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FOMENTO E SERVIÇO PÚBLICO
LIMITES CONSTITUCIONAIS DA FUNÇÃO DE INCENTIVO NAS
CONCESSÕES FERROVIÁRIAS
Felipe Fernandes Rocha, n° USP 295173-5
RESUMO
O objetivo do presente ensaio é demonstrar que a utilização do verbo “fomentar” em seu
conceito jurídico pela norma regulamentadora das ações da Valec – Engenharia,
Construções e Ferrovias S.A. no novo marco regulatório do Governo Federal para o
Serviço de Transporte Ferroviário mostra-se incorreto. Esse serviço é atribuído à União
pela Constituição Federal, podendo ser delegado a particulares por meio de concessão,
permissão ou autorização, não deixando de constituir por esse motivo, atividade
econômica de titularidade do Poder Público. O fomento é atividade administrativa
dirigida aos particulares no exercício de atividades econômicas com o objetivo de obter
externalidades positivas na sociedade que atendam conveniências de interesse geral.
Subsídios do poder concedente a concessionário de serviço público devem obedecer ao
regime das concessões na modalidade mais apropriada em observância ao art. 175, da
Constituição Federal, enquanto a intervenção indireta do Estado na economia por meio
de incentivos é instituto jurídico diverso e obedece ao disposto no art. 174.
Palavras chaves: fomento – incentivo – serviço público – transporte ferroviário.
1. Introdução
2. Atividade Administrativa de Fomento e Ordem Econômica.
3. Serviço Público
4. História Recente das Concessões do Serviço de Transporte Ferroviário no Brasil
5. Crítica à utilização do termo “fomento” no Decreto n° 8.129/13
6. Conclusão
2
1. Introdução.
Fomento e serviço público são duas das atividades administrativas
exercidas pelo Estado para a satisfação de necessidades públicas1
. No fomento, o Estado
exerce intervenção indireta na economia ao incentivar determinadas atividades privadas
que ensejam externalidades positivas2
à sociedade. No serviço público, por sua vez, cabe
ao Estado o exercício direto ou por meio de seus delegados de atividade material que lhe
é outorgada por lei, sob regime jurídico total ou parcialmente público3
.
A Constituição Federal atribuiu a competência para a exploração do
serviço de transporte ferroviário à União4
, a qual poderá prestá-lo diretamente ou
mediante autorização, concessão ou permissão a entes públicos ou privados. Trata-se de
espécie de serviço público caracterizada pela possibilidade de desagregação entre a gestão
da infraestrutura (malha ferroviária) e a prestação do serviço de transporte ferroviário aos
usuários finais, com a utilização de locomotivas e vagões (material rodante).
A partir dos anos 90, o Governo Federal iniciou o processo de transferência
da operação da malha ferroviária para a iniciativa privada no âmbito do Programa
Nacional de Desestatização - PND5
. Frustradas as primeiras tentativas de obtenção de
grandes investimentos privados no setor adotando-se o regime previsto na Lei 8.987/95
(Lei das Concessões), optou-se por um novo modelo regulatório no qual a União retoma
o investimento público direto na construção de ferrovias por intermédio da Valec –
1
Luis Jordana de Pozas, professor catedrático de Direito Administrativo da Universidade
de Valência, acrescenta a essas duas modalidades a legislação (cuja execução é de
responsabilidade dos particulares e, excepcionalmente, compete aos juízes e aos
tribunais) e o poder de polícia (limitações coativas da atividade privada que objetiva
prevenir os danos sociais dela decorrente). (POZAS, 1949)
2
“Quando há externalidades, o interesse da sociedade em um resultado de mercado vai
além do bem-estar dos compradores e dos vendedores que participam do mercado; passa
a incluir também o bem-estar de terceiros que são indiretamente afetados. ” (MANKIW,
2005)
3
Alguns autores, defendem que o serviço público é sempre prestado no regime de direito
público, pois a sujeição ao regime publicista decorre da aplicação de princípios próprios
à Administração Pública, como os da continuidade, isonomia entre usuários,
mutabilidade, universalidade, etc., ainda que as entidades prestadoras desse serviço
tenham a natureza de pessoa jurídica de direito privado. (PIETRO, 2011)
4
Artigo 21, XII, “d” da Constituição Federal.
5
Decreto n° 473/92.
3
Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.6
. Também, promove a separação entre a
exploração da infraestrutura da malha ferroviária e a prestação do serviço público de
transporte ferroviário com a finalidade de evitar subsídios cruzados7
e promover a
competição entre os operadores ferroviários independentes.
O Decreto 8.129/13 que regulamentou a política de livre acesso ao
subsistema ferroviário federal pelos operadores ferroviários e consolidou o novo papel da
Valec no setor atribuiu à estatal competência para fomentar o desenvolvimento dos
sistemas de transporte de cargas sobre trilhos e as operações ferroviárias8
, inclusive
mediante a aquisição do direito de uso de parte ou de toda a capacidade de transporte,
presente ou futura, de ferrovia concedida e antecipação de até quinze por cento desses
recursos em favor do concessionário9
.
O emprego do verbo “fomentar” tendo como sujeito uma empresa estatal
em decreto destinado ao estabelecimento do marco regulatório de setor afeto ao serviço
público poderia aparentar aos teóricos do Direito Administrativo e Econômico um mero
descuido redacional10
. Nesse caso, seria sinônimo de “promoção” ou “estímulo” mediante
o uso de instrumentos próprios ao regime das concessões na modalidade mais adequada,
que levariam a determinados fins desejados pelo poder concedente11
. Por outro lado, na
6
Art. 8°, Lei 11.772/08 – “A VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.,
sociedade por ações controlada pela União, fica transformada em empresa pública, sob
a forma de sociedade por ações, vinculada ao Ministério dos Transportes, nos termos
previstos nesta Lei. § 1º - A função social da Valec é a construção e exploração de
infraestrutura ferroviária.” (g.n.)
7
Subsídio cruzado é a prática de se destinar a receita de serviços lucrativos (transporte
ferroviário) para outros deficitários (manutenção da infraestrutura). A perpetuação dessa
prática implica distorções nos preços, nos custos reais e na alocação de recursos.
8
Art. 2º Compete à Valec, no cumprimento das atribuições estabelecidas no art. 9º da
Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008, fomentar o desenvolvimento dos sistemas de
transporte de cargas sobre trilhos, nos termos deste Decreto e em conformidade com as
diretrizes estabelecidas pelo Ministério dos Transportes. Art. 3º A Valec fomentará as
operações ferroviárias mediante as seguintes ações: (g.n.)
9
Artigo 4° do Decreto n° 8.129/13.
10
Palavras e expressões “camaleão” constituem tanto perigo para o pensamento claro
quanto para a expressão lúcida. A linguagem jurídica apresenta textura aberta porque
nutrida na linguagem natural. (HOHFELD, 1968)
11
O decreto também faz uso do substantivo “promoção” e do verbo “promover”:
primeiro, ao tratar da política de livre acesso, atribui a ela o objetivo de “promoção de
competição entre os operadores ferroviários” (art. 1°, caput); posteriormente, menciona
as ações da Valec no sentido de “promover a integração das malhas e a
interoperabilidade da infraestrutura ferroviária...” (art. 3°, IV).
4
hipótese de utilização do termo como atividade administrativa de fomento12
mediante a
utilização dos instrumentos que lhe são peculiares em atividade econômica própria de
serviço público, o Poder Executivo teria dado um passo rumo a inconstitucionalidade de
sua política setorial.
Carlos Santiago Nino discorre sobre a inquietude do jurista ao se deparar
com a utilização duvidosa de signo com significados variados, inclusive jurídico: “Não é
nem um pouco estranho que uma palavra apresente esse tipo de indeterminação no uso
corrente. No entanto, para muitos juristas, imbuídos do espírito essencialista, isso se
torna um osso duro de roer; eles acreditam que deve haver necessariamente algo oculto
e misterioso que relaciona todos os fenômenos jurídicos entre si, e fazem esforços
desesperados para encontrá-lo, formulando conjecturas impressionantes para simular a
sua descoberta. ”13
A seguir, analisaremos os desdobramentos da política da União para o
setor de transporte ferroviário na expectativa de elucidar os propósitos da utilização do
verbo “fomentar” em seu marco regulatório.
2. Atividade Administrativa de Fomento e Ordem Econômica.
O fomento é uma atividade intermediária entre a absoluta inibição e o
intervencionismo da ação estatal, própria do Estado Liberal14
. Nas constituições pós-
liberais, a função de promover caminha ao lado da função de tutela ou garantia
assinalando a passagem para o uso cada vez mais frequente das técnicas de
encorajamento.
A utilização dessa técnica normativa transpõe o interesse de conduzir
meramente a comportamentos socialmente desejáveis, mas procura principalmente
induzir, por exemplo, empreendedores a modificar uma situação existente15
. Ao fazer uso
dessa modalidade de intervenção administrativa, o Estado atuará no sentido de dirigir a
12
Esse é o conceito de fomento construído pela doutrina e legislação brasileiras. Ajudas
públicas e subvenções são expressões utilizadas pela doutrina e legislação francesa e
espanhola como sinônimas de fomento em seu significado jurídico.
