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a
democracia
e educação
editora nacional JPBC_MON
01291/82
P ii.uuLiiaaaes pedagrógricas -volume21
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CIP-Brasil. Catologação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP
Dewey, John, 1859-1952.
D513d . Democracia e educação : introdução à filosofia da educação /
4.ed. John Dewey ; tradução de Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. —
4. ed. — São Paulo : Ed. Nacional, 1979.
(Atualidades Pedagógicas ; v. 21)
í. Educação 2. Educação — Filosofia I. Título. II. Série.
CDD-370
78-1392 -370.1
índices para catálogo sistemático:
1. Educação 370
2. Educação : Filosofia 370.1
3. Filosofia da educação 370.1
ATUALIDADES PEDAGÓGICAS
Volume 21
Direçáo de
J. B. DAMASCO PENNA
A relação completa dos livros publicados em
ATUALIDADES PEDAGÓGICAS
está nofim deste volume.
/l
JOHN DEWEY
DEMOCRACIA
E EDUCAÇÃO
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
DA EDUCAÇÃO
O
Tradução de
GODOFREDO RANGEL
e
ANÍSIO TEIXEIRA
Estudo preliminar de
LEONARDO VAN ACKER
4.a edição
Título do original em língua inglesa:
Democracy and education
publicado por The Macmillan Company, New York.
De JOHN DEWEY,
nestas "Atualidades Pedagógicas":
Vol. 2 — Como pensamos, tradução e notas de Hay-
dée Camargo Campos
Vol. 21 — Democracia e educação, tradução de Go-
dofredo Rangel e Anísio Teixeira
Vol. 76 — Vida e educação, tradução e estudo pre-
liminar de Anísio Teixeira
e na "Biblioteca Universitária":
Série 1.*, vol. l — A filosofia em reconstrução, nova
tradução de António Pinto de Carvalho, revista
por Anísio Teixeira
Proibida a reprodução, embora parcial,
e por qualquerprocesso,
sem autorização expressa dos Editores.
Direitos para a língua portuguesa adquiridos pela
COMPANHIA EDITORA NACIONAL
Rua dos Gusmões, 639
01212, São Paulo, SP
a propriedade desta tradução.
1979
Impresso no Brasil
01291/82
í N
Apresentação da 4." edição XI
"Dewey e dois de seus livros" (Estudo preliminar, de Leonardo
Van Acker)- XIII
Apresentação da í." edição XXIII
Prefácio da 7.° edição XXVII
Cap. l — A educação como necessidade da vida
1. A renovação da vida pela transmissão I
2. Educação e comunicação 4
3. O papel da educação formal 6
Resumo 10
Cap. 2 -r- A educação como função social
1. Natureza e significação do meio II
2. O ambiente social 13
3. O meio social como fator educativo 17
4. A escola como ambiente especial 20
Resumo 24
Cap. 3 — A educação como direçào
1. O meio como o fator de dircção 25
2. Modalidades de dircção social 28
3. A imitação e a psicologia SOCÍA! 36
4. Aígumas aplicações à educação 39
Rcsiuna 42
Cap. 4 — A educação como crescimento
1. Condições do crescimento 44
2. Os hábitos como manifestações de crescimento 49
3. A significação educacional do conceito do desenvolvi-
mento 53
Resumo 56
Cap, 5 — Preparação, desdobramento e disciplina formal
1. A educação como preparação 58
2. A educação como desdobramento 60
3. A educação como o adestramento das faculdades .... 65
Resumo 73
Cap. 6 •— A educação conservadora e a progressiva
1. A educação como formação 75
2. A educação como recapítulação e retrospecção 78
3. A educação como reconstrução
Resumo
Cap. 7 — A concepção democrática da educação
1. O que subentende a associação humana
2. O ideal democrático
3. A filosofia educacional platónica
4. O ideal "individualista" do século XVIII
5. A educação sob o ponto de vista nacional e social
Resumo
Cap. 8 — Objetivos da educação
1. A natureza de um objetivo
2. O critério para o conhecimento dos bons objetivos
3. Aplicação à educação
Resumo
Cap. 9 — O desenvolvimento natural e a eficiência social
como objetivos
1. O objetivo fornecido pela natureza
2. A eficiência social como o objetivo da educação
3. A cultura como o objetivo da educação
Resumo
Cap. 10 — Interesse e disciplina
Significação das palavras interesse te disciplina
A importância da ideia do interesse da educação
Alguns aspectos sociais da questão
Resumo
Cap. 11 — Experiência e pensamento
1. A natureza da experiência
2. A reflexão na experiência
Resumo
Cap. 12 — O ato de pensar e a educação
1. A essência do método
Resumo
Cap. 13 — A natureza do método
1. A unidade da matéria e do método .. ..
2. Método geral e método individual ....
3. Os característicos do método individual
Reswnw ,
Cap. 14 — A natureza da matéria de estudo
1. A matéria para o educador e para o educando .
2. O desenvolvimento da matéria para o educando
82
87
93
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98
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181
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198
199
203
Cap. 15 — O brinquedo ou o jogo e o trabalho no currículo
1. O papel das ocupações ativas na educação 214
2. Ocupações proveitosas 216
Trabalho e jogos 223
3.
Resumo 226
Cap. 16 — A significação da geografia e da história
1. Extensão da significação das ntividades primárias .. 228
2. A natureza complementar da História e da Geografia 231
3. A Histór ía e a presente vida social 235
Resumo 239
Cap. 17 — As ciências no currículo
1. O lógico e o psicológico 241
2. A ciência e o progresso social 245
3. O naturalismo e o humanismo na educação 251
Resumo 253
Cap. 18 — Valores educacionais
l. A natureza do senso do real ou da apreciação direta
2. Os valores dos estudos
3. A segregação e a organização dos valores
Resumo
254
261
267
273
Cap. 19 — Trabalho e lazer
1. A origem do antagonismo 275
2. A situação atual 280
lcsnmo 286
Cap. 20 — Estudos intelectuais e estudos práticos
1. O antagonismo entre a experiência e o verdadeiro
conhecimento 288
2. A teoria .moderna sobre a experiência e o -conheci-
mento 292
3. A experiência como experimentação 298
Resumo 303
Cap. 21 — Estudos físicos e estudos sociais. Naturalismo e
humanismo
1. Os antecedentes históricos do estudo de humanidades 305
2. Moderno interesse científico pela natureza 309
3. O atual problema educacional 314
Resumo 319
Cap. 22 — O indivíduo e o mundo
1, O espírito, como puramente individual 321
2, O espírito individual como agente de reorganização .. 324
3, Equivalentes educacionais 332
Resumo , . . , 336
Cap. 23 — Aspectos vocacionais da educação
1. A significação da vocação 338
2. O papel dos objetivos -vocacionais na educação 340
3. Oportunidades e perigos atuais 344
Resumo 352
Cap. 24 — Filosofia da educação
1. Revisão crítica 354
2. A natureza da filosofia ...f 356
Resumo 365
Cap. 25 — Teorias do conhecimento
1. Continuidade vcrsus dualismo 366
2. Escolas de método 372
Resumo 378
Cap, 26 •— Teorias de moral
1. O interior e o exterior 380
2. O antagonismo entre o dever e o interesse 385
3 r Inteligência e caráter 389
4, O social e o moral 392
Resumo 469
índice Analítico 397
APRESENTAÇÃO DA 4,a EDIÇÃO
Dois dos livros de John Dewey, dados à estampa nesta
coleção de "Atualidades Pedagógicas", Como pensamos (vol.
2) e Democracia e educação (vol, 21), um e outro clássicos
do pensamento filosófico e pedagógico de nossos dias, e es-
gotados, um e outro, há já algum tempo, voltam agora, com
esta reedição, às estantes de livrarias e bibliotecas. E voltam
enriquecidos do excelente estudo preliminar "Dewey e dois
de seus livros", de autoria do Professor Leonardo Van Acker.
O Professor Van Acker é belga de nascimento, e já em
1922 começou a lecionar na Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de São Bento, em São Paulo. É, aliás, cidadão bra-
sileiro desde 1940 Doutor em filosofia e letras pela Univer-
sidade Católica de Lovaina, também se doutorou em filosofia
tomísta, no Instituto Superior de Filosofia da mesma univer-
sidade. Entre nós, a larga influência que seus aturados estudos
filosóficos e seu eminente professorado exerceram foi consa-
grada com o prémio "Moinho Santista" em filosofia, a ele
conferido em 1963._É membro do Instituto Brasileiro de Fi-
losofia (São Paulo) e da Société Philosophique (Lovaina).
Do muito que tem escrito, destacam-se penetrante estudo sobre
as ideias de Bergson, A filosofia bergsoniana: génese, evolução
e estrutura gnosiológíca do bergsonismo (1959) e numerosos
trabalhos referentes à lógica clássica, assim formal como ma-
terial; a respeito de Dewey, pensador que sempre lhe mereceu
particular atenção, um estudo sobre "A religião na evolução
do pensamento de Dewey", composto em sua língua natal
(1938) e, publicados em português, "Ciência e democracia em
John Dewey" (1943), "O naturalismo de John Dewey" (1957),
"Os valores na filosofia de John Dewey" (1961).
Os Editores
DEWEY E DOIS DE SEUS LIVROS
1. Nasceu John Dewey aos 20 de outubro de 1859 em
Burlington e faleceu a l de junho de 1952 em Nova York.
Depois de cursar os três graus do ensino na cidade natal, fez
o doutorado em filosofia na Universidade Johns Hopkins, em
Baltimore. Em 1884 começou a carreira de professor uni-
versitário no Michígan, continuando-a em 1894 na Universi-
dade de Chicago, onde fundou uma escola primária experi-
mental, e acabando-a no Teachers College da Universidade
Columbia, em Nova York (1905-1930). Viagens prolonga-
das na Inglaterra, Rússia, Turquia, no Japão e no México en-
trecortaram-lhe a docência nos Estados Unidos, mas lhe pro-
porcionaram experiência direta da situação mundial.
Em filosofia, Dewey a princípio adotou o hegelianismo do
seu mestre, George Sylvester Morris; mas a influência do evo-
lucionismo de Charíes Darwin e a da psicologia biológica de
William James levaram-no a elaborar uma filosofia pragma-
tista, que fez escola na América do Norte — a chamada "Es-
cola de Chicago" — além de ganhar no Brasil um fervoroso
discípulo na pessoa de Anísio Teixeira, aluno de Dewey no
ano letivo de 1928-29 e um dos grandes pioneiros da reforma
pedagógica nacional no espírito do pragmatismo experimen-
talista e democrático-socialista.
2, Embora locutor de grande efeito soporífero (cf. John
Dewey, por Sidney Hook, N. Y., 1939, p. 21), Dewey foi es-
critor de extraordinária fecundidade, chegando a produzir, de
1898 a 1940, na razão de quase um livro por ano, como prova
esta lista, aliás incompleta, das obras publicadas: My peda-
gogic creed (1898); The school and society (1899); The chila
and the curriculum (1902); Studíes in logical theory (com ou-
XIV
tros, 1903); The school and the chila (1907); Ethics (com
J. H. Tufts, 1908, 1932); Moral principies in education
(1909); The influence of Darwin on philosophy and other
essays (1910); How we think (1910, 1933); Interest and
efjort'in education (1913); German philosophy and politics
(1915); Democracy and education (1916); Essays in experi-
mental logic (1916); Creative intelligence (com outros, 1917);
Reconstruction in philosophy (1920); Human nature and con-
duct (1922); Lê dévelappement du pragmatisme amérícain
(1922); Experience and nature (1925); The public and its
problerns (1927); The quest for certainty (1929); An and edu-
cation (1929); Soviet education (1929); Impressions of Soviet
Rússia and the revolutionary world, México, China, Turkey
(1929); Characters and events (2 vols. de artigos coligidos por
J. Ratner, 1929); The sources of a science of education (1929);
Individualism, old and new (1930); Philosophy and civiliza-
tion (1931, 1939); An as experience (1934); A common jaith
(1934); Liberalism and social action (1935); Experience and
education (1938); Logic, the theory of inquiry (1938); Theory
of evaluation (1939); Freedom and culture (1940); Education
today (estudos coligidos por J. Ratner, 1940); Problems of
men (1946); Knawing and the known (com A. Bentley, 1949)
3. Não cabe aqui aprofundarmo-nos na análise da filo-
sofia geral de Dewey, mas, antes, delinear-lhe a doutrina em
Democracia e educação (1916) e Como pensamos (1933),
sem preterir, naturalmente, os pressupostos filosóficos. São,
esses pressupostos, em resumo, os seguintes:
I. O pragmatismo (do grego: pragma — objeto de ação ou
práxis): a realidade é toda composta, não de seres estáticos
e isolados por diferenças hierárquicas de essência ou natureza,
mas, sim, de acontecimentos relacionados pelo dinamismo da
ação recíproca transformadora, intrinsecamente iguais e só di-
ferentes pelo grau de eficiência ou capacidade de reconstrução
progressiva.
II. O experimentalismo: a tal dinamismo reativo universal
pode-se chamar "Experiência" no sentido genérico, do qual as
"experiências" humanas, como a vivência consciente e a "ex-
perimentação" científica, física, ou sociológica, não passam de
aspectos particulares.
XV
III. O princípio de continuidade: o pragmatismo e o expe-
rimentalismo implicam a "continuidade" ou identidade intrín-
seca e essencial entre a natureza cósmica e a experiência hu-
mana, entre pessoa e sociedade, entre os vários grupos e classes
sociais, entre o moral e o social, entre a atividade material ou
corpórea e a atividade espiritual, intelectual ou moral; pois
estas últimas não passam das funções mais altamente evoluídas
e eficientes da atividade material, controlando experimental-
mente a matéria cósmica para a progressiva realização de uma
convivência humana plenamente participada ou democrático-
socialista.
IV. Verdade como práxis: nesses termos, as ideias ou sig-
nificados intelectuais (ideas, meanings) já não são entidades
imateriais e supra-sensíveis, mas hipóteses de solução de pro-
blemas e, portanto, instrumentos de ação material experimental
para resolvê-los (instrumentalismo}. Donde, a verdade da
ideia não passa da sua eficiência experimental ou cognitiva e.,
em última análise, da sua provada utilidade social ou moral.
V. Escola nova: donde resulta, enfim, a necessidade de re-
formar a fundo a escola tradicional, predominantemente pas-
siva, dogmática, conservadora e elitista, em escola nova, radi-
calmente ativa ou crítico-experimental, progressiva e social-
democrática.
4. Democracia e educação pretende fornecer as ideias pe-
dagógicas e filosóficas adequadas a uma sociedade técnico-in-
dustrial que queira ser democrática de verdade, e não apenas
de nome. Parte do pressuposto de a sociedade só ser deveras
democrática se todos os membros lhe participam do bem co-
mum em termos de igualdade, de modo a permitir a flexibili-
dade no reajuste das instituições e proporcionar uma educação,
tornando os indivíduos pessoalmente interessados na participa-
ção e no reajustamento da vida social, e mentalmente habilitados
a realizar mudanças sociais, sem provocar confusão e desordem
(cap. VII, resumo). Assim sendo, na autêntica educação de-
mocrática, as atitudes e disposições necessárias à continuação
sempre renovada e progressiva da vida social não devem re-
suJtar de mera transmissão direta de conhecimentos e emoções,
dos educadores aos educandos; mas hão de ser o fruto implí-
cito ou indireto da participação de educadores e educandos
XVI
nas experiências do mesmo ambiente social. Quer dizer que
a escola não deve ser isolada da vida comum, mas tem de
simplificá-la, purificá-la e melhorá-la. Nela, a direçao dada
pelos educadores não deve ser baseada no prestígio ou na as-
cendência pessoal ou subjetiva destes, mas, sim, nos resultados
objetivos ou universalmente válidos da experiência comum, fí-
sica, ou sociológica. Destarte, a educação será vida ou cres-
cimento contínuo, e não apenas preparação para a vida adulta;
nem mero desenvolvimento ou formação mental subjetiva; nem
simples exercitação ou treino de faculdades ou capacidades es-
peciais e isoladas e já adrede preparadas. Como processo con-
tínuo de crescimento ou reconstrução da experiência socialmente
participada, a educação terá o seu fim em si mesma, não sendo
meio para fins diferentes e ulteriores. Será progressiva como
a própria vida e não regressão mental ao passado, nem reca-
pitulação das fases culturais-históricas do mesmo. Será demo-
crática, enfim, não reservada a classes privilegiadas; mas nem
por isso estreitamente individualista, e sim comunitária, no
sentido da participação enquanto possível extensa dos interesses
do grupo por todos os respectivos membros e da interação
enquanto possível plena e livre entre os vários grupos (caps.
I-VII).
5. Quais, agora, os objetivos (aims) concretos e peculiar-
mente acentuados em que se traduz esse fim (end) global de
educação social-democrática? Em primeiro lugar, tais objeti-
vos devem ser projetos inteligentemente concebidos e executa-
dos; portanto, não rigidamente impostos de fora, de modo a
tornar impossível a livre escolha e experimentação de meios
e resultados adequados e desejáveis Além disso, não devem
ser objetivos unilaterais e conflitantes, mas organicamente co-
ordenados. Assim, por exemplo, o desenvolvimento das apti-
/ does naturais ou a cultura intelectual devem ser objetivos co-
ordenados com o da eficiência social; e, reciprocamente, esta
última não pode deixar de ser vazia se não implica cultura
intelectual e desenvolvimento das aptidões naturais. Do mes-
(mo modo, a experiência, ou experimentação, deve ser meto-
dicamente guiada pelo pensamento lógico; do contrário, é feita
à toa, sem reflexão inteligente, sem coerência, nem validade
cognitiva, nem utilidade social. (Por isso Dewey escreveu o
livro: Como pensamos.}
S
S
XVII
Entre matérias e métodos de estudo e ensino deve haver
correlação tão natural e profunda como entre a inteligência e
o mundo real. Há, por certo, necessidade lógica e pedagógica
de dividir as várias disciplinas; mas não devem ser aprendidas
ou ensinadas em isolamento da sua base social comum que é a
experiência da humanidade. Tampouco deve haver separação
completa entre o trabalho do estudo e o divertimento do jogo,
porque, aplicado ao jogo, o trabalho se torna interessante e
artístico; ao £>asso que, absolutamente isolado do jogo, o tra-
balho torna-se tarefa imposta, prejudicada pela tendência na-
tural à livre atividade lúdica, que não é mera excitação física,
mas atividade ou ocupação inteligente, visando a fins junta-
mente técnicos, estéticos e sociais. Donde a necessidade peda-
gógica de combinar o trabalho com o jogo e vice-versa. En-
fim, o princípio geral de não-isolamento das matérias ou dis-
ciplinas da sua base social comum na experiência humana é
válido especialmente para a geografia e a história, que resumem
a experiência da humanidade no espaço e no tempo; bem co-
mo para as ciências físicas ou naturais, que são o resultado
lógico e cognitivo da luta dos homens para controlar o am-
biente cósmico e assim fazer progredir a sociedade (caps.
vm-xvii).
6. Com respeito ao valor educativo das várias matérias de
ensino ou disciplinas, existe também a distinção pedagógica em
valores estéticos e utilitários, intelectuais e práticos, naturalísti-
cos e humanísticos, culturais e profissionais. Entretanto, como
as disciplinas são correlativas, assim também não podem ser
mutuamente exclusivos os sobreditos valores pedagógicos. As
belas letras e artes, por exemplo, têm incontestável valor esté-
tico; mas este não lhes é exclusivamente próprio. Para quem
a estuda ou ensina com admiração e apreço, qualquer matéria
pode revestir-se de valor estético. Do mesmo modo, não há
conhecimentos teóricos ou "intelectuais" sem nenhum valor prá-
tico, nem disciplinas científico-naturais sem valor humanista
ou social, nem matérias culturais sem valor profissional, e re-
ciprocamente. A distinção dos valores educativos, segundo
Dewey, não é de modo nenhum absoluta ou intrínseca, mas
relativa e extrínseca, devida a situações e fatores históricos e
sociais (cap. XIX, resumo).
O primeiro de tais fatores é a organização da antiga so-
ciedade helénica, em que havia a classe dos senhores, donos
XVIII
exclusivos do lazer, além da classe dos escravos, adstritos uni-
camente aos trabalhos corporais. Por certo, aos senhores in-
cumbiam as atividades políticas e militares, que em vez de
lazer lhes davam muito que fazer no serviço da pátria. Mas
essas ocupações ou profissões eram consideradas "liberais", ou
próprias de cidadãos ou.homens livres; por oposição às ocupa-
ções ou profissões chamadas "servis", por serem geralmente
relegadas aos escravos. Donde já se vê que entre o valor es-
tético e o utilitário, entre o cultural e o profissional, não há
qualquer distinção absoluta ou intrínseca, mas só relativa a
circunstâncias históricas extrínsecas. Em sociedade genuina-
mente democrática, aliás, todas as profissões são consideradas
igualmente valiosas ou dignas, por serem todas serviços sociais
competentes, necessários e úteis à comunidade humana. Ne-
nhuma profissão dispensa por completo o trabalho corpóreo, e
todas merecem a recompensa estética do lazer. Daí ser aceitá-
vel a chamada profissionalização do ensino, contanto que não
seja puramente tecnicista, mecanizadora, desumanizante ou dis-
socializadora (cap. XXIII, resumo).
Outro fator histórico, explicativo da separação entre o
valor naturalístico e o humanístico, é devido, em parte, ao con-
ceito de "experiência" na antiga Grécia, onde a experiência sig-
nificava "empeiria" rotineira1 e desprovida de ciência técnica;
e, em parte, ao humanismo esteticista do Renascimento, consi-
derando as letras e artes antigas mais refinadas e humanas do
que as letras e-artes medievais e modernas. Donde resultou a
discriminação axiológica entre os estudos científico-naturais e
os estudos humanístícos, literários, filosóficos e histórico-so-
ciais. Mas essa discriminação axiológica foi superada pelo
conceito moderno e contemporâneo de "experiência" como ex-
perimentação científica, levando a conhecimentos metodicamen-
te comprovados. Nesses termos, a manipulação do mundo fí-
sico já não permite simples rotina empírica, mas adquire a
dignidade de ciência voltada para o controle da natureza, não
para servir interesses de classe, mas para promover o progres-
sivo bem-estar de toda a comunidade humana.
O último fator histórico da discriminação dos valores edu-
cativos é a própria filosofia, mormente a moderna, marcada
pelo individualismo estreito, isolando o espírito do sujeito hu-
mano, não só do próprio corpo, mas até da natureza física,
bem como da convivência humana. Donde surgiram os pseudo-
XIX
problemas da oposição entre espírito e matéria, conhecimento
e realidade, experiência consciente e natureza física, liberdade
individual e obrigação social, etc. O que reforçou, em peda-
gogia, a oposição entre os valores educativos. Esse falso indi-
vidualismo, com as suas péssimas consequências pedagógicas,
deve ser superado pelo verdadeiro individualismo, que sabe1
conciliar matéria e espírito, homem e natureza, liberdade in-
dividual e progresso social. Mas isso exige uma filosofia ade-
quada, que seja, ao mesmo tempo, teoria geral da genuína
educação social democrática (caps. XVIII-XXIII).
7. Como todo pensamento, a filosofia visa a resolver si-
tuações perplexas oferecidas pela experiência, por definição do
problema, formação, discussão e experimentação das hipóteses
de solução. Objeto próprio do pensamento filosófico são as
situações perplexas e problemáticas da experiência social, como
sejam as oposições ou conflitos entre interesses e aspirações de
grupos. E, como o único meio de resolver tais oposições é a
modificação das disposições emocionais e intelectuais por meio
de educação apropriada, segue-se que a filosofia é a teoria orien-
tadora da prática educativa deliberada em vista da realização
de uma sociedade deveras democrática.
