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Dimensões da Interatividade na
Cultura Digital
Hermano José Marques Cintra
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Comunicação e Semiótica sob a
orientação Prof. Dr. Rogério da Costa
São Paulo
2003
Folha de Aprovação da Banca Examinadora
- 2 -
O tema desta dissertação obviamente incentiva a interação com seus leitores.
Para este fim, informo meus localizadores digitais e coloco-me à disposição
para a discussão dos temas abordados neste trabalho:
Email hcintra@hotmail.com
ICQ 37939314
(favor referenciar a dissertação no pedido de autorização)
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação por processos de fotocópia ou eletrônicos.
São Paulo, 30 de março de 2003
- 3 -
Para Satomi, minha companheira,
pela paciência, pelo apoio e, em especial, pelo carinho
tão essenciais durante a redação deste trabalho.
- 4 -
Agradecimentos
Em primeiro lugar, cabe expressar meu profundo apreço à
compreensão e confiança de meu orientador, Prof.
Rogério da Costa, sem as quais teria sido impossível
retomar o percurso do mestrado e chegar ao seu final
mediante a produção desta dissertação. Suas indicações
bibliográficas e as sugestões das trilhas e rotas foram
extremamente valiosas e precisas. Em segundo lugar,
tenho que agradecer minha mãe, Prof. Anna Maria
Marques Cintra, que pacientemente fez a revisão de várias
versões deste texto, expurgando erros de redação e de
lógica, além de diversas preciosas dicas ao longo do
caminho. Em terceiro lugar cabe mencionar o valioso
apoio de meu grande amigo Francisco Yonamine, que do
outro lado do ICQ estava sempre pronto a trocar uma
idéia, confirmar uma dúvida, ou localizar algo na rede,
coisa que faz como ninguém. Vários colegas de trabalho,
que desde 1996 acompanharam minhas perambulações
profissionais pela Internet, também são titulares de uma
dívida de gratidão. Várias das experiências que informam
esta dissertação são fruto de debates, fracassos e
sucessos vividos em equipe.
- 5 -
Resumo
O objetivo desta dissertação é discutir a interatividade que se estabelece nos
meios digitais. Ela propõe um entendimento específico do fenômeno diante da
incipiente cultura digital. A interatividade é um aspecto central da potência de
transformação que as mídias digitais comportam. Seu estudo é fundamental
para a compreensão da revolução digital cujas etapas iniciais atualmente
presenciamos.
Este trabalho inicia-se com a descrição de três conceitos fundamentais:
interatividade, o fenômeno estudado; cultura digital, o território dentro do qual
o fenômeno é estudado; e interface, o principal operador do fenômeno neste
território.
Em seguida, ele propõe um método particular de análise da interatividade na
cultura digital. Sua principal hipótese é a existência de quatro dimensões
identificáveis, a partir das quais a interatividade pode ser praticada e percebida.
Estas dimensões dão conta das variações nas formas pelas quais os agentes da
comunicação atuam, o sentido é produzido, o tempo é performado e a
espacialidade é construída. Em cada uma destas dimensões, uma série de
vetores é identificada e discutida através dos exemplos de várias tecnologias
que suportam a interatividade no meio digital, como email, aplicativos de
mensagem instantânea e conferências eletrônicas.
Na terceira parte desta dissertação, os mecanismos de interatividade são
analisados em face da perspectiva das dimensões propostas e seus vetores,
para a qual um quadro resumo é construído. Eles são divididos em três grupos:
os viabilizados de espaços de publicação, os potencializadores de diálogos e os
formadores de comunidade. Várias tecnologias são apresentadas dentro destes
grupos. Elas são discutidas em suas funcionalidades e principais conseqüências.
Uma manifestação específica de um mecanismo de interatividade é escolhida
em cada grupo, com o objetivo de demonstrar a viabilidade da análise que as
dimensões e seus vetores possibilitam.
A presente dissertação é apresentada na expectativa de persuadir seus leitores
da importância da interatividade. O modelo de análise construído pela
identificação das dimensões da interatividade pretende informar o
entendimento, a aplicação e o desenvolvimento de ferramentas de
interatividade e seus ambientes de interação.
- 6 -
Abstract
The goal of this dissertation is to discuss interactivity in the digital realm. It
proposes a specific understanding of this phenomenon in the midst of a nascent
digital culture. Interactivity is a central aspect to the transformational power
that digital media entails. Its study is fundamental to the comprehension of the
digital revolution, of which we live the early stages.
This paper begins with the outline of three fundamental concepts: interactivity,
the studied phenomenon; digital culture, the territory at which the phenomenon
is studied; and interface, the main operator of the phenomenon in the territory.
Following, it proposes a particular method for the analysis of interactivity in the
digital culture. The main hypothesis is that there are four identifiable
dimensions, by which interactivity can be performed and perceived. They
account for the variations in aspects of how agents of communications act,
meaning is produced, time performed and spatiality is built. Within each of
these proposed dimensions, a series of vectors are identified and discussed
through examples of various technologies, which supports interactivity in the
digital medium, such as email, instant messaging and electronic conferences.
In the third part of the dissertation, the mechanisms of interactivity are
analyzed in the perspective of the proposed dimensions and its vectors, for
which a summarizing table is constructed. They are divided in three groups:
enablers of publishing spaces, potentializers of dialogues and builders of virtual
communities. Various technologies are presented within these groups. They are
discussed for their functionalities and major consequences. A specific
manifestation of an interactivity mechanism is chosen in each group for the
purpose of demonstrating the viability of the analysis that dimensions and its
vector entails.
The present dissertation is presented in the expectation of persuading readers
of the importance of interactivity. The analysis model constructed by the
identification of the dimensions of interactivity should inform the understanding,
the application and the development of tools of interactivity tools and
environments.
- 7 -
Sumário
Resumo __________________________________________________6
Abstract__________________________________________________7
Sumário __________________________________________________8
Introdução_______________________________________________10
Capítulo I Conceitos _______________________________________18
Cultura Digital _____________________________________________________ 21
As fronteiras do discurso digital ________________________________________________ 21
Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno ___________________________ 22
Algumas implicações sociais da cultura digital _____________________________________ 24
O pensamento na Cultura digital _______________________________________________ 26
A gênese da cultura digital ____________________________________________________ 28
Operações do digital: a Digitalização ____________________________________________ 30
Operações do digital: a Conectividade ___________________________________________ 33
Operações do digital: a Virtualização ____________________________________________ 35
A complexidade e o fim das utopias finalistas _____________________________________ 36
Interatividade _____________________________________________________ 39
Interatividade e produção de significado _________________________________________ 39
A mídia digital e a capacidade de diálogo_________________________________________ 43
O potencial interativo da leitura ________________________________________________ 45
Graus de interatividade _______________________________________________________ 49
Interface _________________________________________________________ 53
A natureza transformadora da interface digital ____________________________________ 53
A interface enquanto metáfora _________________________________________________ 57
Elementos da interface _______________________________________________________ 59
Capítulo II Dimensões______________________________________63
Dimensão do Agente ________________________________________________ 67
Fluxo: Um-um / Um-muitos / Muitos-muitos ______________________________________ 68
Natureza: Homem-Homem / Homem-Máquina ____________________________________ 69
Identidade: Conhecida / Desconhecida __________________________________________ 71
Dimensão do Sentido________________________________________________ 73
Mecanismo: Seleção / Diálogo _________________________________________________ 74
Método: Dinâmico / Procedimental / Pré-determinado ______________________________ 76
Polaridade: Escritor / Leitor / Neutra ____________________________________________ 77
- 8 -
Dimensão do Tempo ________________________________________________ 80
Ritmo: Síncrono / Assíncrono __________________________________________________ 81
Retenção: Permanente / Fugaz_________________________________________________ 82
Simultaneidade: Favoráveis / Desfavoráveis ______________________________________ 83
Dimensão do Espaço ________________________________________________ 86
Metáfora: Simples / Complexa _________________________________________________ 87
Acesso: Público / Privado _____________________________________________________ 88
Localização: Imediata / Possível ________________________________________________ 89
Capítulo III Mecanismos ____________________________________92
Os viabilizadores de espaços de publicação ______________________________ 99
A cada um, um pedaço de chão na WWW ________________________________________ 99
Para cada leitor um site diferente______________________________________________ 101
Contando visitas e muito mais ________________________________________________ 102
As possibilidades tecnológicas_________________________________________________ 104
Análise demonstrativa: Projeto Tofte ___________________________________________ 108
Os potencializadores de diálogo ______________________________________ 112
Email: o verdadeiro “killer application”__________________________________________ 112
Papo cabeça e papo furado___________________________________________________ 114
Contatos imediatos _________________________________________________________ 119
Conversas em txt___________________________________________________________ 122
Análise demonstrativa: ICQ___________________________________________________ 125
Os formadores de comunidade _______________________________________ 128
Os primeiros passos ________________________________________________________ 128
As bases da vida comunitária no ciberespaço ____________________________________ 130
As tecnologias de suporte ____________________________________________________ 133
A criação de mundos complexos_______________________________________________ 139
Análise demonstrativa: Brainstorms ____________________________________________ 142
Conclusão ______________________________________________147
Bibliografia _____________________________________________151
- 9 -
Introdução
- 10 -
Introdução
A decisão de escrever sobre a interavitidade no âmbito da cultura digital faz
parte de meu percurso pessoal de encantamento com revolução digital. Embora
possa recorrê-lo aos meus primeiros passos com computadores no início da
década 80, é a descoberta dos bulletin board systems (BBS), há dez anos, que
inicia este encantamento com as possibilidades abertas pela Internet. Na
verdade, as BBS ainda não podiam prover acesso à rede das redes no início dos
anos 90. Elas nos conectavam a outras redes como a Bitnet, a Fidonet e a
Usenet, mas já permitiam uma experiência premonitória da potência do email,
dos newsgroups, e do acesso a documentos digitais arquivados a distância.
A experiência com as BBS tinha sabor de antepasto. Antes da regulamentação
do provimento de acesso comercial em 1995, as únicas alternativas de conexão
à Internet no Brasil eram as universidades e a BBS Alternex do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômica - Ibase, ONG fundada pelo sociólogo
Betinho, que havia viabilizado acesso à Internet, em função de suas atividades
de apoio à conferência ECO-92, no Rio de Janeiro [Ercilia 2000]. No final de
1994, afiliei-me ao Ibase, instalei o browser da Netscape e realizei minhas
primeiras visitas à World Wide Web (WWW).
Em uma destas incursões, encontrei referências ao recém lançado livro de
Nicholas Negroponte, diretor do importante instituto de pesquisa Media Lab do
Massachusetts Institute of Technology, Being Digital [1995]. A leitura deste
livro competou a operação de encantamento. A otimista visão do impacto que a
revolução digital teria em nossas vidas cotidianas, composta por Negroponte,
era fascinante. Continua sê-lo, mesmo após quase oito anos, durante os quais
as promessas da vida digital foram extensamente propagadas pela mídia,
largamente abusadas por empreendores ansiosos em enriquecer na corrida ao
ouro virtual do final dos anos 90 e duramente contestadas em face do debacle
das bolsas em 2000.
O livro de Negroponte dirigiu-me a leitura da revista Wired, o que se tornou um
hábito que mantenho desde setembro de 1995, e esta levou-me até Howard
- 11 -
Introdução
Rheingold e seu livro The Virtual Community [1994]. Este outro relato das
possibilidades que o ciberespaço engendrava, aliado a vários e excelentes
artigos da Wired, comuns nos primeiros anos da revista, raros atualmente,
alimentaram o encantamento e começaram a despertar questionamentos
pessoais que acompanhavam uma progressiva compreensão das conseqüências
da revolução digital.
Em 1996, a curiosidade intelectual encontrou a prática professional. Desde
1991, estava envolvido com televisão por assinatura e, naquele momento,
trabalhava para a holding das Organizações Globo que gerenciava seus
negócios no setor. Fui convidado a gerenciar o projeto que deveria desenvolver
o produto de acesso à Internet em banda larga, a ser lançado pelas operações
de televisão a cabo da empresa. Durante dois anos, tive a oportunidade de aliar
pesquisa e prática na investigação das possibilidades da revolução digital. A
atividade de desenvolvimento de produto permitia que muito do meu tempo
fosse dedicado a leituras de relatórios e newletters que privadamente não teria
condição de pagar, assim como diversas viagens, congressos e contato com
consultores internacionais. No lado da prática, coordenei todas as atividades
que levaram ao lançamento do produto Virtua em operação piloto na cidade de
Sorocaba, no início de 1998 (desliguei-me da empresa dias antes do início das
atividades), o que incluiu testes da tecnologia de cable modem e
desenvolvimento de sites protótipos que exploravam as possibilidades da banda
larga, entre outras atividades.
Foi neste período que dedici engajar-me ao mestrado do Programa de
Comunicação e Semiótica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Durante os anos de 1997 e 1998, tive a oportunidade de levar meus
questionamentos pessoais ao encontro do pensamento acadêmico em
disciplinas, dentre os quais se destacam: dois cursos ministrados por meu
orientador, professor Rogério da Costa, um que colocava em discussão a
inteligência coletiva e outro focado na epistemologia do tempo; outros dois com
- 12 -
Introdução
o professor Philadelfo Menezes, o primeiro que investigou a existência de um
novo sentimento religioso no bojo da globalização e, um segundo, que discutiu
o texto e a cultura digital; e um outro conduzido pelo professor Sérgio Bairon
que convidou à atuação prática - teórica na construção de roteiros em
hipermídia.
Já na primeira monografia escrita para o programa de mestrado, a opção pelo
estudo da interatividade foi configurada. Este trabalho apresentava a
proposição das dimensões de interatividade e o incentivo do saudoso professor
Philadelfo Menezes levaram-me a transformar esta proposição na base do meu
projeto de pesquisa. Em 1999, trabalhando sob a orientação de Rogério da
Costa, iniciei o empreendimento que deveria produzir esta dissertação até o
final do mesmo ano.