13
O autor referia-se à utilização do vocábulo “direito”, mas sua observação acomodou
muito bem nossa angústia com a utilização do verbo “fomentar” na norma
regulamentadora da política para o setor ferroviário (NINO, 2010).
14
(POZAS, 1949)
15
A sanção positiva (prêmio) é uma reação a uma ação considerada boa pelo
ordenamento. (BOBBIO, 2007)
5
ação dos particulares em prol do interesse geral mediante a atribuição de incentivos
diversos16
.
O art. 174 da Constituição Federal fornece o fundamento jurídico para a
função fomentadora do Estado dirigida à efetivação dos objetivos da ordem econômica17
:
Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Assim, para a
consecução dos fins da ordem econômica, o Estado induzirá determinadas condutas dos
agentes econômicos privados mediante a destinação de recursos públicos18
.
Uma das características do fomento está na ausência de compulsoriedade
na ação do Estado19
. Nenhum agente econômico está obrigado a aceitar os instrumentos
jurídicos de incentivo. Nesse primeiro momento, há consensualidade entre o Estado e o
particular. Todavia, uma vez que o particular adere ao incentivo, poderá o Estado coagi-
lo a cumprir a que voluntariamente se comprometeu, ou puni-lo caso não venha a fazê-
lo20
.
Do ponto de vista material, entretanto, sujeitar-se ao fomento é a única
alternativa para viabilizar determinadas atividades21
. Ao privilegiar uma atividade
econômica, o Estado utilizará o fomento para interferir na formação da oferta ou da
demanda do respectivo mercado. Segundo Floriano de Azevedo Marques Neto22
, “ele
16
(PARADA, 2010)
17
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade
privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do
consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração
e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno
emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob
as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”
18
(NETO, 2015)
19
Essa característica faz do fomento atividade administrativa diversa do poder de polícia,
cuja característica é a imperatividade (NETO, 2002).
20
“La principal obligación del beneficiario de la subvención es la de cumplir el objetivo,
ejecutar el proyecto, realizar la actividad o adoptar el comportamiento que fundamenta
la concesión de las subvenciones.” (PARADA, 2010)
21
Inúmeros motivos podem levar uma atividade privada a ser impraticável sem uma
política de fomento. Dentre eles, encontram-se a taxa de câmbio, a insuficiência /
inexistência da cadeia produtiva, demanda insuficiente ou custos médios decrescentes
(monopólio natural).
22
(NETO, 2015)
6
pode buscar estimular a oferta de determinado produto/serviço cuja produção entende-
se que gerará externalidades positivas para a sociedade (...). Pode, ainda, focar-se na
demanda, estimulando o consumo de um bem ou serviço que gere externalidades
positivas para a sociedade, (...).
A perpetuidade do incentivo a uma determinada atividade não significa
que o Estado assume a obrigação de disponibilizá-la para a coletividade. Contudo, apesar
da transitoriedade não ser uma característica essencial do fomento, não nos parece
eficiente23
que o Estado se proponha a eternamente fomentar atividades econômicas24
que
se mostrem excessivamente onerosas ao erário, ainda que de relevantíssimo interesse
coletivo. Princípios como a subsidiariedade25
e a proporcionalidade26
devem ser
observados para que os meios não se tornem mais importantes do que os fins.
Se, em última hipótese, a atividade econômica possui relevância do ponto
de vista coletivo a ponto de justificar a violação desses princípios (entenda-se, destinação
de recursos públicos acima do considerado financeiramente justificável a agentes
econômicos privados), a constituição dá guarida para o exercício da atividade diretamente
pelo Estado27
. Nesse caso, o relevante interesse coletivo justificaria a exploração direta
pelo Estado da atividade que se mostrou excessivamente onerosa para uma política de
fomento28
.
23
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...” (g.n.).
24
Vale lembrar que a atuação privada se dirige ao lucro. Se os agentes econômicos
persistem na atividade por muitos e muitos anos somente pela existência do fomento, ou
a política de incentivo é inócua e os recursos obtidos apenas elevam os lucros, ou a
política distorceu os incentivos de mercado a ponto de tornar o mercado ineficiente,
tornando sua existência parasitária ao Estado.
25
A intervenção estatal na atividade econômica, ainda que indireta, é circunstância
excepcional, subsidiária em relação à livre concorrência, pois nunca é neutra em relação
ao mercado. (NETO, 2015)
26
Intervenção do Estado na atividade econômica somente quando necessária à
concretização de interesses públicos e mensurada no limite mínimo do necessário.
(NETO, 2015)
27
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos
da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”
28
Não se trata aqui de uma posição mais liberal ou mais intervencionista no que tange ao
exercício de atividades econômicas pelo Estado. Trata-se da adoção do melhor
mecanismo de intervenção do Estado na economia facultado pela Constituição Federal,
levando-se em conta critérios como onerosidade e relevância. As políticas públicas
7
3. Serviço Público.
Os serviços públicos são parcelas da atividade econômica que a
constituição atribui ao Estado para a satisfação de necessidades públicas. Tentar definir
se esta ou aquela parcela da atividade econômica é serviço público, ou mesmo de
estabelecer um conceito de serviço público, decorre de nossa tentativa de raciocinar em
termos de um modelo ideal, em princípio atemporal e permanente29
.
Eros Roberto Grau30
remete à realidade social a obtenção de um
significado de serviço público, visto tratar-se de um conceito aberto sujeito às vicissitudes
das relações entre as forças sociais. Desse modo, na relação capital - trabalho, os
trabalhadores aspiram que o maior número possível de atividades econômicas seja
atribuído ao Estado para que as desenvolva de maneira não especulativa. O estado desse
confronto em um momento histórico específico determinará os âmbitos das atividades
econômicas em sentido estrito31
e dos serviços públicos.
Dois elementos, segundo Léon Duguit, pai da “Escola do Serviço
Público”, seriam fundamentais na conceptualização de serviço público. Primeiramente, o
serviço em questão deveria ser relevante para a interdependência social, ou seja, prestado
pelo Estado como justificativa racional de sua soberania sobre os governados, sendo a
garantia dessa solidariedade social sua razão de ser. Além disso, o mercado deve se
revelar incapaz de proporcionar essa interdependência social em prol do interesse
público32
.
A tradição norte-americana, arraigada no espírito de auto-organização
social fortemente liberal, atribui ao “interesse comum” o resultado da combinação dos
devem, antes da ideologia, fazer uso dos arranjos institucionais e instrumentos jurídicos
apropriados. (COUTINHO, 2013)
29
(ARAGÃO, 2013)
30
(GRAU, 2014)
31
Atividade econômica em sentido estrito é a parcela da atividade econômica em sentido
amplo subtraída da parcela destinada aos serviços públicos. A atividade econômica em
sentido estrito é exercida pela iniciativa privada e, excepcionalmente, pelo Estado.
(GRAU, 2014)
32
Duguit define serviço público como « toute activité dont l’accomplissement doit être
assuré, réglé et contrôlé par les gouvernants parce que l’accomplissement de cette
activité est indispensable à la réalisation et au développement de l’interdépendance
sociale, et qu’elle est de telle nature qu’elle ne peut être réalisée complètement que par
l’intervention de la force gouvernante » (g.n.) (DUGUIT, 1911)
3
Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.6
. Também, promove a separação entre a
exploração da infraestrutura da malha ferroviária e a prestação do serviço público de
transporte ferroviário com a finalidade de evitar subsídios cruzados7
e promover a
competição entre os operadores ferroviários independentes.
O Decreto 8.129/13 que regulamentou a política de livre acesso ao
subsistema ferroviário federal pelos operadores ferroviários e consolidou o novo papel da
Valec no setor atribuiu à estatal competência para fomentar o desenvolvimento dos
sistemas de transporte de cargas sobre trilhos e as operações ferroviárias8
, inclusive
mediante a aquisição do direito de uso de parte ou de toda a capacidade de transporte,
presente ou futura, de ferrovia concedida e antecipação de até quinze por cento desses
recursos em favor do concessionário9
.
O emprego do verbo “fomentar” tendo como sujeito uma empresa estatal
em decreto destinado ao estabelecimento do marco regulatório de setor afeto ao serviço
público poderia aparentar aos teóricos do Direito Administrativo e Econômico um mero
descuido redacional10
. Nesse caso, seria sinônimo de “promoção” ou “estímulo” mediante
o uso de instrumentos próprios ao regime das concessões na modalidade mais adequada,
que levariam a determinados fins desejados pelo poder concedente11
. Por outro lado, na
6
Art. 8°, Lei 11.772/08 – “A VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.,
sociedade por ações controlada pela União, fica transformada em empresa pública, sob
a forma de sociedade por ações, vinculada ao Ministério dos Transportes, nos termos
previstos nesta Lei. § 1º - A função social da Valec é a construção e exploração de
infraestrutura ferroviária.” (g.n.)
7
Subsídio cruzado é a prática de se destinar a receita de serviços lucrativos (transporte
ferroviário) para outros deficitários (manutenção da infraestrutura). A perpetuação dessa
prática implica distorções nos preços, nos custos reais e na alocação de recursos.
