava muito. Sobre a mesa havia uma garrafa térmica; o irmão a pegou e lhe perguntou: "O que é isto?" "Um termo". "Bem, suponha por um instante que esta garrafa possa orar, e então comece a pedir: —Senhor, eu desejo tanto ser um termo. Você não poderia fazer de mim uma garrafa térmica? Senhor, faze-me a graça de eu me converter num termo. Faze-o, eu te imploro! —, o que você diria disto?" "Acredito que nem sequer uma garrafa térmica possa ser tão louca", respondeu o nosso amigo, "é uma bobagem orar assim: ela já é um termo!" "É isso exatamente o que você está fazendo", respondeu-lhe então o nosso irmão. "Deus colocou você em Cristo, já faz tempo. Não pode, então, dizer hoje: 'Quero morrer; quero ser crucificado; quero ter a vida e a ressurreição'. O Senhor olha para você e simplesmente te diz: 'Você já está morto! Você já tem nova vida!' toda a maneira de você orar é tão absurda quanto à da garrafa térmica. Você já não precisa pedir ao Senhor para que faça alguma coisa por você; só deve pedir ter os olhos abertos para ver que Ele cumpriu tudo". Este é o ponto essencial. Não precisamos esforçar-nos para morrer, não necessitamos esperar pela nossa morte, nós já estamos mortos. Temos somente necessidade de reconhecer o que o Senhor tem feito por nós, e louvá-lo por isto. A luz iluminou aquele homem, que com lágrimas nos olhos disse: "Ah, eu te louvo por aquilo que fizeste por mim, porque já me colocaste em Cristo! Tudo o que é dEle é meu!" A revelação veio e pela fé pode ser firmado; se vocês tivessem encontrado esse irmão mais tarde, teriam constatado a mudança que tinha ocorrido nele! A CRUZ NA RAIZ DO NOSSO PROBLEMA Permitam-me recordá-lhes ainda a natureza fundamental da obra cumprida pelo Senhor sobre a Cruz. Acredito que não possa insistir demasiadamente sobre este ponto, porque é necessário que o examinemos. Suponhamos que o governo de seu país quisesse resolver radicalmente o problema do álcool e decidir a aplicação de proibições em todo o país; como poderá ser aplicada, na prática, uma decisão semelhante? Que ajuda poderemos aportar nós? Se fossemos procurando, por todo o país, em todas partes, nas lojas, todas as garrafas de vinho, de cerveja ou de licores, para seqüestrá-las e destruí-las, isto resolveria o problema? Certamente não. Poderemos limpar o país de cada gota de álcool, mas por detrás daquelas garrafas de bebidas alcoólicas estão as fábricas que as produzem, e se nós destruímos só as garrafas e deixamos as fábricas, a produção continuará, e não haverá uma solução definitiva para o problema. Não, as fábricas, os bares e as destilarias devem ser fechados em todo o país para pôr fim, de uma vez para sempre, a este problema do alcoolismo. Nós somos a fábrica; as nossas ações são os produtos. O sangue de Cristo tem regularizado o problema dos produtos, vale dizer, dos nossos pecados. A questão daquilo que temos feito fica assim resolvida, mas Deus parará por aqui? O que há da questão do que somos? Somos nós que temos produzido os nossos pecados. Foram afastados, mas o que acontecerá conosco? Acreditam vocês que o Senhor queira nos purificar de todos os nossos pecados e deixe em nossas mãos o assunto de livrar-nos desta fábrica que somos, produtora de pecados? Acreditam que Ele deseje separar os produtos, deixando a 19
  • 20. nós a responsabilidade da fonte da produção? Fazer estas perguntas significa já responder a elas. Deus não tem realizado o trabalho pela metade, abandonando o resto. Não, Ele suspendeu os produtos, e também destruiu a fonte de onde provinham. A obra cumprida por Cristo chegou realmente até a raiz do nosso problema e o resolveu. Para o Senhor não existem meios termos. Ele assumiu provisões completas para que o domínio do pecado fosse completamente destruído. "Sabendo isto", disse Paulo, "que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado" (Rm 6:6). "Sabendo isto!" Sim, mas... Vocês sabem mesmo? "Ou não sabeis?" (Rm 6:3). Que o Senhor, em sua graça, abra os nossos olhos! CAPÍTULO 4 – O CAMINHO PARA IR ALÉM: FAZER DE CONTA DE ESTAR MORTOS Toquemos agora um tema sobre o qual existe uma certa confusão de pensamento entre os filhos de Deus. Vamos deter-nos sobre tudo