Esta trajetória foi interrompida por um evento de minha vida profissional. Em
outubro de 1999, fui convidado pelo presidente da empresa em que trabalhava
a montar um novo negócio, aproveitando meus conhecimentos sobre a
Internet. Também queríamos embarcar na corrida do ouro virtual. Decidimos
criar um serviço que deveria oferecer a pequenas e médias empresas as
vantagens de eficiência que a Internet viabilizava para as grandes. A missão era
criar uma comunidade de empresas, a partir de ferramentas que o mercado
apelidou de B2B (business to business). Para tornar uma longa e tortuosa
história curta, durante três anos mergulhei de corpo e alma neste projeto que
infelizmente ainda não logrou estabelecer uma comunidade pulsante de
empresas, apesar de ter atraído milhares delas e haver dado margem ao
desenvolvimento de diversos aplicativos.
Neste período, durante o qual afastei-me do programa de mestrado, os
desafios profissionais levaram-me à discussão e à prática com vários dos
mecanismos de interatividade que analiso nesta dissertação. Chegamos tarde à
corrida do ouro virtual e com o estouro da bolha especulativa em abril 2000, as
dificuldades que se abateram sobre as empresas do mercado de serviços de
- 13 -
Introdução
Internet, proporcionaram uma vida dura e um rico aprendizado. As gloriosas
promessas, que haviam sido extensamente exploradas por empreendedores
ávidos em levantar fortunas na bolsa e reverberadas por jornalístas facilmente
encantáveis por uma boa manchete, deram lugar ao ceticismo. Revolução
digital e nova economia passaram a ser tratadas como parte de um embuste
criado para inflar, absurdamente, o valor das empresas pontocom.
Certamente, houve muito exagero e várias certezas que já tive me
abandonaram, porém continuo absolutamente encantado com as possibilidades
do ciberespaço. Não tenho a menor dúvida de que vivemos os primeiros anos
de uma profunda revolução. Como diz Lúcia Santaella:
“Propiciada, entre outros fatores, pelas mídias digitais, a revolução
tecnológica que estamos atravessando é psíquica, cultural e socialmente
muito mais importante do que foi a invenção do alfabeto, do que foi
também a revolução provocada pela invenção de Gutemberg. É ainda
mais profunda do que foi a explosão da cultura de massas, com os seus
meios técnicos mecânico-eletrônicos de produção e transmissão de
mensagens. Muitos especialistas em cibercultura não têm cessado de
alertar para o fato de que a revolução teleinformática, também chamada
de revolução digital é tão vasta a ponto de atingir proporções
antropológicas importantes, chegando a compará-la com a revolução
neolítica.” [2002:389]
Sob esta perspectiva, era mesmo estranho que as transformações provocadas
pelo digital enfrentassem tão pequena resistência, em especial, quando
comparadas às críticas e ao ceticismo ocasionados pela invenção da imprensa.
Seria mais normal que uma revolução destas proporções criasse diversas
rupturas nos meios de produção, levando a processos de destruição de riqueza
e não a uma vertiginosa valorização dos ativos motivadas pelo que Alan
Greenspan, presidente do Federal Reserve americano, definiu como
“exuberância irracional”. As promessas da revolução digital são válidas, porém
- 14 -
Introdução
elas vão se instalar de maneira muito mais problemática do que se supôs
durante a corrida do ouro e, como todas as revoluções que envolvem grandes
transformações sócio-culturais, vão tomar o período de gerações para que todo
seu potencial se realize.
Desde de o início, tive bastante claro que no bojo da multifacetada revolução
digital o que me interessava estudar era a Internet como fenômeno de
comunicação. O que mais me encantava eram as possibilidades interativas do
meio, sua capacidade de colocar em diálogo múltiplos agentes afastados entre
si no contínuo do tempo-espaço. Nos cursos junto ao programa de
Comunicação e Semiótica e durante a pesquisa que empreendi, pude confirmar
que a interatividade constituia um tema relevante não somente por sua
centralidade diante da cultura digital nascente, como também pela carência de
análises que a tomassem como objeto primário.
Ao longo das leituras, das disclipinas e da prática profissional, várias perguntas
interpunham-se. Existia uma nova linguagem? Formava-se uma nova cultura?
Configurava-se uma nova forma do pensar? Havia veracidade na proposição de
uma inteligência coletiva? Constituiam as comunidades virtuais organizações
socias efetivas? Estas questões foram sendo aclaradas em textos nos quais a
interatividade fazia-se sempre presente. Falava-se da inserção interativa do
leitor imersivo [Santaella 2002], da cultura constituída por uma audiência que
participa [Costa 2002], da inteligência colocada em fluxo coletivo pela interação
[Lévy 1999], das comunidades que nascem em função da interação social
contínua no ciberespaço [Rheingold 1994] e de diversas tecnologias e suas
conseqüências quase sempre caracterizadas pelo potencial de interatividade.
Ficava claro que havia uma cultura digital e que a Internet era um artefato
cultural [Hine 2000] que tinha na interatividade sua fonte de potência.
A pretensão desta dissertação é, portanto, construir um entendimento do
objeto interatividade dentro do contexto específico da cultura digital. A maior
dificuldade que isto oferece é isolar a interatividade do discurso. Por exemplo,
- 15 -
Introdução
não interessam as manifestações da arte digital em si, mas, sim, como ocorrem
as interações dos agentes da comunicação entre si, através das mensagens que
esta compõe. A principal indagação reside em como funcionam os mecanismos
que nos propocionam a interatividade no meio digital. Quais as características
que determinam sua potência e, por conseguinte, contituem o meio digital
como um território transformador.
Além da extensa prática nos âmbitos profissional e pessoal com diversos
mecanismos de interatividade que habitam o ciberespaço, os diversos relatos e
análises que constituem a bibliografia desta dissertação informaram a
construção de um entendimento particular do objeto interatividade. Trata-se de
uma proposta de abordagem analítica que pretende instrumentalizar a
compreensão, a aplicação e a construção de mecanismos de interatividade no
meio digital. Este texto oferece-se como uma ferramenta na medida que
procura caracterizar a interatividade na cultura digital, a partir de um conjunto
de dimensões dentro das quais uma série de vetores criam as possibilidades de
interação entre os agentes e as mensagens no ciberespaço.
O texto parte da caracterização de três conceitos centrais à investigação: a
cultura digital, a interatividade em si, e a interface que a possibilita. O primeiro
capítulo serve para expor minha compreensão destes conceitos à luz das
leituras realizadas, que não se pretendem panorâmicas do estado da arte, mas,
sim, referênciais para a construção da proposição central deste trabalho,
desenvolvida no capítulo seguinte. A discussão conceitual tem por objetivo
demitar a pesquisa ao configurar o fenômeno, seu território e seu operador.
São quatros as dimensões da interatividade que apresento no segundo capítulo.
Elas remetem ao papel do agente, do sentido, do tempo e do espaço. Nessa
etapa da dissertação, fundamento a configuração conceitual das dimensões e
proponho que dentro delas existem os vetores que dão luz à potência da
interatividade na cultura digital. Discuto as dimensões e seus vetores um a um,
- 16 -
Introdução
apresentando-os em face dos mecanismos de interatividade específicos como o
email, a Web e as conferências eletrônicas.
O terceiro capítulo, dá conta de aplicar esta proposição conceitual como método
de análise. À guisa de exemplo da viabilidade do método, o quadro das
dimensões da interatividade é aplicado em três demonstrações analíticas,
eleitas a partir da distribuição dos mecanismos da interatividade em três
grupos, segundo objetivos distintos: a viabilização de espaços de publicação, a
potencialização de diálogos, e a formação de comunidades. As principais
tecnologias que operam a interatividade nestes três grupos são apresentadas
em função de seus aspectos mais relevantes e as dimensões são discutidas vis
a vis a suas funcionalidades.
Na conclusão, discuto a utilidade e as limitações da análise proposta. Na
tentativa de oferecer continuidade para a pesquisa da interatividade aqui
empreendida, elenco duas indagações problemáticas em face ao proposto
método de análise. Por fim, rapidamente relato as indagações pessoais nascidas
durante o projeto que esta dissertação encerra e as possibilidades de caminhos
intelectuais que elas me apresentam para o futuro.
- 17 -
Capítulo I
Conceitos
- 18 -
Capítulo I - Conceitos
O primeiro estágio desta dissertação é colocar em perspectiva os três principais
conceitos que operam no universo temático escolhido: a interatividade, o
fenômeno em análise; a cultura digital, o território de atuação no qual se
analisa o fenômeno; e a interface, o principal operador do fenômeno neste
território.
Pretendo demarcar estes conceitos não somente em relação aos seus limites,
quanto também às suas implicações mais relevantes, em especial, aquelas que
os inter-determinam em conjunto. Pretendo também referenciar culturalmente
estes conceitos e suas críticas, porém, sem qualquer preocupação com a
representatividade quantitativa da análise. A seleção realizada é particular e
referencial, não panorâmica.
Embora a razão da escolha esteja sinteticamente exposta no primeiro paragráfo
acima, cabe situar os conceitos escolhidos em conjunto, antes de tomar cada
um como objeto de análise. Não é necessário defender a existência de uma
interconexão conceitual entre cultura digital, interatividade e interface, mas
cabe discutir sua natureza.
As tecnologias da cultura digital produzem alterações significativas nos
mecanismos da interatividade que por sua vez estão em grande parte
implicados na própria constituição do ciberespaço e sua cultura. Rogério da
Costa abre seu livro A Cultura Digital dizendo “A cultura da atualidade está
intimamente ligada à idéia de interatividade...” [2002:8].
A rede é antes de mais nada um meio de comunicação. Alain Kay, um dos
pioneiros da construção de interfaces, vai além ao afirmar: “O computador é
um meio de comunicação!” [apud Johnson 2001:41]. A cultura digital pode ser
delimitada como aquela que surge do fenômeno da comunicação mediada por
computador (CMC) potencializada pela alta conectividade proporcionada pela
Internet. As alteridades da cultura atual resultam, em grande parte, de
- 19 -
Capítulo I - Conceitos
alteridades na interatividade que, por sua vez, surgem em função das
tecnologias desta mesma cultura.
Existe um movimento de dupla determinação central ao potencial
transformador da cultura digital. As tecnologias que fundam as alteridades na
interatividade nascem das pulsões desta cultura digital que, por sua vez, se
nutrem deste potencial da interatividade.
No campo desta dupla determinação, opera a interface. São as interfaces que
pragmatizam a interatividade na comunicação mediada por computador. São
suas capacidades comunicacionais que desenham os novos limites da
interatividade e condicionam, em grande parte, sua eficiência. É nas inovações
da interface que o virtual realiza seu potencial de interatividade.
Fechando o circuito, a interface ocupa um papel central entre as manifestações
da cultura digital, como defende Steven Johnson em seu Cultura da Interface
[2001]. Uma nova cultura pressupõe um novo discurso. A cultura digital opera
seu discurso de maneira primária em seu próprio meio. Pragmatiza-se,
portanto, através de interfaces que nos atualizam o digital. As possibilidades da
interface determinam este discurso.
A interface também é central à cultura digital na medida em que, uma vez
digital, a arte depende de uma interface para se tornar presente a seu público.
A interface está na obra, não é mera moldura, visto que a arte digital implica a
interatividade. A arte digital não se admite estática, não é construída para
contemplação. Ela supõe a interação do público com o objeto artístico, como
nota Lévy:
“Organizando a participação em eventos mais do que espetáculos, as
artes da cibercultura reencontram a grande tradição do jogo e do ritual.”
[1999:155]
- 20 -
Capítulo I - Conceitos
Cultura Digital
As fronteiras do discurso digital
Embora seja historicamente muito recente, o universo da cultura digital é por
natureza profícuo. Suas dimensões são da escala do inimaginável. A quantidade
de produção que pode ser considerada cultural é assustadora. A Internet,
principal repositório das manifestações da cibercultura, é um universo infindável
de textos, imagens e sons que se conectam de maneira múltipla e intrincada.
Diversos são os aparatos que procuram dar alguma organicidade ao imenso
conteúdo da rede. Os mecanismos de busca como Google (www.google.com)
ou Yahoo! (www.yahoo.com) são parada obrigatória a todos aqueles que
procuram algo na Internet; e as eventuais frustações diante dos resultados
destas pesquisas são inescapáveis.
Porém, a explosão informacional e a ansiedade que dela resulta são anteriores
ao crescimento exponencial provocado pela Internet. Vannevar Bush já tratava
do tema em seu seminal ensaio “As We May Think” em 1945. Rogério da Costa
aponta que a profusão de canais de televisão, revistas, livros e filmes, entre
outras produções das mídias de comunicação de massa, já acarretavam a
sensação de impotência diante da quantidade de informação a ser assimilada.
[2002]
A Internet transforma a escala desta tendência. Ela produz uma verdadeira
explosão da produção de conteúdo por meio da World Wide Web (WWW). São
milhões de pessoas distribuídas pelo planeta, produzindo diariamente
informações de imediato disponíveis mundialmente, através de sites pessoais,
corporativos e comunitários. Esta produção corresponde a manifestações
culturais cuja qualidade pode ser questionada, mas cuja realidade não pode ser
negada.
- 21 -
Capítulo I - Conceitos
Primariamente, as produções desta cultura digital ocorrem em seu próprio
meio, portanto, envolvem o processo da digitalização e o suporte de um
computador. Não necessariamente implicam a comunicação através de redes,
embora geralmente pressuponham a conectividade. Analisando produções
artísticas próprias da cultural digital, Lévy escreve:
“As obras offline podem oferecer de forma cômoda uma projeção parcial e
temporária da inteligência e da imaginação coletivas que se desdobram na
rede. Podem também tirar proveito de restrições técnicas mais favoráveis.
Em particular, não conhecem os limites devidos à insuficiência das taxas
de transmissão. Trabalham, enfim, para construir ilhas de originalidade e
criatividade fora do fluxo contínuo da comunicação.” [1999:146]
Também não se excluem do universo da cultura digital manifestações culturais
suportadas por outras mídias. Uma crítica da cultura digital publicada no
formato de um livro deve ser incluída no corpus desta mesma cultura. Da
mesma maneira, devem ser considerados determinados programas de televisão
que estão inseridos no contexto da cultura digital, seja em função de seus
temas, de seus mecanismos ou de sua abordagem estética.
