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03. Contos de Recife 3015 - O JOGO DOS SETE
1.
2. CONTOS DE RECIFE 3015 - VOLUME 1
O JOGO DOS
SETE
AUTOR: GLEDSON GOMES
Este conto faz parte da coletânea "Contos de Recife 2015 - Volume
1", publicados semanalmente no blog Caranguejo Atômico. Visite o
blog para novos contos.
3. O JOGO DOS SETE
Mauro estava cansado, tinha acabado de chegar de São
Paulo, onde tinha ido realizar uma operação secreta para
o governo, ele trabalhava em um departamento reaberto
a algumas décadas, o D.O.P.S (Departamento de Polícia e
Ordem Social), reaberto a pedido do sistema Mike, o
software de segurança, que cuidava de casos onde
criminosos atentavam contra a ordem da sociedade
recifense. O seu papel era o de criador de eventos fictícios
que justificassem o desaparecimento de pessoas
designadas pelo sistema como criminosas, ele costumava
se chamar de criador de tragédias, o que havia realizado
na tarde anterior.
O trabalho em questão tinha exigido um grande empenho
e tinha tido um grande orçamento, pois tinha sido
comprado até um jatinho igual ao da pessoa que
precisava ser apagada do mapa, leva-lo até o local onde
cairia, encontrar corpos que parecessem com aqueles
que "morreriam" naquele acidente e com a ajuda de um
controle remoto, faze-lo cair e pegar fogo, para que os
4. corpos fossem queimados até virarem cinzas, tudo isso
enquanto os seus colegas cortariam o contato da pessoa
em questão e cuidariam para que sumisse do mapa, fosse
devidamente julgado e levado para o exílio, para que
pagasse por seus crimes. Esse tipo de trabalho era chato,
ele preferia a adrenalina de correr atrás dos criminosos e
se infiltrar em reuniões de grupos subversivos onde as
câmeras não chegavam e o sistema não gravaria as provas
para prender alguém. Herdou do pai a paixão pela
profissão e o vício em adrenalina, mas por ser muito
criativo ao inventar mentiras nos testes psicológicos o
sistema optou por realoca-lo em um setor onde pudesse
se utilizar de suas "habilidades criativas", então começou
a viajar por todo o país criando tragédias para o governo.
Naquela noite pegou um caminho diferente, a exigência
do trabalho havia o afastado da família, o divórcio não
demorou a se tornar um caminho óbvio, queria ver a filha
em seu aniversário de nove anos, sua ex-mulher havia se
casado de novo e ele não ia com a cara de seu novo
marido, pegou a BR-101 em direção à Várzea, bairro onde
moravam com o carro cheio de "trabalho", pegou leve na
velocidade, embora o asfalto fosse bom, muito bem
cuidado por uma divisão do grupo FUENTES, Mauro
achava o pedágio caro e geralmente não utilizava aquela
estrada.
5. Tudo seguia tranquilo até Mauro perceber que estava
sendo seguido, por dois carros pretos, um de cada lado,
eles foram chegando cada vez mais perto, Mauro
acelerou, com o fluxo tranquilo haviam poucos carros
naquela noite, preparou a arma, ele sempre foi bom de
tiro desde a academia de polícia e esperava que isso lhe
ajudasse agora, a primeira batida na traseira do carro
aconteceu, ele pisou ne acelerador e começou a fazer
manobras evasivas, o segundo carro bateu com mais
força o que fez o carro derrapar levemente, Mauro quase
perdeu o controle, percebeu que os veículos se
distanciaram e freou ficando no meio dos dois, girou o
volante para a direita batendo em um dos veículos que se
descontrolou e capotou no acostamento, Mauro se
aproximava da saída de Jaboatão quando o segundo
veículo bateu com força na parte esquerda da parte de
trás do carro de Mauro o que o fez perder o controle e
atravessar a pista contrária em direção a um barranco.
Mauro capotou várias vezes, os airbags em trezentos e
sessenta graus lhe protegeram do impacto, mas a cabeça
girava de tontura, tinha de esperar alguns minutos até
que eles murchassem, enquanto não podia se mexer
ouviu que um carro se aproximava, homens abriram o
porta-malas e retiraram o seu conteúdo, sete bombas
programáveis com capacidade de destruir um prédio
inteiro. Ele tinha levado dez bombas para explodir uns
6. barrancos em seu último trabalho, mas só três foram
necessárias e as outras sete teriam de ser devolvida no
quartel da polícia militar no Derby. Ouviu uma voz de
mulher, pelo tem que usava parecia estar no comando da
operação, teriam de ser rápidos pois àquela hora o
sistema Mike já havia enviado uma equipe de policiais
para o resgate.
