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FACULDADE INTEGRADA TIRADENTES – FITs
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti
Dulce Tatiana de Souza Ferreira
Mônica Barbosa de Carvalho
PRISÃO FEMININA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UM ESTUDO SOBRE O
ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA
MACEIÓ/ AL
2011
Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti
Dulce Tatiana de Souza Ferreira
Mônica Barbosa de Carvalho
PRISÃO FEMININA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UM ESTUDO SOBRE O
ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA
Trabalho de Conclusão do Curso, apresentado
para obtenção do grau de Assistente Social no
Curso de Serviço Social da Faculdade Integrada
Tiradentes – FITs.
Orientadora: Profª Msc. Marli de Araújo Santos
MACEIÓ/ AL
2011
Esse trabalho é dedicado a todos aqueles que
contribuíram para sua realização, seja através do
auxílio teórico durante sua construção, seja pela
compreensão por nossa ausência ou ainda com
palavras de incentivo e encorajamento.
Dedicamos à nossa família, a todos os
professores que passaram por nossa vida
acadêmica, em especial à nossa orientadora
Professora Marli de Araújo Santos, à Assistente
Social Jeane Sena, responsável pela supervisão
de estágio no Estabelecimento Prisional Feminino
Santa Luzia – EPFSL, certamente esse trabalho
tem um pouco dos ensinamentos de cada um.
Enquanto os homens se contentaram com suas
cabanas rústicas, [...] se limitaram a coser suas
roupas de pele com espinhos ou cerdas, [...], a
esculpir com pedras afiadas alguns botes de
pescadores [...], enquanto se dedicaram apenas às
obras que um único homem podia criar, e a artes
que não necessitavam do concurso de várias mãos,
eles viveram livres, sãos, bons e felizes, tanto
quanto o poderiam ser pela sua natureza, [...] mas
desde o momento em que um homem teve
necessidade do auxílio de um outro, desde que se
apercebeu de que seria útil a um só indivíduo contar
com provisões para dois, desapareceu a igualdade,
a propriedade se introduziu, [...] as vastas florestas
se transformaram em campos aprazíveis, que foi
preciso regar com o suor dos homens e, nos quais,
viu-se logo a escravidão e a miséria germinarem e
crescerem com as colheitas.
(Jean-Jacques Rousseau)
FACULDADE INTEGRADA TIRADENTES – FITs
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti
Dulce Tatiana de Souza Ferreira
Mônica Barbosa de Carvalho
PRISÃO FEMININA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UM ESTUDO SOBRE O
ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA
Monografia aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Bacharel em
Serviço Social.
Banca Examinadora:
_______________________________________
Profª Msc. Marli de Araújo Santos
_______________________________________
Profº Msc. Albani de Barros
_______________________________________
Profª Msc. Francisca dos Santos Sobral
AGRADECIMENTOS
Algumas pessoas marcam a nossa vida para sempre, umas porque vão nos
ajudando na construção do nosso caminho, outras porque nos desafiam a
construí-lo. Quando nos damos conta, já é tarde para lhes agradecer.
Agradeço...
... A Deus por permitir a conclusão deste trabalho, certamente a primeira de
muitas vitórias.
... Aos meus pais e aos meus avós pelo amor incondicional sempre ofertado
nos bons e nos maus momentos; pelas broncas, quando necessárias; e, acima de
tudo, pela compreensão por minha ausência nos últimos meses.
... À nossa orientadora Professora Msc. Marli de Araújo Santos, por
compartilhar seus conhecimentos, por sua paciência e dedicação.
... A todos os professores, amigos e familiares que, de forma direta ou
indireta, contribuíram para a minha formação profissional.
... Às minhas companheiras de luta, Dulce e Mônica, pelo companheirismo
e cumplicidade durante esses quase quatro anos de convivência, em especial
pelos últimos meses, tão exaustivos para todas nós.
... A todos que fazem meu coração sorrir... Aos que sempre estiveram junto
até mesmo quando eu não mais estava disposta... À pessoa que eu esperava que
me chutasse quando caí, e que foi uma das primeiras que me ajudou a levantar...
Aos que fizeram a diferença em minha vida... Às pessoas que amei... Às pessoas
que abracei... Agradeço às pessoas que encontro apenas em meus sonhos e
aquelas que encontro todos os dias e não tenho a chance de dizer tudo o que
sinto olhando nos olhos... Para mim, o que importa não é o que eu tenho na vida,
mas QUEM eu tenho na vida... MUITO OBRIGADA!!!
Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti
AGRADECIMENTOS
“A vida nos leva a construir todos os dias, pois a própria vida é
desconstruída todos os dias.” (Pe. Fábio de Melo, 2010). É na desconstrução que
aprendemos a reconstruir, com isso nos é possível compartilhar com algumas
pessoas a necessidade de amar, a essas pessoas o meu muito obrigado.
Agradeço...
Em especial a Deus por não desistir de mim e acreditar que eu conseguiria
quando eu mesma não acreditava mais, por ser meu porto seguro e me carregar
tantas vezes no colo.
Aos meus pais, meu pai (em memória), por jamais sair do meu pensamento
nos momentos de oração e a minha mãe, hoje com mal de Alzheimer talvez não
entenda mais que é e sempre será meu exemplo de perseverança e luta.
Ao meu filho Cristiano, meu grande amigo e herói, pois mesmo separados
continuou sendo meu grande incentivo rumo à vitória que hoje alcanço.
A todos os professores, a coordenadora e família FITS que compartilharam
conosco seus conhecimentos, sua paciência e seu servir de maneira exemplar ao
ponto de hoje estarmos nos tornando profissionais de conhecimento ímpar.
A supervisora de campo – assistente social Jeane Sena pelo acolhimento
profissional e grande contribuição no despertar da nossa visão crítica da realidade,
através do convívio diário.
A nossa orientadora Professora Msc. Marli de Araújo Santos, para mim,
uma luz que se acendia todas as vezes que me sentia no escuro diante de tantos
teóricos, aos quais tivemos que nos reportar para construção deste trabalho, o que
fez com grande louvor.
As minhas colegas Clyssiane e Mônica, pelos momentos de “gotas de
sangue” das amarras na construção e desconstrução deste trabalho,
compartilhados com tantas alegrias e tristezas, porém, nunca desistido
Dulce Tatiana de Souza Ferreira.
AGRADECIMENTOS
“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante,
chore, dance, ria e viva intensamente antes que a cortina se feche e a peça
termine sem aplausos.” (Charlie Chaplin)
Agradeço...
A Deus, por está sempre do meu lado e por ter me dado forças para vencer
as barreiras, superar as limitações e tornar possível a realização desse trabalho.
Aos meus filhos Maxwell, Monique e Monyse, minha razão de viver, pela
paciência, compreensão, confiança e acima de tudo muito amor e carinho,
especialmente nesses últimos meses, no qual a minha ausência foi uma
constante.
A minha mãe e minha irmã, Benedita e Madalena, mulheres guerreiras e
batalhadoras, para mim um exemplo, que sempre acreditaram na minha
capacidade.
A todos os nossos mestres que nessa longa caminhada contribuíram para
nossa formação, socializando seus conhecimentos e experiência de vida.
Em especial, à nossa orientadora Professora Msc. Marli de Araújo Santos,
por ter nos recebido de braços abertos, por compartilhar seus conhecimentos, por
sua paciência, dedicação, confiança e reconhecimento dos nossos esforços.
À Assistente Social Jeane Sena, supervisora do campo de estágio, pelo
grande apoio e incentivo e que apesar das adversidades e inúmeros obstáculos
não desistiu de nós, suas estagiárias.
Às minhas eternas amigas Clyssiane e Dulce, companheiras de estudo,
angústias e alegrias, por me permitirem alcançar junto com elas esse sonho tão
árduo, mas tão gratificante e maravilhoso que é a conclusão do nosso curso.
Enfim, a todos que, direto ou indiretamente, colaboraram para a realização
desse trabalho, os meus sinceros agradecimentos.
Mônica Barbosa de Carvalho
LISTA DE SIGLAS
Casa de Detenção de Maceió – CDM
Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy – CPJ
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP
Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia – EPFSL
Exército Industrial de Reserva – EIRE
Intendência Geral do Sistema Prisional - IGESP
Lei de Execução Penal – LEP
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB
Penitenciária Masculina de Baldomero Cavalcanti de Oliveira – PMBCO
Presídio de Segurança Média de Arapiraca Desembargador Luis de Oliveira
Sousa – PSMADLOS
Presídio de Segurança Média de Maceió Professor Cyridião Durval e Silva –
PSMMPCDS
Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS
CARVALHO, Mônica Barbosa de. CAVALCANTI, Clyssiane Karoline Gomes.
FERREIRA, Dulce Tatiana de Souza. Prisão feminina na sociedade capitalista:
um estudo sobre o Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia. Maceió-
AL, 2011. Monografia de Graduação em Serviço Social – Trabalho de Conclusão de
Curso, Coordenação de Serviço Social – Faculdade Integrada Tiradentes – FITS.
RESUMO
O presente texto registra o resgate histórico do surgimento e evolução das
penas, no que se refere à criação das prisões bem como sua função na sociedade
de classes. Contextualiza as várias formas de sociedades, desde a primitiva até a
capitalista e, consequentemente, o considerável avanço dos direitos humanos e
sociais no âmbito jurídico por meio da Lei de Execução Penal – LEP, esta
abordagem refere-se, principalmente, a não efetivação da referida Lei. Contempla o
surgimento das prisões femininas, com sua história ligada à Igreja católica e suas
especificidades quanto às relações sociais de gênero existente nos presídios. Relata
a realidade do Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia, situado em Maceió,
no estado de Alagoas, no tocante a sua organização estrutural, características da
sua população carcerária, bem como no que se refere à superlotação do mesmo.
PALAVRAS-CHAVE: evolução das penas, sociedade de classes, Lei de Execução
Penal, prisões femininas, relações sociais de gênero, Estabelecimento Prisional
Feminino Santa Luzia.
CARVALHO, Monica Barbosa de. Cavalcanti, Clyssiane Karoline Gomez.
FERREIRA, Dulce Tatiana de Souza. Women's prison in capitalist society: a
study of the Female Prison Santa Luzia. Maceió-AL, 2011. Monographs in
Undergraduate Social Work - End of Course Work, Social Service Coordination -
Integrated College Tiradentes - FITS.
ABSTRACT
This text records the historic recovery of the creation and the evolution of
prison sentences, in regard to the creation of prisons and its role in class society.
This work contextualizes the various types of societies, from the primitive to the
capitalist, and with this the considerable progress of human and social rights within
the legal framework through the Law of Penal Execution - LEP, this study refers
primarily to the non-realization of this act. It includes the creation of women's
prisons, with its history linked to the Catholic Church and its specifications as to the
social relations hips of class societies existing in prisons. We report the reality of the
Santa Luzia Female Prison, located in Maceió, in the state of Alagoas, in terms of its
structural organization, characteristics of its prison community, as well as in regard to
the population overcrowding of this institution.
KEY WORDS: evolution of prison sentences, class society, the Penal Execution Law,
women's prisons, social relations hips in class societies, Prison Female Santa Luzia.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13
1. FORMAS DE SOCIABILIDADE, PENAS E PRISÕES: DA IDADE ANTIGA ATÉ A
CONTEMPORANEIDADE .................................................................................. 16
1.1 – Formas de Sociabilidade ................................................................................ 16
1.2 – A História das penas ....................................................................................... 25
2. O SURGIMENTO DAS PRISÕES FEMININAS .................................................. 39
2.1 – Relações de gênero e as mulheres presas .................................................... 41
3. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E O ESTABELECIMENTO PRISIONAL
FEMININO SANTA LUZIA ...................................................................................... 48
3.1 – Lei de Execução Penal - LEP ......................................................................... 48
3.2 – Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia - EPFSL ............................ 55
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 67
ANEXOS ................................................................................................................. 71
13
INTRODUÇÃO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso surgiu a partir da inserção no
campo de estágio - Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia – EPFSL,
localizado na cidade de Maceió, Alagoas, durante os anos de 2009 e 2010, o que
possibilitou a aproximação não apenas com a realidade carcerária, mas com a
especificidade da mulher quando esta se encontra privada de liberdade, ou seja, a
percepção que a prisão de mulheres mantém as contradições das relações de
gênero, bem como os determinantes da sociedade de classes. Assim, o presente
trabalho é composto por três seções, iniciaremos a primeira seção abordando sobre
as várias formas de sociabilidade humana e organização social, desde a primitiva
até a capitalista, como também, o surgimento das penas, a origem das prisões e a
sua função na sociedade de classes.
Durante o processo de evolução social encontramos a sociedade primitiva,
escravista, feudal e, por fim, a capitalista.
A sociedade primitiva era nômade e vivia da caça e da pesca. Com o
descobrimento do fogo e o surgimento da necessidade de domesticar os animais
começaram a fixar-se em determinados locais.
Durante a sociedade escravista encontramos uma sociedade dividida entre
classes, eram os senhores detentores da propriedade privada que exploravam a
força de trabalho gratuita dos escravos negros, trazidos do continente africano,
assim como dos seus descendentes.
No feudalismo constatamos também uma sociedade de classes, formada por
senhores feudais e servos, na qual os servos recebiam parte da produção do seu
trabalho como pagamento, mas não deixavam a condição de explorados.
A sociedade feudal deu lugar à sociedade capitalista, que tem a obtenção de
lucro e acúmulo de riqueza como objetivos principais. Assim como nas duas últimas
formas de sociabilidade, o capitalismo também é marcado pela divisão de classes,
dessa vez é a classe burguesa – detentora do poder – explorando a classe
trabalhadora – classe dominada.
14
As regras da sociedade de classes são sempre ditadas pela classe mais forte,
a classe dominante, e a classe dominada é obrigada a obedecer todos os ditames
impostos, sob pena de sofrer coerção legalmente determinada. Essa coerção se
materializa através das forças de repressão do Estado, onde as prisões também são
mecanismos usados para a manutenção da ordem vigente.
Por isso, ainda na primeira seção, faremos um resgate da história das
prisões, através de uma explanação sobre a evolução das penas, desde os suplícios
cometidos na Idade Antiga até o surgimento e evolução das prisões.
A segunda seção estará voltada para a historicidade das prisões femininas e
as relações de gênero a que são submetidas as mulheres da sociedade capitalista.
A submissão feminina perante os homens não é algo inerente às formações sociais,
durante as fases inferior, média e até em parte na superior da Barbárie as mulheres
eram quem comandavam os clãs.
A sociedade permanece com a descendência matrilinear, do direito materno,
até a época do surgimento da propriedade privada, quando a descendência passa a
ser patriarcal, o homem assume a liderança da família e tem início a submissão da
mulher.
Essa submissão feminina impôs que a mulher deveria manter fidelidade
sexual em relação ao ‘seu’ homem, para que os filhos vindos dessa união pudessem
ter garantido o direito aos bens e riquezas vinculadas à linhagem masculina, isso foi
necessário para que a classe dominante pudesse garantir à sua descendência,
agora paterna, o direito à herança familiar. A partir daí, fica caracterizada a
desvalorização da mulher e a sua submissão ao homem cada vez mais naturalizada.
Com o advento da Revolução Industrial, a classe dominante percebeu que a
força de trabalho da mulher também poderia ser explorada. A mulher então passa a
trabalhar fora de casa, vendendo sua força de trabalho para o grande capital, porém
sem abandonar suas ‘obrigações’ dentro do lar, enquanto mãe e esposa. Na
contemporaneidade, as mulheres muitas vezes são as únicas responsáveis pelo
sustento da família, sustento este que pode vir também através da criminalidade,
quando não conseguem suprir as suas necessidades básicas e dos seus familiares
15
– não queremos afirmar, contudo, que essa seja a única razão para a mulher
envolver-se com o mundo do crime.
A violação da ordem vigente leva a mulher a perder a sua liberdade, e isso se
materializa quando estas são direcionadas para instituições destinadas à reclusão
da criminosa – as prisões.
Para entendermos as particularidades existentes em uma prisão feminina,
contextualizamos o surgimento dessas instituições enquanto meio de clausura e
arrependimento da criminosa pelo ato cometido.
A terceira seção abordará a Lei de Execução Penal, seus diversos artigos e
sua importância para a manutenção do interesse capitalista, pois reforça os
conceitos de justa reparação pelo crime cometido, o caráter social preventivo e a
idéia de ressocialização do usuário privado de liberdade. Proporciona ao Estado
instrumentos para a individualização da execução da pena, aponta deveres,
‘garante’ direitos, dispõe sobre o trabalho dos presos, dentre várias outras
resoluções que direcionam o cumprimento da pena privativa de liberdade.
O EPFSL não se diferencia dos demais presídios brasileiros, a falta de
implementação de vários artigos da LEP também é uma realidade vivenciada pela
população carcerária daquele local, diante disso, ainda na terceira e última seção
relacionaremos a legislação brasileira com o EPSFL, enfatizando o que está e o que
não está sendo efetivado.
Por fim, ainda na terceira seção, trataremos da caracterização do EPFSL, seu
funcionamento e como essas mulheres cumprem as suas penas privativas de
liberdade, dentro do referido contexto carcerário.
16
1. FORMAS DE SOCIABILIDADE, PENAS E PRISÕES: DA IDADE ANTIGA ATÉ
A CONTEMPORANEIDADE
Nesta seção trataremos do surgimento das sociedades de classes, os
diferentes modelos societários, com suas evoluções, começando pela sociedade
primitiva, escravista e feudal, chegando, finalmente, à sociedade capitalista.
Discutiremos também o surgimento das penas e prisões, bem como sua função na
sociedade de classes.
Abordaremos ainda, as significativas mudanças ocorridas na vida do homem
no que se refere ao período da industrialização, por meio do novo modo de
produção, o aparecimento do pauperismo e das mazelas da Questão Social.
1.1.Formas de Sociabilidade
Na sociedade primitiva1
, segundo Lessa e Tonet (2008), a primeira forma
humana de organização social, ainda não havia a possibilidade de existência de
classes sociais, haja vista a baixa condição de sobrevivência humana, que era
vinculada à manutenção da vida por meio da coleta do que já existia na natureza,
como frutas e a caça. No entanto, a escassez de alimento, muitas vezes levava o
homem a passar fome e a se deslocar constantemente para lugares cada vez mais
distantes obrigando-o a fazer grandes caminhadas em busca de outros suprimentos.
Neste tipo de sociedade existiam dois interesses fundamentais, a
sobrevivência humana e a preservação do bando e isso se conseguia através do
trabalho coletivo. O trabalho desenvolvido no começo dessa sociedade, ainda não
era o de transformar a natureza, mas, “É importante acentuar: o que caracterizava o
trabalho (tomado socialmente) nessa comunidade primitiva era o fato de que todos
trabalhavam e também usufruíam do produto do trabalho.” (LESSA; TONET, 2008,
p. 55).
1
Conforme Lessa e Tonet (2008), a sociedade primitiva era composta por pequenos bandos que migravam de
um lugar para outro em busca de comida. Nessa forma de sociabilidade, “[...] Os homens permaneciam,
ainda, nos bosques tropicais ou subtropicais [...]. Os frutos, as nozes e as raízes serviam de alimento; o
principal progresso desse período é a formação da linguagem articulada. [...]”. (ENGELS, 2005, p. 22)
17
Eram povos nômades, quando os alimentos do local em que estavam
instalados tornavam-se escassos ou o clima não era mais favorável, buscavam outro
local onde pudessem se instalar.
Diante das suas necessidades objetivas de sobrevivência, os homens
primitivos perceberam que a natureza poderia lhes oferecer bem mais que a simples
coleta de alimentos, então passou a explorá-la de tal maneira que pudesse
transformá-la para um determinado fim, antecipado na consciência, ou seja, os
homens passaram a objetivar as suas prévias-ideações conforme suas reais
necessidades.
A prévia-ideação é sempre uma resposta, entre outras possíveis, a
necessidade concreta. Portanto, ela possui um fundamento material
último que não pode ser ignorado. Nenhuma prévia-ideação brota do
nada, ela é sempre uma resposta a uma dada necessidade que
surge em uma situação determinada. (LESSA; TONET, 2008, p. 20).
Segundo Lessa e Tonet (2008), o homem é um ser social e em constante
evolução e enquanto ser social tem o trabalho como base fundante para a sua
existência e da coletividade. “O trabalho é o fundamento do ser social porque
transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos homens. Ele
possibilita que, ao transformarem a natureza, os homens também se transformem.”
(LESSA; TONET, 2008, p. 26).
Mediante a transformação da natureza, o homem evoluiu seus
conhecimentos, descobriu o fogo, adquiriu a habilidade de modificar pedras e metais
produzindo ferramentas para utilizá-las como utensílios para caça e pesca.
Com a evolução, ocorreram várias descobertas na sociedade primitiva, dentre
elas a descoberta das sementes, que proporcionou ao homem o conhecimento da
agricultura, a preparação da terra para o plantio, separação dessas sementes, entre
outras atividades humanas, trouxe também a descoberta da pecuária, a criação de
animais, no qual passou a domesticá-los e essa domesticação possibilitou-os a
instalação em locais fixos, dando origens às tribos e clãs.
Mas a sociedade ainda não era dividida em classes, e apesar de na
sociedade primitiva também existir aqueles que possuíam o poder de dar ordens e
18
se fazer obedecer, não existia a exploração humana, tudo era compartilhado
igualmente com todos os membros do grupo, portanto,
Vale notar que, na comunidade primitiva, também existia a
autoridade, [...]. Nela, a autoridade, baseada na idade, na sabedoria,
na experiência de vida, nos dotes físicos etc. não estava a serviço da
exploração do homem pelo homem, [...]. (LESSA; TONET, 2008, p.
56).
A partir da descoberta da agricultura e pecuária foi possível ao homem a
produção de um excedente e com isso ele, o homem, passou a explorar seu
semelhante, de acordo com Lessa e Tonet (2008) se estabelece a exploração do
homem pelo homem.
Com o desenvolvimento das forças produtivas, o homem começa a produzir
mais que o necessário para a sua sobrevivência e o interesse da classe dominante
passa a ser a apropriação deste excedente. Apropriação esta que só pode ser
conseguida por meio da exploração da força de trabalho humana.