8
Art. 2º Compete à Valec, no cumprimento das atribuições estabelecidas no art. 9º da
Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008, fomentar o desenvolvimento dos sistemas de
transporte de cargas sobre trilhos, nos termos deste Decreto e em conformidade com as
diretrizes estabelecidas pelo Ministério dos Transportes. Art. 3º A Valec fomentará as
operações ferroviárias mediante as seguintes ações: (g.n.)
9
Artigo 4° do Decreto n° 8.129/13.
10
Palavras e expressões “camaleão” constituem tanto perigo para o pensamento claro
quanto para a expressão lúcida. A linguagem jurídica apresenta textura aberta porque
nutrida na linguagem natural. (HOHFELD, 1968)
11
O decreto também faz uso do substantivo “promoção” e do verbo “promover”:
primeiro, ao tratar da política de livre acesso, atribui a ela o objetivo de “promoção de
competição entre os operadores ferroviários” (art. 1°, caput); posteriormente, menciona
as ações da Valec no sentido de “promover a integração das malhas e a
interoperabilidade da infraestrutura ferroviária...” (art. 3°, IV).
9
Lei 11.079/04. A Lei das Parcerias Público-Privadas ampliou as possibilidades da Lei de
Concessões com o propósito de atrair investimentos em infraestrutura, autorizando o
Estado a arcar com até 70% da remuneração paga ao concessionário na modalidade
concessão patrocinada37
. Os 30% restantes seriam pagos pelos usuários.
4. História Recente das Concessões do Serviço de Transporte Ferroviário no
Brasil.
A partir da inclusão da Rede Ferroviária Nacional S.A. (RFFSA)38
, no
Programa Nacional de Desestatização - PND39
em 1992, o objetivo do Governo Federal
passou a ser a transferência da operação da malha ferroviária e da prestação do serviço à
iniciativa privada. Nas primeiras concessões realizadas nos anos 90 com base na Lei n°
8.987/95, o concessionário controla a infraestrutura, a operação e a comercialização dos
serviços de transporte ferroviário em uma determinada região40
.
Tabela 01 – Resultados dos leilões de concessão ferroviária das malhas da RFFSA.
Fonte: CNT41
.
37
O art. 17, da Lei 8.987/95 trata da hipótese de outra lei autorizar vantagens ou subsídios
aos concessionários. Também o art. 10, da Lei 11.079/04 menciona a necessidade de
autorização legislativa para que o Estado remunere o parceiro privado acima de 70%.
38
Sociedade de economia mista criada pela Lei 3.115/57 cujo propósito era administrar,
operar, conservar e planejar as estradas de ferro de propriedade da União
39
Decreto n° 473, de 10.03.1992.
40
O sistema ferroviário brasileiro. Brasília: CNT, 2013, p. 19.
10
O período de concessão é de 30 anos, renovável por mais 30. A tarifa
máxima é limitada por um teto e a tarifa mínima obedece apenas aos custos variáveis de
longo prazo. O reajuste tarifário, para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, é
realizado com base no IGP-DI e as revisões tarifária ocorreriam na hipótese de alteração
justificada de mercado e/ou custos de caráter permanente que afetem esse equilíbrio,
podendo elevar ou reduzir a tarifa42
.
As expectativas de investimento na ampliação da rede e,
consequentemente, de aumento das metas quinquenais da produção anual do modal
previstas no contrato de concessão foram frustradas por problemas de integração da
malha, principal motivo da ineficiência do sistema. Como reação, o Governo Federal
outorgou à Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.43
o papel de executor da
política, destinando-a à construção e exploração da infraestrutura ferroviária44
.
Simultaneamente, o Governo Federal promoveu à desverticalização do
setor com o objetivo de torna-lo mais eficiente, competitivo e atrativo para o investimento
privado. A infraestrutura ferroviária seria objeto de concessão, enquanto a delegação do
transporte ferroviário de cargas a operador ferroviário independente dar-se-ia mediante
regime de autorização (ato administrativo de competência da ANTT)45
.
Nesse cenário, foi publicado o Decreto n° 8.129/13 que atribui à Valec a
responsabilidade de, no exercício de atividade de “fomento”, adquirir e vender o direito
de uso de parte ou de toda a capacidade de transporte das ferrovias exploradas por
terceiros. A capacidade de tráfego seria, posteriormente, vendida aos operadores
ferroviários independentes por meio de ofertas públicas. O objetivo era, portanto, eliminar
42
Taxas adicionais em decorrência de serviços acessórios (carga, descarga, transbordo,
armazenamento, etc.) poderiam ser cobradas sem configurarem rendas alternativas. Dessa
forma, não seriam incluídas no cálculo do equilíbrio econômico-financeiro em benefício
da concessionária. Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.
43
A Valec, responsável desde sua criação pela implantação da Ferrovia Norte-Sul,
quando era uma subsidiária da Cia Vale do Rio Doce para construção de ferrovias, chegou
a ser incluída no PND juntamente com a RFFSA. O decreto 7.267/10 retirou-a do PND
para que a Lei n° 11.772/11 ampliasse de maneira substancial sua importância para o
setor. (SILVA, 2015)
44
A outorga à Valec da construção, uso e gozo de trechos ferroviários (EF-151, EF-267,
EF-334, EF-354 objetivavam a subconcessão a empresas privadas. O capital da empresa
foi ampliado para R$ 15 bilhões para servirem de garantia aos compromissos assumidos
com os futuros concessionários (Lei 12.872/13).
45
Lei n° 12.743/12 e Resolução ANTT n° 4.348/14.
11
o risco de demanda do concessionário da infraestrutura e o risco de projeto, construção e
de operação que já se mostrava altíssimo quando a cargo da Valec.
A minuta do edital para concessão do trecho entre Lucas do Rio Verde/MT
e Campinorte/GO da EF-354 (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) sob o regime da Lei
8.987/95 foi o primeiro a adotar o novo modelo de acesso aberto (open access) com
segregação vertical da rede (vertical unbundling) previsto no Decreto n° 8.129/13. A
concessão seria estruturada da seguinte maneira: a) a concessionária é responsável pela
implantação da infraestrutura, sinalização e controle da circulação de trens e deterá o
direito de exploração da ferrovia; b) a Valec compra a totalidade da capacidade da
ferrovia, remunerando a concessionária por uma Tarifa pela Disponibilidade da
Capacidade Operacional (TDCO); c) a Valec subcede, a título oneroso, partes do
Direito de Uso aos Usuários; d) a concessionária presta serviços de operação diretamente
aos Usuários, que a remunera através da Tarifa de Fruição (TF), na medida da utilização
da Ferrovia46
.
O modelo de concessão também prevê que, durante o período de obras, a
Valec antecipará o valor equivalente a 15% do total dos investimentos em bens de capital
(Capex)47
que será abatido linearmente durante o período de operação da ferrovia. Esta
disposição reflete uma das ações autorizadas à Valec pelo Decreto 8.129/13 em seu papel
“fomentador”.
Figura 01 – Estrutura do modelo de concessão
46
TCU, Acórdão 3.697/2013, Plenário.
47
CAPEX é a sigla da expressão inglesa capital expenditure (em português, despesas de
capital ou investimento em bens de capital) e que designa o montante de dinheiro
despendido na aquisição (ou introdução de melhorias) de bens de capital de uma
determinada empresa.
12
Fonte: ANTT
5. Crítica à utilização do termo “fomento” no Decreto n° 8.129/13
De modo geral, os transportes são infraestruturas importantes tanto pelo
aspecto político na ocupação do território48
, como do ponto de vista econômico na
metamorfose do capital industrial e no fluxo de riqueza entre regiões, pois pressuposto
necessário das atividades diretamente produtivas (primária, secundária e terciária)49
. O
transporte ferroviário, especificamente, apresenta alta capacidade de tonelagem, em
especial quando é necessário percorrer grandes distâncias.
Dados os altos custos de implantação e manutenção, as ferrovias, muitas
vezes, necessitam de subsídios estatais. Essa interferência no domínio econômico não é
apenas aceita pela sociedade, mas esperada50
. Sendo, portanto, atividade econômica de
tamanha relevância para as demais atividades exercidas pela iniciativa privada e
indissociável da atuação estatal, tem sido adotada pelas constituições nacionais como de
titularidade do Estado. Em nossa Constituição Federal, o status de serviço público lhe foi
atribuído pelo art. 21, XII.
Os dispositivos do Decreto 8.129/13 conferem competência à Valec para
“fomentar” o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos. Entre
outras formas, esse “fomento” será realizado mediante (i) o pagamento da TDCO para
48
(VALLAUX, 1914)
49
(MASSONETO, 2015)
50
O sistema ferroviário brasileiro. Brasília: CNT, 2013, p. 11.
13
aquisição de até 100% da capacidade operacional da ferrovia objeto da concessão e (ii)
antecipação de até quinze por cento dos recursos referentes aos contratos de cessão de
direito de uso da capacidade de transporte da ferrovia.
Percebe-se da leitura do art. 174 da Constituição Federal que o exercício
da função de incentivo depende de lei. Por esse motivo, o Decreto 8.129/2013 não poderia
conferir competência para a Valec fomentar o desenvolvimento dos sistemas de
transporte de cargas sobre trilhos, porque não encontra fundamento de validade na
legislação ordinária, em especial na lei que reestrutura suas operações para execução da
política destinada ao setor (Lei 11.772/2008)51
.