Como vimos, a sociedade democrática genuína é caracte-
rizada pela maior participação possível dos indivíduos na ex-
periência do grupo e pela maior interação possível entre os
vários grupos. Por definição, tal sociedade rejeita todas as
divisões ou oposições tendentes a isolar pessoas ou grupos, de
modo a tornar-lhes o conhecimento unilateral, e a conduta
moral discriminatória e injusta. Daí vern que a sociedade in-
tegralmente democrática deve abandonar todas as filosofias que,
inspiradas em divisões sociais isolantes, propõem teorias gno-
siológicas e éticas tecnicamente chamadas "dualistas", por cau-
sa das dicotomias separatistas que estabelecem entre matéria e
espírito, espírito e mundo exterior, experiência consciente e
natureza física, indivíduo e sociedade, etc. A filosofia deveras
democrática deve ser a da continuidade intrínseca ou absoluta
entre esses vários elementos separados ou isolados pelo dualis-
mo filosófico. Para ela, tanto o conhecimento como a conduta
moral são intrinsecamente experimentais, pois é pela experi-
mentação, corno atividade participada, que a sociedade pro-
gride na aquisição de conhecimentos objetivameníe válidos e
r
xx
que os indivíduos se vão socializando ou tornando universal-
mente humanos. Tal é, em resumo, a doutrina exposta em
Democracia e educação (cf. caps. XXIV-XXVI).
8. Enquanto esse livro é uma sociologia filosófica da
educação, Como pensamos oferece uma lógica pedagógica. As-
sunto básico desta última é a análise do processo real, e não
puramente formal, do pensamento "reflexivo" ou correio, le-
vando a conhecimentos metódica e criticamente verificados, por
oposição ao pensamento irrefletido e incorreto, levando a posi-
ções precipitadas, dogmáticas, acríticas.
No processo do pensamento reflexivo, Dewey distingue
cinco fases, cuja sequência, por sinal, não é rígida: 1) situação
difícil ou perplexa; 2) definição da natureza do problema; 3)
sugestão de ideias como hipóteses de solução; 4) verificação
lógica ou raciocinativa (isto é, por ação interior de pensamento
ou imaginação) da consistência ou coerência das ideias ou hi-
póteses com os dados do problema, de modo a eliminar as
incompatíveis e selecionar a única coerente; 5) verificação ex-
perimental (ou seja por ação exterior) da única hipótese com-
patível. Tal é a ordem intelectual que deveriam seguir as aulas
escolares, com participação dos alunos e do professor, este úl-
timo não como ditador, nem como simples aprendiz, mas como
orientador intelectual da experiência partilhada por todo o gru-
po. Com isso, a preleção expositiva não seria completamente
suprimida, mas conservada para/fornecer aos alunos as infor-
mações, aliás nunca dogmáticas, que eles por si mesmos não
podem conseguir, mas que são/necessárias à sugestão das ideias
ou hipóteses de solução. Estas últimas deveriam ser logica-
mente discutidas, bem como de fato experimentadas em co-
mum, mormente para educar os alunos para o diálogo e o
convívio em sociedade genuinamente democrática.
9. Até aqui, a exposição da doutrina de Dewey nas duas
obras sobreditas. È o que nos cabia nesta sucinta introdução,
sem entrarmos na crítica do pensamento deweyano. Entretan-
to, ao leitor desejoso de estudar essas obras com ponderação
crítica, achamos conveniente indicar as seguintes fontes, todas
elas publicadas em português.
Sobre Dewey como filósofo e pedagogista reformador, há
um estudo breve e vivo, bem documentado e extremamente
XXI
claro, em Fr. De Hovre, Ensaio de filosofia pedagógica., tradu-
ção de Luiz e J. B. Damasco Penna (Ed. Nacional, São Paulo,
vol. 95 destas "Atualidades Pedagógicas", 1969).
De Democracia e educação, existe um comentário segui-
do, expositivo e crítico, de autoria do filósofo norte-americano,
idealista e hegeliano, Herman Harrel Horne, com o título de
A filosofia da educação sob o ponto de vista democrático,, tra-
duzido por Adolpho Packer (Ed. Saraiva, São Paulo, 1938).
Em O poder da educação, de Theodore Brameld, traduzido por
Deny Félix Fonseca, encontra-se também uma crítica ao pro-
gressismo antifinafista e antropocêntrico de Dewey (Zahar Ed.,
Rio, 1967, p. 95-96). De toda a filosofia pedagógica deweya-
na, incluindo-lhe as raízes biográfico-existenciais e os postula-
dos filosóficos gerais, apresenta exposição e crítica minuciosa,
precisa e concisa, o livro de Maria Isabel Moraes Pitombo, Co-
nhecimento, valores e educação em John Dewey (Ed. Pioneira,
São Paulo, 1974). Da lógica e gnosíologia empirista de Dewey,
lêem-se crítica e apreciação interessantes em Miguel Reale, Ex-
periência e cultura (Ed. Grijalbo-Edusp, 1977, cap. III, § 2).
Da ideia de verdade, pragmatista e experimentalista, há exposi-
ção e crítica sucinta e cerrada em Ruy Afonso da Costa Nunes,
A ideia de verdade e a educação (Ed. Convívio, São Paulo,
1978, cap. VI). Finalmente, há uma crítica interessante e im-
plícita ao indutivismo empirista na lógica e na teoria da apren-
dizagem deweyanas, bem como ao antidogmatismo radical e
progressista de Dewey, em Karl Popper, Lógica da pesquisa
científica (Ed. Cultrix-Edusp, 1975) e Autobiografia intelectual
(Ed. Cultrix-Edusp, 1977, §§ 10-20), ambas traduções de Leô-
nidas Hegenberg e Octanny Silveira da Motta.
10. Por último, gostaríamos de salientar a oportunidade
da reedição destas duas obras de John Dewey, sempre muito
influente nos meios pedagógicos. Por certo, atualmente, já não
tem o eminente pensador norte-americano o cartaz que tinha
no Brasil, nas décadas de 1930 a 1950. Para os marxistas mi-
litantes, o socialismo dele não passa de pragmatismo burguês,
cientificista, individualista e utilitário Para os cristãos, mor-
mente os católicos, a sociedade democrática por ele concebida
não é integralmente humana, porque repudia no homem a ten-
dência natural para o Ser, o Viver e o Valor Infinito, sem o
qual a contínua reconstrução da experiência humana fica defí-
XXII
nitivamente sem sentido adequado às aspirações do homem.
Apesar de todas essas censuras, é inegável em Dewey o intuito
de promover entre os homens a grande comunidade fraternal,
para além do individualismo egoísta e libertário, bem como do
comunismo coativo e totalitário. Foi esse intuito sincero que
lhe inspirou muitas ideias e recomendações intrinsecamente va-
liosas e duradouramente atuais, como sejam estas duas: 1) não
há democracia autêntica sem indivíduos mentalmente capazes
de colaborar para o bem comum e cfe mudar as estruturas so-
ciais, não introduzindo confusão ou desordem; 2) nem há de-
mocracia genuína sem educação do pensamento reflexivo, capaz
de discussão objetiva e prova experimental, avesso ao debate
emocional, à precipitação confusionista e à mania de improvisa-
ção. São essas duas ideias que encarecidamente propomos à
benevolente reflexão de todos os patriotas brasileiros, mormen-
te os jovens, sinceramente empenhados em instaurar neste Brasil
uma comunidade realmente democrática, fraternal e integral-
mente humana.
São Paulo, maio de 1979.
Leonardo Van Acker
APRESENTAÇÃO DA l.a EDIÇÃO
Reputo a versão em língua portuguesa deste grande
livro de JOHN DEWEY — o seu melhor livro sobre educação,
na opinião do próprio autor — como uma inestimável contri-
buição à cultura popular brasileira.
Na justificada e explicável confusão de pensamento, em
que se encontra o país, confusão que é aumentada pela arrcgi-
tnenlação que se vem ultimamente realizando de quanto dogma-
tismo serôdio se encontra para lutar, por esse meio inoperante,
contra, a própria perplexidade ambiente — «5o sei de livro
mais salutar e mais promissor. Com efeito, o leitor encontrará
nas suas páginas a revelação — e nada menos é preciso para
o Brasil, hoje — do que é a democracia e dos meios de rea-
lisá-la. A teoria simplista e tão largamente utilizada e explo-
rada pelos seus inimigos, de que a democracia é mera- forma
de governo e forma de governo que falhou ou vem falhando,
fica inteiramente destruída com a- compreensão ampla e pro-
funda qiíe nos transmite DEWEY da verdadeira democracia.
Mas, não é só. A obra de DEWEY é a mais sólida e a.
mais convincente das reivindicações do pensamento moderno,
no sentido de demonstrar a sua inalterável continuidade com
todo o pensamento da humanid-ade e a sua vigorosa capacidade
de restaurar e revitalizar todos os valores morais e espirituais
indispensáveis à vida do homem.
Tanto vale dizer que a sua obra é obra de conciliação
e de síntese e não de divisão ou combate. A confusão de
pensamento a que aludimos é sobretudo originária de uma
inacreditável fragmentação da cultura. Essa fragmentação
é, por sua vês, proveniente da penetração, cada vês mais
impetuosa, de fórmulas novas de pensamento nas velhas
fórmulas herdadas de outras idades. Enquanto foi possível
conservarem-se isoladas e limitadas essas novas contribuições
e, por esse meio, guardar e acautelar os moldes amados e
admirados da velha cultura moral e espiritual, o equilíbrio foi
mantido. Tempo chegou, porém, em que não era mais pos-
sível persistir tal regime de transigência e pás condicional.
Sobreveio, então, a confusão moderna e, para curá-la, os
XXIV
remédios violentos e antagónicos. Restauração do velho pen-
samento, harmonioso e adequado nas idades a que serviu, mas
ineficaz, insuficiente e contraditório nos dias de hoje; ou
imposição imediata de uma nova ordem, totalmente nova, com
valores novos e novas instituições. O diagnóstico do erro de
ambas as soluções é fácil de faser: só a golpes de espada
pode qualquer delas ser, não digo cumprida, mas simplesmente
tentada.
Ao invés disso, o que urge é um estudo das condições
atuais e dos desajustamentos atuais, para traçar o programa
da reconstrução indispensável à integração do presente estado
de coisas. Nem restauração do passado nem imposição de
íím futuro ainda inexistente. Mas, revigoraçâo de tudo do
passado que ainda for útil e operante e readaptação de tudo
que for novo e eficaz, em uma- contextura que não será inte-
gralmente nova senão porque será integralmente viva e
orgânica.
Ê essa obra de análise, de balanço e de equilíbrio que
DEWEY realiza magistralmente. Na superfície acidentada do
pensamento contemporâneo, ele ó um restaurador de unidade.
O vigor e a. frescura de seu- pensamento têm a atração
e o Ímpeto que caracterizam as reais contribuições da inteli-
gência. Nem especiosidade, nem simplificações excessivas.
Nada dessa aparência miraculosa de certas mistificações dou-
trinárias contemporâneas. Poucos pensamentos estão alicer-
çados em um tão sólido bom senso e tão inalterável equilíbrio.
DEWEY se filia, por esse modo, à grande linhagem de pensadores
que não vem acrescentar aos conflitos e às divisões entre os
homens, mas revelar a possível conciliação de suas querelas,
desde que desejem elevar-se um pouco i-nais adiante dos seus
interesses imediatos. Não é demais insistir no caráter conci-
liante e reintegrador do pensamento deweyano, sobretudo em
momento, como o nosso, em que a maior necessidade nacional
é a de uma- nova síntese para 'pacificar e dirigir os espíritos
em perturbação.
Se assim é em relação à cultura geral, o que não dizer
em relação à cultura pedagógica, em particularf
Se, por um lado, a educação nada mais é que um campo
de aplicação dos princípios e fórmulas da cultura geral, por
outro lado não é menos verdade que se essa cultura geral
se f as confusa, perplexa e contraditória, em nenhum outro
lugar se torna mais indispensável, por isso mesmo, a ne-
XXV
cessidade de claresa e coerência, tão aumentada fica a res-
ponsabilidade da educação nesses períodos de crise intelectual.
Dai provém a mair importância deste livro para os educadores
nacionais. Muitas das ideias aí expostas são familiares ao
meio pedagógico brasileiro, mas creio poder diser que nenhum
outro livro em português, presentemente, poderá, como este,
contribuir para explicar a origem e o alcance dessas ideias, os
seus corolários e consequências, bem como o seu lugar no
contexto geral do pensamento humano.
É um tratado de educação que, sob diversos aspectos,
representa uma suma moderna dos conhecimentos pedagó-
gicos. Nem outra ê mesmo a sua intenção profunda, com-
preendendo como compreende DEWEY a filosofia como a inves-
tigação e a descoberta das soluções dos conflitos, antíteses,
antagonismos e perplexidades que atormentam o espírito em
cada 'momento da história.
DEWEY é, hoje, considerado no mundo como o filósofo
da democracia. Coube a ele desenvolver em todas as suas
possibilidades e consequências o ideal democrático, em face
das condições modernas da ciência e do mundo. Não se trata
de uma exposição acidental e provisória, mas da análise das
suas premissas definitivas e da descoberta do método ade-
quado de lidar com os seus problemas e as suas dificuldades.
O Capítulo de Educação, que não faltou a nenhuma das
grandes filosofias operantes que já teve a humanidade, e
que também não faltou à filosofia de JOHN DEWEY, é o que
é dado hoje, ao público brasileiro, neste livro fundamental.
Resta, tão-sornente, acentuar que, nascido no solo ame-
ricano, filiado às mais legítimas fontes de seu pensamento e
adstrito às condições de vida do continente, temos o direito
de considerar nossa essa vigorosa e sadia formiifação dos novos
ideais humanos. O legítimo e largo humanismo que se plantou
nas terras novas e no novo clima social deste continente não
tem maior intérprete nem maior professor do que o autor
deste livro.
Possa o trabalho*aqui traduzido contribuir para dar sen-
tido e direção às nossas próprias perplexidades, como está
contribuindo e tem contribuído, nos demais países americanos
e em quase todo o mundo ocidental, para orientar o pensamento
e a ação dos seus educadores.
ANÍSIO TEIXEIRA
São Paulo, 15 de janeiro de 1936.
PREFACIO DA l.a EDIÇÃO
Este livro é um esforço para penetrar e definir as ideias
implícitas em uma sociedade democrática e para aplicá-las aos
problemas da educação. A exposição inclui a indicação dos
fins e métodos construtivos da educação pública, encarados
desse ponto de vista, e ainda uma crítica das teorias do conhe-
cimento e da moral, formuladas em condições sociais primiti-
vas e que continuam a atuar nas sociedades nominalmente
democráticas, obstando a realização adequada do ideal de-
mocrático.
Como se verá, a filosofia exposta nas páginas deste
livro mostra o desenvolvimento democrático em suas rela-
ções com o desenvolvimento do método experimental nas
ciências, das ideias de evolução nas ciências biológicas e com
a reorganização industrial — e analisa as mudanças de matéria
e método na educação que esses desenvolvimentos determinam.
Testemunho o meu profundo reconhecimento ao DR.
GOODSELL do Teachers College pelas críticas que fez ao li-
vro, ainda em original; ao Professor KILPATRICK, do mesmo
instituto, por críticas e sugestões em relação à ordem dos tó-
picos, de que largamente me utilizei; e a Miss ELSIE RIPLEY
CLAPP por muitas críticas e sugestões. Aos dois primeiros
indicados, também pelo trabalho de revisão das provas. Além
desses, sinto-me grandemente em dívida para corn uma série
extensa de estudantes, cujas sucessivas turmas se distribuíram
por mais anos do que os que desejo enumerar.
J. D-
Universidade de Colúttibia, Nova Iorque
CAPÍTULO l
A educação como necessidade da vida
l. A renovação da vida pela transmissão. — A mais
notável distinção entre seres vivos e inanimados é que os
primeiros se conservam pela renovação. Ao receber uma
pancada, a pedra opõe resistência. Se a resistência for maior
do que a força da pancada, ela exteriormente não apresentará
mudança; no caso contrário se partirá em fragmentos menores
que ela. A pedra nunca procura reagir de modo a defender-se
contra a pancada e muito menos a tornar a dita pancada um
fator que contribua para a própria continuidade de sua açao.
Quanto à coisa viva, pode ser facilmente esmagada por uma
força superior, mas jamais deixa de tentar converter as
energias, que sobre ela atuam, em elementos favoráveis a sua
existência ulterior. Se não o consegue, não se fragmenta em
pedaços menores (pelo menos nas mais elevadas formas da
vida), mas perde sua identidade como coisa viva.
Durante toda a sua duração, ela esforça-se por tirar
proveito das energias que a cercam. Utiliza-se da luz, do ar,
da umidade e das matérias do solo. Dizer que as utiliza,
importa em reconhecer que as transforma em meios para sua
própria conservação. Enquanto se acha a crescer, a energia
que despende para tirar vantagens do ambiente é mais que
compensada pelo que obtém: ela cresce. Poderemos dizer
que um ser vivo é aquele que domina e regula em benefício
de sua atividade incessante as energias que de outro modo o
destruiriam. A vida é um processo que se renova a si mesmo
por intermédio da ação sobre o meio ambiente.
Em todas as formas elevadas de vida este processo não
pode continuar-se indefinidamente. Após algum tempo elas
sucumbem: morrem. A criatura não é apta para o trabalho
de uma indefinida auto-renovação. Mas a continuidade do
processo da vida não depende da promulgação da existência
de nenhum indivíduo. Prossegue, em incessante sequência,
2 Democracia e educação
a reprodução de outras formas vivas. E apesar de morrerem
não só os indivíduos, como também as espécies, consoante nos
mostra a geologia, a vida persevera em formas cada vez mais
complexas. Ao passo que se extinguem algumas espécies,
surgem outras mais aptas a se utilizarem dos obstáculos contra
os quais as extintas lutaram em vão. A continuidade da vida
significa uma contínua readaptação do ambiente às necessidades
dos organismos vivos.
Falamos sobre a vida em sua significação menos elevada
— como uma coisa física. Mas empregamos a mesma palavra
para indicar toda a extensão da experiência do indivíduo e
da espécie. Ao deparar-nos o livro Vida de Lincoln sabemos
não se tratar de uma obra sobre fisiologia e sim de uma
exposição dos antecedentes sociais de seu tempo, de uma
descrição do meio de seus primeiros anos de vida, da condição
e ocupações ct)e sua família; dos principais episódios do
desenvolvimento de seu caráter; de lutas e realizações notáveis;
e de suas esperanças, gostos, venturas e sofrimentos individuais.
De modo exatamente semelhante reíerjmo-nos à vida de uma
tribo selvagem, do povo ateniense, da nação americana. "Vida"
subentende costumes, instituições, crenças, vitórias e derrotas,
divertimentos e ocupações.
Empregamos a palavra "experiência" com a mesma
riqueza de sentido. E, a isto, assim como à vida em sua mera
significação fisiológica, se aplica o princípio da continuidade
por obra da renovação. Com o renovar da existência física,
também se renovam, no caso de seres humanos, as crenças,
ideais, esperanças, venturas, sofrimentos e hábitos. Assim se
explica, com efeito, a continuidade de toda a experiência, por
efeito da renovação do agrupamento social. A educação, em
seu sentido mais lato, é o instrumento dessa continuidade
social da vida. Todos os elementos constitutivos de um grupo
social, tanto em uma cidade moderna como em uma tribo
selvagem, nascem imaturos, inexperientes, sem saber falar,
sem crenças, ideias ou ideais sociais. Passam com o tempo os
indivíduos, passam, com eles, os depositários da experiência
da vida de seu grupo, mas a vida do grupo continua.
Os fatos primários e inelutáveis do nascimento e da morte
de cada um dos componentes de um grupo social determinam
a necessidade da educação. Por um lado, existe o contraste
entre a imaturidade dos recém-nascidos membros do grupo
— seus únicos futuros representantes — e a maturidade dos
A educação como necessidade da vida 3
membros adultos, que possuem os conhecimentos e seguem os
costumes do referido grupo. Existe, por outro lado, a
necessidade de que não somente sejam fisicamente conservados
em número conveniente esses membros imaturos, como também
de que se iniciem nos interesses, intuitos, conhecimentos,
habilidades e costumes dos componentes adultos; e se assim
não fosse, findaria a vida característica dá comunidade.
Mesmo em uma tribo selvagem estão os seus membros
imaturos muito longe de poder praticar os trabalhos dos adultos,
se forem abandonados a si mesmos. Com o progresso da
civilização aumenta a distância entre a capacidade originária
do imaturo e os ideais e costumes dos mais velhos. Para
reproduzir-se a vida do grupo já não bastam o simples
crescimento físico e a consecução dos meios de subsistência.
Requer-se esforço deliberado e árdua reflexão. Os seres que
nasceram não só inscientes dos objetivos de seu grupo, como
também completamente indiferentes a esse respeito, precisam
conhecê-los e interessar-se ativamente pelos mesmos. A edu-
cação, e só a educação, suprime essa distância.
A sociedade subsiste, tanto quanto a vida biológica, por
um processo de transmissão. A transmissão efetua-se por
meio da comunicação — dos mais velhos para os mais novos
— dos hábitos de proceder, pensar e sentir. Sem esta comu-
nicação de ideais, esperanças, expectativas, objetivos, opiniões,
entre os membros da sociedade que estão a sair da vida do
grupo, e os que na mesma estão a entrar, a vida social não
persistiria. Se os membros adultos de uma sociedade vivessem
indefinidamente, poderiam educar os novos membros mas seria
uma tarefa inspirada mais pelo interesse pessoal do que pelas
necessidades sociais. Como as coisas são, educar é uma ques-
tão de necessidade.
Se uma epidemia suprimisse de uma vez todos os mem-
bros de uma sociedade, é claro que esta desapareceria para
sempre. No entanto, sendo certa a morte de cada um de seus
membros, é como se uma epidemia os matasse a todos; mas
as diferenças de idade dos sobreviventes, o fato de alguns
nascerem enquanto morrem outros, torna possível a constante
reconstituição do organismo social por meio da transmissão
das ideias e dos costumes. Tal renovação não é, contudo,
automática. Se não nos esforçássemos para a efetuação
completa da transmissão mais necessária, a maioria dos in-
divíduos da comunhão civilizada soçobraria na barbárie e em
4 Democracia e educação
seguida no estado selvagem. De fato, os seres humanos novos
são tão incapazes que, abandonados a si mesmos, sem a direção
e o amparo dos mais velhos, nem mesmo adquiririam as habi-
lidades rudimentares necessárias à existência material. Com-
parados com os filhos de muitos animais inferiores, os seres
humanos têm tão minguadas aptidões, que a própria habi-
lidade requerida para a alimentação física precisa ser adquirida
por meio de ensino. Quanto mais no que diz respeito à aqui-
sição das capacidades técnica, artística, científica e moral da
humanidade!
2. Educação e comunicação. — É em verdade tão
óbvia a necessidade de ensinar a aprender para a continua-
ção da existência social, que há de parecer estarmos a repisar
desnecessariamente um lugar-comum. Justificamo-nos, po-
rém, com a circunstância de que, com essa insistência, nos
libertaremos de uma noção imprópria escolástica e formal da
educação. As escolas são, com efeito, um meio importante
de transmissão para formar a mentalidade dos imaturos;
mas não passam de um meio •— e, comparadas a outros
agentes, são um meio relativamente superficial. Somente
quando nos capacitamos da necessidade de modos de ensinar
mais fundamentais e eficazes é que podemos ficar certos de
dar ao ensino escolar seu verdadeiro lugar.