A partir da exploração do homem pelo homem, tem-se o fim da sociedade
primitiva e o começo da sociedade escravista – marcando o surgimento da
sociedade de classes - visto que se torna necessário aos dominantes a exploração
da força de trabalho para obtenção da produção excedente. Os interesses tornaram-
se antagônicos e o bem comum já não fazia mais parte dessa nova forma de
sociabilidade. Não bastava ao homem apropriar-se de terras e bens materiais, ele
agora queria apropriar-se de outros homens, fazendo-os seus prisioneiros. Dessa
forma,
Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, [...]
se limitaram a coser suas roupas de pele com espinhos ou cerdas,
[...], a esculpir com pedras afiadas alguns botes de pescadores [...],
enquanto se dedicaram apenas às obras que um único homem podia
criar, e a artes que não necessitavam do concurso de várias mãos,
eles viveram livres, sãos, bons e felizes, tanto quanto o poderiam ser
pela sua natureza, [...] mas desde o momento em que um homem
teve necessidade do auxílio de um outro, desde que se apercebeu de
que seria útil a um só indivíduo contar com provisões para dois,
desapareceu a igualdade, a propriedade se introduziu, [...] as vastas
florestas se transformaram em campos aprazíveis, que foi preciso
regar com o suor dos homens e, nos quais, viu-se logo a escravidão
e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas. (ROUSSEAU
apud NASCIMENTO, 2009, p. 207).
19
Dentre as principais sociedades escravistas podemos citar a grega e a
romana, as quais eram constituídas de duas classes antagônicas: os senhores e os
escravos. Toda a produção dos escravos era apropriada pelos senhores, com isso
os escravos não tinham interesse em produzir muito, então para aumentarem suas
riquezas os senhores por meio da força conquistavam e escravizavam novos
impérios, aumentando assim o número de escravos cada vez mais explorados.
Esse aumento trouxe algumas preocupações quanto à segurança dos
senhores, pois o número de escravos era muito grande2
. “Em Roma, havia mais de
700 escravos para cada senhor e, se todos se revoltassem, não haveria suficientes
senhores para enfrentá-los” (LESSA; TONET, 2008, p. 59), por isso, os senhores
contrataram um exército para defender seus interesses e manter a ordem se, por
eventualidade, essa gama de escravos resolvesse se rebelar contra seus senhores.
No entanto, o custo de manutenção dos exércitos era muito alto, muito além
das posses de um único senhor e a saída encontrada foi, que todos os senhores de
escravos se unissem economicamente para custear o exército em benefício de
todos os senhores,
Para isso contrataram pessoas que deveriam recolher todo ano a
contribuição de cada um, garantindo que ninguém passaria a perna
nos outros; e, também, que deveriam administrar esse dinheiro de
modo a manter os exércitos. Essa contribuição anual é o ‘imposto’ e
essas pessoas contratadas, os funcionários públicos. (LESSA;
TONET, 2008, p. 60).
Houve também a necessidade de se criar um instrumento que tivesse como
função a regulação das relações entre os senhores e a manutenção da ordem na
sociedade, principalmente em relação aos escravos, conservando-os na mais
profunda submissão e foi assim que surgiu o Direito e suas leis regulamentadoras.
Segundo Lessa e Tonet (2008) todo esse aparato, ao qual se cercou os
senhores de escravos para evitar ou mesmo defender-se de uma revolta dos
escravos e também para continuarem a adquirir mais escravos e assim enriquecer
2
Lessa e Tonet (2008) ressaltam que durante o escravismo, devido às precárias condições objetivas, ou seja, o
pouco desenvolvimento das forças produtivas, a ausência de tecnologia, tinha como fator determinante a
necessidade de um grande número de escravos.
20
cada vez mais, constituiu o Estado, ou seja, o Estado era “O conjunto dos
funcionários públicos, somado aos instrumentos de repressão dos escravos
(exército, polícia, prisões etc.) e ao Direito [...].” (LESSA; TONET, 2008, p.60).
Conforme Costa (1997), o Estado surge enquanto organização política da
sociedade para proteger a propriedade privada, assim como o direito civil ou direito
individual. Desde que foi criado, o Estado sempre esteve ao lado da classe
dominante, sendo assim até os dias atuais, regulando as relações sociais para que o
mercado continue com sua doutrina de exploração da classe trabalhadora.
Com o passar do tempo, o Estado, na sociedade escravista, já não conseguia
ser tão eficiente para aquilo ao qual foi criado, pois o número de escravos e o
tamanho do império aumentavam consideravelmente, na mesma proporção em que
o exército e o Estado. Os impostos cobrados aos senhores de escravos ficavam
cada vez mais altos, impossibilitando o pagamento, pois “[...] o exército e o Estado
haviam crescido tanto (e, com eles, a corrupção) que a riqueza que eles – os
escravos3
- propiciavam aos senhores já não era suficiente para mantê-los” (LESSA;
TONET, 2008, p. 60).
O exército e os funcionários públicos passaram a receber cada vez menos,
gerando assim grande revolta, bem como o crescimento desenfreado da corrupção,
isso desencadeou,
[...] o aumento tanto das invasões do império pelos povos que viviam
nas suas fronteiras, quanto das revoltas dos escravos. A
desorganização do comércio, resultante das invasões e das revoltas
no interior do império, diminuiu ainda mais o lucro dos senhores, de
modo que eles tinham ainda menos dinheiro para pagar os soldados
e os funcionários públicos. (LESSA; TONET, 2008, p. 61).
O sistema escravista era desenvolvido em meio a várias contradições, pois à
medida que o mesmo crescia, a crise também se instalava, levando-o “[...] a um
‘beco sem saída’.” (LUKÁCS apud LESSA; TONET, 2008, p. 61), ao seu inevitável
fim. No entanto, por não possuírem uma classe revolucionária e tampouco um
projeto para um novo modo de produção, a mudança dessa forma de sociabilidade
para outra foi lenta, fragmentada e caótica, afinal de contas:
3
Grifo nosso.
21
Naquela situação histórica, o desenvolvimento das forças produtivas
ainda não atingira o patamar que possibilitasse aos homens o
conhecimento indispensável ao surgimento de uma classe
revolucionária para liderar a transição da velha sociedade para uma
nova. (LESSA; TONET, 2008, p. 63).
Com o fim da Idade Média no século XV, entra em cena a Idade Moderna,
que vai do século XVI ao XVIII, caracterizada pelo progresso das invenções e
aperfeiçoamento das ciências, bem como, com a substituição do poder dos nobres
para o poder centralizador dos reis do feudalismo, o absolutismo4
.
A transição do escravismo5
para o feudalismo demorou mais de três séculos
para se concretizar definitivamente. E esse novo modo de produção – o feudalismo
– tinha características totalmente diferentes do escravismo, dentre eles, Lessa e
Tonet (2008), citam a principal como sendo,
A organização da produção em unidades auto-suficientes,
essencialmente agrárias e que serviam também de fortificações
militares para a defesa: os feudos. O trabalho no campo era
realizado pelos servos. Estes, diferente dos escravos, eram
proprietários das suas ferramentas e de uma parte da produção. A
maior parte dela ficava com o senhor feudal, proprietário da terra, e
também líder militar, a quem cabia a responsabilidade da defesa do
feudo. [...]. O servo estava ligado à terra e o senhor feudal, ao feudo.
(p. 63-64).
Essa auto-suficiência das unidades nesse novo modo de produção se tornou
necessária, pois “com o desaparecimento da estrutura produtiva e comercial do
Império Romano, o comércio e o dinheiro praticamente desapareceram.” (LESSA;
TONET, 2008, p. 63), por isso os feudos precisavam suprir toda necessidade
produtiva existente.
4
O Estado absolutista representou a resposta dos senhores à rebeldia dos servos: seu caráter de classe
mostrou-se óbvio – foi um notável reforço para combater as mobilizações camponesas. No entanto, esse
instrumento repressivo a serviço da nobreza fundiária se constituiu reduzindo o poder dos nobres tomados
singularmente; na verdade, concentrando o poder político nas mãos de um deles (o rei, que, até então,
detinha uma reduzida autoridade), diminuiu significativamente a capacidade interventiva de cada um dos
senhores feudais. Com isso, abriu-se ao mesmo tempo o campo para uma maior influência do grupo dos
comerciantes/mercadores que, gradualmente, tornaram-se os financiadores do Estado absolutista,
juntamente com as principais casas bancárias da época [...], que cresceram na mesma medida em que o
comércio ganhava dimensões internacionais. (NETTO E BRAZ, 2008, p. 72).
5
O fim do escravismo está intrinsecamente ligado a desestruturação política, econômica e militar.
22
Diferente do escravismo, no qual os escravos não tinham participação na
produção, levando-os ao desinteresse na produtividade, no feudalismo os servos
ficavam com uma parte da produção, o que de certa forma servia de incentivo para
que trabalhassem mais nos feudos, porém tanto os servos quanto os escravos não
perderam a sua condição de explorados.
Segundo, Lessa e Tonet (2008), a população dos feudos aumentou
consideravelmente, porém, a produção era maior que o consumo, o que acarretou
um prejuízo considerável para o senhor feudal e consequentemente para os servos,
levando o próprio sistema a uma crise. O senhor feudal quebrou o acordo com os
servos e expulsou parte deles dos feudos.
Os que foram expulsos não tinham para onde ir, nem como sobreviver, dando
início a uma série de roubos, cometidos por esses servos, que trocavam o produto
dos seus roubos com outros servos. As trocas eram feitas entre os que roubavam e
os que tinham o excedente da produção, fortalecendo o comércio antes
enfraquecido, pois,
Como todo mundo estava produzindo mais do que necessitava,
todos tinham o que trocar e voltou a florescer o comércio. Em pouco
mais de dois séculos, as rotas comerciais e as cidades renasceram
e se desenvolveram em quase toda a Europa. (LESSA; TONET,
2008, p. 65).
Surge então o burguês, termo utilizado para identificar os artesãos e
comerciantes que surgiram no processo de reaparecimento do comércio,
possibilitando o processo de transição do feudalismo para o capitalismo.
Diferente do processo transitório do escravismo para o feudalismo, no qual,
não houve uma classe revolucionária para adiantar o processo, neste último, os
detentores do poder revolucionaram a economia, tornando inevitável a transição, de
forma consciente, para esse novo modo de produção, o sistema capitalista
Na primeira metade do século XVIII, na Inglaterra, deu-se início a Revolução
Industrial, marcada pelo acúmulo de riquezas, substituição parcial do trabalho vivo
23
por máquinas, e consequentemente houve o aumento do número de trabalhadores
desempregados, ou seja, o aumento do Exército Industrial de Reserva - EIRE6
.
Com a industrialização, parte dos trabalhadores camponeses migrou para as
cidades em busca de emprego, a força de trabalho empregada, geralmente vinha
destes trabalhadores camponeses, que possuíam apenas sua força de trabalho para
oferecer. Os meios de produção, como máquinas e matéria-prima, eram de
propriedade dos burgueses. Os trabalhadores que conseguiam empregos nas
fábricas saíam de suas cidades e mudavam-se para locais próximos às fábricas,
caracterizando um grande êxodo rural. Criaram-se, então, cidades em volta das
indústrias de maneira tão desordenada que resultou em vários problemas com
relação à moradia, abastecimento de água, entre outros.
Segundo Engels (2008), a situação que se formou foi de exploração e miséria
para o operariado em submissão aos capitalistas, donos dos meios de produção,
enquanto que o proletariado só tinha a sua força de trabalho para vender. No início,
os capitalistas conseguiam explorar toda força de trabalho possível, inclusive as
mulheres e crianças que de maneira desumana trabalhavam de 14 a 18 horas
diárias.
Porém com a continuidade do êxodo rural o número de trabalhadores tornou-
se maior que o número de empregos o que resultou em baixa de salários, além de
que com a substituição de homens por máquinas, os trabalhadores que não eram
absorvidos no mercado de trabalho ficavam às margens da sociedade, vivendo de
ajudas e esmolas das damas da sociedade e da Igreja, e ou, em alguns casos, de
atos como assaltos, considerados crimes pela burguesia, dando início ao que hoje
conhecemos como as expressões da questão social. De acordo com Carvalho e
Iamamoto,
6
A essência da lei capitalista da população é que a acumulação do capital conduz, obrigatoriamente, a que haja
sempre uma parte da população operária excedente, afastada da produção e, por esta razão, condenada a
condições bastante precárias de existência. E o chamado "exército industrial de reserva" cuja existência, em
quantidade controlável, garante as condições de exploração do operariado pelas classes dominantes, através
da regulação dos salários (FONSECA, 2005, p. 24)
24
A questão social não é senão as expressões do processo de
formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso
no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como
classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no
cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a
burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais
além da caridade e repressão. (CARVALHO; IAMAMOTO, 1983, p.
77).
Os trabalhadores contestavam as péssimas condições de trabalho e
organizavam greves e revoltas. Esse movimento era visto, pela classe dominante,
como anarquia, e os participantes tidos como criminosos. Esta criminalidade, que
como expressão da questão social é reprodução das relações sociais do modo de
produção capitalista, extremamente consumista, onde os valores éticos e morais são
substituídos pelo poder de compra, no qual o indivíduo vale apenas o que possui.
Se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha da Inglaterra
teria considerado loucos todos os habitantes da Terra. Pois teria
visto de um lado a grande massa do povo trabalhando duramente,
voltando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde
moravam, que não serviam nem para porcos; de outro lado,
algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, mas
não obstante faziam as leis que governavam as massas, e viviam
como reis, cada qual num palácio individual. (HUBERMAN, 1986, p.
162).
Outras expressões da questão social surgiram no mesmo período, como o
desemprego, o pauperismo e a violência que constituem fatores importantes para o
entendimento da criminalidade, assim como a grande desigualdade social existente
entre o proletariado e a burguesia, resultantes do processo de acumulação de
riqueza, da precarização do trabalho, e de jornadas de trabalho exaustivas.
O capitalismo ampliou ainda mais o antagonismo entre as classes sociais
existentes, ou seja, classe dominante e classe explorada. Conforme os
trabalhadores tomavam consciência enquanto classe explorada pelo capital, surgia a
intenção de um movimento contra a classe dominante. O Estado reagia com a
repressão policial, que é a materialização da força de coerção do mesmo, afinal de
contas, como afirmou Marx e Engels (1998) em seu livro: O Manifesto do Partido
Comunista, o Estado é o ‘Comitê Executivo da Burguesia’ e como tal têm como
principal função manter a ordem e resguardar a propriedade privada.
25
Já não foi Marx e sim Engels, em seu companheiro apóstolo
desacanhado, quem afirmou: ‘Como o Estado surgiu da necessidade
de por fim à luta de classes, mas surgiu também no meio da luta de
classes, normalmente o Estado é a classe dominante
economicamente mais poderosa, que por seu intermédio se converte
também em classe politicamente mais forte e adquire novos meios
para submeter e explorar a classe oprimida.’ (AZAMBUJA, 2005, p.
102).
E para que a ordem fosse mantida, era necessário punir aqueles que
insistiam em suas revoltas e infringiam as regras postas pela classe dominante,
principalmente quando essas revoltas violavam a propriedade privada, estes
serviriam como exemplo para que outros não seguissem o mesmo caminho, ou seja,
essa punição vinha através da determinação do Estado que assumiria o seu
verdadeiro papel, que era a defesa da classe dominante feita através da mais
profunda coerção. As formas de punições foram mudando conforme evoluía a
sociedade de classes, como veremos a seguir.
1.2.A História das Penas
Para entendermos o surgimento das penas é preciso compreender o
surgimento da sociedade, ou seja, é preciso entender como os homens se
relacionam como são construídas as relações sociais. Assim, não seria possível a
compreensão das penas e prisões sem buscar a raiz da sociedade de classes, visto
que as punições estão ligadas a ela diretamente, ainda que não possa ser associada
de forma direta à sociedade de classes como iremos discutir neste item. Para tanto
buscaremos suporte teórico na obra Vigiar e Punir do autor francês Michel Foucault.
A Antiguidade e a Idade Média possuíram características comuns no que diz
respeito às formas de punição. Ambos os períodos históricos atingiam diretamente
os corpos, através de torturas ligadas ao crime cometido, por exemplo, em casos de
roubo, suas mãos deveriam ser decepadas. A pena privativa de liberdade também
não fazia parte desse contexto histórico, pois o encarceramento servia apenas para
assegurar que o ‘criminoso’ aguardasse a sua punição sem o risco de fugir.
26
Durante o século XVIII, na Europa, as prisões (masmorras, cativeiros e
calabouços) tinham basicamente a função de punir e torturar aqueles que tinham
cometido algum tipo de crime ou delito – entenda-se também como crime blasfêmia,
heresias, traição, desobediência, e até mesmo o fato de ficar endividado e
consequentemente não conseguir pagar os impostos cobrados pela coroa – realeza.
A partir de 1893, as prostitutas também passaram a ser consideradas criminosas.
Como não existia uma legislação para definir as punições a serem dadas aos
presos, o encarceramento servia como represália por não haverem se comportado
conforme as determinações do soberano, principalmente o não pagamento de
impostos. Era uma forma de manter não só o domínio físico como também o
ideológico sobre o prisioneiro.
Segundo Foucault (2008), em meados do século XVIII, os condenados,
homens ou mulheres, eram submetidos a torturas imensuráveis para pagar por seus
atos criminosos. Na França, como forma de punição, os corpos eram esquartejados,
enquanto o condenado agonizava de dor, posteriormente seus membros e troncos
eram queimados até tornarem-se cinzas e estas, por fim, eram ‘lançadas ao vento’ e
todo esse espetáculo de horror era assistido por dezenas de pessoas durante o
período medieval. Essa era a estratégia encontrada para evitar que novos crimes
fossem cometidos, no intuito de que os que assistiam tivessem medo, ficassem
horrorizados com as cenas e, com isso, não cometessem crimes.
Léon Faucher7
, segundo Nardi (2009), “foi o responsável por redigir o
regulamento que tornava mais ‘humana’ as condições dos presos pouco antes de
sua execução, não impedia, contudo, as torturas durante a execução”, esse
regulamento foi redigido para a Casa dos Jovens Detentos em Paris, baseado no
Código Penal Francês de 1810 e tinha o trabalho como agente de transformação
carcerária. Ele já apresentava grande diferença para o sistema de torturas
apresentado anteriormente, pois já não havia o suplício dos corpos, mas um grande
disciplinamento dos detentos através de horários pré-definidos e controlados,
obrigatoriedade do trabalho e do estudo nas prisões, além de orações ou leituras de
cunho moral e religioso. Era a necessidade de se atingir a alma, não apenas o
corpo.
7
Primeiro ministro da França no ano de 1851
27
A substituição do suplício de corpos por penas mais leves, em Paris, não
ocorreu de forma homogênea, o suplício foi sendo substituído aos poucos e só foi
abolido definitivamente, na Europa, em abril de 1848, porém são cometidos ainda
hoje em alguns países do Oriente fundamentados por questões culturais.
Mas, de modo geral, as práticas punitivas tornaram-se pudicas. Não
tocar mais no corpo, ou o mínimo possível, e para atingir nele algo
que não é o corpo propriamente. [...] Segundo essa penalidade, o
corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de
obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo não
são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de
uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos
suspensos. (FOUCAULT, 2008, p. 14)
De acordo com Foucault (2008), nos de casos de reincidência, o castigo
recebido poderia variar entre o indivíduo ter uma letra ‘R’ marcada com ferro quente
em seu corpo, ter sua pena dobrada, o máximo da pena, ou, ainda, a pena
imediatamente superior à recebida anteriormente.
Desde o século XV até o século XVIII o processo criminal era mantido em
sigilo, nem o próprio acusado tinha acesso às informações, assim não tinha como se
defender. Os únicos a terem acesso aos depoimentos e provas eram os
responsáveis pela acusação, os juízes da época.
O acusado era convocado apenas uma vez para ser interrogado e logo após
era determinada a sentença. Não havia espaço para contestação de provas. A pena
imposta ao condenado correspondia a uma soma de fatores, podendo variar de leve,
como o pagamento de uma multa, até a mais severa, que é a morte. A confissão era
um elemento de extrema relevância nesta aritmética penal, porém,
O interrogatório é um meio perigoso de chegar ao conhecimento da
verdade; por isso os juízes não devem recorrer a ela sem refletir.
Nada é mais equívoco. Há culpados que têm firmeza suficiente para
esconder um crime verdadeiro [...]; e outros, inocentes, a quem a
força dos tormentos fez confessar os crimes de que não eram
culpados. (FERRIÈRE apud FOUCAULT, 2008, p. 36)
Apesar da extinção do suplício de corpos, na Europa no ano de 1848, alguns
outros casos de torturas seguidas de morte continuaram a ser promovidos, foram
guilhotinas, cadafalsos, mãos cortadas, enfim “tudo isso torna bem irregular o
28
processo evolutivo que se desenvolveu na virada do século XVIII ao XIX”.
(FOUCAULT, 2008, p. 17)
Com o fim do século XVIII, a população já não aceitava as condições
impostas pelo absolutismo e clamava por democracia, queria participação nas
decisões. Já no século XVIII era possível verificar a indignação da população com as
penas consideradas pesadas ou injustas e também com o tratamento diferenciado
dado aos mais ricos. Essa indignação acabava deixando as pessoas exaltadas,
resultando em manifestações violentas, que não faziam nada além de reproduzir as
cenas repugnantes das condenações.
Na França, os condenados, momentos antes de sua morte, eram obrigados a
ler sua própria sentença ou a confessar e pedir perdão pelos crimes cometidos, o
que causava comoção em alguns que assistiam.
O condenado se tornava herói pela enormidade de seus crimes
largamente propalados, e às vezes pela afirmação de seu
arrependimento tardio. Contra a lei, contra os ricos, os poderosos, os
magistrados, a polícia montada ou a patrulha, contra o fisco e seus
agentes, ele aparecia como alguém que tivesse travado um combate
em que todos os reconheciam facilmente. Os crimes proclamados
elevavam à epopéia lutas minúsculas que as trevas acobertavam
todos os dias. Se o condenado era mostrado arrependido, aceitando
o veredicto, pedindo perdão a Deus e aos homens por seus crimes,
era visto purificado; morria, à sua maneira, como um santo.
(FOUCAULT, 2008, p. 55)
Percebe-se, então, que a morte como forma de punição não mais
amedrontava a população do século XVIII, mas transformava os criminosos em
heróis aclamados e aqueles que eram responsáveis pela execução eram
amaldiçoados e, por vezes, agredidos.