nas palavras de Romanos 6:6: "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado". O tempo deste verbo é dos mais preciosos, porque localiza o fato exatamente no passado. Este fato é definitivo, cumprido de uma vez por todas. A coisa foi feita e não pode ser anulada. O nosso velho homem foi crucificado de uma vez por todas, e nunca mais pode ser tirado da Cruz. Eis aqui o que devemos saber. Quando sabemos isto, o que mais temos a fazer? Voltemos a ler novamente nosso texto. O seguinte passo encontra-se no versículo 11: "Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado". Estas palavras são claramente a continuação natural do versículo 6. Vamos lê-las de novo juntos: "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado (...) Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor". Esta é a ordem natural. Uma vez que sabemos que o nosso velho homem foi crucificado em Cristo, o passo seguinte é considerá-lo como morto. Apesar disso, apresentando a verdade de nossa união com Cristo, demasiadas vezes foi colocado o acento sobre este segundo ponto —considerar- nos como mortos—, como se fosse o ponto de partida, enquanto a ênfase deveria melhor ser colocada sobre o "saber-nos mortos". A Palavra de Deus mostra claramente que "saber" deve preceder a "reconhecer-se". "Sabendo que... façam de conta que..." o fato de "considerar-se" deve estar baseado sobre uma revelação divina, de outra forma a fé não terá fundamento sobre o que se apoiar. Quando sabemos, então espontaneamente nos consideramos como mortos. Assim, tratando este argumento, não será preciso remarcar demasiadamente a exigência de considerar-nos mortos. Fomos demasiado tentados a nos considerar sem antes saber. Se não temos recebido primeiro uma revelação do fato pelo Espírito e tentamos considerar-nos, nos veremos arrastados em todo tipo de dificuldade. Quando chegue a tentação, começaremos a repetir febrilmente: "Eu estou morto, estou morto, estou morto!" Mas pelo mesmo esforço acabaremos por irritar-nos; e então dizemos: "Isto não serve de nada. Romanos 6:11 não pode ser realizado". E devemos admitir que o versículo 11 não pode ser compreendido sem o versículo 6. Chegaremos, então, à seguinte conclusão: até não sabermos que o estar mortos com Cristo é um fato, mais nos esforçaremos para nos considerarmos assim, e mais intenso será o conflito, e mais segura a queda. Durante anos após a minha conversão eu fui ensinado a me considerar como morto em Cristo. Eu tentei fazê-lo desde 1920 até 1927. Mais me reconhecia morto para o pecado, mais me manifestava vivo. Não podia simplesmente acreditar-me morto, e não podia procurar a morte. Quando procurei ajuda dos outros, me disseram para ler Romanos 6:11, e mais eu lia esse versículo, tentando aplicá-lo a mim mesmo, mais a morte parecia se distanciar; eu não conseguir chegar. Estava intensamente desejoso de obedecer àquele ensino, de considerar-me morto, mas não conseguia compreender por que não podia conseguir. Devo confessar que este pensamento atormentou-me por longos meses. Disse ao Senhor: "Se eu não consigo compreender claramente, se não consigo chegar a ver esta verdade fundamental, não farei mais nada. Não mais predicarei; não poderei mais te servir; devo, antes que nada, ser iluminado sobre estas coisas". 20
  • 21. Durante meses continuei a minha busca, às vezes jejuei, mas sem nenhum resultado. Lembro-me de uma manhã: foi uma manhã tão real que nunca poderei esquecê-la. Eu estava em meu escritório, sentado em minha escrivaninha, lendo a Palavra de Deus e orando, e disse: "Senhor, abri os meus olhos!" Então, num raio de luz, vi. Vi a minha união com Cristo. Vi que eu estava nEle e que quando Ele morreu, também eu morri. Vi que a questão da minha morte era um fato do passado e não do futuro, e que eu tinha morrido verdadeiramente como Ele, porque eu estava nEle quando Ele morreu. A luz tinha finalmente esclarecido as minhas trevas e mi iluminava completamente. Esta grande revelação inundou-me de tal gozo que pulei da minha cadeira e gritei: "O Senhor seja louvado, eu estou morto!" Desci as escadas à carreira e me deparei com um dos meus irmãos que ajudavam na cozinha; eu o peguei do