Steven Johnson relaciona entre as manisfestações do digital alguns programas
de televisão que praticam uma metaforma, “uma nova forma cultural que paira
em algum lugar entre meio e mensagem” [2001:33], cuja expressão
prototípica seria o canal de televisão a cabo E! Entertainment Television.
Johnson argumenta que estas já são expressões da cultura digital, ou, em suas
palavras, “são formas digitais aprisionadas em um meio analógico” [2001:35].
Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno
Assim como as manifestações da cultura digital excedem o suporte digital, suas
formas também se anteciparam no tempo. Janet Murray, na sua brilhante
exploração sobre a narrativa digital, Hamet on the Holodeck – The Future of
- 22 -
Capítulo I - Conceitos
Narrative in Cyberspace [1997], traça as origens do discurso digital em diversas
obras culturais que antecedem a formação de uma cultura digital, aceitando-se
que esta só se faça presente quando a comunicação mediada por computador
passa a ocupar um papel relevante na experiência humana, como veremos a
seguir.
A professora do MIT, discutindo o conto “O Jardim dos Caminhos que Bifurcam”
de Borges e o filme “Rashomon” de Kurosawa, entre outros exemplos, aponta
para a existência de um tipo de estrutura narrativa a qual dá o nome de
“estórias multiformes”. Tratam-se de tramas que se desenrolam em múltiplas
possibilidades, seja criando realidades simultâneas distintas, seja narrando o
mesmo enredo a partir de diferentes pontos de vista. A autora sustenta que
esta forma da narrativa trabalha como uma antecipação das possibilidades da
mídia digital. O mesmo movimento também está presente na arte que demanda
uma audiência ativa, como as instalações e performances, o teatro com a
participação do público ou até mesmo a literatura, quando o autor reconhece
diretamente a existência do leitor, passando a travar com este um diálogo
criativo, ao qual transfere parte da responsabilidade da criação do contexto
narrativo. [Murray,1997:Chapter 2]
Richard Lanham, em seu estudo sobre a “palavra eletrônica”, afirma que as
tecnologias digitais trabalham no sentido da suplantação de várias barreiras da
linguagem que as vanguardas do começo do século XX tentaram ultrapassar
[1993]. Lévy, em Cybercultura, argumenta que a “fábula do progresso linear e
garantido” [1999:120], que a cultura digital vem deslocar, já havia sido objeto
de contestação das vanguardas e, citando Jean-François Lyotard, afirma que a
pós-modernidade já havia proclamado o fim das grandes narrativas totalizantes,
antes da cultura digital. [1999: Capítulo VI]
O Professor Philadelfo Menezes, também, defendia este caráter antecipador do
discurso das vanguardas, quando identificava nestas os primeiros passos no
sentido da desconstrução da lógica linear da narrativa [1996]. Neste sentido,
- 23 -
Capítulo I - Conceitos
citava tanto a narrativa em fluxo de consciência, cujo monumental exemplo de
Ulysses, de James Joyce é amplamente citado por Steven Johnson [2001],
quanto as experimentações sintáticas e estilísticas da poesia concreta, do Jogo
de Amarelinha, de Cortazar e das fusões multimidiáticas da videoarte,
largamente documentadas por Artur Matuck em seu livro O Potencial Dialógico
da Televisão [1995].
Algumas outras produções culturais também antecipam a cultura digital,
embora já possam ser, temporalmente, enquadradas em seus primórdios.
Certamente, Neuromancer de Wiliiam Gibson é o exemplo mais clássico desta
antecipação. Gibson não só cunha o termo ciberespaço neste volume, como
também o povoa com suas primeiras imagens e mitos. Suas metáforas do
ciberespaço, assim como as interfaces que descreve, permanecem desafiadoras
até hoje. O holodeck, que Janet Murray coloca no título de seu livro, referencia
o seriado Guerra nas Estrelas: Voyager, a quarta versão do popular programa
de televisão. O holodeck é um aparelho de projeção holográfica utilizado para
“contar histórias” em alguns episódios da série. Murray apresenta o holodeck
como uma antecipação do caráter imersivo da narrativa digital [1997: Chapater
1 e Chapter 4].
Algumas implicações sociais da cultura digital
Para que possamos entender a cultura digital como um fenômeno abrangente,
também é preciso identificar suas manifestações fora do ambiente do discurso.
É preciso perceber suas implicações nas relações sociais que florescem no
ciberespaço.
Um primeiro aspecto a evidenciar é a existência de um sistema de normas de
conduta. A instância mais aparente destas regras de conduta são a netiquette.
Nicholas Negroponte reconhece a existência e a necessidade do sistema de
conduta, porém aponta para o fato de que, em função da juventude do meio,
- 24 -
Capítulo I - Conceitos
estas regras não são ainda nem consolidadas nem conhecidas, muito menos
respeitadas. [1996:191-193] Se isto é verdade para a rede tomada em seu
todo, deixa de sê-lo quando olhamos para comunidades virtuais estabelecidas
na rede. Howard Rheingold relata uma série de eventos que demonstram a
formação de comportamentos socialmente válidos, seja pela simples repetição,
seja pela coerção a desvios não aceitos por esta conduta [1994].
Outros indícios demonstram que esta cultura envolve um projeto ético próprio.
Entre eles está a existência de uma organização como a Eletronic Frontier
Foundation (www.eff.com) que se dispõe a defender os valores do ciberespaço.
Nesta mesma linha, soma-se a coluna The Netizen, publicada durante certo
período na revista Wired, que se ateve à mesma tarefa, embora ainda seja
difícil perceber a existência de um conjunto comum e coerente de valores no
âmbito da rede, que se estenda além de um pequena elite. John Katz,
escrevendo para a mesma Wired, identifica:
“I saw the primordial stirrings of a new kind of nation - the Digital Nation -
and the formation of a new postpolitical philosophy. This nascent ideology,
fuzzy and difficult to define, suggests a blend of some of the best values
rescued from the tired old dogmas - the humanism of liberalism, the
economic opportunity of conservatism, plus a strong sense of personal
responsibility and a passion for freedom.” [1997:49]
Além do projeto ético, a cultura digital também instaura novos formatos de
relacionamento social. As comunidades virtuais são a grande novidade. Se uma
comunidade é um grupo de pessoas que interage socialmente, comunidades
virtuais são grupos que mantém estreitos laços sociais de maneira
independente do espaço físico. Suas relações são mediadas através dos
mecanismos da CMC. Apertos de mão são substituídos por cumprimentos
“eletrônicos” que trafegam na forma de mensagens eletrônicas. O livro de
Howard Rheingold The Virtual Community [1994] é um extenso testemunho da
- 25 -
Capítulo I - Conceitos
existência destas comunidades, a partir da experiência do autor nas origens e
desenvolvimento de algumas delas:
“Virtual communities are social aggregations that emerge from the Net
when enough people carry on those public discussions long enough, with
sufficient human feeling, to form webs of personal relations in
cyberspace.” [1994:5]
O que forma as comunidades é o partilhar de interesses comuns que constrói
um repertório coletivo a partir da interação contínua. A experiência virtual não é
condicionada de maneira alguma pelo espaço físico. As conexões entre as
pessoas é que constituem o espaço virtual. Já em 1968, os diretores da ARPA
(Advanced Research Projects Agency), ponderando sobre as comunidades on-
line, percebiam que “... there will be communities not of common location but
of common interests...” [Licklider, J and Taylor, R apud Rheingold, 1994:24].
O pensamento na Cultura digital
Dentro do campo da cultura digital, também se identificam novos processos de
produção e acumulação do conhecimento. É a inteligência coletiva que Lévy
identifica como “um dos principais motores da cibercultura” [1999:28]. O
conhecimento interconectado que reside no ciberespaço constitui uma nova
forma de memória cultural: coletiva como a que reside nas bibliotecas, porém
muito mais dinâmica e múltipla, visto que é não mediada por uma indústria do
saber que exclui o que não valida.
No âmbito da cultura digital, os obstáculos para a distribuição e para a
permanência do conhecimento particular são mínimos. Não é mais necessário
ter o aval de uma academia ou o apoio de uma editora para publicar
manifestações culturais das mais variadas tendências. Os mecanismos do digital
também deslocam, sem substituir, as instituições do saber do papel de
validação da cultura. A autoridade de um discurso passa a ser estabelecida
- 26 -
Capítulo I - Conceitos
dentro das comunidades virtuais de maneira direta, ou fora delas por meio de
um amplo procedimento de conexão entre publicações digitais operado por
links hipertextuais.
Aqui a cultura digital se destaca das formas que a precedem. Existe um retorno
à transmissão da cultura por coletividades humanas vivas. As manifestações
culturais transitam sem a interferência de agentes mediadores como indústrias
culturais do saber e do entrenimento. Neste movimento, autores como Pierre
Lévy [1999], Steven Johnson [2001] e Philadelfo Menezes [1996] percebem um
retorno à oralidade, característica das culturas anteriores à escrita. Porém, os
discursos digitais não se perdem como os orais; eles são feitos permanentes na
estrutura do ciberespaço.
A cultura digital inaugura profundas transformações em nossos modos de
pensar, visto que isto se realiza a partir do novas tecnologias da inteligencia
[Lévy 1994]. Como comenta Santaella, na cultura digital “estão geminando
formas de pensamento heterôgeneas, mas, ao mesmo tempo, semioticamente
convergentes e não-lineares, cujas implicações mentais e existênciais, tanto
para o indivíduo quanto para a sociedade, estamos apenas começando a
compreender” [2002:392].
Como destaca Lévy, a inteligência coletiva é fruto de um conjunto de:
“... tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam
numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados,
hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação
(simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades
virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos
complexos).” [1999:157]
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Capítulo I - Conceitos
A gênese da cultura digital
Se como vimos, as fronteiras da cultura digital são largas, cabe então discutir
sua gênese e seus principios de fundação. De maneira simples, podemos dizer
que a cultura digital é aquela que acompanha a comunicação mediada por
computador. Porém, é preciso tomar um cuidado. Embora a CMC possa ser
recorrida até às experiências iniciais que originaram a Arpanet, a rede ancestral
da Internet, na década de 60, é preciso ressaltar que somente a partir de uma
determinada quantidade de atores conectados é que a rede atinge maturidade
para constituir uma nova cultura. Como ressalta Lévy, o ciberespaço é “fruto de
um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude
metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de
comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes” [1999:
123].
Por quase duas décadas, todo o aparato que viabiliza a CMC se manteve dentro
de centros de pesquisa acadêmicos e militares. É o advento do computador
pessoal (PC) que transforma a potência da comunicação mediada por
computador. O jornalista Robert Cringley faz um excelente histórico do
surgimento do PC em seu livro Accidental Empires [1996]. Cringley relata como
um movimento iniciado como hobby, por um pequeno grupo de engenheiros,
se transforma em um fenômeno industrial de larga escala.
A cultura digital começa a se engendrar quando o computador deixa de ser
exclusivo das redomas assépticas dos centros de processamento de dados
(CPD) das grandes empresas, universidades e centros de pesquisa, e se
transfere para as mesas de trabalho de milhões de cidadãos anônimos. Ao
longo das duas últimas décadas, o PC alastrou-se de maneira contínua,
passando a estar presente nos mais diversos ambientes da sociedade moderna.
Atingiu os universos profissionais, domésticos, escolares, comerciais e de lazer.
- 28 -
Capítulo I - Conceitos
Porém, como comenta George Guilder, ensaísta das revista Forbes, o
computador desconectado de uma rede de comunicação pode ser comparado a
um fusca no meio da selva fechada. Ele pode ser muito útil, pois nos protege
dos bichos e da intempérie, mas não nos leva a lugar nenhum. É na confluência
do computador pessoal e da comunicação mediada por computador que
encontramos o nascimento da cultura digital. Em seu relato da emergência das
comunidades virtuais, Howard Rheingold descreve boa parte dos
acontecimentos que delimitam o surgimento desta cultura [1994].
Tanto Rheingold quanto Cringley documentam os primeiros passos desta
convergência ao relatar como os engenheiros, usuários dos primeiros PC,
criaram os primeiros bulletin board systems (BBS). Animados pelo impulso de
compartilhar suas experiências e conhecedores do potencial da CMC, já
presente no ambiente acadêmico, eles passam a conectar seus computadores a
linhas telefônicas, utilizando aparelhos de modulação / demodulação (modems),
o que lhes permitia trocar arquivos com computadores distantes também
conectados a linhas telefônicas e modems. Este movimento leva à constituição
de centros agregadores, as BBS que, funcionando como repositório de arquivos
e mensagens, passam a mediar a comunicação entre vários usuários equipados
com PC e modem.
O impulso que provoca a criação dos BBS evolui para uma diversidade de
formatos durante a década de 1980. A mais citada das comunidades virtuais, a
The Well, nasce em 1985. Neste período, proliferam também os Usenet groups,
o Internet Relay Chat (IRC) e os multi-user domains (MUD). Porém, é o
advento da WWW que opera a massificação da CMC no início da década de
1990. A cultura digital é certamente anterior a WWW, mas não há como negar
que a Web seja central ao fenômeno, visto que a popularização aumenta a
relevância de uma cultura.
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Capítulo I - Conceitos
Operações do digital: a Digitalização
No imbricamento entre o PC e a CMC que funda a cultura digital, se encontra a
operação de digitalização. Nicholas Negroponte faz da afirmação redundante
“bits são bits” o título da primeira parte de seu livro Being Digital [1995], para
reforçar a idéia de que as palavras, imagens e sons que nos são apresentados
pelas interfaces do computador são, antes de mais nada, conjuntos de zeros e
uns. É a digitalização que viabiliza três características marcantes das
manifestações da cultura digital: a multimodalidade, o hipertexto e a simulação.
Escolho o termo multimodalidade e não multimídia para não incorrer na
confusão conceitual exposta por Lévy em Cibertura [1999:61-66]. Bits são
“misturáveis”, portanto textos, fotos, vídeos e música podem fazer parte do
mesmo bit stream, seqüência de bits. A digitalização permite construir discursos
que sensibilizam múltiplos sentidos, ou o que Lévy chama de “modalidades
perceptivas”. Embora a multimodalidade do discurso digital esteja condicionada
a limites impostos tanto pelas funcionalidades da interface quanto pela
eficiência da rede, as manifestações da cultura digital pressupõem a
possibilidade de conectar imagens, sons e textos.