Quando finalmente conseguiu sair do carro percebeu que
os bandidos já tinham saído do local, notou as marcas de
pneus na areia, o veículo que tinha capotado estava
destruído, não tinha risco de explosão por ser elétrico,
ouviu as sirenes dos companheiros de profissão que logo
chegaram ao local. O que mais surpreendeu Mauro foi o
fato de que, apesar das tentativas de contato dos
companheiros e de Mike, não houve como conectarem
com as câmeras do local durante o tempo em que os
bandidos roubavam a carga do explosiva. Ele
compreendeu que havia sido atacado pelo grupo
conhecido como "Os Fantasmas", grupo terrorista que
era contra o uso do software de segurança, e que logo
saberia o que eles pretendiam fazer com as bombas.
No quartel da polícia conseguiu ligar para a família e
avisar o que tinha ocorrido, depois de um exame médico,
foi encaminhado para uma sala onde prestaria
depoimento. Mike foi cordial como sempre, Mauro
7. respondeu ao comprimento, por ser baseado na maneira
humana de agir Mike tinha uma conversa fluida e Mauro
gostava de falar com o sistema, relatou o seu ponto de
vista em detalhes, o software o parabenizou pelo
trabalho feito na tarde do dia anterior e o dispensou para
que fosse para a casa da família enquanto as buscas às
bombas eram realizadas, ele se despediu da figura na tela
e saiu da sala. Já ia saindo, se despedindo de todos
quando o primeiro contato ocorreu, Mike exibiu em todas
as telas um vídeo postado na WebTV, onde os terroristas
contavam o que pretendiam fazer naquela noite, onde se
declaravam contra a operação de Mike e pretendiam
destruí-lo naquela madrugada, com as bombas roubadas
de Mauro mais cedo naquela noite, eles queriam causar
impacto na sociedade.
Eles propunham o que eles chamavam de um jogo, o
"jogo dos sete" tinha uma dinâmica simples eles teriam
que achar as bombas em duas horas, eles poderiam pedir
sete pistas por um número de telefone que apareceu na
tela, mas cada pista tinha um preço, toda vez que eles
ligassem sete minutos seriam tirados da contagem e
acelerando a explosão, e levariam a lugares cada vez mais
distantes do alvo do ataque. Quando o vídeo terminou
Mike começou a coordenar a operação, ele não podia
velos, mas conhecia a cidade e tinha acesso a todo o
acervo da polícia e daria suporte de campo. Eles
8. precisavam começar em algum lugar e Mauro teve a ideia
de pedir a primeira pista, a contagem já havia começado
na tela.
Ao ligar para o número que Mike não podia rastrear uma
voz robótica atendeu do outro lado, Mauro não falou
nada somente ouviu a pista ser falada, "1888" foi a única
coisa dita pela voz dou outro lado, esperou mais alguns
segundos para ver se algo mais era dito mas nada foi
falado, Mauro falou aos seus colegas o que tinha sido dito
ao telefone, no mesmo instante Mike começou a buscar
resultados no bando de dados e exibi-los na tela, a
contagem na tela foi diminuída em sete minutos, algo
chamou a atenção de todos na sala entre os dados
exibidos por Mike estava um acontecimento com mais de
mil e cem anos, abolição da escravatura que libertou os
escravos do país e tornava ilegal a escravidão lei assinada
pela princesa Isabel em 1888, fato lembrado pelo museu
da abolição, localizado na rua Benfica lá eles achariam
algo que pudesse ajudar na busca.
A política de segurança do Recife não incluía negociação
com terrorista, mais nesse caso eles não poderiam contar
com a tecnologia de Mike, obrigando eles a resolver
aquele caso da maneira antiga. Mauro avisou a família o
que estava acontecendo e que não poderia estar com eles
até que aquele caso fosse resolvido. A quantidade de
9. policiais era bastante reduzida de modo que todos foram
chamados para trabalharem na central de
monitoramento e na rua buscando pelas pistas e locais
que poderiam ser o alvo do ataque. Mauro se preparou
para sair com sua equipe.
Ao chegar no local indicado pela pista, o museu estava
fechado foi aberto em pouco tempo e eles se depararam
com algo tão inesperado quanto macabro, um corpo jazia
pendurado pelo pescoço e ensanguentado no meio do
salão de entrada do prédio, todos ficaram horrorizados
com tamanha violência, mas a cena do crime continha
uma mensagem, no peito da vítima tinha sido entalhado
na pele a letra “S”, todos se perguntavam o que aquilo
significava, Mike cruzou referências, mas nada de útil foi
identificado em meio aquelas informações, eles teriam de
pedir mais uma pista.
