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Nº 182 SETEMBRO DE 2004
                          JORNAL                DOS




    ÓRGÃO OFICIAL DO CORECON-RJ E SINDECON-RJ




O que eles querem
para o Rio?




Carlos Lessa e a economia solidária
                   Página 3
2                                                                                                                                                    setembro
                                                                                                                            jornal dos economistas - setembro de 2004


    EDITORIAL

                                                                                                                                          Jornal dos




              Eleição e novos atores                                                                                Órgão
                                                                                                                    Órgão Oficial do
                                                                                                              CORECON - RJ E SINDECON - RJ



    N
            esta edição, o JE abriu suas páginas para       Em uma época marcada pela reedição, às                            ISSN 1519-7387
            os cinco principais candidatos à Pre-       vezes surpreendente, das receitas neoliberais     Conselho Editorial: Gilberto Alcântara, Gilberto
            feitura do Rio exporem suas idéias, pro-    que tiveram seu auge nos governos de              Caputo Santos, José Antônio Lutterbach Soares, Paulo
                                                                                                          Mibielli, Paulo Passarinho, Rafael Vieira da Silva, Ro-
    postas e convicções. É uma contribuição ao          Fernando Collor e de Fernando Henrique            gério da Silva Rocha e Ruth Espínola Soriano.
    debate sobre a cidade, seus problemas e os          Cardoso – aumento de juros, elevado superá-       Editor: Nilo Sérgio Gomes
    caminhos para as suas soluções.                     vit primário, privatização, etc. – o professor    Correio eletrônico: nilosgomes@uol.com.br
        Contudo, este número traz outras abor-          Lessa joga foco em um outro tipo de econo-        Ilustração: Aliedo
                                                                                                          Caricaturista: Cássio Loredano
    dagens tão ou mais interessantes. Uma delas,        mia, baseado na solidariedade e não na com-                        Finalização:
                                                                                                          Diagramação e Finalização:
    o artigo baseado no texto vencedor do XIV           petição, e que ele considera como “um refe-       Rossana Henriques (21) 2462-4885
    Prêmio Corecon de Monografia, de Carlos             rencial de outras formas de organizar um          Fotolito e Impressão: Tipológica
                                                                                                                     Impressão:
                                                                                                          Tiragem: 13.000 exemplares
    Augusto Góes Pacheco, que traz uma impor-           processo produtivo”.                              Periodicidade: Mensal
    tante reflexão sobre os municípios beneficia-           Lembra e tem íntima relação com as afir-
    dos pelos royalties do petróleo, resumida na        mações recentes do professor Celso Furtado             Correio eletrônico: seapo@corecon-rj.org.br

    seguinte questão: estão esses municípios se         que, no intervalo de uma gravação de um           As matérias assinadas por colaboradores não refle-
    preparando para o futuro próximo, quando            depoimento seu para o Conselho Federal de         tem, necessariamente, a posição das entidades.
    as reservas do ouro negro se esgotarem e es-        Economia, afirmou que o crescimento eco-          É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos
                                                                                                          desta edição, desde que citada a fonte.
    sas receitas indenizatórias tiverem fim?            nômico, por si só, não garante distribuição
        Outra abordagem extremamente interes-           de renda. Somente um novo tipo de desen-             CORECON - CONSELHO REGIONAL
    sante é a palestra do professor Carlos Lessa,       volvimento econômico, que mude as relações                 DE ECONOMIA/RJ

    no Dia do Economista, em que o presidente           sociais, pode alcançar esse fim. E arrematou                                            ·
                                                                                                                      Av. Rio Branco, 109 19º andar

    do BNDES fez a apresentação de algumas              o nosso mestre: o Brasil precisa descobrir,
                                                                                                                                · ·
                                                                                                             Rio de Janeiro RJ Centro CEP 20054-900
                                                                                                                     Telefax: (21)2232-8178 ramal 22
                                                                                                                                                    ·
                                                                                                             Correio eletrônico: corecon-rj@corecon-rj.org.br
    das iniciativas que o banco vêm tomando. E          inventar um modelo que tenha a sua cara e
                                                                                                                  internet: http://www.corecon-rj.org.br
    o que mais chama a atenção nessa exposição          atenda às necessidades da sociedade e do país.    Presidente: José Antônio Lutterbach Soares Vice-        ·
    de Lessa é o que ele chama de “novos                    Por que não acreditar que isto é possível?    p residente: João Manoel Gonçalves Barbosa
                                                                                                            residente:
                                                                                                          Con selheiros Efetivos: Carlos Henrique Tibiriçá
                                                                                                          Conselheir
                                                                                                               selheiros
                                                                                                                                                                          ·
    protagonismos”: a economia solidária.                   Uma boa leitura e bons votos.
                                                                                                          Miranda, José Antonio Lutterbach Soares, Renata Leite
                                                                                                          Pinto do Nascimento, Ceci Juruá, João Manoel
                                                                                                          Gonçalves Barbosa, Nelson Victor Le Cocq d´Oliveira,
                                           Sumário                                                        Ronaldo Raemy Rangel, Francisco Bernardo de Arantes
                                                                                                                  ·
                                                                                                          Karam Conselheiros Suplentes: Gilberto Alcântara
                                                                                                                    Conselheir
                                                                                                                        selheiros
                                                                                                          da Cruz, Jorge de Oliveira Camargo, Rogério da Silva
    Página 03 O orgulho de ser brasileiro – Carlos Lessa                                                  Rocha, Julio Flavio Gameiro Miragaya, Gilberto Caputo
                                                                                                          Santos, Arthur Câmara Cardozo, Mario Luiz Freitas
    Página 06 Contra os gastos sociais e com segurança – João Leonardo Medeiros                           Lemos, Eduardo Carnos Scaletsky.

                                                                                                                          SINDICATO
                                                                                                               SINDECON - SINDICATO DOS
                                                                                                             ECONOMISTAS DO ESTADO DO RJ
                                                                                                             ECONOMISTAS     ESTADO
                                                                                                                                       ·
                                                                                                            Av. Treze de Maio, 23 Grupos 1607/1608/1609
                                                                                                                                      · ·
                                                                                                                    Rio de Janeiro RJ CEP 20031-000
                                                                                                                                ·
                                                                                                          Tel.: (21)2262-2535 Telefax: (21)2533-7891 e 2533-2192
                                                                                                                Correio eletrônico: sindecon@sindecon.org.br
                                                                                                          Coodenador Geral: Paulo Passarinho Coordenador·  Coordenador
                                                                                                          de Assuntos Institucionais: Sidney Pascotto
                                                                                                          Diretores de Assuntos Institucionais: Ronaldo
                                                                                                          Diretor
                                                                                                               etores
                                                                                                                                                                          ·
                                                                                                          Rangel, Ceci Juruá, Rogério da Silva Rocha, Rafael
                                                                                                          Vieira da Silva, Nelson Le Cocq, Antônio Melki Jr e

    Página 08 Especial – Eleições 2004 – O Rio pelo olhar dos seus candidatos
                                                                                                          Eduardo Carnos Scaletsky              ·    Coordenador
                                                                                                                                                     Coor denador de
                                                                                                          R e l a ç õ e s S i n d i c a i s : João Manoel Gonçalves

    Página 11 Monografia – Os royalties do petróleo – Carlos Augusto Góes Pacheco                                     ·
                                                                                                          Barbosa Diretores de Relações Sindicais: Júlio
                                                                                                                         Diretor
                                                                                                                             etores
                                                                                                          Miragaya, Gilberto Caputo Santos, Sandra Maria de
                                                                                                          Souza, Carlos Tibiriçá Miranda, José Fausto Ferreira,
    Página 15 Fórum Popular de Orçamento – A resposta do Secretário de Esportes                           César Homero Lopes, Neuza Salles Carneiro e regina

    Página 16 Entrega do Prêmio de Monografia
                                                                                                          Lúcia Gadioli dos Santos             ·          rd
                                                                                                                                                    C o o rd e n a d o r d e
                                                                                                          Divulgação e Finanças: Gilberto Alcantara da Cruz
                                                                                                                            Finanças:
                                                                                                          Diretores de Divulgação e Finanças: Wellington
                                                                                                          Diretor
                                                                                                              etores                              Finanças:
                                                                                                                                                                          ·
      O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Passarinho, de segunda
                                                                                                          Leonardo da Silva e José Jannotti Viegas Conselho
                                                                                                          Fiscal: Ademir Figueiredo, Luciano Amaral Pereira e
                                                                                                                                                             ·
      à sexta-feira, das 7h30 às 9h, na Rádio Bandeirantes, AM, do Rio, 1360 khz.                         Jorge de Oliveira Camargo.
setembro
jornal dos economistas - setembro de 2004
                                                                                                                                                                3
          13 DE AGOSTO             Carlos Lessa




           O orgulho de ser brasileiro
          Publicamos, a seguir, a palestra do professor Carlos Lessa, no Dia do Economis-
          ta, na sessão promovida pelo Corecon-RJ e pelo Sindicato dos Economistas para
          a homenagem a ele e aos professores João Paulo de Almeida Magalhães e Maria
          da Conceição Tavares*.


         P
                 rimeiramente, quero dizer que o João      colocando à disposição dos brasileiros o pen-       já está aprovado um orçamento de R$ 60,8
                 Paulo não está presente porque, nesta     samento desses – será que podemos chamar            bilhões que, se for mantida mais ou menos
                 noite, na Bahia, faz uma conferência em   assim? – pais fundadores, entre os pais fun-        essa paridade cambial, nos fará superar o Ban-
          homenagem a Rômulo de Almeida, que foi che-      dadores da nossa economia.                          co Mundial.
          fe da assessoria econômica de Vargas, foi quem       Quero dizer uma coisa a vocês: eu sou oti-          Então, nos dois anos do Governo Lula
          redigiu os estatutos da Petrobras, sendo fun-    mista. Algumas coisas nesse momento estão           teremos dobrado o orçamento de aplicações
          dador do Banco do Nordeste do Brasil.            me dando muita alegria. Dirão vocês: vão re-        do BNDES, o que não é um resultado trivi-
              Vocês bem sabem que a cadeira que estou      solver o mundo? Vão resolver os problemas           al. E se vocês me perguntarem como isso
          sentado, hoje, é muito pesada, muito difícil,    do Brasil, inaugurar novos tempos? Não. Mas,        foi feito, eu diria que, basicamente, lançan-
          muito eletrificada, mas ela permite algumas      certamente, na inauguração de novos tempos,         do mão de potencialidades do banco e res-
          coisas. Uma delas, que estamos promoven-         serão ingredientes importantes.                     taurando-o como banco de desenvolvimen-
          do, é a edição de toda a obra de Rômulo de           Estava sendo chamado para ocupar algu-          to. Isso nos permitiu dar um tratamento
          Almeida, comentada. Vamos, logo depois,          ma coisa que, por falta de outro nome, cha-         correto à massa de esqueletos que herdamos
          fazer o mesmo com a obra de Ignacio Rangel,      mo de mesoeconomia. Isso me daria um raio           das administrações anteriores. Na verdade,
          e é nossa idéia que o BNDES vá, aos poucos,      de manobra grande, até porque eu sei bem o          tivemos em 2003 o maior lucro nominal da
                                                           que é BNDES, e eu conheço bem suas                  história do banco e nesse semestre tivemos
                                                           potencialidades. Quero dizer que a cada dia         o maior lucro bancário do país. É impressi-
                                                            me surpreende num plano positivo.                  onante: tivemos mais lucro do que qualquer
                                                                   Vou dar algumas notícias, que são re-       outro grande banco brasileiro.
                                                                  levantes. Quando recebemos o banco,              Como fizemos? Não construindo ganhos
                                                                     há 18 meses, ele tinha um orçamen-        operacionais excessivos, até porque rebaixa-
                                                                       to aprovado de R$ 33 bilhões. Nós       mos nossa taxa de juros, reduzimos o spread,
                                                                        executamos esse orçamento, e vo-       mas o fizemos porque pudemos reverter pro-
                                                                          tamos para aprovar o orçamen-        visões de muita porcaria que herdamos das
                                                                           to seguinte, de R$ 48,7 bilhões.    administrações anteriores. Acho extrema-
                                                                           Quero dizer que com R$ 48,7         mente importante que os economistas sai-
                                                                           bilhões, por qualquer critério de   bam disso: primeiro, que o BNDES é um
                                                                           ranqueamento, o BNDES é             poderosíssimo instrumento do Estado na-
                                                                           muito maior do que o Banco          cional brasileiro: 100% do Estado. Não tem
                                                                           Interamericano de Desenvolvi-       ADR em lugar nenhum, por conseguinte, ele
                                                                                        mento. E, para o       opera rigorosamente a partir de projeto de
                                                                                             próximo ano,      Estado e seguindo, de forma disciplinada e
                                                                                                               consistente, as orientações estratégicas fi-
                                                                                                               xadas pelo governo. Segundo, este banco é,
                                                                                                                permitam-me dizer-lhes, um elemento de
                                                                                                                 orgulho dos brasileiros. Aliás, simbolica-
                                                                                                                   mente, o BNDES está aqui, tem uma
                                                                                                                      passarela que, do outro lado, tem a
                                                                                                                        Petrobras. Ambas as instituições fo-
                                                                                                                           ram fundadas por Getúlio Vargas,
                                                                                                                             que nesse ano completa 50 anos
                                                                                                                               da sua morte.
4                                                                                                                                                 setembro
                                                                                                                         jornal dos economistas - setembro de 2004