Porém, não devemos deixar de notar que o processo de digitalização também
potencializa o discurso multimídia, entendido como aquele que se produz
utilizando diferentes mídias, como a TV, o rádio, o computador, ou o livro. A
junção das linguagens sonoras, visuais e verbais é um fator de aceleração
prepoderante do movimento de convergência das mídias [Santaella 2002].
Porém, o discurso multimídia não é resultante exclusivo da digitalização. O livro
Maciste no Inferno de Valêncio Xavier [1983] demonstra muito bem este ponto
ao criar na velha mídia do livro impresso um discurso no qual combina imagens
de cinema, pautas musicais e texto linear para construir uma narrativa
intersígnica. Outro exemplo não digital é a videoarte que desde o início abusou
da colagem, valendo-se de materiais advindos de diferentes mídias como a
televisão, o cinema e a fotografia [Matuck 1995]. O que o processo de
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Capítulo I - Conceitos
digitalização opera é a facilitação destes amálgamas. Quando a televisão, o
rádio, o jornal se convertem para o suporte digital, a colagem se torna mais
transparente.
Em relação ao hipertexto, é necessário tomar o mesmo cuidado de perceber a
anterioridade do mecanismo do hipertexto em relação à digitalização. Diversos
mecanismos analógicos, que provocam o encadeiamento não linear da leitura,
podem ser arrolados como precursores do hipertexto digital. Alguns exemplos
são: os sistemas de remissão em notas de rodapé de um livro, as referências
cruzadas de uma enciclopédia ou o sistema de mapas de um guia de ruas.
A grande novidade que a digitalização invoca é a remissão automática. O
suporte digital permite a navegação instantânea entre as referências não
lineares de um hipertexto. A velocidade da remissão automática altera tanto a
leitura como a escritura. O hipertexto permite a construção de discursos não
lineares cuja leitura tem que lidar com múltiplas possibilidades de percurso.
A operação de remissão permite modificar o discurso. Liberto da linearidade o
texto pode ser construído a partir de elementos atômicos que se entrelaçam em
percursos múltiplos. Cada um destes elementos adquire novas significações
através da conexão com outros elementos. Se considerarmos que a
digitalização viabiliza a utilização de elementos multimodais, vemos o hipertexto
transformar-se em hipermídia [Santaella 2002:Capítulo VIII]. Neste cenário,
constituem-se as bases de uma nova linguagem que implica um leitor imerso
em discursos que exigem a sua participação interativa [ibidem]. Neste sentido,
como aponta Steven Johnson, os links, elementos básicos do hipertexto digital,
são a característica mais marcante do ciberespaço:
“Peça a qualquer usuário da Web para lembrar o que primeiro o seduziu
no ciberespaço; é pouco provável que ouça descrições rapsódicas de uma
figurinha animada rodopiando, ou de um clipe de som fraco e distorcido.
Não, o momento de eureka para a maior parte de nós veio quando
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Capítulo I - Conceitos
clicamos em um link pela primeira vez e nos vimos arremessados para o
outro lado do planeta.” [2001:83]
Esta descrição não denota somente o potencial da hipermída, também aponta
para a segunda operação fundamental do imbricamento entre o PC e a CMC: a
conectividade das redes. Porém antes de tratar deste tema, vamos à terceira
característica implicada pela digitalização: a simulação.
Novamente, a digitalização não inaugura o fenômeno, mas transforma
fundamentalmente sua potência. O teatro já funcionava como uma simulação
do real na Grécia antiga. Uma simulação analógica foi a fonte de inspiração do
projeto da ARPA, a mesma que patrocinou a criação das bases da Internet,
responsável pelo nascimento de boa parte daquilo que erroneamente, como
vimos, é chamado de multimídia.
Impressionados com o sucesso dos israelenses no resgate em Entebe, no ano
de 1976, o Departamento de Defesa americano encomendou à ARPA o
desenvolvimento de meios eletrônicos de treinamento que permitissem a suas
tropas o mesmo nível de aptidão. O sucesso em Entebe havia sido garantido
pela simulação do ataque em uma reprodução detalhada do aeroporto, no qual
os passageiros estavam aprisionados. Porém, a reconstrução física de
ambientes seria muito cara e demorada. A multimídia, ou melhor dizendo, as
interfaces de multimodalidade nasceram do esforço de reconstrução de
ambientes a partir da combinação de sons, imagens e movimento.
[Negroponte, 1995:65-67]
No caso das simulações, a diferença de potencial que o digital opera é de outra
natureza. Não estamos falando de uma remissão que poderia ser feita com
menor rapidez e eficiência por meios analógicos, ou de uma colagem de
diferentes estímulos sensoriais que passa a ser facilmente exeqüível. As
simulações que o ambiente digital permite são efetivamente impossíveis no
mundo analógico. As capacidades de cálculo do computador contribuem para
- 32 -
Capítulo I - Conceitos
isto de duas formas: aumentando o número de variações que podem ser
calculadas e instrumentalizando um conjunto maior de perspectivas sobre a
simulação.
O computador excede a possibilidade humana em relação à simulação. Fugindo
de um exemplo científico: é simplesmente impossível para o homem simular
todas as variações de cenários, para todos os movimentos possíveis de um
jogador, em uma arena como as do jogo eletrônico Quake. O homem conhece
todas as equações, é ele que opera sua digitalização, mas a eficiência de um
esforço humano-analógico impossibilita não só a conclusão do cálculo, como a
produção da imagem.
Operações do digital: a Conectividade
A conectividade é a segunda operação fundamental do encontro do PC com as
possibilidades da comunicação mediada por computador. Os bits são
endereçáveis, portanto, em um meio compartilhado como a Internet, é possível
enviar mensagens para serem lidas por seus destinatários [Negroponte
1995:Part One]. Também é possível estabelecer conexões entre elementos
digitais armazenados em locais físicos distantes ou imediatos. A capacidade de
remissão que, como vimos, é a característica básica do hipertexto, é elevada a
uma nova potência, quando colocada em rede. O discurso apresenta-se como
uma cadeia de conexões aberta que permite conectar conteúdos internos e
externos a si mesmo. Não estamos mais presos dentro do corpo de um
hipertexto específico; podemos interagir com diversos discursos anteriores, da
mesma maneira que navegamos pelas remissões internas.
A conectividade generalizada da cultura digital resulta da inovação tecnológica
que dá origem à Internet, a rede das redes. Trata-se do Transfer Control
Protocol / Internet Protocol (TCP/IP) que foi desenvolvimento para permitir que
computadores com as mais diferentes configurações possam estabelecer canais
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Capítulo I - Conceitos
de comunicação entre si. Por ser absolutamente independente de plataforma do
computador, sistema operacional ou software aplicativo, a comunicação via
Internet permitiu conectar milhões de computadores e redes existentes.
Atualmente, a grande maioria das redes públicas e privadas existentes no
planeta tem gateways (portas) para Internet.
A segunda conseqüência da conectividade é o privilégio dado à comunicação
bidirecional. Na cultura digital, é quase sempre possível interagir com o
produtor da mensagem. A capacidade diálogica, que a televisão tem buscado
por meio de mecanismo de participação da audiência, é fator constituinte da
nova cultura. Na WWW, que constitui um dos ambientes menos dialógicos da
Internet, a publicação do endereço de email do responsável pelo conteúdo de
um site é considerada uma providência mínima e obrigatória. Alguns outros
aplicativos como chats, sistemas de conferência ou newsgroups da Usenet
propiciam a interatividade entre os interlocutores na forma direta de diálogos
efetivos.
A conectividade constitui o princípio territorial da cultura digital. É ela que
forma o ciberespaço. Fora do campo da geometria, o território da cultura digital
é determinado pelas possibilidades de percurso através de múltiplas conexões.
Se o espaço físico nos permite caminhar do ponto A ao ponto B por um
corredor, mas nos impede de ir ao ponto C, em função de uma parede, o
espaço digital nos permite transitar a partir dos links e endereços que
interligam e localizam diferentes objetos digitais.
Vale notar que como não guarda correspondência direta ou determinante com
o espaço físico, a cultura digital tende a se desenvolver acima das culturas
nacionais e regionais. A cultura digital é primariamente global. Nesse sentido,
podemos notar como o processo de globalização da economia mantém relação
íntima com esta cultura. Negroponte chega a afirmar:
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Capítulo I - Conceitos
“As business world globalizes and the Internet grows, we will start to live
on a seamless digital workplace. Long before political harmony and long
before the GATT talks can reach agreement on the tariff and trade of
atoms, bits will de borderless, stored and manipulated with absolute no
respect to geopolitical boundaries.” [1995:228]
Operações do digital: a Virtualização
Para completar o quadro, precisamos encarar a questão da virtualidade
discutida por Pierre Lévy em seu O Que é o Virtual?. Ele demonstra que o
virtual não se opõe ao real, uma vez que o real é uma condição das substâncias
e o virtual uma condição dos acontecimentos. O virtual opõe-se ao atual, pois
ele propõe uma rede de tendências, de problemas, de situações possíveis,
enquanto o atual é uma solução particular. Por sua vez, o real é oposto ao
potencial, mas aqui, é o real que determina a coisa constituída e particular,
enquanto o potencial são as possibilidades predeterminadas dos corpos. O real
e o atual são manifestos, o virtual e o potencial são latentes [1996].
A virtualização é, portanto, o processo através do qual um acontecimento
qualquer é transformado em rede de possibilidades. É um retorno à
problemática, contrário à atualização que é a solução desta. Lévy descreve uma
série de processos de virtualização. Fala da virtualização do corpo, do texto, da
economia. Ele demonstra que estes movimentos não pertencem apenas ao
mundo pós-moderno. Estão presentes em várias atividades habituais do
homem, como a leitura. Segundo o autor, a leitura pressupõe a virtualização do
texto, pois a solução particular do escrito transforma-se em problema para o
leitor, redes de possibilidades que sua capacidade de significação voltará a
atualizar. [1996]
Os processos de virtualização são comuns no ciberespaço. Os links entre sites
criam possibilidades muitas vezes inesgotáveis para o “surfar” ou “navegar” na
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Capítulo I - Conceitos
rede. As relações sociais, livres da natureza rígida dos espaços físicos e dos
valores das comunidades geográficas, tornam-se latentes nas múltiplas
alternativas de conexão que são viabilizadas. Desprendendo-se de seus próprios
corpos, sexo e posição social, os indivíduos virtualizam-se, criando personas
que interagem socialmente nos MUD, chats e conferências da Internet.
O próprio ciberespaço é um virtual, visto que não se apresenta diretamente. Ele
é um campo de possibilidades que nos é atualizado por interfaces. Voltando ao
início deste capítulo, é a virtualidade que empresta à cultura digital sua escala
assustadora. Campo não resolvido que permite uma quantidade sem fim de
atualizações, o ciberespaço difere da biblioteca que se apresenta atualizada nos
diversos volumes que a compõem. Tomada em um momento instantâneo, uma
biblioteca por maior que seja, é um corpo finito, capturável. Certamente, não
será possível ler todos os seus volumes, mas podemos apreender seu tamanho.
O ciberespaço é incomensurável, visto que se atualiza de maneira particular nas
telas de cada um de seus habitantes e se transforma, constantemente, a partir
destas atualizações. Quando visito uma biblioteca, ao sair ela permance
basicamente intacta; ao navegar no ciberespaço, tenho a possibilidade de
deixar meus comentários, participar de votações ou interagir com outros
internautas.
A complexidade e o fim das utopias finalistas
Ao aumento da escala provocado pela virtualização, soma-se a questão da
complexidade. Existe um movimento de crise da percepção que é
potencializado pela explosão informacional, que resulta na multiplicidade de
pontos de vista. A Internet, através da virtualização do espaço social, contribui
para a instauração do complexo como novo paradigma. A realidade não é mais
redutível e, como demonstram Deleuze e Guattari, as tentativas de explicação
da realidade por modelos englobalizadores fracassam [1995].
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Capítulo I - Conceitos
Os filósofos franceses, propõem a construção de “rizomáticas”, teorias que se
libertem da procura do uno, da explicação reducionista que tenta prender todas
as manifestações a um único modelo. Eles sugerem que é preciso “... escapar
da oposição abstrata entre o múltiplo e o uno, para escapar da dialética, para
chegar a pensar o múltiplo em estado puro, para deixar de fazer dele o
fragmento numérico de uma Unidade ou Totalidade perdidas ou, ao contrário, o
elemento orgânico de uma unidade ou totalidade por vir – e, sobretudo, para
distinguir tipos de multiplicidades.” [1995:46] A proposição dos filósofos é
bastante desafiadora, já que todo o pensamento ocidental estruturou-se a
partir de categorias, unidades, modelos desde os tempos de Platão.
Trilhando outro caminho, o filósofo italiano Gianni Vattimo propõe a transição
da “sociedade da cultura” que constrói sua própria objetividade através de um
processo de “fabulação do mundo”, para uma “sociedade transparente” que
opere a desmistificação da desmistificação. Vattimo postula que debaixo dos
mitos existem mitos, ou seja, debaixo de signos, signos. Em prol de uma
heterogenia, ele propõe o fim do ideal da auto-consciência.