É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física
entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança
do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e
do carrasco. O suplício tornou-se rapidamente intolerável.
Revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela à tirania, o
excesso, a sede de vingança e o ‘cruel prazer em punir’.
(FOUCAULT, 2008, p. 63)
Durante o século XVIII são alteradas as medidas de punição, a partir de
então, não bastava uma confissão por parte do acusado (algumas eram arrancadas
29
forçadamente e/ou falsas), era necessário que houvesse uma investigação para que
se provasse a culpa ou a inocência do indivíduo.
Para Foucault (2008), com a diminuição da brutalidade das penas, tem-se a
impressão de que também foi reduzida a violência dos crimes cometidos. Porém, ela
está apenas camuflada, mas tão presente quanto antes.
Entretanto, a justiça dos séculos XVIII e XIX revela-se incoerente, feita de
forma abusiva e arbitrária, pois era administrada por juízes e reis soberanos, que
permitiam que o aspecto pessoal ultrapassasse o limite da ‘neutralidade’ que se
deseja de quem julga, condenando ou absolvendo pessoas com base em
motivações pessoais, sem levar em conta o processo de investigação e a realidade
dos fatos.
Porém, hoje já é possível se entender porque não existe uma justiça neutra
por essência, haja vista vivermos em uma sociedade de classes, onde a justiça é
feita pela e para a classe dominante, deixando clara a sua autonomia mediante a
sociedade.
A neutralidade da justiça é uma idéia de justiça formal. A
neutralidade não existe, pois quem se diz neutro e não defendendo
mudanças sociais, está defendo a ordem vigente, pois a aceita (é
uma atitude política). Para que haja justiça, verdadeiramente, é
necessário que se assuma uma justiça parcial, enquanto expressão
legítima da banda dos oprimidos, dos excluídos. (MELO, 2001, p. 37)
Conforme Foucault (2008), a realidade da justiça arbitrária do século XVIII é,
então, criticada pela classe proletária, que clama por uma reforma jurídica. Essa
reforma foi preparada por magistrados, filósofos, e outros que se opunham ao poder
soberano de julgar, “a partir de objetivos que lhes eram comuns e dos conflitos de
poder que os opunham uns aos outros” (p. 69).
A reforma não pretendia punir menos, mas punir de forma que o indivíduo
pare para pensar se realmente o ilícito vale à pena. Não deveria haver diferença em
ser rico ou pobre, todos teriam uma punição equivalente ao delito cometido, uma
pena não deveria mais ser abrandada quando o infrator fosse um burguês influente.
30
Considerando o século XVIII, Foucault (2008) afirma que se uma boa parte da
burguesia aceitou, sem muitos problemas, a ilegalidade dos direitos8
, ela a
suportava mal quando se tratava do que considerava seus direitos de propriedade.
Foi uma época em que a burguesia investiu maciçamente em máquinas e matéria-
prima, armazenava suas mercadorias produzidas em galpões, devendo, portanto,
ficarem protegidas contra saques e roubos. Assim, “a ilegalidade dos direitos, que
muitas vezes assegurava a sobrevivência dos mais despojados, tende, com o novo
estatuto da propriedade, a tornar-se uma ilegalidade de bens. Será então necessário
puni-la”. (FOUCAULT, 2008, p. 72)
Segundo Lessa e Tonet (2008), os conservadores defensores do capitalismo
afirmam que a lei não deve privilegiar uma classe ou outra e que todos devem ser
tratados da mesma forma, porém
ao proceder assim a lei não garante a igualdade entre os homens,
mas sim a reprodução das desigualdades sociais. Onde todos são
politicamente iguais, mas socialmente divididos entre burgueses e
proletários, a igualdade política e jurídica nada mais é do que a
afirmação social, real, das desigualdades sociais. (LESSA; TONET,
2008, p. 88)
Mesmo investindo para manter a segurança dos seus bens, a burguesia se
deparava com saques e roubos dentro de suas propriedades, tendo como autores
dos crimes seus próprios empregados. Estes tomavam para si sobras de material
para posterior comercialização, visando adquirir meios de complementar a renda e
assim garantir a subsistência de sua família, haja vista sua condição de
miserabilidade, resultante da superexploração do seu trabalho por parte do
capitalista.
Na verdade, a passagem de uma criminalidade de sangue para uma
criminalidade de fraude faz parte de todo um mecanismo complexo,
onde figuram o desenvolvimento da produção, o aumento das
riquezas, uma valorização jurídica e moral maior das relações de
propriedade, métodos de vigilância mais rigorosos, um policiamento
mais estreito da população, técnicas mais bem ajustadas de
descoberta, de captura, de informação: o deslocamento das práticas
ilegais é correlato de uma extensão e de um afinamento das práticas
punitivas. (FOUCAULT, 2008, p. 66)
8
Neste caso são favoráveis à burguesia
31
Surge, então, para a classe dominante, a necessidade de se definir com
clareza quais os atos considerados ilícitos e qual a punição adequada para cada um
deles.
Crimes, antes cometidos contra homens, são rigorosamente condenados
quando passam atingir os bens privados. Segundo Foucault (2008, p. 74),
A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento
da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da
ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de
classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes
populares será a dos bens – transferência violenta das propriedades;
de outro a burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos: a
possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias
leis; de fazer funcionar todo um imenso setor da circulação
econômica por um jogo que se desenrola nas margens da legislação
– margens previstas por seus silêncios, ou liberadas por uma
tolerância de fato.
Portanto, o novo sistema penal, criado após a reforma, não visava acabar
com a ilegalidade de forma geral, mas para controlá-la. As penas são, então,
calculadas para que se possa reparar o prejuízo à sociedade e para minimizar as
chances de reincidência.
Para que alguém seja punido é necessário que seja comprovado que ele é
realmente o culpado e para isso o juiz precisa ser imparcial, guiado por provas que o
levem a uma única conclusão: culpado ou inocente.
Porém, é preciso considerar as determinações de classe, ou seja, em uma
sociedade capitalista, as condições objetivas dos seres humanos em larga medida
irão determinar também seus valores éticos e morais. Com a forte pressão e
influência sofrida pelos profissionais da justiça dos que detém o poder financeiro e
político, esta imparcialidade torna-se algo muitas vezes ilustrativa, além da
interferência do juízo de valores oriundo da formação ética e moral do homem,
enquanto ser social.
Se declarado culpado, o indivíduo tem que ser punido; para que a punição
seja feita de maneira correta é necessário analisar a natureza do crime e a sua
aplicação mais viável. Essa é a necessidade de se classificar os crimes e a punição
para cada um deles, “em conformidade com as características singulares de cada
32
criminoso” (FOUCAULT, 2008, p. 83), ao contrário da jurisprudência antiga, que
“usava uma série de variáveis para ajustar o castigo, as da ‘circunstância’ e as da
‘intenção’. Ou seja, elementos que permitam classificar o ato em si mesmo.” (ibidem)
Constitui-se, então, uma tabela, onde são listados todos os crimes ocorridos
em cada região, separando de acordo com suas semelhanças. Paralelamente é
criada outra tabela, que deverá conter as punições existentes e posteriormente uma
relação entre ambas as tabelas, identificando assim, qual o crime cometido e qual a
punição direcionada para ele. “Encontrar para um crime o castigo que convém é
encontrar a desvantagem cuja idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a
idéia de um delito.” (FOUCAULT, 2008, p. 87)
Em 1775, a Inglaterra acrescenta ao modelo de prisão o isolamento, evitando
assim as más influencias e a cumplicidade. Ainda na mesma década, a Inglaterra
sugere a construção de duas penitenciárias, uma para homens e outra para
mulheres, mas só uma foi construída e que “só parcialmente correspondia ao
esquema inicial: confinamento total para os criminosos mais perigosos; para os
outros, trabalho em comum durante o dia e separação à noite”. (FOUCAULT, 2008,
p. 102)
Quando Foucault (2008) trata a nova legislação criminal, formulada por Le
Peletier9
em 1791, nos diz que,
Tem que haver relações exatas entre a natureza do delito e a
natureza da punição; aquele que foi feroz em seu crime sofrerá dores
físicas; aquele que tiver sido preguiçoso será obrigado a um trabalho
penoso; aquele que foi abjeto sofrerá uma pena de infâmia. (p. 88)
É daí que surge como pena a reclusão, a prisão, uma jaula de ferro destinada
para crimes como rapto “ou que resultam do abuso da liberdade (a desordem, a
violência)” (FOUCAULT, 2008, p. 94). Esse tipo de pena foi criticado por não
produzir ‘efeitos sobre o público’, não haveria mais as cenas dos suplícios, das
torturas, para animar ou repugnar a sociedade. Houve certo descontrole na
aplicação das penas e, segundo o Código Penal de 1810, a detenção ocupa quase
9
Em 3 de maio de 1791, o deputado Louis-Michel Le Peletier de Saint-Fargeau, relator do Comitê de Legislação
Criminal, vai mesmo além ao pedir à Assembléia Constituinte a abolição pura e simples da pena de morte.
(EICHENBERG, 2008)
33
todo o campo das punições possíveis, variando das breves às de longa duração,
chegando até o momento da morte do detento.
Surgem as Workhouses10
ou Casas de correção, que tinham a disciplina
como ponto central. Elas têm como função encarcerar com o intuito de disciplinar o
trabalhador camponês para que este possa se adaptar ao novo regime de trabalho,
transformando o camponês servil em trabalhador fabril adaptado ao regime de
acumulação primitiva. Sua essência era similar à das prisões.
No século XIX a prisão muda de aspecto, o que antes era uma jaula de ferro
suspensa no ar, torna-se um grande ‘edifício carceral’, com “arquitetura fechada,
complexa, e hierarquizada que se integra no próprio corpo do aparelho do Estado”
(FOUCAULT, 2008, p. 96), cercada por muralhas intransponíveis. “Alguns anos mais
tarde, haviam sido previstos créditos para construir, à altura do poder que deviam
representar e servir, esses novos castelos da ordem civil” (Ibidem). A transição foi
feita aos poucos, primeiro em uns países, depois em outros, a depender de seu
contexto histórico.
Nestas prisões, o trabalho era obrigatório e, segundo Foucault, possuía
quatro vantagens:
Diminuir o número de processos criminais que custam caro ao
Estado [...]; não ser mais necessário adiar os impostos para os
proprietários dos bosques arruinados pelos vagabundos; formar uma
quantidade de novos operários, o que ‘contribuiria, pela concorrência,
a diminuir a mão-de-obra’, enfim permitir aos verdadeiros pobres ter
os benefícios, sem divisão, da caridade necessária. (FOUCAULT,
2008, p. 100)
A justificativa dada para o trabalho nas prisões era que ele contribuiria para a
vida do detento, após o seu regresso para a sociedade. Devido a essa justificativa,
não havia mais penas de detenção de curta duração, pois impediria a aquisição das
técnicas e do gosto pelo trabalho, não haveria tempo suficiente para essa
10
A sociedade inglesa criou para os pobres que não se adaptavam ao mercado as Workhouses que eram “casas
de trabalho” onde os trabalhadores eram forçados a trabalhar e tinham direitos mínimos, pois se resumiam
ao recebimento de auxílios como alimentação e material para higiene. (BEHRING e BOSCHETTI, 2008.)
34
aprendizagem. A função essencial do controle disciplinar é governar o corpo
enquanto produtor da mais-valia.
Essa disciplina de trabalho nas prisões favorece a burguesia, pois enquanto
afasta aqueles que poderiam pôr em riscos suas propriedades, também os
preparava para uma vida de trabalho árduo, de onde se poderia extrair mais
facilmente a mais-valia.
O modelo de prisão mais famoso daquela época foi o da Filadélfia, Walnut
Street, que, ao contrário dos outros, obteve sucesso e “foi continuamente retomado
e transformado até as grandes discussões dos anos 1830 sobre a reforma
penitenciária.” (FOUCAULT, 2008, p. 102),
A prisão da Filadélfia tinha traços do modelo americano, o que contribuiu com
o seu sucesso. Os detentos tinham hora certa para cada atividade e vigilância
constante. O isolamento era destinado apenas aos que recebiam punição especial
ou cometeram crimes extremamente graves.
Em Walnut Street,
A condenação e o que a motivou devem ser conhecidos por todos, a
execução da pena, em compensação, deve ser feita em segredo; o
público não deve intervir nem como testemunha, nem como
abonador da punição; a certeza de que, atrás dos muros, o detento
cumpre sua pena deve ser suficiente para constituir um exemplo:
terminados aqueles espetáculos de rua criados pela lei de 1786,
quando impôs a certos condenados obras públicas a executar nas
cidades ou estradas. O castigo e a correção que este deve operar
são processos que se desenrolam entre o prisioneiro e aqueles que o
vigiam. Processos que impõem uma transformação do individuo
inteiro – de seu corpo e de seus hábitos pelo trabalho cotidiano a que
é obrigado, de seu espírito e de sua vontade pelos cuidados
espirituais [...]. (FOUCAULT, 2008, p. 103).
Pretendia-se executar um processo de correção para que o indivíduo fosse
regenerado de corpo e de espírito e não voltasse a cometer crimes, por isso lhes era
dado o trabalho e também Bíblias e outros livros de cunho religioso.
35
Em todo caso, pode-se dizer que os encontramos no fim do século
XVIII diante de três maneiras de organizar o poder de punir. [...]
poderíamos dizer que, no direito monárquico, a punição é um
cerimonial de soberania; ela utiliza as marcas rituais da vingança que
aplica sobre o corpo do condenado; e estende sob os olhos dos
espectadores um efeito de terror ainda mais intenso por ser
descontínuo, irregular e sempre acima de suas próprias leis, a
presença física do soberano e de seu poder. No projeto dos juristas
reformadores, a punição é um processo para requalificar os
indivíduos como sujeitos de direito; utiliza não marcas, mas sinais,
conjuntos codificados de representações, cuja circulação deve ser
realizada o mais rapidamente possível pela cena do castigo, e a
aceitação deve ser a mais universal possível. Enfim no projeto de
instituição carcerária que se elabora, a punição é uma técnica de
coerção dos indivíduos; ela utiliza processos de treinamento do corpo
– não sinais – com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no
comportamento; e ela supõe a implantação de um poder específico
de gestão da pena. (FOUCAULT, 2008, p. 107-108)
Segundo Foucault (2008), na segunda metade do século XVIII surgiu a
necessidade de se moldar o homem, para que esse atendesse às expectativas da
classe dominante. Deveria ser um homem ágil, disciplinado, habilidoso, de imagem
imponente, que pudesse ser obediente, manipulável, submisso ao poder monárquico
e profundamente ligado ao catolicismo.
O Estado tinha a função de manter a ordem social e proteção da propriedade
privada. Possuidor de um caráter essencialmente opressor e repressivo, e sendo
responsável pela manutenção da repressão da classe trabalhadora, contava com a
ajuda das escolas, dos meios de comunicação e, principalmente, da Igreja. Daí,
surgiram os militares, os homens do exército e uma gama de escolas que poderiam
transformar o corpo humano em corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’,
como diria Foucault.
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações
do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhe
impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos
chamar as ‘disciplinas’. Muitos processos disciplinares existiam há
muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também.
Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII
fórmulas gerais e dominação. (FOUCAULT, 2008, p. 118).
36
Essas escolas disciplinadoras visavam minimizar a força de reação contra o
que era imposto aos homens. Eram locais cercados por altas muralhas, isolados de
contatos externos.
Na disciplina, os elementos são intercambiáveis, pois cada um se
define pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que os separa
dos outros. A unidade não é portanto nem o território (unidade de
dominação), nem o local (unidade de residência), mas a posição na
fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação, o ponto em que
se cruzam uma linha e uma coluna, o intervalo numa série de
intervalos que se pode percorrer sucessivamente. (FOUCAULT,
2008, p. 125).
Os alunos eram dispostos em filas, sua colocação variava constantemente,
pois o alinhamento era organizado segundo a idade, desempenho, dificuldade de
cada um, etc. “As disciplinas, organizando as ‘celas’, os ‘lugares’ e as ‘fileiras’ criam
espaços complexos [...] que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam
segmentos individuais e estabelecem ligações [...]” (ibidem, p.126). “[...] mas ainda
no século XIX, quando se quiser utilizar populações rurais na indústria, será
necessário apelar a congregações, para acostumá-las ao trabalho em oficinas; os
operários são enquadrados em ‘fábricas-conventos’.” (Ibidem, p. 128).
Assim como nas prisões, as escolas disciplinadoras tinham grande rigor
quanto a horários. Cada minuto era contabilizado e deveria corresponder ao que era
imposto, havia um controle constante sobre o tempo empregado nos serviços, para
evitar que algo pudesse atrapalhar ou interromper o curso de cada atividade. Havia
também uma ‘humanização’ dos indivíduos através dos preceitos da Igreja Católica.
[...] o mecanismo complexo da escola mútua se construirá uma
engrenagem depois da outra: confiaram-se primeiro aos alunos mais
velhos tarefas de simples fiscalização, depois de controle do
trabalho, em seguida, de ensino; e então no fim das contas, todo o
tempo de todos os alunos estava ocupado seja ensinando seja
aprendendo. A escola torna-se um aparelho de aprender onde cada
aluno, cada nível e cada movimento, se estão combinados como
deve ser, são permanentemente utilizados no processo geral de
ensino. (Ibidem, p. 140).
37
Havia, então, uma espécie de ‘adestramento’ dos indivíduos, para que se
tornasse mais fácil a apropriação de seu trabalho e a reprodução da ideologia
dominante.
O poder disciplinar é com feito um poder que, em vez de se apropriar
e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida
adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não
amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las
e utilizá-las num todo. [...] A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a
técnica especifica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo
tempo como objetos e como instrumentos do seu exercício.
(FOUCALT, 2008, p. 143).
A vigilância contida nesses locais era exacerbada e abrangia todas as
atividades, o responsável por tal função ficava em um local privilegiado, donde
poderia ver toda a movimentação.
Esse tipo de vigilância também pode ser visto no interior das grandes oficinas
e das fábricas e, para tanto, foram contratadas pessoas especializadas, para
prevenir erros, desvio de funções, ociosidade, etc.
Na essência de todos os sistemas disciplinares, funciona um
pequeno mecanismo penal. È beneficiado por uma espécie de
privilégio de justiça, com suas leis próprias, seus delitos
especificados, suas formas particulares de sanção, suas instâncias
de julgamento. As disciplinas estabelecem uma ‘infra-penalidade’;
quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e
reprimem um conjunto de comportamentos que escapava aos
grandes sistemas de castigo por sua relativa indiferença. (Ibidem, p.
149).
Segundo Foucault (2008), nas oficinas, escolas, ou nos exércitos,
consideravam-se punições todas as atitudes que faziam com que as crianças
sentissem seus erros, podendo inclusive chegar a humilhações.
Em suma, a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa
nem a expiação, nem mesmo exatamente a repressão. [...] A
penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos
os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia,
hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza.
(Ibidem, p. 152 – 153).
38
Foucault (2008) diz que, inicialmente, as instituições disciplinadoras serviam
para conter as agitações sociais, evitar roubos, “fazer respeitar os regulamentos e as
autoridades, [...] tende a fazer crescer as aptidões, as velocidades, os rendimentos
e, portanto, os lucros.” (p. 173) Essa função é muito útil durante a Revolução
Industrial, pois prepara homens para servir a senhores detentores dos meios de
produção.
Esses mecanismos de disciplina, sempre formados por grupos religiosos,
exerciam a função de disciplina social, que deveria ser prestada pelo Estado. Na
França do século XVIII esse papel foi assumido pelo sistema policial.
A organização do aparelho policial no século XVIII sanciona uma
generalização das disciplinas que alcança as dimensões do Estado.
Se bem que a polícia tenha estado ligada da maneira mais explícita a
tudo o que, no poder real, excedia o exercício da justiça
regulamentada, compreende-se por que a polícia pôde resistir com
um mínimo de modificações à reorganização do poder judiciário; e
por que ela não parou de lhe impor cada vez mais pesadamente, até
hoje, suas prerrogativas; é sem dúvida porque ela é seu braço
secular; mas é também porque bem melhor que a instituição
judiciária, ela se identifica, por sua extensão e seus mecanismos,
com a sociedade de tipo disciplinar. Seria entretanto inexato pensar
que as funções disciplinares tenham sido confiscadas e absorvidas
definitivamente por um aparelho de Estado. (FOUCAULT, 2008, p.
177).
Aos poucos a justiça penal vem se moldando, primeiro penalizava-se afligindo
os corpos, ceifando vidas, posteriormente as penas corporais foram amenizadas,
buscava-se atingir a alma ao invés dos corpos, veio o controle disciplinar, a pré-
definição de crimes e penas, as jaulas de ferro, prisões com obrigatoriedade de
trabalho, o isolamento nas prisões e o disciplinamento.
O ponto extremo da justiça penal no Antigo Regime era o
retalhamento infinito do corpo do regicida: manifestação do poder
mais forte sobre o corpo do maior criminoso, cuja destruição total faz
brilhar o crime em sua verdade, O ponto ideal da penalidade hoje
seria a disciplina infinita: um interrogatório sem termo, um inquérito
que se prolongasse sem limite numa
observação minuciosa e cada vez mais analítica, um julgamento que
seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca
encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à
curiosidade implacável de um exame, um procedimento que seja ao
mesmo tempo a medida permanente de um desvio em relação a uma
norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrá-
la no infinito. (Ibidem, p. 187).
39
A instituição ‘prisão’ que se forma no final do século XVIII e início do século
XIX deixa implícita (muitas vezes com o consenso social da época) todas as formas
de punição existente anteriormente, porém, não podemos considerá-la como a
melhor solução para os problemas sociais. Ela teria a função de transformar os
indivíduos, para readequá-los a vida em sociedade.
Uma justiça que se diz igualitária, mas que pune diferentemente indivíduos de
classes sociais diferentes, ou seja, há uma seletividade na punição de crime, devido
à estratificação social, servindo para o controle da classe trabalhadora, embora a
legislação parta do princípio da igualdade formal.
A prisão não deve ser vista como uma instituição inerte, que volta e
meia teria sido sacudida por movimentos de reforma. [...] Ao se
tornar punição legal, ela carregou a velha questão jurídico-política do
direito de punir com todos os problemas, todas as agitações que
surgiram em torno das tecnologias corretivas do indivíduo.