Ao ligar para o número dado para os terroristas a voz
robótica lhe deu uma nova pista "DS". Mauro entendeu o
recado, o "S" no corpo se juntado às letras da nova pista
formavam a sigla "SDS" ou "Secretaria de Defesa Social",
era claro, a SDS era responsável por todas as inclusões de
informações no sistema. Naquela altura Mike já havia
executado um toque de recolher, o transito estava livre
para as viaturas, chegaram rápido à sede da SDS, no local
o IML recolhia dois corpos mortos a tiros mais cedo,
10. entraram no prédio em busca de uma pistas não havia
corpos vez, procuraram por todo o prédio mas não
acharam nada, até que um dos colegas de operação
encontrou um pequeno bilhete colado na máquina de
café na recepção com uma pista, "0" obviamente se
referia ao marco zero do Recife onde se localizava a
divisão de tecnologia da FUENTES mas, como de praxe,
não haveria bomba nenhuma no local só mais um pista
idiota, daquele jogo que só faria com que eles ficassem
correndo de um lado para o outro como um bando de
baratas tontas, foi quando percebeu a intenção do jogo.
Os terroristas tinham como objeto principal destruir
Mike, destruindo a SDS eles não ganhariam nada, as
autoridades e a doutora Melissa Rangel já tinham sido
escondidos em um local seguro, o quartel onde ficava a
central de processamento de Mike era quase
indestrutível não valia a pena, pois aquelas bombas não
dariam conta, como eles eram invisíveis ao sistema
poderiam entrar sem serem notados, e com o
equipamento adequado poderia ter acesso às
configurações do sistema, eles haviam sido afastados,
com o quartel menos guarnecido e Mike impossibilitado
de vê-los, eles tinham o caminho livre, Mike corria perigo.
Toda a equipe foi deslocada para o quartel, pois se lá
encontrassem os terroristas, seria travada uma grande
batalha, Mike não deixaria que chegassem ao arsenal,
11. mas eles possuíam equipamento para abrir qualquer
porta. Os fantasmas eram um grupo que vinha dando dor
de cabeça à polícia nos últimos tempos, por serem bem
armados e treinados, eles se destacavam dos demais por
serem invisíveis ao sistema, de uma maneira que
nenhuma até então havia conseguido, eles podiam andar
à luz do dia sem serem vistos, por meio de uma tecnologia
que emitia ondas que embaralhavam o sinal das câmeras
e microfones do sistema, assim como os sensores de
temperatura movimento. Eles roubavam carregamentos
de armas e munição destinados à polícia e ao exercício,
bem como caminhões de alimentos e combustível para os
carros desaparecidos que usavam para realizar as suas
ações. Eram um problema nacional.
Quando chegaram o quartel estava às escuras e de portas
fechadas, Mauro foi avisado pelo sargento Maicon, que
poderiam haver armadilhas espalhadas pela entrada,
quando foi atingido por uma descarga elétrica projetada
da entrada do prédio, Maicon caiu ao chão morto e em
chamas, Mauro, que o conhecia de longa data, caiu ao
chão horrorizado com a morte do amigo, ele tinha ouvido
falar daquelas armadilhas na academia, eram ativadas
por sensores laser e disparavam de dez mil volts guiadas
por lasers. Procurou abrigo atrás do carro, viu outros
colegas serem atingidos ao tentarem entrar pelo outro
lado do prédio, como poderiam tentar entrar sem serem
12. mortos. Os rapazes da divisão antibombas se
apresentaram com a solução, eles tinham sido treinados
para lidar com esse tipo de coisa e tiraram do carro um
equipamento que podia localizar a fonte da energia e
destruí-la com uma pequena bomba, ao serem
perguntados eles responderam que, por não saber com
que tipo de arma os terroristas poderiam usar eles
levaram tudo o que conseguiram, uma das armadilhas
estava destruída e eles poderiam avançar, armados
começaram a se dirigir à entrada. Quando os tiros
começaram, Mauro viu o pessoal do batalhão de choque
ativar o escudo magnético, um equipamento que atraía
as balas para si, todos os policiais se posicionaram atrás
do escudo e nenhuma bala passou por ele, continuaram à
avançar. As granadas vieram como algo que eles já
previam, uma delas grudou no escudo, que apesar de ter
sido jogado fora não deu tempo para que todos se
afastassem da explosão, Mauro caiu com os ouvidos
zumbindo bastante um rapaz do choque jazia morto no
chão, ele havia ficado na frente da bomba e não teve
tempo de escapar.