braço e lhe disse: "Irmão, você sabe que eu estou morto?" Devo admitir que a sua expressão foi de estupefação. "O que você quer dizer?", perguntou-me. Continuei: "Você não sabe que Cristo morreu? Não sabe que eu morri com Ele? Não sabe que a minha morte é um fato tão verdadeiro quanto à dEle?" Oh, eu estava tão seguro! Tinha vontade de correr por todas as ruas de Xangai e proclamar a todos a minha nova descoberta. Daquele dia, nunca mais duvidei, nem por um único instante, da importância definitiva destas palavras: "Já estou crucificado com Cristo" (Gl 2:20). Não quero dizer que não devamos pô-las em prática. Existem certas aplicações desta morte que consideraremos por um instante, mas temos aqui, antes que qualquer coisa, o fundamento. Eu fui crucificado: este é um fato cumprido. Qual é, então, o segredo que nos conduz a considerar-nos como mortos? Para dizê-lo numa palavra, é uma revelação. É uma revelação do próprio Deus. "Não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus" (Mt 16:17); Ef 1:17-18). É necessário que os nossos olhos se abram a esta realidade da nossa união com Cristo; isto é mais que conhecê-la como uma doutrina. Uma semelhante revelação não tem nada de vago ou indefinido. Quase todos nós podemos nos lembrar do dia em que vimos claramente que Cristo morreu por nós; e deveremos estar igualmente seguros do momento no qual vimos que estamos mortos com Cristo. Isto não deve ser nebuloso ou incerto, mas bem preciso, porque é sobre esta base que avançaremos. Não é me considerando morto que eu o serei. Mas é porque já estou morto —porque vejo o que Deus tem feito de mim em Cristo— que posso mi considerar morto. Este é o modo justo de considerar-se. Não se trata de fazê-lo para chegar à morte, mas considerar-se morto para avançarmos. O SEGUNDO PASSO: ASSIM, VOCÊS CONSIDEREM-SE COMO... O que significa "considerar-se como"? "Considerar-se" significa, em grego, levar as contas, fazer a contabilidade. Fazer contas é a única coisa no mundo que nós seres humanos podemos fazer com precisão. Um pintor pinta uma paisagem. Pode fazê-lo com precisão matemática? O historiador pode garantir a exatidão absoluta de um tema, ou, o geógrafo, a fidelidade precisa de um mapa? Podem chegar a fazer as melhores aproximações. Também na conversação de todos os dias, quando tentamos contar um incidente com a melhor intenção de honestidade e fidelidade, somos incapazes de narrar com perfeita exatidão. É tão fácil exagerar ou diminuir os fatos, dizer uma palavra a mais ou uma a menos. O que pode fazer o homem que seja essencialmente digno de confiança? A aritmética! Nela não há lugar para erros. Uma cadeira mais uma cadeira somam duas cadeiras. Isto é verdade tanto em Londres como em São Paulo. Embora vocês vão para o Oeste ou para o Leste, será sempre a mesma coisa. Em tudo o mundo, em todas as épocas, um mais um são dois. Um e um são dois nos céus, sobre a terra e no inferno. Por que Deus disse para nos considerarmos mortos? Porque estamos mortos. Prossigamos a analogia com a contabilidade. Suponhamos que eu tenha R$ 800 no bolso, o que escreverei no meu livro de contas? Posso escrever R$ 700 ou R$ 900? Não! Deverei escrever no meu livro aquilo que realmente tenho no bolso. Levar a contabilidade significa reconhecer os fatos, não é fantasia. Assim, porque eu realmente morri, Deus me diz para me considerar morto. Deus não poderia pedir-me para considerar-me morto se eu estivesse ainda vivo. Para uma similar ginástica mental, a palavra "considerar-se" não seria apropriada; deveria, melhor, dizer: "não se considerar". Considerar-se não é uma forma de pretensão. Isso não significa que se eu tenho somente R$ 600 no bolso, reportando erroneamente R$ 700 no meu livro de contabilidade, conseguirei de um modo ou outro compensar a diferença. Para nada! Se não tenho mais que R$ 600, e trato de me persuadir repetindo: "Tenho R$ 700; tenho R$ 21