A sociedade não só continua a existir pela transmissão,
pela comunicação, como também se pode perfeitamente dizer
que ela é transmissão e ê comunicação. Há mais do que
um nexo verbal entre os termos comum, comunidade e co-
municação. Os homens vivem em comunidade em virtude
das coisas que têm em comum; e a comunicação é o meio por
que chegam a possuir coisas comuns. O que eles devem
ter em comum para formar uma comunidade ou sociedade
são os objetivos, as crenças, as aspirações, os conhecimentos
— um modo comum de compreender — mentalidade similar,
conforme dizem os sociólogos. Não se podem transmitir fi-
sicamente tais coisas de uma a outra pessoa, do modo como se
passam tijolos de mão em mão; não se podem dividir, como
se parte um bolo em pedaços materiais. Para a comunicação
assegurar a participação em uma compreensão comum, neces-
sitará assegurar análogas disposições emotivas e intelectuais
— isto é, modos análogos de reagir em face de uma atividade
em perspectiva e dos meios de realizá-la.
A educação como necessidade da vida 5
Não é por viverem em proximidade material que as pes-
soas constituem uma sociedade — e, semelhantemente, ho-
mem algum deixa de ser socialmente influenciado por estar
muitos palmos ou quilómetros distanciado dos outros. Um
livro ou uma carta podem estabelecer, entre seres humanos
afastados milhares de quilómetros um do outro, um elo mais
estreito do que o existente entre pessoas sob o mesmo teto.
Os indivíduos, também, não constituem, por outro lado, um
agrupamento social por trabalharem todos para um fim co-
mum. As partes de uma máquina funcionam em conjunto
para a obtenção de um resultado comum, mas não formam
por isso uma comunidade. Se, entretanto, todas essas par-
tes tivessem conhecimento do fim comum e se interessassem
na sua consecução, regulando, cada qual, com esse fito, sua
atividade especial, constituiriam então uma comunidade. Isto,
porém, envolveria comunicação. Cada qual precisaria saber
o que as outras tinham em vista; e precisaria também ter
meios de conservá-las informadas de seu próprio intento e do
andamento de seus trabalhos. Para tal consenso se requer
comunicação.
Somos assim forçados a reconhecer que, mesmo dentro
do grupo humano mais social, existem relações que não são
ainda sociais. Grande número de relações em todos os gru-
pos sociais ainda se encontram no plano das peças das má-
quinas. Os indivíduos utilizam-se uns dos outros para obter
resultados desejados, sem atender às disposições emocionais
e intelectuais e ao consentimento' daqueles de quem se ser-
vem. Este uso subentende a superioridade física, ou de po-
sição, habilidade, aptidão técnica e o domínio mecânico ou
financeiro da aparelhagem ou dos instrumentos de trabalho.
Enquanto estiverem neste pé as relações entre pais e filhos,
professores e alunos, patrões e empregados, governantes e
governados, não formarão eles verdadeiro grupo social, por
mais estreitamente que se toquem suas respectivas atividades.
Dar e receber ordens modifica a atividade e seus efeitos, mas
por si mesmo não constitui uma co-participação de escopos e
comunicação de interesses.
Não só a vida social se identifica com a comunicação de
interesses, como também toda a comunicação (e, por con-
seguinte, toda a genuína vida social) é educativa. Receber
a comunicação é adquirir experiência mais ampla e mais
variada. Participa-se assim do que outrem pensou ou sentiu
6 Democracia e educação
e, como resultado, se modificará um pouco ou muito a própria
atitude. E deste efeito não fica também imune aquele que
comunica. Tentai comunicar plena e cuidadosamente a outra
pessoa vossa experiência pessoal, principalmente em se tra-
tando de algo complicado, que notareis mudar-se vossa pró-
pria atitude para com a referida experiência: a não ser que
tenhais recorrido a mera verbiagem bombástica. É mister,
com efeito, que se formule a experiência para que seja comu-
nicada. Esta formulação requer colocarmo-nos fora da mesma,
vê-la como outra pessoa a veria, observarem-se os pontos de
contacto que ela tenha com a experiência pessoal da pessoa a
quem vai ser comunicada, a fim de ser apresentada em tal
forma, que a dita pessoa lhe apreenda a significação. A não
ser que se trate de lugares-comuns, precisamos conhecer, ima-
ginando-a, a experiência de outras pessoas, para compreensi-
velmente lhe falarmos sobre nossa própria experiência. Toda
a comunicação é semelhante à arte. Por consequência, pode-se
perfeitamente dizer que, para aqueles que dela participam,
toda a prática social que seja vitalmente social ou vitalmente
compartilhada é por sua natureza educativa. Só quando lan-
çada em um molde e tornada rotineira é que perde seu valor
educativo.
Em resumo •— não somente a vida social exige o ensino
e o aprendizado para sua própria continuação, como também
por si mesma é ela educativa. Amplia e ilumina a experiência ;
estimula e enriquece a imaginação ; gera o sentimento da res-
ponsabilidade. obrigando-nos a falar e a pensar com cuidado
e exatidão. Um homem que realmente vivesse só (mental ou
fisicamente) poucas ou nenhumas ocasiões teria oara refletir
sobre sua experiência passada ou para extrair-lhe a clara
significação. A desigualdade de eficiência dos adultos e dos
novos HPO só exige que se ensine a estes, como também a
necessidade deste ensino ê um poderoso estímulo para dar à
experiência ordem e forma que a torne mais facilmente
transmissível e, conseguintemente, mais utilizável.
3. O papel da educação formal. — Existe, por-
tanto. diferença bem acentuada entre a educação que se
granjeia a conviver com outras pessoas — enquanto verdadei-
ramente se convive, em vez de continuar-se apenas a viver
juntos — e a educação intencional dos mais novos. No •
primeiro caso a educação é casual; é natural e importante,
A ediicação como necessidade da vida 7
mas não é o motivo expresso da associação. Pode-se, en-
tretanto, dizer, sem exagero, que a medida do valor de qual-
quer instituição social, económica, doméstica, política, legal e
religiosa está em sua capacidade -de amplificar e ' aperfei-
çoar a experiência, embora essa capacidade não faça parte
de seu motivo originário, que era mais restrito' e mais ime-
diatamente prático. As associações religiosas começaram,
por exemplo, pelo desejo de garantir-se -o favor das potes-
tades superiores e de preservar-se dos maus influxos; a vida
familiar, pelo desejo de saciar apetites-e assegurar a per-
petuidade da família; o trabalho sistemático, em sua maior
parte, pela escravização a Doutras pessoas, etc. Só•lentamente
foi notado o subproduto da instituição, seu efeito sobre a
qualidade e a extensão da vida consciente e mais lentamente
ainda este efeito foi considerado como elemento orientador
do funcionamento da instituição. Mesmo hoje, em nossa vida
industrial, exceto quanto a algum merecimento na formação
de hábitos de diligência e de economia, pouca atenção é dada
em todo o mundo às reações intelectuais e emocionais provo-
cadas pelas fornias de associação por que se conduz o trabalho
moderno, comparadas com a atenção merecida pela produção
material.
Mas, lidando-se com os mais novos, o fato associativo
aumenta de importância como fato humano. Se é fácil igno-
rarmos, em nosso contacto com eles, o efeito de nossos atos
sobre seu espírito, ou subordinar esse efeito educativo a
algum resultado externo e tangível, já não o é tanto quanto
ao se tratar com os adultos. É evidente a necessidade de
educar; demasiado urgente a necessidade de efetuar uma mu-
dança em sua atitude e seus hábitos para que se possa deixar
de levar em conta as consequências. Desde que, em relação
a eles, nosso fim primacial é habilitá-los a participar da vida
em comum, não podemos deixar de examinar se estamos ou
não criando as aptidões que garantirão esse resultado. Se a
humanidade progrediu alguma coisa compreendendo que o ver-
dadeiro valor de toda a instituição é seu efeito caracteristica-
mente humano — seu efeito sobre a experiência consciente —
podemos acreditar que esta lição foi, em grande parte, apren-
dida ao contacto com os jovens.
Somos assim levados a distinguir, dentro do vasto pro-
cesso educacional que vimos considerando, uma espécie mais
formal de educação — a do ensino direto ou escolar. Nos
8 Democracia e educação
grupos sociais não evoluídos encontramos muito pouco ensino
e adestramento formais. Para incutir nos mais novos as dis-
posições necessárias, os povos selvagens contam principalmente
com os mesmos tipos de associação capazes de manter os
adultos fiéis à sua agremiação. Não usam artifícios especiais,
ou materiais, ou institutos de ensino, a não ser os que se
prendem às cerimónias de iniciação por meio das quais os
jovens se tornam plenamente membros da comunidade. Em
quase tudo eles contam com que os pequenos aprendam os
costumes dos adultos, adquirindo seu potencial de emoções
e seu lastro de idéras, participando daquilo que os mais velhos
fazem. Esta participação é, em parte, direta, associando-se às
ocupações dos adultos, o que lhes serve de aprendizado, e é,
em parte, indireta, por meio dos brinquedos — dramatizações
em que os meninos imitam os atos dos mais velhos, apren-
dendo assim a saber o que significam. Pareceria absurdo aos
selvagens reservarem algum lugar onde se cuidasse unicamente
de ensinar e aprender.
Mas, à medida que a civilização progride, aumenta a
diferença entre a capacidade dos mais novos e os interesses
dos adultos. Torna-se cada vez mais difícil aprender toman-
do parte direta na atividade dos mais velhos, salvo no caso
de ocupações muito elementares. Muito daquilo que os adultos
fazem torna-se-lhes tão remoto em significação, que os brin-
quedos-dramatízações se mostram cada vez mais inadequados
para reproduzir-lhes o sentido. A aptidão para participar
eficazmente .da atividade dos adultos dependerá, por isso, de
uma preparação anterior, na qual se tenha em vista esse fim.
Surgem então os fatores especiais — as escolas — e a matéria
determinada — os estudos. A tarefa de ensinar certas coisas
é cometida a um número especial de pessoas.
Sem essa educação formal é impossível a transmissão de
todos os recursos e conquistas de uma sociedade complexa.
Ela abre, além disso, caminho a uma espécie de experiência
que não seria acessível aos mais novos? se estes tivessem de
aprender associando-se livremente com outras pessoas, desde
que livros e símbolos do conhecimento têm que ser aprendidos.
Mas há grandes perigos nesta transição da educação in-
direta à formal. Tomar parte em atos reais, quer direta-
mente, quer simuladamente nos jogos, é coisa, pelo menos,
pessoal e interessante. Estas qualidades compensam, até certo
ponto, a escassez de oportunidades aproveitáveis. A educação
A educação como necessidade da vida 9
formal, ao contrário, se torna facilmente coisa distante e morta
—• abstrata e livresca, para empregarmos as palavras pejora-
tivas habituais. Os conhecimentos acumulados das socieda-
des inferiores são, pelo menos, postos em prática; tornaram-
se-lhes feições características; existem com a profundidade de
significação que se prende a seu emprego nas urgentes ne-
cessidades de cada dia.
Mas, em uma cultura adiantada, muito do que se tem,
de aprender se encontra armazenado em símbolos. Achamo-
nos longe, então, de sua aplicação a atos e objetos. Esse
material é relativamente técnico e superficial. Tomando como
craveira o tipo ordinário da realidade, é artificial também.
Pois a verdadeira craveira de valor é a conexão com os inte-
resses práticos. Existem em um mundo à parte, não assi-
milado aos modos ordinários de reflexão e realização. O
perigo permanente, portanto, é que o cabedal da instrução
formal se torne exclusivamente a matéria do ensino nas esco-
las, isolado das coisas de nossa experiência, na vida prática.
Podem, assim, perder-se de vista os interesses permanentes
da sociedade. A preeminência é dada, nas escolas, exatamente
a conhecimentos que não são aplicados à estrutura da vida
social e ficam em grande parte como matéria de informação
técnica expressa em símbolos. Por esta forma chegamos à
noção ordinária de educação: a noção que ignora sua neces-
sidade social e sua identificação com toda a associação humana
que influa na vida consciente e que a identifica, ao contrário,
com a aquisição de conhecimentos sobre matérias de interesse
remoto e com a transmissão do saber por meio de sinais ver-
bais: a aquisição de letras.
Por essa razão, um dos mais ponderosos problemas
com que a filosofia da educação tem de arcar é o modo de
conservar conveniente equilíbrio entre os métodos de educa-
ção não formais e os formais, e entre os casuais e os inten-
cionais. Quando a aquisição de conhecimentos e a aptidão
intelectual técnica não influem para criar uma atitude mental
social, a experiência vital ordinária deixa de ganhar maior
significação, ao passo que, na mesma proporção, o ensino
escolar cria homens meramente "eruditos", isto é, especialistas
egoístas. Evitar uma separação entre aquilo que os homens
sabem conscientemente por tê-lo aprendido por meio de uma
educação especial, e aquilo que inconscientemente sabem por
tê-lo absorvido na formação de seu caráter mediante suas ré-
Democracia e educação
lações com outros homens, torna-se tarefa cada vez mais melin-
drosa à proporção que se desenvolve, especializadamente, o
ensino.
Resumo. — É da própria essência da vida a luta para
se continuar a viver. Uma vez que esta continuação só pode
ser assegurada por meio de constante renovação, é a vida
um processo de autorenovação. A educação é para a vida
social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida
fisiológica. A educação consiste primariamente na .transmis-
são por meio da comunicação. A comunicação é o processo
da participação da .experiência para que se torne património
comum. Ela modifica a disposição mental das duas partes
associadas. Fato que mais facilmente se reconhece em se tra-
tando com os imaturos, é que a importância de todos os modos
de agremiação humana está na proporção com que ela con-
tribui para a melhoria da qualidade da experiência. É o
mesmo que dizer-se qxie, embora toda a organização social
produza efeito educativo, esse efeito começa a tornar-se parte
importante dos fins sociais, quando se tem em vista a associa-
ção dos elementos mais velhos com os mais novos. À pro-
porção que a sociedade se torna mais complexa em estrutura
e recursos, aumenta a necessidade do ensino e aprendizado
formais ou intencionais. E quando progridem o ensino e
aprendizado formais, surge o perigo de criar-se indesejável se-
paração entre a experiência adquirida em associações mais di-
retas e a adquirida nas escolas. Este perigo nunca foi maior
do que nos tempos atuais, em vista do rápido desenvolvimento,
nos últimos poucos séculos, dos conhecimentos e espécies de
aptidões técnicas.
CAPITULO 2
A educação como função social
1. Natureza e significação do meio. — Já vimos que
uma comunidade ou grupo social se mantém por uma con-
tínua auto-renovação e que esta renovação se eíetua por meio
do crescimento educativo dos componentes imaturos do grupo.
Mediante vários fatores não intencionais ou voluntários, uma
sociedade transforma seus elementos não iniciados e aparen-
temente estranhos em ativos depositários de seus recursos e
ideais. A educação é, portanto, uma incentivação, um ali-
mento, um cultivo. Todas essas palavras subentendem aten-
ção a condições de crescimento. Como sinónimas de educar,
costumamos empregar em inglês palavras que significam elevar,
exprimindo-se assim a diferença de nível a que a educação visa
suprimir. Etimologicamente, a palavra educação significa
exatamente processo de dirigir, de conduzir ou de elevar. Se
tivermos em mente o resultado desse processo, diremos que a
educação é uma atividade formadora ou modeladora •— isto é,
modela os seres na forma desejada de atividade social. Neste
capitulo trataremos em linhas gerais do modo pelo qual um
grupo social conduz os imaturos à sua própria forma social.
Uma vez que o que se requer para isso é a transformação
da qualidade da experiência, para que nesta entrem os interes-
ses, intuitos e ideias correntes no grupo social, o problema não
é,evidentemente, o da mera formação física. As coisas podem
ser materialmente transportadas no espaço; podem ser mate-
rialmente carregadas. Mas as crenças e as aspirações não
podem ser fisicamente extraídas e, depois, inseridas. De que
modo, então, se comunicam? Dada a impossibilidade do con-
tágio direto ou da inserção material, nosso problema está em
descobrir o método pelo qual os seres humanos mais jovens
assimilam os pontos de vista dos mais velhos, ou pelo qual os
mais velhos tornam os jovens mentalmente semelhantes a eles.
]2 Democracia e educação
Em termos gerais o método consiste em provocar, pela
ação do meio, que as impõe, determinadas reações ou res-
postas. As crenças necessárias não podem ser embutidas a
força e as atitudes requeridas não podem ser plasmadas mate-
rialmente. Mas o meio, o ambiente particular em que o in-
divíduo vive, leva-o a ver e a sentir mais uma coisa do que
outra; leva-o a seguir certos planos com o fito de ter bom
êxito em suas relações com os outros; reforça-lhe algumas
convicções e enfraquece-lhe outras, como condição para obter
a aprovação de outras pessoas. Deste modo, põe-se a adotar
gradati vãmente certo modo de proceder, certas disposições
mentais para a ação. As palavras "ambiente" e "meio" deno-
tam alguma coisa mais do que o lugar em que o indivíduo se
encontra. Indicam a particular continuidade entre o meio e
as próprias tendências ativas do indivíduo. Um ser inanimado
acha-se naturalmente em estado de continuidade com o seu
meio; mas as coisas que o cercam, a não ser metaforicamente,
não lhe constituem um ambiente, por isso que aos seres inor-
gânicos não importam as influências que os afetani. Ao con-
trário, certas coisas afastadas, no espaço e no tempo, de uma
criatura viva, especialmente de uma criatura humana, podem
constituir-lhe com mais verdade o meio, do que as que estão
contíguas. As coisas pelas quais um homem varia é que
constituem seu verdadeiro ambiente. A atividade de um astró-
nomo varia em relação com as estrelas que observa ou a cujo
respeito faz cálculos. De tudo aquilo que o cerca, pois, é o
seu telescópio o seu meio mais chegado. O ambiente de um
antiquário, em sua qualidade de antiquário, consiste nas remotas
épocas da vida humana que o interessam e nos vestígios, ins-
crições, etc., por meio dos quais ele estabelece conexões com
aquela época.
Em suma — o meio ambiente consiste naquelas condi-
ções que desenvolvem ou embaraçam, estimulam ou inibem, a
atividade característica de um ser vivo. A água é o ambiente
do peíxe, por ser necessária à sua atividade — à sua vida.
O pólo norte é um elemento importante do meio de um explo-
rador ártico, quer consiga ou não consiga atingi-lo, porque
determina seus atos, torna-os aquilo que distintamente são.
Exalamente porque vida não significa mera existência passiva
(a supor-se possível tal coisa) e sim um modo de proceder e
agir, — o ambiente ou o meio significa aquilo que influi nessa
atividade como condição para que se realize ou se iniba.
A educação como função social 13
2. O ambiente social. — Um ser cuja atividade se
acha associada à de outros tem um ambiente social. O que
ele faz e pode fazer depende dos desejos, exigências, apro-
vação e reprovação dos outros. Um ser ligado a outros seres
não pode desenvolver a própria atividade sem tomar em linha
de conta a atividade dos outros. Esta constitui a condição
indispensável para a realização de suas tendências. Quando
se move, ele movimenta essa atividade alheia e vice-versa.
Conceber a possibilidade da atividade de um indivíduo como
consistindo em atos isolados seria o mesmo que tentar fazer
ideia de um comerciante a comprar e a vender, isolado dos
demais homens. É tão social o procedimento do industrial
quando se encontra só, em seu escritório, a traçar planos de
ação, como quando compra matérias-primas ou vende seus
artigos fabricados. Pensar e sentir desde que tenham qualquer
coisa a ver com ação associada à ação de outros é modo de
proceder tão social quanto á cooperação mais manifesta ou o
ato mais hostil.
• O que precisamos mais detidamente patentear é o modo
pelo qual o meio social desenvolve seus membros imaturos.
Não há grande dificuldade em ver-se como ele modela os
hábitos exteriores de ação. Até os cães e os cavalos têm
seus atos modificados pelo contacto com os seres humanos;
eles adquirem hábitos diferentes porque aos seres humanos in-
teressa a referida mudança. Os seres humanos regulam os
atos dos animais, regulando os estímulos naturais que os
influenciam; por outras palavras — criando-lhes determinado
meio. Usam-se o alimento, o freio e as rédeas, os sons e os
veículos, para regular o modo por que se manifestam as rea-
ções naturais ou instintivas dos cavalgs. Agindo-se com fir-
meza para se provocarem certos atos, geram-se hábitos que se
manifestam com uniformidade igual ã dos estímulos que os
originam. Se pusermos um rato em um labirinto, de sorte a
só encontrar alimento se der certo número de voltas em deter-
minado sentido, seus atos se modificam gradualmente até que,
pelo hábito, em se achando com fome, procede daquela forma,
de preferência a qualquer outra.
A atividade humana modifica-se de análoga maneira. Uma
criança que se queimou teme o fogo; se um pai preparasse as
coisas de modo que a criança se queimasse cada vez que to-
casse em determinado brinquedo, essa criança aprenderia a
evitar esse brinquedo tão automaticamente como evitaria o
14 Democracia e educação
fogo. Estamos, todavia, a tratar do que se pode chamar
adestramento, treino, para se distinguir do ensino educativo.
As mudanças consideradas o são mais de atos exteriores do
que de disposição mental ou emocional. A distinção não é,
contudo, muito grande. No espírito da criança pode gerar-se
violenta aversão não só por aquele brinquedo, senão também
pelas espécies de brinquedos que se lhe assemelhem. A aver-
são poderá persistir mesmo depois de esquecidas as primitivas
queimaduras; ulteriormente poderá chegar mesmo a inventar
alguma razão para explicar essa aversão aparentemente des-
razoável. Em alguns casos, pois, a modificação dos hábitos
exteriores do proceder, por meio de mudança do ambiente,
que altere^ os estímulos da ação, também modifica a atitude
mental correspondente a essa ação. Isto, entretanto, não
acontece sempre; uma pessoa exercitada a desviar-se de um
golpe, desvia-se automaticamente sem qualquer correspondente
pensamento ou emoção. Precisamos, por isso, descobrir algu-
ma diterença essencial entre o adestramento e a educação.
Podemos encontrar um fio condutor na circunstância de
que o cavalo não participa verdadeiramente da utilidade social
a que a sua atividade é destinada. Algumas pessoas podem
habituar o cavalo a praticar atos que são vantajosos a elas,
tornando vantajosa, também para o cavalo, a prática dos refe-
ridos atos fazendo-o ganhar o alimento, etc. Mas para o
cavalo, presumivelmente, não há outro interesse além deste.
Aquilo que o interessa é apenas o alimento e não o serviço que
está prestando. Não é%um companheiro em. uma atividade
associada. Se o fosse, ele.se empenharia na ação comum com
os mesmos interesses dos homens. Compartiria, também, das
suas ideias e emoções.
Ora, em muitos casos — muitíssimos — a atividade do
ser humano imaturo é simplesmente provocada para a aqui-
sição de hábitos úteis. É mais adestrado como um animal
do que educado como um ser humano. Seus instintos fi-
cam presos aos objetos que lhe originaram a dor ou o prazer.