                                                                                                                                                             Foto: Samuel Tosta
             A riqueza do Nordeste

         Como não consigo deixar de ser otimista,
    vou lhes dizer algo muito concreto: creio que
                                                          Tenho acompanhado de per-
    o Nordeste, de região problema está em vias           to um tema que vamos cha-
    de se converter em região solução. Isso não é         mar “novos protagonismos”
    nada trivial, porque da fatura social brasilei-
    ra, uma percentagem extremamente relevan-             ou, se quiserem, economia
    te, alguma coisa da ordem de 40% a 50% desta          solidária
    fatura estão no semiárido nordestino e nas
    cidades nordestinas.
         O projeto de transposição de águas do rio
    São Francisco já começou. O Ministério da          agricultura irrigada. Quero dizer o seguinte:       projetos que estão se desenvolvendo rigoro-
    Integração Nacional já lançou a concorrência       é possível colecionar pequenos fragmentos de        samente dentro da regra do jogo, porém, que
    para a compra das primeiras grandes bom-           altíssimo desempenho e a chegada das águas          dependem de uma adequada engenharia
    bas. Apesar de ser difícil pactuar a vasta com-    vai permitir resolver algumas questões.             institucional e de um adequado financiamen-
    plexidade de interesses, que vão do es-                 Ao mesmo tempo, o projeto de novo tra-         to. As duas coisas vão sendo supridas. O
    tritamente econômico ao macropolítico, quero       çado da TransNordestina vai realizar um ve-         institucional pelo movimento sindical, e o fi-
    crer já houve suficiente convergência para         lho sonho de Ignacio Rangel. Ignacio sempre         nanceiro pelo BNDES, Banco do Brasil, Cai-
    dizer que haverá a transposição de águas do        imaginou que, na faixa de transição entre o         xa Econômica, etc.
    São Francisco. Não com esse nome, porque           Nordeste semiárido e o Centro Oeste, o Nor-              Tenho a impressão que essas primeiras ex-
    tem uma temática de estados doadores e es-         deste semiárido e a Amazônia existiria um           periências vão ter um efeito de alavancagem
    tados receptores que precisa ser articulada,       arco de terras com capacidade de produzir           de uma série de outras situações. A nova Lei
    mas a engenharia pesada vai ter a oportuni-        alimentos. Hoje essa região produz 5 milhões        de Falência, quando aprovada, vai permitir mul-
    dade não apenas de atender as necessidades         de toneladas de grãos e, com muita rapidez,         tiplicar experiências desse tipo, que hoje são
    dos estados doadores, em termos de recur-          pode chegar a 10 milhões de toneladas.              impedidas, porque o ritual da falência sucateia
    sos hídricos, e resolver alguma coisa como              Isso é suficiente para permitir uma ferrovia   inteiramente as instalações durante o período
    pelo menos 20 vales nordestinos.                   que ligue os três portos grandes da região com      em que se desenvolve o ritual da liquidação.
         O Nordeste tem um solo, nesse vales, com      esta faixa, e esse é um projeto priorizado pelo          Há pouco tempo estive no nordeste do
    excelentes características agronômicas. Têm        presidente da República. O BNDES vai ser o          Maranhão, que é uma região absolutamente
    um povo com qualidade admirável, que é re-         grande financiador dessa nova ferrovia. A com-      sem história econômica nenhuma. Nunca foi
    sistir, e por isso mesmo, uma grande capacida-     binação das operações ligadas à regularização       região de nada, e por nunca ter produzido
    de de se adaptar. Hoje, a tecnologia agronômi-     do São Francisco com a TransNordestina mu-          nada agora consegue explodir na ponta com
    ca de produção com pouca água, nesses              dam radicalmente as perspectivas do Nordeste.       um produto espantoso que é o mel, porque a
    territórios, é totalmente dominada pela                                                                região tem uma floração intensa, principal-
    Embrapa e pelas universidades do Nordeste;                   A economia solidária                      mente, flor de mangue. E tem uma abelha
    e o Nordeste tem 320 dias de sol por ano. Isso                                                         brasileira chamada “tiúba”, que não tem fer-
    representa uma vantagem decisiva em relação             Há um ponto a dizer, em nível absolutamen-     rão (bem brasileirinha!), que produz um mel
    a uma outra região, que é o Imperial Valley, na    te diferente: tenho acompanhado de perto um         que está sendo exportado para a Alemanha.
    Califórnia, que é o hectare agrícola mais valio-   tema que vamos chamar “novos protagonis-            E uma cooperativa de apicultores feita pela
    so dos Estados Unidos, que surgiu nos deser-       mos” ou, se quiserem, economia solidária. Uma       igreja, com todo o romantismo dessas orga-
    tos próximos ao Grand Canyon, quando foi           idéia que bancou a conversão da Conforja, fali-     nizações, evoluiu de 60 quilos para 220 tone-
    feita a transposição de águas do rio Colorado      da, na Uniforja, que é uma empresa de traba-        ladas e, agora, exporta mel para a Alemanha.
    para a região da Califórnia. E lá tem 230 dias     lhadores cooperados. Quero dizer aos senho-              Isso me permite dizer porque estou oti-
    de sol, enquanto o Nordeste tem 320 dias.          res que a Uniforja está inteiramente recuperada,    mista, pois acho que temos um povo capaz
         No plano das coisas absolutamente obje-       dobrou o faturamento neste ano, em relação ao       de histórias de espantar. A começar pela pró-
    tivas, vou citar algumas:                          ano passado, e já começou, inclusive, a exportar    pria história do presidente, que nasceu no
         A produção de camarão saiu de zero e,         um pouco para o exterior. Era uma empresa           Nordeste, não sabe exatamente o dia do nas-
    em seis anos, já são US$ 300 milhões de ex-        que estava condenada ao sucateamento.               cimento, como é muito freqüente, e que quan-
    portação. É tão eficiente que Mr. Bush já ele-          Pergunta: vamos resolver o problema do         do assumiu a presidência disse que estava re-
    vou as tarifas e penalizou o nosso camarão         emprego e retomar o desenvolvimento com             cebendo o primeiro diploma da vida dele, o
    nordestino, sob o argumento que era “dum-          essas experiências? Não. Mas vamos construir,       diploma de Presidente da República. Acho que
    ping” camaraônico... Estamos exportando 20         no Brasil, um referencial de outras formas de       esta é uma história que me parece sintetizar
    toneladas de flores tropicais por mês; se está     organizar um processo produtivo – isso não          muito da potencialidade que existe dentro do
    produzindo vinho na região de Sobral, com          é trivial, não são experiências românticas, são     povão brasileiro. Lá, com o mel da “tiúba”,
setembro
jornal dos economistas - setembro de 2004
                                                                                                                                                                                             5
          ou a trajetória absolutamente consistente do      Estamos fazendo isso na periferia de São Pau-                         fazemos a cerveja que gostamos de beber. A
          menino de Garanhuns à presidência da Re-          lo, num município do Rio Grande do Sul, e                             trajetória do empresário nacional, quando não
          pública são demonstrações de que este país é      não fiz em mais porque não consegui que                               vende, é ele pular para fora. Não posso dizer,
          capaz de histórias de espantar.                   outros municípios pudessem chegar. Mas te-                            mas já tem outro empresário nacional que pa-
              E esse cavalheiro, que é nosso presidente,    nho a esperança que estas duas experiências                           rece que virou holandês. Então, o seguinte: a
          acabou de lançar como mote central um tema        sirvam de referencial para esta discussão.                            tese da burguesia nacional já era há muito tem-
          que me parece absolutamente fundamental: a                                                                              po, como teoria. Por isso, a tal da economia
          auto-estima dos brasileiros. Estou absoluta-                A burguesia nacional                                        solidária, o tal novo protagonismo me seduz.
          mente convencido que esta é uma temática                                                                                    Quero terminar fazendo um comercial fi-
          central. Se há acusação pesada que pode ser           Tenho que fazer uma última observação: a                          nal de novos protagonistas. E vou fazer mais
          feita no plano do simbólico, do afetivo e do      tese da burguesia nacional eu sempre olhei com                        uma homenagem ao Nordeste: agora, para a
          emocional aos Fernandos, é que eles conse-        muita suspeita. Mas agora tenho todas as ra-                          praça de São Cristóvão. Vocês sabem qual é a
          guiram operar uma retirada do futuro do ima-      zões do mundo para ter todas as suspeitas do                          história da feira de São Cristóvão? Pau de ara-
          ginário e, ao mesmo tempo, conseguiram co-        mundo. Por que? Porque vou mostrar a vocês                            ra, anos 40, os caminhões soltam as pessoas
          locar uma séria suspeita de que ser brasileiro    uma história que começa com Pedro II. Pedro                           lá e aí os nordestinos daqui começaram a pe-
          é desvantajoso, desfavorável. Quem vai res-       II deu carta patente para uma companhia cha-                          dir para o caminhão trazer um pouco de ra-
          gatar? O nosso presidente da República. Ele       mada Cervejaria Brahma e para outra chama-                            padura, um pouco de farinha, e rapidamente
          está convocando a sociedade brasileira a dis-     da Antarctica Paulista. A história das duas é                         alguém começou a vender excedentes no lu-
          cutir a questão da auto-estima. Acho que, em      muito conhecida no Império, porque como o                             gar, isso foi crescendo, ocupou a calçada e aí
          torno dela, vamos começar a fazer uma série       Rui Barbosa queimou os arquivos da escravi-                           surgiu o Agamenon. O Agamenon é um des-
          de outras descobertas.                            dão, os pesquisadores foram atrás de fontes e                         ses gênios da raça, que negociou a cidadania
              Mas, nesse momento, estou obsessivamente      encontraram os registros da Brahma, e ela                             progressiva para a feira. O que é a feira, hoje?
          preocupado com uma questão: acho que o tema       terceirizava a mão-de-obra escrava. Ela não se                        Novecentas barracas, com nove a 10 pessoas
          do Fome Zero não pode sair de pauta. O tema       imobilizava em escravos, pagava aluguel a pro-                        cada. É uma empresa que emprega diretamen-
          da Fome Zero é para mim um divisor de águas.      prietários de escravos, rentistas.                                    te 8 mil, 9 mil pessoas.
                                                                                                                                      Não traz mais queijo do Nordeste. Como
                                                                                                                                  qualquer grande empresa compra em Goiás,
                                                                                                             Foto: Samuel Tosta


                                                                                                                                  a carne de sol é feita em Nova Iguaçu, mas
                                                                                                                                  sabe o que é que fazem lá? Lá se dança forró,
             A tese da burguesia nacional                                                                                         se come mocotó, se escuta literatura de cor-
             já era há muito tempo, como                                                                                          del feita por residentes no Rio e impressa no
             teoria. Por isso, a tal da eco-                                                                                      Rio, mas nós criamos uma coisa espantosa
                                                                                                                                  que é o seguinte: é um centro comercial, a
             nomia solidária, o tal novo                                                                                          céu aberto, de nordestinidade, incomprável
             protagonismo me seduz                                                                                                por qualquer cadeia, nem Iguatemi, nem Wal
                                                                                                                                  Mart, ninguém compra, sabe por que? São
                                                                                                                                  900 pequenos donos de barracas e ganharam
                                                                                                                                  total cidadania porque ocuparam, inclusive,
          Ele não pode ser tratado como uma proposta             Como é que ela cresceu? Com muita gi-                            aquela estrutura do Sergio Bernardes, que é
          romântica, e por maior respeito que eu tenha      nástica de copo, muita gente bebendo... Nos                           belíssima, curvas matemáticas...
          ao Betinho, ele tem que ser traçado como uma      anos 30, o Banco do Brasil deu diversos fi-                               Então, produziram essa coisa maravilhosa,
          estratégia de Estado, que passa pelas redes que   nanciamentos às duas cervejarias. O BNDES,                            que, semente em terra fértil, já estão surgindo
          existem disponíveis. A escola primária é o lu-    entre 1960 e 2000, deu 700 financiamentos                             três outras no Rio de Janeiro, e eu falei com o
          gar fundamental para esta campanha. Se as         para a Brahma e a Antarctica e, inclusive,                            governador de São Paulo, ele vem agora comi-
          crianças de sete a 14 anos tiverem três refei-    apoiou na compra que fizeram da Quilmes                               go para conhecer o Agamenon, porque vocês
          ções, 365 dias por ano, e se puderem levar para   argentina. E não é que agora, os três con-                            sabem que São Paulo faz sempre as coisas de-
          a escola, o seu irmão menor pela mão, nós         troladores não venderam a Ambev? Eles vi-                             pois que a gente, maiores e melhores. Então,
          vamos ampliar de dois a 14 anos e nós muda-       raram belgas. Trocaram o controle da Ambev                            vai provavelmente surgir em São Paulo uma
          mos a cara da fome no Brasil.                     por uma participação minoritária na Inter-                            coisa muito maior, pois tem mais nordestinos, e
              Estou dizendo isso até porque uma das         brew. Viraram belgas!!                                                eu tenho a esperança de que a maior rede neste
          coisas que estamos fazendo no BNDES é                  A importância do que acontece é a seguin-                        país venham a ser as feiras nordestinas, do
          apoiar experimentalmente alguns municípios        te: antes, 54% dos dividendos eram pagos em                           Oiapoque ao Chuí. E isso é belíssimo.
          que estão vivendo a experiência de fornecer       reais. Agora, necessariamente terão que ser
          a merenda, como um direito universal de ali-      convertidos em euros. Tecnologia??!! Mas nós                          *A palestra da Professora Maria da Conceição Tavares foi
          mentação para as crianças de dois a 14 anos.      fazemos uma ótima cerveja, ou pelo menos,                             publicada na edição passada do JE.
6                                                                                                                                       setembro
                                                                                                               jornal dos economistas - setembro de 2004


    POLÍTICA SOCIAL     João Leonardo Medeiros*



                                 Contra os gastos sociais
                                    e com segurança
    Diz a velha máxima po-
    pular que uma mentira
    repetida mil vezes tor-
    na-se verdade. Mais do
    que uma frase ocasio-
    nal, talvez se possa
    hoje empregar este di-
    tado para expressar
    com toda brevidade
    possível o espírito dos
    tempos. Afinal de con-
    tas, trata-se de um cla-
    ríssimo estratagema
    de autolegitimação pe-
    lo cansaço. Sendo o di-

                               N
                                        essa maré – aparentemen-     pública. E isso no mesmo dia em          mento não a expectativa de um
    tado falso, procura                 te rasante, aliás – poucas   que o governo e a imprensa tocavam       futuro otimista, mas o delinear de
    legitimar-se pela me-               idéias têm sido tão difun-   as trombetas para celebrar (com          um futuro sem futuro.
    cânica repetição. Per-     didas, no sentido do dispositivo      uma certa razão, já que nos desa-            Vejamos mais de perto a natu-
                               autolegitimador indicado, quan-       costumamos a receber notícias des-       reza do problema. O que significa
    gunto eu: não tem sido     to a noção de que a pobreza pode      te tipo) o que pode ou não ser, mas      um futuro no qual o Brasil, ou
    este precisamente o        e deve ser enfrentada mediante        já era tido com sido, o início de uma    qualquer outro país, prevê um
                               as assim-chamadas políticas so-       nova etapa de crescimento.               maior dispêndio com as políticas
    mecanismo emprega-
                               ciais. Ainda mais porque, sobre-           Detenhamo-nos inicialmente no       “sociais” e de segurança “públi-
    do por inúmeras das        tudo aqui e em outros recantos        orçamento. Em um país miserável,         ca”? Iniciando pelos “gastos” so-
    crenças – em si, dig-      do depósito terceiro-mundista do      este instrumento da democracia,          ciais, o mais importante aqui é
                               rebotalho humano “globalizado”,       como se diz em tom humorístico,          explicitar o que todos de certa for-
    nas da mais completa       essa primeira proposição tem          longe de ser uma simples peça jurí-      ma já sabem ou podem facilmen-
    ridicularização – pos-     sido indiscriminadamente combi-       dico-burocrático-ornamental, influ-      te reconhecer: a sua significação
    tas em circulação na       nada com uma outra, igualmente        encia decisivamente o futuro que se      contemporânea. Longe de se re-
                               falsa. Trata-se do clamor desespe-    pode entrever no curto prazo e,          ferir a gastos que, de alguma for-
    maré da ideologia he-      rado pela segurança “pública”,        como tendência, também no médio          ma, modificariam ativamente a
    gemônica?                  como solução para o definha-          e no longo. Projeta, ao menos, o fu-     existência social de indivíduos ge-
                               mento das relações propriamen-        turo que o governo em exercício, nas     nericamente concebidos, os gastos
                               te humanas e da vida cotidiana.       condições que encontra diante de si,     “sociais” têm sido nas últimas dé-
                                   Como sempre o Brasil, em as-      vislumbra para o país. Como as con-      cadas sinônimo de cobertura pas-
                               suntos dessa ordem, fornece exem-     dições são, e o presidente Da Silva      siva para as sobras humanas da
                               plos exemplares. Outro dia mesmo      não se cansa de enfatizar, oficialmen-   economia. Em outros termos, gas-
                               vimos o governo e a imprensa di-      te otimistas, supõe-se que também        tos “sociais” são, atualmente, um
                               vulgarem as novidades no projeto      o sejam o orçamento e a visão de         puro e simples eufemismo para o
                               de orçamento para o próximo ano,      futuro nele encerrada.                   já desgastado assistencialismo. O
                               a saber: o aumento nos gastos “so-         Pois não é que ocorre exata-        tom assistencialista fica claríssimo
                               ciais” e nos gastos com segurança     mente o oposto: temos no orça-           quando se observa que os gastos
setembro
jornal dos economistas - setembro de 2004
                                                                                                                                                                         7
          “sociais” se referem concreta-          A equação é simples. Para aumen-      olência requer, por necessidade,             O porquê da analogia já deve
          mente ao criativo leque de expe-        tarem os gastos sociais, de duas      violentar os violentos.                 estar mais do que claro. O projeto
          dientes criado pela nossa familiar      uma: ou a pobreza, a miséria e a          Tomando em conjunto toda            oficial de futuro do país contém, em
          “bolsa-cracia”: bolsa-família, bol-     desigualdade atualmente existen-      a situação, o que significa a pu-       si, numa época de presumido oti-
          sa-leite, bolsa-educação, bolsa-res-    tes não se reduzem; ou aumen-         blicação deste projeto orçamentá-       mismo, uma concepção velada em
          taurante, bolsa-hotel etc.              tam. Se os humildes – digo, po-       rio no dia do anúncio do “espe-         que os miseráveis brasileiros não
                                                  bres – e os assistidos – digo,        táculo do crescimento” é que nem        passam de Homo sacer, sujeitos sem
            O que o assistencialismo              miseráveis – aumentam em con-         mesmo o governo acredita que,           quaisquer direitos, não-inclusíveis, e
                    revela?                       tingente, os gastos sociais aumen-    além de espetacular, o espetácu-        que, portanto, devem ser alvos ora
                                                  tam. Ou não?                          lo possa dar conta da nossa fa-         da caridade, ora do “afeto policial”
              Aos que se atrevem criticar o                                             mosíssima “questão social”.             dos cidadãos (repetindo Marx).
          assistencialismo sempre se indaga           Naturalizar a miséria                 Se, a despeito do crescimento,           Naturalmente, podemos com-
          o que tem de mau nele: como mo-                                               o projeto para o próximo ano pre-       preender a proposta em voga como
          dificar a sociedade se as tropas dis-       Chegamos assim ao essencial       vê aumento dos gastos “sociais” e       fruto da pura e simples irreflexão,
          poníveis estão famintas? – questi-      do problema. O fato de o gover-       dos gastos bélicos internos, só pode    do imediatismo alimentado pelo
          onam os mais radicais. A fome tem       no declarar como projeto para o       ser que o governo não leva muita        próprio estado calamitoso da nossa
          pressa, lembram os apressados.          país, num ano que seja, o aumen-      fé na continuidade do crescimento       vivência social, absolutamente de-
              Pois bem, aos primeiros talvez      to dos gastos “sociais” não ape-      ou na sua capacidade de minorar         gradada e degradante. Mas será que,
          possamos lembrar que a Bastilha         nas naturaliza o aumento da mi-       (para ser modesto) as mazelas so-       exatamente por isso, pela intensida-
          foi tomada por hordas de miserá-        séria, tornando-o uma previsão        ciais. Sobram razões, neste último      de da desgraça, não deveríamos re-
          veis famintos, apenas para menci-       para o ano seguinte, como escan-      caso: a China cresce adoidado e a       fletir com todo cuidado sobre o que
          onar um episódio revolucionário.        cara uma desalentadora rendição       desigualdade social aumenta, os         tem sido dito, defendido e feito?
          Isso não significa evidentemente        na tentativa de efetivamente          EUA também, para não mencio-                 Nunca é demais lembrar que
          uma defesa da fome como acele-          enfrentá-la, de um modo qualquer.     nar a nossa própria história de cres-   atitudes absolutamente pavorosas
          rador de um processo de transfor-       Assume publicamente a incapaci-       cimento com frustração “social”.        foram e são alimentadas pelos
          mação, mas uma singela recorda-         dade ou a suposta impossibilida-                                              mais nobres sentimentos.
          ção da vacuidade da proposição          de de enfrentar ativamente a mi-              “Homo sacer –                        Não seria imperioso, enfim,
          contida na pergunta-crítica.            séria. E tudo isso num quadro                o não-inclusível”                estabelecer uma reflexão radical-
              Aos que nos chamam a aten-          pintado com tintas otimistas.                                                 mente crítica da forma de interpre-
          ção para a pressa da fome, sali-            O que foi dito sobre os gastos        Parece-me, enfim, que esta-         tar este mundo arrasado pela mi-
          entamos que há tempos as pes-           sociais, aplica-se igualmente à se-   mos diante de um reconhecimen-          séria e pela guerra e de agir nele?
          soas morrem de fome, sem                gurança “pública”. Também neste       to tácito de uma visão particular-           Essa constatação, evidente-
          qualquer pressa, apesar do inces-       caso não poderia ter nada contra a    mente conservadora, e, por isso         mente, não implica de imediato sa-
          sante e crescente esforço assisten-     segurança “pública”, nada mesmo.      mesmo, bastante difundida, da           ber como reagir, mas ao menos
          cialista. O fato de a fome em si        Quem, em sã consciência, teria?       pobreza e dos pobres mesmo.             possui a dignidade de conferir ao
          permanecer lentamente indica,               Mas, antecipar aumentos nos       Estes últimos têm sido encarados        problema a sua exata dimensão, de
          com a simplicidade ímpar dos            gastos com segurança não signifi-     pela ideologia dominante como           reconhecer a incapacidade de
          acontecimentos, que eventos des-        ca reconhecer que a principal fon-    Homo sacer, expressão de Giorgio        enfrentá-lo por métodos conven-
          se tipo não cedem a paliativos,         te originária da insegurança, a de-   Agamben, que Slavoj •i•ek tem           cionais. Não me perguntem, por-
          mas a soluções efetivas.                sigualdade social, não pode ou não    se ocupado em difundir.                 tanto, o que fazer: como disse Paulo
              É preciso, entretanto, retomar      deve ser efetivamente combatida?          O Homo sacer seria o indivíduo      Eduardo Arantes, não sou bobo de
          a interrogação para enfim respon-       (Por favor, esqueçam as longas        ausente de cidadania, de direitos,      oferecer resposta. Mas a crítica pelo
          dê-la: o que tem de mau, o              divagações moralistas sobre o ca-     para o qual os presos de Guantá-        menos não se pode dispensar.
          assistencialismo?                       ráter mau-caráter da violência.)      namo são uma instância clássica:
              Em si, nada. Nada mesmo,                Imaginem se o orçamento da        presos que não podem sequer ser         * Doutor em Economia pela UFRJ.