Diante da cultura digital, as proposições distintas de Deleuze / Guatari e
Vattimo permitem defender que o homem deve emancipar-se da prisão finalista
da utopia. A simultaneidade e fragmentação do cotidiano, operada na polifonia
dos meios de comunicação, afastam o indivíduo da possibilidade do belo
utópico. Sustenta-se uma heterotopia do conhecimento, o “...reconhecimento
de modelos que fazem mundo e que fazem comunidade apenas no momento
em que estes mundos e estas comunidades se dão explicitamente como
múltiplos.” [Vattimo, 1992:74]
Neste mesmo sentido, temos a proposição central de Pierre Lévy em
Cibercultura: o universal sem totalização: “Quanto mais o ciberespaço se
amplia, mais ele se torna universal, e menos o mundo informacional se torna
totalizável.” [1999:111] Lévy dedica a segunda parte de seu livro sobre a
cultura digital a demonstrar como a tese do universal sem totalização perpassa
- 37 -
Capítulo I - Conceitos
campos tão diversos quanto a arte, a educação e a democracia. [1999:Segunda
Parte]
Sua tese é que o digital produz o “universal por contato”, ou seja, o universal
que se faz presente, diretamente, a partir do fenômeno da conectividade
generalizada. A comunicação ocorre na presença do contexto em que é
produzida, visto que este contexto é também digital. De maneira diversa, as
culturas fundadas a partir do texto escrito constroem o contexto por meio de
operações de interpretação e tradução. Estas culturas buscam a universalidade
através da totalização do sentido. É a significação que produz os entes
abstratos que devem alcançar o universal; por conseqüência, estes universais
se pretendem totalizantes, visto que almejam abarcar o conjunto das
possibilidades de um contexto que não é presente. Na cultura digital, o
universal presente impossibilita a totalização. A cultura digital pressupõe a
convivência do contraditório e do múltiplo, portanto, os projetos totalizantes
não fazem mais sentido. Nas palavras do filósofo:
“O universal da cibercultura não possui centro nem diretriz. É vazio, sem
conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em
colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a
carga semântica das entidades relacionadas.” [1999:111]
- 38 -
Capítulo I - Conceitos
Interatividade
Interatividade e produção de sentido
Em primeiro lugar, cabe delimitar que a interatividade, nos termos desta
dissertação, deve ser entendida como atividade produtora de sentido, a partir
da comunicação direta ou mediada entre dois sujeitos. Está, portanto, excluída
a interação de um sujeito com um objeto que não implique significação. No
entanto, não se atribui qualquer condição de sucesso à operação significação. A
interatividade que buscamos analisar envolve, antes a intenção de um sujeito
em comunicar algo, que sua habilidade em fazê-lo. Desta forma, como comenta
Roy Ascott “... o significado é criado a partir da interação entre pessoas, ao
invés de ser ‘algo’ que é enviado de uma para outra” [apud Matuck 1995:251].
Como pretendo discutir possíveis transformações na interatividade dentro da
cultura digital, vou restringir minha análise à interatividade mediada por
computadores. Isto não deve indicar que a cultura digital não possa provocar
modificações na interatividade da comunicação não mediada, nem exclui a
possibilidade de transformações da interatividade no âmbito de outros
mecanismos de mediação, como as mídias de massa. A restrição corresponde
apenas ao procedimento metodológico de ajuste de foco.
Teremos sempre presente ao menos uma instância de mediação entre os
agentes da comunicação. As possibilidades e restrições do meio digital são,
portanto, determinantes para a interatividade que pretendo discutir. Os
mecanismos que a viabilizam apresentam novos aspectos de eficiência, assim
como acrescentam novas camadas de ruído ao processo de comunicação entre
os agentes cognoscentes. O objetivo desta dissertação é destacar quais fatores
condicionam a interatividade neste contexto.
- 39 -
Capítulo I - Conceitos
A interatividade é compreendida como o processo que permite que agentes
manipulem tanto os discursos que pretendem comunicar quanto as condições
nas quais estes são produzidos, apreendidos e transmitidos. Este processo
exige a participação ativa dos agentes na atualização das condições virtuais de
significação e, portanto, excluem situações que se caracterizam pela apreensão
passiva das mensagens. O fenômeno que interessa a esta análise configura
sistemas complexos e simples, que apresentam múltiplas alternativas de
produção de objetos significantes e de apreensão de significados. A
interatividade é um jogo de possibilidades que condiciona o sentido das
mensagens. “Interativo é o sistema que se abre e nos recebe, como uma
construção arquitetônica nos recebe. O entorno, umwelt, nos aborda e expande
nossa compreensão tal como a linguagem...” [Bairon e Petry apud Santaella
2002:407].
Vale destacar que não estarei preocupado com o processo de interação homem
e máquina em si. Este processo só interessa na medida em que interfere na
comunicação entre dois sujeitos cognoscentes. No entanto, não estou
determinando a natureza do agente, como veremos na análise da dimensão do
agente no próximo capítulo. Apenas pretendo excluir da análise a interação
homem - máquina que serve a objetivo diverso da produção de sentido. Por
exemplo, existe um processo de interação entre homem e máquina quando um
programador senta-se à frente de seu computador para escrever um programa
que, posteriormente, fará cálculos de estrutura arquitetônica. Porém este
processo não interessa à minha pesquisa.
Posteriormente, se o programador pretende que outras pessoas utilizem seu
código, ele vai estar envolvido no processo de criação de uma interface que,
então, caracteriza uma interação entre dois agentes cognoscentes, que se
opera no meio digital, visto que a intenção de comunicar do programador se faz
presente na interface. Neste momento, voltamos ao campo de análise desta
dissertação. Igualmente, estaria dentro de nosso escopo a atividade de
- 40 -
Capítulo I - Conceitos
apresentar os resultados do programa para outras pessoas, a partir de um
suporte digitalmente mediado. Porém, no momento em que programa, a
interação entre homem e máquina não é transmissora de sentido entre dois
sujeitos cognoscentes, embora esta atividade possa ser produtora de
significado a posteriori.
Cabe também notar que a significação que é produzida pelo processo de
interação ocorre em diferentes níveis de complexidade. Ou seja, podemos dizer
que uma troca de emails entre dois especialistas sobre uma questão complexa
de suas pesquisas opera processos de significação que não podem ser
comparados à leitura da previsão do tempo em um site na web. Porém, isto
não interessa a minha análise, já que o que pretendo discutir é a natureza dos
mecanismos de interação no meio digital e não a complexidade das processos
mentais de apreensão do sentido de uma mensagem. O que não quer dizer que
a interatividade não condicione a apropriação do sentido. Ou seja, a
complexidade da mensagem pode condicionar o processo de significação, sem
determinar sistemas de interatividade. Voltando ao exemplo, um email pode
tanto servir a um debate acadêmico intrincado, quanto a uma simples consulta
sobre o tempo, assim como um site na web pode informar sobre o tempo ou
sobre a alta ciência. Retornaremos a este ponto no segundo capítulo.
Alguns autores trabalham a interatividade, distinguindo dois outros conceitos:
interação [Lemos / Vittadini apud Mielniczuk 2000:174] e reatividade [Vittadini /
Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Segundo a primeira distinção, a interação
deveria caracterizar o “contato interpessoal”, enquanto a interatividade
caracterizaria a comunicação mediada. Acho duvidosa a utilidade desta
distinção. A linguagem também pode ser entendida como mediação. Neste
caso, os conceitos distiguiriam a comunicação mediada unicamente pela
linguagem e a comunicação mediada não somente pela linguagem. Agora, se
entendo que a arte produz objetos de linguagem, devo excluí-la do campo da
interatividade. Porém, como entendo a interatividade como sistema
- 41 -
Capítulo I - Conceitos
configurável que permite aos agentes da comunicação transformar texto e
contexto, tenho dificuldade em aceitar que as instalações pós-modernas não
seriam ser entendidas como objetos interativos. A outra saída seria trabalhar a
distinção a partir da caracteriação de “contato interpessoal”. Neste caso, como
lidar com a telepresença? O telefone e a video conferência constituiriam
interação ou interatividade? Se interatividade, teriamos que questionar porque
um diálogo em contato direto difere daquele realizado via teleconfência. Se
interação, caberia perguntar se a comunicação através de um aplicativo de
mensagem instântanea, mesmo mediada pelo computador, teria deixado de
caracterizar interatividade para ser classificada como interação.
Seguindo para a segunda distinção, entre reatividade e interatividade, temos,
de uma lado, a capacidade de suscitar a “reação da audiência” e, de outro, a
interatividade que “implicaria uma resposta genuína” da audiência [Williams
apud Mielniczuk 2000:175]. Meu primeiro problema é como caracterizar o que é
uma “resposta genuína”. Os três fatores citados para resolver esse impasse são
a presença de: “ação comum entre dois uma mais agentes”; “capacidade
igualitária de ação ... ação de um deve servir como premissa para a ação do
outro”; e “imprevisibilidade das ações” [Mielniczuk 2000:175]. Deverá ficar
claro, no decorrer do texto, que vários dos mecanismos de interatividade que
identifico e analiso não cumprem um ou mais dos requisitos acima. A
construção desta distinção tem o viés de análise das mídias de massa. Neste
contexto, a desigualdade entre os agentes da comunicação é preponderante e a
idéia da reatividade, talvez, faça sentido. No meio digital, esta desigualdade é
dinâmica e não, necessariamente, determinada pelo poder econômico.
O conceito de interatividade utilizado nesta dissertação abarca o que na análise
acima é chamado de interação, interatividade e reatividade. As diferentes
resultantes da interatividade produzidas pela variação dos contextos de
comunicação são entendidas como questão de intensidade, como veremos ao
final deste item, quando será apresentada a formulação da idéia de graus de
- 42 -
Capítulo I - Conceitos
interatividade, utilizada por Pierre Lévy [1999]. Utilizarei os termos
interatividade e interação como referentes do mesmo conceito.
A mídia digital e a capacidade de diálogo
Um dos pontos mais interessantes sobre o meio digital é a ubiqüidade da
capacidade de interação direta entre os agentes. Mesmo quando o formato da
comunicação não pressupõe o diálogo em sua primeira instância, esta
possibilidade é apresentada como forma de feedback pelo produtor de
discursos digitais. Raramente, encontramos um site na Web que não
disponibilize um email para contato.
Não devemos, no entanto, ter a impressão de que a interação dialógica ocupa
uma posição central na cultura digital. Boa parte das manifestações da cultura
digital são publicadas em meios digitais, para leitura por diversos públicos, não
pressupondo que um diálogo venha a se estabelecer com estes leitores. Mesmo
em uma conferência eletrônica como The Well ou Brainstorms, a comunidade
atualmente liderada por Howard Rheingold, a maior parte dos participantes se
resume a ler os debates que se produzem, sem fazer uso do potencial dialógico
do meio. Cerca de 80% dos participantes de fóruns técnicos jamais fazem um
comentário [Zhang 2002:26].
Não obstante, é a capacidade diálogica que anima a crescente utilização do
meio digital pelos veículos de mídia de massa. Quando canais de televisão e
rádio, jornais e revistas procuram maior interatividade, o que, normalmente,
está em jogo é a capacidade de ouvir a audiência. São já inúmeros os exemplos
de veículos de comunicação em massa que procuram interagir com seus
públicos, por meio de votações, utilizando sites na web ou mensagens de texto
(SMS – short messaging system) em telefones celulares. Entre outras, a rádio
Eldorado de São Paulo e a MTV têm utilizado a Web de maneira bastante
efetiva para estabelecer um diálogo com sua audiência. No Brasil, também
- 43 -
Capítulo I - Conceitos
podemos arrolar os exemplos recentes das votações através de SMS, em
“reality shows” como Big Brother e Casa dos Artistas. Na Europa, onde o
fenômeno do SMS é mais consolidado, há vários exemplos de interação
audiência – veículo, utilizando esta tecnologia (ver
www.xiam.com/news/business-gets-the-message/b2c/television.shtml). Mas
não devemos supervalorizar esta tendência. Uma recente pesquisa da revista
inglesa The Economist demonstra, de maneira bastante clara, que a televisão
permanece como um meio de entretenimento, basicamente, passivo
[Pedder:2002].
Também devemos notar que o potencial dialógico que está implicado neste
cruzamento entre mídias de massa e meio digital é bastante restrito, em face
do que ocorre no ambiente deste último, por meio de vários mecanismos. O
diálogo digital traz diversas novas possibilidades que serão analisadas em maior
detalhe no terceiro capítulo. O fenômeno do email, uma das primeiras e, na
minha opinião, ainda a mais importante tecnologia do mundo digital,
operacionaliza a interatividade através do diálogo. Da mesma forma, operam os
sistemas de mensagens instantâneas, os fóruns eletrônicos e as salas de chat.
Um dos aspectos mais importantes do diálogo no meio digital é a telepresença.
As tecnologias do ciberespaço permitem que seus agentes se façam presentes
e disponíveis para o diálogo, por meio de uma série de mecanismos. Embora
um email possa ser comparado às antigas correspondências, não há como
negar que eu não me faço presente na casa de um amigo que mora em outro
país, pelo fato de que ele pode me enviar uma carta. Já quando alguém visita
meu site e se depara com meu endereço de email, bastando um click para se
comunicar comigo, seria válido afirmar que eu estou presente no site, dada a
natureza quase imediata desta comunicação.
Alguns, talvez, defendam que a ausência da sincronia não permite caracterizar
telepresença. Mas, se tomarmos o exemplo das comunidades virtuais,
percebemos que a presença virtual é tratada nestes ambientes de maneira
- 44 -
Capítulo I - Conceitos
bastante equivalente à presença física. É comum usuários de fóruns eletrônicos
se referirem, no meio de uma discussão, a outros participantes da seguinte
maneira: “tenho certeza que fulano quando chegar aqui terá algo a dizer sobre
este assunto”. As discussões são tratadas como espaços, porque, como vimos
anteriormente, caracterizam possibilidades de conexão. Os membros de uma
comunidade virtual sentem-se presentes nelas.
Não quero, no entanto, disputar o fato de que, quando envolve a possibilidade
do diálogo síncrono, como nos aplicativos de mensagens intantâneas ou nas
salas de chat, a telepresença se apresente de maneira muito mais direta.
Nestes ambientes, ela se compara de maneira direta ao telefone, o formato
mais corriqueiro de telepresença que conhecemos.
O potencial interativo da leitura
Qualquer processo de leitura pressupõe a interatividade do leitor com o escritor
através da mediação do texto. O meio digital transforma este campo da
interação de maneira bastante significativa, graças à digitalização e seus já
discutidos mecanismos característicos: a multimodalidade, o hipertexto e a
simulação. Cabe agora discutir como se altera a interatividade do leitor com o
texto.
De maneira geral, os textos analógicos, tomados aqui da maneira ampla,
abrangendo diferentes formatos que não apenas o texto escrito, conduzem o
leitor à produção do sentido, a partir de uma ordem linear previamente
determinada pelo autor. É claro que esta tendência que é óbvia no exemplo do
livro, é menos presente em uma exposição fotográfica, ou pode ser mesmo
evitada em uma instalação pós-moderna. Porém, as possibilidades
manipulativas da leitura do objeto análogico são, definitivamente, restritas,
quando comparadas com os objetos digitais.