Mas, para ser feliz ou evitar o desgosto do malogro, ele deve
proceder de modo agradável aos outros. Em outros casos,
porém, participa realmente da atividade comum. Modifica-se
então seu impulso originário. Não somente procede de um
modo que se harmoniza com a ação dos companheiros, como
também, procedendo assim, se despertam nele as mesmas ideias
e emoções que animam aqueles. Suponhamos que seja guer-
reira uma tribo. Os fins a que ela visa com seus esforços, as
A educação como junção social 15
realizações a que dá maior importância, são os que se relacionam
com a luta e com a vitória. A existência neste meio incentiva
as manifestações belicosas do menino, a princípio nos jogos e,
mais tarde, sendo bastante forte, em façanhas verdadeiras.
Quando luta, recebe aplausos e sobe no conceito geral; caso se
abstenha, é detestado, ridicularizado, cai no desfavor de todos.
Não admira, portanto, que suas originárias tendências e emo-
ções belicosas se fortifiquem à custa das outras e que suas
ideias se voltem para coisas relacionadas com a guerra. Só
assim ele é perfeitamente reconhecido como um membro de
seu grupo. Desta maneira seus hábitos mentais se tornaram
gradativãmente semelhantes aos de seu grupo.
Se formularmos o princípio envolvido neste exemplo,
notaremos que o meio social não implanta diretamente certos
desejos e ideias, nem se limita a .estabelecer meros hábitos
musculares de ação, como o ato "instintivo" de desviar-se de
um golpe. O primeiro passo consiste em estabelecer con-
dições que estimulem certos modos patentes e tangíveis de
proceder; e o passo complementar é tornar de tal modo o
indivíduo participante ou companheiro na atividade comum
que ele sinta, como seus próprios, os triunfos e os maus êxitos
da mesma. Desde que esteja possuído da atitude emociona-l do
grupo, terá sempre o cuidado de procurar conhecer os fins
especiais a que o referido grupo aspira e os meios necessários
para garantir o triunfo. Por outras palavras — suas crenças
e ideais assumirão natureza análoga à dos demais de sua agre-
miação. E ele assimilará o cabedal de conhecimentos desta,
uma vez que conhecê-los contribui para o exercício da sua
atividade habitual.
A importância da linguagem para a aquisição de co-
nhecimentos é, sem dúvida alguma, a causa principal da no-
ção comum de que b conhecimento se pode transmitir di-
retamente de uma a outra pessoa. Figura-se-nos quase que,
introduzir uma ideia no espírito de alguém, seja como fazer
um som ferir os seus ouvidos. Desta maneira, a comunicação
do pensamento se assemelharia a um processo puramente fí-
sico. Mas se analisarmos o modo de aprender a linguagem,
veremos que ele confirma o princípio já estabelecido. Pro-
vavelmente se admitiria, com pouca hesitação, que uma criança
aprende, por exemplo, a ideia de chapéu, usando-o da forma
por que as outras pessoas o fazem: cobrindo com ele a cabeça,
dando-o a outras pessoas para o porem, vendo que, quando vai
16 Democracia c educação
sair, outros o põem na sua própria cabeça, etc. Todavia,
poder-se-á perguntar de que maneira esse princípio da ati-
vidade partilhada se pode aplicar à apreensão, por exemplo,
por meio da palavra falada ou escrita, da ideia de um capacete
grego, caso em que não se verifica nenhum uso direto. Que
atividade compartida existirá no aprender-se em livros a his-
tória da descoberta da América?
Uma vez que a linguagem tende a tornar-se o princi-
pal meio de aprenderem-se muitas coisas, vejamos o modo
por que ela atinge este resultado. A criança, naturalmente,
começa ouvindo simples sons, ruídos e modulações sem qual-
quer significação, isto é, sem exprimir para ela ideia alguma.
Os sons são precisamente uma espécie de estímulo para pro-
duzir-se reação imediata; alguns têm efeito tranquilizador,
outros tendem a fazer ficar alerta, e assim por diante. Os
sons da .palavra chapéu ficariam completamente sem sentido,
pareceriam ruídos inarticulados, se não fossem proferidos
quando associados a um ato de que se participa com alguma
outra pessoa. Quando a mãe vai levar a criança a passeio,
fala "chapéu" enquanto põe alguma coisa na cabeça do pe-
queno. Ser levado a passeio torna-se um interesse para este;
não só a mãe e o filho saem materialmente a passeio, como
se interessam ambos por esta saída, deleitam-se juntamente com
ela. Por essa associação com outros fatores em açãot os sons
de "chapéu" tomam logo para a criança a mesma significação
que têm para os pais; tornam-se um símbolo da atividade em que
ela toma parte. O simples fato de,que a linguagem consiste
em sons mutuamente inteligíveis basta para mostrar que sua
significação exige que haja uma experiência compartilhada.
Em suma — os sons do vocábulo '"chapéu" adquirem
sentido do mesmo modo que o adquire o objeto "chapéu",
por serem usados em determinadas situações. E tomam a
mesma significação para a criança e para o adulto por, serem
usados por ambos em um ato comum. A garantia para
a igualdade de uso está na circunstância de que a coisa
e os sons foram primeiro empregados em uma atividade con-
junta, como um meio de estabelecer conexão operante entre a
criança e o adulto. As ideias ou significações se tornam
semelhantes por se acharem os dois associados em uma ação
na qual o que um faz depende do que o outro faz e influi
na ação deste. Se dois selvagens estivessem a caçar juntos e
certo aviso significasse para o que o fizesse: ''Fique do lado
A educação como função social 17
direito" e para o que o ouvisse: "Fique do lado esquerdo",
é claro que não lhes seria possível a caçada em comum.
Compreenderem-se duas pessoas significa que as coisas, inclu-
sive os sons, têm para ambas o mesmo valor, ao se dedicarem
a uma empresa comum.
Depois que os sons adquiriram significação pela sua
conexão com outras coisas empregadas em uma atividade co-
mum, podem ser utilizados em combinação com outros sons
similares para produzirem novas significações, exatamente
como se associam as coisas que eles representam. Desta for-
nia, por exemplo, as palavras que fizeram a criança saber o
que é um capacete grego adquiriram originariamente uma
significação (ou foram compreendidas) pelo uso em um ato
de interesse e finalidade comuns. Elas agora assumem novo
sentido incitando, àqueles que as ouvem ou lêem, a evocar
mentalmente a espécie de atividade em que se usa o capacete.
Quem compreende as palavras "capacete grego" torna-se, nesse
momento, em imaginação, partícipe da ação daqueles que usa-
ram o capacete. Mentalmente se associa a uma ação comum.
Não é fácil, por isso mesmo, apreender a plena signi-
ficação das palavras. A maioria das pessoas provavelmente
se satisfaz com a ideia de que "capacete" indica uma espé-
cie esquisita de ornato que os gregos usavam na cabeça. Po-
de-se, pois, concluir pelo exposto que o uso da linguagem
para transmitir e adquirir ideias é uma extensão e aperfeiçoa-
mento do princípio de que as coisas adquirem significação
quando usadas em uma experiência partilhada ou em uma
ação conjunta; de modo algum a aplicação da linguagem con-
travém àquele princípio. Quando as palavras não ^nti^m
como fatores em uma ação compartilhada •— quer real, quer
imaginariamente •— elas obram como puros estímulos físicos,
não tendo significação ou valor intelectuais. Fazem a atividade
correr em um dado leito, mas desacompanhada de intenção ou
significação consciente. Por exemplo, o sinal aritmético
"mais" pode ser um estímulo para o ato de escrever um número
debaixo de outro e de somá-los, mas a pessoa que pratica
este ato procederá como um autómato se não perceber o sen-
tido daquilo que se acha a fazer.
3. O meio social como fator educativo, — O que
resulta, em suma, de tudo isto, é que o meio social cria as
atitudes mental e emocional do procedimento dos indivíduos,
18 Democracia e educação
fazendo-os entregar-se a atividades que despertam e vigo-
rizam determinados impulsos, que têm determinados óbje-
tivos e acarretam determinadas consequências. Uma criança
vivendo no seio de uma família de músicos terá inevitavel-
mente estimuladas, por menores que elas sejam, as suas
aptidões musicais, e as terá mais estimuladas, relativamente,
do que outros impulsos que poderiam despertar em diverso
ambiente. Com efeito, se não tomar interesse pela música e
não adquirir nessa arte alguma competência, será como um
elemento estranho, inábil para participar da vida do grupo a
que pertence. É, realmente, inevitável alguma participação na
vida daqueles com quem o indivíduo se acha em contacto; por
essa participação o ambiente social exerce um influxo educativo
ou formativo, independentemente de qualquer propósito in-
tencional.
Nas sociedades selvagens e bárbaras essa participação
direta (que constitui a educação indireta ou casual a que
nos referimos) é, quase que só ela, a influência que inicia
os pequenos nos costumes e nas crenças de seu grupo. E
mesmo nas sociedades atuais é ela que fornece o alimento
fundamental ainda aos jovens que mais longamente rece-
bem educação escolar. De acordo com os interesses e as
ocupações do grupo, algumas coisas tornam-se objeto de grande
estima; outras, de aversão. A associação não cria os impulsos
de predileção e desagrado mas proporciona os objetos a que
eles se aplicam. O modo por que nosso grupo ou classe faz
as coisas tende a determinar quais os objetos que necessitam
de atenção e a traçar assim as direções e limites da observação
e da memória. Aquilo que é estranho ou exótico (isto é,
alheio à atividade do grupo) propende a ser moralmente proi-
bido e intelectualmente suspeito. Parece-nos, por exemplo, qua-
se incrível que as coisas que hoje conhecemos perfeitamente te-
nham sido ignoradas nos séculos passados. Inclinamo-nos a
explicar isto atribuindo estupidez inata a nossos precursores e
presumindo, quanto a nós, termos inteligência inata superior.
Mas a explicação real é que seu modo de vida não lhes
reclamava a atenção para tais fatos, conservando-lhes os espí-
ritos acorrentados a outras coisas. Exatamente como os sen-
tidos requerem objetos sensíveis para estimulá-los, nossas fa-
culdades de observar, recordar e imaginar não funcionam
espontaneamente, mas são movidas pelas exigências impostas
pelas ocupações sociais habituais, A urdidura essencial de
A educação como função social 19
nossa disposição de espírito é formada, independentemente
dos cursos escolares, pelas referidas influências. O que o
ensino consciente e deliberado pode fazer é, no máximo, li-
bertar as aptidões assim formadas para um mais amplo desen-
volvimento, purgá-las de algumas de suas rudezas e fornecer
objetos que tornem sua atividade mais rica de significação.
Uma vez que este "inconsciente influxo do ambiente" .é
tão sutil e penetrante que impregna todas as fibras do cará-
ter e do espírito, pode valer a pena especificar algumas direções
em que mais se lhe acentua o efeito. Primeiramente, os há-
bitos da linguagem. Os modos essenciais de falar, a abun-
dância do vocabulário, formam-se nas relações ordinárias da
vida e se desenvolvem — não como um meio de instrução
mas como uma necessidade social. O infante aprende, como
bem o dizemos, a língua m&terna. Os hábitos de linguagem
assim contraídos podem ser corrigidos, ou mesmo suprimidos
pelo ensino consciente; mesmo assim, em momentos de exalta-
ção desaparecem muita vez os modos de falar intencionalmente
aprendidos e as pessoas retomam sua verdadeira linguagem
primitiva. Em segundo lugar, as maneiras. Os exemplos va-
lem evidentemente mais que as regras. Adquirimos boas ma-
neiras, segundo dizemos, com a boa criação, ou antes, são elas
a boa criação; e esta é adquirida pelos atos habituais, como
reaçoes a estímulos habituais, e não como conhecimentos trans-
mitidos. Apesar do processo indefinido da correção e instru-
ção conscientes, o meio e a mentalidade ambientes são, afinal
de contas, o principal agente para a aquisição de boas ma-
neiras. E as maneiras não passam de uma moral de menor
importância. E mesmo na verdadeira moral, a instrução
consciente só- terá possibilidade de eficácia na medida em
que se harmonizar com o procedimento daqueles que consti-
tuem o ambiente social da criança. Em terceiro lugar, o
bom gosto e a apreciação estética. Se o olhar for constan-
temente alegrado por objetos harmoniosos, graciosos de forma
e cor, desenvolve-se naturalmente o sentimento do bom gosto.
O efeito de um meio tosco, de quinquilharias, desordenado e
superenfeitado, produz a depravação do gosto, bem como o
viver-se em meios pobres e estéreis aniquila o amor ao belo.
Nessas circunstâncias desfavoráveis o ensino consciente mal
pode fazer qualquer coisa além de ministrar conhecimentos
por assim dizer de segunda mão, que constituem o modo de
pensar de outras pessoas. O bom gosto não se gera esponta-
20 Democracia e educação
neo como um predicado pessoal, mas é uma lembrança elaborada
das coisas que ensinamos alguém a ter em mais apreço. Dizer
que as mais fundamentais craveiras da apreciação dos valores
são forjadas pelas situações em que uma pessoa habitualmente
se encontra, será menos um quarto ponto a mencionar do que
a fusão dos três anteriormente referidos. Raras vezes reco-
nhecemos em que extensão as ideias conscientes que temos do
valor de algumas coisas e do desvalor de outras são devidas a
padrões mentais de cuja existência absolutamente não temos
consciência. Mas pode-se generalizar dizendo-se que as coisas
que aceitamos como certas sem exame ou reflexão são preci-
samente as que determinam nosso pensamento consciente e
nossas conclusões. E estes hábitos que assim jazem abaixo
do plano da reflexão são justamente os que se formaram no
incessante dar e receber de nossas relações com outras pessoas.
4. A escola como ambiente especial. — A principal
importância da exposição precedente sobre o processo edu-
cativo que prossegue involuntariamente, é levar-nos a notar
que o único processo de influírem os adultos sobre a espé-
cie de educação que o imaturo recebe é o de influírem sobre
o meio em que eles agem e, portanto, pensam e sentem. Jamais
educamos diretamente e, sim, indiretamente, por intermédio
do ambiente. Grande diferença existirá em permitirmos a
ação casual do meio e em escolhermos intencionalmente o meio
para o mesmo fim. E será casual a influência educativa de
qualquer meio, a menos que de caso pensado não o regulemos
para a obtenção de um efeito educativo. A diferença entre
um lar inteligente e outro ininteligente está principalmente em
que os hábitos de vida e a convivência daquele são escolhidos,
ou, pelo menos, impregnados da ideia de seu influxo sobre o
desenvolvimento das crianças. As escolas, todavia, continuam
sendo o exemplo típico do meio especialmente preparado para
influir na direção mental e moral dos que as frequentam.
De modo geral, elas começam a existir quando as tra-
dições sociais são tão complexas que parte considerável do
acervo social é confiada à escrita e transmitida por meio de
símbolos escritos. Ora, os símbolos escritos são ainda mais
artificiais ou convencionais do que os falados; não podem
ser aprendidos nas relações casuais com outras pessoas. De-
mais disto, a linguagem escrita tende a selecionar e registrar
matérias que são relativamente estranhas à nossa existência
A educação como- função social 21
ordinária. Conservam-se assim as -realizações' conseguidas
pelas gerações anteriores, mesmo que algumas delas estejam
desde algum tempo em desuso. Por conseguinte, uma vez que
urna comunidade depende em considerável extensão de coisas
jacentes além de seu próprio território e de sua geração atual,
precisa contar com a ação definida das escolas para assegurar
uma conveniente transmissão de todos os seus recursos. Num
claro exemplo: A vida dos antigos gregos e romanos influen-
cia profundamente a nossa e, apesar disso, o modo por que
nos influencia não se patenteia na superfície de nossos atos
habituais. Analogamente, povos ainda existentes, mas afas-
tados no espaço, os ingleses, os alemães, os italianos, interes-
sam diretamente nossa atividade social, mas a natureza do
mútuo influxo não pode ser compreendida sem exposição e
atenção particulares. Semelhantemente, não podemos confiar
em nosso trato diário para patentear aos mais novos o papel
desempenhado em nossas espécies de atividade pelas remotas
energias físicas e pelas subestruturas invisíveis. Daí o fato
de instituir-se um modo particular de intercâmbio social — a
escola — para tratar dessas matérias.
Comparada com as associações ordinárias da vida, no-
tam-se nesta espécie de associação três funções suficiente-
mente especiais. Primeira —• uma civilização complexa não
pode ser assimilada in totó. Cumpre, por assim dizer,
fragmentá-la em vários pedaços e fazê-la assimilar aos poucos,
de modo gradativo. Tão numerosas e entrelaçadas são as fun-
ções de nossa presente vida social, que uma criança, colo-
cada na posição mais favorável, não poderia prontamente
participar de muitas das mais importantes dentre elas. Não
co-participando das mesmas, não lhes apreenderia a significação
e elas não se tornariam parte de sua estrutura mental. Não
se veriam as árvores por causa da floresta. Os negócios, a
política, a arte, a ciência, a religião lhe reclamariam, a um
tempo, a atenção em alarida tal, que, como resultado, só se
teria a confusão. A primeira função do órgão social que
denominamos escola é proporcionar um ambiente simplificado,
Selecionando os aspectos mais fundamentais, e que sejam capa-
zes de despertar reações da parte dos jovens, estabelece a es-
cola, em seguida, uma progressão, utiíizando-se dos elementos
adquiridos em primeiro lugar como meio de conduzi-los ao sen-
tido e compreensão real das coisas mais complexas.
22 e educação A educação como função social 23
Em segundo lugar, é tarefa do meio escolar eliminar o
mais possível os aspectos desvantajosos do ambiente comum,
que exercem influência sobre os hábitos mentais. Cria um
ambiente purificado para a ação, A seleção, aqui, não só
aspira a simplificá-lo, como também a depurá-lo dos fatores
indesejáveis. Toda a sociedade vive atravancada, comumente,
com a galharia seca do passado e com outras coisas verdadei-
ramente perniciosas. É dever da escola omitjr tais coisas no
ambiente que proporciona, e deste modo fazer com que se
neutralize sua influência no âmbito social comum. Escolhendo
o melhor para usá-lo, exclusivamente, ela se empenha em re-
forçar o poder deste melhor. À proporção que uma sociedade
se torna mais esclarecida, ela compreende que importa não
transmitir e conservar todas as suas realizações, e sim unica-
mente as que importam para uma sociedade futura mais per-
feita. A escola é seu principal fátor para a consecução
deste fim.
Em terceiro lugar, compete ao meio escolar contraba-
lançar os vários elementos do ambiente social e ter em vista
dar a cada indivíduo oportunidade para fugir às limitações
do grupo social em que nasceu, entrando em contacto vital
com um ambiente mais amplo. Palavras como "sociedade"
e "comunidade" são próprias a falsear-nos os juízos, pois
tendem a fazer-nos pensar que existe uma coisa única, cor-
respondente a uma palavra única. O ° fato é que a socieda-
de moderna se compõe de muitas sociedades mais ou menos
frouxamente entrosadas entre si. Cada lar com seus amigos
mais íntimos constitui uma sociedade; a aldeia ou o grupo de
meninos que joga, em comum, numa rua é uma comunidade;
cada grupo do mundo dos negócios e cada clube são outras.
Além destes grupos de natureza mais privada, há em um país
como o nosso várias raças, seitas religiosas e «divisões econó-
micas. No interior de uma cidade moderna, malgrado sua
nominal unidade política, existem provavelmente mais comu-
nidades e diversidades de costumes, tradições, aspirações e es-
pécies de governo ou de influência do que existiram em todo
um continente em uma era remota.
Cada um desses grupos exerce influxo formador nas
disposições ativas de seus componentes. Um corrilho, um
clube, uma quadrilha de ladrões, os presos de um cárcere,
fornecem meios educativos para aqueles que participam de
sua atividade coletiva ou conjunta, com força igual à de uma
igreja, de uma cooperativa de trabalhadores, de uma socie-
dade industrial ou comercial, ou de um partido político.
Cada um deles é tão verdadeiramente uma espécie de vida
associada ou em comum como uma família, uma cidade ou
um país. Existem também comunhões cujos membros têm
pouco ou nenhum contacto uns com'os outros, como o mundo
dos' artistas, a república das letras, os membros de uma
douta classe profissional espalhados pelo mundo inteiro. Mas
eles têm objetivos comuns, e a atividade de cada um dos
membros é diretamente modificada pelo conhecimento daquilo
que os outros fazem.
Nos antigos tempos a diversidade de grupos era ques-
tão principalmente geográfica. Existiam muitas sociedades
mas, cada qual, em seu próprio território, era relativamente
homogénea. Mas com o incremento do comércio, dos meios
de transporte, da intercomunicação e da emigração, países
como os Estados Unidos são compostos de uma combinação
de diferentes grupos com diferentes costumes tradicionais.
Foi esta situação, talvez, mais do que qualquer outra causa,
que acarretou a exigência de institutos educativos que forne-
cessem uma coisa semelhante a um ambiente homogéneo e bem
equilibrado para as pessoas mais jovens. Só por este meio
poderiam ser contrabalançadas as forças centrífugas geradas
pela justaposição de diferentes grupos dentro de uma mesma
. unidade política. A convivência, na escola, de jovens de
diversas raças e religiões, e de costumes dessemelhantes, pro-
porciona a todos um meio novo e mais vasto. Os estudos
comuns acostumam a todos, por igual, a um descortino de
horizontes mais amplos do que os visíveis aos membros de
qualquer grupo, quando este se encontra isolado. A força
assimiladora das escolas públicas americanas é eloquente
testemunho da eficácia de um interesse comum e bem dosado.
Á escola tem igualmente a função de coordenar, na vida
mental de cada indivíduo, as diversas influências dos vários
meios sociais em que ele vive. Um código prevalece na fa-
mília; outro, nas ruas; um terceiro, nas oficinas ou nas lojas;
um quarto, nos meios religiosos. Quando uma pessoa passa
de um desses ambientes para outro, fica sujeita a impulsos
contraditórios e acha-se em risco de desdobrar-se em perso-
nalidades com diversos padrões de julgar e sentir, conforme as
várias ocasiões. Este risco impõe à escola uma função for-
talecedora e integradora.
24 Democracia e educação
Resumo. — Não se pode efetuar pela transmissão
díreta de convicções, emoções e conhecimentos, o desenvol-
vimento, nos seres mais novos, das atitudes e estados men-
tais necessários à contínua e progressiva vida de uma socie-
dade. Ela efetua-se por intermédio do meio. O meio con-
siste na soma total das condições necessárias para a reali-
zação das atívidades características de um ser vivo. O meio
social consiste em todas as atividades de seres semelhantes
intimamente associados para a realização de seus fins co-
muns. Ele é. verdadeiramente educativo em seus efeitos, na
medida em que o indivíduo participa de alguma atividade
conjunta. Contribuindo com sua parte na atividade associada,
o indivíduo adota os fins que a estimulam, familiariza-se com
seus métodos e materiais, adquire a necessária habilidade e
impregna-se de seu modo de sentir.
A formação espiritual mais profunda e mais sólida se
origina, sem intuito consciente, da co-participação, por parte
dos elementos sociais mais novos, da atividadfe dos vários
grupos a que possa pertencer. Todavia, ao tornar-se a so-
ciedade mais complexa, cumpre proporcionar um ambiente
social especial ^ que se dedique especialmente a desenvolver as.
aptidões dos imaturos. Três das mais importantes funções
deste meio especial são as seguintes: simplificar e coordenar
os fatores da mentalidade que se pretenda desenvolver; puri-
ficar e idealizar os costumes sociais existentes; criar um meio
mais vasto e melhor equilibrado do que aquele pelo qual os
imaturos, abandonados a si mesmos, seriam provavelmente
influenciados.