          nada vezes nada.                        Suécia poderia prever um aumen-       submetidos a julgamento, já que
                                                                                                                                  O professor e pesquisador João
              Mas como visão de futuro,           to dos gastos com segurança,          as leis vigoram exclusivamente
                                                                                                                                  Leonardo Medeiros estará minis-
          como ambição política do gover-         num ano sequer?                       para os cidadãos. Diante do Homo          trando, no Corecon-RJ, o curso
          no brasileiro, como projeto de              Não dispensa isso, o fato de o    sacer, que não é excluído, mas não-       Bem-estar, Igualdade e Pobreza:
          nação, como projeto internacio-         pacifismo sueco ter tudo a ver com    inclusível, só duas atitudes seriam       uma leitura crítica, às quintas-
          nal de sociedade (já que é sabido       o belicismo brasileiro (o mundo é     cabíveis: o assistencialismo, quan-       feiras à noite, no período de 21
          que se trata de um projeto mun-         globalizado, não?); mas temos aí      do não incomodam, e a repres-             de outubro a 25 de novembro.
          dial, chancelado pelas organiza-        um excelente exemplo para, por        são, quando incomodam. Ou um              Os interessados deverão fazer
                                                                                                                                  suas inscrições na página
          ções internacionais), o assisten-       contraste, salientar a absurdidade    misto de ambos, já que nunca se
                                                                                                                                  www.economistas.org.br.
          cialismo é, no mínimo, suspeito.        da proposição de que atacar a vi-     sabe quando podem incomodar.
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                                                                                            jornal dos economistas - setembro de 2004


    ESPECIAL


                            O Rio pelo olhar
                            dos seus candidatos
                                                     Cesar Maia – PFL/PSDB
                                                     Plano de Metas para 500 mil empregos

                                                          A análise do quadro econômico




                                                                                                                                 Foto: Clarice Castro
                                                     tem evidenciado a necessidade de po-
                                                     líticas públicas mais agressivas, que
                                                     privilegiem não só o emprego, mas
                                                     estratégias de geração de trabalho e
                                                     renda. Emprego, a prefeitura faz por
                                                     meio das obras, da contratação de ser-
                                                     vidores – nesses três anos e meio
                                                     contratamos 45 mil servidores – e dos
                                                     contratos de terceirização. A escolha
                                                     do Rio para sediar o Pan-Americano
                                                     de 2007 vai garantir milhares de em-
                                                     pregos, em diversas áreas, como cons-
                                                     trução, indústria têxtil, etc. O espor-
                                                     te e o turismo são atividades econômicas importantíssimas, e o Rio tem
                                                     enorme potencial nesses dois setores. Temos também projetos específicos
    Para esta edição, às vésperas das eleições       para áreas da cidade, como o “Desenvolvendo e capacitando a Zona Oes-
                                                     te”; e estudantes de economia do Centro Universitário Moacyr Bastos, que
    municipais de outubro, o JE ouviu os candida-    integram o quadro de agentes do trabalho da Prefeitura, atuando nas comu-
                                                     nidades, estimulando o desenvolvimento econômico local. Temos ainda o
    tos a Prefeito do Rio de Janeiro, a partir de
                                                     “Escola Carioca de Empreendedores Comunitários”, que desenvolve um
    duas questões formuladas para os cinco primei-   programa permanente de líderes, fomentando o desenvolvimento local e a
                                                     geração de trabalho e renda nas comunidades. O projeto tornou-se uma
    ros colocados nas pesquisas pré-eleitorais –     incubadora de empreendimentos locais, desenvolvendo linha de pesquisa e
    César Maia, Marcelo Crivella, Luiz Paulo Con-    extensão sobre o desenvolvimento comunitário. Nosso plano de metas:
                                                     • Apoio, subsídio e isenções à criação de empresas de duas gerações,
    de, Jandira Feghali e Jorge Bittar.              com profissional aposentado e profissional recém-formado;
    A cada candidato foi oferecido o mesmo espa-     • Crédito direto a pequenos empreendedores e cooperativas, com paga-
                                                     mento em serviços e produtos;
    ço, de 3 mil caracteres, e deixada em aberto a   • Intensificar o direcionamento de compras de uniformes da prefeitura
    possibilidade de responder às questões como      a cooperativas de costureiras;
                                                     • Criação de shoppings abertos em ruas de atividades econômicas con-
    melhor parecesse a cada um.                      centradas, flexibilizando as posturas municipais;
    A seguir, as respostas às seguintes perguntas:   • Desoneração fiscal das atividades ligadas a turismo, cultura e esporte;
                                                     • Profissionalização no turismo, hotelaria e esportes;
    1 – Quais suas prioridades para o desenvolvi-    • Inicio das contratações para os jogos do Pan;
    mento econômico da cidade?                       • Criar 500 mil empregos diretos e indiretos;
                                                     • Criar centros de capacitação profissional em 20 bairros;
    2 – Quais as propostas para o equacionamento     • Implantar o SINE municipal em duas regiões da cidade.
    da dívida e do orçamento frente aos preceitos
                                                        A Prefeitura do Rio segue rigorosamente os princípios da LRF. A des-
    da Lei de Responsabilidade Fiscal?               pesa líquida com pessoal, em dezembro/03, atingiu 53,4% da Receita
setembro
jornal dos economistas - setembro de 2004
                                                                                                                                                                         9
          Corrente Líquida, abaixo do limite de 60% (artigo 20 da LRF). No que se         esta gestão está negociando, desde 2001, o abatimento de R$ 900 milhões
          refere às operações de crédito internas e externas, a Resolução 43/01           de créditos do governo federal com o município; também propõe a mu-
          determina que o limite seja de 16% da RCL ao ano. O limite atingido pelo        dança do índice de correção: substituir o IGP-DI, medido pela FGV e
          Município ano passado foi de apenas 1,5%. Quanto à dívida com a União,          sujeito às variações cambiais, pelo IPCA, índice oficial da inflação.


                                                                                          dos projetos prioritários é o apoio à produção e exportação de software.
          Marcelo Crivella - PL                                                           Indústria limpa, compatível com a vocação turística, geradora de valor
                                                                                          agregado e de empregos, poder aquisitivo e efeito multiplicador de renda
          Foco no turismo, cultura, esportes e tecnologia                                 e emprego. Faremos do Rio a capital brasileira do software.

              A vocação natural do Rio con-
          temporâneo é o setor de serviços,                                               Luiz Paulo Conde - PMDB
          particularmente o bloco de interes-
          ses e atividades em torno do turis-                                             Um Rio que atraia empresas e indústrias
          mo, entretenimento, cultura e espor-
          tes. Não é que repelimos a indústria:                                               Pretendo tomar várias medidas
          ela será bem vinda e contará com                                                para estimular o desenvolvimento
          os incentivos necessários. Mas, o Rio                                           econômico da cidade em várias áre-
          é um campo privilegiado para ativi-                                             as. Entre elas, a de entretenimento,
          dades do terciário, com capacidade                                              cultura, lazer, turismo, financeira e
          extraordinária para geração de ren-                                             têxtil. Para a área de turismo temos
          da e empregos de qualidade. O blo-                                              vários projetos, entre eles a criação
          co de turismo, entretenimento, cul-                                             de eventos como a Semana da Cri-
          tura e esportes será o foco de nossa                                            ança e o Rio Beer Festival, além da
          atenção, apoiado por uma concepção e prática ativas de defesa do meio-          retomado do Plano Maravilha-Rio,
          ambiente. A Prefeitura fará tudo para garantir o seu pleno desenvolvi-          abandonado pelo atual prefeito. Es-
          mento, como fonte de emprego e renda para milhões de cariocas. O turis-         timularei a implantação e manuten-
          mo é a vocação natural e fundamental para a vida econômica da cidade, mas       ção das cooperativas de roupas no
          temos de cuidar da manutenção do espírito carioca, tão ameaçado pela            estado, que empregam formalmen-
          violência e falta de políticas públicas que estabeleçam um planejamento         te 168 mil pessoas. Em parceria com o governo do estado, atuarei para
          seguro de desenvolvimento econômico e social. O Rio de Janeiro conquis-         transformar o Rio no segundo maior pólo do mercado de seguros no país.
          tou a referência internacional de principal centro turístico brasileiro, mas    Este mercado cresce 25% ao ano. Outro esforço será feito para atrair
          perdeu alguns espaços por falta de um maior entrosamento entre os pode-         indústrias, que farão do Rio o segundo maior pólo da indústria farmacêu-
          res municipal, estadual e federal, além de não dar a merecida valorização aos   tica da América Latina. Na área de geração de empregos, vou criar progra-
          segmentos da iniciativa privada que trabalham os produtos turísticos.           mas de apoio a trabalhadores autônomos (são mais de 1,25 milhão de
               A violência crescente é perturbadora e afasta as pessoas das ruas e da     autônomos no Rio de Janeiro). Criar programas de qualificação e prepara-
          vida noturna, e afugenta os turistas. Nosso plano de governo, além de dar       ção para os jovens serem absorvidos pelo mercado de trabalho – um deles
          prioridade ao corredor turístico do Galeão, às áreas de praias e pontos         em parceria com o governo federal e as Forças Armadas, oferecendo
          turísticos, vai assegurar a revitalização do Centro da cidade e da Zona         cursos e ampliando o tempo do serviço militar. Vou retomar também
          Portuária, com presença permanente da Guarda Municipal, equipada com            diversos projetos abandonados pelo atual prefeito, como as Câmaras de
          armas tecnológicas e de informações, principalmente à noite, a fim de           Desenvolvimento Local, que apóiam ações de geração de empregos, e os
          restabelecer o verdadeiro espírito carioca nas ruas do Rio, devolvendo à        Centros de Informática nas comunidades carentes.
          cidade a sua auto-estima. O Rio atravessa, como as demais metrópoles
          brasileiras, uma crise social sem precedentes: alto desemprego e                   De fato a sua preocupação sobre orçamento, endividamento do municí-
          subemprego decorrentes de duas décadas de desempenho econômico me-              pio e, em conseqüência, a Lei de Responsabilidade Fiscal faz todo sentido.
          díocre em todo o País. É a nossa juventude que sofre as conseqüências           Conforme dados da Controladoria Geral, após obter saldo orçamentário
          mais dramáticas dessa crise, em razão da falta de perspectiva de uma rea-       positivo, em 2000, primeiro ano da gestão Cesar Maia, o município vem
          lização pessoal e profissional na vida. A sociedade carioca sabe que a crise    acumulando seguidos déficits anuais. Hoje, há atrasos com fornecedores e
          social está na origem da criminalidade e da crise de segurança. Entretanto,     prestadores de serviço. Os compromissos assumidos com a realização do
          não podemos esperar indefinidamente pela mudança da política econômi-           Pan 2007 são outra dúvida. Por sua vez, não existe transparência no proces-
          ca para enfrentar a crise social. Temos que mobilizar nossas próprias for-      so de informação das contas públicas do município, o que dificulta a análise
          ças para isso, e a forma de fazê-lo, imediatamente, é empreender todos os       externa. Ao final desta gestão, caso não cumpridas as obrigações da LRF, o
          esforços para revitalizarmos a indústria de turismo, entretenimento, cultu-     gestor público poderá ser responsabilizado. O equacionamento da questão
          ra e esportes. A cidade tem condições de participar do novo ciclo de            passará por um levantamento inicial do endividamento e obrigações assu-
          desenvolvimento, com a recém aprovada política industrial, em que um            midas, e o estabelecimento de uma programação financeira rígida.
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                                                                                                                              jornal dos economistas - setembro de 2004




     Jandira Feghali - PCdoB                                                           Jorge Bittar – PT/PSB
     Retomar o desenvolvimento do Rio                                                  Democratizar a gestão pública
          O esvaziamento econômico do