(FOUCAULT, 2008, p. 198).
Segundo Foucault (2008), a pena de prisão não deve ser interrompida, antes
que seja totalmente cumprida e que o isolamento leva o detento a refletir e a sentir
remorso devido aos seus crimes. Põem-se em xeque alguns conceitos dos modelos
de prisão anteriores, como a questão religiosa predominante, a necessidade do
isolamento, qual a forma de permite uma melhor vigilância com baixos custos. Ele
nos diz que o encarceramento penal que teve início no século XIX servia tanto para
a privação de liberdade enquanto forma de castigo, como para a transformação
técnica dos indivíduos.
2. O SURGIMENTO DAS PRISÕES FEMININAS
Nesta seção iremos tratar do surgimento das prisões femininas e suas
especificidades, sendo sua demanda mais uma expressão da questão social,
consequência da sociedade capitalista na qual estamos inseridas, que impõe a
todos a filosofia do consumo desenfreado a qualquer custo, inclusive sob a forma de
violência e criminalidade, bem como as relações de gênero neste contexto, ou seja,
como as relações hierárquicas entre homens e mulheres contribuem diretamente no
contexto da prisão feminina.
40
As prisões femininas originaram-se dos conventos, portanto, sua gênese está
profundamente ligada às normas da Igreja Católica.
Entre o século XVI e XVIII, as prisões femininas, enquanto instituições
edificadas não existiam, as mulheres que contestassem as normas morais vigentes,
eram enclausuradas em conventos, no qual, ficavam isoladas do mundo exterior,
voltadas para a oração diária e purificação do corpo.
Uma das proibições da Igreja Católica, na época, era a vivência da
sexualidade, sendo assim, as mães solteiras e as mulheres que ousassem fazer uso
do seu corpo conforme sua própria vontade eram presas, juntamente com as
criminosas e com as religiosas.
Esses espaços que eram compartilhados com as religiosas (freiras) que ali
viviam, tinha um misto de sentimentos contraditórios, o convívio voluntário das
religiosas e das mulheres forçadas ao enclausuramento, permitia
[...] o afloramento de todos os ódios e ciúmes, os mais variados e
inimagináveis. Toda casa de reclusão feminina vivenciou estas
contradições abrigando o desejo de buscar a Deus, o amor ao
próximo, conjuntamente ao ódio aos homens, e até ao próprio Deus.
(ALMEIDA, 2007, p. 2).
Esses conventos-prisões também puniam com severidade aquelas que por
ventura não seguissem as regras impostas no âmbito religioso, como por exemplo,
terem encontros furtivos com homens através das grades do convento, e essas
punições se configuravam em “[...] quase sempre ficar a pão e água, imputação de
culpa, chegando-se à prisão domiciliar e açoites.” (Ibidem, p. 4).
De acordo com Almeida (2007), o trabalho também fazia parte do dia-a-dia
dessas mulheres, pois além das orações que ocupavam boa parte do seu dia, as
atividades como costura e bordado também contribuíam para discipliná-las à vida no
interior dos conventos.
Segundo Espinoza (2002), quando se concebeu a prisão como instituição,
entendeu-se que era necessária a separação de homens e mulheres, devendo ter
tratamento diferenciado para ambos. Enquanto as prisões masculinas buscavam
41
restaurar, nos homens, o sentido de legalidade, nas mulheres elas buscavam
reinstalar o sentimento de pudor.
2.1 Relações de Gênero e as mulheres presas
Não é possível falar da relação de gênero sem levarmos em consideração
fatores determinantes que contribuíram para a formação da família, haja vista a
história da mulher ter passado por mudanças dentro das sociedades, principalmente
no que diz respeito a evolução histórica, por não ter tido sempre uma condição de
subordinação em relação ao homem, como foi nas sociedades em que prevalecia a
família matriarcal.
A origem da família é analisada por Engels (2005) como uma construção
social, na qual o sistema de parentesco é resultado da evolução histórica das
mudanças ocorridas na dinâmica da sociedade primitiva e posteriores. Assim sendo,
a família mudou seus laços de parentesco de acordo com a conveniência da classe
dominante.
Engels (Ibidem) retrata a sociedade primitiva como uma época que, “homens
praticavam a poligamia11
ao mesmo tempo em que suas mulheres praticavam a
poliandria12
e, portanto, os filhos de uns e de outros tinham de ser considerados
comuns.” (p. 40). A família começava, então, a sua evolução histórica para união
monogâmica13
. Porém, antes da família chegar a esta construção, passou por várias
etapas, como nos relata Bachofen14
apud Engels (2005), a mulher tem sua linhagem
definida dentro da família no casamento grupal, haja vista ser reconhecida
exclusivamente a filiação materna, já que a paternidade era algo inexato nas
relações poligâmicas.
A importância e o poder que a mulher tinha na era dos clãs, passaram
despercebidos para alguns filósofos do século XVIII, pois estes expressavam
11
Homem que possui várias mulheres.
12
Mulher que possui vários homens.
13
Homem que tem apenas uma mulher.
14
Segundo Engels, foi um grande pesquisador do tema família.
42
algumas idéias nas quais a mulher teria sido escrava do homem. Porém o que se
viu, segundo Wright15
apud Engels (2005), foi que
Habitualmente as mulheres mandavam na casa e as provisões eram
comuns. Mas infeliz do pobre marido ou amante que fosse
preguiçoso ou demasiado inábil para contribuir com a sua parte das
provisões. [...] As mulheres constituíam o grande poder dentro dos
clãs (gens) como, aliás, em toda parte. Elas não hesitavam, quando
a ocasião o exigia, em destruir um chefe e rebaixá-lo à condição de
simples guerreiro. (p. 56).
Para reforçar, Engels (Ibidem), ainda diz que “Entre todos os selvagens e em
todas as tribos que se encontram nas fases inferior, média e até em parte na
superior da Barbárie, a mulher não só é livre, mas também muito considerada.”
(p.56).
E assim, a família passou por vários processos para sua formação,
começando pela família consanguínea, que segundo Engels (2005), “só os
ascendentes e os descendentes, os pais e os filhos, estão reciprocamente excluídos
dos direitos e deveres (como poderíamos dizer) do casamento.” (p. 45). Esse tipo de
família passou por várias mudanças até transformar-se em família punaluana, que
tinha como características básicas, ainda na compreensão de Engels (Ibidem), a
exclusão de relações sexuais entre irmãos uterinos (isto é, irmãos
por parte de mãe), [...] e terminando pela proibição do casamento
entre irmãos colaterais, quer dizer, segundo nossos atuais
designativos de parentesco, entre irmãos carnais, primos em
segundo e terceiro graus. (p.46).
Quanto à família pré-monogâmica, que substituiu os casamentos por grupos,
Engels (Ibidem), relata que,
15
Arthur Wright foi um missionário que estudou a relação familiar dos iroqueses-senekas, índios da América
do Norte.
43
Nesse estágio, um homem vive com uma mulher, mas de forma tal
que a poligamia e a infidelidade ocasional permanecem um direito
dos homens, embora a poligamia seja raramente observada, também
por causas econômicas, ao passo que, na maioria dos casos, exige-
se das mulheres a mais rigorosa fidelidade enquanto durar a vida em
comum, sendo o adultério destas, castigado de maneira cruel. O
vínculo conjugal é, porém, facilmente dissolúvel por qualquer das
partes e, tal como anteriormente, os filhos pertencem exclusivamente
à mãe. (p. 54)
Uma característica observada por Engels (2005) nesta forma de família é a
dificuldade dos homens em encontrar mulheres, fato que não foi visto nas formas de
família anteriormente citadas. Contudo, para este autor, a família pré-monogâmica
teve sua importância por surgir
No limite entre o estado selvagem e a barbárie, na maioria das vezes
durante a fase superior do primeiro, apenas em certos lugares
durante a fase inferior da segunda. É a forma de família
característica da barbárie, como o casamento por grupos é a do
estado selvagem e a monogamia é a da civilização. (p. 60)
A passagem da forma de família pré-monogâmica para a monogâmica foi
baseada em alguns fatos econômicos e históricos, que fundamentaram a construção
de certos valores relacionados à preservação das riquezas adquiridas no período.
Citamos como exemplo a descoberta de que os homens podiam domesticar os
animais e criar gado e, com isso, passaram a tê-los em abundância, constituindo
assim as riquezas, ou seja, o surgimento da propriedade privada.
A partir deste momento, segundo Engels (Ibidem) começou-se a reavaliar os
valores da descendência da família, até então matrilinear, seguindo a descendência
do direito materno. Para que os filhos da descendência paterna tivessem seus
direitos de herança garantidos, era necessário que o direito materno fosse
suprimido. Desta maneira, a sociedade estabelece o patriarcado, uma forma de
garantir não apenas a herança, mas a submissão feminina.
Na realidade, a família monogâmica era necessária para que se restringissem
os parentescos, agora a mulher teria que ser fiel, no sentido sexual, e seus filhos
teriam apenas uma mãe e um pai, o que garantiria o direito à propriedade privada,
herança direta do pai.
44
Dessa forma, à medida que as riquezas iam aumentando, por um
lado conferiam ao homem uma posição mais importante que aquela
da mulher na família e, por outro lado, faziam com que nele surgisse
a idéia de valer-se dessa vantagem para modificar, em favor dos
filhos, a ordem tradicional da herança. Isso era, porém, impossível de
se realizar enquanto permanecesse em vigor a descendência
segundo o direito materno. Esse direito teria de ser supresso, e
assim o foi. (ENGELS, 2005, p. 63)
Assim, a mulher passa a ser sexualmente fiel e a descendência, antes
materna, passa a ser paterna e a família a ter sua herança vinculada à linhagem
masculina e não mais feminina. O homem, com o domínio sobre a criação de
animais e agricultura, passa a acumular riquezas e a ter o direito de transmiti-las aos
seus descendentes.
Engels (2005) relata que,
A derrocada do direito materno foi a derrota do sexo feminino na
história universal. O homem tomou posse também da direção da
casa, ao passo que a mulher foi degradada, convertida em servidora,
em escrava do prazer do homem e em mero instrumento de
reprodução. (p.64)
A desvalorização da mulher é definida com a família monogâmica, na qual o
homem passa a ter, definitivamente, o poder sobre a família constituída pela mulher
e os filhos, herdeiros diretos, segundo Engels (Ibidem), são eles que irão tomar
posse dos bens paternos. Por meio do casamento monogâmico, o homem torna-se
o único a poder romper os laços conjugais, como também lhe é concedido o direito à
infidelidade.
A submissão da mulher foi para a classe dominante, segundo Engels
(Ibidem), algo que era muito conveniente, pois os casamentos, até então, eram
feitos como se fossem um negócio, nem de longe era algo que se relacionasse ao
amor conjugal. Tudo funcionava em torno dos interesses na preservação da riqueza
e da propriedade privada. Já nas relações da classe oprimida, desaparece por
completo o interesse nos bens e riqueza, pelo fato de não estarem presentes na vida
cotidiana destes.
45
Segundo Engels (2005), a mulher só ganhou novamente um espaço no
convívio social com o advento da industrialização, quando sua força de trabalho se
torna necessária para a geração de riquezas socialmente produzidas.
A passagem da manufatura para a grande indústria foi o momento de
incorporação do trabalho feminino à produção social. A força motora
necessária para a produção havia sido transferida dos músculos do
trabalhador para a máquina, abrindo caminho para a incorporação de
mulheres e crianças ao processo produtivo. (TOLEDO, 2008, p. 40)
A partir da industrialização, a mulher passa a ter um novo papel a
desempenhar na sociedade fora de casa, vendendo sua força de trabalho, ou como
diria Engels (2005), “convertendo-a frequentemente em sustentáculo da família”.
Para sociedade capitalista a mulher é trabalhadora e como tal produtiva,
desde a época da Revolução Industrial. Hoje estão em todas as funções dentro do
mercado de trabalho, nas diversas áreas como pecuária, agricultura, saúde e
educação, entre outras. Porém, a inserção da mulher no mercado de trabalho não a
excluiu de suas antigas obrigações, enquanto responsável pelo lar, existe agora uma
acumulação de funções, a mulher além de continuar sendo a responsável direta por
cuidar da casa, das crianças, dos idosos e da educação, ainda tem que suprir as
necessidades materiais de sua família. E mesmo no mercado de trabalho tem o
salário regulado pelo sexo, como explica Camurça e Gouveia (2004):
Estando o mercado de trabalho organizado por sexo, o preço da
mão-de-obra também irá variar conforme seja um homem ou uma
mulher quem faz o serviço. A observação cotidiana nos mostra que
são as mulheres quem recebem os salários mais baixos. É o trabalho
delas que é desvalorizado. (p.26).
As mulheres aprendem desde cedo nas relações de gênero que devem ser
submissas e sendo assim esse processo se naturaliza, porém, também sentem que
por outro lado têm algum ganho em relação a ser mulher dentro da sua identidade
feminina nos padrões da sociedade que se encontra inserida. Quando essas
mulheres trocam de papel com os homens, no sentido de ficarem responsáveis pelo
sustento da família, sentem que perdem o direito a algumas coisas que para o seu
46
universo feminino são importantes, por isso, “melhor não questionar o velho modelo
de ser mulher”. (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004, p. 40).
Hoje, porém, encontramos mulheres que são responsáveis pelo sustento de
sua família e nesta condição as coisas mudam de figura, já que essas mulheres em
sua maioria sobrevivem de uma atividade ligada ao mercado informal16
, e estas,
quando privadas de liberdade não possuem direito ao auxílio-reclusão, ficando sua
família muitas vezes desprovida das condições mínimas financeiras para suprir as
necessidades básicas de sobrevivência. Estas mulheres, geralmente, são
provenientes de famílias da classe trabalhadora, até mesmo em condições de
miserabilidade, favorecendo assim as péssimas condições de sobrevivência e
estrutura familiar.
Mesmo sendo muitas vezes o ‘homem’ da casa, a mulher não consegue se
libertar das raízes de sua construção nesta sociedade machista, que a faz
subordinada, ou melhor, ‘dominada-explorada’ 17
, onde segundo Carloto (2009):
A tentativa de construir o ser mulher enquanto subordinado, ou
melhor, como Saffioti (1992), como dominada-explorada, vai ter a
marca da naturalização, do inquestionável, já que dado pela
natureza. Todos os espaços de aprendizado, os processos de
socialização vão reforçar os preconceitos e estereótipos dos gêneros
como próprios de uma suposta natureza (feminina e masculina),
apoiando-se, sobretudo na determinação biológica. A diferença
biológica vai se transformar em desigualdade social e tomar uma
aparência de naturalidade. (p.2).
No universo feminino e das relações de gênero, a mulher é considerada um
ser frágil, nascido para cuidar da família e incapaz de cometer atos violentos,
próprios do universo masculino. Ao ingressar na criminalidade, a mulher acaba
adentrando no espaço antes ocupado por homens e estar privada de liberdade
significa, entre outras coisas, deixar de cuidar da família, já que esta atribuição faz
parte de sua gama de responsabilidades.
Segundo Espinoza (2002), a situação da mulher presa é mais grave do que a
do homem preso, pois ela já é excluída socialmente antes da prisão, permanece
16
Trabalho que não possui vínculo empregatício.
17
SAFFIOTI (1992) apud CARLOTO.
47
durante o período de reclusão e a situação se pereniza ainda depois da obtenção da
liberdade.
A este contexto soma-se a violação dos direitos contidos na Lei de Execução
Penal – LEP, pois nos presídios as condições desumanas de sobrevivência trazem
várias consequências negativas para o indivíduo, que por vezes se revolta com o
sofrimento vivido dentro dos presídios e transfere essa revolta contra a sociedade.
Nas prisões convivem
[...] indivíduos de diferentes procedências, quer de família, de
ambiente ou religião, com idade, costumes e nível sócio-econômico-
cultural os mais diversos, separados de forma abrupta da sociedade
livre e desenvolvendo obrigatoriamente uma vida própria.
(OLIVEIRA, 1996, p. 75)
Outro ponto importante a ser considerado é que as mulheres, privadas de
liberdade, necessitam de uma atenção à saúde diferenciada, haja vista a sua
condição de reprodução humana (gestação/maternidade), onde, por lei, lhe é
assegurado o direito de acompanhamento durante o pré-natal e após o nascimento
do bebê, este deve permanecer em companhia da mãe pelo período de seis meses,
que corresponde ao período de aleitamento materno.
Uma característica relevante é que mesmo sendo as usuárias privadas de
liberdade – em sua maioria – cúmplices dos seus companheiros, estes, quando
detidos e ainda depois de soltos, não as procuram mais, por isso elas recebem
menos visitas que os presos masculinos.
Devemos ressaltar que houve uma mudança nas condutas deletivas
realizadas por mulheres; os crimes cometidos por elas não mais se
encaixam nos denominados ‘delitos femininos’ (infanticídio, aborto,
homicídio passional), havendo se incrementado os índices de
condenação por crimes como tráfico de entorpecentes, roubos,
sequestros, homicídios, entre outros. (ESPINOZA, 2002, p. 53)
48
3. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E O ESTABELECIMENTO PRISIONAL
FEMININO SANTA LUZIA - EPFSL
A Política de Segurança Pública sempre foi um problema para o Estado
desde o Código Penal de 1940, onde após várias tentativas de melhoria por meio de
projetos lançados por alguns juristas, foi aprovado em 1930 o projeto do Ministro da
Justiça Ibrahim Abi-Hachel que se converteu na Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984
a atual e vigente Lei de Execução Penal – LEP, com os seus 204 (duzentos e
quatro) artigos tem como finalidade proteger os direitos dos detentos, sua dignidade,
e principalmente, proporcionar condições de reintegração social.
3.1 Lei de Execução Penal - LEP
Elaborada por legisladores com a visão positivista e normativista do Direito, a
Lei de Execução Penal – LEP, parte do princípio que, serão levados em
consideração os atos jurídicos que segundo Kelsen18
apud Bittar (2004), seriam os
fenômenos jurídicos puros e não os não-jurídicos, como os culturais, sociológicos,
antropológicos, éticos, meta-físicos e religiosos. Então,
Ser e dever-ser diferem entre si na mesma medida em que ciências
sociais (humanas) diferem das ciências naturais (físico-matemáticas).
Essa diferenciação repousa na distinção provocada pelos termos
causalidade e imputação e suas conseqüências lógico-teóricas. De
fato, condição e conseqüência ligam-se pela imputação de uma
sanção a um comportamento, na esfera do Direito; nesse sentido, a
sanção pode ser, como pode não ser aplicada. Causa e efeito,
estudadas pelas ciências naturais, comportam-se com regularidade,
e, então, o que é causa provoca necessariamente o efeito respectivo.
(ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 337).
Sendo assim tudo o que a LEP preconiza teoricamente levaria a resolução de
todos os problemas da comunidade carcerária, bem como, a resolução da violência,
já que em seu contexto a LEP, direciona toda a responsabilidade para o indivíduo e
não para a sociedade de classes na qual estamos inseridos, partindo desse
princípio, entende-se que ‘tratando’ o detento, ou seja, ressocializando-o, a
18
“Hans Kelsen, como pensador do Direito, qualifica-se dentro do diversificado movimento a que se costuma
chamar de positivismo jurídico”. (ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 335).
49
criminalidade estaria praticamente resolvida, dependendo apenas da vontade e do
esforço pessoal do próprio indivíduo.
Este pensamento nos leva de volta ao conservadorismo, no qual o problema
estaria no indivíduo que não se adequava à forma de sociedade, ele seria o
problema, não havendo questionamentos quanto à exploração exacerbada da classe
trabalhadora pelo capitalista, que só se preocupa em preservar seus interesses,
dentre eles acumulação de riquezas.
Contudo, quando partimos para verificar a execução do que está disposto nos
artigos e incisos da LEP, descobrimos que quase nada é efetivado, a começar pela
própria Assistência Jurídica que nela é garantida, que deve ser gratuita e prestada
pelo Estado para aqueles que não possuem recursos financeiros.
Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos
internados sem recursos financeiros para constituir advogado.
A ausência desta Assistência Jurídica é uma das causas das rebeliões dentro
do EPFSL, a constatação desse fato foi possível através da experiência durante o
estágio curricular obrigatório vivida no referido estabelecimento, onde, mesmo
contando com um assessor jurídico, os atendimentos às usuárias privadas de
liberdade são mínimos.
A ineficiência desse e de diversos outros artigos constantes na LEP gera um
verdadeiro conflito dentro das penitenciárias, isso somado ao ambiente hostil,
próprio das instituições prisionais, forma um verdadeiro ‘barril de pólvora prestes a
explodir’.
Várias são as disposições constantes na LEP, garantindo o cumprimento da
sentença judicial, bem como a reintegração social do apenado. Em seu artigo
primeiro, a LEP deixa bem claro que a orientação baseia-se em dois fundamentos: o
estrito cumprimento dos mandamentos existentes na sentença e a
instrumentalização de condições que propiciem a reintegração social do condenado,
a saber:
50
“Art. 1° A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado”.
No entanto, quando nos remetemos à realidade carcerária, não é bem isso
que observamos, visto que as condições oferecidas nos presídios não condizem
com o disposto na Lei. O EPFSL não se diferencia dessa realidade, pois vários
artigos e incisos da lei não são efetivados no contexto cotidiano daquele local.
Teoricamente, a LEP revela-se tão completa que tem, inclusive, a
preocupação quanto à classificação dos condenados e a Comissão Técnica de
Classificação, que será responsável por essa qualificação, como descrito abaixo:
Art. 5° Os condenados serão classificados, segundo os seus
antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da
execução penal.
Art. 6° A classificação será feita por Comissão Técnica de
Classificação que elaborará o programa individualizador e
acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e
restritivas de direitos, devendo propor, à autoridade competente, as
progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões.
Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada
estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo,
por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1
(um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena
privativa de liberdade.
“Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução
e será integrada por fiscais do serviço social”.
A LEP é completa e não deixa margem para erros ou falhas, porém, para
entendermos a falta de interesse do Estado quanto a não efetivação da mesma,
devemos considerar que estamos inseridos em uma sociedade de classes que
valoriza o lucro e está baseada na exploração da classe trabalhadora, ou seja, não é
conveniente para o capital – representado pelo Estado – investir em uma camada da
sociedade que enquanto encarcerada, não produz riquezas.