Nosso interesse com o presente trabalho é demonstra que o fomento (Art.
174, CF) é atividade administrativa incompatível com o serviço público (Art. 175, CF).
José Vicente Santos de Mendonça52
define o fomento público como “a ação consistente
em estimular, proteger, auxiliar ou fomentar as atividades particulares mediante as quais
se satisfazem necessidades ou conveniências de caráter geral, de modo diretamente não
coativo, mas persuasivo, sem implicar a criação de serviço público ou assunção da
atividade econômica pelo Estado” (grifamos).
Lucas Rocha Furtado53
apresenta a seguinte distinção entre essas duas
atividades: “A atividade de fomento não se confunde com a de prestação de serviços
públicos. Esta se desenvolve quando a Administração Pública põe à disposição da
população utilidades públicas. Se dividirmos as atividades em públicas e privadas,
constatamos que a prestação de serviço público consiste em uma atividade pública por
meio da qual a Administração Pública põe utilidades à disposição da coletividade, mas
sem interferir no funcionamento das atividades privadas. Por meio da atividade de
fomento, ao contrário, o Estado busca interferir nas atividades desenvolvidas pelos
particulares por meio de estímulos ou de vantagens concedidas.”
51
O eventual exercício das competências instituídas pelo Decreto 8.129/2013 acarretará,
apenas com a concessão do trecho mencionado, uma despesa estimada da ordem de R$
17,1 bilhões. Nos termos do art. 84, caput e inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal
de 1988, o exercício pela Presidência da República da competência privativa para dispor
por meio de decreto autônomo não pode implicar aumento de despesa. Desse modo,
também por essa ótica, será inconstitucional a atuação da Valec consubstanciada em ações
de fomento para o desenvolvimento dos sistemas de transportes sobre trilhos,
estabelecidas no Decreto 8.129/2013. TCU, Acórdão 3.697/2013, Plenário.
52
(MENDONÇA, 2010)
53
(FURTADO, 2012)
14
Portanto, fomento e a prestação de serviço público são atividades
desenvolvidas paralelamente pelo Estado com finalidades e campos de atuação distintos.
O primeiro visa interferir na iniciativa privada incentivando determinados
comportamentos ou atividades dos particulares que também atendam a interesses
públicos. Já a prestação de serviço público é uma incumbência do Poder Público, exercida
diretamente por seus entes ou por meio seus concessionários ou permissionários, visando
satisfazer necessidades públicas.
A adoção de uma política de livre acesso que promoveu a desverticalização
no setor de transporte ferroviário, ou seja, a separação entre a exploração da infraestrutura
e o transporte de cargas não implica na descaracterização da primeira atividade como
serviço público. Serviço de transporte ferroviário é, por definição, a combinação entre
linha férrea e material rodante, dissociáveis no aspecto regulatório para fins de
concorrência, porém indissociáveis em suas operacionalidades.
6. Conclusão.
Fomento e Serviço Público são institutos cujos desígnios e campos de
atuação não se confundem. O regime jurídico a ser aplicado a cada uma das funções
administrativas (polícia, serviço público e fomento) deve ser identificado a partir do
modus operandi que determina a forma de atividade estatal. As regras que instruem a
atividade de fomento devem ser aplicadas se o Poder Público decidir empregar técnicas
operativas dessa atividade visando incentivar agentes econômicos privados em atividades
econômicas que lhe são próprias e não delegadas54
.
O apoio financeiro do Estado, seja no contexto de uma concessão comum,
seja no de uma PPP, não pode ser considerado uma manifestação da atividade de fomento
do Estado, pois versa sobre atividade estatal, não sobre uma atividade econômica
privada55
. Aliás, o modelo de concessão ora examinado prevê contraprestação pecuniária
de um parceiro público (Valec) ao parceiro privado (concessionário) tanto para eliminar
o risco (custo) de demanda do concessionário por meio da TDCO, como para reduzir seu
custo financeiro por meio da antecipação, pela Valec ao concessionário, de até 15% do
valor relativo aos investimentos futuros56
.
54
(MELLO, 2003)
55
(ARAGÃO, 2013)
56
(ANDRADE, 2015)
4
hipótese de utilização do termo como atividade administrativa de fomento12
mediante a
utilização dos instrumentos que lhe são peculiares em atividade econômica própria de
serviço público, o Poder Executivo teria dado um passo rumo a inconstitucionalidade de
sua política setorial.
Carlos Santiago Nino discorre sobre a inquietude do jurista ao se deparar
com a utilização duvidosa de signo com significados variados, inclusive jurídico: “Não é
nem um pouco estranho que uma palavra apresente esse tipo de indeterminação no uso
corrente. No entanto, para muitos juristas, imbuídos do espírito essencialista, isso se
torna um osso duro de roer; eles acreditam que deve haver necessariamente algo oculto
e misterioso que relaciona todos os fenômenos jurídicos entre si, e fazem esforços
desesperados para encontrá-lo, formulando conjecturas impressionantes para simular a
sua descoberta. ”13
A seguir, analisaremos os desdobramentos da política da União para o
setor de transporte ferroviário na expectativa de elucidar os propósitos da utilização do
verbo “fomentar” em seu marco regulatório.
2. Atividade Administrativa de Fomento e Ordem Econômica.
O fomento é uma atividade intermediária entre a absoluta inibição e o
intervencionismo da ação estatal, própria do Estado Liberal14
. Nas constituições pós-
liberais, a função de promover caminha ao lado da função de tutela ou garantia
assinalando a passagem para o uso cada vez mais frequente das técnicas de
encorajamento.
A utilização dessa técnica normativa transpõe o interesse de conduzir
meramente a comportamentos socialmente desejáveis, mas procura principalmente
induzir, por exemplo, empreendedores a modificar uma situação existente15
. Ao fazer uso
dessa modalidade de intervenção administrativa, o Estado atuará no sentido de dirigir a
12
Esse é o conceito de fomento construído pela doutrina e legislação brasileiras. Ajudas
públicas e subvenções são expressões utilizadas pela doutrina e legislação francesa e
espanhola como sinônimas de fomento em seu significado jurídico.
13
O autor referia-se à utilização do vocábulo “direito”, mas sua observação acomodou
muito bem nossa angústia com a utilização do verbo “fomentar” na norma
regulamentadora da política para o setor ferroviário (NINO, 2010).
14
(POZAS, 1949)
15
A sanção positiva (prêmio) é uma reação a uma ação considerada boa pelo
ordenamento. (BOBBIO, 2007)
16
Bibliografia:
Agência Nacional de Transportes Terrestres. Disponivel em: <www.antt.gov.br>. Acesso em: 27
jun 2016. Características do Transporte Ferroviário.
ANDRADE, R. B. D. As novas concessões ferroviárias como parcerias público-privadas. In: FILHO,
M. J.; SCHWIND, R. W. (Coord.) Parcerias Público-Privadas: reflexões sobre os 10 anos da Lei
11.079/2004. 1a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
ARAGÃO, A. S. D. Direito dos serviços públicos. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
BOBBIO, N. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela
Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007.
COUTINHO, D. R. O Direito nas políticas públicas. In: MARQUES, E.; FARIA, C. A. P. D. A Política
Pública como Campo Multidisciplinar. São Paulo: Unesp / Fio Cruz, 2013.
DUGUIT, L. Traité de droit constitutionnel. Paris: Fontemoing, v. 1, Théorie Générale de l'État,
1911.
FURTADO, L. R. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
GRAU, E. R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 16a. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
HOHFELD, W. N. Conceptos Jurídicos Fundamentales. Tradução de Genaro Carrió. Buenos Aires:
Centro Editor de América Latina, 1968.
MANKIW, N. G. Introdução à Economia. Tradução de Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Pioneira
Thomson Lerning, 2005. 216 p.
MASSONETO, L. F. Aspectos macrojurídicos do financiamento da infraestrutura. In: BERCOVICI,
G.; VALIM, R. (Coord.) Elementos de Direito da Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015.
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MELLO, C. C. O Fomento na Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
MENDONÇA, J. V. D. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público
democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, v. 65, p. 115-176, 2010. Disponivel em:
<http://www.rj.gov.br/web/pge/exibeConteudo?article-id=464993>. Acesso em: 30 jun. 2016.
NETO, D. D. F. M. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
NETO, F. D. A. M. Fomento. In: PIETRO, M. S. Z. D. Tratado de direito administrativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. 4, 2015.
NINO, C. S. Introdução à Análise do Direito. Tradução de Elza Maria Gasparotto. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. 16 p.
NOHARA, I. P. Aspectos gerais de concessões de serviços públicos e parcerias público-privadas:
contratação pública e infraestrutura. In: BERCOVICI, G.; VALIM, R. Elementos de Direito da
Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 89-114.
PARADA, R. Capítulo XIV. In: PARADA, R. Derecho Administrativo I, Parte General. Madri: [s.n.],
2010.
17
PASCUAL, J. J. M. Titularidad Privada de los Servicios de Interés General: orígenes de la
regulación económica de servicio público en los Estados Unidos. El caso de las
telecomunicaciones. Revista Española de Derecho Administrativo - REDA, n. 92, p. 567-591,
1996.