- 45 -
Capítulo I - Conceitos
No meio digital, a leitura se abre sobre um novo campo de possibilidades. As
diversas seções de um folheto eletrônico não se apresentam por uma seqüência
de páginas; transformam-se em uma lista de títulos ou expressões resumos que
procuram atrair a atenção do leitor que deverá optar pelo item que mais lhe
interessa. É certo que este recurso pode ser comparado a um mero índice
eletrônico, no entanto, quando bem construído, o texto digital pode permitir
que esta remissão constitua uma multiplicidade de sentidos.
Um objeto digital, como um jogo eletrônico, demonstra, de maneira mais
eloquënte, as possibilidades de interatividade da leitura. O jogo Myst, que
caracteriza um marco na produção de jogos de aventura, constitui um
excelente exemplo. Existe uma história em Myst: uma ilha abandonada em que
aconteceu algo misterioso que precisamos desvendar. Porém, a leitura desta
história, que inclusive determina o sucesso do jogador, é feita a partir da
interação com os múltiplos objetos que o mundo gráfico do jogo nos apresenta.
À exceção de um pequeno manual, não há qualquer indicação do caminho a ser
seguido na leitura deste objeto digital. Cada leitor / jogador faz o seu percurso,
construindo de maneira interativa o sentido do texto escrito pelos criadores do
jogo.
Há ainda muito a ser explorado. O fato de que jogos eletrônicos voltados ao
público jovem constituam alguns dos exemplos mais ricos das possibilidades
desta nova leitura, é bastante ilustrativo. Criadores de jogos estão, por
natureza, habituados a planejar interações abertas com um grande espectro de
possibilidades, visto que sem isto teríamos jogos monótonos. Porém, em muitas
outras escrituras, persiste o desafio de construção de um discurso que se
aproprie, por completo, das possibilidades criadoras desta leitura interativa.
Janet Murray sustenta essa afirmação em sua análise do encontro da arte da
narrativa com o ciberespaço, ao mesmo tempo em que documenta os diversos
avanços realizados por pioneiros como Michael Joyce, autor do romance
hipertextual Afternoon [1997]. De maneira similar, Steven Johnson recorre ao
- 46 -
Capítulo I - Conceitos
exemplo da descontinuada revista eletrônica Suck (www.suck.com), para
demonstrar quão mais rica pode ser a utilização do recurso do hipertexto para a
construção de um discurso intersígnico.
“O resto da Web via o hipertexto como um sumário eletrificado, ou um
suprimento ‘anabolizado’ de notas de rodapé. Os ‘Sucksters’ o viam como
uma maneira de frasear um pensamento.” [2001:99]
Ainda no exemplo dos sites da WWW, é fácil perceber que a escritura continua
a ser linear, embora a possibilidade da não linearidade esteja latente na
profusão de links utilizados. Por mais que se utilize de links para enriquecer sua
mensagem, o autor pretende que seu leitor siga de um paragráfo ao próximo.
Os links não constroem uma leitura alternativa; apenas acrescentam uma nova
camada refencial explícita, que adiciona sentido ao texto, mas não pertence a
ele.
No entanto, é preciso perceber que, mesmo neste estágio embrionário em que
se desenvolve uma nova escritura que, efetivamente, se apropria das
possibilidades interativas do meio digital, existe um movimento de transferência
do pólo da significação da escritura para a leitura. Não quero aqui contradizer
os ensinamentos de Umberto Eco de que o leitor sempre foi agente da
significação, mas o texto linear permitia ao escritor um maior controle sobre
sua mensagem. Com o potencial de interatividade do texto digital, o escritor
produz uma obra ainda mais aberta, visto que mais determinada pelas seleções
do leitor diante de alternativas explicitas do objeto digital.
Um outro ponto muito importante desta nova leitura é a presença imediata do
contexto. O texto impresso se dissocia de seu contexto de produção. Quando
lemos um romance de Goethe, não temos presente o conjunto de referências
implicado pelo momento histórico em que foi escrito. Desta forma, o texto
implica um aparato de interpretação, uma “tecnologia linguística” nas palavras
de Lévy [1999:114]. Já o texto digital apresenta a possibilidade de referenciar
- 47 -
Capítulo I - Conceitos
seu contexto. É possível dar permanência ao debate que envolveu o
pensamento do autor na construção do texto. Não se trata apenas de um
conjunto de referências que já eram possíveis via notas de rodapé no texto
escrito; agora, um emaranhado de links permite que o leitor contextualize o
discurso dentro de um momento histórico. Não estamos mais restritos às
referências selecionadas pelo autor, mas, a partir da web, é possível absorver o
“esprit du temps” que envolve o texto. É claro que permance um esforço de
interpretação, mas sendo o texto digital, as conexões são imediatas e o
contexto se apresenta por contato.
Tanto Richard Lanham [1993], quanto Pierre Lévy [1999], citando os estudos
de Walter Ong sobre a oralidade, percebem neste movimento um retorno às
condições que prevalecem no discurso oral. Nas culturas anteriores ao texto
impresso, o contexto era presente na figura do narrador. O trovador carregava
consigo o contexto daquilo que interpretava em seu discurso. Sua audiência
tinha acesso imediato a suas referências, já que escritura e leitura coexistiam.
No ciberespaço, o tempo se faz permanente, através das referências que são
persistidas em bancos de dados, as memórias eletrônicas da cultura digital.
Uma última particulariedade da interatividade da leitura no meio digital são as
novas possibilidades de inclusão do leitor no texto. Como a digitalização opera a
virtualização do texto, um autor versado nas possibilidades do meio pode criar
ambientes que são determinados a partir da interação. Tomarei um jogo
eletrônico novamente. O popular SimCity carrega um texto complexo no bojo
de suas regras. Neste jogo, o usuário é convidado a desenvolver uma cidade.
Ele toma decisões típicas de planejamento urbano e enfrenta as repercussões
sociais de seus atos. Sua cidade pode crescer e prosperar ou empobrecer e ser
abandonada por seus habitantes. Ele pode ser elogiado ou execrado pelos
jornais locais. Obviamente, todas estas possibilidades foram previamente
escritas pelos autores do jogo, mas é somente a inserção do leitor / jogador
que atualiza o texto. Ao comentar esta característica do texto digital, Janet
- 48 -
Capítulo I - Conceitos
Murray conclui que a leitura no meio digital constitui uma experiência de
imersão [1997]. O exemplo mais potente desta nova inserção do leitor no texto
são os MUD. Nestes ambientes, o leitor possui uma persona que se faz
presente no texto coletivo que cria o ambiente. Para ler tem que agir. Se ao
entrar em uma sala, peço para “ver” o que lá existe, posso descobrir uma caixa
que necessita ser “aberta” para ser explorada. Além desta operação ativa que
me projeta no texto, posso ser surpreendido por um inexperado “ataque”, que
o criador / programador da sala, programou para ocorrer sempre que alguém
tentar “abrir” a caixa. Minha persona está no texto.
Graus de interatividade
O que o meio digital apresenta, de maneira inovadora, é o aumento de potência
da participação ativa dos agentes na construção do sentido das mensagens.
Antes de demonstrar as novas dimensões que estão implicadas no fenômeno da
interatividade na cultura digital, que será o tema do próximo capítulo, quero
apontar para algumas conseqüências desta potencialização da interatividade. “A
possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por
seu receptor é um parâmetro fundamental para avaliar o grau de
interatividade...” [Lévy 1999:79]
Em primeiro lugar, é preciso perceber que o potencial de interatividade não se
distribui igualmente, através das manifestações da cultura digital. Certamente,
o ciberespaço sempre implica em algum nível de interatividade, como não
poderia deixar de ser em qualquer meio de comunicação. No entanto, temos
discursos mais e menos interativos; algumas vezes, por força das tecnologias e
interfaces que lhes dão suporte, outras vezes, em função das opções
particulares do autor.
Uma rápida análise comparativa entre algumas tecnologias que convivem no
ciberespaço é útil para exemplificar as diferenças entre os graus de
- 49 -
Capítulo I - Conceitos
interatividade. Estes mecanismos são investigados, em maior detalhe, no
terceiro capítulo. As tecnologias viabilizadoras de diálogo, como os softwares de
messagem instantânea, o email e as salas de chat, apresentam um potencial de
interatividade superior a sites expositivos na Web. Nestes, o autor não é
imediatamente influenciado pelo feedback da leitura, e seu texto é, geralmente,
predeterminado, embora possa acolher uma série de possibilidades de
manipulação pelo leitor. Já o diálogo representa a forma clássica da
interdeterminação direta do discurso por seus agentes que se alternam em
interlocução.
Agora, quando se compara a interação via um software de mensagem
instantânea ao que ocorre em um MUD, é possível perceber maior potência
interativa no segundo, pois este, além de permitir a reprocidade efetiva entre
os agentes da comunicação, viabiliza a reapropriação do texto pelo leitor e sua
efetiva transformação. Neste último caso, a leitura não somente atualiza o
texto, como também o transforma a partir de nova operação de virtualização.
Por fim, tomando como exemplo uma conferência eletrônica, temos textos
particulares que não podem ser alterados por seus leitores, mas que constituem
um texto coletivo: o conjunto das mensagens enviadas à conferência, que é
formado pela interação de escritos / leitores, envolvendo, portanto, múltiplos
processos de produção de sentido. A interatividade na cultura digital constitui
um universo complexo, visto que comporta várias tecnologias de comunicação e
que estas se combinam, formando diversos híbridos.
Dentro deste universo, cabe destacar a interatividade como convivência. Se
aceito a idéia de ciberespaço e percebo que sou capaz de investir uma persona
a minhas interações, é possível perceber que o ato de interagir nos ambientes
digitais mais participativos, como as comunidades virtuais e os MUD, tem a
natureza de se fazer presente. Uma vez que estamos falando de ambientes nos
quais muitos agentes interagem, esta presença termina por se configurar em
- 50 -
Capítulo I - Conceitos
convivência que é operada através da interação. Descrevendo sua experiência
no The Well, Howard Rheingold caracteriza bem este fato:
“The feeling of logging into the Well for just a minute or two, dozens of
times a day, is very similar to the feeling of peeking into the café, the pub,
the common room to see who’s there and whether you want to stay
around for a chat.” [1994:26]
Outro ponto a destacar é a existência de uma escritura coletiva. Uma escritura
em diálogo que se transforma em texto coletivo, através da virtualização
operada pelo ciberespaço. É o que Lévy caracteriza como “... bases de dados
‘vivas’, alimentadas permanentemente por coletivos de pessoas interessadas
pelos mesmos assuntos e confrontadas umas às outras” [1999:100]. Para
ilustrar este ponto, vamos tomar o livro que nos apresenta a correspondência
entre Herman Hesse e Thomas Mann. Embora a escritura ainda permaneça um
exercício isolado, o produto livro é um texto com dois autores e, quando leio o
texto, construo sentidos a partir da interação entre os textos de Hesse e Mann.
Se tomamos um newsgroup da Usenet bem organizado temos diversos autores,
e, novamente, a escritura permance um exercício individual; porém, quando
visito esta conferência eletrônica e leio seu conjunto de mensagens, a
significação será realizada a partir do conjunto das mensagens publicadas.
Agora, neste ambiente, há duas novidades: a primeira é que o texto permanece
aberto para minha atuação: posso participar da sua escritura; a segunda, é que
de tempos em tempos, as pessoas mais freqüentes, neste grupo, se organizam
com o objetivo de publicar um resumo daquilo que seu debate discute, gerando
documentos que muitas vezes tomam o formato de um FAQ (frenquently asked
questions) com o objetivo de informar novos visitantes sobre as principais
convergências e divergências que a interação entre seus participantes produziu.
Por último, quero destacar que interagir atualiza o ciberespaço. Mesmo quando
um internauta exerce, de maneira mais simples, o potencial de interatividade
do meio, navegando despretenciosamente entre sites e links, ele deixa rastros.
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Capítulo I - Conceitos
Os sites que visita, os links em que clica são armazenados pelos servidores que
hospedam estes sites e constituem dados de tráfego que servirão,
posteriormente, para informar, ao criador do site, como seus leitores têm
interagido com o conteúdo que publicou. Esta atualização implícita que a
navegação provoca no ciberespaço, soma-se a diversas possibilidades explícitas
de interação, como publicar comentários em páginas nas quais navegamos,
contribuir em fóruns eletrônicos, publicar links com sites favoritos, entre outros.
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Capítulo I - Conceitos
Interface
A natureza transformadora da interface digital
Em última instância, o ciberespaço é constituido de pulsos elétricos que
transitam através de cabos telefônicos, fibra óticas, circuitos integrados e
processadores. Como não temos condições de compreender estas informações
neste estado, construímos mecanismos adequados a nossos sentidos. As
interfaces reproduzem os pulsos eletrônicos na forma de símbolos que somos
capazes de interpretar. Elas constituem as portas de entrada e saída do
computador. Através delas, capturamos informações armazenadas e
transmitidas digitalmente e inserimos as informações que pretendemos
digitalizar, armazenar e, posteriormente, transmitir.
A interface se aproxima da linguagem, visto que, também, não temos condições
de compreender os pensamentos alheios diretamente das consciências
humanas. Inicialmente vou propor que a interface seja uma instância da
linguagem que justapõe as linguagens verbal, visual e sonora, condicionando as
relações de significação que atuam no meio digital. Sendo a interface digital
produto da combinação de várias modalidades perceptivas, seguindo a
termologia proposta por Lévy [1999:61-66], ela se compara aos discursos das
mídias eletrônicas, porém sua natureza é mais ampla. Enquanto a linguagem
televisiva, por exemplo, condiciona uma forma de produção de sentido que
envolve a prática de criação de um discurso, assim como condiciona sua
recepção, a interface digital condiciona, também, novas formas do diálogo.
Portanto, se aproxima do telefone e do rádio, mas seus recursos são muito
mais abrangentes que o teclado numérico e o toque de ocupado do primeiro,
ou as abreviações e comandos, utilizados em comunicações em canal aberto,
do segundo.