                                                                                                                                                                  Foto: Salvador Scofano
                                                                                          Criar o fomento às micro-finan-
     Rio é uma realidade. É verdade que                                                ças, de modo a aumentar a dispo-
     nem todos os problemas da cidade                                                  nibilidade de serviços financeiros
     têm origem nela própria ou são de                                                 para pequenas e microempresas e
     responsabilidade de seus governan-                                                trabalhadores autônomos, e meca-
     tes. Alguns são conseqüência da po-                                               nismos de interlocução com os po-
     lítica econômica vigente, que há uma                                              deres públicos e com o setor fi-
     década privilegia os interesses do ca-                                            nanceiro. Produzir e disseminar
     pital financeiro. Mesmo assim, a Pre-                                             informações sobre essas empresas
     feitura tem um papel a cumprir para                                               e sobre tecnologia de micro-finan-
     ajudar a retomada do desenvolvi-                                                  ças. Estimular o cooperativismo de
     mento da cidade. Para tal, vamos                                                  crédito. Além disso, pretendemos:
     tomar as seguintes medidas:                                                       • Fomentar serviços de desenvol-
     a) Estimular a construção civil e os                                              vimento empresarial, voltados à
     serviços de turismo e de infra-estrutura de serviços públicos (sanea-             capacitação, apoiar a comercialização, simplificar os trâmites buro-
     mento, transporte, saúde, educação e energia);                                    cráticos, incentivar o cooperativismo e outras formas de associativismo;
     b) Articular com a Caixa Econômica Federal um Fundo de Investimen-                expandir o Programa de Apoio ao Trabalhador Autônomo, voltado à
     to Imobiliário para financiamento da habitação popular, o que servirá             comercialização de serviços da construção civil;
     para reativar o setor da construção civil e criar empregos;                       • Apoiar a chamada produção mais limpa, com o objetivo de reduzir o uso
     c) Redefinir os incentivos fiscais do Imposto sobre Serviços (ISS), com           de matérias primas, economizar água e energia, gerando menos resíduos;
     destaque para as micros e pequenas empresas;                                      • Promover processos coletivos de aprendizagem, tais como redes,
     d) Desenvolver ações para fortalecer a indústria naval e a Marinha Mer-           cooperativas, reunindo diferentes agentes e empresas;
     cante na cidade;                                                                  • Fazer do Rio a Cidade do Conhecimento. Agir em prol do aprimo-
     e) Usar o poder de compra da prefeitura para apoiar empresas instaladas no Rio;   ramento das universidades, instituições de pesquisa e centros
     f) Reservar para empresas de pequeno porte as compras inferiores a R$ 30 mil;     tecnológicos da cidade e de seus vínculos com as prioridades sociais;
     g) Fortalecer a economia popular solidária, apoiando projetos comunitários;       • Priorizar aquisição de bens e serviços junto às empresas locais;
     h) Fortalecer cooperativas de crédito para o financiamento de micro e             • Fortalecer a indústria cultural geradora de empregos e oportunidades;
     pequenas empresas.                                                                • Democratizar a gestão da política cultural;
                                                                                       • Estruturar a Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e
        A resolução n° 43, do Senado Federal, limita em 11,5% o comprometi-            Pesca em condições de apoiar e assistir os agricultores e pescadores,
     mento anual dos gastos das prefeituras com amortizações, juros e demais           com vistas a aumentar a produção e comercialização;
     encargos da dívida consolidada, em relação à receita corrente líquida. A          • Executar obras de urbanismo e meio ambiente que forem necessári-
     dívida da Prefeitura do Rio estava em 10,7% no ano passado, abaixo, por-          as para a realização do Pan, em 2007.
     tanto, do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas vem
     crescendo perigosamente: em 2001 era equivalente a 7,6% e, em 2002, pas-             A capacidade de endividamento será preservada pela manutenção
     sou para 10%. Nesse passo, logo estaremos no limite permitido pela resolu-        da relação Receita Corrente/Dívida Consolidada Líquida. Preservar
     ção do Senado, pois o ritmo do crescimento dos encargos da dívida é maior         a capacidade de endividamento para financiar projetos importantes
     do que o ritmo de crescimento da arrecadação da Prefeitura. Se somarmos           para a população. Investimentos seletivos e maximamente indutores
     os gastos que terão que ser feitos para o Pan-Americano, o quadro que se          de inclusão sócio-cultural, cidadania e renda, associados à
     desenha é, ainda, mais grave. Isto, aliás, foi mencionado, em relatórios do       sustentabilidade da retomada da economia, permitindo manter está-
     Tribunal de Contas do Município e do Fórum Popular de Orçamento.                  vel aquela relação, sem aumento de impostos ou compressão de des-
         Esta situação é o resultado da desastrada gestão financeira do atual          pesas não financeiras.
     prefeito que, numa decisão arbitrária, elevou em 50% os custos da dívida              Vamos separar as contas do Regime Próprio de Previdência dos
     ao não pagar uma parcela que vencia no acordo negociado com o gover-              Servidores Municipais das contas do Tesouro Municipal. Sabemos que
     no federal. Assim, a dívida terá que ser renegociada, sob pena de inviabilizar    o fundo previdenciário dispõe de reservas técnicas vultosas (R$ 1,7 bi),
     a gestão da prefeitura. Essa é uma situação que atinge a quase todas as           mas que estas reservas estão compromissadas com obrigações futuras
     grandes cidades, inclusive, São Paulo. O que chama a atenção, no caso do          de aposentadorias e pensões. Hoje, as reservas técnicas do fundo são
     Rio, é a arrogância do prefeito, que se apressa em desqualificar as críticas      usadas para maquiar balanços e uma fictícia disponibilidade de caixa.
     a sua gestão financeira. Mas, ao contrário do que diz, ele está deixando          Outra questão é a divida de curto prazo. A Prefeitura tem a prática de
     uma verdadeira herança maldita para o seu sucessor, que terá que gover-           financiar-se no curto prazo com recursos de fornecedores e prestadores
     nar quatro anos com um rígido planejamento financeiro, democratica-               de serviço, que chegam a ficar 10 meses sem receber o que têm direito.
     mente discutido com a sociedade, para que fiquem claras as dificuldades e         Uma visão financista míope, de curtíssimo prazo, que só prejudica os
     a necessidade de renegociação da dívida.                                          trabalhadores dessas empresas. Acabaremos com isso.
setembro
jornal dos economistas - setembro de 2004
                                                                                                                                                               11
          MONOGRAFIA              Carlos Augusto Góes Pacheco




                                                           Royalties do petróleo:
                                                           Aplicação e impacto no
                                                           desenvolvimento econômico dos
                                                           municípios da Bacia de Campos
                                                           O texto a seguir é da monografia colocada em primeiro lugar no
                                                           XIV Prêmio Corecon de Monografia.


                                                                                                          Campos dos Goytacazes, Casimiro de Abreu,
                                                                                                          Carapebus, Macaé, Quissamã, Rio das Os-
                                                                                                          tras e São João da Barra.

                                                                                                                 Discrepâncias e distorções

                                                                                                               Segundo dados da Agência Nacional do
                                                                                                                            1
                                                                                                          Petróleo (ANP) , no ano de 2003 foram dis-
                                                                                                          tribuídos R$ 4,396 bilhões, a título de royalties,
                                                                                                          entre todos os beneficiários destas indeniza-
                                                                                                          ções, quantia 37% maior que a arrecadada no
                                                                                                          ano anterior. Somente o Estado do Rio de
                                                                                                          Janeiro recebeu R$ 907,7 milhões, cerca de
                                                                                                          64,2% do total distribuído entre as unidades
                                                                                                          da Federação. Já para as participações especi-
                                                                                                          ais, o montante alcançou a cifra de R$ 4,997
                                                                                                          bilhões, sendo destinado ao Estado do Rio
                                                                                                          de Janeiro R$ 1,961 bilhão.


         D
                  esde a criação da Petrobras, em 1953,    vas são de a produção aumentar, gerando             O súbito aumento dos royalties e partici-
                  até as recentes descobertas realizadas   mais recursos, inclusive sob a forma de        pações especiais originou-se de uma conjun-
                  na Bacia de Campos, a indústria de       royalties e participações especiais.           ção de fatores. Um deles foi o deslocamen-
          petróleo brasileira vem apresentando um in-          Os royalties podem ser entendidos como     to da alíquota máxima de royalties (de 5% para
          contestável potencial para a promoção de ino-    uma compensação financeira devida, prin-       10%, do valor da produção), a partir da pro-
          vações nos diversos setores da indústria e, ao   cipalmente, a Estados e Municípios, pelos      mulgação da Lei nº 9.478/97. Além deste,
          mesmo tempo, na reprodução de renda e            concessionários de exploração e produção       houve uma elevação dos preços de referên-
          emprego, através de maciços investimentos e      de petróleo e gás natural. Já a participação   cia utilizados nos cálculos dos royalties que,
          seu impacto sobre as demais cadeias produti-     especial é um pagamento a que estão sujei-     após o decreto nº 2.705/98, passaram a va-
          vas, devido a seu efeito multiplicador.          tos os campos com grande volume de pro-        riar de acordo com os preços internacionais
              Sendo a necessidade contínua de esfor-       dução ou grande rentabilidade. Estes recur-    do petróleo e do gás natural, e com a
          ço exploratório uma das características da       sos, que se tornaram expressivos a partir de   flutuação do câmbio. Por fim, ocorreram
          indústria do petróleo, são esperados maio-       1998/1999, demonstraram-se fundamentais        aumentos na produção destes hidrocarbo-
          res investimentos no setor, a fim de garantir    para promover uma melhora na situação fis-     netos na Bacia de Campos, devido princi-
          o nível de reservas compatível com a pro-        cal do Estado e dos municípios fluminenses,    palmente à grande produtividade de cam-
          dução no longo prazo. Porém, com o de-           especialmente daqueles nove pertencentes à     pos gigantes, promovendo um crescimento
          senvolvimento de novas tecnologias e as          Zona de Produção Principal da Bacia de         espetacular das participações especiais.
          descobertas de novas jazidas, principalmen-      Campos (e que se constituem o foco deste            Destarte, as prefeituras viram-se com um
          te na plataforma continental, as expectati-      artigo): Armação de Búzios, Cabo Frio,         repentino crescimento de suas receitas, com
12                                                                                                                                                  setembro
                                                                                                                           jornal dos economistas - setembro de 2004




                                                                                                             das regiões beneficiadas pelas atividades de
        Em 2003, foram distribuídos R$ 4,396 bilhões, quantia 37%                                            E&P, num período posterior ao esgotamen-
                                                                                                             to das jazidas de petróleo e gás natural.
        maior que a do ano anterior. Somente o Rio de Janeiro rece-
        beu R$ 907,7 milhões, cerca de 64,2% do total distribuído                                                    Desperdício de potencial
        entre as unidades da Federação. Já para as participações
                                                                                                                 Quanto à capacidade de investimento, os
        especiais, foram R$ 4,997 bilhões, destinando-se ao Rio de                                           nove municípios da Zona de Produção Prin-
        Janeiro R$ 1,961 bilhão.                                                                             cipal apresentaram números sensivelmente
                                                                                                             superiores àqueles verificados no Norte
                                                                                                             Fluminense e nas Baixadas Litorâneas, esta-
     o qual ainda não estavam preparadas, pois não        ticipações especiais, como, por exemplo, em        belecendo-se a hipótese de que os royalties es-
     havia sido realizado nenhum estudo de im-            Rio das Ostras, passando de 2,27%, em 1997,        tão contribuindo para este aumento dos in-
     pacto ou planejamento para a utilização des-         para 71,51%, em 2000. Neste ano (2000), cin-       vestimentos, graças ao seu reforço nos cofres
     tes vultosos recursos.                               co dos nove municípios em análise apresen-         públicos municipais.
         Um dos problemas relacionados à distri-          taram percentual superior a 50% de depen-              Todavia, os valores dos investimentos,
     buição dos royalties e participações especiais       dência das participações governamentais em         quando comparados com as receitas de
     está na discrepância das projeções marítimas,        relação à receita total municipal.                 royalties, no período de 1999-2001, evidencia
     estabelecidas pelo IBGE, para delimitação das            O potencial dos royalties torna-se visível     que estão sendo destinados para fins diver-
     zonas de produção dos campos de petróleo             quando comparados com as receitas tributá-         sos, e não exclusivamente nesta categoria de
     na plataforma continental, quando compara-           rias municipais e os repasses intergoverna-        despesas de capital. Apesar deste procedimen-
     das com os reais efeitos da indústria do pe-         mentais (que, tradicionalmente, sempre se          to estar de acordo com a legislação vigente,
     tróleo sobre os municípios atingidos. Como           constituíram na principal fonte de recursos        desperdiça-se um grande potencial de inves-
     este procedimento de delimitação foi basea-          dos municípios). O volume arrecadado no            timento, quando se consideram as áreas de
     do apenas em critérios físicos e não se consi-       período 1997-2001 superou todas as outras          uso das participações governamentais
     deraram os impactos socioeconômicos asso-            fontes, ultrapassando impostos significativos,     estabelecidas por legislações anteriores à Lei
     ciados às atividades de exploração e produção        como o ICMS e o ISS, para os nove municí-          do Petróleo (como energia, abastecimento de
     (E&P), correspondente ao poço do respecti-           pios da Zona de Produção Principal. Para os        água, saneamento básico, etc.).
     vo município produtor, acabaram por gerar            demais municípios do Norte Fluminense e                Das principais carências e obstáculos para
     distorções na distribuição das indenizações          Baixadas Litorâneas, verificou-se uma influ-       a atração de novos empreendimentos, reve-
     petrolíferas. Campos dos Goytacazes, por             ência menor dos royalties, revelando maior         lou-se, de maneira unânime, entre as nove
     exemplo, é o município fluminense de maior           dependência das transferências intergover-         principais localidades em questão, a carência
     arrecadação, apesar de não possuir instalações       namentais nos seus orçamentos.                     de acessibilidade, traduzida por baixa dispo-
     significativas de apoio à atividade petrolífera,         Foi averiguada uma diminuição da parti-        nibilidade de estradas pavimentadas em rela-
     como Macaé.                                          cipação dos tributos municipais na receita         ção à área total do município. Isto pode vir a
                                                          total. Como os municípios estão arrecadan-         justificar os vultosos montantes dos royalties,
             Destinação dos royalties                     do mais com as participações governamen-           gastos em pavimentação, como uma tentati-
                                                          tais, não está havendo preocupação, em al-         va das prefeituras em resolver as carências
         Apesar disto, os royalties e participações es-   guns casos, em garantir receitas próprias,         mais relevantes, de modo mais imediato. Vale
     peciais constituíram-se num importante refor-        permanecendo subordinados aos repasses de          lembrar que, uma via de comunicação é ca-
     ço no orçamento, no sentido que possibilitou         outras esferas de governo, e ampliando a de-       paz de tirar do isolamento núcleos menores,
     superávits das receitas em relação às despesas,      pendência em relação aos royalties e participa-    de economia estagnada, possibilitando o au-
     para a maioria dos municípios beneficiários,         ções especiais. Outro problema é a guerra fis-     mento de benefícios à sua população, que
     nos anos 2000/2001, revertendo a situação            cal, levando municípios a abdicarem de             passa a ter facilidade de acesso às localidades
     deficitária em que se encontravam em 1997/           impostos, na esperança de que a atração de         que os fornecem, estimulando a dinamização
     1998 (de acordo com análise realizada a partir       empresas possa vir a gerar rendimentos no          e/ou a revitalização de suas economias.
     de dados do Tribunal de Contas do Estado do          longo prazo.                                           No entanto, em alguns casos, estes gastos
     Rio de Janeiro e da Fundação Centro de In-               Esta redução nos recursos tributários leva     direcionados apenas para um determinado
     formações e Dados do Rio de Janeiro).                a crer que os municípios podem estar se utili-     conjunto de setores, pode vir a ser um refle-
         Cresceram também as participações da-            zando dos royalties para promover ajustes em       xo de um possível desconhecimento, por parte
     queles recursos nas receitas totais municipais:      suas contas, a fim de se enquadrarem na le-        dos administradores municipais, dos limites
     a progressão das porcentagens, entre os anos         gislação estabelecida pela Lei de Responsabi-      impostos à utilização dos royalties (proibição
     de 1997 e 2000, apresentou um salto gigan-           lidade Fiscal. Isto contrasta a lógica das inde-   de uso somente em pagamentos de dívidas e
     tesco e repentino de dependência da receita          nizações petrolíferas, que seria de oferecer       pessoal). Alguns prefeitos ainda seguem a le-
     total municipal em relação aos royalties e par-      condições para a sustentabilidade econômica        gislação estabelecida pela Lei nº 7.990/89, a
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jornal dos economistas - setembro de 2004
                                                                                                                                                                       13
          qual direcionava os gastos exclusivamente                                                                sustentabilidade, de diversificação da base
          para áreas de infraestrutura. Contudo, é sabi-                                                           produtiva local e da geração de trabalho e ren-
          do que obras desta natureza, e de caráter                                                                da fora da cadeia do petróleo.
          assistencialista, aparecem mais aos olhos da                                                                 Há também, como um dos empecilhos na
          população de baixa renda do que investimen-                                                              análise das aplicações dos royalties e participa-
          tos em setores sociais, levando a crer que tal                                                           ções especiais, a falta de transparência na apli-
          escolha vem de encontro a possíveis interes-                                                             cação destes recursos. Como a atual legisla-
          ses eleitoreiros.                                                                                        ção não determina os setores que devam ser
                                                                                                                   contemplados, a questão gira em torno de
                 Dispersão das informações                                                                         uma transparente e eficiente gestão, por par-
                                                                                                                   te das Prefeituras, para a correta utilização dos
              Uma questão relevante foi o papel dos                                                                royalties. Além de promover obras de infraes-
          royalties na determinação dos empregos for-                                                              trutura física, o poder público municipal deve
          mais, já que maior mão-de-obra foi emprega-                                                              assumir responsabilidades nos setores de
          da, a fim de atender às obras públicas muni-                                                             infraestrutura social e econômica, com obje-
          cipais proporcionadas pelo aumento dos                                                                   tivo de promover a geração de empregos, a
          investimentos. Os salários dos servidores                                                                melhoria das condições de vida de seus
          públicos, no período analisado, sofreram rea-            O potencial dos royalties                       munícipes e garantir o crescimento diversifi-
          justes graças ao direcionamento das indeni-                                                              cado, participativo e auto-sustentável. Mais do
          zações petrolíferas para estas obras de                  torna-se visível quando                         que isso deve implementar ações conjuntas
          infraestrutura, liberando impostos e demais              comparados com as recei-                        com outros municípios, para a promoção de
          repasses para outros fins.                                                                               um desenvolvimento regional.
                                                                   tas tributárias municipais e
              Os maiores gastos em Habitação e Urba-                                                                   Das potencialidades apresentadas pelas
          nismo observados no período de 1997 a 2001               os repasses intergoverna-                       localidades em análise, destacam-se três gru-
          relacionam-se ao impacto sofrido pelas loca-             mentais (que, tradicional-                      pos. Cabo Frio, Rio das Ostras, Armação de
          lidades próximas a áreas de E&P de petróleo                                                              Búzios e Casimiro de Abreu possuem forte
          e pela expansão urbana provocada pelo turis-
                                                                   mente, sempre se consti-                        vocação turística. Macaé apresenta-se como
          mo. As despesas em Saúde e Educação, no                  tuíram na principal fonte                       a única localidade com reais possibilidades de
          mesmo período, superaram os repasses do                  de recursos dos municípi-                       continuidade de desenvolvimento através da
          SUS e Fundef, respectivamente, corroboran-                                                               inserção na cadeia produtiva petrolífera, en-
          do a suposição de que estes setores foram                os). O volume arrecadado                        quanto que Campos dos Goytacazes, Cara-
          beneficiados com outros recursos, particular-            no período 1997-2001 su-                        pebus, Quissamã e São João da Barra concen-
          mente dos royalties.                                                                                     tram suas potencialidades na agroindústria.
              Existem inúmeras limitações para um pre-
                                                                   perou todas as outras fon-                          Assim, o turismo e a fruticultura, juntamen-
          ciso processo de análise do real efeito das re-          tes, ultrapassando impos-                       te com a recuperação da indústria sucroal-
          ceitas petrolíferas no desenvolvimento dos               tos significativos, como o                      cooleira e o desenvolvimento efetivo do com-
          municípios. Um destes é a dificuldade de espe-                                                           plexo industrial de E&P de petróleo e gás
          cificar, de maneira precisa, as áreas beneficia-         ICMS e o ISS, para os                           natural, constituem-se as principais potencia-
          das pelos royalties e participações especiais, pelo      nove municípios da Zona                         lidades a serem implementadas, com recursos
          motivo da dispersão das informações sobre o                                                              oriundos, por exemplo, das indenizações do
                                                                   de Produção Principal.
          assunto abordado, até mesmo por parte das                                                                petróleo e gás, para a revitalização dos municí-
          próprias prefeituras beneficiadas. Ademais, é                                                            pios confrontantes da Bacia de Campos.
          complexa a desagregação dos benefícios oriun-         dos investimentos é lenta, e os resultados apa-        Aperfeiçoando estes setores, será possí-
          dos das participações governamentais, daque-          recem somente no longo prazo. Há de se con-        vel criar uma cadeia integrada de atividades
          les originados pela indústria petrolífera como        siderar que as demandas sociais são elevadas,      econômicas, que permitirá o desenvolvimen-
          um todo. Os orçamentos municipais, na for-            e os índices refletem um acúmulo das ações         to sustentável, vindo a repercutir em outros
          ma como são declarados, enfatizam somente             de sucessivas administrações municipais.           setores tradicionalmente relevantes, como a
          a gestão de caixa e o aspecto legal da lei, não           Do que foi visto, pode-se deduzir que a        cerâmica, a piscicultura, a indústria de doces
          permitindo a correta apropriação dos royalties        repartição das receitas dos royalties e partici-   e a mineração, ao mesmo tempo em que re-
          às áreas a que são direcionados.                      pações especiais está sendo direcionada a          duz a dependência das receitas municipais, dos
              Some-se a este fato, o curto espaço de tem-       abastecer governos locais, dos recursos ne-        royalties da indústria petrolífera.
          po decorrido do início do recebimento ex-             cessários ao atendimento da demanda impre-
          pressivo das participações governamentais (a          vista por serviços públicos. Entretanto, pou-      * Economista, formado pela UFRJ.
          partir de 1998) e seus reais efeitos sobre a          cos municípios apresentaram uma ação mais
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O Que Eles Querem Para o Rio?