PIETRO, M. S. Z. D. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 103 - 104 p.
POZAS, L. J. D. Ensayo de una teoría del fomento en el Derecho administrativo. Revista de
estudios políticos, 1949. 41-54. págs. 42-44.
SILVA, D. T. D. Desestatização da infraestrutura federal de transportes e financiamento público:
alguns pontos de discussão. In: BERCOVICI, G.; VALIM, R. (Coord.) Elementos de Direito da
Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 241-276.
VALLAUX, C. El Suelo y el Estado. Madrid: Daniel Jorro, 1914.

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Fomento e Serviço Público - Felipe F. Rocha

  • 1. 1 FOMENTO E SERVIÇO PÚBLICO LIMITES CONSTITUCIONAIS DA FUNÇÃO DE INCENTIVO NAS CONCESSÕES FERROVIÁRIAS Felipe Fernandes Rocha, n° USP 295173-5 RESUMO O objetivo do presente ensaio é demonstrar que a utilização do verbo “fomentar” em seu conceito jurídico pela norma regulamentadora das ações da Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. no novo marco regulatório do Governo Federal para o Serviço de Transporte Ferroviário mostra-se incorreto. Esse serviço é atribuído à União pela Constituição Federal, podendo ser delegado a particulares por meio de concessão, permissão ou autorização, não deixando de constituir por esse motivo, atividade econômica de titularidade do Poder Público. O fomento é atividade administrativa dirigida aos particulares no exercício de atividades econômicas com o objetivo de obter externalidades positivas na sociedade que atendam conveniências de interesse geral. Subsídios do poder concedente a concessionário de serviço público devem obedecer ao regime das concessões na modalidade mais apropriada em observância ao art. 175, da Constituição Federal, enquanto a intervenção indireta do Estado na economia por meio de incentivos é instituto jurídico diverso e obedece ao disposto no art. 174. Palavras chaves: fomento – incentivo – serviço público – transporte ferroviário. 1. Introdução 2. Atividade Administrativa de Fomento e Ordem Econômica. 3. Serviço Público 4. História Recente das Concessões do Serviço de Transporte Ferroviário no Brasil 5. Crítica à utilização do termo “fomento” no Decreto n° 8.129/13 6. Conclusão
  • 2. 2 1. Introdução. Fomento e serviço público são duas das atividades administrativas exercidas pelo Estado para a satisfação de necessidades públicas1 . No fomento, o Estado exerce intervenção indireta na economia ao incentivar determinadas atividades privadas que ensejam externalidades positivas2 à sociedade. No serviço público, por sua vez, cabe ao Estado o exercício direto ou por meio de seus delegados de atividade material que lhe é outorgada por lei, sob regime jurídico total ou parcialmente público3 . A Constituição Federal atribuiu a competência para a exploração do serviço de transporte ferroviário à União4 , a qual poderá prestá-lo diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão a entes públicos ou privados. Trata-se de espécie de serviço público caracterizada pela possibilidade de desagregação entre a gestão da infraestrutura (malha ferroviária) e a prestação do serviço de transporte ferroviário aos usuários finais, com a utilização de locomotivas e vagões (material rodante). A partir dos anos 90, o Governo Federal iniciou o processo de transferência da operação da malha ferroviária para a iniciativa privada no âmbito do Programa Nacional de Desestatização - PND5 . Frustradas as primeiras tentativas de obtenção de grandes investimentos privados no setor adotando-se o regime previsto na Lei 8.987/95 (Lei das Concessões), optou-se por um novo modelo regulatório no qual a União retoma o investimento público direto na construção de ferrovias por intermédio da Valec – 1 Luis Jordana de Pozas, professor catedrático de Direito Administrativo da Universidade de Valência, acrescenta a essas duas modalidades a legislação (cuja execução é de responsabilidade dos particulares e, excepcionalmente, compete aos juízes e aos tribunais) e o poder de polícia (limitações coativas da atividade privada que objetiva prevenir os danos sociais dela decorrente). (POZAS, 1949) 2 “Quando há externalidades, o interesse da sociedade em um resultado de mercado vai além do bem-estar dos compradores e dos vendedores que participam do mercado; passa a incluir também o bem-estar de terceiros que são indiretamente afetados. ” (MANKIW, 2005) 3 Alguns autores, defendem que o serviço público é sempre prestado no regime de direito público, pois a sujeição ao regime publicista decorre da aplicação de princípios próprios à Administração Pública, como os da continuidade, isonomia entre usuários, mutabilidade, universalidade, etc., ainda que as entidades prestadoras desse serviço tenham a natureza de pessoa jurídica de direito privado. (PIETRO, 2011) 4 Artigo 21, XII, “d” da Constituição Federal. 5 Decreto n° 473/92.
  • 3. 3 Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.6 . Também, promove a separação entre a exploração da infraestrutura da malha ferroviária e a prestação do serviço público de transporte ferroviário com a finalidade de evitar subsídios cruzados7 e promover a competição entre os operadores ferroviários independentes. O Decreto 8.129/13 que regulamentou a política de livre acesso ao subsistema ferroviário federal pelos operadores ferroviários e consolidou o novo papel da Valec no setor atribuiu à estatal competência para fomentar o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos e as operações ferroviárias8 , inclusive mediante a aquisição do direito de uso de parte ou de toda a capacidade de transporte, presente ou futura, de ferrovia concedida e antecipação de até quinze por cento desses recursos em favor do concessionário9 . O emprego do verbo “fomentar” tendo como sujeito uma empresa estatal em decreto destinado ao estabelecimento do marco regulatório de setor afeto ao serviço público poderia aparentar aos teóricos do Direito Administrativo e Econômico um mero descuido redacional10 . Nesse caso, seria sinônimo de “promoção” ou “estímulo” mediante o uso de instrumentos próprios ao regime das concessões na modalidade mais adequada, que levariam a determinados fins desejados pelo poder concedente11 . Por outro lado, na 6 Art. 8°, Lei 11.772/08 – “A VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., sociedade por ações controlada pela União, fica transformada em empresa pública, sob a forma de sociedade por ações, vinculada ao Ministério dos Transportes, nos termos previstos nesta Lei. § 1º - A função social da Valec é a construção e exploração de infraestrutura ferroviária.” (g.n.) 7 Subsídio cruzado é a prática de se destinar a receita de serviços lucrativos (transporte ferroviário) para outros deficitários (manutenção da infraestrutura). A perpetuação dessa prática implica distorções nos preços, nos custos reais e na alocação de recursos. 8 Art. 2º Compete à Valec, no cumprimento das atribuições estabelecidas no art. 9º da Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008, fomentar o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos, nos termos deste Decreto e em conformidade com as diretrizes estabelecidas pelo Ministério dos Transportes. Art. 3º A Valec fomentará as operações ferroviárias mediante as seguintes ações: (g.n.) 9 Artigo 4° do Decreto n° 8.129/13. 10 Palavras e expressões “camaleão” constituem tanto perigo para o pensamento claro quanto para a expressão lúcida. A linguagem jurídica apresenta textura aberta porque nutrida na linguagem natural. (HOHFELD, 1968) 11 O decreto também faz uso do substantivo “promoção” e do verbo “promover”: primeiro, ao tratar da política de livre acesso, atribui a ela o objetivo de “promoção de competição entre os operadores ferroviários” (art. 1°, caput); posteriormente, menciona as ações da Valec no sentido de “promover a integração das malhas e a interoperabilidade da infraestrutura ferroviária...” (art. 3°, IV).