- 53 -
Capítulo I - Conceitos
No sentido desta complexidade, a interface digital também se apresenta de
maneira bastante diversa dentre as experiências midiáticas. No meio digital, a
interface exige capacidades de manipulação muito mais abrangentes. A
primeira vez que alguém entra em um chat, é necessário dominar uma série de
elementos da interface como: aonde clicar para introduzir o texto através do
teclado; qual botão usar para enviar o texto; como definir para quem o texto
está sendo enviado; além de uma série de alternativas contextuais que
permitem enviar um ícone que demonstre uma emoção, definir que sua
mensagem deve ser reservada a uma única pessoa da sala de chat ou optar por
não receber mensagens vindas de um participante, em particular. Comparemos
este ambiente, à interface que devemos dominar para escutar rádio: o dial e o
botão de volume. Soma-se a esta constatação o fato de que cada sala de chat
apresenta seus elementos de maneira particular e que existe uma série de
outros mecanismos de comunicação no ciberespaço com diferentes interfaces.
Neste ponto, temos que retroceder no raciocínio proposto acima, para desfazer
a simplificação: a interface digital aproxima-se da linguagem, mas não é
linguagem. A linguagem digital é condicionada pelas possibilidades da interface,
mas não se confunde com ela. Um texto digital que utiliza links de maneira
eficiente, para justapor diversos elementos e permitir uma leitura mais
interativa, está tomando proveito da interface para se transformar, mas se
constitui linguagem, na medida em que produz significação, enquanto sistema
simbólico partilhado pelos agentes do processo de comunicação.
Desta maneira, ao percebermos o papel inovador da interface, não devemos
desprezar o potencial da linguagem digital, que, embora incipiente, é bastante
transformador. Tomando o exemplo do cinema, podemos dizer que diferentes
estilos e diferentes autores requerem diferentes capacidades interpretativas,
mas a interface de recepção é basicamente a mesma: a tela grande dentro da
sala escura. Não obstante a natureza simples da interface, a linguagem
cinematográfica comporta hoje uma complexidade que se apresenta nas opções
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Capítulo I - Conceitos
estéticas de diversos discursos. Porém, isto não foi uma conseqüência imediata
do invento dos irmãos Lumière. Os primórdios da televisão são ainda mais
ilustrativos do hiato que se impõe entre o desenvolvimento da interface e da
linguagem. As primeiras transmissões televisivas, ainda sem levar em conta o
potencial cênico do meio, exibiam a filmagem de atores do rádio à frente de
microfones. A linguagem digital se encontra neste estágio, sendo que a
proficuidade da interface digital constitui ao mesmo tempo um desafio e uma
oportunidade. Como comenta Steven Johnson, “a representação de toda essa
informação (o ciberespaço) vai exigir uma nova linguagem, tão completa e
significativa quanto as grandes narrativas metropolitanas do romance do século
XX” [2001:20].
A interface é um objeto de mediação do ciberespaço. Sua natureza é permitir
que os atores dos diversos processos de comunicação manipulem os objetos
cognitivos que habitam este universo. A interface do browser media a
comunicação entre produtor de um site e o internauta. Porém, a mensagem
está contida nos elementos de linguagem engendrados pelo produtor, seus
textos, imagens, sons. A interface é o mediador que permite que o produtor
construa sua mensagem e que o internauta a manipule. Para que uma
comunicação se produza, os agentes devem compartilhar um certo nível de
compreensão dos mecanismos da interface, da mesma maneira que é
necessário que comunguem, minimamente, do mesmo código de linguagem,
mesmo porque a linguagem também opera uma mediação na significação entre
os agentes.
Porém, enquanto a linguagem carrega a mensagem, a interface condiciona a
linguagem. Voltando ao exemplo do cinema, podemos perceber o quanto a
evolução de sua interface transformou seu discurso. Do advento do cinema
falado, às imagens coloridas, e ao contínuo avanço das técnicas de efeitos
especiais, a linguagem cinematográfica se transformou profundamente e com
ela a capacidade do artista transmitir sua mensagem. De maneira paralela,
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Dimensões da Interatividade na Cultura Digital
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Dimensões da Interatividade na Cultura Digital

  • 1. Dimensões da Interatividade na Cultura Digital Hermano José Marques Cintra Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica sob a orientação Prof. Dr. Rogério da Costa São Paulo 2003
  • 2. Folha de Aprovação da Banca Examinadora - 2 -
  • 3. O tema desta dissertação obviamente incentiva a interação com seus leitores. Para este fim, informo meus localizadores digitais e coloco-me à disposição para a discussão dos temas abordados neste trabalho: Email hcintra@hotmail.com ICQ 37939314 (favor referenciar a dissertação no pedido de autorização) Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocópia ou eletrônicos. São Paulo, 30 de março de 2003 - 3 -
  • 4. Para Satomi, minha companheira, pela paciência, pelo apoio e, em especial, pelo carinho tão essenciais durante a redação deste trabalho. - 4 -
  • 5. Agradecimentos Em primeiro lugar, cabe expressar meu profundo apreço à compreensão e confiança de meu orientador, Prof. Rogério da Costa, sem as quais teria sido impossível retomar o percurso do mestrado e chegar ao seu final mediante a produção desta dissertação. Suas indicações bibliográficas e as sugestões das trilhas e rotas foram extremamente valiosas e precisas. Em segundo lugar, tenho que agradecer minha mãe, Prof. Anna Maria Marques Cintra, que pacientemente fez a revisão de várias versões deste texto, expurgando erros de redação e de lógica, além de diversas preciosas dicas ao longo do caminho. Em terceiro lugar cabe mencionar o valioso apoio de meu grande amigo Francisco Yonamine, que do outro lado do ICQ estava sempre pronto a trocar uma idéia, confirmar uma dúvida, ou localizar algo na rede, coisa que faz como ninguém. Vários colegas de trabalho, que desde 1996 acompanharam minhas perambulações profissionais pela Internet, também são titulares de uma dívida de gratidão. Várias das experiências que informam esta dissertação são fruto de debates, fracassos e sucessos vividos em equipe. - 5 -
  • 6. Resumo O objetivo desta dissertação é discutir a interatividade que se estabelece nos meios digitais. Ela propõe um entendimento específico do fenômeno diante da incipiente cultura digital. A interatividade é um aspecto central da potência de transformação que as mídias digitais comportam. Seu estudo é fundamental para a compreensão da revolução digital cujas etapas iniciais atualmente presenciamos. Este trabalho inicia-se com a descrição de três conceitos fundamentais: interatividade, o fenômeno estudado; cultura digital, o território dentro do qual o fenômeno é estudado; e interface, o principal operador do fenômeno neste território. Em seguida, ele propõe um método particular de análise da interatividade na cultura digital. Sua principal hipótese é a existência de quatro dimensões identificáveis, a partir das quais a interatividade pode ser praticada e percebida. Estas dimensões dão conta das variações nas formas pelas quais os agentes da comunicação atuam, o sentido é produzido, o tempo é performado e a espacialidade é construída. Em cada uma destas dimensões, uma série de vetores é identificada e discutida através dos exemplos de várias tecnologias que suportam a interatividade no meio digital, como email, aplicativos de mensagem instantânea e conferências eletrônicas. Na terceira parte desta dissertação, os mecanismos de interatividade são analisados em face da perspectiva das dimensões propostas e seus vetores, para a qual um quadro resumo é construído. Eles são divididos em três grupos: os viabilizados de espaços de publicação, os potencializadores de diálogos e os formadores de comunidade. Várias tecnologias são apresentadas dentro destes grupos. Elas são discutidas em suas funcionalidades e principais conseqüências. Uma manifestação específica de um mecanismo de interatividade é escolhida em cada grupo, com o objetivo de demonstrar a viabilidade da análise que as dimensões e seus vetores possibilitam. A presente dissertação é apresentada na expectativa de persuadir seus leitores da importância da interatividade. O modelo de análise construído pela identificação das dimensões da interatividade pretende informar o entendimento, a aplicação e o desenvolvimento de ferramentas de interatividade e seus ambientes de interação. - 6 -
  • 7. Abstract The goal of this dissertation is to discuss interactivity in the digital realm. It proposes a specific understanding of this phenomenon in the midst of a nascent digital culture. Interactivity is a central aspect to the transformational power that digital media entails. Its study is fundamental to the comprehension of the digital revolution, of which we live the early stages. This paper begins with the outline of three fundamental concepts: interactivity, the studied phenomenon; digital culture, the territory at which the phenomenon is studied; and interface, the main operator of the phenomenon in the territory. Following, it proposes a particular method for the analysis of interactivity in the digital culture. The main hypothesis is that there are four identifiable dimensions, by which interactivity can be performed and perceived. They account for the variations in aspects of how agents of communications act, meaning is produced, time performed and spatiality is built. Within each of these proposed dimensions, a series of vectors are identified and discussed through examples of various technologies, which supports interactivity in the digital medium, such as email, instant messaging and electronic conferences. In the third part of the dissertation, the mechanisms of interactivity are analyzed in the perspective of the proposed dimensions and its vectors, for which a summarizing table is constructed. They are divided in three groups: enablers of publishing spaces, potentializers of dialogues and builders of virtual communities. Various technologies are presented within these groups. They are discussed for their functionalities and major consequences. A specific manifestation of an interactivity mechanism is chosen in each group for the purpose of demonstrating the viability of the analysis that dimensions and its vector entails. The present dissertation is presented in the expectation of persuading readers of the importance of interactivity. The analysis model constructed by the identification of the dimensions of interactivity should inform the understanding, the application and the development of tools of interactivity tools and environments. - 7 -
  • 8. Sumário Resumo __________________________________________________6 Abstract__________________________________________________7 Sumário __________________________________________________8 Introdução_______________________________________________10 Capítulo I Conceitos _______________________________________18 Cultura Digital _____________________________________________________ 21 As fronteiras do discurso digital ________________________________________________ 21 Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno ___________________________ 22 Algumas implicações sociais da cultura digital _____________________________________ 24 O pensamento na Cultura digital _______________________________________________ 26 A gênese da cultura digital ____________________________________________________ 28 Operações do digital: a Digitalização ____________________________________________ 30 Operações do digital: a Conectividade ___________________________________________ 33 Operações do digital: a Virtualização ____________________________________________ 35 A complexidade e o fim das utopias finalistas _____________________________________ 36 Interatividade _____________________________________________________ 39 Interatividade e produção de significado _________________________________________ 39 A mídia digital e a capacidade de diálogo_________________________________________ 43 O potencial interativo da leitura ________________________________________________ 45 Graus de interatividade _______________________________________________________ 49 Interface _________________________________________________________ 53 A natureza transformadora da interface digital ____________________________________ 53 A interface enquanto metáfora _________________________________________________ 57 Elementos da interface _______________________________________________________ 59 Capítulo II Dimensões______________________________________63 Dimensão do Agente ________________________________________________ 67 Fluxo: Um-um / Um-muitos / Muitos-muitos ______________________________________ 68 Natureza: Homem-Homem / Homem-Máquina ____________________________________ 69 Identidade: Conhecida / Desconhecida __________________________________________ 71 Dimensão do Sentido________________________________________________ 73 Mecanismo: Seleção / Diálogo _________________________________________________ 74 Método: Dinâmico / Procedimental / Pré-determinado ______________________________ 76 Polaridade: Escritor / Leitor / Neutra ____________________________________________ 77 - 8 -
  • 9. Dimensão do Tempo ________________________________________________ 80 Ritmo: Síncrono / Assíncrono __________________________________________________ 81 Retenção: Permanente / Fugaz_________________________________________________ 82 Simultaneidade: Favoráveis / Desfavoráveis ______________________________________ 83 Dimensão do Espaço ________________________________________________ 86 Metáfora: Simples / Complexa _________________________________________________ 87 Acesso: Público / Privado _____________________________________________________ 88 Localização: Imediata / Possível ________________________________________________ 89 Capítulo III Mecanismos ____________________________________92 Os viabilizadores de espaços de publicação ______________________________ 99 A cada um, um pedaço de chão na WWW ________________________________________ 99 Para cada leitor um site diferente______________________________________________ 101 Contando visitas e muito mais ________________________________________________ 102 As possibilidades tecnológicas_________________________________________________ 104 Análise demonstrativa: Projeto Tofte ___________________________________________ 108 Os potencializadores de diálogo ______________________________________ 112 Email: o verdadeiro “killer application”__________________________________________ 112 Papo cabeça e papo furado___________________________________________________ 114 Contatos imediatos _________________________________________________________ 119 Conversas em txt___________________________________________________________ 122 Análise demonstrativa: ICQ___________________________________________________ 125 Os formadores de comunidade _______________________________________ 128 Os primeiros passos ________________________________________________________ 128 As bases da vida comunitária no ciberespaço ____________________________________ 130 As tecnologias de suporte ____________________________________________________ 133 A criação de mundos complexos_______________________________________________ 139 Análise demonstrativa: Brainstorms ____________________________________________ 142 Conclusão ______________________________________________147 Bibliografia _____________________________________________151 - 9 -