CAPÍTULO 3
A educação como direção
1. O meio como fator de direção. — Passaremos
agora a tratar de uma das formas especiais assumidas pela
função da educação: isto é, de servir de direção, controle ou
guia. A última destas ,três palavras — direção, controle
e guia — é a que melhor exprime a ideia de auxiliar, por
meio da cooperação, as aptidões naturais dos indivíduos guia-
dos; controle lembra, antes, a noção de uma energia a atuar
exteriormente e a encontrar alguma resistência por parte do
objeto dominado; direção é um termo de significação mais
neutra e sugere o fato de que as tendências cativas dos diri-
gidos são orientadas uniformemente para certo sentido, em
vez de se dispersarem sem objetivo. Direção exprime a fun-
ção fundamental que, em um dos extremos, tende a tornar-se
em um auxilio condutor e, no outro, em regulação ou regra.
Mas em todos os casos deveremos cuidadosamente evitar uma
significação às vezes implícita no vocábulo controle ou governo.
Já se presumiu, muitas vezes, explícita ou inconscientemente,
que as tendências do indivíduo são, por seu natural, pura-
mente individualistas ou egoístas, e, portanto, anti-sociais.
Regulação ou controle denota então o processo pelo qual ele
é levado a subordinar seus impulsos naturais aos fins públicos
ou comuns. Desde que por esta concepção sua natureza é
completamente alheia a este processo e mais se lhe opõe do
que o auxilia, a função educativa tem neste ponto de vista um
cunho de coação ou compulsão sobre o indivíduo. De acordo
com esta noção que seriamente influiu nas ideias e na prática
educacionais têm sido arquitetados sistemas de governo e teo-
rias políticas. Mas tal opinião não tem fundamento algum.
Não há dúvida de que, às vezes, aos indivíduos é vantajoso
cuidar de seus próprios interesses e que estes podem achar-se
em conflito com os interesses dos demais. Mas para eles
há igualmente vantagem, em conjunto maior do que qualquer
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  • 1. a democracia e educação editora nacional JPBC_MON 01291/82 P ii.uuLiiaaaes pedagrógricas -volume21
  • 2. •fj jp* x7 ^ JF l ^ íí/ ^>/ ^V«-*< » CIP-Brasil. Catologação-na-Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP Dewey, John, 1859-1952. D513d . Democracia e educação : introdução à filosofia da educação / 4.ed. John Dewey ; tradução de Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. — 4. ed. — São Paulo : Ed. Nacional, 1979. (Atualidades Pedagógicas ; v. 21) í. Educação 2. Educação — Filosofia I. Título. II. Série. CDD-370 78-1392 -370.1 índices para catálogo sistemático: 1. Educação 370 2. Educação : Filosofia 370.1 3. Filosofia da educação 370.1
  • 3. ATUALIDADES PEDAGÓGICAS Volume 21 Direçáo de J. B. DAMASCO PENNA A relação completa dos livros publicados em ATUALIDADES PEDAGÓGICAS está nofim deste volume. /l JOHN DEWEY DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO O Tradução de GODOFREDO RANGEL e ANÍSIO TEIXEIRA Estudo preliminar de LEONARDO VAN ACKER 4.a edição
  • 4. Título do original em língua inglesa: Democracy and education publicado por The Macmillan Company, New York. De JOHN DEWEY, nestas "Atualidades Pedagógicas": Vol. 2 — Como pensamos, tradução e notas de Hay- dée Camargo Campos Vol. 21 — Democracia e educação, tradução de Go- dofredo Rangel e Anísio Teixeira Vol. 76 — Vida e educação, tradução e estudo pre- liminar de Anísio Teixeira e na "Biblioteca Universitária": Série 1.*, vol. l — A filosofia em reconstrução, nova tradução de António Pinto de Carvalho, revista por Anísio Teixeira Proibida a reprodução, embora parcial, e por qualquerprocesso, sem autorização expressa dos Editores. Direitos para a língua portuguesa adquiridos pela COMPANHIA EDITORA NACIONAL Rua dos Gusmões, 639 01212, São Paulo, SP a propriedade desta tradução. 1979 Impresso no Brasil 01291/82 í N Apresentação da 4." edição XI "Dewey e dois de seus livros" (Estudo preliminar, de Leonardo Van Acker)- XIII Apresentação da í." edição XXIII Prefácio da 7.° edição XXVII Cap. l — A educação como necessidade da vida 1. A renovação da vida pela transmissão I 2. Educação e comunicação 4 3. O papel da educação formal 6 Resumo 10 Cap. 2 -r- A educação como função social 1. Natureza e significação do meio II 2. O ambiente social 13 3. O meio social como fator educativo 17 4. A escola como ambiente especial 20 Resumo 24 Cap. 3 — A educação como direçào 1. O meio como o fator de dircção 25 2. Modalidades de dircção social 28 3. A imitação e a psicologia SOCÍA! 36 4. Aígumas aplicações à educação 39 Rcsiuna 42 Cap. 4 — A educação como crescimento 1. Condições do crescimento 44 2. Os hábitos como manifestações de crescimento 49 3. A significação educacional do conceito do desenvolvi- mento 53 Resumo 56 Cap, 5 — Preparação, desdobramento e disciplina formal 1. A educação como preparação 58 2. A educação como desdobramento 60 3. A educação como o adestramento das faculdades .... 65 Resumo 73 Cap. 6 •— A educação conservadora e a progressiva 1. A educação como formação 75 2. A educação como recapítulação e retrospecção 78
  • 5. 3. A educação como reconstrução Resumo Cap. 7 — A concepção democrática da educação 1. O que subentende a associação humana 2. O ideal democrático 3. A filosofia educacional platónica 4. O ideal "individualista" do século XVIII 5. A educação sob o ponto de vista nacional e social Resumo Cap. 8 — Objetivos da educação 1. A natureza de um objetivo 2. O critério para o conhecimento dos bons objetivos 3. Aplicação à educação Resumo Cap. 9 — O desenvolvimento natural e a eficiência social como objetivos 1. O objetivo fornecido pela natureza 2. A eficiência social como o objetivo da educação 3. A cultura como o objetivo da educação Resumo Cap. 10 — Interesse e disciplina Significação das palavras interesse te disciplina A importância da ideia do interesse da educação Alguns aspectos sociais da questão Resumo Cap. 11 — Experiência e pensamento 1. A natureza da experiência 2. A reflexão na experiência Resumo Cap. 12 — O ato de pensar e a educação 1. A essência do método Resumo Cap. 13 — A natureza do método 1. A unidade da matéria e do método .. .. 2. Método geral e método individual .... 3. Os característicos do método individual Reswnw , Cap. 14 — A natureza da matéria de estudo 1. A matéria para o educador e para o educando . 2. O desenvolvimento da matéria para o educando 82 87 93 94 98 100 106 108 112 115 119 121 129 132 134 136 142 148 150 152 158 165 167 179 181 187 190 198 199 203 Cap. 15 — O brinquedo ou o jogo e o trabalho no currículo 1. O papel das ocupações ativas na educação 214 2. Ocupações proveitosas 216 Trabalho e jogos 223 3. Resumo 226 Cap. 16 — A significação da geografia e da história 1. Extensão da significação das ntividades primárias .. 228 2. A natureza complementar da História e da Geografia 231 3. A Histór ía e a presente vida social 235 Resumo 239 Cap. 17 — As ciências no currículo 1. O lógico e o psicológico 241 2. A ciência e o progresso social 245 3. O naturalismo e o humanismo na educação 251 Resumo 253 Cap. 18 — Valores educacionais l. A natureza do senso do real ou da apreciação direta 2. Os valores dos estudos 3. A segregação e a organização dos valores Resumo 254 261 267 273 Cap. 19 — Trabalho e lazer 1. A origem do antagonismo 275 2. A situação atual 280 lcsnmo 286 Cap. 20 — Estudos intelectuais e estudos práticos 1. O antagonismo entre a experiência e o verdadeiro conhecimento 288 2. A teoria .moderna sobre a experiência e o -conheci- mento 292 3. A experiência como experimentação 298 Resumo 303 Cap. 21 — Estudos físicos e estudos sociais. Naturalismo e humanismo 1. Os antecedentes históricos do estudo de humanidades 305 2. Moderno interesse científico pela natureza 309 3. O atual problema educacional 314 Resumo 319
  • 6. Cap. 22 — O indivíduo e o mundo 1, O espírito, como puramente individual 321 2, O espírito individual como agente de reorganização .. 324 3, Equivalentes educacionais 332 Resumo , . . , 336 Cap. 23 — Aspectos vocacionais da educação 1. A significação da vocação 338 2. O papel dos objetivos -vocacionais na educação 340 3. Oportunidades e perigos atuais 344 Resumo 352 Cap. 24 — Filosofia da educação 1. Revisão crítica 354 2. A natureza da filosofia ...f 356 Resumo 365 Cap. 25 — Teorias do conhecimento 1. Continuidade vcrsus dualismo 366 2. Escolas de método 372 Resumo 378 Cap, 26 •— Teorias de moral 1. O interior e o exterior 380 2. O antagonismo entre o dever e o interesse 385 3 r Inteligência e caráter 389 4, O social e o moral 392 Resumo 469 índice Analítico 397 APRESENTAÇÃO DA 4,a EDIÇÃO Dois dos livros de John Dewey, dados à estampa nesta coleção de "Atualidades Pedagógicas", Como pensamos (vol. 2) e Democracia e educação (vol, 21), um e outro clássicos do pensamento filosófico e pedagógico de nossos dias, e es- gotados, um e outro, há já algum tempo, voltam agora, com esta reedição, às estantes de livrarias e bibliotecas. E voltam enriquecidos do excelente estudo preliminar "Dewey e dois de seus livros", de autoria do Professor Leonardo Van Acker. O Professor Van Acker é belga de nascimento, e já em 1922 começou a lecionar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, em São Paulo. É, aliás, cidadão bra- sileiro desde 1940 Doutor em filosofia e letras pela Univer- sidade Católica de Lovaina, também se doutorou em filosofia tomísta, no Instituto Superior de Filosofia da mesma univer- sidade. Entre nós, a larga influência que seus aturados estudos filosóficos e seu eminente professorado exerceram foi consa- grada com o prémio "Moinho Santista" em filosofia, a ele conferido em 1963._É membro do Instituto Brasileiro de Fi- losofia (São Paulo) e da Société Philosophique (Lovaina). Do muito que tem escrito, destacam-se penetrante estudo sobre as ideias de Bergson, A filosofia bergsoniana: génese, evolução e estrutura gnosiológíca do bergsonismo (1959) e numerosos trabalhos referentes à lógica clássica, assim formal como ma- terial; a respeito de Dewey, pensador que sempre lhe mereceu particular atenção, um estudo sobre "A religião na evolução do pensamento de Dewey", composto em sua língua natal (1938) e, publicados em português, "Ciência e democracia em John Dewey" (1943), "O naturalismo de John Dewey" (1957), "Os valores na filosofia de John Dewey" (1961). Os Editores
  • 7. DEWEY E DOIS DE SEUS LIVROS 1. Nasceu John Dewey aos 20 de outubro de 1859 em Burlington e faleceu a l de junho de 1952 em Nova York. Depois de cursar os três graus do ensino na cidade natal, fez o doutorado em filosofia na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Em 1884 começou a carreira de professor uni- versitário no Michígan, continuando-a em 1894 na Universi- dade de Chicago, onde fundou uma escola primária experi- mental, e acabando-a no Teachers College da Universidade Columbia, em Nova York (1905-1930). Viagens prolonga- das na Inglaterra, Rússia, Turquia, no Japão e no México en- trecortaram-lhe a docência nos Estados Unidos, mas lhe pro- porcionaram experiência direta da situação mundial. Em filosofia, Dewey a princípio adotou o hegelianismo do seu mestre, George Sylvester Morris; mas a influência do evo- lucionismo de Charíes Darwin e a da psicologia biológica de William James levaram-no a elaborar uma filosofia pragma- tista, que fez escola na América do Norte — a chamada "Es- cola de Chicago" — além de ganhar no Brasil um fervoroso discípulo na pessoa de Anísio Teixeira, aluno de Dewey no ano letivo de 1928-29 e um dos grandes pioneiros da reforma pedagógica nacional no espírito do pragmatismo experimen- talista e democrático-socialista. 2, Embora locutor de grande efeito soporífero (cf. John Dewey, por Sidney Hook, N. Y., 1939, p. 21), Dewey foi es- critor de extraordinária fecundidade, chegando a produzir, de 1898 a 1940, na razão de quase um livro por ano, como prova esta lista, aliás incompleta, das obras publicadas: My peda- gogic creed (1898); The school and society (1899); The chila and the curriculum (1902); Studíes in logical theory (com ou-
  • 8. XIV tros, 1903); The school and the chila (1907); Ethics (com J. H. Tufts, 1908, 1932); Moral principies in education (1909); The influence of Darwin on philosophy and other essays (1910); How we think (1910, 1933); Interest and efjort'in education (1913); German philosophy and politics (1915); Democracy and education (1916); Essays in experi- mental logic (1916); Creative intelligence (com outros, 1917); Reconstruction in philosophy (1920); Human nature and con- duct (1922); Lê dévelappement du pragmatisme amérícain (1922); Experience and nature (1925); The public and its problerns (1927); The quest for certainty (1929); An and edu- cation (1929); Soviet education (1929); Impressions of Soviet Rússia and the revolutionary world, México, China, Turkey (1929); Characters and events (2 vols. de artigos coligidos por J. Ratner, 1929); The sources of a science of education (1929); Individualism, old and new (1930); Philosophy and civiliza- tion (1931, 1939); An as experience (1934); A common jaith (1934); Liberalism and social action (1935); Experience and education (1938); Logic, the theory of inquiry (1938); Theory of evaluation (1939); Freedom and culture (1940); Education today (estudos coligidos por J. Ratner, 1940); Problems of men (1946); Knawing and the known (com A. Bentley, 1949) 3. Não cabe aqui aprofundarmo-nos na análise da filo- sofia geral de Dewey, mas, antes, delinear-lhe a doutrina em Democracia e educação (1916) e Como pensamos (1933), sem preterir, naturalmente, os pressupostos filosóficos. São, esses pressupostos, em resumo, os seguintes: I. O pragmatismo (do grego: pragma — objeto de ação ou práxis): a realidade é toda composta, não de seres estáticos e isolados por diferenças hierárquicas de essência ou natureza, mas, sim, de acontecimentos relacionados pelo dinamismo da ação recíproca transformadora, intrinsecamente iguais e só di- ferentes pelo grau de eficiência ou capacidade de reconstrução progressiva. II. O experimentalismo: a tal dinamismo reativo universal pode-se chamar "Experiência" no sentido genérico, do qual as "experiências" humanas, como a vivência consciente e a "ex- perimentação" científica, física, ou sociológica, não passam de aspectos particulares. XV III. O princípio de continuidade: o pragmatismo e o expe- rimentalismo implicam a "continuidade" ou identidade intrín- seca e essencial entre a natureza cósmica e a experiência hu- mana, entre pessoa e sociedade, entre os vários grupos e classes sociais, entre o moral e o social, entre a atividade material ou corpórea e a atividade espiritual, intelectual ou moral; pois estas últimas não passam das funções mais altamente evoluídas e eficientes da atividade material, controlando experimental- mente a matéria cósmica para a progressiva realização de uma convivência humana plenamente participada ou democrático- socialista. IV. Verdade como práxis: nesses termos, as ideias ou sig- nificados intelectuais (ideas, meanings) já não são entidades imateriais e supra-sensíveis, mas hipóteses de solução de pro- blemas e, portanto, instrumentos de ação material experimental para resolvê-los (instrumentalismo}. Donde, a verdade da ideia não passa da sua eficiência experimental ou cognitiva e., em última análise, da sua provada utilidade social ou moral. V. Escola nova: donde resulta, enfim, a necessidade de re- formar a fundo a escola tradicional, predominantemente pas- siva, dogmática, conservadora e elitista, em escola nova, radi- calmente ativa ou crítico-experimental, progressiva e social- democrática. 4. Democracia e educação pretende fornecer as ideias pe- dagógicas e filosóficas adequadas a uma sociedade técnico-in- dustrial que queira ser democrática de verdade, e não apenas de nome. Parte do pressuposto de a sociedade só ser deveras democrática se todos os membros lhe participam do bem co- mum em termos de igualdade, de modo a permitir a flexibili- dade no reajuste das instituições e proporcionar uma educação, tornando os indivíduos pessoalmente interessados na participa- ção e no reajustamento da vida social, e mentalmente habilitados a realizar mudanças sociais, sem provocar confusão e desordem (cap. VII, resumo). Assim sendo, na autêntica educação de- mocrática, as atitudes e disposições necessárias à continuação sempre renovada e progressiva da vida social não devem re- suJtar de mera transmissão direta de conhecimentos e emoções, dos educadores aos educandos; mas hão de ser o fruto implí- cito ou indireto da participação de educadores e educandos
  • 9. XVI nas experiências do mesmo ambiente social. Quer dizer que a escola não deve ser isolada da vida comum, mas tem de simplificá-la, purificá-la e melhorá-la. Nela, a direçao dada pelos educadores não deve ser baseada no prestígio ou na as- cendência pessoal ou subjetiva destes, mas, sim, nos resultados objetivos ou universalmente válidos da experiência comum, fí- sica, ou sociológica. Destarte, a educação será vida ou cres- cimento contínuo, e não apenas preparação para a vida adulta; nem mero desenvolvimento ou formação mental subjetiva; nem simples exercitação ou treino de faculdades ou capacidades es- peciais e isoladas e já adrede preparadas. Como processo con- tínuo de crescimento ou reconstrução da experiência socialmente participada, a educação terá o seu fim em si mesma, não sendo meio para fins diferentes e ulteriores. Será progressiva como a própria vida e não regressão mental ao passado, nem reca- pitulação das fases culturais-históricas do mesmo. Será demo- crática, enfim, não reservada a classes privilegiadas; mas nem por isso estreitamente individualista, e sim comunitária, no sentido da participação enquanto possível extensa dos interesses do grupo por todos os respectivos membros e da interação enquanto possível plena e livre entre os vários grupos (caps. I-VII). 5. Quais, agora, os objetivos (aims) concretos e peculiar- mente acentuados em que se traduz esse fim (end) global de educação social-democrática? Em primeiro lugar, tais objeti- vos devem ser projetos inteligentemente concebidos e executa- dos; portanto, não rigidamente impostos de fora, de modo a tornar impossível a livre escolha e experimentação de meios e resultados adequados e desejáveis Além disso, não devem ser objetivos unilaterais e conflitantes, mas organicamente co- ordenados. Assim, por exemplo, o desenvolvimento das apti- / does naturais ou a cultura intelectual devem ser objetivos co- ordenados com o da eficiência social; e, reciprocamente, esta última não pode deixar de ser vazia se não implica cultura intelectual e desenvolvimento das aptidões naturais. Do mes- (mo modo, a experiência, ou experimentação, deve ser meto- dicamente guiada pelo pensamento lógico; do contrário, é feita à toa, sem reflexão inteligente, sem coerência, nem validade cognitiva, nem utilidade social. (Por isso Dewey escreveu o livro: Como pensamos.} S S XVII Entre matérias e métodos de estudo e ensino deve haver correlação tão natural e profunda como entre a inteligência e o mundo real. Há, por certo, necessidade lógica e pedagógica de dividir as várias disciplinas; mas não devem ser aprendidas ou ensinadas em isolamento da sua base social comum que é a experiência da humanidade. Tampouco deve haver separação completa entre o trabalho do estudo e o divertimento do jogo, porque, aplicado ao jogo, o trabalho se torna interessante e artístico; ao £>asso que, absolutamente isolado do jogo, o tra- balho torna-se tarefa imposta, prejudicada pela tendência na- tural à livre atividade lúdica, que não é mera excitação física, mas atividade ou ocupação inteligente, visando a fins junta- mente técnicos, estéticos e sociais. Donde a necessidade peda- gógica de combinar o trabalho com o jogo e vice-versa. En- fim, o princípio geral de não-isolamento das matérias ou dis- ciplinas da sua base social comum na experiência humana é válido especialmente para a geografia e a história, que resumem a experiência da humanidade no espaço e no tempo; bem co- mo para as ciências físicas ou naturais, que são o resultado lógico e cognitivo da luta dos homens para controlar o am- biente cósmico e assim fazer progredir a sociedade (caps. vm-xvii). 6. Com respeito ao valor educativo das várias matérias de ensino ou disciplinas, existe também a distinção pedagógica em valores estéticos e utilitários, intelectuais e práticos, naturalísti- cos e humanísticos, culturais e profissionais. Entretanto, como as disciplinas são correlativas, assim também não podem ser mutuamente exclusivos os sobreditos valores pedagógicos. As belas letras e artes, por exemplo, têm incontestável valor esté- tico; mas este não lhes é exclusivamente próprio. Para quem a estuda ou ensina com admiração e apreço, qualquer matéria pode revestir-se de valor estético. Do mesmo modo, não há conhecimentos teóricos ou "intelectuais" sem nenhum valor prá- tico, nem disciplinas científico-naturais sem valor humanista ou social, nem matérias culturais sem valor profissional, e re- ciprocamente. A distinção dos valores educativos, segundo Dewey, não é de modo nenhum absoluta ou intrínseca, mas relativa e extrínseca, devida a situações e fatores históricos e sociais (cap. XIX, resumo). O primeiro de tais fatores é a organização da antiga so- ciedade helénica, em que havia a classe dos senhores, donos
  • 10. XVIII exclusivos do lazer, além da classe dos escravos, adstritos uni- camente aos trabalhos corporais. Por certo, aos senhores in- cumbiam as atividades políticas e militares, que em vez de lazer lhes davam muito que fazer no serviço da pátria. Mas essas ocupações ou profissões eram consideradas "liberais", ou próprias de cidadãos ou.homens livres; por oposição às ocupa- ções ou profissões chamadas "servis", por serem geralmente relegadas aos escravos. Donde já se vê que entre o valor es- tético e o utilitário, entre o cultural e o profissional, não há qualquer distinção absoluta ou intrínseca, mas só relativa a circunstâncias históricas extrínsecas. Em sociedade genuina- mente democrática, aliás, todas as profissões são consideradas igualmente valiosas ou dignas, por serem todas serviços sociais competentes, necessários e úteis à comunidade humana. Ne- nhuma profissão dispensa por completo o trabalho corpóreo, e todas merecem a recompensa estética do lazer. Daí ser aceitá- vel a chamada profissionalização do ensino, contanto que não seja puramente tecnicista, mecanizadora, desumanizante ou dis- socializadora (cap. XXIII, resumo). Outro fator histórico, explicativo da separação entre o valor naturalístico e o humanístico, é devido, em parte, ao con- ceito de "experiência" na antiga Grécia, onde a experiência sig- nificava "empeiria" rotineira1 e desprovida de ciência técnica; e, em parte, ao humanismo esteticista do Renascimento, consi- derando as letras e artes antigas mais refinadas e humanas do que as letras e-artes medievais e modernas. Donde resultou a discriminação axiológica entre os estudos científico-naturais e os estudos humanístícos, literários, filosóficos e histórico-so- ciais. Mas essa discriminação axiológica foi superada pelo conceito moderno e contemporâneo de "experiência" como ex- perimentação científica, levando a conhecimentos metodicamen- te comprovados. Nesses termos, a manipulação do mundo fí- sico já não permite simples rotina empírica, mas adquire a dignidade de ciência voltada para o controle da natureza, não para servir interesses de classe, mas para promover o progres- sivo bem-estar de toda a comunidade humana. O último fator histórico da discriminação dos valores edu- cativos é a própria filosofia, mormente a moderna, marcada pelo individualismo estreito, isolando o espírito do sujeito hu- mano, não só do próprio corpo, mas até da natureza física, bem como da convivência humana. Donde surgiram os pseudo- XIX problemas da oposição entre espírito e matéria, conhecimento e realidade, experiência consciente e natureza física, liberdade individual e obrigação social, etc. O que reforçou, em peda- gogia, a oposição entre os valores educativos. Esse falso indi- vidualismo, com as suas péssimas consequências pedagógicas, deve ser superado pelo verdadeiro individualismo, que sabe1 conciliar matéria e espírito, homem e natureza, liberdade in- dividual e progresso social. Mas isso exige uma filosofia ade- quada, que seja, ao mesmo tempo, teoria geral da genuína educação social democrática (caps. XVIII-XXIII). 7. Como todo pensamento, a filosofia visa a resolver si- tuações perplexas oferecidas pela experiência, por definição do problema, formação, discussão e experimentação das hipóteses de solução. Objeto próprio do pensamento filosófico são as situações perplexas e problemáticas da experiência social, como sejam as oposições ou conflitos entre interesses e aspirações de grupos. E, como o único meio de resolver tais oposições é a modificação das disposições emocionais e intelectuais por meio de educação apropriada, segue-se que a filosofia é a teoria orien- tadora da prática educativa deliberada em vista da realização de uma sociedade deveras democrática. Como vimos, a sociedade democrática genuína é caracte- rizada pela maior participação possível dos indivíduos na ex- periência do grupo e pela maior interação possível entre os vários grupos. Por definição, tal sociedade rejeita todas as divisões ou oposições tendentes a isolar pessoas ou grupos, de modo a tornar-lhes o conhecimento unilateral, e a conduta moral discriminatória e injusta. Daí vern que a sociedade in- tegralmente democrática deve abandonar todas as filosofias que, inspiradas em divisões sociais isolantes, propõem teorias gno- siológicas e éticas tecnicamente chamadas "dualistas", por cau- sa das dicotomias separatistas que estabelecem entre matéria e espírito, espírito e mundo exterior, experiência consciente e natureza física, indivíduo e sociedade, etc. A filosofia deveras democrática deve ser a da continuidade intrínseca ou absoluta entre esses vários elementos separados ou isolados pelo dualis- mo filosófico. Para ela, tanto o conhecimento como a conduta moral são intrinsecamente experimentais, pois é pela experi- mentação, corno atividade participada, que a sociedade pro- gride na aquisição de conhecimentos objetivameníe válidos e