  • 4. 4 hipótese de utilização do termo como atividade administrativa de fomento12 mediante a utilização dos instrumentos que lhe são peculiares em atividade econômica própria de serviço público, o Poder Executivo teria dado um passo rumo a inconstitucionalidade de sua política setorial. Carlos Santiago Nino discorre sobre a inquietude do jurista ao se deparar com a utilização duvidosa de signo com significados variados, inclusive jurídico: “Não é nem um pouco estranho que uma palavra apresente esse tipo de indeterminação no uso corrente. No entanto, para muitos juristas, imbuídos do espírito essencialista, isso se torna um osso duro de roer; eles acreditam que deve haver necessariamente algo oculto e misterioso que relaciona todos os fenômenos jurídicos entre si, e fazem esforços desesperados para encontrá-lo, formulando conjecturas impressionantes para simular a sua descoberta. ”13 A seguir, analisaremos os desdobramentos da política da União para o setor de transporte ferroviário na expectativa de elucidar os propósitos da utilização do verbo “fomentar” em seu marco regulatório. 2. Atividade Administrativa de Fomento e Ordem Econômica. O fomento é uma atividade intermediária entre a absoluta inibição e o intervencionismo da ação estatal, própria do Estado Liberal14 . Nas constituições pós- liberais, a função de promover caminha ao lado da função de tutela ou garantia assinalando a passagem para o uso cada vez mais frequente das técnicas de encorajamento. A utilização dessa técnica normativa transpõe o interesse de conduzir meramente a comportamentos socialmente desejáveis, mas procura principalmente induzir, por exemplo, empreendedores a modificar uma situação existente15 . Ao fazer uso dessa modalidade de intervenção administrativa, o Estado atuará no sentido de dirigir a 12 Esse é o conceito de fomento construído pela doutrina e legislação brasileiras. Ajudas públicas e subvenções são expressões utilizadas pela doutrina e legislação francesa e espanhola como sinônimas de fomento em seu significado jurídico. 13 O autor referia-se à utilização do vocábulo “direito”, mas sua observação acomodou muito bem nossa angústia com a utilização do verbo “fomentar” na norma regulamentadora da política para o setor ferroviário (NINO, 2010). 14 (POZAS, 1949) 15 A sanção positiva (prêmio) é uma reação a uma ação considerada boa pelo ordenamento. (BOBBIO, 2007)
  • 5. 5 ação dos particulares em prol do interesse geral mediante a atribuição de incentivos diversos16 . O art. 174 da Constituição Federal fornece o fundamento jurídico para a função fomentadora do Estado dirigida à efetivação dos objetivos da ordem econômica17 : Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Assim, para a consecução dos fins da ordem econômica, o Estado induzirá determinadas condutas dos agentes econômicos privados mediante a destinação de recursos públicos18 . Uma das características do fomento está na ausência de compulsoriedade na ação do Estado19 . Nenhum agente econômico está obrigado a aceitar os instrumentos jurídicos de incentivo. Nesse primeiro momento, há consensualidade entre o Estado e o particular. Todavia, uma vez que o particular adere ao incentivo, poderá o Estado coagi- lo a cumprir a que voluntariamente se comprometeu, ou puni-lo caso não venha a fazê- lo20 . Do ponto de vista material, entretanto, sujeitar-se ao fomento é a única alternativa para viabilizar determinadas atividades21 . Ao privilegiar uma atividade econômica, o Estado utilizará o fomento para interferir na formação da oferta ou da demanda do respectivo mercado. Segundo Floriano de Azevedo Marques Neto22 , “ele 16 (PARADA, 2010) 17 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.” 18 (NETO, 2015) 19 Essa característica faz do fomento atividade administrativa diversa do poder de polícia, cuja característica é a imperatividade (NETO, 2002). 20 “La principal obligación del beneficiario de la subvención es la de cumplir el objetivo, ejecutar el proyecto, realizar la actividad o adoptar el comportamiento que fundamenta la concesión de las subvenciones.” (PARADA, 2010) 21 Inúmeros motivos podem levar uma atividade privada a ser impraticável sem uma política de fomento. Dentre eles, encontram-se a taxa de câmbio, a insuficiência / inexistência da cadeia produtiva, demanda insuficiente ou custos médios decrescentes (monopólio natural). 22 (NETO, 2015)
  • 6. 6 pode buscar estimular a oferta de determinado produto/serviço cuja produção entende- se que gerará externalidades positivas para a sociedade (...). Pode, ainda, focar-se na demanda, estimulando o consumo de um bem ou serviço que gere externalidades positivas para a sociedade, (...). A perpetuidade do incentivo a uma determinada atividade não significa que o Estado assume a obrigação de disponibilizá-la para a coletividade. Contudo, apesar da transitoriedade não ser uma característica essencial do fomento, não nos parece eficiente23 que o Estado se proponha a eternamente fomentar atividades econômicas24 que se mostrem excessivamente onerosas ao erário, ainda que de relevantíssimo interesse coletivo. Princípios como a subsidiariedade25 e a proporcionalidade26 devem ser observados para que os meios não se tornem mais importantes do que os fins. Se, em última hipótese, a atividade econômica possui relevância do ponto de vista coletivo a ponto de justificar a violação desses princípios (entenda-se, destinação de recursos públicos acima do considerado financeiramente justificável a agentes econômicos privados), a constituição dá guarida para o exercício da atividade diretamente pelo Estado27 . Nesse caso, o relevante interesse coletivo justificaria a exploração direta pelo Estado da atividade que se mostrou excessivamente onerosa para uma política de fomento28 . 23 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...” (g.n.). 24 Vale lembrar que a atuação privada se dirige ao lucro. Se os agentes econômicos persistem na atividade por muitos e muitos anos somente pela existência do fomento, ou a política de incentivo é inócua e os recursos obtidos apenas elevam os lucros, ou a política distorceu os incentivos de mercado a ponto de tornar o mercado ineficiente, tornando sua existência parasitária ao Estado. 25 A intervenção estatal na atividade econômica, ainda que indireta, é circunstância excepcional, subsidiária em relação à livre concorrência, pois nunca é neutra em relação ao mercado. (NETO, 2015) 26 Intervenção do Estado na atividade econômica somente quando necessária à concretização de interesses públicos e mensurada no limite mínimo do necessário. (NETO, 2015) 27 “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” 28 Não se trata aqui de uma posição mais liberal ou mais intervencionista no que tange ao exercício de atividades econômicas pelo Estado. Trata-se da adoção do melhor mecanismo de intervenção do Estado na economia facultado pela Constituição Federal, levando-se em conta critérios como onerosidade e relevância. As políticas públicas
  • 7. 7 3. Serviço Público. Os serviços públicos são parcelas da atividade econômica que a constituição atribui ao Estado para a satisfação de necessidades públicas. Tentar definir se esta ou aquela parcela da atividade econômica é serviço público, ou mesmo de estabelecer um conceito de serviço público, decorre de nossa tentativa de raciocinar em termos de um modelo ideal, em princípio atemporal e permanente29 . Eros Roberto Grau30 remete à realidade social a obtenção de um significado de serviço público, visto tratar-se de um conceito aberto sujeito às vicissitudes das relações entre as forças sociais. Desse modo, na relação capital - trabalho, os trabalhadores aspiram que o maior número possível de atividades econômicas seja atribuído ao Estado para que as desenvolva de maneira não especulativa. O estado desse confronto em um momento histórico específico determinará os âmbitos das atividades econômicas em sentido estrito31 e dos serviços públicos. Dois elementos, segundo Léon Duguit, pai da “Escola do Serviço Público”, seriam fundamentais na conceptualização de serviço público. Primeiramente, o serviço em questão deveria ser relevante para a interdependência social, ou seja, prestado pelo Estado como justificativa racional de sua soberania sobre os governados, sendo a garantia dessa solidariedade social sua razão de ser. Além disso, o mercado deve se revelar incapaz de proporcionar essa interdependência social em prol do interesse público32 . A tradição norte-americana, arraigada no espírito de auto-organização social fortemente liberal, atribui ao “interesse comum” o resultado da combinação dos devem, antes da ideologia, fazer uso dos arranjos institucionais e instrumentos jurídicos apropriados. (COUTINHO, 2013) 29 (ARAGÃO, 2013) 30 (GRAU, 2014) 31 Atividade econômica em sentido estrito é a parcela da atividade econômica em sentido amplo subtraída da parcela destinada aos serviços públicos. A atividade econômica em sentido estrito é exercida pela iniciativa privada e, excepcionalmente, pelo Estado. (GRAU, 2014) 32 Duguit define serviço público como « toute activité dont l’accomplissement doit être assuré, réglé et contrôlé par les gouvernants parce que l’accomplissement de cette activité est indispensable à la réalisation et au développement de l’interdépendance sociale, et qu’elle est de telle nature qu’elle ne peut être réalisée complètement que par l’intervention de la force gouvernante » (g.n.) (DUGUIT, 1911)
  • 8. 3 Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.6 . Também, promove a separação entre a exploração da infraestrutura da malha ferroviária e a prestação do serviço público de transporte ferroviário com a finalidade de evitar subsídios cruzados7 e promover a competição entre os operadores ferroviários independentes. O Decreto 8.129/13 que regulamentou a política de livre acesso ao subsistema ferroviário federal pelos operadores ferroviários e consolidou o novo papel da Valec no setor atribuiu à estatal competência para fomentar o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos e as operações ferroviárias8 , inclusive mediante a aquisição do direito de uso de parte ou de toda a capacidade de transporte, presente ou futura, de ferrovia concedida e antecipação de até quinze por cento desses recursos em favor do concessionário9 . O emprego do verbo “fomentar” tendo como sujeito uma empresa estatal em decreto destinado ao estabelecimento do marco regulatório de setor afeto ao serviço público poderia aparentar aos teóricos do Direito Administrativo e Econômico um mero descuido redacional10 . Nesse caso, seria sinônimo de “promoção” ou “estímulo” mediante o uso de instrumentos próprios ao regime das concessões na modalidade mais adequada, que levariam a determinados fins desejados pelo poder concedente11 . Por outro lado, na 6 Art. 8°, Lei 11.772/08 – “A VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., sociedade por ações controlada pela União, fica transformada em empresa pública, sob a forma de sociedade por ações, vinculada ao Ministério dos Transportes, nos termos previstos nesta Lei. § 1º - A função social da Valec é a construção e exploração de infraestrutura ferroviária.” (g.n.) 7 Subsídio cruzado é a prática de se destinar a receita de serviços lucrativos (transporte ferroviário) para outros deficitários (manutenção da infraestrutura). A perpetuação dessa prática implica distorções nos preços, nos custos reais e na alocação de recursos. 8 Art. 2º Compete à Valec, no cumprimento das atribuições estabelecidas no art. 9º da Lei nº 11.772, de 17 de setembro de 2008, fomentar o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos, nos termos deste Decreto e em conformidade com as diretrizes estabelecidas pelo Ministério dos Transportes. Art. 3º A Valec fomentará as operações ferroviárias mediante as seguintes ações: (g.n.) 9 Artigo 4° do Decreto n° 8.129/13. 10 Palavras e expressões “camaleão” constituem tanto perigo para o pensamento claro quanto para a expressão lúcida. A linguagem jurídica apresenta textura aberta porque nutrida na linguagem natural. (HOHFELD, 1968) 11 O decreto também faz uso do substantivo “promoção” e do verbo “promover”: primeiro, ao tratar da política de livre acesso, atribui a ela o objetivo de “promoção de competição entre os operadores ferroviários” (art. 1°, caput); posteriormente, menciona as ações da Valec no sentido de “promover a integração das malhas e a interoperabilidade da infraestrutura ferroviária...” (art. 3°, IV).