51
Podemos citar, ainda, que o Capítulo II, do Título II da LEP é classificado
como “Da Assistência”, e essa assistência consiste em: material, à saúde, jurídica
(como já comentada), educacional, social e religiosa, como veremos.
Na Assistência Material o interesse aparentemente é de suprir as
necessidades básicas de sobrevivência humana, pois refere-se a alimentação,
vestuário e instalações higiênicas o que garantiria de certa forma a vida do ser.
Então,
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no
fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Porém, quando chegamos ao EPFSL, eram fornecidas três alimentações por
dia, não havia vestuário para as usuárias privadas de liberdade e muitas ficavam
com a mesma roupa e descalças por vários dias sem ter para quem apelar, já que o
Estado não estava cumprindo com seu papel, alguns familiares não vinham vê-las e
em outros casos elas não queriam que estes soubessem que ali estavam. No que se
refere aos produtos de limpeza e higiene pessoal não eram fornecidos. E o que falar
da Assistência Educacional, que segundo a LEP, “compreenderá a instrução escolar
e a formação profissional do preso e do internado” (Art. 17). Uma realidade tão
distante dos presídios, pelo menos do EPFSL, no qual segundo informações da
assistente social existiu uma professora voluntária, mais por parte do Estado nada
foi implementado neste sentido.
A Assistência á Saúde é dada de maneira precária e ínfima pelo Estado, o
que agrava a situação de saúde daqueles que precisam da assistência, pois a
superlotação e a falta de higiene dos presídios favorecem o aparecimento e a
proliferação de doenças. Esta assistência compreende o atendimento médico,
odontológico e farmacêutico, serviços que deviam estar disponíveis dentro do
sistema penitenciário e se não estiverem o Estado tem a obrigação de levar o
usuário privado de liberdade até o atendimento necessário.
Para se ter uma ideia da precariedade citada, no EPFSL só existe um
médico19
clínico que atende um dia por semana, a medicação para as detentas não
19
Nos documentos do EPFSL constam dois médicos, porém, efetivamente, apenas um comparece para realizar
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Prisão Feminina na Sociedade Capitalista: Um estudo sobre o estabelecimento prisional feminino Santa Luzia

  • 1. FACULDADE INTEGRADA TIRADENTES – FITs CURSO DE SERVIÇO SOCIAL Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti Dulce Tatiana de Souza Ferreira Mônica Barbosa de Carvalho PRISÃO FEMININA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UM ESTUDO SOBRE O ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA MACEIÓ/ AL 2011
  • 2. Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti Dulce Tatiana de Souza Ferreira Mônica Barbosa de Carvalho PRISÃO FEMININA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UM ESTUDO SOBRE O ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA Trabalho de Conclusão do Curso, apresentado para obtenção do grau de Assistente Social no Curso de Serviço Social da Faculdade Integrada Tiradentes – FITs. Orientadora: Profª Msc. Marli de Araújo Santos MACEIÓ/ AL 2011
  • 3. Esse trabalho é dedicado a todos aqueles que contribuíram para sua realização, seja através do auxílio teórico durante sua construção, seja pela compreensão por nossa ausência ou ainda com palavras de incentivo e encorajamento. Dedicamos à nossa família, a todos os professores que passaram por nossa vida acadêmica, em especial à nossa orientadora Professora Marli de Araújo Santos, à Assistente Social Jeane Sena, responsável pela supervisão de estágio no Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia – EPFSL, certamente esse trabalho tem um pouco dos ensinamentos de cada um.
  • 4. Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, [...] se limitaram a coser suas roupas de pele com espinhos ou cerdas, [...], a esculpir com pedras afiadas alguns botes de pescadores [...], enquanto se dedicaram apenas às obras que um único homem podia criar, e a artes que não necessitavam do concurso de várias mãos, eles viveram livres, sãos, bons e felizes, tanto quanto o poderiam ser pela sua natureza, [...] mas desde o momento em que um homem teve necessidade do auxílio de um outro, desde que se apercebeu de que seria útil a um só indivíduo contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, a propriedade se introduziu, [...] as vastas florestas se transformaram em campos aprazíveis, que foi preciso regar com o suor dos homens e, nos quais, viu-se logo a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas. (Jean-Jacques Rousseau)
  • 5. FACULDADE INTEGRADA TIRADENTES – FITs CURSO DE SERVIÇO SOCIAL Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti Dulce Tatiana de Souza Ferreira Mônica Barbosa de Carvalho PRISÃO FEMININA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UM ESTUDO SOBRE O ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA Monografia aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Banca Examinadora: _______________________________________ Profª Msc. Marli de Araújo Santos _______________________________________ Profº Msc. Albani de Barros _______________________________________ Profª Msc. Francisca dos Santos Sobral
  • 6. AGRADECIMENTOS Algumas pessoas marcam a nossa vida para sempre, umas porque vão nos ajudando na construção do nosso caminho, outras porque nos desafiam a construí-lo. Quando nos damos conta, já é tarde para lhes agradecer. Agradeço... ... A Deus por permitir a conclusão deste trabalho, certamente a primeira de muitas vitórias. ... Aos meus pais e aos meus avós pelo amor incondicional sempre ofertado nos bons e nos maus momentos; pelas broncas, quando necessárias; e, acima de tudo, pela compreensão por minha ausência nos últimos meses. ... À nossa orientadora Professora Msc. Marli de Araújo Santos, por compartilhar seus conhecimentos, por sua paciência e dedicação. ... A todos os professores, amigos e familiares que, de forma direta ou indireta, contribuíram para a minha formação profissional. ... Às minhas companheiras de luta, Dulce e Mônica, pelo companheirismo e cumplicidade durante esses quase quatro anos de convivência, em especial pelos últimos meses, tão exaustivos para todas nós. ... A todos que fazem meu coração sorrir... Aos que sempre estiveram junto até mesmo quando eu não mais estava disposta... À pessoa que eu esperava que me chutasse quando caí, e que foi uma das primeiras que me ajudou a levantar... Aos que fizeram a diferença em minha vida... Às pessoas que amei... Às pessoas que abracei... Agradeço às pessoas que encontro apenas em meus sonhos e aquelas que encontro todos os dias e não tenho a chance de dizer tudo o que sinto olhando nos olhos... Para mim, o que importa não é o que eu tenho na vida, mas QUEM eu tenho na vida... MUITO OBRIGADA!!! Clyssiane Karoline Gomes Cavalcanti
  • 7. AGRADECIMENTOS “A vida nos leva a construir todos os dias, pois a própria vida é desconstruída todos os dias.” (Pe. Fábio de Melo, 2010). É na desconstrução que aprendemos a reconstruir, com isso nos é possível compartilhar com algumas pessoas a necessidade de amar, a essas pessoas o meu muito obrigado. Agradeço... Em especial a Deus por não desistir de mim e acreditar que eu conseguiria quando eu mesma não acreditava mais, por ser meu porto seguro e me carregar tantas vezes no colo. Aos meus pais, meu pai (em memória), por jamais sair do meu pensamento nos momentos de oração e a minha mãe, hoje com mal de Alzheimer talvez não entenda mais que é e sempre será meu exemplo de perseverança e luta. Ao meu filho Cristiano, meu grande amigo e herói, pois mesmo separados continuou sendo meu grande incentivo rumo à vitória que hoje alcanço. A todos os professores, a coordenadora e família FITS que compartilharam conosco seus conhecimentos, sua paciência e seu servir de maneira exemplar ao ponto de hoje estarmos nos tornando profissionais de conhecimento ímpar. A supervisora de campo – assistente social Jeane Sena pelo acolhimento profissional e grande contribuição no despertar da nossa visão crítica da realidade, através do convívio diário. A nossa orientadora Professora Msc. Marli de Araújo Santos, para mim, uma luz que se acendia todas as vezes que me sentia no escuro diante de tantos teóricos, aos quais tivemos que nos reportar para construção deste trabalho, o que fez com grande louvor. As minhas colegas Clyssiane e Mônica, pelos momentos de “gotas de sangue” das amarras na construção e desconstrução deste trabalho, compartilhados com tantas alegrias e tristezas, porém, nunca desistido Dulce Tatiana de Souza Ferreira.
  • 8. AGRADECIMENTOS “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance, ria e viva intensamente antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.” (Charlie Chaplin) Agradeço... A Deus, por está sempre do meu lado e por ter me dado forças para vencer as barreiras, superar as limitações e tornar possível a realização desse trabalho. Aos meus filhos Maxwell, Monique e Monyse, minha razão de viver, pela paciência, compreensão, confiança e acima de tudo muito amor e carinho, especialmente nesses últimos meses, no qual a minha ausência foi uma constante. A minha mãe e minha irmã, Benedita e Madalena, mulheres guerreiras e batalhadoras, para mim um exemplo, que sempre acreditaram na minha capacidade. A todos os nossos mestres que nessa longa caminhada contribuíram para nossa formação, socializando seus conhecimentos e experiência de vida. Em especial, à nossa orientadora Professora Msc. Marli de Araújo Santos, por ter nos recebido de braços abertos, por compartilhar seus conhecimentos, por sua paciência, dedicação, confiança e reconhecimento dos nossos esforços. À Assistente Social Jeane Sena, supervisora do campo de estágio, pelo grande apoio e incentivo e que apesar das adversidades e inúmeros obstáculos não desistiu de nós, suas estagiárias. Às minhas eternas amigas Clyssiane e Dulce, companheiras de estudo, angústias e alegrias, por me permitirem alcançar junto com elas esse sonho tão árduo, mas tão gratificante e maravilhoso que é a conclusão do nosso curso. Enfim, a todos que, direto ou indiretamente, colaboraram para a realização desse trabalho, os meus sinceros agradecimentos. Mônica Barbosa de Carvalho
  • 9. LISTA DE SIGLAS Casa de Detenção de Maceió – CDM Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy – CPJ Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia – EPFSL Exército Industrial de Reserva – EIRE Intendência Geral do Sistema Prisional - IGESP Lei de Execução Penal – LEP Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Penitenciária Masculina de Baldomero Cavalcanti de Oliveira – PMBCO Presídio de Segurança Média de Arapiraca Desembargador Luis de Oliveira Sousa – PSMADLOS Presídio de Segurança Média de Maceió Professor Cyridião Durval e Silva – PSMMPCDS Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS
  • 10. CARVALHO, Mônica Barbosa de. CAVALCANTI, Clyssiane Karoline Gomes. FERREIRA, Dulce Tatiana de Souza. Prisão feminina na sociedade capitalista: um estudo sobre o Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia. Maceió- AL, 2011. Monografia de Graduação em Serviço Social – Trabalho de Conclusão de Curso, Coordenação de Serviço Social – Faculdade Integrada Tiradentes – FITS. RESUMO O presente texto registra o resgate histórico do surgimento e evolução das penas, no que se refere à criação das prisões bem como sua função na sociedade de classes. Contextualiza as várias formas de sociedades, desde a primitiva até a capitalista e, consequentemente, o considerável avanço dos direitos humanos e sociais no âmbito jurídico por meio da Lei de Execução Penal – LEP, esta abordagem refere-se, principalmente, a não efetivação da referida Lei. Contempla o surgimento das prisões femininas, com sua história ligada à Igreja católica e suas especificidades quanto às relações sociais de gênero existente nos presídios. Relata a realidade do Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia, situado em Maceió, no estado de Alagoas, no tocante a sua organização estrutural, características da sua população carcerária, bem como no que se refere à superlotação do mesmo. PALAVRAS-CHAVE: evolução das penas, sociedade de classes, Lei de Execução Penal, prisões femininas, relações sociais de gênero, Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia. CARVALHO, Monica Barbosa de. Cavalcanti, Clyssiane Karoline Gomez. FERREIRA, Dulce Tatiana de Souza. Women's prison in capitalist society: a
  • 11. study of the Female Prison Santa Luzia. Maceió-AL, 2011. Monographs in Undergraduate Social Work - End of Course Work, Social Service Coordination - Integrated College Tiradentes - FITS. ABSTRACT This text records the historic recovery of the creation and the evolution of prison sentences, in regard to the creation of prisons and its role in class society. This work contextualizes the various types of societies, from the primitive to the capitalist, and with this the considerable progress of human and social rights within the legal framework through the Law of Penal Execution - LEP, this study refers primarily to the non-realization of this act. It includes the creation of women's prisons, with its history linked to the Catholic Church and its specifications as to the social relations hips of class societies existing in prisons. We report the reality of the Santa Luzia Female Prison, located in Maceió, in the state of Alagoas, in terms of its structural organization, characteristics of its prison community, as well as in regard to the population overcrowding of this institution. KEY WORDS: evolution of prison sentences, class society, the Penal Execution Law, women's prisons, social relations hips in class societies, Prison Female Santa Luzia.
  • 12. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13 1. FORMAS DE SOCIABILIDADE, PENAS E PRISÕES: DA IDADE ANTIGA ATÉ A CONTEMPORANEIDADE .................................................................................. 16 1.1 – Formas de Sociabilidade ................................................................................ 16 1.2 – A História das penas ....................................................................................... 25 2. O SURGIMENTO DAS PRISÕES FEMININAS .................................................. 39 2.1 – Relações de gênero e as mulheres presas .................................................... 41 3. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E O ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA ...................................................................................... 48 3.1 – Lei de Execução Penal - LEP ......................................................................... 48 3.2 – Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia - EPFSL ............................ 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 67 ANEXOS ................................................................................................................. 71
  • 13. 13 INTRODUÇÃO O presente Trabalho de Conclusão de Curso surgiu a partir da inserção no campo de estágio - Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia – EPFSL, localizado na cidade de Maceió, Alagoas, durante os anos de 2009 e 2010, o que possibilitou a aproximação não apenas com a realidade carcerária, mas com a especificidade da mulher quando esta se encontra privada de liberdade, ou seja, a percepção que a prisão de mulheres mantém as contradições das relações de gênero, bem como os determinantes da sociedade de classes. Assim, o presente trabalho é composto por três seções, iniciaremos a primeira seção abordando sobre as várias formas de sociabilidade humana e organização social, desde a primitiva até a capitalista, como também, o surgimento das penas, a origem das prisões e a sua função na sociedade de classes. Durante o processo de evolução social encontramos a sociedade primitiva, escravista, feudal e, por fim, a capitalista. A sociedade primitiva era nômade e vivia da caça e da pesca. Com o descobrimento do fogo e o surgimento da necessidade de domesticar os animais começaram a fixar-se em determinados locais. Durante a sociedade escravista encontramos uma sociedade dividida entre classes, eram os senhores detentores da propriedade privada que exploravam a força de trabalho gratuita dos escravos negros, trazidos do continente africano, assim como dos seus descendentes. No feudalismo constatamos também uma sociedade de classes, formada por senhores feudais e servos, na qual os servos recebiam parte da produção do seu trabalho como pagamento, mas não deixavam a condição de explorados. A sociedade feudal deu lugar à sociedade capitalista, que tem a obtenção de lucro e acúmulo de riqueza como objetivos principais. Assim como nas duas últimas formas de sociabilidade, o capitalismo também é marcado pela divisão de classes, dessa vez é a classe burguesa – detentora do poder – explorando a classe trabalhadora – classe dominada.
  • 14. 14 As regras da sociedade de classes são sempre ditadas pela classe mais forte, a classe dominante, e a classe dominada é obrigada a obedecer todos os ditames impostos, sob pena de sofrer coerção legalmente determinada. Essa coerção se materializa através das forças de repressão do Estado, onde as prisões também são mecanismos usados para a manutenção da ordem vigente. Por isso, ainda na primeira seção, faremos um resgate da história das prisões, através de uma explanação sobre a evolução das penas, desde os suplícios cometidos na Idade Antiga até o surgimento e evolução das prisões. A segunda seção estará voltada para a historicidade das prisões femininas e as relações de gênero a que são submetidas as mulheres da sociedade capitalista. A submissão feminina perante os homens não é algo inerente às formações sociais, durante as fases inferior, média e até em parte na superior da Barbárie as mulheres eram quem comandavam os clãs. A sociedade permanece com a descendência matrilinear, do direito materno, até a época do surgimento da propriedade privada, quando a descendência passa a ser patriarcal, o homem assume a liderança da família e tem início a submissão da mulher. Essa submissão feminina impôs que a mulher deveria manter fidelidade sexual em relação ao ‘seu’ homem, para que os filhos vindos dessa união pudessem ter garantido o direito aos bens e riquezas vinculadas à linhagem masculina, isso foi necessário para que a classe dominante pudesse garantir à sua descendência, agora paterna, o direito à herança familiar. A partir daí, fica caracterizada a desvalorização da mulher e a sua submissão ao homem cada vez mais naturalizada. Com o advento da Revolução Industrial, a classe dominante percebeu que a força de trabalho da mulher também poderia ser explorada. A mulher então passa a trabalhar fora de casa, vendendo sua força de trabalho para o grande capital, porém sem abandonar suas ‘obrigações’ dentro do lar, enquanto mãe e esposa. Na contemporaneidade, as mulheres muitas vezes são as únicas responsáveis pelo sustento da família, sustento este que pode vir também através da criminalidade, quando não conseguem suprir as suas necessidades básicas e dos seus familiares
  • 15. 15 – não queremos afirmar, contudo, que essa seja a única razão para a mulher envolver-se com o mundo do crime. A violação da ordem vigente leva a mulher a perder a sua liberdade, e isso se materializa quando estas são direcionadas para instituições destinadas à reclusão da criminosa – as prisões. Para entendermos as particularidades existentes em uma prisão feminina, contextualizamos o surgimento dessas instituições enquanto meio de clausura e arrependimento da criminosa pelo ato cometido. A terceira seção abordará a Lei de Execução Penal, seus diversos artigos e sua importância para a manutenção do interesse capitalista, pois reforça os conceitos de justa reparação pelo crime cometido, o caráter social preventivo e a idéia de ressocialização do usuário privado de liberdade. Proporciona ao Estado instrumentos para a individualização da execução da pena, aponta deveres, ‘garante’ direitos, dispõe sobre o trabalho dos presos, dentre várias outras resoluções que direcionam o cumprimento da pena privativa de liberdade. O EPFSL não se diferencia dos demais presídios brasileiros, a falta de implementação de vários artigos da LEP também é uma realidade vivenciada pela população carcerária daquele local, diante disso, ainda na terceira e última seção relacionaremos a legislação brasileira com o EPSFL, enfatizando o que está e o que não está sendo efetivado. Por fim, ainda na terceira seção, trataremos da caracterização do EPFSL, seu funcionamento e como essas mulheres cumprem as suas penas privativas de liberdade, dentro do referido contexto carcerário.
  • 16. 16 1. FORMAS DE SOCIABILIDADE, PENAS E PRISÕES: DA IDADE ANTIGA ATÉ A CONTEMPORANEIDADE Nesta seção trataremos do surgimento das sociedades de classes, os diferentes modelos societários, com suas evoluções, começando pela sociedade primitiva, escravista e feudal, chegando, finalmente, à sociedade capitalista. Discutiremos também o surgimento das penas e prisões, bem como sua função na sociedade de classes. Abordaremos ainda, as significativas mudanças ocorridas na vida do homem no que se refere ao período da industrialização, por meio do novo modo de produção, o aparecimento do pauperismo e das mazelas da Questão Social. 1.1.Formas de Sociabilidade Na sociedade primitiva1 , segundo Lessa e Tonet (2008), a primeira forma humana de organização social, ainda não havia a possibilidade de existência de classes sociais, haja vista a baixa condição de sobrevivência humana, que era vinculada à manutenção da vida por meio da coleta do que já existia na natureza, como frutas e a caça. No entanto, a escassez de alimento, muitas vezes levava o homem a passar fome e a se deslocar constantemente para lugares cada vez mais distantes obrigando-o a fazer grandes caminhadas em busca de outros suprimentos. Neste tipo de sociedade existiam dois interesses fundamentais, a sobrevivência humana e a preservação do bando e isso se conseguia através do trabalho coletivo. O trabalho desenvolvido no começo dessa sociedade, ainda não era o de transformar a natureza, mas, “É importante acentuar: o que caracterizava o trabalho (tomado socialmente) nessa comunidade primitiva era o fato de que todos trabalhavam e também usufruíam do produto do trabalho.” (LESSA; TONET, 2008, p. 55). 1 Conforme Lessa e Tonet (2008), a sociedade primitiva era composta por pequenos bandos que migravam de um lugar para outro em busca de comida. Nessa forma de sociabilidade, “[...] Os homens permaneciam, ainda, nos bosques tropicais ou subtropicais [...]. Os frutos, as nozes e as raízes serviam de alimento; o principal progresso desse período é a formação da linguagem articulada. [...]”. (ENGELS, 2005, p. 22)
  • 17. 17 Eram povos nômades, quando os alimentos do local em que estavam instalados tornavam-se escassos ou o clima não era mais favorável, buscavam outro local onde pudessem se instalar. Diante das suas necessidades objetivas de sobrevivência, os homens primitivos perceberam que a natureza poderia lhes oferecer bem mais que a simples coleta de alimentos, então passou a explorá-la de tal maneira que pudesse transformá-la para um determinado fim, antecipado na consciência, ou seja, os homens passaram a objetivar as suas prévias-ideações conforme suas reais necessidades. A prévia-ideação é sempre uma resposta, entre outras possíveis, a necessidade concreta. Portanto, ela possui um fundamento material último que não pode ser ignorado. Nenhuma prévia-ideação brota do nada, ela é sempre uma resposta a uma dada necessidade que surge em uma situação determinada. (LESSA; TONET, 2008, p. 20). Segundo Lessa e Tonet (2008), o homem é um ser social e em constante evolução e enquanto ser social tem o trabalho como base fundante para a sua existência e da coletividade. “O trabalho é o fundamento do ser social porque transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos homens. Ele possibilita que, ao transformarem a natureza, os homens também se transformem.” (LESSA; TONET, 2008, p. 26). Mediante a transformação da natureza, o homem evoluiu seus conhecimentos, descobriu o fogo, adquiriu a habilidade de modificar pedras e metais produzindo ferramentas para utilizá-las como utensílios para caça e pesca. Com a evolução, ocorreram várias descobertas na sociedade primitiva, dentre elas a descoberta das sementes, que proporcionou ao homem o conhecimento da agricultura, a preparação da terra para o plantio, separação dessas sementes, entre outras atividades humanas, trouxe também a descoberta da pecuária, a criação de animais, no qual passou a domesticá-los e essa domesticação possibilitou-os a instalação em locais fixos, dando origens às tribos e clãs. Mas a sociedade ainda não era dividida em classes, e apesar de na sociedade primitiva também existir aqueles que possuíam o poder de dar ordens e
  • 18. 18 se fazer obedecer, não existia a exploração humana, tudo era compartilhado igualmente com todos os membros do grupo, portanto, Vale notar que, na comunidade primitiva, também existia a autoridade, [...]. Nela, a autoridade, baseada na idade, na sabedoria, na experiência de vida, nos dotes físicos etc. não estava a serviço da exploração do homem pelo homem, [...]. (LESSA; TONET, 2008, p. 56). A partir da descoberta da agricultura e pecuária foi possível ao homem a produção de um excedente e com isso ele, o homem, passou a explorar seu semelhante, de acordo com Lessa e Tonet (2008) se estabelece a exploração do homem pelo homem. Com o desenvolvimento das forças produtivas, o homem começa a produzir mais que o necessário para a sua sobrevivência e o interesse da classe dominante passa a ser a apropriação deste excedente. Apropriação esta que só pode ser conseguida por meio da exploração da força de trabalho humana. A partir da exploração do homem pelo homem, tem-se o fim da sociedade primitiva e o começo da sociedade escravista – marcando o surgimento da sociedade de classes - visto que se torna necessário aos dominantes a exploração da força de trabalho para obtenção da produção excedente. Os interesses tornaram- se antagônicos e o bem comum já não fazia mais parte dessa nova forma de sociabilidade. Não bastava ao homem apropriar-se de terras e bens materiais, ele agora queria apropriar-se de outros homens, fazendo-os seus prisioneiros. Dessa forma, Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, [...] se limitaram a coser suas roupas de pele com espinhos ou cerdas, [...], a esculpir com pedras afiadas alguns botes de pescadores [...], enquanto se dedicaram apenas às obras que um único homem podia criar, e a artes que não necessitavam do concurso de várias mãos, eles viveram livres, sãos, bons e felizes, tanto quanto o poderiam ser pela sua natureza, [...] mas desde o momento em que um homem teve necessidade do auxílio de um outro, desde que se apercebeu de que seria útil a um só indivíduo contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, a propriedade se introduziu, [...] as vastas florestas se transformaram em campos aprazíveis, que foi preciso regar com o suor dos homens e, nos quais, viu-se logo a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas. (ROUSSEAU apud NASCIMENTO, 2009, p. 207).