  • 11. r xx que os indivíduos se vão socializando ou tornando universal- mente humanos. Tal é, em resumo, a doutrina exposta em Democracia e educação (cf. caps. XXIV-XXVI). 8. Enquanto esse livro é uma sociologia filosófica da educação, Como pensamos oferece uma lógica pedagógica. As- sunto básico desta última é a análise do processo real, e não puramente formal, do pensamento "reflexivo" ou correio, le- vando a conhecimentos metódica e criticamente verificados, por oposição ao pensamento irrefletido e incorreto, levando a posi- ções precipitadas, dogmáticas, acríticas. No processo do pensamento reflexivo, Dewey distingue cinco fases, cuja sequência, por sinal, não é rígida: 1) situação difícil ou perplexa; 2) definição da natureza do problema; 3) sugestão de ideias como hipóteses de solução; 4) verificação lógica ou raciocinativa (isto é, por ação interior de pensamento ou imaginação) da consistência ou coerência das ideias ou hi- póteses com os dados do problema, de modo a eliminar as incompatíveis e selecionar a única coerente; 5) verificação ex- perimental (ou seja por ação exterior) da única hipótese com- patível. Tal é a ordem intelectual que deveriam seguir as aulas escolares, com participação dos alunos e do professor, este úl- timo não como ditador, nem como simples aprendiz, mas como orientador intelectual da experiência partilhada por todo o gru- po. Com isso, a preleção expositiva não seria completamente suprimida, mas conservada para/fornecer aos alunos as infor- mações, aliás nunca dogmáticas, que eles por si mesmos não podem conseguir, mas que são/necessárias à sugestão das ideias ou hipóteses de solução. Estas últimas deveriam ser logica- mente discutidas, bem como de fato experimentadas em co- mum, mormente para educar os alunos para o diálogo e o convívio em sociedade genuinamente democrática. 9. Até aqui, a exposição da doutrina de Dewey nas duas obras sobreditas. È o que nos cabia nesta sucinta introdução, sem entrarmos na crítica do pensamento deweyano. Entretan- to, ao leitor desejoso de estudar essas obras com ponderação crítica, achamos conveniente indicar as seguintes fontes, todas elas publicadas em português. Sobre Dewey como filósofo e pedagogista reformador, há um estudo breve e vivo, bem documentado e extremamente XXI claro, em Fr. De Hovre, Ensaio de filosofia pedagógica., tradu- ção de Luiz e J. B. Damasco Penna (Ed. Nacional, São Paulo, vol. 95 destas "Atualidades Pedagógicas", 1969). De Democracia e educação, existe um comentário segui- do, expositivo e crítico, de autoria do filósofo norte-americano, idealista e hegeliano, Herman Harrel Horne, com o título de A filosofia da educação sob o ponto de vista democrático,, tra- duzido por Adolpho Packer (Ed. Saraiva, São Paulo, 1938). Em O poder da educação, de Theodore Brameld, traduzido por Deny Félix Fonseca, encontra-se também uma crítica ao pro- gressismo antifinafista e antropocêntrico de Dewey (Zahar Ed., Rio, 1967, p. 95-96). De toda a filosofia pedagógica deweya- na, incluindo-lhe as raízes biográfico-existenciais e os postula- dos filosóficos gerais, apresenta exposição e crítica minuciosa, precisa e concisa, o livro de Maria Isabel Moraes Pitombo, Co- nhecimento, valores e educação em John Dewey (Ed. Pioneira, São Paulo, 1974). Da lógica e gnosíologia empirista de Dewey, lêem-se crítica e apreciação interessantes em Miguel Reale, Ex- periência e cultura (Ed. Grijalbo-Edusp, 1977, cap. III, § 2). Da ideia de verdade, pragmatista e experimentalista, há exposi- ção e crítica sucinta e cerrada em Ruy Afonso da Costa Nunes, A ideia de verdade e a educação (Ed. Convívio, São Paulo, 1978, cap. VI). Finalmente, há uma crítica interessante e im- plícita ao indutivismo empirista na lógica e na teoria da apren- dizagem deweyanas, bem como ao antidogmatismo radical e progressista de Dewey, em Karl Popper, Lógica da pesquisa científica (Ed. Cultrix-Edusp, 1975) e Autobiografia intelectual (Ed. Cultrix-Edusp, 1977, §§ 10-20), ambas traduções de Leô- nidas Hegenberg e Octanny Silveira da Motta. 10. Por último, gostaríamos de salientar a oportunidade da reedição destas duas obras de John Dewey, sempre muito influente nos meios pedagógicos. Por certo, atualmente, já não tem o eminente pensador norte-americano o cartaz que tinha no Brasil, nas décadas de 1930 a 1950. Para os marxistas mi- litantes, o socialismo dele não passa de pragmatismo burguês, cientificista, individualista e utilitário Para os cristãos, mor- mente os católicos, a sociedade democrática por ele concebida não é integralmente humana, porque repudia no homem a ten- dência natural para o Ser, o Viver e o Valor Infinito, sem o qual a contínua reconstrução da experiência humana fica defí-
  • 12. XXII nitivamente sem sentido adequado às aspirações do homem. Apesar de todas essas censuras, é inegável em Dewey o intuito de promover entre os homens a grande comunidade fraternal, para além do individualismo egoísta e libertário, bem como do comunismo coativo e totalitário. Foi esse intuito sincero que lhe inspirou muitas ideias e recomendações intrinsecamente va- liosas e duradouramente atuais, como sejam estas duas: 1) não há democracia autêntica sem indivíduos mentalmente capazes de colaborar para o bem comum e cfe mudar as estruturas so- ciais, não introduzindo confusão ou desordem; 2) nem há de- mocracia genuína sem educação do pensamento reflexivo, capaz de discussão objetiva e prova experimental, avesso ao debate emocional, à precipitação confusionista e à mania de improvisa- ção. São essas duas ideias que encarecidamente propomos à benevolente reflexão de todos os patriotas brasileiros, mormen- te os jovens, sinceramente empenhados em instaurar neste Brasil uma comunidade realmente democrática, fraternal e integral- mente humana. São Paulo, maio de 1979. Leonardo Van Acker APRESENTAÇÃO DA l.a EDIÇÃO Reputo a versão em língua portuguesa deste grande livro de JOHN DEWEY — o seu melhor livro sobre educação, na opinião do próprio autor — como uma inestimável contri- buição à cultura popular brasileira. Na justificada e explicável confusão de pensamento, em que se encontra o país, confusão que é aumentada pela arrcgi- tnenlação que se vem ultimamente realizando de quanto dogma- tismo serôdio se encontra para lutar, por esse meio inoperante, contra, a própria perplexidade ambiente — «5o sei de livro mais salutar e mais promissor. Com efeito, o leitor encontrará nas suas páginas a revelação — e nada menos é preciso para o Brasil, hoje — do que é a democracia e dos meios de rea- lisá-la. A teoria simplista e tão largamente utilizada e explo- rada pelos seus inimigos, de que a democracia é mera- forma de governo e forma de governo que falhou ou vem falhando, fica inteiramente destruída com a- compreensão ampla e pro- funda qiíe nos transmite DEWEY da verdadeira democracia. Mas, não é só. A obra de DEWEY é a mais sólida e a. mais convincente das reivindicações do pensamento moderno, no sentido de demonstrar a sua inalterável continuidade com todo o pensamento da humanid-ade e a sua vigorosa capacidade de restaurar e revitalizar todos os valores morais e espirituais indispensáveis à vida do homem. Tanto vale dizer que a sua obra é obra de conciliação e de síntese e não de divisão ou combate. A confusão de pensamento a que aludimos é sobretudo originária de uma inacreditável fragmentação da cultura. Essa fragmentação é, por sua vês, proveniente da penetração, cada vês mais impetuosa, de fórmulas novas de pensamento nas velhas fórmulas herdadas de outras idades. Enquanto foi possível conservarem-se isoladas e limitadas essas novas contribuições e, por esse meio, guardar e acautelar os moldes amados e admirados da velha cultura moral e espiritual, o equilíbrio foi mantido. Tempo chegou, porém, em que não era mais pos- sível persistir tal regime de transigência e pás condicional. Sobreveio, então, a confusão moderna e, para curá-la, os
  • 13. XXIV remédios violentos e antagónicos. Restauração do velho pen- samento, harmonioso e adequado nas idades a que serviu, mas ineficaz, insuficiente e contraditório nos dias de hoje; ou imposição imediata de uma nova ordem, totalmente nova, com valores novos e novas instituições. O diagnóstico do erro de ambas as soluções é fácil de faser: só a golpes de espada pode qualquer delas ser, não digo cumprida, mas simplesmente tentada. Ao invés disso, o que urge é um estudo das condições atuais e dos desajustamentos atuais, para traçar o programa da reconstrução indispensável à integração do presente estado de coisas. Nem restauração do passado nem imposição de íím futuro ainda inexistente. Mas, revigoraçâo de tudo do passado que ainda for útil e operante e readaptação de tudo que for novo e eficaz, em uma- contextura que não será inte- gralmente nova senão porque será integralmente viva e orgânica. Ê essa obra de análise, de balanço e de equilíbrio que DEWEY realiza magistralmente. Na superfície acidentada do pensamento contemporâneo, ele ó um restaurador de unidade. O vigor e a. frescura de seu- pensamento têm a atração e o Ímpeto que caracterizam as reais contribuições da inteli- gência. Nem especiosidade, nem simplificações excessivas. Nada dessa aparência miraculosa de certas mistificações dou- trinárias contemporâneas. Poucos pensamentos estão alicer- çados em um tão sólido bom senso e tão inalterável equilíbrio. DEWEY se filia, por esse modo, à grande linhagem de pensadores que não vem acrescentar aos conflitos e às divisões entre os homens, mas revelar a possível conciliação de suas querelas, desde que desejem elevar-se um pouco i-nais adiante dos seus interesses imediatos. Não é demais insistir no caráter conci- liante e reintegrador do pensamento deweyano, sobretudo em momento, como o nosso, em que a maior necessidade nacional é a de uma- nova síntese para 'pacificar e dirigir os espíritos em perturbação. Se assim é em relação à cultura geral, o que não dizer em relação à cultura pedagógica, em particularf Se, por um lado, a educação nada mais é que um campo de aplicação dos princípios e fórmulas da cultura geral, por outro lado não é menos verdade que se essa cultura geral se f as confusa, perplexa e contraditória, em nenhum outro lugar se torna mais indispensável, por isso mesmo, a ne- XXV cessidade de claresa e coerência, tão aumentada fica a res- ponsabilidade da educação nesses períodos de crise intelectual. Dai provém a mair importância deste livro para os educadores nacionais. Muitas das ideias aí expostas são familiares ao meio pedagógico brasileiro, mas creio poder diser que nenhum outro livro em português, presentemente, poderá, como este, contribuir para explicar a origem e o alcance dessas ideias, os seus corolários e consequências, bem como o seu lugar no contexto geral do pensamento humano. É um tratado de educação que, sob diversos aspectos, representa uma suma moderna dos conhecimentos pedagó- gicos. Nem outra ê mesmo a sua intenção profunda, com- preendendo como compreende DEWEY a filosofia como a inves- tigação e a descoberta das soluções dos conflitos, antíteses, antagonismos e perplexidades que atormentam o espírito em cada 'momento da história. DEWEY é, hoje, considerado no mundo como o filósofo da democracia. Coube a ele desenvolver em todas as suas possibilidades e consequências o ideal democrático, em face das condições modernas da ciência e do mundo. Não se trata de uma exposição acidental e provisória, mas da análise das suas premissas definitivas e da descoberta do método ade- quado de lidar com os seus problemas e as suas dificuldades. O Capítulo de Educação, que não faltou a nenhuma das grandes filosofias operantes que já teve a humanidade, e que também não faltou à filosofia de JOHN DEWEY, é o que é dado hoje, ao público brasileiro, neste livro fundamental. Resta, tão-sornente, acentuar que, nascido no solo ame- ricano, filiado às mais legítimas fontes de seu pensamento e adstrito às condições de vida do continente, temos o direito de considerar nossa essa vigorosa e sadia formiifação dos novos ideais humanos. O legítimo e largo humanismo que se plantou nas terras novas e no novo clima social deste continente não tem maior intérprete nem maior professor do que o autor deste livro. Possa o trabalho*aqui traduzido contribuir para dar sen- tido e direção às nossas próprias perplexidades, como está contribuindo e tem contribuído, nos demais países americanos e em quase todo o mundo ocidental, para orientar o pensamento e a ação dos seus educadores. ANÍSIO TEIXEIRA São Paulo, 15 de janeiro de 1936.
  • 14. PREFACIO DA l.a EDIÇÃO Este livro é um esforço para penetrar e definir as ideias implícitas em uma sociedade democrática e para aplicá-las aos problemas da educação. A exposição inclui a indicação dos fins e métodos construtivos da educação pública, encarados desse ponto de vista, e ainda uma crítica das teorias do conhe- cimento e da moral, formuladas em condições sociais primiti- vas e que continuam a atuar nas sociedades nominalmente democráticas, obstando a realização adequada do ideal de- mocrático. Como se verá, a filosofia exposta nas páginas deste livro mostra o desenvolvimento democrático em suas rela- ções com o desenvolvimento do método experimental nas ciências, das ideias de evolução nas ciências biológicas e com a reorganização industrial — e analisa as mudanças de matéria e método na educação que esses desenvolvimentos determinam. Testemunho o meu profundo reconhecimento ao DR. GOODSELL do Teachers College pelas críticas que fez ao li- vro, ainda em original; ao Professor KILPATRICK, do mesmo instituto, por críticas e sugestões em relação à ordem dos tó- picos, de que largamente me utilizei; e a Miss ELSIE RIPLEY CLAPP por muitas críticas e sugestões. Aos dois primeiros indicados, também pelo trabalho de revisão das provas. Além desses, sinto-me grandemente em dívida para corn uma série extensa de estudantes, cujas sucessivas turmas se distribuíram por mais anos do que os que desejo enumerar. J. D- Universidade de Colúttibia, Nova Iorque
  • 15. CAPÍTULO l A educação como necessidade da vida l. A renovação da vida pela transmissão. — A mais notável distinção entre seres vivos e inanimados é que os primeiros se conservam pela renovação. Ao receber uma pancada, a pedra opõe resistência. Se a resistência for maior do que a força da pancada, ela exteriormente não apresentará mudança; no caso contrário se partirá em fragmentos menores que ela. A pedra nunca procura reagir de modo a defender-se contra a pancada e muito menos a tornar a dita pancada um fator que contribua para a própria continuidade de sua açao. Quanto à coisa viva, pode ser facilmente esmagada por uma força superior, mas jamais deixa de tentar converter as energias, que sobre ela atuam, em elementos favoráveis a sua existência ulterior. Se não o consegue, não se fragmenta em pedaços menores (pelo menos nas mais elevadas formas da vida), mas perde sua identidade como coisa viva. Durante toda a sua duração, ela esforça-se por tirar proveito das energias que a cercam. Utiliza-se da luz, do ar, da umidade e das matérias do solo. Dizer que as utiliza, importa em reconhecer que as transforma em meios para sua própria conservação. Enquanto se acha a crescer, a energia que despende para tirar vantagens do ambiente é mais que compensada pelo que obtém: ela cresce. Poderemos dizer que um ser vivo é aquele que domina e regula em benefício de sua atividade incessante as energias que de outro modo o destruiriam. A vida é um processo que se renova a si mesmo por intermédio da ação sobre o meio ambiente. Em todas as formas elevadas de vida este processo não pode continuar-se indefinidamente. Após algum tempo elas sucumbem: morrem. A criatura não é apta para o trabalho de uma indefinida auto-renovação. Mas a continuidade do processo da vida não depende da promulgação da existência de nenhum indivíduo. Prossegue, em incessante sequência,
  • 16. 2 Democracia e educação a reprodução de outras formas vivas. E apesar de morrerem não só os indivíduos, como também as espécies, consoante nos mostra a geologia, a vida persevera em formas cada vez mais complexas. Ao passo que se extinguem algumas espécies, surgem outras mais aptas a se utilizarem dos obstáculos contra os quais as extintas lutaram em vão. A continuidade da vida significa uma contínua readaptação do ambiente às necessidades dos organismos vivos. Falamos sobre a vida em sua significação menos elevada — como uma coisa física. Mas empregamos a mesma palavra para indicar toda a extensão da experiência do indivíduo e da espécie. Ao deparar-nos o livro Vida de Lincoln sabemos não se tratar de uma obra sobre fisiologia e sim de uma exposição dos antecedentes sociais de seu tempo, de uma descrição do meio de seus primeiros anos de vida, da condição e ocupações ct)e sua família; dos principais episódios do desenvolvimento de seu caráter; de lutas e realizações notáveis; e de suas esperanças, gostos, venturas e sofrimentos individuais. De modo exatamente semelhante reíerjmo-nos à vida de uma tribo selvagem, do povo ateniense, da nação americana. "Vida" subentende costumes, instituições, crenças, vitórias e derrotas, divertimentos e ocupações. Empregamos a palavra "experiência" com a mesma riqueza de sentido. E, a isto, assim como à vida em sua mera significação fisiológica, se aplica o princípio da continuidade por obra da renovação. Com o renovar da existência física, também se renovam, no caso de seres humanos, as crenças, ideais, esperanças, venturas, sofrimentos e hábitos. Assim se explica, com efeito, a continuidade de toda a experiência, por efeito da renovação do agrupamento social. A educação, em seu sentido mais lato, é o instrumento dessa continuidade social da vida. Todos os elementos constitutivos de um grupo social, tanto em uma cidade moderna como em uma tribo selvagem, nascem imaturos, inexperientes, sem saber falar, sem crenças, ideias ou ideais sociais. Passam com o tempo os indivíduos, passam, com eles, os depositários da experiência da vida de seu grupo, mas a vida do grupo continua. Os fatos primários e inelutáveis do nascimento e da morte de cada um dos componentes de um grupo social determinam a necessidade da educação. Por um lado, existe o contraste entre a imaturidade dos recém-nascidos membros do grupo — seus únicos futuros representantes — e a maturidade dos A educação como necessidade da vida 3 membros adultos, que possuem os conhecimentos e seguem os costumes do referido grupo. Existe, por outro lado, a necessidade de que não somente sejam fisicamente conservados em número conveniente esses membros imaturos, como também de que se iniciem nos interesses, intuitos, conhecimentos, habilidades e costumes dos componentes adultos; e se assim não fosse, findaria a vida característica dá comunidade. Mesmo em uma tribo selvagem estão os seus membros imaturos muito longe de poder praticar os trabalhos dos adultos, se forem abandonados a si mesmos. Com o progresso da civilização aumenta a distância entre a capacidade originária do imaturo e os ideais e costumes dos mais velhos. Para reproduzir-se a vida do grupo já não bastam o simples crescimento físico e a consecução dos meios de subsistência. Requer-se esforço deliberado e árdua reflexão. Os seres que nasceram não só inscientes dos objetivos de seu grupo, como também completamente indiferentes a esse respeito, precisam conhecê-los e interessar-se ativamente pelos mesmos. A edu- cação, e só a educação, suprime essa distância. A sociedade subsiste, tanto quanto a vida biológica, por um processo de transmissão. A transmissão efetua-se por meio da comunicação — dos mais velhos para os mais novos — dos hábitos de proceder, pensar e sentir. Sem esta comu- nicação de ideais, esperanças, expectativas, objetivos, opiniões, entre os membros da sociedade que estão a sair da vida do grupo, e os que na mesma estão a entrar, a vida social não persistiria. Se os membros adultos de uma sociedade vivessem indefinidamente, poderiam educar os novos membros mas seria uma tarefa inspirada mais pelo interesse pessoal do que pelas necessidades sociais. Como as coisas são, educar é uma ques- tão de necessidade. Se uma epidemia suprimisse de uma vez todos os mem- bros de uma sociedade, é claro que esta desapareceria para sempre. No entanto, sendo certa a morte de cada um de seus membros, é como se uma epidemia os matasse a todos; mas as diferenças de idade dos sobreviventes, o fato de alguns nascerem enquanto morrem outros, torna possível a constante reconstituição do organismo social por meio da transmissão das ideias e dos costumes. Tal renovação não é, contudo, automática. Se não nos esforçássemos para a efetuação completa da transmissão mais necessária, a maioria dos in- divíduos da comunhão civilizada soçobraria na barbárie e em