  • 9. 9 Lei 11.079/04. A Lei das Parcerias Público-Privadas ampliou as possibilidades da Lei de Concessões com o propósito de atrair investimentos em infraestrutura, autorizando o Estado a arcar com até 70% da remuneração paga ao concessionário na modalidade concessão patrocinada37 . Os 30% restantes seriam pagos pelos usuários. 4. História Recente das Concessões do Serviço de Transporte Ferroviário no Brasil. A partir da inclusão da Rede Ferroviária Nacional S.A. (RFFSA)38 , no Programa Nacional de Desestatização - PND39 em 1992, o objetivo do Governo Federal passou a ser a transferência da operação da malha ferroviária e da prestação do serviço à iniciativa privada. Nas primeiras concessões realizadas nos anos 90 com base na Lei n° 8.987/95, o concessionário controla a infraestrutura, a operação e a comercialização dos serviços de transporte ferroviário em uma determinada região40 . Tabela 01 – Resultados dos leilões de concessão ferroviária das malhas da RFFSA. Fonte: CNT41 . 37 O art. 17, da Lei 8.987/95 trata da hipótese de outra lei autorizar vantagens ou subsídios aos concessionários. Também o art. 10, da Lei 11.079/04 menciona a necessidade de autorização legislativa para que o Estado remunere o parceiro privado acima de 70%. 38 Sociedade de economia mista criada pela Lei 3.115/57 cujo propósito era administrar, operar, conservar e planejar as estradas de ferro de propriedade da União 39 Decreto n° 473, de 10.03.1992. 40 O sistema ferroviário brasileiro. Brasília: CNT, 2013, p. 19.
  • 10. 10 O período de concessão é de 30 anos, renovável por mais 30. A tarifa máxima é limitada por um teto e a tarifa mínima obedece apenas aos custos variáveis de longo prazo. O reajuste tarifário, para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, é realizado com base no IGP-DI e as revisões tarifária ocorreriam na hipótese de alteração justificada de mercado e/ou custos de caráter permanente que afetem esse equilíbrio, podendo elevar ou reduzir a tarifa42 . As expectativas de investimento na ampliação da rede e, consequentemente, de aumento das metas quinquenais da produção anual do modal previstas no contrato de concessão foram frustradas por problemas de integração da malha, principal motivo da ineficiência do sistema. Como reação, o Governo Federal outorgou à Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.43 o papel de executor da política, destinando-a à construção e exploração da infraestrutura ferroviária44 . Simultaneamente, o Governo Federal promoveu à desverticalização do setor com o objetivo de torna-lo mais eficiente, competitivo e atrativo para o investimento privado. A infraestrutura ferroviária seria objeto de concessão, enquanto a delegação do transporte ferroviário de cargas a operador ferroviário independente dar-se-ia mediante regime de autorização (ato administrativo de competência da ANTT)45 . Nesse cenário, foi publicado o Decreto n° 8.129/13 que atribui à Valec a responsabilidade de, no exercício de atividade de “fomento”, adquirir e vender o direito de uso de parte ou de toda a capacidade de transporte das ferrovias exploradas por terceiros. A capacidade de tráfego seria, posteriormente, vendida aos operadores ferroviários independentes por meio de ofertas públicas. O objetivo era, portanto, eliminar 42 Taxas adicionais em decorrência de serviços acessórios (carga, descarga, transbordo, armazenamento, etc.) poderiam ser cobradas sem configurarem rendas alternativas. Dessa forma, não seriam incluídas no cálculo do equilíbrio econômico-financeiro em benefício da concessionária. Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. 43 A Valec, responsável desde sua criação pela implantação da Ferrovia Norte-Sul, quando era uma subsidiária da Cia Vale do Rio Doce para construção de ferrovias, chegou a ser incluída no PND juntamente com a RFFSA. O decreto 7.267/10 retirou-a do PND para que a Lei n° 11.772/11 ampliasse de maneira substancial sua importância para o setor. (SILVA, 2015) 44 A outorga à Valec da construção, uso e gozo de trechos ferroviários (EF-151, EF-267, EF-334, EF-354 objetivavam a subconcessão a empresas privadas. O capital da empresa foi ampliado para R$ 15 bilhões para servirem de garantia aos compromissos assumidos com os futuros concessionários (Lei 12.872/13). 45 Lei n° 12.743/12 e Resolução ANTT n° 4.348/14.
  • 11. 11 o risco de demanda do concessionário da infraestrutura e o risco de projeto, construção e de operação que já se mostrava altíssimo quando a cargo da Valec. A minuta do edital para concessão do trecho entre Lucas do Rio Verde/MT e Campinorte/GO da EF-354 (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) sob o regime da Lei 8.987/95 foi o primeiro a adotar o novo modelo de acesso aberto (open access) com segregação vertical da rede (vertical unbundling) previsto no Decreto n° 8.129/13. A concessão seria estruturada da seguinte maneira: a) a concessionária é responsável pela implantação da infraestrutura, sinalização e controle da circulação de trens e deterá o direito de exploração da ferrovia; b) a Valec compra a totalidade da capacidade da ferrovia, remunerando a concessionária por uma Tarifa pela Disponibilidade da Capacidade Operacional (TDCO); c) a Valec subcede, a título oneroso, partes do Direito de Uso aos Usuários; d) a concessionária presta serviços de operação diretamente aos Usuários, que a remunera através da Tarifa de Fruição (TF), na medida da utilização da Ferrovia46 . O modelo de concessão também prevê que, durante o período de obras, a Valec antecipará o valor equivalente a 15% do total dos investimentos em bens de capital (Capex)47 que será abatido linearmente durante o período de operação da ferrovia. Esta disposição reflete uma das ações autorizadas à Valec pelo Decreto 8.129/13 em seu papel “fomentador”. Figura 01 – Estrutura do modelo de concessão 46 TCU, Acórdão 3.697/2013, Plenário. 47 CAPEX é a sigla da expressão inglesa capital expenditure (em português, despesas de capital ou investimento em bens de capital) e que designa o montante de dinheiro despendido na aquisição (ou introdução de melhorias) de bens de capital de uma determinada empresa.
  • 12. 12 Fonte: ANTT 5. Crítica à utilização do termo “fomento” no Decreto n° 8.129/13 De modo geral, os transportes são infraestruturas importantes tanto pelo aspecto político na ocupação do território48 , como do ponto de vista econômico na metamorfose do capital industrial e no fluxo de riqueza entre regiões, pois pressuposto necessário das atividades diretamente produtivas (primária, secundária e terciária)49 . O transporte ferroviário, especificamente, apresenta alta capacidade de tonelagem, em especial quando é necessário percorrer grandes distâncias. Dados os altos custos de implantação e manutenção, as ferrovias, muitas vezes, necessitam de subsídios estatais. Essa interferência no domínio econômico não é apenas aceita pela sociedade, mas esperada50 . Sendo, portanto, atividade econômica de tamanha relevância para as demais atividades exercidas pela iniciativa privada e indissociável da atuação estatal, tem sido adotada pelas constituições nacionais como de titularidade do Estado. Em nossa Constituição Federal, o status de serviço público lhe foi atribuído pelo art. 21, XII. Os dispositivos do Decreto 8.129/13 conferem competência à Valec para “fomentar” o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos. Entre outras formas, esse “fomento” será realizado mediante (i) o pagamento da TDCO para 48 (VALLAUX, 1914) 49 (MASSONETO, 2015) 50 O sistema ferroviário brasileiro. Brasília: CNT, 2013, p. 11.