  • 1. Nº 182 SETEMBRO DE 2004 JORNAL DOS ÓRGÃO OFICIAL DO CORECON-RJ E SINDECON-RJ O que eles querem para o Rio? Carlos Lessa e a economia solidária Página 3
  • 2. 2 setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 EDITORIAL Jornal dos Eleição e novos atores Órgão Órgão Oficial do CORECON - RJ E SINDECON - RJ N esta edição, o JE abriu suas páginas para Em uma época marcada pela reedição, às ISSN 1519-7387 os cinco principais candidatos à Pre- vezes surpreendente, das receitas neoliberais Conselho Editorial: Gilberto Alcântara, Gilberto feitura do Rio exporem suas idéias, pro- que tiveram seu auge nos governos de Caputo Santos, José Antônio Lutterbach Soares, Paulo Mibielli, Paulo Passarinho, Rafael Vieira da Silva, Ro- postas e convicções. É uma contribuição ao Fernando Collor e de Fernando Henrique gério da Silva Rocha e Ruth Espínola Soriano. debate sobre a cidade, seus problemas e os Cardoso – aumento de juros, elevado superá- Editor: Nilo Sérgio Gomes caminhos para as suas soluções. vit primário, privatização, etc. – o professor Correio eletrônico: nilosgomes@uol.com.br Contudo, este número traz outras abor- Lessa joga foco em um outro tipo de econo- Ilustração: Aliedo Caricaturista: Cássio Loredano dagens tão ou mais interessantes. Uma delas, mia, baseado na solidariedade e não na com- Finalização: Diagramação e Finalização: o artigo baseado no texto vencedor do XIV petição, e que ele considera como “um refe- Rossana Henriques (21) 2462-4885 Prêmio Corecon de Monografia, de Carlos rencial de outras formas de organizar um Fotolito e Impressão: Tipológica Impressão: Tiragem: 13.000 exemplares Augusto Góes Pacheco, que traz uma impor- processo produtivo”. Periodicidade: Mensal tante reflexão sobre os municípios beneficia- Lembra e tem íntima relação com as afir- dos pelos royalties do petróleo, resumida na mações recentes do professor Celso Furtado Correio eletrônico: seapo@corecon-rj.org.br seguinte questão: estão esses municípios se que, no intervalo de uma gravação de um As matérias assinadas por colaboradores não refle- preparando para o futuro próximo, quando depoimento seu para o Conselho Federal de tem, necessariamente, a posição das entidades. as reservas do ouro negro se esgotarem e es- Economia, afirmou que o crescimento eco- É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. sas receitas indenizatórias tiverem fim? nômico, por si só, não garante distribuição Outra abordagem extremamente interes- de renda. Somente um novo tipo de desen- CORECON - CONSELHO REGIONAL sante é a palestra do professor Carlos Lessa, volvimento econômico, que mude as relações DE ECONOMIA/RJ no Dia do Economista, em que o presidente sociais, pode alcançar esse fim. E arrematou · Av. Rio Branco, 109 19º andar do BNDES fez a apresentação de algumas o nosso mestre: o Brasil precisa descobrir, · · Rio de Janeiro RJ Centro CEP 20054-900 Telefax: (21)2232-8178 ramal 22 · Correio eletrônico: corecon-rj@corecon-rj.org.br das iniciativas que o banco vêm tomando. E inventar um modelo que tenha a sua cara e internet: http://www.corecon-rj.org.br o que mais chama a atenção nessa exposição atenda às necessidades da sociedade e do país. Presidente: José Antônio Lutterbach Soares Vice- · de Lessa é o que ele chama de “novos Por que não acreditar que isto é possível? p residente: João Manoel Gonçalves Barbosa residente: Con selheiros Efetivos: Carlos Henrique Tibiriçá Conselheir selheiros · protagonismos”: a economia solidária. Uma boa leitura e bons votos. Miranda, José Antonio Lutterbach Soares, Renata Leite Pinto do Nascimento, Ceci Juruá, João Manoel Gonçalves Barbosa, Nelson Victor Le Cocq d´Oliveira, Sumário Ronaldo Raemy Rangel, Francisco Bernardo de Arantes · Karam Conselheiros Suplentes: Gilberto Alcântara Conselheir selheiros da Cruz, Jorge de Oliveira Camargo, Rogério da Silva Página 03 O orgulho de ser brasileiro – Carlos Lessa Rocha, Julio Flavio Gameiro Miragaya, Gilberto Caputo Santos, Arthur Câmara Cardozo, Mario Luiz Freitas Página 06 Contra os gastos sociais e com segurança – João Leonardo Medeiros Lemos, Eduardo Carnos Scaletsky. SINDICATO SINDECON - SINDICATO DOS ECONOMISTAS DO ESTADO DO RJ ECONOMISTAS ESTADO · Av. Treze de Maio, 23 Grupos 1607/1608/1609 · · Rio de Janeiro RJ CEP 20031-000 · Tel.: (21)2262-2535 Telefax: (21)2533-7891 e 2533-2192 Correio eletrônico: sindecon@sindecon.org.br Coodenador Geral: Paulo Passarinho Coordenador· Coordenador de Assuntos Institucionais: Sidney Pascotto Diretores de Assuntos Institucionais: Ronaldo Diretor etores · Rangel, Ceci Juruá, Rogério da Silva Rocha, Rafael Vieira da Silva, Nelson Le Cocq, Antônio Melki Jr e Página 08 Especial – Eleições 2004 – O Rio pelo olhar dos seus candidatos Eduardo Carnos Scaletsky · Coordenador Coor denador de R e l a ç õ e s S i n d i c a i s : João Manoel Gonçalves Página 11 Monografia – Os royalties do petróleo – Carlos Augusto Góes Pacheco · Barbosa Diretores de Relações Sindicais: Júlio Diretor etores Miragaya, Gilberto Caputo Santos, Sandra Maria de Souza, Carlos Tibiriçá Miranda, José Fausto Ferreira, Página 15 Fórum Popular de Orçamento – A resposta do Secretário de Esportes César Homero Lopes, Neuza Salles Carneiro e regina Página 16 Entrega do Prêmio de Monografia Lúcia Gadioli dos Santos · rd C o o rd e n a d o r d e Divulgação e Finanças: Gilberto Alcantara da Cruz Finanças: Diretores de Divulgação e Finanças: Wellington Diretor etores Finanças: · O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Passarinho, de segunda Leonardo da Silva e José Jannotti Viegas Conselho Fiscal: Ademir Figueiredo, Luciano Amaral Pereira e · à sexta-feira, das 7h30 às 9h, na Rádio Bandeirantes, AM, do Rio, 1360 khz. Jorge de Oliveira Camargo.
  • 3. setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 3 13 DE AGOSTO Carlos Lessa O orgulho de ser brasileiro Publicamos, a seguir, a palestra do professor Carlos Lessa, no Dia do Economis- ta, na sessão promovida pelo Corecon-RJ e pelo Sindicato dos Economistas para a homenagem a ele e aos professores João Paulo de Almeida Magalhães e Maria da Conceição Tavares*. P rimeiramente, quero dizer que o João colocando à disposição dos brasileiros o pen- já está aprovado um orçamento de R$ 60,8 Paulo não está presente porque, nesta samento desses – será que podemos chamar bilhões que, se for mantida mais ou menos noite, na Bahia, faz uma conferência em assim? – pais fundadores, entre os pais fun- essa paridade cambial, nos fará superar o Ban- homenagem a Rômulo de Almeida, que foi che- dadores da nossa economia. co Mundial. fe da assessoria econômica de Vargas, foi quem Quero dizer uma coisa a vocês: eu sou oti- Então, nos dois anos do Governo Lula redigiu os estatutos da Petrobras, sendo fun- mista. Algumas coisas nesse momento estão teremos dobrado o orçamento de aplicações dador do Banco do Nordeste do Brasil. me dando muita alegria. Dirão vocês: vão re- do BNDES, o que não é um resultado trivi- Vocês bem sabem que a cadeira que estou solver o mundo? Vão resolver os problemas al. E se vocês me perguntarem como isso sentado, hoje, é muito pesada, muito difícil, do Brasil, inaugurar novos tempos? Não. Mas, foi feito, eu diria que, basicamente, lançan- muito eletrificada, mas ela permite algumas certamente, na inauguração de novos tempos, do mão de potencialidades do banco e res- coisas. Uma delas, que estamos promoven- serão ingredientes importantes. taurando-o como banco de desenvolvimen- do, é a edição de toda a obra de Rômulo de Estava sendo chamado para ocupar algu- to. Isso nos permitiu dar um tratamento Almeida, comentada. Vamos, logo depois, ma coisa que, por falta de outro nome, cha- correto à massa de esqueletos que herdamos fazer o mesmo com a obra de Ignacio Rangel, mo de mesoeconomia. Isso me daria um raio das administrações anteriores. Na verdade, e é nossa idéia que o BNDES vá, aos poucos, de manobra grande, até porque eu sei bem o tivemos em 2003 o maior lucro nominal da que é BNDES, e eu conheço bem suas história do banco e nesse semestre tivemos potencialidades. Quero dizer que a cada dia o maior lucro bancário do país. É impressi- me surpreende num plano positivo. onante: tivemos mais lucro do que qualquer Vou dar algumas notícias, que são re- outro grande banco brasileiro. levantes. Quando recebemos o banco, Como fizemos? Não construindo ganhos há 18 meses, ele tinha um orçamen- operacionais excessivos, até porque rebaixa- to aprovado de R$ 33 bilhões. Nós mos nossa taxa de juros, reduzimos o spread, executamos esse orçamento, e vo- mas o fizemos porque pudemos reverter pro- tamos para aprovar o orçamen- visões de muita porcaria que herdamos das to seguinte, de R$ 48,7 bilhões. administrações anteriores. Acho extrema- Quero dizer que com R$ 48,7 mente importante que os economistas sai- bilhões, por qualquer critério de bam disso: primeiro, que o BNDES é um ranqueamento, o BNDES é poderosíssimo instrumento do Estado na- muito maior do que o Banco cional brasileiro: 100% do Estado. Não tem Interamericano de Desenvolvi- ADR em lugar nenhum, por conseguinte, ele mento. E, para o opera rigorosamente a partir de projeto de próximo ano, Estado e seguindo, de forma disciplinada e consistente, as orientações estratégicas fi- xadas pelo governo. Segundo, este banco é, permitam-me dizer-lhes, um elemento de orgulho dos brasileiros. Aliás, simbolica- mente, o BNDES está aqui, tem uma passarela que, do outro lado, tem a Petrobras. Ambas as instituições fo- ram fundadas por Getúlio Vargas, que nesse ano completa 50 anos da sua morte.
  • 4. 4 setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 Foto: Samuel Tosta A riqueza do Nordeste Como não consigo deixar de ser otimista, vou lhes dizer algo muito concreto: creio que Tenho acompanhado de per- o Nordeste, de região problema está em vias to um tema que vamos cha- de se converter em região solução. Isso não é mar “novos protagonismos” nada trivial, porque da fatura social brasilei- ra, uma percentagem extremamente relevan- ou, se quiserem, economia te, alguma coisa da ordem de 40% a 50% desta solidária fatura estão no semiárido nordestino e nas cidades nordestinas. O projeto de transposição de águas do rio São Francisco já começou. O Ministério da agricultura irrigada. Quero dizer o seguinte: projetos que estão se desenvolvendo rigoro- Integração Nacional já lançou a concorrência é possível colecionar pequenos fragmentos de samente dentro da regra do jogo, porém, que para a compra das primeiras grandes bom- altíssimo desempenho e a chegada das águas dependem de uma adequada engenharia bas. Apesar de ser difícil pactuar a vasta com- vai permitir resolver algumas questões. institucional e de um adequado financiamen- plexidade de interesses, que vão do es- Ao mesmo tempo, o projeto de novo tra- to. As duas coisas vão sendo supridas. O tritamente econômico ao macropolítico, quero çado da TransNordestina vai realizar um ve- institucional pelo movimento sindical, e o fi- crer já houve suficiente convergência para lho sonho de Ignacio Rangel. Ignacio sempre nanceiro pelo BNDES, Banco do Brasil, Cai- dizer que haverá a transposição de águas do imaginou que, na faixa de transição entre o xa Econômica, etc. São Francisco. Não com esse nome, porque Nordeste semiárido e o Centro Oeste, o Nor- Tenho a impressão que essas primeiras ex- tem uma temática de estados doadores e es- deste semiárido e a Amazônia existiria um periências vão ter um efeito de alavancagem tados receptores que precisa ser articulada, arco de terras com capacidade de produzir de uma série de outras situações. A nova Lei mas a engenharia pesada vai ter a oportuni- alimentos. Hoje essa região produz 5 milhões de Falência, quando aprovada, vai permitir mul- dade não apenas de atender as necessidades de toneladas de grãos e, com muita rapidez, tiplicar experiências desse tipo, que hoje são dos estados doadores, em termos de recur- pode chegar a 10 milhões de toneladas. impedidas, porque o ritual da falência sucateia sos hídricos, e resolver alguma coisa como Isso é suficiente para permitir uma ferrovia inteiramente as instalações durante o período pelo menos 20 vales nordestinos. que ligue os três portos grandes da região com em que se desenvolve o ritual da liquidação. O Nordeste tem um solo, nesse vales, com esta faixa, e esse é um projeto priorizado pelo Há pouco tempo estive no nordeste do excelentes características agronômicas. Têm presidente da República. O BNDES vai ser o Maranhão, que é uma região absolutamente um povo com qualidade admirável, que é re- grande financiador dessa nova ferrovia. A com- sem história econômica nenhuma. Nunca foi sistir, e por isso mesmo, uma grande capacida- binação das operações ligadas à regularização região de nada, e por nunca ter produzido de de se adaptar. Hoje, a tecnologia agronômi- do São Francisco com a TransNordestina mu- nada agora consegue explodir na ponta com ca de produção com pouca água, nesses dam radicalmente as perspectivas do Nordeste. um produto espantoso que é o mel, porque a territórios, é totalmente dominada pela região tem uma floração intensa, principal- Embrapa e pelas universidades do Nordeste; A economia solidária mente, flor de mangue. E tem uma abelha e o Nordeste tem 320 dias de sol por ano. Isso brasileira chamada “tiúba”, que não tem fer- representa uma vantagem decisiva em relação Há um ponto a dizer, em nível absolutamen- rão (bem brasileirinha!), que produz um mel a uma outra região, que é o Imperial Valley, na te diferente: tenho acompanhado de perto um que está sendo exportado para a Alemanha. Califórnia, que é o hectare agrícola mais valio- tema que vamos chamar “novos protagonis- E uma cooperativa de apicultores feita pela so dos Estados Unidos, que surgiu nos deser- mos” ou, se quiserem, economia solidária. Uma igreja, com todo o romantismo dessas orga- tos próximos ao Grand Canyon, quando foi idéia que bancou a conversão da Conforja, fali- nizações, evoluiu de 60 quilos para 220 tone- feita a transposição de águas do rio Colorado da, na Uniforja, que é uma empresa de traba- ladas e, agora, exporta mel para a Alemanha. para a região da Califórnia. E lá tem 230 dias lhadores cooperados. Quero dizer aos senho- Isso me permite dizer porque estou oti- de sol, enquanto o Nordeste tem 320 dias. res que a Uniforja está inteiramente recuperada, mista, pois acho que temos um povo capaz No plano das coisas absolutamente obje- dobrou o faturamento neste ano, em relação ao de histórias de espantar. A começar pela pró- tivas, vou citar algumas: ano passado, e já começou, inclusive, a exportar pria história do presidente, que nasceu no A produção de camarão saiu de zero e, um pouco para o exterior. Era uma empresa Nordeste, não sabe exatamente o dia do nas- em seis anos, já são US$ 300 milhões de ex- que estava condenada ao sucateamento. cimento, como é muito freqüente, e que quan- portação. É tão eficiente que Mr. Bush já ele- Pergunta: vamos resolver o problema do do assumiu a presidência disse que estava re- vou as tarifas e penalizou o nosso camarão emprego e retomar o desenvolvimento com cebendo o primeiro diploma da vida dele, o nordestino, sob o argumento que era “dum- essas experiências? Não. Mas vamos construir, diploma de Presidente da República. Acho que ping” camaraônico... Estamos exportando 20 no Brasil, um referencial de outras formas de esta é uma história que me parece sintetizar toneladas de flores tropicais por mês; se está organizar um processo produtivo – isso não muito da potencialidade que existe dentro do produzindo vinho na região de Sobral, com é trivial, não são experiências românticas, são povão brasileiro. Lá, com o mel da “tiúba”,