  • 17. 4 Democracia e educação seguida no estado selvagem. De fato, os seres humanos novos são tão incapazes que, abandonados a si mesmos, sem a direção e o amparo dos mais velhos, nem mesmo adquiririam as habi- lidades rudimentares necessárias à existência material. Com- parados com os filhos de muitos animais inferiores, os seres humanos têm tão minguadas aptidões, que a própria habi- lidade requerida para a alimentação física precisa ser adquirida por meio de ensino. Quanto mais no que diz respeito à aqui- sição das capacidades técnica, artística, científica e moral da humanidade! 2. Educação e comunicação. — É em verdade tão óbvia a necessidade de ensinar a aprender para a continua- ção da existência social, que há de parecer estarmos a repisar desnecessariamente um lugar-comum. Justificamo-nos, po- rém, com a circunstância de que, com essa insistência, nos libertaremos de uma noção imprópria escolástica e formal da educação. As escolas são, com efeito, um meio importante de transmissão para formar a mentalidade dos imaturos; mas não passam de um meio •— e, comparadas a outros agentes, são um meio relativamente superficial. Somente quando nos capacitamos da necessidade de modos de ensinar mais fundamentais e eficazes é que podemos ficar certos de dar ao ensino escolar seu verdadeiro lugar. A sociedade não só continua a existir pela transmissão, pela comunicação, como também se pode perfeitamente dizer que ela é transmissão e ê comunicação. Há mais do que um nexo verbal entre os termos comum, comunidade e co- municação. Os homens vivem em comunidade em virtude das coisas que têm em comum; e a comunicação é o meio por que chegam a possuir coisas comuns. O que eles devem ter em comum para formar uma comunidade ou sociedade são os objetivos, as crenças, as aspirações, os conhecimentos — um modo comum de compreender — mentalidade similar, conforme dizem os sociólogos. Não se podem transmitir fi- sicamente tais coisas de uma a outra pessoa, do modo como se passam tijolos de mão em mão; não se podem dividir, como se parte um bolo em pedaços materiais. Para a comunicação assegurar a participação em uma compreensão comum, neces- sitará assegurar análogas disposições emotivas e intelectuais — isto é, modos análogos de reagir em face de uma atividade em perspectiva e dos meios de realizá-la. A educação como necessidade da vida 5 Não é por viverem em proximidade material que as pes- soas constituem uma sociedade — e, semelhantemente, ho- mem algum deixa de ser socialmente influenciado por estar muitos palmos ou quilómetros distanciado dos outros. Um livro ou uma carta podem estabelecer, entre seres humanos afastados milhares de quilómetros um do outro, um elo mais estreito do que o existente entre pessoas sob o mesmo teto. Os indivíduos, também, não constituem, por outro lado, um agrupamento social por trabalharem todos para um fim co- mum. As partes de uma máquina funcionam em conjunto para a obtenção de um resultado comum, mas não formam por isso uma comunidade. Se, entretanto, todas essas par- tes tivessem conhecimento do fim comum e se interessassem na sua consecução, regulando, cada qual, com esse fito, sua atividade especial, constituiriam então uma comunidade. Isto, porém, envolveria comunicação. Cada qual precisaria saber o que as outras tinham em vista; e precisaria também ter meios de conservá-las informadas de seu próprio intento e do andamento de seus trabalhos. Para tal consenso se requer comunicação. Somos assim forçados a reconhecer que, mesmo dentro do grupo humano mais social, existem relações que não são ainda sociais. Grande número de relações em todos os gru- pos sociais ainda se encontram no plano das peças das má- quinas. Os indivíduos utilizam-se uns dos outros para obter resultados desejados, sem atender às disposições emocionais e intelectuais e ao consentimento' daqueles de quem se ser- vem. Este uso subentende a superioridade física, ou de po- sição, habilidade, aptidão técnica e o domínio mecânico ou financeiro da aparelhagem ou dos instrumentos de trabalho. Enquanto estiverem neste pé as relações entre pais e filhos, professores e alunos, patrões e empregados, governantes e governados, não formarão eles verdadeiro grupo social, por mais estreitamente que se toquem suas respectivas atividades. Dar e receber ordens modifica a atividade e seus efeitos, mas por si mesmo não constitui uma co-participação de escopos e comunicação de interesses. Não só a vida social se identifica com a comunicação de interesses, como também toda a comunicação (e, por con- seguinte, toda a genuína vida social) é educativa. Receber a comunicação é adquirir experiência mais ampla e mais variada. Participa-se assim do que outrem pensou ou sentiu
  • 18. 6 Democracia e educação e, como resultado, se modificará um pouco ou muito a própria atitude. E deste efeito não fica também imune aquele que comunica. Tentai comunicar plena e cuidadosamente a outra pessoa vossa experiência pessoal, principalmente em se tra- tando de algo complicado, que notareis mudar-se vossa pró- pria atitude para com a referida experiência: a não ser que tenhais recorrido a mera verbiagem bombástica. É mister, com efeito, que se formule a experiência para que seja comu- nicada. Esta formulação requer colocarmo-nos fora da mesma, vê-la como outra pessoa a veria, observarem-se os pontos de contacto que ela tenha com a experiência pessoal da pessoa a quem vai ser comunicada, a fim de ser apresentada em tal forma, que a dita pessoa lhe apreenda a significação. A não ser que se trate de lugares-comuns, precisamos conhecer, ima- ginando-a, a experiência de outras pessoas, para compreensi- velmente lhe falarmos sobre nossa própria experiência. Toda a comunicação é semelhante à arte. Por consequência, pode-se perfeitamente dizer que, para aqueles que dela participam, toda a prática social que seja vitalmente social ou vitalmente compartilhada é por sua natureza educativa. Só quando lan- çada em um molde e tornada rotineira é que perde seu valor educativo. Em resumo •— não somente a vida social exige o ensino e o aprendizado para sua própria continuação, como também por si mesma é ela educativa. Amplia e ilumina a experiência ; estimula e enriquece a imaginação ; gera o sentimento da res- ponsabilidade. obrigando-nos a falar e a pensar com cuidado e exatidão. Um homem que realmente vivesse só (mental ou fisicamente) poucas ou nenhumas ocasiões teria oara refletir sobre sua experiência passada ou para extrair-lhe a clara significação. A desigualdade de eficiência dos adultos e dos novos HPO só exige que se ensine a estes, como também a necessidade deste ensino ê um poderoso estímulo para dar à experiência ordem e forma que a torne mais facilmente transmissível e, conseguintemente, mais utilizável. 3. O papel da educação formal. — Existe, por- tanto. diferença bem acentuada entre a educação que se granjeia a conviver com outras pessoas — enquanto verdadei- ramente se convive, em vez de continuar-se apenas a viver juntos — e a educação intencional dos mais novos. No • primeiro caso a educação é casual; é natural e importante, A ediicação como necessidade da vida 7 mas não é o motivo expresso da associação. Pode-se, en- tretanto, dizer, sem exagero, que a medida do valor de qual- quer instituição social, económica, doméstica, política, legal e religiosa está em sua capacidade -de amplificar e ' aperfei- çoar a experiência, embora essa capacidade não faça parte de seu motivo originário, que era mais restrito' e mais ime- diatamente prático. As associações religiosas começaram, por exemplo, pelo desejo de garantir-se -o favor das potes- tades superiores e de preservar-se dos maus influxos; a vida familiar, pelo desejo de saciar apetites-e assegurar a per- petuidade da família; o trabalho sistemático, em sua maior parte, pela escravização a Doutras pessoas, etc. Só•lentamente foi notado o subproduto da instituição, seu efeito sobre a qualidade e a extensão da vida consciente e mais lentamente ainda este efeito foi considerado como elemento orientador do funcionamento da instituição. Mesmo hoje, em nossa vida industrial, exceto quanto a algum merecimento na formação de hábitos de diligência e de economia, pouca atenção é dada em todo o mundo às reações intelectuais e emocionais provo- cadas pelas fornias de associação por que se conduz o trabalho moderno, comparadas com a atenção merecida pela produção material. Mas, lidando-se com os mais novos, o fato associativo aumenta de importância como fato humano. Se é fácil igno- rarmos, em nosso contacto com eles, o efeito de nossos atos sobre seu espírito, ou subordinar esse efeito educativo a algum resultado externo e tangível, já não o é tanto quanto ao se tratar com os adultos. É evidente a necessidade de educar; demasiado urgente a necessidade de efetuar uma mu- dança em sua atitude e seus hábitos para que se possa deixar de levar em conta as consequências. Desde que, em relação a eles, nosso fim primacial é habilitá-los a participar da vida em comum, não podemos deixar de examinar se estamos ou não criando as aptidões que garantirão esse resultado. Se a humanidade progrediu alguma coisa compreendendo que o ver- dadeiro valor de toda a instituição é seu efeito caracteristica- mente humano — seu efeito sobre a experiência consciente — podemos acreditar que esta lição foi, em grande parte, apren- dida ao contacto com os jovens. Somos assim levados a distinguir, dentro do vasto pro- cesso educacional que vimos considerando, uma espécie mais formal de educação — a do ensino direto ou escolar. Nos
  • 19. 8 Democracia e educação grupos sociais não evoluídos encontramos muito pouco ensino e adestramento formais. Para incutir nos mais novos as dis- posições necessárias, os povos selvagens contam principalmente com os mesmos tipos de associação capazes de manter os adultos fiéis à sua agremiação. Não usam artifícios especiais, ou materiais, ou institutos de ensino, a não ser os que se prendem às cerimónias de iniciação por meio das quais os jovens se tornam plenamente membros da comunidade. Em quase tudo eles contam com que os pequenos aprendam os costumes dos adultos, adquirindo seu potencial de emoções e seu lastro de idéras, participando daquilo que os mais velhos fazem. Esta participação é, em parte, direta, associando-se às ocupações dos adultos, o que lhes serve de aprendizado, e é, em parte, indireta, por meio dos brinquedos — dramatizações em que os meninos imitam os atos dos mais velhos, apren- dendo assim a saber o que significam. Pareceria absurdo aos selvagens reservarem algum lugar onde se cuidasse unicamente de ensinar e aprender. Mas, à medida que a civilização progride, aumenta a diferença entre a capacidade dos mais novos e os interesses dos adultos. Torna-se cada vez mais difícil aprender toman- do parte direta na atividade dos mais velhos, salvo no caso de ocupações muito elementares. Muito daquilo que os adultos fazem torna-se-lhes tão remoto em significação, que os brin- quedos-dramatízações se mostram cada vez mais inadequados para reproduzir-lhes o sentido. A aptidão para participar eficazmente .da atividade dos adultos dependerá, por isso, de uma preparação anterior, na qual se tenha em vista esse fim. Surgem então os fatores especiais — as escolas — e a matéria determinada — os estudos. A tarefa de ensinar certas coisas é cometida a um número especial de pessoas. Sem essa educação formal é impossível a transmissão de todos os recursos e conquistas de uma sociedade complexa. Ela abre, além disso, caminho a uma espécie de experiência que não seria acessível aos mais novos? se estes tivessem de aprender associando-se livremente com outras pessoas, desde que livros e símbolos do conhecimento têm que ser aprendidos. Mas há grandes perigos nesta transição da educação in- direta à formal. Tomar parte em atos reais, quer direta- mente, quer simuladamente nos jogos, é coisa, pelo menos, pessoal e interessante. Estas qualidades compensam, até certo ponto, a escassez de oportunidades aproveitáveis. A educação A educação como necessidade da vida 9 formal, ao contrário, se torna facilmente coisa distante e morta —• abstrata e livresca, para empregarmos as palavras pejora- tivas habituais. Os conhecimentos acumulados das socieda- des inferiores são, pelo menos, postos em prática; tornaram- se-lhes feições características; existem com a profundidade de significação que se prende a seu emprego nas urgentes ne- cessidades de cada dia. Mas, em uma cultura adiantada, muito do que se tem, de aprender se encontra armazenado em símbolos. Achamo- nos longe, então, de sua aplicação a atos e objetos. Esse material é relativamente técnico e superficial. Tomando como craveira o tipo ordinário da realidade, é artificial também. Pois a verdadeira craveira de valor é a conexão com os inte- resses práticos. Existem em um mundo à parte, não assi- milado aos modos ordinários de reflexão e realização. O perigo permanente, portanto, é que o cabedal da instrução formal se torne exclusivamente a matéria do ensino nas esco- las, isolado das coisas de nossa experiência, na vida prática. Podem, assim, perder-se de vista os interesses permanentes da sociedade. A preeminência é dada, nas escolas, exatamente a conhecimentos que não são aplicados à estrutura da vida social e ficam em grande parte como matéria de informação técnica expressa em símbolos. Por esta forma chegamos à noção ordinária de educação: a noção que ignora sua neces- sidade social e sua identificação com toda a associação humana que influa na vida consciente e que a identifica, ao contrário, com a aquisição de conhecimentos sobre matérias de interesse remoto e com a transmissão do saber por meio de sinais ver- bais: a aquisição de letras. Por essa razão, um dos mais ponderosos problemas com que a filosofia da educação tem de arcar é o modo de conservar conveniente equilíbrio entre os métodos de educa- ção não formais e os formais, e entre os casuais e os inten- cionais. Quando a aquisição de conhecimentos e a aptidão intelectual técnica não influem para criar uma atitude mental social, a experiência vital ordinária deixa de ganhar maior significação, ao passo que, na mesma proporção, o ensino escolar cria homens meramente "eruditos", isto é, especialistas egoístas. Evitar uma separação entre aquilo que os homens sabem conscientemente por tê-lo aprendido por meio de uma educação especial, e aquilo que inconscientemente sabem por tê-lo absorvido na formação de seu caráter mediante suas ré-
  • 20. Democracia e educação lações com outros homens, torna-se tarefa cada vez mais melin- drosa à proporção que se desenvolve, especializadamente, o ensino. Resumo. — É da própria essência da vida a luta para se continuar a viver. Uma vez que esta continuação só pode ser assegurada por meio de constante renovação, é a vida um processo de autorenovação. A educação é para a vida social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida fisiológica. A educação consiste primariamente na .transmis- são por meio da comunicação. A comunicação é o processo da participação da .experiência para que se torne património comum. Ela modifica a disposição mental das duas partes associadas. Fato que mais facilmente se reconhece em se tra- tando com os imaturos, é que a importância de todos os modos de agremiação humana está na proporção com que ela con- tribui para a melhoria da qualidade da experiência. É o mesmo que dizer-se qxie, embora toda a organização social produza efeito educativo, esse efeito começa a tornar-se parte importante dos fins sociais, quando se tem em vista a associa- ção dos elementos mais velhos com os mais novos. À pro- porção que a sociedade se torna mais complexa em estrutura e recursos, aumenta a necessidade do ensino e aprendizado formais ou intencionais. E quando progridem o ensino e aprendizado formais, surge o perigo de criar-se indesejável se- paração entre a experiência adquirida em associações mais di- retas e a adquirida nas escolas. Este perigo nunca foi maior do que nos tempos atuais, em vista do rápido desenvolvimento, nos últimos poucos séculos, dos conhecimentos e espécies de aptidões técnicas. CAPITULO 2 A educação como função social 1. Natureza e significação do meio. — Já vimos que uma comunidade ou grupo social se mantém por uma con- tínua auto-renovação e que esta renovação se eíetua por meio do crescimento educativo dos componentes imaturos do grupo. Mediante vários fatores não intencionais ou voluntários, uma sociedade transforma seus elementos não iniciados e aparen- temente estranhos em ativos depositários de seus recursos e ideais. A educação é, portanto, uma incentivação, um ali- mento, um cultivo. Todas essas palavras subentendem aten- ção a condições de crescimento. Como sinónimas de educar, costumamos empregar em inglês palavras que significam elevar, exprimindo-se assim a diferença de nível a que a educação visa suprimir. Etimologicamente, a palavra educação significa exatamente processo de dirigir, de conduzir ou de elevar. Se tivermos em mente o resultado desse processo, diremos que a educação é uma atividade formadora ou modeladora •— isto é, modela os seres na forma desejada de atividade social. Neste capitulo trataremos em linhas gerais do modo pelo qual um grupo social conduz os imaturos à sua própria forma social. Uma vez que o que se requer para isso é a transformação da qualidade da experiência, para que nesta entrem os interes- ses, intuitos e ideias correntes no grupo social, o problema não é,evidentemente, o da mera formação física. As coisas podem ser materialmente transportadas no espaço; podem ser mate- rialmente carregadas. Mas as crenças e as aspirações não podem ser fisicamente extraídas e, depois, inseridas. De que modo, então, se comunicam? Dada a impossibilidade do con- tágio direto ou da inserção material, nosso problema está em descobrir o método pelo qual os seres humanos mais jovens assimilam os pontos de vista dos mais velhos, ou pelo qual os mais velhos tornam os jovens mentalmente semelhantes a eles.
  • 21. ]2 Democracia e educação Em termos gerais o método consiste em provocar, pela ação do meio, que as impõe, determinadas reações ou res- postas. As crenças necessárias não podem ser embutidas a força e as atitudes requeridas não podem ser plasmadas mate- rialmente. Mas o meio, o ambiente particular em que o in- divíduo vive, leva-o a ver e a sentir mais uma coisa do que outra; leva-o a seguir certos planos com o fito de ter bom êxito em suas relações com os outros; reforça-lhe algumas convicções e enfraquece-lhe outras, como condição para obter a aprovação de outras pessoas. Deste modo, põe-se a adotar gradati vãmente certo modo de proceder, certas disposições mentais para a ação. As palavras "ambiente" e "meio" deno- tam alguma coisa mais do que o lugar em que o indivíduo se encontra. Indicam a particular continuidade entre o meio e as próprias tendências ativas do indivíduo. Um ser inanimado acha-se naturalmente em estado de continuidade com o seu meio; mas as coisas que o cercam, a não ser metaforicamente, não lhe constituem um ambiente, por isso que aos seres inor- gânicos não importam as influências que os afetani. Ao con- trário, certas coisas afastadas, no espaço e no tempo, de uma criatura viva, especialmente de uma criatura humana, podem constituir-lhe com mais verdade o meio, do que as que estão contíguas. As coisas pelas quais um homem varia é que constituem seu verdadeiro ambiente. A atividade de um astró- nomo varia em relação com as estrelas que observa ou a cujo respeito faz cálculos. De tudo aquilo que o cerca, pois, é o seu telescópio o seu meio mais chegado. O ambiente de um antiquário, em sua qualidade de antiquário, consiste nas remotas épocas da vida humana que o interessam e nos vestígios, ins- crições, etc., por meio dos quais ele estabelece conexões com aquela época. Em suma — o meio ambiente consiste naquelas condi- ções que desenvolvem ou embaraçam, estimulam ou inibem, a atividade característica de um ser vivo. A água é o ambiente do peíxe, por ser necessária à sua atividade — à sua vida. O pólo norte é um elemento importante do meio de um explo- rador ártico, quer consiga ou não consiga atingi-lo, porque determina seus atos, torna-os aquilo que distintamente são. Exalamente porque vida não significa mera existência passiva (a supor-se possível tal coisa) e sim um modo de proceder e agir, — o ambiente ou o meio significa aquilo que influi nessa atividade como condição para que se realize ou se iniba. A educação como função social 13 2. O ambiente social. — Um ser cuja atividade se acha associada à de outros tem um ambiente social. O que ele faz e pode fazer depende dos desejos, exigências, apro- vação e reprovação dos outros. Um ser ligado a outros seres não pode desenvolver a própria atividade sem tomar em linha de conta a atividade dos outros. Esta constitui a condição indispensável para a realização de suas tendências. Quando se move, ele movimenta essa atividade alheia e vice-versa. Conceber a possibilidade da atividade de um indivíduo como consistindo em atos isolados seria o mesmo que tentar fazer ideia de um comerciante a comprar e a vender, isolado dos demais homens. É tão social o procedimento do industrial quando se encontra só, em seu escritório, a traçar planos de ação, como quando compra matérias-primas ou vende seus artigos fabricados. Pensar e sentir desde que tenham qualquer coisa a ver com ação associada à ação de outros é modo de proceder tão social quanto á cooperação mais manifesta ou o ato mais hostil. • O que precisamos mais detidamente patentear é o modo pelo qual o meio social desenvolve seus membros imaturos. Não há grande dificuldade em ver-se como ele modela os hábitos exteriores de ação. Até os cães e os cavalos têm seus atos modificados pelo contacto com os seres humanos; eles adquirem hábitos diferentes porque aos seres humanos in- teressa a referida mudança. Os seres humanos regulam os atos dos animais, regulando os estímulos naturais que os influenciam; por outras palavras — criando-lhes determinado meio. Usam-se o alimento, o freio e as rédeas, os sons e os veículos, para regular o modo por que se manifestam as rea- ções naturais ou instintivas dos cavalgs. Agindo-se com fir- meza para se provocarem certos atos, geram-se hábitos que se manifestam com uniformidade igual ã dos estímulos que os originam. Se pusermos um rato em um labirinto, de sorte a só encontrar alimento se der certo número de voltas em deter- minado sentido, seus atos se modificam gradualmente até que, pelo hábito, em se achando com fome, procede daquela forma, de preferência a qualquer outra. A atividade humana modifica-se de análoga maneira. Uma criança que se queimou teme o fogo; se um pai preparasse as coisas de modo que a criança se queimasse cada vez que to- casse em determinado brinquedo, essa criança aprenderia a evitar esse brinquedo tão automaticamente como evitaria o
  • 22. 14 Democracia e educação fogo. Estamos, todavia, a tratar do que se pode chamar adestramento, treino, para se distinguir do ensino educativo. As mudanças consideradas o são mais de atos exteriores do que de disposição mental ou emocional. A distinção não é, contudo, muito grande. No espírito da criança pode gerar-se violenta aversão não só por aquele brinquedo, senão também pelas espécies de brinquedos que se lhe assemelhem. A aver- são poderá persistir mesmo depois de esquecidas as primitivas queimaduras; ulteriormente poderá chegar mesmo a inventar alguma razão para explicar essa aversão aparentemente des- razoável. Em alguns casos, pois, a modificação dos hábitos exteriores do proceder, por meio de mudança do ambiente, que altere^ os estímulos da ação, também modifica a atitude mental correspondente a essa ação. Isto, entretanto, não acontece sempre; uma pessoa exercitada a desviar-se de um golpe, desvia-se automaticamente sem qualquer correspondente pensamento ou emoção. Precisamos, por isso, descobrir algu- ma diterença essencial entre o adestramento e a educação. Podemos encontrar um fio condutor na circunstância de que o cavalo não participa verdadeiramente da utilidade social a que a sua atividade é destinada. Algumas pessoas podem habituar o cavalo a praticar atos que são vantajosos a elas, tornando vantajosa, também para o cavalo, a prática dos refe- ridos atos fazendo-o ganhar o alimento, etc. Mas para o cavalo, presumivelmente, não há outro interesse além deste. Aquilo que o interessa é apenas o alimento e não o serviço que está prestando. Não é%um companheiro em. uma atividade associada. Se o fosse, ele.se empenharia na ação comum com os mesmos interesses dos homens. Compartiria, também, das suas ideias e emoções. Ora, em muitos casos — muitíssimos — a atividade do ser humano imaturo é simplesmente provocada para a aqui- sição de hábitos úteis. É mais adestrado como um animal do que educado como um ser humano. Seus instintos fi- cam presos aos objetos que lhe originaram a dor ou o prazer. Mas, para ser feliz ou evitar o desgosto do malogro, ele deve proceder de modo agradável aos outros. Em outros casos, porém, participa realmente da atividade comum. Modifica-se então seu impulso originário. Não somente procede de um modo que se harmoniza com a ação dos companheiros, como também, procedendo assim, se despertam nele as mesmas ideias e emoções que animam aqueles. Suponhamos que seja guer- reira uma tribo. Os fins a que ela visa com seus esforços, as A educação como junção social 15 realizações a que dá maior importância, são os que se relacionam com a luta e com a vitória. A existência neste meio incentiva as manifestações belicosas do menino, a princípio nos jogos e, mais tarde, sendo bastante forte, em façanhas verdadeiras. Quando luta, recebe aplausos e sobe no conceito geral; caso se abstenha, é detestado, ridicularizado, cai no desfavor de todos. Não admira, portanto, que suas originárias tendências e emo- ções belicosas se fortifiquem à custa das outras e que suas ideias se voltem para coisas relacionadas com a guerra. Só assim ele é perfeitamente reconhecido como um membro de seu grupo. Desta maneira seus hábitos mentais se tornaram gradativãmente semelhantes aos de seu grupo. Se formularmos o princípio envolvido neste exemplo, notaremos que o meio social não implanta diretamente certos desejos e ideias, nem se limita a .estabelecer meros hábitos musculares de ação, como o ato "instintivo" de desviar-se de um golpe. O primeiro passo consiste em estabelecer con- dições que estimulem certos modos patentes e tangíveis de proceder; e o passo complementar é tornar de tal modo o indivíduo participante ou companheiro na atividade comum que ele sinta, como seus próprios, os triunfos e os maus êxitos da mesma. Desde que esteja possuído da atitude emociona-l do grupo, terá sempre o cuidado de procurar conhecer os fins especiais a que o referido grupo aspira e os meios necessários para garantir o triunfo. Por outras palavras — suas crenças e ideais assumirão natureza análoga à dos demais de sua agre- miação. E ele assimilará o cabedal de conhecimentos desta, uma vez que conhecê-los contribui para o exercício da sua atividade habitual. A importância da linguagem para a aquisição de co- nhecimentos é, sem dúvida alguma, a causa principal da no- ção comum de que b conhecimento se pode transmitir di- retamente de uma a outra pessoa. Figura-se-nos quase que, introduzir uma ideia no espírito de alguém, seja como fazer um som ferir os seus ouvidos. Desta maneira, a comunicação do pensamento se assemelharia a um processo puramente fí- sico. Mas se analisarmos o modo de aprender a linguagem, veremos que ele confirma o princípio já estabelecido. Pro- vavelmente se admitiria, com pouca hesitação, que uma criança aprende, por exemplo, a ideia de chapéu, usando-o da forma por que as outras pessoas o fazem: cobrindo com ele a cabeça, dando-o a outras pessoas para o porem, vendo que, quando vai