  • 22. 700; tenho R$ 700", vocês acreditam que este esforço da mente conseguirá aumentar a soma que tenho no bolso? De jeito nenhum! Nenhum esforço de persuasão poderá trocar R$ 600 em R$ 700. De forma similar, não pode registrar-se falso e fazê-lo aparecer como verdadeiro. Mas, se da outra parte, é um fato que eu tenho R$ 700 no bolso, posso, com absoluta certeza, registrar R$ 700 no meu livro. Deus nos pede para nos considerarmos mortos, não porque morramos se nos consideramos assim, senão porque já estamos realmente mortos. Ele nunca nos pediu para acreditar em uma coisa que não seja verdadeira. Dizemos que a revelação nos conduz naturalmente a considerar-nos mortos; mas não devemos perder de vista que é uma ordem que nos é dada: "Fazei de conta, considera- vos". É uma atitude definitiva para assumir. Deus nos pede para que façamos as contas e registremos: "Estou morto", e de ficarmos firmes ali. Por quê? Porque é um fato. Quando o Senhor Jesus foi colocado na Cruz, eu estava com Ele. Por isso reconheço que é verdade. Reconheço e confirmo que morri nEle. Paulo diz: "Considerai-vos como mortos para o pecado e como vivos para Deus". Como é isto possível? "Em Jesus Cristo". Não esqueçamos nunca que isto é verdade sempre e somente em Cristo. Se olharem para vocês mesmos, pensarão que não estão mortos; é uma questão de fé não em vocês, mas nEle. Olhem para o Senhor e reconheçam aquilo que Ele tem realizado. "Senhor, eu creio em Ti. Me afirmo em Ti". Permaneçamos neste estado de fé em cada momento da nossa vida. CONSIDERAR-SE PELA FÉ Os primeiros quatro capítulos e meio da carta aos Romanos falam de fé, de fé e de fé. Somos justificados pela fé em Cristo (Rm 3:28-5:1). A justiça, o perdão dos nossos pecados, a paz com Deus, tudo nos chega pela fé e sem a fé na obra perfeita de Jesus Cristo, não se pode obter nada. Mas na segunda parte da carta aos Romanos, não achamos mais repetida a mesma teoria da fé, e poderia parecer, a primeira vista, que a ênfase fosse colocada sobre outras coisas. Porém, não é assim, porque onde falta a palavra "fé" e "crer" achamos, em seu lugar, a palavra "considerai-vos"; e "considerar- se" e "crer" praticamente têm o mesmo significado. O que é a fé? A fé é a aceitação de um fato de Deus. Ela sempre tem seu fundamento no passado. O que diz respeito ao futuro é esperança mais que fé; ainda que seja verdade que a fé tem como objetivo e fim o futuro, como vemos em Hebreus 11. Talvez por esta razão a palavra aqui escolhida é "considerar-se". Este é um termo que se refere exclusivamente ao passado: a tudo aquilo que vemos cumprido no passado, e não como um acontecimento que deva se repetir no futuro. Este é o tipo de fé que descreve Marcos em 11:24: "Tudo o que pedirdes em oração, crede que o recebereis, e tê-lo-eis". O que aqui se afirma é que se acreditamos de ter já obtido aquilo que pedimos (em Cristo, naturalmente), nos será concedido. Crer que o poderemos obter, ou que o obteremos não é fé no sentido aqui entendido. Crer que já o obtivemos, eis a verdadeira fé. A fé, neste sentido, apóia-se sobre o que já foi cumprido no passado. Aqueles que dizem: "Deus pode", ou bem "Deu poderia", ou ainda "Deu deve" e "se Deus quiser", não acreditam nada. A fé afirma sempre: "Deus o fez". Quando é, então, que eu tenho fé para tudo o que concerne à minha crucifixão? Não certamente quando digo: "Deus pode" ou "se Deus quiser", ou "Ele deve crucificar-me", mas quando afirmo, com alegria: "Deus seja louvado, eu fui crucificado em Cristo!" Em Romanos 3, vemos como o Senhor Jesus carregou os nossos pecados até morrer em nosso lugar, como o nosso substituto, para que nós sejamos perdoados. Em Romanos 6 nos vemos incluídos na morte com a qual Cristo cumpriu a nossa liberação. Quando nos foi revelado o primeiro fato, acreditamos nEle para a nossa justificação. Agora Deus nos pede para reconhecer o segundo fato para a nossa liberação. Assim, praticamente, na segunda parte da carta aos Romanos, "considerar-se" tomou o lugar de "crer". O sentido é o mesmo, e a ênfase não é diferente. Como entramos na vida cristã normal, a vivemos progressivamente pela fé numa realidade divina: em Cristo e em sua Cruz. AS TENTAÇÕES E AS QUEDAS, DESAFIO À FÉ As duas maiores realidades da história para nós são, então, estas: todos os nossos pecados foram cancelados pelo sangue, e nós mesmos fomos relacionados com a Cruz. Mas o que há, entretanto, com o problema da tentação? Qual deve ser o nosso 22