  • 5. setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 5 ou a trajetória absolutamente consistente do Estamos fazendo isso na periferia de São Pau- fazemos a cerveja que gostamos de beber. A menino de Garanhuns à presidência da Re- lo, num município do Rio Grande do Sul, e trajetória do empresário nacional, quando não pública são demonstrações de que este país é não fiz em mais porque não consegui que vende, é ele pular para fora. Não posso dizer, capaz de histórias de espantar. outros municípios pudessem chegar. Mas te- mas já tem outro empresário nacional que pa- E esse cavalheiro, que é nosso presidente, nho a esperança que estas duas experiências rece que virou holandês. Então, o seguinte: a acabou de lançar como mote central um tema sirvam de referencial para esta discussão. tese da burguesia nacional já era há muito tem- que me parece absolutamente fundamental: a po, como teoria. Por isso, a tal da economia auto-estima dos brasileiros. Estou absoluta- A burguesia nacional solidária, o tal novo protagonismo me seduz. mente convencido que esta é uma temática Quero terminar fazendo um comercial fi- central. Se há acusação pesada que pode ser Tenho que fazer uma última observação: a nal de novos protagonistas. E vou fazer mais feita no plano do simbólico, do afetivo e do tese da burguesia nacional eu sempre olhei com uma homenagem ao Nordeste: agora, para a emocional aos Fernandos, é que eles conse- muita suspeita. Mas agora tenho todas as ra- praça de São Cristóvão. Vocês sabem qual é a guiram operar uma retirada do futuro do ima- zões do mundo para ter todas as suspeitas do história da feira de São Cristóvão? Pau de ara- ginário e, ao mesmo tempo, conseguiram co- mundo. Por que? Porque vou mostrar a vocês ra, anos 40, os caminhões soltam as pessoas locar uma séria suspeita de que ser brasileiro uma história que começa com Pedro II. Pedro lá e aí os nordestinos daqui começaram a pe- é desvantajoso, desfavorável. Quem vai res- II deu carta patente para uma companhia cha- dir para o caminhão trazer um pouco de ra- gatar? O nosso presidente da República. Ele mada Cervejaria Brahma e para outra chama- padura, um pouco de farinha, e rapidamente está convocando a sociedade brasileira a dis- da Antarctica Paulista. A história das duas é alguém começou a vender excedentes no lu- cutir a questão da auto-estima. Acho que, em muito conhecida no Império, porque como o gar, isso foi crescendo, ocupou a calçada e aí torno dela, vamos começar a fazer uma série Rui Barbosa queimou os arquivos da escravi- surgiu o Agamenon. O Agamenon é um des- de outras descobertas. dão, os pesquisadores foram atrás de fontes e ses gênios da raça, que negociou a cidadania Mas, nesse momento, estou obsessivamente encontraram os registros da Brahma, e ela progressiva para a feira. O que é a feira, hoje? preocupado com uma questão: acho que o tema terceirizava a mão-de-obra escrava. Ela não se Novecentas barracas, com nove a 10 pessoas do Fome Zero não pode sair de pauta. O tema imobilizava em escravos, pagava aluguel a pro- cada. É uma empresa que emprega diretamen- da Fome Zero é para mim um divisor de águas. prietários de escravos, rentistas. te 8 mil, 9 mil pessoas. Não traz mais queijo do Nordeste. Como qualquer grande empresa compra em Goiás, Foto: Samuel Tosta a carne de sol é feita em Nova Iguaçu, mas sabe o que é que fazem lá? Lá se dança forró, A tese da burguesia nacional se come mocotó, se escuta literatura de cor- já era há muito tempo, como del feita por residentes no Rio e impressa no teoria. Por isso, a tal da eco- Rio, mas nós criamos uma coisa espantosa que é o seguinte: é um centro comercial, a nomia solidária, o tal novo céu aberto, de nordestinidade, incomprável protagonismo me seduz por qualquer cadeia, nem Iguatemi, nem Wal Mart, ninguém compra, sabe por que? São 900 pequenos donos de barracas e ganharam total cidadania porque ocuparam, inclusive, Ele não pode ser tratado como uma proposta Como é que ela cresceu? Com muita gi- aquela estrutura do Sergio Bernardes, que é romântica, e por maior respeito que eu tenha nástica de copo, muita gente bebendo... Nos belíssima, curvas matemáticas... ao Betinho, ele tem que ser traçado como uma anos 30, o Banco do Brasil deu diversos fi- Então, produziram essa coisa maravilhosa, estratégia de Estado, que passa pelas redes que nanciamentos às duas cervejarias. O BNDES, que, semente em terra fértil, já estão surgindo existem disponíveis. A escola primária é o lu- entre 1960 e 2000, deu 700 financiamentos três outras no Rio de Janeiro, e eu falei com o gar fundamental para esta campanha. Se as para a Brahma e a Antarctica e, inclusive, governador de São Paulo, ele vem agora comi- crianças de sete a 14 anos tiverem três refei- apoiou na compra que fizeram da Quilmes go para conhecer o Agamenon, porque vocês ções, 365 dias por ano, e se puderem levar para argentina. E não é que agora, os três con- sabem que São Paulo faz sempre as coisas de- a escola, o seu irmão menor pela mão, nós troladores não venderam a Ambev? Eles vi- pois que a gente, maiores e melhores. Então, vamos ampliar de dois a 14 anos e nós muda- raram belgas. Trocaram o controle da Ambev vai provavelmente surgir em São Paulo uma mos a cara da fome no Brasil. por uma participação minoritária na Inter- coisa muito maior, pois tem mais nordestinos, e Estou dizendo isso até porque uma das brew. Viraram belgas!! eu tenho a esperança de que a maior rede neste coisas que estamos fazendo no BNDES é A importância do que acontece é a seguin- país venham a ser as feiras nordestinas, do apoiar experimentalmente alguns municípios te: antes, 54% dos dividendos eram pagos em Oiapoque ao Chuí. E isso é belíssimo. que estão vivendo a experiência de fornecer reais. Agora, necessariamente terão que ser a merenda, como um direito universal de ali- convertidos em euros. Tecnologia??!! Mas nós *A palestra da Professora Maria da Conceição Tavares foi mentação para as crianças de dois a 14 anos. fazemos uma ótima cerveja, ou pelo menos, publicada na edição passada do JE.
  • 6. 6 setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 POLÍTICA SOCIAL João Leonardo Medeiros* Contra os gastos sociais e com segurança Diz a velha máxima po- pular que uma mentira repetida mil vezes tor- na-se verdade. Mais do que uma frase ocasio- nal, talvez se possa hoje empregar este di- tado para expressar com toda brevidade possível o espírito dos tempos. Afinal de con- tas, trata-se de um cla- ríssimo estratagema de autolegitimação pe- lo cansaço. Sendo o di- N essa maré – aparentemen- pública. E isso no mesmo dia em mento não a expectativa de um tado falso, procura te rasante, aliás – poucas que o governo e a imprensa tocavam futuro otimista, mas o delinear de legitimar-se pela me- idéias têm sido tão difun- as trombetas para celebrar (com um futuro sem futuro. cânica repetição. Per- didas, no sentido do dispositivo uma certa razão, já que nos desa- Vejamos mais de perto a natu- autolegitimador indicado, quan- costumamos a receber notícias des- reza do problema. O que significa gunto eu: não tem sido to a noção de que a pobreza pode te tipo) o que pode ou não ser, mas um futuro no qual o Brasil, ou este precisamente o e deve ser enfrentada mediante já era tido com sido, o início de uma qualquer outro país, prevê um as assim-chamadas políticas so- nova etapa de crescimento. maior dispêndio com as políticas mecanismo emprega- ciais. Ainda mais porque, sobre- Detenhamo-nos inicialmente no “sociais” e de segurança “públi- do por inúmeras das tudo aqui e em outros recantos orçamento. Em um país miserável, ca”? Iniciando pelos “gastos” so- crenças – em si, dig- do depósito terceiro-mundista do este instrumento da democracia, ciais, o mais importante aqui é rebotalho humano “globalizado”, como se diz em tom humorístico, explicitar o que todos de certa for- nas da mais completa essa primeira proposição tem longe de ser uma simples peça jurí- ma já sabem ou podem facilmen- ridicularização – pos- sido indiscriminadamente combi- dico-burocrático-ornamental, influ- te reconhecer: a sua significação tas em circulação na nada com uma outra, igualmente encia decisivamente o futuro que se contemporânea. Longe de se re- falsa. Trata-se do clamor desespe- pode entrever no curto prazo e, ferir a gastos que, de alguma for- maré da ideologia he- rado pela segurança “pública”, como tendência, também no médio ma, modificariam ativamente a gemônica? como solução para o definha- e no longo. Projeta, ao menos, o fu- existência social de indivíduos ge- mento das relações propriamen- turo que o governo em exercício, nas nericamente concebidos, os gastos te humanas e da vida cotidiana. condições que encontra diante de si, “sociais” têm sido nas últimas dé- Como sempre o Brasil, em as- vislumbra para o país. Como as con- cadas sinônimo de cobertura pas- suntos dessa ordem, fornece exem- dições são, e o presidente Da Silva siva para as sobras humanas da plos exemplares. Outro dia mesmo não se cansa de enfatizar, oficialmen- economia. Em outros termos, gas- vimos o governo e a imprensa di- te otimistas, supõe-se que também tos “sociais” são, atualmente, um vulgarem as novidades no projeto o sejam o orçamento e a visão de puro e simples eufemismo para o de orçamento para o próximo ano, futuro nele encerrada. já desgastado assistencialismo. O a saber: o aumento nos gastos “so- Pois não é que ocorre exata- tom assistencialista fica claríssimo ciais” e nos gastos com segurança mente o oposto: temos no orça- quando se observa que os gastos
  • 7. setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 7 “sociais” se referem concreta- A equação é simples. Para aumen- olência requer, por necessidade, O porquê da analogia já deve mente ao criativo leque de expe- tarem os gastos sociais, de duas violentar os violentos. estar mais do que claro. O projeto dientes criado pela nossa familiar uma: ou a pobreza, a miséria e a Tomando em conjunto toda oficial de futuro do país contém, em “bolsa-cracia”: bolsa-família, bol- desigualdade atualmente existen- a situação, o que significa a pu- si, numa época de presumido oti- sa-leite, bolsa-educação, bolsa-res- tes não se reduzem; ou aumen- blicação deste projeto orçamentá- mismo, uma concepção velada em taurante, bolsa-hotel etc. tam. Se os humildes – digo, po- rio no dia do anúncio do “espe- que os miseráveis brasileiros não bres – e os assistidos – digo, táculo do crescimento” é que nem passam de Homo sacer, sujeitos sem O que o assistencialismo miseráveis – aumentam em con- mesmo o governo acredita que, quaisquer direitos, não-inclusíveis, e revela? tingente, os gastos sociais aumen- além de espetacular, o espetácu- que, portanto, devem ser alvos ora tam. Ou não? lo possa dar conta da nossa fa- da caridade, ora do “afeto policial” Aos que se atrevem criticar o mosíssima “questão social”. dos cidadãos (repetindo Marx). assistencialismo sempre se indaga Naturalizar a miséria Se, a despeito do crescimento, Naturalmente, podemos com- o que tem de mau nele: como mo- o projeto para o próximo ano pre- preender a proposta em voga como dificar a sociedade se as tropas dis- Chegamos assim ao essencial vê aumento dos gastos “sociais” e fruto da pura e simples irreflexão, poníveis estão famintas? – questi- do problema. O fato de o gover- dos gastos bélicos internos, só pode do imediatismo alimentado pelo onam os mais radicais. A fome tem no declarar como projeto para o ser que o governo não leva muita próprio estado calamitoso da nossa pressa, lembram os apressados. país, num ano que seja, o aumen- fé na continuidade do crescimento vivência social, absolutamente de- Pois bem, aos primeiros talvez to dos gastos “sociais” não ape- ou na sua capacidade de minorar gradada e degradante. Mas será que, possamos lembrar que a Bastilha nas naturaliza o aumento da mi- (para ser modesto) as mazelas so- exatamente por isso, pela intensida- foi tomada por hordas de miserá- séria, tornando-o uma previsão ciais. Sobram razões, neste último de da desgraça, não deveríamos re- veis famintos, apenas para menci- para o ano seguinte, como escan- caso: a China cresce adoidado e a fletir com todo cuidado sobre o que onar um episódio revolucionário. cara uma desalentadora rendição desigualdade social aumenta, os tem sido dito, defendido e feito? Isso não significa evidentemente na tentativa de efetivamente EUA também, para não mencio- Nunca é demais lembrar que uma defesa da fome como acele- enfrentá-la, de um modo qualquer. nar a nossa própria história de cres- atitudes absolutamente pavorosas rador de um processo de transfor- Assume publicamente a incapaci- cimento com frustração “social”. foram e são alimentadas pelos mação, mas uma singela recorda- dade ou a suposta impossibilida- mais nobres sentimentos. ção da vacuidade da proposição de de enfrentar ativamente a mi- “Homo sacer – Não seria imperioso, enfim, contida na pergunta-crítica. séria. E tudo isso num quadro o não-inclusível” estabelecer uma reflexão radical- Aos que nos chamam a aten- pintado com tintas otimistas. mente crítica da forma de interpre- ção para a pressa da fome, sali- O que foi dito sobre os gastos Parece-me, enfim, que esta- tar este mundo arrasado pela mi- entamos que há tempos as pes- sociais, aplica-se igualmente à se- mos diante de um reconhecimen- séria e pela guerra e de agir nele? soas morrem de fome, sem gurança “pública”. Também neste to tácito de uma visão particular- Essa constatação, evidente- qualquer pressa, apesar do inces- caso não poderia ter nada contra a mente conservadora, e, por isso mente, não implica de imediato sa- sante e crescente esforço assisten- segurança “pública”, nada mesmo. mesmo, bastante difundida, da ber como reagir, mas ao menos cialista. O fato de a fome em si Quem, em sã consciência, teria? pobreza e dos pobres mesmo. possui a dignidade de conferir ao permanecer lentamente indica, Mas, antecipar aumentos nos Estes últimos têm sido encarados problema a sua exata dimensão, de com a simplicidade ímpar dos gastos com segurança não signifi- pela ideologia dominante como reconhecer a incapacidade de acontecimentos, que eventos des- ca reconhecer que a principal fon- Homo sacer, expressão de Giorgio enfrentá-lo por métodos conven- se tipo não cedem a paliativos, te originária da insegurança, a de- Agamben, que Slavoj •i•ek tem cionais. Não me perguntem, por- mas a soluções efetivas. sigualdade social, não pode ou não se ocupado em difundir. tanto, o que fazer: como disse Paulo É preciso, entretanto, retomar deve ser efetivamente combatida? O Homo sacer seria o indivíduo Eduardo Arantes, não sou bobo de a interrogação para enfim respon- (Por favor, esqueçam as longas ausente de cidadania, de direitos, oferecer resposta. Mas a crítica pelo dê-la: o que tem de mau, o divagações moralistas sobre o ca- para o qual os presos de Guantá- menos não se pode dispensar. assistencialismo? ráter mau-caráter da violência.) namo são uma instância clássica: Em si, nada. Nada mesmo, Imaginem se o orçamento da presos que não podem sequer ser * Doutor em Economia pela UFRJ. nada vezes nada. Suécia poderia prever um aumen- submetidos a julgamento, já que O professor e pesquisador João Mas como visão de futuro, to dos gastos com segurança, as leis vigoram exclusivamente Leonardo Medeiros estará minis- como ambição política do gover- num ano sequer? para os cidadãos. Diante do Homo trando, no Corecon-RJ, o curso no brasileiro, como projeto de Não dispensa isso, o fato de o sacer, que não é excluído, mas não- Bem-estar, Igualdade e Pobreza: nação, como projeto internacio- pacifismo sueco ter tudo a ver com inclusível, só duas atitudes seriam uma leitura crítica, às quintas- nal de sociedade (já que é sabido o belicismo brasileiro (o mundo é cabíveis: o assistencialismo, quan- feiras à noite, no período de 21 que se trata de um projeto mun- globalizado, não?); mas temos aí do não incomodam, e a repres- de outubro a 25 de novembro. dial, chancelado pelas organiza- um excelente exemplo para, por são, quando incomodam. Ou um Os interessados deverão fazer suas inscrições na página ções internacionais), o assisten- contraste, salientar a absurdidade misto de ambos, já que nunca se www.economistas.org.br. cialismo é, no mínimo, suspeito. da proposição de que atacar a vi- sabe quando podem incomodar.