  • 19. 19 Dentre as principais sociedades escravistas podemos citar a grega e a romana, as quais eram constituídas de duas classes antagônicas: os senhores e os escravos. Toda a produção dos escravos era apropriada pelos senhores, com isso os escravos não tinham interesse em produzir muito, então para aumentarem suas riquezas os senhores por meio da força conquistavam e escravizavam novos impérios, aumentando assim o número de escravos cada vez mais explorados. Esse aumento trouxe algumas preocupações quanto à segurança dos senhores, pois o número de escravos era muito grande2 . “Em Roma, havia mais de 700 escravos para cada senhor e, se todos se revoltassem, não haveria suficientes senhores para enfrentá-los” (LESSA; TONET, 2008, p. 59), por isso, os senhores contrataram um exército para defender seus interesses e manter a ordem se, por eventualidade, essa gama de escravos resolvesse se rebelar contra seus senhores. No entanto, o custo de manutenção dos exércitos era muito alto, muito além das posses de um único senhor e a saída encontrada foi, que todos os senhores de escravos se unissem economicamente para custear o exército em benefício de todos os senhores, Para isso contrataram pessoas que deveriam recolher todo ano a contribuição de cada um, garantindo que ninguém passaria a perna nos outros; e, também, que deveriam administrar esse dinheiro de modo a manter os exércitos. Essa contribuição anual é o ‘imposto’ e essas pessoas contratadas, os funcionários públicos. (LESSA; TONET, 2008, p. 60). Houve também a necessidade de se criar um instrumento que tivesse como função a regulação das relações entre os senhores e a manutenção da ordem na sociedade, principalmente em relação aos escravos, conservando-os na mais profunda submissão e foi assim que surgiu o Direito e suas leis regulamentadoras. Segundo Lessa e Tonet (2008) todo esse aparato, ao qual se cercou os senhores de escravos para evitar ou mesmo defender-se de uma revolta dos escravos e também para continuarem a adquirir mais escravos e assim enriquecer 2 Lessa e Tonet (2008) ressaltam que durante o escravismo, devido às precárias condições objetivas, ou seja, o pouco desenvolvimento das forças produtivas, a ausência de tecnologia, tinha como fator determinante a necessidade de um grande número de escravos.
  • 20. 20 cada vez mais, constituiu o Estado, ou seja, o Estado era “O conjunto dos funcionários públicos, somado aos instrumentos de repressão dos escravos (exército, polícia, prisões etc.) e ao Direito [...].” (LESSA; TONET, 2008, p.60). Conforme Costa (1997), o Estado surge enquanto organização política da sociedade para proteger a propriedade privada, assim como o direito civil ou direito individual. Desde que foi criado, o Estado sempre esteve ao lado da classe dominante, sendo assim até os dias atuais, regulando as relações sociais para que o mercado continue com sua doutrina de exploração da classe trabalhadora. Com o passar do tempo, o Estado, na sociedade escravista, já não conseguia ser tão eficiente para aquilo ao qual foi criado, pois o número de escravos e o tamanho do império aumentavam consideravelmente, na mesma proporção em que o exército e o Estado. Os impostos cobrados aos senhores de escravos ficavam cada vez mais altos, impossibilitando o pagamento, pois “[...] o exército e o Estado haviam crescido tanto (e, com eles, a corrupção) que a riqueza que eles – os escravos3 - propiciavam aos senhores já não era suficiente para mantê-los” (LESSA; TONET, 2008, p. 60). O exército e os funcionários públicos passaram a receber cada vez menos, gerando assim grande revolta, bem como o crescimento desenfreado da corrupção, isso desencadeou, [...] o aumento tanto das invasões do império pelos povos que viviam nas suas fronteiras, quanto das revoltas dos escravos. A desorganização do comércio, resultante das invasões e das revoltas no interior do império, diminuiu ainda mais o lucro dos senhores, de modo que eles tinham ainda menos dinheiro para pagar os soldados e os funcionários públicos. (LESSA; TONET, 2008, p. 61). O sistema escravista era desenvolvido em meio a várias contradições, pois à medida que o mesmo crescia, a crise também se instalava, levando-o “[...] a um ‘beco sem saída’.” (LUKÁCS apud LESSA; TONET, 2008, p. 61), ao seu inevitável fim. No entanto, por não possuírem uma classe revolucionária e tampouco um projeto para um novo modo de produção, a mudança dessa forma de sociabilidade para outra foi lenta, fragmentada e caótica, afinal de contas: 3 Grifo nosso.
  • 21. 21 Naquela situação histórica, o desenvolvimento das forças produtivas ainda não atingira o patamar que possibilitasse aos homens o conhecimento indispensável ao surgimento de uma classe revolucionária para liderar a transição da velha sociedade para uma nova. (LESSA; TONET, 2008, p. 63). Com o fim da Idade Média no século XV, entra em cena a Idade Moderna, que vai do século XVI ao XVIII, caracterizada pelo progresso das invenções e aperfeiçoamento das ciências, bem como, com a substituição do poder dos nobres para o poder centralizador dos reis do feudalismo, o absolutismo4 . A transição do escravismo5 para o feudalismo demorou mais de três séculos para se concretizar definitivamente. E esse novo modo de produção – o feudalismo – tinha características totalmente diferentes do escravismo, dentre eles, Lessa e Tonet (2008), citam a principal como sendo, A organização da produção em unidades auto-suficientes, essencialmente agrárias e que serviam também de fortificações militares para a defesa: os feudos. O trabalho no campo era realizado pelos servos. Estes, diferente dos escravos, eram proprietários das suas ferramentas e de uma parte da produção. A maior parte dela ficava com o senhor feudal, proprietário da terra, e também líder militar, a quem cabia a responsabilidade da defesa do feudo. [...]. O servo estava ligado à terra e o senhor feudal, ao feudo. (p. 63-64). Essa auto-suficiência das unidades nesse novo modo de produção se tornou necessária, pois “com o desaparecimento da estrutura produtiva e comercial do Império Romano, o comércio e o dinheiro praticamente desapareceram.” (LESSA; TONET, 2008, p. 63), por isso os feudos precisavam suprir toda necessidade produtiva existente. 4 O Estado absolutista representou a resposta dos senhores à rebeldia dos servos: seu caráter de classe mostrou-se óbvio – foi um notável reforço para combater as mobilizações camponesas. No entanto, esse instrumento repressivo a serviço da nobreza fundiária se constituiu reduzindo o poder dos nobres tomados singularmente; na verdade, concentrando o poder político nas mãos de um deles (o rei, que, até então, detinha uma reduzida autoridade), diminuiu significativamente a capacidade interventiva de cada um dos senhores feudais. Com isso, abriu-se ao mesmo tempo o campo para uma maior influência do grupo dos comerciantes/mercadores que, gradualmente, tornaram-se os financiadores do Estado absolutista, juntamente com as principais casas bancárias da época [...], que cresceram na mesma medida em que o comércio ganhava dimensões internacionais. (NETTO E BRAZ, 2008, p. 72). 5 O fim do escravismo está intrinsecamente ligado a desestruturação política, econômica e militar.
  • 22. 22 Diferente do escravismo, no qual os escravos não tinham participação na produção, levando-os ao desinteresse na produtividade, no feudalismo os servos ficavam com uma parte da produção, o que de certa forma servia de incentivo para que trabalhassem mais nos feudos, porém tanto os servos quanto os escravos não perderam a sua condição de explorados. Segundo, Lessa e Tonet (2008), a população dos feudos aumentou consideravelmente, porém, a produção era maior que o consumo, o que acarretou um prejuízo considerável para o senhor feudal e consequentemente para os servos, levando o próprio sistema a uma crise. O senhor feudal quebrou o acordo com os servos e expulsou parte deles dos feudos. Os que foram expulsos não tinham para onde ir, nem como sobreviver, dando início a uma série de roubos, cometidos por esses servos, que trocavam o produto dos seus roubos com outros servos. As trocas eram feitas entre os que roubavam e os que tinham o excedente da produção, fortalecendo o comércio antes enfraquecido, pois, Como todo mundo estava produzindo mais do que necessitava, todos tinham o que trocar e voltou a florescer o comércio. Em pouco mais de dois séculos, as rotas comerciais e as cidades renasceram e se desenvolveram em quase toda a Europa. (LESSA; TONET, 2008, p. 65). Surge então o burguês, termo utilizado para identificar os artesãos e comerciantes que surgiram no processo de reaparecimento do comércio, possibilitando o processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Diferente do processo transitório do escravismo para o feudalismo, no qual, não houve uma classe revolucionária para adiantar o processo, neste último, os detentores do poder revolucionaram a economia, tornando inevitável a transição, de forma consciente, para esse novo modo de produção, o sistema capitalista Na primeira metade do século XVIII, na Inglaterra, deu-se início a Revolução Industrial, marcada pelo acúmulo de riquezas, substituição parcial do trabalho vivo
  • 23. 23 por máquinas, e consequentemente houve o aumento do número de trabalhadores desempregados, ou seja, o aumento do Exército Industrial de Reserva - EIRE6 . Com a industrialização, parte dos trabalhadores camponeses migrou para as cidades em busca de emprego, a força de trabalho empregada, geralmente vinha destes trabalhadores camponeses, que possuíam apenas sua força de trabalho para oferecer. Os meios de produção, como máquinas e matéria-prima, eram de propriedade dos burgueses. Os trabalhadores que conseguiam empregos nas fábricas saíam de suas cidades e mudavam-se para locais próximos às fábricas, caracterizando um grande êxodo rural. Criaram-se, então, cidades em volta das indústrias de maneira tão desordenada que resultou em vários problemas com relação à moradia, abastecimento de água, entre outros. Segundo Engels (2008), a situação que se formou foi de exploração e miséria para o operariado em submissão aos capitalistas, donos dos meios de produção, enquanto que o proletariado só tinha a sua força de trabalho para vender. No início, os capitalistas conseguiam explorar toda força de trabalho possível, inclusive as mulheres e crianças que de maneira desumana trabalhavam de 14 a 18 horas diárias. Porém com a continuidade do êxodo rural o número de trabalhadores tornou- se maior que o número de empregos o que resultou em baixa de salários, além de que com a substituição de homens por máquinas, os trabalhadores que não eram absorvidos no mercado de trabalho ficavam às margens da sociedade, vivendo de ajudas e esmolas das damas da sociedade e da Igreja, e ou, em alguns casos, de atos como assaltos, considerados crimes pela burguesia, dando início ao que hoje conhecemos como as expressões da questão social. De acordo com Carvalho e Iamamoto, 6 A essência da lei capitalista da população é que a acumulação do capital conduz, obrigatoriamente, a que haja sempre uma parte da população operária excedente, afastada da produção e, por esta razão, condenada a condições bastante precárias de existência. E o chamado "exército industrial de reserva" cuja existência, em quantidade controlável, garante as condições de exploração do operariado pelas classes dominantes, através da regulação dos salários (FONSECA, 2005, p. 24)
  • 24. 24 A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão. (CARVALHO; IAMAMOTO, 1983, p. 77). Os trabalhadores contestavam as péssimas condições de trabalho e organizavam greves e revoltas. Esse movimento era visto, pela classe dominante, como anarquia, e os participantes tidos como criminosos. Esta criminalidade, que como expressão da questão social é reprodução das relações sociais do modo de produção capitalista, extremamente consumista, onde os valores éticos e morais são substituídos pelo poder de compra, no qual o indivíduo vale apenas o que possui. Se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha da Inglaterra teria considerado loucos todos os habitantes da Terra. Pois teria visto de um lado a grande massa do povo trabalhando duramente, voltando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para porcos; de outro lado, algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, mas não obstante faziam as leis que governavam as massas, e viviam como reis, cada qual num palácio individual. (HUBERMAN, 1986, p. 162). Outras expressões da questão social surgiram no mesmo período, como o desemprego, o pauperismo e a violência que constituem fatores importantes para o entendimento da criminalidade, assim como a grande desigualdade social existente entre o proletariado e a burguesia, resultantes do processo de acumulação de riqueza, da precarização do trabalho, e de jornadas de trabalho exaustivas. O capitalismo ampliou ainda mais o antagonismo entre as classes sociais existentes, ou seja, classe dominante e classe explorada. Conforme os trabalhadores tomavam consciência enquanto classe explorada pelo capital, surgia a intenção de um movimento contra a classe dominante. O Estado reagia com a repressão policial, que é a materialização da força de coerção do mesmo, afinal de contas, como afirmou Marx e Engels (1998) em seu livro: O Manifesto do Partido Comunista, o Estado é o ‘Comitê Executivo da Burguesia’ e como tal têm como principal função manter a ordem e resguardar a propriedade privada.
  • 25. 25 Já não foi Marx e sim Engels, em seu companheiro apóstolo desacanhado, quem afirmou: ‘Como o Estado surgiu da necessidade de por fim à luta de classes, mas surgiu também no meio da luta de classes, normalmente o Estado é a classe dominante economicamente mais poderosa, que por seu intermédio se converte também em classe politicamente mais forte e adquire novos meios para submeter e explorar a classe oprimida.’ (AZAMBUJA, 2005, p. 102). E para que a ordem fosse mantida, era necessário punir aqueles que insistiam em suas revoltas e infringiam as regras postas pela classe dominante, principalmente quando essas revoltas violavam a propriedade privada, estes serviriam como exemplo para que outros não seguissem o mesmo caminho, ou seja, essa punição vinha através da determinação do Estado que assumiria o seu verdadeiro papel, que era a defesa da classe dominante feita através da mais profunda coerção. As formas de punições foram mudando conforme evoluía a sociedade de classes, como veremos a seguir. 1.2.A História das Penas Para entendermos o surgimento das penas é preciso compreender o surgimento da sociedade, ou seja, é preciso entender como os homens se relacionam como são construídas as relações sociais. Assim, não seria possível a compreensão das penas e prisões sem buscar a raiz da sociedade de classes, visto que as punições estão ligadas a ela diretamente, ainda que não possa ser associada de forma direta à sociedade de classes como iremos discutir neste item. Para tanto buscaremos suporte teórico na obra Vigiar e Punir do autor francês Michel Foucault. A Antiguidade e a Idade Média possuíram características comuns no que diz respeito às formas de punição. Ambos os períodos históricos atingiam diretamente os corpos, através de torturas ligadas ao crime cometido, por exemplo, em casos de roubo, suas mãos deveriam ser decepadas. A pena privativa de liberdade também não fazia parte desse contexto histórico, pois o encarceramento servia apenas para assegurar que o ‘criminoso’ aguardasse a sua punição sem o risco de fugir.
  • 26. 26 Durante o século XVIII, na Europa, as prisões (masmorras, cativeiros e calabouços) tinham basicamente a função de punir e torturar aqueles que tinham cometido algum tipo de crime ou delito – entenda-se também como crime blasfêmia, heresias, traição, desobediência, e até mesmo o fato de ficar endividado e consequentemente não conseguir pagar os impostos cobrados pela coroa – realeza. A partir de 1893, as prostitutas também passaram a ser consideradas criminosas. Como não existia uma legislação para definir as punições a serem dadas aos presos, o encarceramento servia como represália por não haverem se comportado conforme as determinações do soberano, principalmente o não pagamento de impostos. Era uma forma de manter não só o domínio físico como também o ideológico sobre o prisioneiro. Segundo Foucault (2008), em meados do século XVIII, os condenados, homens ou mulheres, eram submetidos a torturas imensuráveis para pagar por seus atos criminosos. Na França, como forma de punição, os corpos eram esquartejados, enquanto o condenado agonizava de dor, posteriormente seus membros e troncos eram queimados até tornarem-se cinzas e estas, por fim, eram ‘lançadas ao vento’ e todo esse espetáculo de horror era assistido por dezenas de pessoas durante o período medieval. Essa era a estratégia encontrada para evitar que novos crimes fossem cometidos, no intuito de que os que assistiam tivessem medo, ficassem horrorizados com as cenas e, com isso, não cometessem crimes. Léon Faucher7 , segundo Nardi (2009), “foi o responsável por redigir o regulamento que tornava mais ‘humana’ as condições dos presos pouco antes de sua execução, não impedia, contudo, as torturas durante a execução”, esse regulamento foi redigido para a Casa dos Jovens Detentos em Paris, baseado no Código Penal Francês de 1810 e tinha o trabalho como agente de transformação carcerária. Ele já apresentava grande diferença para o sistema de torturas apresentado anteriormente, pois já não havia o suplício dos corpos, mas um grande disciplinamento dos detentos através de horários pré-definidos e controlados, obrigatoriedade do trabalho e do estudo nas prisões, além de orações ou leituras de cunho moral e religioso. Era a necessidade de se atingir a alma, não apenas o corpo. 7 Primeiro ministro da França no ano de 1851
  • 27. 27 A substituição do suplício de corpos por penas mais leves, em Paris, não ocorreu de forma homogênea, o suplício foi sendo substituído aos poucos e só foi abolido definitivamente, na Europa, em abril de 1848, porém são cometidos ainda hoje em alguns países do Oriente fundamentados por questões culturais. Mas, de modo geral, as práticas punitivas tornaram-se pudicas. Não tocar mais no corpo, ou o mínimo possível, e para atingir nele algo que não é o corpo propriamente. [...] Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. (FOUCAULT, 2008, p. 14) De acordo com Foucault (2008), nos de casos de reincidência, o castigo recebido poderia variar entre o indivíduo ter uma letra ‘R’ marcada com ferro quente em seu corpo, ter sua pena dobrada, o máximo da pena, ou, ainda, a pena imediatamente superior à recebida anteriormente. Desde o século XV até o século XVIII o processo criminal era mantido em sigilo, nem o próprio acusado tinha acesso às informações, assim não tinha como se defender. Os únicos a terem acesso aos depoimentos e provas eram os responsáveis pela acusação, os juízes da época. O acusado era convocado apenas uma vez para ser interrogado e logo após era determinada a sentença. Não havia espaço para contestação de provas. A pena imposta ao condenado correspondia a uma soma de fatores, podendo variar de leve, como o pagamento de uma multa, até a mais severa, que é a morte. A confissão era um elemento de extrema relevância nesta aritmética penal, porém, O interrogatório é um meio perigoso de chegar ao conhecimento da verdade; por isso os juízes não devem recorrer a ela sem refletir. Nada é mais equívoco. Há culpados que têm firmeza suficiente para esconder um crime verdadeiro [...]; e outros, inocentes, a quem a força dos tormentos fez confessar os crimes de que não eram culpados. (FERRIÈRE apud FOUCAULT, 2008, p. 36) Apesar da extinção do suplício de corpos, na Europa no ano de 1848, alguns outros casos de torturas seguidas de morte continuaram a ser promovidos, foram guilhotinas, cadafalsos, mãos cortadas, enfim “tudo isso torna bem irregular o
  • 28. 28 processo evolutivo que se desenvolveu na virada do século XVIII ao XIX”. (FOUCAULT, 2008, p. 17) Com o fim do século XVIII, a população já não aceitava as condições impostas pelo absolutismo e clamava por democracia, queria participação nas decisões. Já no século XVIII era possível verificar a indignação da população com as penas consideradas pesadas ou injustas e também com o tratamento diferenciado dado aos mais ricos. Essa indignação acabava deixando as pessoas exaltadas, resultando em manifestações violentas, que não faziam nada além de reproduzir as cenas repugnantes das condenações. Na França, os condenados, momentos antes de sua morte, eram obrigados a ler sua própria sentença ou a confessar e pedir perdão pelos crimes cometidos, o que causava comoção em alguns que assistiam. O condenado se tornava herói pela enormidade de seus crimes largamente propalados, e às vezes pela afirmação de seu arrependimento tardio. Contra a lei, contra os ricos, os poderosos, os magistrados, a polícia montada ou a patrulha, contra o fisco e seus agentes, ele aparecia como alguém que tivesse travado um combate em que todos os reconheciam facilmente. Os crimes proclamados elevavam à epopéia lutas minúsculas que as trevas acobertavam todos os dias. Se o condenado era mostrado arrependido, aceitando o veredicto, pedindo perdão a Deus e aos homens por seus crimes, era visto purificado; morria, à sua maneira, como um santo. (FOUCAULT, 2008, p. 55) Percebe-se, então, que a morte como forma de punição não mais amedrontava a população do século XVIII, mas transformava os criminosos em heróis aclamados e aqueles que eram responsáveis pela execução eram amaldiçoados e, por vezes, agredidos. É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco. O suplício tornou-se rapidamente intolerável. Revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela à tirania, o excesso, a sede de vingança e o ‘cruel prazer em punir’. (FOUCAULT, 2008, p. 63) Durante o século XVIII são alteradas as medidas de punição, a partir de então, não bastava uma confissão por parte do acusado (algumas eram arrancadas
  • 29. 29 forçadamente e/ou falsas), era necessário que houvesse uma investigação para que se provasse a culpa ou a inocência do indivíduo. Para Foucault (2008), com a diminuição da brutalidade das penas, tem-se a impressão de que também foi reduzida a violência dos crimes cometidos. Porém, ela está apenas camuflada, mas tão presente quanto antes. Entretanto, a justiça dos séculos XVIII e XIX revela-se incoerente, feita de forma abusiva e arbitrária, pois era administrada por juízes e reis soberanos, que permitiam que o aspecto pessoal ultrapassasse o limite da ‘neutralidade’ que se deseja de quem julga, condenando ou absolvendo pessoas com base em motivações pessoais, sem levar em conta o processo de investigação e a realidade dos fatos. Porém, hoje já é possível se entender porque não existe uma justiça neutra por essência, haja vista vivermos em uma sociedade de classes, onde a justiça é feita pela e para a classe dominante, deixando clara a sua autonomia mediante a sociedade. A neutralidade da justiça é uma idéia de justiça formal. A neutralidade não existe, pois quem se diz neutro e não defendendo mudanças sociais, está defendo a ordem vigente, pois a aceita (é uma atitude política). Para que haja justiça, verdadeiramente, é necessário que se assuma uma justiça parcial, enquanto expressão legítima da banda dos oprimidos, dos excluídos. (MELO, 2001, p. 37) Conforme Foucault (2008), a realidade da justiça arbitrária do século XVIII é, então, criticada pela classe proletária, que clama por uma reforma jurídica. Essa reforma foi preparada por magistrados, filósofos, e outros que se opunham ao poder soberano de julgar, “a partir de objetivos que lhes eram comuns e dos conflitos de poder que os opunham uns aos outros” (p. 69). A reforma não pretendia punir menos, mas punir de forma que o indivíduo pare para pensar se realmente o ilícito vale à pena. Não deveria haver diferença em ser rico ou pobre, todos teriam uma punição equivalente ao delito cometido, uma pena não deveria mais ser abrandada quando o infrator fosse um burguês influente.