  • 23. 16 Democracia c educação sair, outros o põem na sua própria cabeça, etc. Todavia, poder-se-á perguntar de que maneira esse princípio da ati- vidade partilhada se pode aplicar à apreensão, por exemplo, por meio da palavra falada ou escrita, da ideia de um capacete grego, caso em que não se verifica nenhum uso direto. Que atividade compartida existirá no aprender-se em livros a his- tória da descoberta da América? Uma vez que a linguagem tende a tornar-se o princi- pal meio de aprenderem-se muitas coisas, vejamos o modo por que ela atinge este resultado. A criança, naturalmente, começa ouvindo simples sons, ruídos e modulações sem qual- quer significação, isto é, sem exprimir para ela ideia alguma. Os sons são precisamente uma espécie de estímulo para pro- duzir-se reação imediata; alguns têm efeito tranquilizador, outros tendem a fazer ficar alerta, e assim por diante. Os sons da .palavra chapéu ficariam completamente sem sentido, pareceriam ruídos inarticulados, se não fossem proferidos quando associados a um ato de que se participa com alguma outra pessoa. Quando a mãe vai levar a criança a passeio, fala "chapéu" enquanto põe alguma coisa na cabeça do pe- queno. Ser levado a passeio torna-se um interesse para este; não só a mãe e o filho saem materialmente a passeio, como se interessam ambos por esta saída, deleitam-se juntamente com ela. Por essa associação com outros fatores em açãot os sons de "chapéu" tomam logo para a criança a mesma significação que têm para os pais; tornam-se um símbolo da atividade em que ela toma parte. O simples fato de,que a linguagem consiste em sons mutuamente inteligíveis basta para mostrar que sua significação exige que haja uma experiência compartilhada. Em suma — os sons do vocábulo '"chapéu" adquirem sentido do mesmo modo que o adquire o objeto "chapéu", por serem usados em determinadas situações. E tomam a mesma significação para a criança e para o adulto por, serem usados por ambos em um ato comum. A garantia para a igualdade de uso está na circunstância de que a coisa e os sons foram primeiro empregados em uma atividade con- junta, como um meio de estabelecer conexão operante entre a criança e o adulto. As ideias ou significações se tornam semelhantes por se acharem os dois associados em uma ação na qual o que um faz depende do que o outro faz e influi na ação deste. Se dois selvagens estivessem a caçar juntos e certo aviso significasse para o que o fizesse: ''Fique do lado A educação como função social 17 direito" e para o que o ouvisse: "Fique do lado esquerdo", é claro que não lhes seria possível a caçada em comum. Compreenderem-se duas pessoas significa que as coisas, inclu- sive os sons, têm para ambas o mesmo valor, ao se dedicarem a uma empresa comum. Depois que os sons adquiriram significação pela sua conexão com outras coisas empregadas em uma atividade co- mum, podem ser utilizados em combinação com outros sons similares para produzirem novas significações, exatamente como se associam as coisas que eles representam. Desta for- nia, por exemplo, as palavras que fizeram a criança saber o que é um capacete grego adquiriram originariamente uma significação (ou foram compreendidas) pelo uso em um ato de interesse e finalidade comuns. Elas agora assumem novo sentido incitando, àqueles que as ouvem ou lêem, a evocar mentalmente a espécie de atividade em que se usa o capacete. Quem compreende as palavras "capacete grego" torna-se, nesse momento, em imaginação, partícipe da ação daqueles que usa- ram o capacete. Mentalmente se associa a uma ação comum. Não é fácil, por isso mesmo, apreender a plena signi- ficação das palavras. A maioria das pessoas provavelmente se satisfaz com a ideia de que "capacete" indica uma espé- cie esquisita de ornato que os gregos usavam na cabeça. Po- de-se, pois, concluir pelo exposto que o uso da linguagem para transmitir e adquirir ideias é uma extensão e aperfeiçoa- mento do princípio de que as coisas adquirem significação quando usadas em uma experiência partilhada ou em uma ação conjunta; de modo algum a aplicação da linguagem con- travém àquele princípio. Quando as palavras não ^nti^m como fatores em uma ação compartilhada •— quer real, quer imaginariamente •— elas obram como puros estímulos físicos, não tendo significação ou valor intelectuais. Fazem a atividade correr em um dado leito, mas desacompanhada de intenção ou significação consciente. Por exemplo, o sinal aritmético "mais" pode ser um estímulo para o ato de escrever um número debaixo de outro e de somá-los, mas a pessoa que pratica este ato procederá como um autómato se não perceber o sen- tido daquilo que se acha a fazer. 3. O meio social como fator educativo, — O que resulta, em suma, de tudo isto, é que o meio social cria as atitudes mental e emocional do procedimento dos indivíduos,
  • 24. 18 Democracia e educação fazendo-os entregar-se a atividades que despertam e vigo- rizam determinados impulsos, que têm determinados óbje- tivos e acarretam determinadas consequências. Uma criança vivendo no seio de uma família de músicos terá inevitavel- mente estimuladas, por menores que elas sejam, as suas aptidões musicais, e as terá mais estimuladas, relativamente, do que outros impulsos que poderiam despertar em diverso ambiente. Com efeito, se não tomar interesse pela música e não adquirir nessa arte alguma competência, será como um elemento estranho, inábil para participar da vida do grupo a que pertence. É, realmente, inevitável alguma participação na vida daqueles com quem o indivíduo se acha em contacto; por essa participação o ambiente social exerce um influxo educativo ou formativo, independentemente de qualquer propósito in- tencional. Nas sociedades selvagens e bárbaras essa participação direta (que constitui a educação indireta ou casual a que nos referimos) é, quase que só ela, a influência que inicia os pequenos nos costumes e nas crenças de seu grupo. E mesmo nas sociedades atuais é ela que fornece o alimento fundamental ainda aos jovens que mais longamente rece- bem educação escolar. De acordo com os interesses e as ocupações do grupo, algumas coisas tornam-se objeto de grande estima; outras, de aversão. A associação não cria os impulsos de predileção e desagrado mas proporciona os objetos a que eles se aplicam. O modo por que nosso grupo ou classe faz as coisas tende a determinar quais os objetos que necessitam de atenção e a traçar assim as direções e limites da observação e da memória. Aquilo que é estranho ou exótico (isto é, alheio à atividade do grupo) propende a ser moralmente proi- bido e intelectualmente suspeito. Parece-nos, por exemplo, qua- se incrível que as coisas que hoje conhecemos perfeitamente te- nham sido ignoradas nos séculos passados. Inclinamo-nos a explicar isto atribuindo estupidez inata a nossos precursores e presumindo, quanto a nós, termos inteligência inata superior. Mas a explicação real é que seu modo de vida não lhes reclamava a atenção para tais fatos, conservando-lhes os espí- ritos acorrentados a outras coisas. Exatamente como os sen- tidos requerem objetos sensíveis para estimulá-los, nossas fa- culdades de observar, recordar e imaginar não funcionam espontaneamente, mas são movidas pelas exigências impostas pelas ocupações sociais habituais, A urdidura essencial de A educação como função social 19 nossa disposição de espírito é formada, independentemente dos cursos escolares, pelas referidas influências. O que o ensino consciente e deliberado pode fazer é, no máximo, li- bertar as aptidões assim formadas para um mais amplo desen- volvimento, purgá-las de algumas de suas rudezas e fornecer objetos que tornem sua atividade mais rica de significação. Uma vez que este "inconsciente influxo do ambiente" .é tão sutil e penetrante que impregna todas as fibras do cará- ter e do espírito, pode valer a pena especificar algumas direções em que mais se lhe acentua o efeito. Primeiramente, os há- bitos da linguagem. Os modos essenciais de falar, a abun- dância do vocabulário, formam-se nas relações ordinárias da vida e se desenvolvem — não como um meio de instrução mas como uma necessidade social. O infante aprende, como bem o dizemos, a língua m&terna. Os hábitos de linguagem assim contraídos podem ser corrigidos, ou mesmo suprimidos pelo ensino consciente; mesmo assim, em momentos de exalta- ção desaparecem muita vez os modos de falar intencionalmente aprendidos e as pessoas retomam sua verdadeira linguagem primitiva. Em segundo lugar, as maneiras. Os exemplos va- lem evidentemente mais que as regras. Adquirimos boas ma- neiras, segundo dizemos, com a boa criação, ou antes, são elas a boa criação; e esta é adquirida pelos atos habituais, como reaçoes a estímulos habituais, e não como conhecimentos trans- mitidos. Apesar do processo indefinido da correção e instru- ção conscientes, o meio e a mentalidade ambientes são, afinal de contas, o principal agente para a aquisição de boas ma- neiras. E as maneiras não passam de uma moral de menor importância. E mesmo na verdadeira moral, a instrução consciente só- terá possibilidade de eficácia na medida em que se harmonizar com o procedimento daqueles que consti- tuem o ambiente social da criança. Em terceiro lugar, o bom gosto e a apreciação estética. Se o olhar for constan- temente alegrado por objetos harmoniosos, graciosos de forma e cor, desenvolve-se naturalmente o sentimento do bom gosto. O efeito de um meio tosco, de quinquilharias, desordenado e superenfeitado, produz a depravação do gosto, bem como o viver-se em meios pobres e estéreis aniquila o amor ao belo. Nessas circunstâncias desfavoráveis o ensino consciente mal pode fazer qualquer coisa além de ministrar conhecimentos por assim dizer de segunda mão, que constituem o modo de pensar de outras pessoas. O bom gosto não se gera esponta-
  • 25. 20 Democracia e educação neo como um predicado pessoal, mas é uma lembrança elaborada das coisas que ensinamos alguém a ter em mais apreço. Dizer que as mais fundamentais craveiras da apreciação dos valores são forjadas pelas situações em que uma pessoa habitualmente se encontra, será menos um quarto ponto a mencionar do que a fusão dos três anteriormente referidos. Raras vezes reco- nhecemos em que extensão as ideias conscientes que temos do valor de algumas coisas e do desvalor de outras são devidas a padrões mentais de cuja existência absolutamente não temos consciência. Mas pode-se generalizar dizendo-se que as coisas que aceitamos como certas sem exame ou reflexão são preci- samente as que determinam nosso pensamento consciente e nossas conclusões. E estes hábitos que assim jazem abaixo do plano da reflexão são justamente os que se formaram no incessante dar e receber de nossas relações com outras pessoas. 4. A escola como ambiente especial. — A principal importância da exposição precedente sobre o processo edu- cativo que prossegue involuntariamente, é levar-nos a notar que o único processo de influírem os adultos sobre a espé- cie de educação que o imaturo recebe é o de influírem sobre o meio em que eles agem e, portanto, pensam e sentem. Jamais educamos diretamente e, sim, indiretamente, por intermédio do ambiente. Grande diferença existirá em permitirmos a ação casual do meio e em escolhermos intencionalmente o meio para o mesmo fim. E será casual a influência educativa de qualquer meio, a menos que de caso pensado não o regulemos para a obtenção de um efeito educativo. A diferença entre um lar inteligente e outro ininteligente está principalmente em que os hábitos de vida e a convivência daquele são escolhidos, ou, pelo menos, impregnados da ideia de seu influxo sobre o desenvolvimento das crianças. As escolas, todavia, continuam sendo o exemplo típico do meio especialmente preparado para influir na direção mental e moral dos que as frequentam. De modo geral, elas começam a existir quando as tra- dições sociais são tão complexas que parte considerável do acervo social é confiada à escrita e transmitida por meio de símbolos escritos. Ora, os símbolos escritos são ainda mais artificiais ou convencionais do que os falados; não podem ser aprendidos nas relações casuais com outras pessoas. De- mais disto, a linguagem escrita tende a selecionar e registrar matérias que são relativamente estranhas à nossa existência A educação como- função social 21 ordinária. Conservam-se assim as -realizações' conseguidas pelas gerações anteriores, mesmo que algumas delas estejam desde algum tempo em desuso. Por conseguinte, uma vez que urna comunidade depende em considerável extensão de coisas jacentes além de seu próprio território e de sua geração atual, precisa contar com a ação definida das escolas para assegurar uma conveniente transmissão de todos os seus recursos. Num claro exemplo: A vida dos antigos gregos e romanos influen- cia profundamente a nossa e, apesar disso, o modo por que nos influencia não se patenteia na superfície de nossos atos habituais. Analogamente, povos ainda existentes, mas afas- tados no espaço, os ingleses, os alemães, os italianos, interes- sam diretamente nossa atividade social, mas a natureza do mútuo influxo não pode ser compreendida sem exposição e atenção particulares. Semelhantemente, não podemos confiar em nosso trato diário para patentear aos mais novos o papel desempenhado em nossas espécies de atividade pelas remotas energias físicas e pelas subestruturas invisíveis. Daí o fato de instituir-se um modo particular de intercâmbio social — a escola — para tratar dessas matérias. Comparada com as associações ordinárias da vida, no- tam-se nesta espécie de associação três funções suficiente- mente especiais. Primeira —• uma civilização complexa não pode ser assimilada in totó. Cumpre, por assim dizer, fragmentá-la em vários pedaços e fazê-la assimilar aos poucos, de modo gradativo. Tão numerosas e entrelaçadas são as fun- ções de nossa presente vida social, que uma criança, colo- cada na posição mais favorável, não poderia prontamente participar de muitas das mais importantes dentre elas. Não co-participando das mesmas, não lhes apreenderia a significação e elas não se tornariam parte de sua estrutura mental. Não se veriam as árvores por causa da floresta. Os negócios, a política, a arte, a ciência, a religião lhe reclamariam, a um tempo, a atenção em alarida tal, que, como resultado, só se teria a confusão. A primeira função do órgão social que denominamos escola é proporcionar um ambiente simplificado, Selecionando os aspectos mais fundamentais, e que sejam capa- zes de despertar reações da parte dos jovens, estabelece a es- cola, em seguida, uma progressão, utiíizando-se dos elementos adquiridos em primeiro lugar como meio de conduzi-los ao sen- tido e compreensão real das coisas mais complexas.
  • 26. 22 e educação A educação como função social 23 Em segundo lugar, é tarefa do meio escolar eliminar o mais possível os aspectos desvantajosos do ambiente comum, que exercem influência sobre os hábitos mentais. Cria um ambiente purificado para a ação, A seleção, aqui, não só aspira a simplificá-lo, como também a depurá-lo dos fatores indesejáveis. Toda a sociedade vive atravancada, comumente, com a galharia seca do passado e com outras coisas verdadei- ramente perniciosas. É dever da escola omitjr tais coisas no ambiente que proporciona, e deste modo fazer com que se neutralize sua influência no âmbito social comum. Escolhendo o melhor para usá-lo, exclusivamente, ela se empenha em re- forçar o poder deste melhor. À proporção que uma sociedade se torna mais esclarecida, ela compreende que importa não transmitir e conservar todas as suas realizações, e sim unica- mente as que importam para uma sociedade futura mais per- feita. A escola é seu principal fátor para a consecução deste fim. Em terceiro lugar, compete ao meio escolar contraba- lançar os vários elementos do ambiente social e ter em vista dar a cada indivíduo oportunidade para fugir às limitações do grupo social em que nasceu, entrando em contacto vital com um ambiente mais amplo. Palavras como "sociedade" e "comunidade" são próprias a falsear-nos os juízos, pois tendem a fazer-nos pensar que existe uma coisa única, cor- respondente a uma palavra única. O ° fato é que a socieda- de moderna se compõe de muitas sociedades mais ou menos frouxamente entrosadas entre si. Cada lar com seus amigos mais íntimos constitui uma sociedade; a aldeia ou o grupo de meninos que joga, em comum, numa rua é uma comunidade; cada grupo do mundo dos negócios e cada clube são outras. Além destes grupos de natureza mais privada, há em um país como o nosso várias raças, seitas religiosas e «divisões econó- micas. No interior de uma cidade moderna, malgrado sua nominal unidade política, existem provavelmente mais comu- nidades e diversidades de costumes, tradições, aspirações e es- pécies de governo ou de influência do que existiram em todo um continente em uma era remota. Cada um desses grupos exerce influxo formador nas disposições ativas de seus componentes. Um corrilho, um clube, uma quadrilha de ladrões, os presos de um cárcere, fornecem meios educativos para aqueles que participam de sua atividade coletiva ou conjunta, com força igual à de uma igreja, de uma cooperativa de trabalhadores, de uma socie- dade industrial ou comercial, ou de um partido político. Cada um deles é tão verdadeiramente uma espécie de vida associada ou em comum como uma família, uma cidade ou um país. Existem também comunhões cujos membros têm pouco ou nenhum contacto uns com'os outros, como o mundo dos' artistas, a república das letras, os membros de uma douta classe profissional espalhados pelo mundo inteiro. Mas eles têm objetivos comuns, e a atividade de cada um dos membros é diretamente modificada pelo conhecimento daquilo que os outros fazem. Nos antigos tempos a diversidade de grupos era ques- tão principalmente geográfica. Existiam muitas sociedades mas, cada qual, em seu próprio território, era relativamente homogénea. Mas com o incremento do comércio, dos meios de transporte, da intercomunicação e da emigração, países como os Estados Unidos são compostos de uma combinação de diferentes grupos com diferentes costumes tradicionais. Foi esta situação, talvez, mais do que qualquer outra causa, que acarretou a exigência de institutos educativos que forne- cessem uma coisa semelhante a um ambiente homogéneo e bem equilibrado para as pessoas mais jovens. Só por este meio poderiam ser contrabalançadas as forças centrífugas geradas pela justaposição de diferentes grupos dentro de uma mesma . unidade política. A convivência, na escola, de jovens de diversas raças e religiões, e de costumes dessemelhantes, pro- porciona a todos um meio novo e mais vasto. Os estudos comuns acostumam a todos, por igual, a um descortino de horizontes mais amplos do que os visíveis aos membros de qualquer grupo, quando este se encontra isolado. A força assimiladora das escolas públicas americanas é eloquente testemunho da eficácia de um interesse comum e bem dosado. Á escola tem igualmente a função de coordenar, na vida mental de cada indivíduo, as diversas influências dos vários meios sociais em que ele vive. Um código prevalece na fa- mília; outro, nas ruas; um terceiro, nas oficinas ou nas lojas; um quarto, nos meios religiosos. Quando uma pessoa passa de um desses ambientes para outro, fica sujeita a impulsos contraditórios e acha-se em risco de desdobrar-se em perso- nalidades com diversos padrões de julgar e sentir, conforme as várias ocasiões. Este risco impõe à escola uma função for- talecedora e integradora.
  • 27. 24 Democracia e educação Resumo. — Não se pode efetuar pela transmissão díreta de convicções, emoções e conhecimentos, o desenvol- vimento, nos seres mais novos, das atitudes e estados men- tais necessários à contínua e progressiva vida de uma socie- dade. Ela efetua-se por intermédio do meio. O meio con- siste na soma total das condições necessárias para a reali- zação das atívidades características de um ser vivo. O meio social consiste em todas as atividades de seres semelhantes intimamente associados para a realização de seus fins co- muns. Ele é. verdadeiramente educativo em seus efeitos, na medida em que o indivíduo participa de alguma atividade conjunta. Contribuindo com sua parte na atividade associada, o indivíduo adota os fins que a estimulam, familiariza-se com seus métodos e materiais, adquire a necessária habilidade e impregna-se de seu modo de sentir. A formação espiritual mais profunda e mais sólida se origina, sem intuito consciente, da co-participação, por parte dos elementos sociais mais novos, da atividadfe dos vários grupos a que possa pertencer. Todavia, ao tornar-se a so- ciedade mais complexa, cumpre proporcionar um ambiente social especial ^ que se dedique especialmente a desenvolver as. aptidões dos imaturos. Três das mais importantes funções deste meio especial são as seguintes: simplificar e coordenar os fatores da mentalidade que se pretenda desenvolver; puri- ficar e idealizar os costumes sociais existentes; criar um meio mais vasto e melhor equilibrado do que aquele pelo qual os imaturos, abandonados a si mesmos, seriam provavelmente influenciados. CAPÍTULO 3 A educação como direção 1. O meio como fator de direção. — Passaremos agora a tratar de uma das formas especiais assumidas pela função da educação: isto é, de servir de direção, controle ou guia. A última destas ,três palavras — direção, controle e guia — é a que melhor exprime a ideia de auxiliar, por meio da cooperação, as aptidões naturais dos indivíduos guia- dos; controle lembra, antes, a noção de uma energia a atuar exteriormente e a encontrar alguma resistência por parte do objeto dominado; direção é um termo de significação mais neutra e sugere o fato de que as tendências cativas dos diri- gidos são orientadas uniformemente para certo sentido, em vez de se dispersarem sem objetivo. Direção exprime a fun- ção fundamental que, em um dos extremos, tende a tornar-se em um auxilio condutor e, no outro, em regulação ou regra. Mas em todos os casos deveremos cuidadosamente evitar uma significação às vezes implícita no vocábulo controle ou governo. Já se presumiu, muitas vezes, explícita ou inconscientemente, que as tendências do indivíduo são, por seu natural, pura- mente individualistas ou egoístas, e, portanto, anti-sociais. Regulação ou controle denota então o processo pelo qual ele é levado a subordinar seus impulsos naturais aos fins públicos ou comuns. Desde que por esta concepção sua natureza é completamente alheia a este processo e mais se lhe opõe do que o auxilia, a função educativa tem neste ponto de vista um cunho de coação ou compulsão sobre o indivíduo. De acordo com esta noção que seriamente influiu nas ideias e na prática educacionais têm sido arquitetados sistemas de governo e teo- rias políticas. Mas tal opinião não tem fundamento algum. Não há dúvida de que, às vezes, aos indivíduos é vantajoso cuidar de seus próprios interesses e que estes podem achar-se em conflito com os interesses dos demais. Mas para eles há igualmente vantagem, em conjunto maior do que qualquer