  • 8. 8 setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 ESPECIAL O Rio pelo olhar dos seus candidatos Cesar Maia – PFL/PSDB Plano de Metas para 500 mil empregos A análise do quadro econômico Foto: Clarice Castro tem evidenciado a necessidade de po- líticas públicas mais agressivas, que privilegiem não só o emprego, mas estratégias de geração de trabalho e renda. Emprego, a prefeitura faz por meio das obras, da contratação de ser- vidores – nesses três anos e meio contratamos 45 mil servidores – e dos contratos de terceirização. A escolha do Rio para sediar o Pan-Americano de 2007 vai garantir milhares de em- pregos, em diversas áreas, como cons- trução, indústria têxtil, etc. O espor- te e o turismo são atividades econômicas importantíssimas, e o Rio tem enorme potencial nesses dois setores. Temos também projetos específicos Para esta edição, às vésperas das eleições para áreas da cidade, como o “Desenvolvendo e capacitando a Zona Oes- te”; e estudantes de economia do Centro Universitário Moacyr Bastos, que municipais de outubro, o JE ouviu os candida- integram o quadro de agentes do trabalho da Prefeitura, atuando nas comu- nidades, estimulando o desenvolvimento econômico local. Temos ainda o tos a Prefeito do Rio de Janeiro, a partir de “Escola Carioca de Empreendedores Comunitários”, que desenvolve um duas questões formuladas para os cinco primei- programa permanente de líderes, fomentando o desenvolvimento local e a geração de trabalho e renda nas comunidades. O projeto tornou-se uma ros colocados nas pesquisas pré-eleitorais – incubadora de empreendimentos locais, desenvolvendo linha de pesquisa e César Maia, Marcelo Crivella, Luiz Paulo Con- extensão sobre o desenvolvimento comunitário. Nosso plano de metas: • Apoio, subsídio e isenções à criação de empresas de duas gerações, de, Jandira Feghali e Jorge Bittar. com profissional aposentado e profissional recém-formado; A cada candidato foi oferecido o mesmo espa- • Crédito direto a pequenos empreendedores e cooperativas, com paga- mento em serviços e produtos; ço, de 3 mil caracteres, e deixada em aberto a • Intensificar o direcionamento de compras de uniformes da prefeitura possibilidade de responder às questões como a cooperativas de costureiras; • Criação de shoppings abertos em ruas de atividades econômicas con- melhor parecesse a cada um. centradas, flexibilizando as posturas municipais; A seguir, as respostas às seguintes perguntas: • Desoneração fiscal das atividades ligadas a turismo, cultura e esporte; • Profissionalização no turismo, hotelaria e esportes; 1 – Quais suas prioridades para o desenvolvi- • Inicio das contratações para os jogos do Pan; mento econômico da cidade? • Criar 500 mil empregos diretos e indiretos; • Criar centros de capacitação profissional em 20 bairros; 2 – Quais as propostas para o equacionamento • Implantar o SINE municipal em duas regiões da cidade. da dívida e do orçamento frente aos preceitos A Prefeitura do Rio segue rigorosamente os princípios da LRF. A des- da Lei de Responsabilidade Fiscal? pesa líquida com pessoal, em dezembro/03, atingiu 53,4% da Receita
  • 9. setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 9 Corrente Líquida, abaixo do limite de 60% (artigo 20 da LRF). No que se esta gestão está negociando, desde 2001, o abatimento de R$ 900 milhões refere às operações de crédito internas e externas, a Resolução 43/01 de créditos do governo federal com o município; também propõe a mu- determina que o limite seja de 16% da RCL ao ano. O limite atingido pelo dança do índice de correção: substituir o IGP-DI, medido pela FGV e Município ano passado foi de apenas 1,5%. Quanto à dívida com a União, sujeito às variações cambiais, pelo IPCA, índice oficial da inflação. dos projetos prioritários é o apoio à produção e exportação de software. Marcelo Crivella - PL Indústria limpa, compatível com a vocação turística, geradora de valor agregado e de empregos, poder aquisitivo e efeito multiplicador de renda Foco no turismo, cultura, esportes e tecnologia e emprego. Faremos do Rio a capital brasileira do software. A vocação natural do Rio con- temporâneo é o setor de serviços, Luiz Paulo Conde - PMDB particularmente o bloco de interes- ses e atividades em torno do turis- Um Rio que atraia empresas e indústrias mo, entretenimento, cultura e espor- tes. Não é que repelimos a indústria: Pretendo tomar várias medidas ela será bem vinda e contará com para estimular o desenvolvimento os incentivos necessários. Mas, o Rio econômico da cidade em várias áre- é um campo privilegiado para ativi- as. Entre elas, a de entretenimento, dades do terciário, com capacidade cultura, lazer, turismo, financeira e extraordinária para geração de ren- têxtil. Para a área de turismo temos da e empregos de qualidade. O blo- vários projetos, entre eles a criação co de turismo, entretenimento, cul- de eventos como a Semana da Cri- tura e esportes será o foco de nossa ança e o Rio Beer Festival, além da atenção, apoiado por uma concepção e prática ativas de defesa do meio- retomado do Plano Maravilha-Rio, ambiente. A Prefeitura fará tudo para garantir o seu pleno desenvolvi- abandonado pelo atual prefeito. Es- mento, como fonte de emprego e renda para milhões de cariocas. O turis- timularei a implantação e manuten- mo é a vocação natural e fundamental para a vida econômica da cidade, mas ção das cooperativas de roupas no temos de cuidar da manutenção do espírito carioca, tão ameaçado pela estado, que empregam formalmen- violência e falta de políticas públicas que estabeleçam um planejamento te 168 mil pessoas. Em parceria com o governo do estado, atuarei para seguro de desenvolvimento econômico e social. O Rio de Janeiro conquis- transformar o Rio no segundo maior pólo do mercado de seguros no país. tou a referência internacional de principal centro turístico brasileiro, mas Este mercado cresce 25% ao ano. Outro esforço será feito para atrair perdeu alguns espaços por falta de um maior entrosamento entre os pode- indústrias, que farão do Rio o segundo maior pólo da indústria farmacêu- res municipal, estadual e federal, além de não dar a merecida valorização aos tica da América Latina. Na área de geração de empregos, vou criar progra- segmentos da iniciativa privada que trabalham os produtos turísticos. mas de apoio a trabalhadores autônomos (são mais de 1,25 milhão de A violência crescente é perturbadora e afasta as pessoas das ruas e da autônomos no Rio de Janeiro). Criar programas de qualificação e prepara- vida noturna, e afugenta os turistas. Nosso plano de governo, além de dar ção para os jovens serem absorvidos pelo mercado de trabalho – um deles prioridade ao corredor turístico do Galeão, às áreas de praias e pontos em parceria com o governo federal e as Forças Armadas, oferecendo turísticos, vai assegurar a revitalização do Centro da cidade e da Zona cursos e ampliando o tempo do serviço militar. Vou retomar também Portuária, com presença permanente da Guarda Municipal, equipada com diversos projetos abandonados pelo atual prefeito, como as Câmaras de armas tecnológicas e de informações, principalmente à noite, a fim de Desenvolvimento Local, que apóiam ações de geração de empregos, e os restabelecer o verdadeiro espírito carioca nas ruas do Rio, devolvendo à Centros de Informática nas comunidades carentes. cidade a sua auto-estima. O Rio atravessa, como as demais metrópoles brasileiras, uma crise social sem precedentes: alto desemprego e De fato a sua preocupação sobre orçamento, endividamento do municí- subemprego decorrentes de duas décadas de desempenho econômico me- pio e, em conseqüência, a Lei de Responsabilidade Fiscal faz todo sentido. díocre em todo o País. É a nossa juventude que sofre as conseqüências Conforme dados da Controladoria Geral, após obter saldo orçamentário mais dramáticas dessa crise, em razão da falta de perspectiva de uma rea- positivo, em 2000, primeiro ano da gestão Cesar Maia, o município vem lização pessoal e profissional na vida. A sociedade carioca sabe que a crise acumulando seguidos déficits anuais. Hoje, há atrasos com fornecedores e social está na origem da criminalidade e da crise de segurança. Entretanto, prestadores de serviço. Os compromissos assumidos com a realização do não podemos esperar indefinidamente pela mudança da política econômi- Pan 2007 são outra dúvida. Por sua vez, não existe transparência no proces- ca para enfrentar a crise social. Temos que mobilizar nossas próprias for- so de informação das contas públicas do município, o que dificulta a análise ças para isso, e a forma de fazê-lo, imediatamente, é empreender todos os externa. Ao final desta gestão, caso não cumpridas as obrigações da LRF, o esforços para revitalizarmos a indústria de turismo, entretenimento, cultu- gestor público poderá ser responsabilizado. O equacionamento da questão ra e esportes. A cidade tem condições de participar do novo ciclo de passará por um levantamento inicial do endividamento e obrigações assu- desenvolvimento, com a recém aprovada política industrial, em que um midas, e o estabelecimento de uma programação financeira rígida.
  • 10. 10 setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 Jandira Feghali - PCdoB Jorge Bittar – PT/PSB Retomar o desenvolvimento do Rio Democratizar a gestão pública O esvaziamento econômico do Foto: Salvador Scofano Criar o fomento às micro-finan- Rio é uma realidade. É verdade que ças, de modo a aumentar a dispo- nem todos os problemas da cidade nibilidade de serviços financeiros têm origem nela própria ou são de para pequenas e microempresas e responsabilidade de seus governan- trabalhadores autônomos, e meca- tes. Alguns são conseqüência da po- nismos de interlocução com os po- lítica econômica vigente, que há uma deres públicos e com o setor fi- década privilegia os interesses do ca- nanceiro. Produzir e disseminar pital financeiro. Mesmo assim, a Pre- informações sobre essas empresas feitura tem um papel a cumprir para e sobre tecnologia de micro-finan- ajudar a retomada do desenvolvi- ças. Estimular o cooperativismo de mento da cidade. Para tal, vamos crédito. Além disso, pretendemos: tomar as seguintes medidas: • Fomentar serviços de desenvol- a) Estimular a construção civil e os vimento empresarial, voltados à serviços de turismo e de infra-estrutura de serviços públicos (sanea- capacitação, apoiar a comercialização, simplificar os trâmites buro- mento, transporte, saúde, educação e energia); cráticos, incentivar o cooperativismo e outras formas de associativismo; b) Articular com a Caixa Econômica Federal um Fundo de Investimen- expandir o Programa de Apoio ao Trabalhador Autônomo, voltado à to Imobiliário para financiamento da habitação popular, o que servirá comercialização de serviços da construção civil; para reativar o setor da construção civil e criar empregos; • Apoiar a chamada produção mais limpa, com o objetivo de reduzir o uso c) Redefinir os incentivos fiscais do Imposto sobre Serviços (ISS), com de matérias primas, economizar água e energia, gerando menos resíduos; destaque para as micros e pequenas empresas; • Promover processos coletivos de aprendizagem, tais como redes, d) Desenvolver ações para fortalecer a indústria naval e a Marinha Mer- cooperativas, reunindo diferentes agentes e empresas; cante na cidade; • Fazer do Rio a Cidade do Conhecimento. Agir em prol do aprimo- e) Usar o poder de compra da prefeitura para apoiar empresas instaladas no Rio; ramento das universidades, instituições de pesquisa e centros f) Reservar para empresas de pequeno porte as compras inferiores a R$ 30 mil; tecnológicos da cidade e de seus vínculos com as prioridades sociais; g) Fortalecer a economia popular solidária, apoiando projetos comunitários; • Priorizar aquisição de bens e serviços junto às empresas locais; h) Fortalecer cooperativas de crédito para o financiamento de micro e • Fortalecer a indústria cultural geradora de empregos e oportunidades; pequenas empresas. • Democratizar a gestão da política cultural; • Estruturar a Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e A resolução n° 43, do Senado Federal, limita em 11,5% o comprometi- Pesca em condições de apoiar e assistir os agricultores e pescadores, mento anual dos gastos das prefeituras com amortizações, juros e demais com vistas a aumentar a produção e comercialização; encargos da dívida consolidada, em relação à receita corrente líquida. A • Executar obras de urbanismo e meio ambiente que forem necessári- dívida da Prefeitura do Rio estava em 10,7% no ano passado, abaixo, por- as para a realização do Pan, em 2007. tanto, do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas vem crescendo perigosamente: em 2001 era equivalente a 7,6% e, em 2002, pas- A capacidade de endividamento será preservada pela manutenção sou para 10%. Nesse passo, logo estaremos no limite permitido pela resolu- da relação Receita Corrente/Dívida Consolidada Líquida. Preservar ção do Senado, pois o ritmo do crescimento dos encargos da dívida é maior a capacidade de endividamento para financiar projetos importantes do que o ritmo de crescimento da arrecadação da Prefeitura. Se somarmos para a população. Investimentos seletivos e maximamente indutores os gastos que terão que ser feitos para o Pan-Americano, o quadro que se de inclusão sócio-cultural, cidadania e renda, associados à desenha é, ainda, mais grave. Isto, aliás, foi mencionado, em relatórios do sustentabilidade da retomada da economia, permitindo manter está- Tribunal de Contas do Município e do Fórum Popular de Orçamento. vel aquela relação, sem aumento de impostos ou compressão de des- Esta situação é o resultado da desastrada gestão financeira do atual pesas não financeiras. prefeito que, numa decisão arbitrária, elevou em 50% os custos da dívida Vamos separar as contas do Regime Próprio de Previdência dos ao não pagar uma parcela que vencia no acordo negociado com o gover- Servidores Municipais das contas do Tesouro Municipal. Sabemos que no federal. Assim, a dívida terá que ser renegociada, sob pena de inviabilizar o fundo previdenciário dispõe de reservas técnicas vultosas (R$ 1,7 bi), a gestão da prefeitura. Essa é uma situação que atinge a quase todas as mas que estas reservas estão compromissadas com obrigações futuras grandes cidades, inclusive, São Paulo. O que chama a atenção, no caso do de aposentadorias e pensões. Hoje, as reservas técnicas do fundo são Rio, é a arrogância do prefeito, que se apressa em desqualificar as críticas usadas para maquiar balanços e uma fictícia disponibilidade de caixa. a sua gestão financeira. Mas, ao contrário do que diz, ele está deixando Outra questão é a divida de curto prazo. A Prefeitura tem a prática de uma verdadeira herança maldita para o seu sucessor, que terá que gover- financiar-se no curto prazo com recursos de fornecedores e prestadores nar quatro anos com um rígido planejamento financeiro, democratica- de serviço, que chegam a ficar 10 meses sem receber o que têm direito. mente discutido com a sociedade, para que fiquem claras as dificuldades e Uma visão financista míope, de curtíssimo prazo, que só prejudica os a necessidade de renegociação da dívida. trabalhadores dessas empresas. Acabaremos com isso.