  • 30. 30 Considerando o século XVIII, Foucault (2008) afirma que se uma boa parte da burguesia aceitou, sem muitos problemas, a ilegalidade dos direitos8 , ela a suportava mal quando se tratava do que considerava seus direitos de propriedade. Foi uma época em que a burguesia investiu maciçamente em máquinas e matéria- prima, armazenava suas mercadorias produzidas em galpões, devendo, portanto, ficarem protegidas contra saques e roubos. Assim, “a ilegalidade dos direitos, que muitas vezes assegurava a sobrevivência dos mais despojados, tende, com o novo estatuto da propriedade, a tornar-se uma ilegalidade de bens. Será então necessário puni-la”. (FOUCAULT, 2008, p. 72) Segundo Lessa e Tonet (2008), os conservadores defensores do capitalismo afirmam que a lei não deve privilegiar uma classe ou outra e que todos devem ser tratados da mesma forma, porém ao proceder assim a lei não garante a igualdade entre os homens, mas sim a reprodução das desigualdades sociais. Onde todos são politicamente iguais, mas socialmente divididos entre burgueses e proletários, a igualdade política e jurídica nada mais é do que a afirmação social, real, das desigualdades sociais. (LESSA; TONET, 2008, p. 88) Mesmo investindo para manter a segurança dos seus bens, a burguesia se deparava com saques e roubos dentro de suas propriedades, tendo como autores dos crimes seus próprios empregados. Estes tomavam para si sobras de material para posterior comercialização, visando adquirir meios de complementar a renda e assim garantir a subsistência de sua família, haja vista sua condição de miserabilidade, resultante da superexploração do seu trabalho por parte do capitalista. Na verdade, a passagem de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude faz parte de todo um mecanismo complexo, onde figuram o desenvolvimento da produção, o aumento das riquezas, uma valorização jurídica e moral maior das relações de propriedade, métodos de vigilância mais rigorosos, um policiamento mais estreito da população, técnicas mais bem ajustadas de descoberta, de captura, de informação: o deslocamento das práticas ilegais é correlato de uma extensão e de um afinamento das práticas punitivas. (FOUCAULT, 2008, p. 66) 8 Neste caso são favoráveis à burguesia
  • 31. 31 Surge, então, para a classe dominante, a necessidade de se definir com clareza quais os atos considerados ilícitos e qual a punição adequada para cada um deles. Crimes, antes cometidos contra homens, são rigorosamente condenados quando passam atingir os bens privados. Segundo Foucault (2008, p. 74), A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens – transferência violenta das propriedades; de outro a burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; de fazer funcionar todo um imenso setor da circulação econômica por um jogo que se desenrola nas margens da legislação – margens previstas por seus silêncios, ou liberadas por uma tolerância de fato. Portanto, o novo sistema penal, criado após a reforma, não visava acabar com a ilegalidade de forma geral, mas para controlá-la. As penas são, então, calculadas para que se possa reparar o prejuízo à sociedade e para minimizar as chances de reincidência. Para que alguém seja punido é necessário que seja comprovado que ele é realmente o culpado e para isso o juiz precisa ser imparcial, guiado por provas que o levem a uma única conclusão: culpado ou inocente. Porém, é preciso considerar as determinações de classe, ou seja, em uma sociedade capitalista, as condições objetivas dos seres humanos em larga medida irão determinar também seus valores éticos e morais. Com a forte pressão e influência sofrida pelos profissionais da justiça dos que detém o poder financeiro e político, esta imparcialidade torna-se algo muitas vezes ilustrativa, além da interferência do juízo de valores oriundo da formação ética e moral do homem, enquanto ser social. Se declarado culpado, o indivíduo tem que ser punido; para que a punição seja feita de maneira correta é necessário analisar a natureza do crime e a sua aplicação mais viável. Essa é a necessidade de se classificar os crimes e a punição para cada um deles, “em conformidade com as características singulares de cada
  • 32. 32 criminoso” (FOUCAULT, 2008, p. 83), ao contrário da jurisprudência antiga, que “usava uma série de variáveis para ajustar o castigo, as da ‘circunstância’ e as da ‘intenção’. Ou seja, elementos que permitam classificar o ato em si mesmo.” (ibidem) Constitui-se, então, uma tabela, onde são listados todos os crimes ocorridos em cada região, separando de acordo com suas semelhanças. Paralelamente é criada outra tabela, que deverá conter as punições existentes e posteriormente uma relação entre ambas as tabelas, identificando assim, qual o crime cometido e qual a punição direcionada para ele. “Encontrar para um crime o castigo que convém é encontrar a desvantagem cuja idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a idéia de um delito.” (FOUCAULT, 2008, p. 87) Em 1775, a Inglaterra acrescenta ao modelo de prisão o isolamento, evitando assim as más influencias e a cumplicidade. Ainda na mesma década, a Inglaterra sugere a construção de duas penitenciárias, uma para homens e outra para mulheres, mas só uma foi construída e que “só parcialmente correspondia ao esquema inicial: confinamento total para os criminosos mais perigosos; para os outros, trabalho em comum durante o dia e separação à noite”. (FOUCAULT, 2008, p. 102) Quando Foucault (2008) trata a nova legislação criminal, formulada por Le Peletier9 em 1791, nos diz que, Tem que haver relações exatas entre a natureza do delito e a natureza da punição; aquele que foi feroz em seu crime sofrerá dores físicas; aquele que tiver sido preguiçoso será obrigado a um trabalho penoso; aquele que foi abjeto sofrerá uma pena de infâmia. (p. 88) É daí que surge como pena a reclusão, a prisão, uma jaula de ferro destinada para crimes como rapto “ou que resultam do abuso da liberdade (a desordem, a violência)” (FOUCAULT, 2008, p. 94). Esse tipo de pena foi criticado por não produzir ‘efeitos sobre o público’, não haveria mais as cenas dos suplícios, das torturas, para animar ou repugnar a sociedade. Houve certo descontrole na aplicação das penas e, segundo o Código Penal de 1810, a detenção ocupa quase 9 Em 3 de maio de 1791, o deputado Louis-Michel Le Peletier de Saint-Fargeau, relator do Comitê de Legislação Criminal, vai mesmo além ao pedir à Assembléia Constituinte a abolição pura e simples da pena de morte. (EICHENBERG, 2008)
  • 33. 33 todo o campo das punições possíveis, variando das breves às de longa duração, chegando até o momento da morte do detento. Surgem as Workhouses10 ou Casas de correção, que tinham a disciplina como ponto central. Elas têm como função encarcerar com o intuito de disciplinar o trabalhador camponês para que este possa se adaptar ao novo regime de trabalho, transformando o camponês servil em trabalhador fabril adaptado ao regime de acumulação primitiva. Sua essência era similar à das prisões. No século XIX a prisão muda de aspecto, o que antes era uma jaula de ferro suspensa no ar, torna-se um grande ‘edifício carceral’, com “arquitetura fechada, complexa, e hierarquizada que se integra no próprio corpo do aparelho do Estado” (FOUCAULT, 2008, p. 96), cercada por muralhas intransponíveis. “Alguns anos mais tarde, haviam sido previstos créditos para construir, à altura do poder que deviam representar e servir, esses novos castelos da ordem civil” (Ibidem). A transição foi feita aos poucos, primeiro em uns países, depois em outros, a depender de seu contexto histórico. Nestas prisões, o trabalho era obrigatório e, segundo Foucault, possuía quatro vantagens: Diminuir o número de processos criminais que custam caro ao Estado [...]; não ser mais necessário adiar os impostos para os proprietários dos bosques arruinados pelos vagabundos; formar uma quantidade de novos operários, o que ‘contribuiria, pela concorrência, a diminuir a mão-de-obra’, enfim permitir aos verdadeiros pobres ter os benefícios, sem divisão, da caridade necessária. (FOUCAULT, 2008, p. 100) A justificativa dada para o trabalho nas prisões era que ele contribuiria para a vida do detento, após o seu regresso para a sociedade. Devido a essa justificativa, não havia mais penas de detenção de curta duração, pois impediria a aquisição das técnicas e do gosto pelo trabalho, não haveria tempo suficiente para essa 10 A sociedade inglesa criou para os pobres que não se adaptavam ao mercado as Workhouses que eram “casas de trabalho” onde os trabalhadores eram forçados a trabalhar e tinham direitos mínimos, pois se resumiam ao recebimento de auxílios como alimentação e material para higiene. (BEHRING e BOSCHETTI, 2008.)
  • 34. 34 aprendizagem. A função essencial do controle disciplinar é governar o corpo enquanto produtor da mais-valia. Essa disciplina de trabalho nas prisões favorece a burguesia, pois enquanto afasta aqueles que poderiam pôr em riscos suas propriedades, também os preparava para uma vida de trabalho árduo, de onde se poderia extrair mais facilmente a mais-valia. O modelo de prisão mais famoso daquela época foi o da Filadélfia, Walnut Street, que, ao contrário dos outros, obteve sucesso e “foi continuamente retomado e transformado até as grandes discussões dos anos 1830 sobre a reforma penitenciária.” (FOUCAULT, 2008, p. 102), A prisão da Filadélfia tinha traços do modelo americano, o que contribuiu com o seu sucesso. Os detentos tinham hora certa para cada atividade e vigilância constante. O isolamento era destinado apenas aos que recebiam punição especial ou cometeram crimes extremamente graves. Em Walnut Street, A condenação e o que a motivou devem ser conhecidos por todos, a execução da pena, em compensação, deve ser feita em segredo; o público não deve intervir nem como testemunha, nem como abonador da punição; a certeza de que, atrás dos muros, o detento cumpre sua pena deve ser suficiente para constituir um exemplo: terminados aqueles espetáculos de rua criados pela lei de 1786, quando impôs a certos condenados obras públicas a executar nas cidades ou estradas. O castigo e a correção que este deve operar são processos que se desenrolam entre o prisioneiro e aqueles que o vigiam. Processos que impõem uma transformação do individuo inteiro – de seu corpo e de seus hábitos pelo trabalho cotidiano a que é obrigado, de seu espírito e de sua vontade pelos cuidados espirituais [...]. (FOUCAULT, 2008, p. 103). Pretendia-se executar um processo de correção para que o indivíduo fosse regenerado de corpo e de espírito e não voltasse a cometer crimes, por isso lhes era dado o trabalho e também Bíblias e outros livros de cunho religioso.
  • 35. 35 Em todo caso, pode-se dizer que os encontramos no fim do século XVIII diante de três maneiras de organizar o poder de punir. [...] poderíamos dizer que, no direito monárquico, a punição é um cerimonial de soberania; ela utiliza as marcas rituais da vingança que aplica sobre o corpo do condenado; e estende sob os olhos dos espectadores um efeito de terror ainda mais intenso por ser descontínuo, irregular e sempre acima de suas próprias leis, a presença física do soberano e de seu poder. No projeto dos juristas reformadores, a punição é um processo para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito; utiliza não marcas, mas sinais, conjuntos codificados de representações, cuja circulação deve ser realizada o mais rapidamente possível pela cena do castigo, e a aceitação deve ser a mais universal possível. Enfim no projeto de instituição carcerária que se elabora, a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos; ela utiliza processos de treinamento do corpo – não sinais – com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no comportamento; e ela supõe a implantação de um poder específico de gestão da pena. (FOUCAULT, 2008, p. 107-108) Segundo Foucault (2008), na segunda metade do século XVIII surgiu a necessidade de se moldar o homem, para que esse atendesse às expectativas da classe dominante. Deveria ser um homem ágil, disciplinado, habilidoso, de imagem imponente, que pudesse ser obediente, manipulável, submisso ao poder monárquico e profundamente ligado ao catolicismo. O Estado tinha a função de manter a ordem social e proteção da propriedade privada. Possuidor de um caráter essencialmente opressor e repressivo, e sendo responsável pela manutenção da repressão da classe trabalhadora, contava com a ajuda das escolas, dos meios de comunicação e, principalmente, da Igreja. Daí, surgiram os militares, os homens do exército e uma gama de escolas que poderiam transformar o corpo humano em corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’, como diria Foucault. Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhe impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais e dominação. (FOUCAULT, 2008, p. 118).
  • 36. 36 Essas escolas disciplinadoras visavam minimizar a força de reação contra o que era imposto aos homens. Eram locais cercados por altas muralhas, isolados de contatos externos. Na disciplina, os elementos são intercambiáveis, pois cada um se define pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que os separa dos outros. A unidade não é portanto nem o território (unidade de dominação), nem o local (unidade de residência), mas a posição na fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação, o ponto em que se cruzam uma linha e uma coluna, o intervalo numa série de intervalos que se pode percorrer sucessivamente. (FOUCAULT, 2008, p. 125). Os alunos eram dispostos em filas, sua colocação variava constantemente, pois o alinhamento era organizado segundo a idade, desempenho, dificuldade de cada um, etc. “As disciplinas, organizando as ‘celas’, os ‘lugares’ e as ‘fileiras’ criam espaços complexos [...] que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações [...]” (ibidem, p.126). “[...] mas ainda no século XIX, quando se quiser utilizar populações rurais na indústria, será necessário apelar a congregações, para acostumá-las ao trabalho em oficinas; os operários são enquadrados em ‘fábricas-conventos’.” (Ibidem, p. 128). Assim como nas prisões, as escolas disciplinadoras tinham grande rigor quanto a horários. Cada minuto era contabilizado e deveria corresponder ao que era imposto, havia um controle constante sobre o tempo empregado nos serviços, para evitar que algo pudesse atrapalhar ou interromper o curso de cada atividade. Havia também uma ‘humanização’ dos indivíduos através dos preceitos da Igreja Católica. [...] o mecanismo complexo da escola mútua se construirá uma engrenagem depois da outra: confiaram-se primeiro aos alunos mais velhos tarefas de simples fiscalização, depois de controle do trabalho, em seguida, de ensino; e então no fim das contas, todo o tempo de todos os alunos estava ocupado seja ensinando seja aprendendo. A escola torna-se um aparelho de aprender onde cada aluno, cada nível e cada movimento, se estão combinados como deve ser, são permanentemente utilizados no processo geral de ensino. (Ibidem, p. 140).
  • 37. 37 Havia, então, uma espécie de ‘adestramento’ dos indivíduos, para que se tornasse mais fácil a apropriação de seu trabalho e a reprodução da ideologia dominante. O poder disciplinar é com feito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. [...] A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica especifica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos do seu exercício. (FOUCALT, 2008, p. 143). A vigilância contida nesses locais era exacerbada e abrangia todas as atividades, o responsável por tal função ficava em um local privilegiado, donde poderia ver toda a movimentação. Esse tipo de vigilância também pode ser visto no interior das grandes oficinas e das fábricas e, para tanto, foram contratadas pessoas especializadas, para prevenir erros, desvio de funções, ociosidade, etc. Na essência de todos os sistemas disciplinares, funciona um pequeno mecanismo penal. È beneficiado por uma espécie de privilégio de justiça, com suas leis próprias, seus delitos especificados, suas formas particulares de sanção, suas instâncias de julgamento. As disciplinas estabelecem uma ‘infra-penalidade’; quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e reprimem um conjunto de comportamentos que escapava aos grandes sistemas de castigo por sua relativa indiferença. (Ibidem, p. 149). Segundo Foucault (2008), nas oficinas, escolas, ou nos exércitos, consideravam-se punições todas as atitudes que faziam com que as crianças sentissem seus erros, podendo inclusive chegar a humilhações. Em suma, a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo exatamente a repressão. [...] A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza. (Ibidem, p. 152 – 153).
  • 38. 38 Foucault (2008) diz que, inicialmente, as instituições disciplinadoras serviam para conter as agitações sociais, evitar roubos, “fazer respeitar os regulamentos e as autoridades, [...] tende a fazer crescer as aptidões, as velocidades, os rendimentos e, portanto, os lucros.” (p. 173) Essa função é muito útil durante a Revolução Industrial, pois prepara homens para servir a senhores detentores dos meios de produção. Esses mecanismos de disciplina, sempre formados por grupos religiosos, exerciam a função de disciplina social, que deveria ser prestada pelo Estado. Na França do século XVIII esse papel foi assumido pelo sistema policial. A organização do aparelho policial no século XVIII sanciona uma generalização das disciplinas que alcança as dimensões do Estado. Se bem que a polícia tenha estado ligada da maneira mais explícita a tudo o que, no poder real, excedia o exercício da justiça regulamentada, compreende-se por que a polícia pôde resistir com um mínimo de modificações à reorganização do poder judiciário; e por que ela não parou de lhe impor cada vez mais pesadamente, até hoje, suas prerrogativas; é sem dúvida porque ela é seu braço secular; mas é também porque bem melhor que a instituição judiciária, ela se identifica, por sua extensão e seus mecanismos, com a sociedade de tipo disciplinar. Seria entretanto inexato pensar que as funções disciplinares tenham sido confiscadas e absorvidas definitivamente por um aparelho de Estado. (FOUCAULT, 2008, p. 177). Aos poucos a justiça penal vem se moldando, primeiro penalizava-se afligindo os corpos, ceifando vidas, posteriormente as penas corporais foram amenizadas, buscava-se atingir a alma ao invés dos corpos, veio o controle disciplinar, a pré- definição de crimes e penas, as jaulas de ferro, prisões com obrigatoriedade de trabalho, o isolamento nas prisões e o disciplinamento. O ponto extremo da justiça penal no Antigo Regime era o retalhamento infinito do corpo do regicida: manifestação do poder mais forte sobre o corpo do maior criminoso, cuja destruição total faz brilhar o crime em sua verdade, O ponto ideal da penalidade hoje seria a disciplina infinita: um interrogatório sem termo, um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais analítica, um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um exame, um procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrá- la no infinito. (Ibidem, p. 187).
  • 39. 39 A instituição ‘prisão’ que se forma no final do século XVIII e início do século XIX deixa implícita (muitas vezes com o consenso social da época) todas as formas de punição existente anteriormente, porém, não podemos considerá-la como a melhor solução para os problemas sociais. Ela teria a função de transformar os indivíduos, para readequá-los a vida em sociedade. Uma justiça que se diz igualitária, mas que pune diferentemente indivíduos de classes sociais diferentes, ou seja, há uma seletividade na punição de crime, devido à estratificação social, servindo para o controle da classe trabalhadora, embora a legislação parta do princípio da igualdade formal. A prisão não deve ser vista como uma instituição inerte, que volta e meia teria sido sacudida por movimentos de reforma. [...] Ao se tornar punição legal, ela carregou a velha questão jurídico-política do direito de punir com todos os problemas, todas as agitações que surgiram em torno das tecnologias corretivas do indivíduo. (FOUCAULT, 2008, p. 198). Segundo Foucault (2008), a pena de prisão não deve ser interrompida, antes que seja totalmente cumprida e que o isolamento leva o detento a refletir e a sentir remorso devido aos seus crimes. Põem-se em xeque alguns conceitos dos modelos de prisão anteriores, como a questão religiosa predominante, a necessidade do isolamento, qual a forma de permite uma melhor vigilância com baixos custos. Ele nos diz que o encarceramento penal que teve início no século XIX servia tanto para a privação de liberdade enquanto forma de castigo, como para a transformação técnica dos indivíduos. 2. O SURGIMENTO DAS PRISÕES FEMININAS Nesta seção iremos tratar do surgimento das prisões femininas e suas especificidades, sendo sua demanda mais uma expressão da questão social, consequência da sociedade capitalista na qual estamos inseridas, que impõe a todos a filosofia do consumo desenfreado a qualquer custo, inclusive sob a forma de violência e criminalidade, bem como as relações de gênero neste contexto, ou seja, como as relações hierárquicas entre homens e mulheres contribuem diretamente no contexto da prisão feminina.