Mas o pior ainda estava por vir, uma barreira de repulsão
foi ativada e todos os policiais foram jogados para longe,
os carros e armamento afastados, contra aquilo eles não
podiam lutar, nada passava, as balas eram arremessadas
de volta, um desanimo se abateu em todo o grupo, o que
13. poderiam fazer, o contador marcava os últimos dez
minutos para a explosão e eles não podiam entrar no
quartel. Mauro não podia perder o jogo, tinha que
mostrar aos terroristas que eles estavam jogando com as
pessoas erradas.
Mauro falou com os rapazes do esquadrão antibombas
sobre uma maneira de vencer a barreira de repulsão, foi
quando um deles teve uma ideia que poderia salvar a
noite, criar um pulso eletromagnético que desativaria
todos os equipamentos eletrônicos ao redor incluindo as
armas dos dois lados, Mauro viu ai uma oportunidade. A
confecção não foi difícil utilizaram um dos escudos
magnéticos que restavam e a energia dos carros elétricos
para criar um equipamento que os salvaria. Mike não
seria atingido, ele era protegido por uma blindagem de
segurança muito sofisticada que o fazia imune a pulsos
eletromagnéticos. Mauro pegou um sinalizador, uma faca
e estava pronto, todos fizeram o mesmo, as armas dos
fantasmas, roubadas e contrabandeadas de países do
oriente médio não serviriam para aquela luta, seria uma
luta às cegas, onde eles é que seriam os fantasmas.
Quando o pulso foi ativado as luzes apagaram, as armas
pararam de funcionar, e os carros e smartphones pifaram,
os policiais avançaram em meio a escuridão, em silencio,
a festa estava para começar, Mauro gostava desse tipo de
14. missão, a adrenalina o deixava feliz, chegaram na porta, a
tranca eletrônica havia sido afetada, jogara sinalizadores
no hall de recepção, não havia ninguém ali, avançaram
pelos corredores, em busca dos terroristas, eles não
demoraram a aparecer, atacaram e feriram dois policiais,
Mauro e os colegas os abateram, eles precisavam chegar
até o andar superior, onde a central de Mike ficava, as
portas estavam bloqueadas no caminho, arrombar não foi
difícil, então eles chegaram ao último corredor antes da
porta da sala onde os terroristas tentavam desativar
Mike.
O corredor estava cheio de terrorista, eles tentavam
como último recurso bloquear a passagem, armados com
facas, pareciam demônios vermelhos à luz do sinalizador,
um alarme soou vindo da sala no fim do corredor, era o
sinal de quebra de firewall de Mike, depois daquele ponto
faltaria pouco para a desativação do sistema. Os
terroristas partiram para o ataque, no corredor apertado
seria um homem por vez, sinalizadores foram jogados,
Mauro viu colegas caírem assim como terroristas, ele foi
obrigado a pisar em seus corpos enquanto esfaqueava os
fantasmas, cadeiras das salas foram jogadas, atingindo
alguns homens, Mauro pegou um extintor de incêndio e
começou a bater neles, a violência fez ele sentir prazer,
uma faca feriu sua perna, outros companheiros
assumiram a dianteira, matando terroristas, os
15. sinalizadores incendiaram as paredes divisórias de
madeira, a fumaça inundava o corredor, Mauro viu os
colegas avançarem e em pouco tempo os terroristas do
corredor estavam todos mortos, eles precisavam abrir a
porta.
A porta de metal estava bloqueada por dentro, Mike não
havia deixado eles fecharem, Mauro afastou os corpos e
todos se juntaram para forçar a entrada. O número de
policiais era maior que o dos fantasmas, já era possível
ver quantos estavam lá dentro, apenas um jovem
aparentando ter uns vinte e poucos anos tentava acessar
Mike através da interface do sistema, além dele outras
quatro pessoas estavam na sala, três homens e uma
mulher, ruiva e alta, os policiais tentaram negociar para
que eles se entregassem, eles não responderam nada.
Quando empurraram a porta somente três pessoas se
encontravam na sala, os outros haviam fugido pela janela,
os que ficaram foram dominados, mas caíram e
começaram a se debater como se tivessem ingerido
algum tipo de veneno e morreram. Mike parecia estar
intacto, falou com os policiais que fizeram os testes
padrão para verificar as funcionalidades do sistema, não
havia nada de anormal com o sistema.
A explosão aconteceu na hora certa, não havia sido no
quartel, Mauro pode ouvir o som, Mike mostrou em sua
16. tela que a explosão havia sido na sede da divisão de
tecnologia da Fuentes, onde eles deveriam estar, os
terroristas haviam escapado, não havia danos aparentes
no sistema, mas algo dizia a Mauro que eles haviam
levado o que tinham vindo buscar.