  • 11. setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 11 MONOGRAFIA Carlos Augusto Góes Pacheco Royalties do petróleo: Aplicação e impacto no desenvolvimento econômico dos municípios da Bacia de Campos O texto a seguir é da monografia colocada em primeiro lugar no XIV Prêmio Corecon de Monografia. Campos dos Goytacazes, Casimiro de Abreu, Carapebus, Macaé, Quissamã, Rio das Os- tras e São João da Barra. Discrepâncias e distorções Segundo dados da Agência Nacional do 1 Petróleo (ANP) , no ano de 2003 foram dis- tribuídos R$ 4,396 bilhões, a título de royalties, entre todos os beneficiários destas indeniza- ções, quantia 37% maior que a arrecadada no ano anterior. Somente o Estado do Rio de Janeiro recebeu R$ 907,7 milhões, cerca de 64,2% do total distribuído entre as unidades da Federação. Já para as participações especi- ais, o montante alcançou a cifra de R$ 4,997 bilhões, sendo destinado ao Estado do Rio de Janeiro R$ 1,961 bilhão. D esde a criação da Petrobras, em 1953, vas são de a produção aumentar, gerando O súbito aumento dos royalties e partici- até as recentes descobertas realizadas mais recursos, inclusive sob a forma de pações especiais originou-se de uma conjun- na Bacia de Campos, a indústria de royalties e participações especiais. ção de fatores. Um deles foi o deslocamen- petróleo brasileira vem apresentando um in- Os royalties podem ser entendidos como to da alíquota máxima de royalties (de 5% para contestável potencial para a promoção de ino- uma compensação financeira devida, prin- 10%, do valor da produção), a partir da pro- vações nos diversos setores da indústria e, ao cipalmente, a Estados e Municípios, pelos mulgação da Lei nº 9.478/97. Além deste, mesmo tempo, na reprodução de renda e concessionários de exploração e produção houve uma elevação dos preços de referên- emprego, através de maciços investimentos e de petróleo e gás natural. Já a participação cia utilizados nos cálculos dos royalties que, seu impacto sobre as demais cadeias produti- especial é um pagamento a que estão sujei- após o decreto nº 2.705/98, passaram a va- vas, devido a seu efeito multiplicador. tos os campos com grande volume de pro- riar de acordo com os preços internacionais Sendo a necessidade contínua de esfor- dução ou grande rentabilidade. Estes recur- do petróleo e do gás natural, e com a ço exploratório uma das características da sos, que se tornaram expressivos a partir de flutuação do câmbio. Por fim, ocorreram indústria do petróleo, são esperados maio- 1998/1999, demonstraram-se fundamentais aumentos na produção destes hidrocarbo- res investimentos no setor, a fim de garantir para promover uma melhora na situação fis- netos na Bacia de Campos, devido princi- o nível de reservas compatível com a pro- cal do Estado e dos municípios fluminenses, palmente à grande produtividade de cam- dução no longo prazo. Porém, com o de- especialmente daqueles nove pertencentes à pos gigantes, promovendo um crescimento senvolvimento de novas tecnologias e as Zona de Produção Principal da Bacia de espetacular das participações especiais. descobertas de novas jazidas, principalmen- Campos (e que se constituem o foco deste Destarte, as prefeituras viram-se com um te na plataforma continental, as expectati- artigo): Armação de Búzios, Cabo Frio, repentino crescimento de suas receitas, com
  • 12. 12 setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 das regiões beneficiadas pelas atividades de Em 2003, foram distribuídos R$ 4,396 bilhões, quantia 37% E&P, num período posterior ao esgotamen- to das jazidas de petróleo e gás natural. maior que a do ano anterior. Somente o Rio de Janeiro rece- beu R$ 907,7 milhões, cerca de 64,2% do total distribuído Desperdício de potencial entre as unidades da Federação. Já para as participações Quanto à capacidade de investimento, os especiais, foram R$ 4,997 bilhões, destinando-se ao Rio de nove municípios da Zona de Produção Prin- Janeiro R$ 1,961 bilhão. cipal apresentaram números sensivelmente superiores àqueles verificados no Norte Fluminense e nas Baixadas Litorâneas, esta- o qual ainda não estavam preparadas, pois não ticipações especiais, como, por exemplo, em belecendo-se a hipótese de que os royalties es- havia sido realizado nenhum estudo de im- Rio das Ostras, passando de 2,27%, em 1997, tão contribuindo para este aumento dos in- pacto ou planejamento para a utilização des- para 71,51%, em 2000. Neste ano (2000), cin- vestimentos, graças ao seu reforço nos cofres tes vultosos recursos. co dos nove municípios em análise apresen- públicos municipais. Um dos problemas relacionados à distri- taram percentual superior a 50% de depen- Todavia, os valores dos investimentos, buição dos royalties e participações especiais dência das participações governamentais em quando comparados com as receitas de está na discrepância das projeções marítimas, relação à receita total municipal. royalties, no período de 1999-2001, evidencia estabelecidas pelo IBGE, para delimitação das O potencial dos royalties torna-se visível que estão sendo destinados para fins diver- zonas de produção dos campos de petróleo quando comparados com as receitas tributá- sos, e não exclusivamente nesta categoria de na plataforma continental, quando compara- rias municipais e os repasses intergoverna- despesas de capital. Apesar deste procedimen- das com os reais efeitos da indústria do pe- mentais (que, tradicionalmente, sempre se to estar de acordo com a legislação vigente, tróleo sobre os municípios atingidos. Como constituíram na principal fonte de recursos desperdiça-se um grande potencial de inves- este procedimento de delimitação foi basea- dos municípios). O volume arrecadado no timento, quando se consideram as áreas de do apenas em critérios físicos e não se consi- período 1997-2001 superou todas as outras uso das participações governamentais deraram os impactos socioeconômicos asso- fontes, ultrapassando impostos significativos, estabelecidas por legislações anteriores à Lei ciados às atividades de exploração e produção como o ICMS e o ISS, para os nove municí- do Petróleo (como energia, abastecimento de (E&P), correspondente ao poço do respecti- pios da Zona de Produção Principal. Para os água, saneamento básico, etc.). vo município produtor, acabaram por gerar demais municípios do Norte Fluminense e Das principais carências e obstáculos para distorções na distribuição das indenizações Baixadas Litorâneas, verificou-se uma influ- a atração de novos empreendimentos, reve- petrolíferas. Campos dos Goytacazes, por ência menor dos royalties, revelando maior lou-se, de maneira unânime, entre as nove exemplo, é o município fluminense de maior dependência das transferências intergover- principais localidades em questão, a carência arrecadação, apesar de não possuir instalações namentais nos seus orçamentos. de acessibilidade, traduzida por baixa dispo- significativas de apoio à atividade petrolífera, Foi averiguada uma diminuição da parti- nibilidade de estradas pavimentadas em rela- como Macaé. cipação dos tributos municipais na receita ção à área total do município. Isto pode vir a total. Como os municípios estão arrecadan- justificar os vultosos montantes dos royalties, Destinação dos royalties do mais com as participações governamen- gastos em pavimentação, como uma tentati- tais, não está havendo preocupação, em al- va das prefeituras em resolver as carências Apesar disto, os royalties e participações es- guns casos, em garantir receitas próprias, mais relevantes, de modo mais imediato. Vale peciais constituíram-se num importante refor- permanecendo subordinados aos repasses de lembrar que, uma via de comunicação é ca- ço no orçamento, no sentido que possibilitou outras esferas de governo, e ampliando a de- paz de tirar do isolamento núcleos menores, superávits das receitas em relação às despesas, pendência em relação aos royalties e participa- de economia estagnada, possibilitando o au- para a maioria dos municípios beneficiários, ções especiais. Outro problema é a guerra fis- mento de benefícios à sua população, que nos anos 2000/2001, revertendo a situação cal, levando municípios a abdicarem de passa a ter facilidade de acesso às localidades deficitária em que se encontravam em 1997/ impostos, na esperança de que a atração de que os fornecem, estimulando a dinamização 1998 (de acordo com análise realizada a partir empresas possa vir a gerar rendimentos no e/ou a revitalização de suas economias. de dados do Tribunal de Contas do Estado do longo prazo. No entanto, em alguns casos, estes gastos Rio de Janeiro e da Fundação Centro de In- Esta redução nos recursos tributários leva direcionados apenas para um determinado formações e Dados do Rio de Janeiro). a crer que os municípios podem estar se utili- conjunto de setores, pode vir a ser um refle- Cresceram também as participações da- zando dos royalties para promover ajustes em xo de um possível desconhecimento, por parte queles recursos nas receitas totais municipais: suas contas, a fim de se enquadrarem na le- dos administradores municipais, dos limites a progressão das porcentagens, entre os anos gislação estabelecida pela Lei de Responsabi- impostos à utilização dos royalties (proibição de 1997 e 2000, apresentou um salto gigan- lidade Fiscal. Isto contrasta a lógica das inde- de uso somente em pagamentos de dívidas e tesco e repentino de dependência da receita nizações petrolíferas, que seria de oferecer pessoal). Alguns prefeitos ainda seguem a le- total municipal em relação aos royalties e par- condições para a sustentabilidade econômica gislação estabelecida pela Lei nº 7.990/89, a
  • 13. setembro jornal dos economistas - setembro de 2004 13 qual direcionava os gastos exclusivamente sustentabilidade, de diversificação da base para áreas de infraestrutura. Contudo, é sabi- produtiva local e da geração de trabalho e ren- do que obras desta natureza, e de caráter da fora da cadeia do petróleo. assistencialista, aparecem mais aos olhos da Há também, como um dos empecilhos na população de baixa renda do que investimen- análise das aplicações dos royalties e participa- tos em setores sociais, levando a crer que tal ções especiais, a falta de transparência na apli- escolha vem de encontro a possíveis interes- cação destes recursos. Como a atual legisla- ses eleitoreiros. ção não determina os setores que devam ser contemplados, a questão gira em torno de Dispersão das informações uma transparente e eficiente gestão, por par- te das Prefeituras, para a correta utilização dos Uma questão relevante foi o papel dos royalties. Além de promover obras de infraes- royalties na determinação dos empregos for- trutura física, o poder público municipal deve mais, já que maior mão-de-obra foi emprega- assumir responsabilidades nos setores de da, a fim de atender às obras públicas muni- infraestrutura social e econômica, com obje- cipais proporcionadas pelo aumento dos tivo de promover a geração de empregos, a investimentos. Os salários dos servidores melhoria das condições de vida de seus públicos, no período analisado, sofreram rea- O potencial dos royalties munícipes e garantir o crescimento diversifi- justes graças ao direcionamento das indeni- cado, participativo e auto-sustentável. Mais do zações petrolíferas para estas obras de torna-se visível quando que isso deve implementar ações conjuntas infraestrutura, liberando impostos e demais comparados com as recei- com outros municípios, para a promoção de repasses para outros fins. um desenvolvimento regional. tas tributárias municipais e Os maiores gastos em Habitação e Urba- Das potencialidades apresentadas pelas nismo observados no período de 1997 a 2001 os repasses intergoverna- localidades em análise, destacam-se três gru- relacionam-se ao impacto sofrido pelas loca- mentais (que, tradicional- pos. Cabo Frio, Rio das Ostras, Armação de lidades próximas a áreas de E&P de petróleo Búzios e Casimiro de Abreu possuem forte e pela expansão urbana provocada pelo turis- mente, sempre se consti- vocação turística. Macaé apresenta-se como mo. As despesas em Saúde e Educação, no tuíram na principal fonte a única localidade com reais possibilidades de mesmo período, superaram os repasses do de recursos dos municípi- continuidade de desenvolvimento através da SUS e Fundef, respectivamente, corroboran- inserção na cadeia produtiva petrolífera, en- do a suposição de que estes setores foram os). O volume arrecadado quanto que Campos dos Goytacazes, Cara- beneficiados com outros recursos, particular- no período 1997-2001 su- pebus, Quissamã e São João da Barra concen- mente dos royalties. tram suas potencialidades na agroindústria. Existem inúmeras limitações para um pre- perou todas as outras fon- Assim, o turismo e a fruticultura, juntamen- ciso processo de análise do real efeito das re- tes, ultrapassando impos- te com a recuperação da indústria sucroal- ceitas petrolíferas no desenvolvimento dos tos significativos, como o cooleira e o desenvolvimento efetivo do com- municípios. Um destes é a dificuldade de espe- plexo industrial de E&P de petróleo e gás cificar, de maneira precisa, as áreas beneficia- ICMS e o ISS, para os natural, constituem-se as principais potencia- das pelos royalties e participações especiais, pelo nove municípios da Zona lidades a serem implementadas, com recursos motivo da dispersão das informações sobre o oriundos, por exemplo, das indenizações do de Produção Principal. assunto abordado, até mesmo por parte das petróleo e gás, para a revitalização dos municí- próprias prefeituras beneficiadas. Ademais, é pios confrontantes da Bacia de Campos. complexa a desagregação dos benefícios oriun- dos investimentos é lenta, e os resultados apa- Aperfeiçoando estes setores, será possí- dos das participações governamentais, daque- recem somente no longo prazo. Há de se con- vel criar uma cadeia integrada de atividades les originados pela indústria petrolífera como siderar que as demandas sociais são elevadas, econômicas, que permitirá o desenvolvimen- um todo. Os orçamentos municipais, na for- e os índices refletem um acúmulo das ações to sustentável, vindo a repercutir em outros ma como são declarados, enfatizam somente de sucessivas administrações municipais. setores tradicionalmente relevantes, como a a gestão de caixa e o aspecto legal da lei, não Do que foi visto, pode-se deduzir que a cerâmica, a piscicultura, a indústria de doces permitindo a correta apropriação dos royalties repartição das receitas dos royalties e partici- e a mineração, ao mesmo tempo em que re- às áreas a que são direcionados. pações especiais está sendo direcionada a duz a dependência das receitas municipais, dos Some-se a este fato, o curto espaço de tem- abastecer governos locais, dos recursos ne- royalties da indústria petrolífera. po decorrido do início do recebimento ex- cessários ao atendimento da demanda impre- pressivo das participações governamentais (a vista por serviços públicos. Entretanto, pou- * Economista, formado pela UFRJ. partir de 1998) e seus reais efeitos sobre a cos municípios apresentaram uma ação mais vida socioeconômica municipal. A maturação harmonizada, voltada para um projeto de 1 www.anp.gov.br