  • 40. 40 As prisões femininas originaram-se dos conventos, portanto, sua gênese está profundamente ligada às normas da Igreja Católica. Entre o século XVI e XVIII, as prisões femininas, enquanto instituições edificadas não existiam, as mulheres que contestassem as normas morais vigentes, eram enclausuradas em conventos, no qual, ficavam isoladas do mundo exterior, voltadas para a oração diária e purificação do corpo. Uma das proibições da Igreja Católica, na época, era a vivência da sexualidade, sendo assim, as mães solteiras e as mulheres que ousassem fazer uso do seu corpo conforme sua própria vontade eram presas, juntamente com as criminosas e com as religiosas. Esses espaços que eram compartilhados com as religiosas (freiras) que ali viviam, tinha um misto de sentimentos contraditórios, o convívio voluntário das religiosas e das mulheres forçadas ao enclausuramento, permitia [...] o afloramento de todos os ódios e ciúmes, os mais variados e inimagináveis. Toda casa de reclusão feminina vivenciou estas contradições abrigando o desejo de buscar a Deus, o amor ao próximo, conjuntamente ao ódio aos homens, e até ao próprio Deus. (ALMEIDA, 2007, p. 2). Esses conventos-prisões também puniam com severidade aquelas que por ventura não seguissem as regras impostas no âmbito religioso, como por exemplo, terem encontros furtivos com homens através das grades do convento, e essas punições se configuravam em “[...] quase sempre ficar a pão e água, imputação de culpa, chegando-se à prisão domiciliar e açoites.” (Ibidem, p. 4). De acordo com Almeida (2007), o trabalho também fazia parte do dia-a-dia dessas mulheres, pois além das orações que ocupavam boa parte do seu dia, as atividades como costura e bordado também contribuíam para discipliná-las à vida no interior dos conventos. Segundo Espinoza (2002), quando se concebeu a prisão como instituição, entendeu-se que era necessária a separação de homens e mulheres, devendo ter tratamento diferenciado para ambos. Enquanto as prisões masculinas buscavam
  • 41. 41 restaurar, nos homens, o sentido de legalidade, nas mulheres elas buscavam reinstalar o sentimento de pudor. 2.1 Relações de Gênero e as mulheres presas Não é possível falar da relação de gênero sem levarmos em consideração fatores determinantes que contribuíram para a formação da família, haja vista a história da mulher ter passado por mudanças dentro das sociedades, principalmente no que diz respeito a evolução histórica, por não ter tido sempre uma condição de subordinação em relação ao homem, como foi nas sociedades em que prevalecia a família matriarcal. A origem da família é analisada por Engels (2005) como uma construção social, na qual o sistema de parentesco é resultado da evolução histórica das mudanças ocorridas na dinâmica da sociedade primitiva e posteriores. Assim sendo, a família mudou seus laços de parentesco de acordo com a conveniência da classe dominante. Engels (Ibidem) retrata a sociedade primitiva como uma época que, “homens praticavam a poligamia11 ao mesmo tempo em que suas mulheres praticavam a poliandria12 e, portanto, os filhos de uns e de outros tinham de ser considerados comuns.” (p. 40). A família começava, então, a sua evolução histórica para união monogâmica13 . Porém, antes da família chegar a esta construção, passou por várias etapas, como nos relata Bachofen14 apud Engels (2005), a mulher tem sua linhagem definida dentro da família no casamento grupal, haja vista ser reconhecida exclusivamente a filiação materna, já que a paternidade era algo inexato nas relações poligâmicas. A importância e o poder que a mulher tinha na era dos clãs, passaram despercebidos para alguns filósofos do século XVIII, pois estes expressavam 11 Homem que possui várias mulheres. 12 Mulher que possui vários homens. 13 Homem que tem apenas uma mulher. 14 Segundo Engels, foi um grande pesquisador do tema família.
  • 42. 42 algumas idéias nas quais a mulher teria sido escrava do homem. Porém o que se viu, segundo Wright15 apud Engels (2005), foi que Habitualmente as mulheres mandavam na casa e as provisões eram comuns. Mas infeliz do pobre marido ou amante que fosse preguiçoso ou demasiado inábil para contribuir com a sua parte das provisões. [...] As mulheres constituíam o grande poder dentro dos clãs (gens) como, aliás, em toda parte. Elas não hesitavam, quando a ocasião o exigia, em destruir um chefe e rebaixá-lo à condição de simples guerreiro. (p. 56). Para reforçar, Engels (Ibidem), ainda diz que “Entre todos os selvagens e em todas as tribos que se encontram nas fases inferior, média e até em parte na superior da Barbárie, a mulher não só é livre, mas também muito considerada.” (p.56). E assim, a família passou por vários processos para sua formação, começando pela família consanguínea, que segundo Engels (2005), “só os ascendentes e os descendentes, os pais e os filhos, estão reciprocamente excluídos dos direitos e deveres (como poderíamos dizer) do casamento.” (p. 45). Esse tipo de família passou por várias mudanças até transformar-se em família punaluana, que tinha como características básicas, ainda na compreensão de Engels (Ibidem), a exclusão de relações sexuais entre irmãos uterinos (isto é, irmãos por parte de mãe), [...] e terminando pela proibição do casamento entre irmãos colaterais, quer dizer, segundo nossos atuais designativos de parentesco, entre irmãos carnais, primos em segundo e terceiro graus. (p.46). Quanto à família pré-monogâmica, que substituiu os casamentos por grupos, Engels (Ibidem), relata que, 15 Arthur Wright foi um missionário que estudou a relação familiar dos iroqueses-senekas, índios da América do Norte.
  • 43. 43 Nesse estágio, um homem vive com uma mulher, mas de forma tal que a poligamia e a infidelidade ocasional permanecem um direito dos homens, embora a poligamia seja raramente observada, também por causas econômicas, ao passo que, na maioria dos casos, exige- se das mulheres a mais rigorosa fidelidade enquanto durar a vida em comum, sendo o adultério destas, castigado de maneira cruel. O vínculo conjugal é, porém, facilmente dissolúvel por qualquer das partes e, tal como anteriormente, os filhos pertencem exclusivamente à mãe. (p. 54) Uma característica observada por Engels (2005) nesta forma de família é a dificuldade dos homens em encontrar mulheres, fato que não foi visto nas formas de família anteriormente citadas. Contudo, para este autor, a família pré-monogâmica teve sua importância por surgir No limite entre o estado selvagem e a barbárie, na maioria das vezes durante a fase superior do primeiro, apenas em certos lugares durante a fase inferior da segunda. É a forma de família característica da barbárie, como o casamento por grupos é a do estado selvagem e a monogamia é a da civilização. (p. 60) A passagem da forma de família pré-monogâmica para a monogâmica foi baseada em alguns fatos econômicos e históricos, que fundamentaram a construção de certos valores relacionados à preservação das riquezas adquiridas no período. Citamos como exemplo a descoberta de que os homens podiam domesticar os animais e criar gado e, com isso, passaram a tê-los em abundância, constituindo assim as riquezas, ou seja, o surgimento da propriedade privada. A partir deste momento, segundo Engels (Ibidem) começou-se a reavaliar os valores da descendência da família, até então matrilinear, seguindo a descendência do direito materno. Para que os filhos da descendência paterna tivessem seus direitos de herança garantidos, era necessário que o direito materno fosse suprimido. Desta maneira, a sociedade estabelece o patriarcado, uma forma de garantir não apenas a herança, mas a submissão feminina. Na realidade, a família monogâmica era necessária para que se restringissem os parentescos, agora a mulher teria que ser fiel, no sentido sexual, e seus filhos teriam apenas uma mãe e um pai, o que garantiria o direito à propriedade privada, herança direta do pai.
  • 44. 44 Dessa forma, à medida que as riquezas iam aumentando, por um lado conferiam ao homem uma posição mais importante que aquela da mulher na família e, por outro lado, faziam com que nele surgisse a idéia de valer-se dessa vantagem para modificar, em favor dos filhos, a ordem tradicional da herança. Isso era, porém, impossível de se realizar enquanto permanecesse em vigor a descendência segundo o direito materno. Esse direito teria de ser supresso, e assim o foi. (ENGELS, 2005, p. 63) Assim, a mulher passa a ser sexualmente fiel e a descendência, antes materna, passa a ser paterna e a família a ter sua herança vinculada à linhagem masculina e não mais feminina. O homem, com o domínio sobre a criação de animais e agricultura, passa a acumular riquezas e a ter o direito de transmiti-las aos seus descendentes. Engels (2005) relata que, A derrocada do direito materno foi a derrota do sexo feminino na história universal. O homem tomou posse também da direção da casa, ao passo que a mulher foi degradada, convertida em servidora, em escrava do prazer do homem e em mero instrumento de reprodução. (p.64) A desvalorização da mulher é definida com a família monogâmica, na qual o homem passa a ter, definitivamente, o poder sobre a família constituída pela mulher e os filhos, herdeiros diretos, segundo Engels (Ibidem), são eles que irão tomar posse dos bens paternos. Por meio do casamento monogâmico, o homem torna-se o único a poder romper os laços conjugais, como também lhe é concedido o direito à infidelidade. A submissão da mulher foi para a classe dominante, segundo Engels (Ibidem), algo que era muito conveniente, pois os casamentos, até então, eram feitos como se fossem um negócio, nem de longe era algo que se relacionasse ao amor conjugal. Tudo funcionava em torno dos interesses na preservação da riqueza e da propriedade privada. Já nas relações da classe oprimida, desaparece por completo o interesse nos bens e riqueza, pelo fato de não estarem presentes na vida cotidiana destes.
  • 45. 45 Segundo Engels (2005), a mulher só ganhou novamente um espaço no convívio social com o advento da industrialização, quando sua força de trabalho se torna necessária para a geração de riquezas socialmente produzidas. A passagem da manufatura para a grande indústria foi o momento de incorporação do trabalho feminino à produção social. A força motora necessária para a produção havia sido transferida dos músculos do trabalhador para a máquina, abrindo caminho para a incorporação de mulheres e crianças ao processo produtivo. (TOLEDO, 2008, p. 40) A partir da industrialização, a mulher passa a ter um novo papel a desempenhar na sociedade fora de casa, vendendo sua força de trabalho, ou como diria Engels (2005), “convertendo-a frequentemente em sustentáculo da família”. Para sociedade capitalista a mulher é trabalhadora e como tal produtiva, desde a época da Revolução Industrial. Hoje estão em todas as funções dentro do mercado de trabalho, nas diversas áreas como pecuária, agricultura, saúde e educação, entre outras. Porém, a inserção da mulher no mercado de trabalho não a excluiu de suas antigas obrigações, enquanto responsável pelo lar, existe agora uma acumulação de funções, a mulher além de continuar sendo a responsável direta por cuidar da casa, das crianças, dos idosos e da educação, ainda tem que suprir as necessidades materiais de sua família. E mesmo no mercado de trabalho tem o salário regulado pelo sexo, como explica Camurça e Gouveia (2004): Estando o mercado de trabalho organizado por sexo, o preço da mão-de-obra também irá variar conforme seja um homem ou uma mulher quem faz o serviço. A observação cotidiana nos mostra que são as mulheres quem recebem os salários mais baixos. É o trabalho delas que é desvalorizado. (p.26). As mulheres aprendem desde cedo nas relações de gênero que devem ser submissas e sendo assim esse processo se naturaliza, porém, também sentem que por outro lado têm algum ganho em relação a ser mulher dentro da sua identidade feminina nos padrões da sociedade que se encontra inserida. Quando essas mulheres trocam de papel com os homens, no sentido de ficarem responsáveis pelo sustento da família, sentem que perdem o direito a algumas coisas que para o seu
  • 46. 46 universo feminino são importantes, por isso, “melhor não questionar o velho modelo de ser mulher”. (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004, p. 40). Hoje, porém, encontramos mulheres que são responsáveis pelo sustento de sua família e nesta condição as coisas mudam de figura, já que essas mulheres em sua maioria sobrevivem de uma atividade ligada ao mercado informal16 , e estas, quando privadas de liberdade não possuem direito ao auxílio-reclusão, ficando sua família muitas vezes desprovida das condições mínimas financeiras para suprir as necessidades básicas de sobrevivência. Estas mulheres, geralmente, são provenientes de famílias da classe trabalhadora, até mesmo em condições de miserabilidade, favorecendo assim as péssimas condições de sobrevivência e estrutura familiar. Mesmo sendo muitas vezes o ‘homem’ da casa, a mulher não consegue se libertar das raízes de sua construção nesta sociedade machista, que a faz subordinada, ou melhor, ‘dominada-explorada’ 17 , onde segundo Carloto (2009): A tentativa de construir o ser mulher enquanto subordinado, ou melhor, como Saffioti (1992), como dominada-explorada, vai ter a marca da naturalização, do inquestionável, já que dado pela natureza. Todos os espaços de aprendizado, os processos de socialização vão reforçar os preconceitos e estereótipos dos gêneros como próprios de uma suposta natureza (feminina e masculina), apoiando-se, sobretudo na determinação biológica. A diferença biológica vai se transformar em desigualdade social e tomar uma aparência de naturalidade. (p.2). No universo feminino e das relações de gênero, a mulher é considerada um ser frágil, nascido para cuidar da família e incapaz de cometer atos violentos, próprios do universo masculino. Ao ingressar na criminalidade, a mulher acaba adentrando no espaço antes ocupado por homens e estar privada de liberdade significa, entre outras coisas, deixar de cuidar da família, já que esta atribuição faz parte de sua gama de responsabilidades. Segundo Espinoza (2002), a situação da mulher presa é mais grave do que a do homem preso, pois ela já é excluída socialmente antes da prisão, permanece 16 Trabalho que não possui vínculo empregatício. 17 SAFFIOTI (1992) apud CARLOTO.
  • 47. 47 durante o período de reclusão e a situação se pereniza ainda depois da obtenção da liberdade. A este contexto soma-se a violação dos direitos contidos na Lei de Execução Penal – LEP, pois nos presídios as condições desumanas de sobrevivência trazem várias consequências negativas para o indivíduo, que por vezes se revolta com o sofrimento vivido dentro dos presídios e transfere essa revolta contra a sociedade. Nas prisões convivem [...] indivíduos de diferentes procedências, quer de família, de ambiente ou religião, com idade, costumes e nível sócio-econômico- cultural os mais diversos, separados de forma abrupta da sociedade livre e desenvolvendo obrigatoriamente uma vida própria. (OLIVEIRA, 1996, p. 75) Outro ponto importante a ser considerado é que as mulheres, privadas de liberdade, necessitam de uma atenção à saúde diferenciada, haja vista a sua condição de reprodução humana (gestação/maternidade), onde, por lei, lhe é assegurado o direito de acompanhamento durante o pré-natal e após o nascimento do bebê, este deve permanecer em companhia da mãe pelo período de seis meses, que corresponde ao período de aleitamento materno. Uma característica relevante é que mesmo sendo as usuárias privadas de liberdade – em sua maioria – cúmplices dos seus companheiros, estes, quando detidos e ainda depois de soltos, não as procuram mais, por isso elas recebem menos visitas que os presos masculinos. Devemos ressaltar que houve uma mudança nas condutas deletivas realizadas por mulheres; os crimes cometidos por elas não mais se encaixam nos denominados ‘delitos femininos’ (infanticídio, aborto, homicídio passional), havendo se incrementado os índices de condenação por crimes como tráfico de entorpecentes, roubos, sequestros, homicídios, entre outros. (ESPINOZA, 2002, p. 53)
  • 48. 48 3. A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E O ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO SANTA LUZIA - EPFSL A Política de Segurança Pública sempre foi um problema para o Estado desde o Código Penal de 1940, onde após várias tentativas de melhoria por meio de projetos lançados por alguns juristas, foi aprovado em 1930 o projeto do Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Hachel que se converteu na Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984 a atual e vigente Lei de Execução Penal – LEP, com os seus 204 (duzentos e quatro) artigos tem como finalidade proteger os direitos dos detentos, sua dignidade, e principalmente, proporcionar condições de reintegração social. 3.1 Lei de Execução Penal - LEP Elaborada por legisladores com a visão positivista e normativista do Direito, a Lei de Execução Penal – LEP, parte do princípio que, serão levados em consideração os atos jurídicos que segundo Kelsen18 apud Bittar (2004), seriam os fenômenos jurídicos puros e não os não-jurídicos, como os culturais, sociológicos, antropológicos, éticos, meta-físicos e religiosos. Então, Ser e dever-ser diferem entre si na mesma medida em que ciências sociais (humanas) diferem das ciências naturais (físico-matemáticas). Essa diferenciação repousa na distinção provocada pelos termos causalidade e imputação e suas conseqüências lógico-teóricas. De fato, condição e conseqüência ligam-se pela imputação de uma sanção a um comportamento, na esfera do Direito; nesse sentido, a sanção pode ser, como pode não ser aplicada. Causa e efeito, estudadas pelas ciências naturais, comportam-se com regularidade, e, então, o que é causa provoca necessariamente o efeito respectivo. (ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 337). Sendo assim tudo o que a LEP preconiza teoricamente levaria a resolução de todos os problemas da comunidade carcerária, bem como, a resolução da violência, já que em seu contexto a LEP, direciona toda a responsabilidade para o indivíduo e não para a sociedade de classes na qual estamos inseridos, partindo desse princípio, entende-se que ‘tratando’ o detento, ou seja, ressocializando-o, a 18 “Hans Kelsen, como pensador do Direito, qualifica-se dentro do diversificado movimento a que se costuma chamar de positivismo jurídico”. (ALMEIDA; BITTAR, 2004, p. 335).
  • 49. 49 criminalidade estaria praticamente resolvida, dependendo apenas da vontade e do esforço pessoal do próprio indivíduo. Este pensamento nos leva de volta ao conservadorismo, no qual o problema estaria no indivíduo que não se adequava à forma de sociedade, ele seria o problema, não havendo questionamentos quanto à exploração exacerbada da classe trabalhadora pelo capitalista, que só se preocupa em preservar seus interesses, dentre eles acumulação de riquezas. Contudo, quando partimos para verificar a execução do que está disposto nos artigos e incisos da LEP, descobrimos que quase nada é efetivado, a começar pela própria Assistência Jurídica que nela é garantida, que deve ser gratuita e prestada pelo Estado para aqueles que não possuem recursos financeiros. Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir advogado. A ausência desta Assistência Jurídica é uma das causas das rebeliões dentro do EPFSL, a constatação desse fato foi possível através da experiência durante o estágio curricular obrigatório vivida no referido estabelecimento, onde, mesmo contando com um assessor jurídico, os atendimentos às usuárias privadas de liberdade são mínimos. A ineficiência desse e de diversos outros artigos constantes na LEP gera um verdadeiro conflito dentro das penitenciárias, isso somado ao ambiente hostil, próprio das instituições prisionais, forma um verdadeiro ‘barril de pólvora prestes a explodir’. Várias são as disposições constantes na LEP, garantindo o cumprimento da sentença judicial, bem como a reintegração social do apenado. Em seu artigo primeiro, a LEP deixa bem claro que a orientação baseia-se em dois fundamentos: o estrito cumprimento dos mandamentos existentes na sentença e a instrumentalização de condições que propiciem a reintegração social do condenado, a saber:
  • 50. 50 “Art. 1° A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. No entanto, quando nos remetemos à realidade carcerária, não é bem isso que observamos, visto que as condições oferecidas nos presídios não condizem com o disposto na Lei. O EPFSL não se diferencia dessa realidade, pois vários artigos e incisos da lei não são efetivados no contexto cotidiano daquele local. Teoricamente, a LEP revela-se tão completa que tem, inclusive, a preocupação quanto à classificação dos condenados e a Comissão Técnica de Classificação, que será responsável por essa qualificação, como descrito abaixo: Art. 5° Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal. Art. 6° A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador e acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, devendo propor, à autoridade competente, as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões. Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. “Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e será integrada por fiscais do serviço social”. A LEP é completa e não deixa margem para erros ou falhas, porém, para entendermos a falta de interesse do Estado quanto a não efetivação da mesma, devemos considerar que estamos inseridos em uma sociedade de classes que valoriza o lucro e está baseada na exploração da classe trabalhadora, ou seja, não é conveniente para o capital – representado pelo Estado – investir em uma camada da sociedade que enquanto encarcerada, não produz riquezas.
  • 51. 51 Podemos citar, ainda, que o Capítulo II, do Título II da LEP é classificado como “Da Assistência”, e essa assistência consiste em: material, à saúde, jurídica (como já comentada), educacional, social e religiosa, como veremos. Na Assistência Material o interesse aparentemente é de suprir as necessidades básicas de sobrevivência humana, pois refere-se a alimentação, vestuário e instalações higiênicas o que garantiria de certa forma a vida do ser. Então, Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Porém, quando chegamos ao EPFSL, eram fornecidas três alimentações por dia, não havia vestuário para as usuárias privadas de liberdade e muitas ficavam com a mesma roupa e descalças por vários dias sem ter para quem apelar, já que o Estado não estava cumprindo com seu papel, alguns familiares não vinham vê-las e em outros casos elas não queriam que estes soubessem que ali estavam. No que se refere aos produtos de limpeza e higiene pessoal não eram fornecidos. E o que falar da Assistência Educacional, que segundo a LEP, “compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado” (Art. 17). Uma realidade tão distante dos presídios, pelo menos do EPFSL, no qual segundo informações da assistente social existiu uma professora voluntária, mais por parte do Estado nada foi implementado neste sentido. A Assistência á Saúde é dada de maneira precária e ínfima pelo Estado, o que agrava a situação de saúde daqueles que precisam da assistência, pois a superlotação e a falta de higiene dos presídios favorecem o aparecimento e a proliferação de doenças. Esta assistência compreende o atendimento médico, odontológico e farmacêutico, serviços que deviam estar disponíveis dentro do sistema penitenciário e se não estiverem o Estado tem a obrigação de levar o usuário privado de liberdade até o atendimento necessário. Para se ter uma ideia da precariedade citada, no EPFSL só existe um médico19 clínico que atende um dia por semana, a medicação para as detentas não 19 Nos documentos do EPFSL constam dois médicos, porém, efetivamente, apenas um comparece para realizar