  • 13. 13 aquisição de até 100% da capacidade operacional da ferrovia objeto da concessão e (ii) antecipação de até quinze por cento dos recursos referentes aos contratos de cessão de direito de uso da capacidade de transporte da ferrovia. Percebe-se da leitura do art. 174 da Constituição Federal que o exercício da função de incentivo depende de lei. Por esse motivo, o Decreto 8.129/2013 não poderia conferir competência para a Valec fomentar o desenvolvimento dos sistemas de transporte de cargas sobre trilhos, porque não encontra fundamento de validade na legislação ordinária, em especial na lei que reestrutura suas operações para execução da política destinada ao setor (Lei 11.772/2008)51 . Nosso interesse com o presente trabalho é demonstra que o fomento (Art. 174, CF) é atividade administrativa incompatível com o serviço público (Art. 175, CF). José Vicente Santos de Mendonça52 define o fomento público como “a ação consistente em estimular, proteger, auxiliar ou fomentar as atividades particulares mediante as quais se satisfazem necessidades ou conveniências de caráter geral, de modo diretamente não coativo, mas persuasivo, sem implicar a criação de serviço público ou assunção da atividade econômica pelo Estado” (grifamos). Lucas Rocha Furtado53 apresenta a seguinte distinção entre essas duas atividades: “A atividade de fomento não se confunde com a de prestação de serviços públicos. Esta se desenvolve quando a Administração Pública põe à disposição da população utilidades públicas. Se dividirmos as atividades em públicas e privadas, constatamos que a prestação de serviço público consiste em uma atividade pública por meio da qual a Administração Pública põe utilidades à disposição da coletividade, mas sem interferir no funcionamento das atividades privadas. Por meio da atividade de fomento, ao contrário, o Estado busca interferir nas atividades desenvolvidas pelos particulares por meio de estímulos ou de vantagens concedidas.” 51 O eventual exercício das competências instituídas pelo Decreto 8.129/2013 acarretará, apenas com a concessão do trecho mencionado, uma despesa estimada da ordem de R$ 17,1 bilhões. Nos termos do art. 84, caput e inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, o exercício pela Presidência da República da competência privativa para dispor por meio de decreto autônomo não pode implicar aumento de despesa. Desse modo, também por essa ótica, será inconstitucional a atuação da Valec consubstanciada em ações de fomento para o desenvolvimento dos sistemas de transportes sobre trilhos, estabelecidas no Decreto 8.129/2013. TCU, Acórdão 3.697/2013, Plenário. 52 (MENDONÇA, 2010) 53 (FURTADO, 2012)
  • 14. 14 Portanto, fomento e a prestação de serviço público são atividades desenvolvidas paralelamente pelo Estado com finalidades e campos de atuação distintos. O primeiro visa interferir na iniciativa privada incentivando determinados comportamentos ou atividades dos particulares que também atendam a interesses públicos. Já a prestação de serviço público é uma incumbência do Poder Público, exercida diretamente por seus entes ou por meio seus concessionários ou permissionários, visando satisfazer necessidades públicas. A adoção de uma política de livre acesso que promoveu a desverticalização no setor de transporte ferroviário, ou seja, a separação entre a exploração da infraestrutura e o transporte de cargas não implica na descaracterização da primeira atividade como serviço público. Serviço de transporte ferroviário é, por definição, a combinação entre linha férrea e material rodante, dissociáveis no aspecto regulatório para fins de concorrência, porém indissociáveis em suas operacionalidades. 6. Conclusão. Fomento e Serviço Público são institutos cujos desígnios e campos de atuação não se confundem. O regime jurídico a ser aplicado a cada uma das funções administrativas (polícia, serviço público e fomento) deve ser identificado a partir do modus operandi que determina a forma de atividade estatal. As regras que instruem a atividade de fomento devem ser aplicadas se o Poder Público decidir empregar técnicas operativas dessa atividade visando incentivar agentes econômicos privados em atividades econômicas que lhe são próprias e não delegadas54 . O apoio financeiro do Estado, seja no contexto de uma concessão comum, seja no de uma PPP, não pode ser considerado uma manifestação da atividade de fomento do Estado, pois versa sobre atividade estatal, não sobre uma atividade econômica privada55 . Aliás, o modelo de concessão ora examinado prevê contraprestação pecuniária de um parceiro público (Valec) ao parceiro privado (concessionário) tanto para eliminar o risco (custo) de demanda do concessionário por meio da TDCO, como para reduzir seu custo financeiro por meio da antecipação, pela Valec ao concessionário, de até 15% do valor relativo aos investimentos futuros56 . 54 (MELLO, 2003) 55 (ARAGÃO, 2013) 56 (ANDRADE, 2015)
  • 15. 4 hipótese de utilização do termo como atividade administrativa de fomento12 mediante a utilização dos instrumentos que lhe são peculiares em atividade econômica própria de serviço público, o Poder Executivo teria dado um passo rumo a inconstitucionalidade de sua política setorial. Carlos Santiago Nino discorre sobre a inquietude do jurista ao se deparar com a utilização duvidosa de signo com significados variados, inclusive jurídico: “Não é nem um pouco estranho que uma palavra apresente esse tipo de indeterminação no uso corrente. No entanto, para muitos juristas, imbuídos do espírito essencialista, isso se torna um osso duro de roer; eles acreditam que deve haver necessariamente algo oculto e misterioso que relaciona todos os fenômenos jurídicos entre si, e fazem esforços desesperados para encontrá-lo, formulando conjecturas impressionantes para simular a sua descoberta. ”13 A seguir, analisaremos os desdobramentos da política da União para o setor de transporte ferroviário na expectativa de elucidar os propósitos da utilização do verbo “fomentar” em seu marco regulatório. 2. Atividade Administrativa de Fomento e Ordem Econômica. O fomento é uma atividade intermediária entre a absoluta inibição e o intervencionismo da ação estatal, própria do Estado Liberal14 . Nas constituições pós- liberais, a função de promover caminha ao lado da função de tutela ou garantia assinalando a passagem para o uso cada vez mais frequente das técnicas de encorajamento. A utilização dessa técnica normativa transpõe o interesse de conduzir meramente a comportamentos socialmente desejáveis, mas procura principalmente induzir, por exemplo, empreendedores a modificar uma situação existente15 . Ao fazer uso dessa modalidade de intervenção administrativa, o Estado atuará no sentido de dirigir a 12 Esse é o conceito de fomento construído pela doutrina e legislação brasileiras. Ajudas públicas e subvenções são expressões utilizadas pela doutrina e legislação francesa e espanhola como sinônimas de fomento em seu significado jurídico. 13 O autor referia-se à utilização do vocábulo “direito”, mas sua observação acomodou muito bem nossa angústia com a utilização do verbo “fomentar” na norma regulamentadora da política para o setor ferroviário (NINO, 2010). 14 (POZAS, 1949) 15 A sanção positiva (prêmio) é uma reação a uma ação considerada boa pelo ordenamento. (BOBBIO, 2007)
  • 16. 16 Bibliografia: Agência Nacional de Transportes Terrestres. Disponivel em: <www.antt.gov.br>. Acesso em: 27 jun 2016. Características do Transporte Ferroviário. ANDRADE, R. B. D. As novas concessões ferroviárias como parcerias público-privadas. In: FILHO, M. J.; SCHWIND, R. W. (Coord.) Parcerias Público-Privadas: reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. 1a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. ARAGÃO, A. S. D. Direito dos serviços públicos. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. BOBBIO, N. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007. COUTINHO, D. R. O Direito nas políticas públicas. In: MARQUES, E.; FARIA, C. A. P. D. A Política Pública como Campo Multidisciplinar. São Paulo: Unesp / Fio Cruz, 2013. DUGUIT, L. Traité de droit constitutionnel. Paris: Fontemoing, v. 1, Théorie Générale de l'État, 1911. FURTADO, L. R. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2012. GRAU, E. R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 16a. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. HOHFELD, W. N. Conceptos Jurídicos Fundamentales. Tradução de Genaro Carrió. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1968. MANKIW, N. G. Introdução à Economia. Tradução de Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Pioneira Thomson Lerning, 2005. 216 p. MASSONETO, L. F. Aspectos macrojurídicos do financiamento da infraestrutura. In: BERCOVICI, G.; VALIM, R. (Coord.) Elementos de Direito da Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 27-52. MELLO, C. C. O Fomento na Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. MENDONÇA, J. V. D. Uma teoria do fomento público: critérios em prol de um fomento público democrático, eficiente e não-paternalista. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 65, p. 115-176, 2010. Disponivel em: <http://www.rj.gov.br/web/pge/exibeConteudo?article-id=464993>. Acesso em: 30 jun. 2016. NETO, D. D. F. M. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2002. NETO, F. D. A. M. Fomento. In: PIETRO, M. S. Z. D. Tratado de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 4, 2015. NINO, C. S. Introdução à Análise do Direito. Tradução de Elza Maria Gasparotto. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 16 p. NOHARA, I. P. Aspectos gerais de concessões de serviços públicos e parcerias público-privadas: contratação pública e infraestrutura. In: BERCOVICI, G.; VALIM, R. Elementos de Direito da Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 89-114. PARADA, R. Capítulo XIV. In: PARADA, R. Derecho Administrativo I, Parte General. Madri: [s.n.], 2010.
  • 17. 17 PASCUAL, J. J. M. Titularidad Privada de los Servicios de Interés General: orígenes de la regulación económica de servicio público en los Estados Unidos. El caso de las telecomunicaciones. Revista Española de Derecho Administrativo - REDA, n. 92, p. 567-591, 1996. PIETRO, M. S. Z. D. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 103 - 104 p. POZAS, L. J. D. Ensayo de una teoría del fomento en el Derecho administrativo. Revista de estudios políticos, 1949. 41-54. págs. 42-44. SILVA, D. T. D. Desestatização da infraestrutura federal de transportes e financiamento público: alguns pontos de discussão. In: BERCOVICI, G.; VALIM, R. (Coord.) Elementos de Direito da Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 241-276. VALLAUX, C. El Suelo y el Estado. Madrid: Daniel Jorro, 1914.