  • 11. Introdução A decisão de escrever sobre a interavitidade no âmbito da cultura digital faz parte de meu percurso pessoal de encantamento com revolução digital. Embora possa recorrê-lo aos meus primeiros passos com computadores no início da década 80, é a descoberta dos bulletin board systems (BBS), há dez anos, que inicia este encantamento com as possibilidades abertas pela Internet. Na verdade, as BBS ainda não podiam prover acesso à rede das redes no início dos anos 90. Elas nos conectavam a outras redes como a Bitnet, a Fidonet e a Usenet, mas já permitiam uma experiência premonitória da potência do email, dos newsgroups, e do acesso a documentos digitais arquivados a distância. A experiência com as BBS tinha sabor de antepasto. Antes da regulamentação do provimento de acesso comercial em 1995, as únicas alternativas de conexão à Internet no Brasil eram as universidades e a BBS Alternex do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômica - Ibase, ONG fundada pelo sociólogo Betinho, que havia viabilizado acesso à Internet, em função de suas atividades de apoio à conferência ECO-92, no Rio de Janeiro [Ercilia 2000]. No final de 1994, afiliei-me ao Ibase, instalei o browser da Netscape e realizei minhas primeiras visitas à World Wide Web (WWW). Em uma destas incursões, encontrei referências ao recém lançado livro de Nicholas Negroponte, diretor do importante instituto de pesquisa Media Lab do Massachusetts Institute of Technology, Being Digital [1995]. A leitura deste livro competou a operação de encantamento. A otimista visão do impacto que a revolução digital teria em nossas vidas cotidianas, composta por Negroponte, era fascinante. Continua sê-lo, mesmo após quase oito anos, durante os quais as promessas da vida digital foram extensamente propagadas pela mídia, largamente abusadas por empreendores ansiosos em enriquecer na corrida ao ouro virtual do final dos anos 90 e duramente contestadas em face do debacle das bolsas em 2000. O livro de Negroponte dirigiu-me a leitura da revista Wired, o que se tornou um hábito que mantenho desde setembro de 1995, e esta levou-me até Howard - 11 -
  • 12. Introdução Rheingold e seu livro The Virtual Community [1994]. Este outro relato das possibilidades que o ciberespaço engendrava, aliado a vários e excelentes artigos da Wired, comuns nos primeiros anos da revista, raros atualmente, alimentaram o encantamento e começaram a despertar questionamentos pessoais que acompanhavam uma progressiva compreensão das conseqüências da revolução digital. Em 1996, a curiosidade intelectual encontrou a prática professional. Desde 1991, estava envolvido com televisão por assinatura e, naquele momento, trabalhava para a holding das Organizações Globo que gerenciava seus negócios no setor. Fui convidado a gerenciar o projeto que deveria desenvolver o produto de acesso à Internet em banda larga, a ser lançado pelas operações de televisão a cabo da empresa. Durante dois anos, tive a oportunidade de aliar pesquisa e prática na investigação das possibilidades da revolução digital. A atividade de desenvolvimento de produto permitia que muito do meu tempo fosse dedicado a leituras de relatórios e newletters que privadamente não teria condição de pagar, assim como diversas viagens, congressos e contato com consultores internacionais. No lado da prática, coordenei todas as atividades que levaram ao lançamento do produto Virtua em operação piloto na cidade de Sorocaba, no início de 1998 (desliguei-me da empresa dias antes do início das atividades), o que incluiu testes da tecnologia de cable modem e desenvolvimento de sites protótipos que exploravam as possibilidades da banda larga, entre outras atividades. Foi neste período que dedici engajar-me ao mestrado do Programa de Comunicação e Semiótica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Durante os anos de 1997 e 1998, tive a oportunidade de levar meus questionamentos pessoais ao encontro do pensamento acadêmico em disciplinas, dentre os quais se destacam: dois cursos ministrados por meu orientador, professor Rogério da Costa, um que colocava em discussão a inteligência coletiva e outro focado na epistemologia do tempo; outros dois com - 12 -
  • 13. Introdução o professor Philadelfo Menezes, o primeiro que investigou a existência de um novo sentimento religioso no bojo da globalização e, um segundo, que discutiu o texto e a cultura digital; e um outro conduzido pelo professor Sérgio Bairon que convidou à atuação prática - teórica na construção de roteiros em hipermídia. Já na primeira monografia escrita para o programa de mestrado, a opção pelo estudo da interatividade foi configurada. Este trabalho apresentava a proposição das dimensões de interatividade e o incentivo do saudoso professor Philadelfo Menezes levaram-me a transformar esta proposição na base do meu projeto de pesquisa. Em 1999, trabalhando sob a orientação de Rogério da Costa, iniciei o empreendimento que deveria produzir esta dissertação até o final do mesmo ano. Esta trajetória foi interrompida por um evento de minha vida profissional. Em outubro de 1999, fui convidado pelo presidente da empresa em que trabalhava a montar um novo negócio, aproveitando meus conhecimentos sobre a Internet. Também queríamos embarcar na corrida do ouro virtual. Decidimos criar um serviço que deveria oferecer a pequenas e médias empresas as vantagens de eficiência que a Internet viabilizava para as grandes. A missão era criar uma comunidade de empresas, a partir de ferramentas que o mercado apelidou de B2B (business to business). Para tornar uma longa e tortuosa história curta, durante três anos mergulhei de corpo e alma neste projeto que infelizmente ainda não logrou estabelecer uma comunidade pulsante de empresas, apesar de ter atraído milhares delas e haver dado margem ao desenvolvimento de diversos aplicativos. Neste período, durante o qual afastei-me do programa de mestrado, os desafios profissionais levaram-me à discussão e à prática com vários dos mecanismos de interatividade que analiso nesta dissertação. Chegamos tarde à corrida do ouro virtual e com o estouro da bolha especulativa em abril 2000, as dificuldades que se abateram sobre as empresas do mercado de serviços de - 13 -
  • 14. Introdução Internet, proporcionaram uma vida dura e um rico aprendizado. As gloriosas promessas, que haviam sido extensamente exploradas por empreendedores ávidos em levantar fortunas na bolsa e reverberadas por jornalístas facilmente encantáveis por uma boa manchete, deram lugar ao ceticismo. Revolução digital e nova economia passaram a ser tratadas como parte de um embuste criado para inflar, absurdamente, o valor das empresas pontocom. Certamente, houve muito exagero e várias certezas que já tive me abandonaram, porém continuo absolutamente encantado com as possibilidades do ciberespaço. Não tenho a menor dúvida de que vivemos os primeiros anos de uma profunda revolução. Como diz Lúcia Santaella: “Propiciada, entre outros fatores, pelas mídias digitais, a revolução tecnológica que estamos atravessando é psíquica, cultural e socialmente muito mais importante do que foi a invenção do alfabeto, do que foi também a revolução provocada pela invenção de Gutemberg. É ainda mais profunda do que foi a explosão da cultura de massas, com os seus meios técnicos mecânico-eletrônicos de produção e transmissão de mensagens. Muitos especialistas em cibercultura não têm cessado de alertar para o fato de que a revolução teleinformática, também chamada de revolução digital é tão vasta a ponto de atingir proporções antropológicas importantes, chegando a compará-la com a revolução neolítica.” [2002:389] Sob esta perspectiva, era mesmo estranho que as transformações provocadas pelo digital enfrentassem tão pequena resistência, em especial, quando comparadas às críticas e ao ceticismo ocasionados pela invenção da imprensa. Seria mais normal que uma revolução destas proporções criasse diversas rupturas nos meios de produção, levando a processos de destruição de riqueza e não a uma vertiginosa valorização dos ativos motivadas pelo que Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve americano, definiu como “exuberância irracional”. As promessas da revolução digital são válidas, porém - 14 -
  • 15. Introdução elas vão se instalar de maneira muito mais problemática do que se supôs durante a corrida do ouro e, como todas as revoluções que envolvem grandes transformações sócio-culturais, vão tomar o período de gerações para que todo seu potencial se realize. Desde de o início, tive bastante claro que no bojo da multifacetada revolução digital o que me interessava estudar era a Internet como fenômeno de comunicação. O que mais me encantava eram as possibilidades interativas do meio, sua capacidade de colocar em diálogo múltiplos agentes afastados entre si no contínuo do tempo-espaço. Nos cursos junto ao programa de Comunicação e Semiótica e durante a pesquisa que empreendi, pude confirmar que a interatividade constituia um tema relevante não somente por sua centralidade diante da cultura digital nascente, como também pela carência de análises que a tomassem como objeto primário. Ao longo das leituras, das disclipinas e da prática profissional, várias perguntas interpunham-se. Existia uma nova linguagem? Formava-se uma nova cultura? Configurava-se uma nova forma do pensar? Havia veracidade na proposição de uma inteligência coletiva? Constituiam as comunidades virtuais organizações socias efetivas? Estas questões foram sendo aclaradas em textos nos quais a interatividade fazia-se sempre presente. Falava-se da inserção interativa do leitor imersivo [Santaella 2002], da cultura constituída por uma audiência que participa [Costa 2002], da inteligência colocada em fluxo coletivo pela interação [Lévy 1999], das comunidades que nascem em função da interação social contínua no ciberespaço [Rheingold 1994] e de diversas tecnologias e suas conseqüências quase sempre caracterizadas pelo potencial de interatividade. Ficava claro que havia uma cultura digital e que a Internet era um artefato cultural [Hine 2000] que tinha na interatividade sua fonte de potência. A pretensão desta dissertação é, portanto, construir um entendimento do objeto interatividade dentro do contexto específico da cultura digital. A maior dificuldade que isto oferece é isolar a interatividade do discurso. Por exemplo, - 15 -
  • 16. Introdução não interessam as manifestações da arte digital em si, mas, sim, como ocorrem as interações dos agentes da comunicação entre si, através das mensagens que esta compõe. A principal indagação reside em como funcionam os mecanismos que nos propocionam a interatividade no meio digital. Quais as características que determinam sua potência e, por conseguinte, contituem o meio digital como um território transformador. Além da extensa prática nos âmbitos profissional e pessoal com diversos mecanismos de interatividade que habitam o ciberespaço, os diversos relatos e análises que constituem a bibliografia desta dissertação informaram a construção de um entendimento particular do objeto interatividade. Trata-se de uma proposta de abordagem analítica que pretende instrumentalizar a compreensão, a aplicação e a construção de mecanismos de interatividade no meio digital. Este texto oferece-se como uma ferramenta na medida que procura caracterizar a interatividade na cultura digital, a partir de um conjunto de dimensões dentro das quais uma série de vetores criam as possibilidades de interação entre os agentes e as mensagens no ciberespaço. O texto parte da caracterização de três conceitos centrais à investigação: a cultura digital, a interatividade em si, e a interface que a possibilita. O primeiro capítulo serve para expor minha compreensão destes conceitos à luz das leituras realizadas, que não se pretendem panorâmicas do estado da arte, mas, sim, referênciais para a construção da proposição central deste trabalho, desenvolvida no capítulo seguinte. A discussão conceitual tem por objetivo demitar a pesquisa ao configurar o fenômeno, seu território e seu operador. São quatros as dimensões da interatividade que apresento no segundo capítulo. Elas remetem ao papel do agente, do sentido, do tempo e do espaço. Nessa etapa da dissertação, fundamento a configuração conceitual das dimensões e proponho que dentro delas existem os vetores que dão luz à potência da interatividade na cultura digital. Discuto as dimensões e seus vetores um a um, - 16 -
  • 17. Introdução apresentando-os em face dos mecanismos de interatividade específicos como o email, a Web e as conferências eletrônicas. O terceiro capítulo, dá conta de aplicar esta proposição conceitual como método de análise. À guisa de exemplo da viabilidade do método, o quadro das dimensões da interatividade é aplicado em três demonstrações analíticas, eleitas a partir da distribuição dos mecanismos da interatividade em três grupos, segundo objetivos distintos: a viabilização de espaços de publicação, a potencialização de diálogos, e a formação de comunidades. As principais tecnologias que operam a interatividade nestes três grupos são apresentadas em função de seus aspectos mais relevantes e as dimensões são discutidas vis a vis a suas funcionalidades. Na conclusão, discuto a utilidade e as limitações da análise proposta. Na tentativa de oferecer continuidade para a pesquisa da interatividade aqui empreendida, elenco duas indagações problemáticas em face ao proposto método de análise. Por fim, rapidamente relato as indagações pessoais nascidas durante o projeto que esta dissertação encerra e as possibilidades de caminhos intelectuais que elas me apresentam para o futuro. - 17 -
  • 19. Capítulo I - Conceitos O primeiro estágio desta dissertação é colocar em perspectiva os três principais conceitos que operam no universo temático escolhido: a interatividade, o fenômeno em análise; a cultura digital, o território de atuação no qual se analisa o fenômeno; e a interface, o principal operador do fenômeno neste território. Pretendo demarcar estes conceitos não somente em relação aos seus limites, quanto também às suas implicações mais relevantes, em especial, aquelas que os inter-determinam em conjunto. Pretendo também referenciar culturalmente estes conceitos e suas críticas, porém, sem qualquer preocupação com a representatividade quantitativa da análise. A seleção realizada é particular e referencial, não panorâmica. Embora a razão da escolha esteja sinteticamente exposta no primeiro paragráfo acima, cabe situar os conceitos escolhidos em conjunto, antes de tomar cada um como objeto de análise. Não é necessário defender a existência de uma interconexão conceitual entre cultura digital, interatividade e interface, mas cabe discutir sua natureza. As tecnologias da cultura digital produzem alterações significativas nos mecanismos da interatividade que por sua vez estão em grande parte implicados na própria constituição do ciberespaço e sua cultura. Rogério da Costa abre seu livro A Cultura Digital dizendo “A cultura da atualidade está intimamente ligada à idéia de interatividade...” [2002:8]. A rede é antes de mais nada um meio de comunicação. Alain Kay, um dos pioneiros da construção de interfaces, vai além ao afirmar: “O computador é um meio de comunicação!” [apud Johnson 2001:41]. A cultura digital pode ser delimitada como aquela que surge do fenômeno da comunicação mediada por computador (CMC) potencializada pela alta conectividade proporcionada pela Internet. As alteridades da cultura atual resultam, em grande parte, de - 19 -
  • 20. Capítulo I - Conceitos alteridades na interatividade que, por sua vez, surgem em função das tecnologias desta mesma cultura. Existe um movimento de dupla determinação central ao potencial transformador da cultura digital. As tecnologias que fundam as alteridades na interatividade nascem das pulsões desta cultura digital que, por sua vez, se nutrem deste potencial da interatividade. No campo desta dupla determinação, opera a interface. São as interfaces que pragmatizam a interatividade na comunicação mediada por computador. São suas capacidades comunicacionais que desenham os novos limites da interatividade e condicionam, em grande parte, sua eficiência. É nas inovações da interface que o virtual realiza seu potencial de interatividade. Fechando o circuito, a interface ocupa um papel central entre as manifestações da cultura digital, como defende Steven Johnson em seu Cultura da Interface [2001]. Uma nova cultura pressupõe um novo discurso. A cultura digital opera seu discurso de maneira primária em seu próprio meio. Pragmatiza-se, portanto, através de interfaces que nos atualizam o digital. As possibilidades da interface determinam este discurso. A interface também é central à cultura digital na medida em que, uma vez digital, a arte depende de uma interface para se tornar presente a seu público. A interface está na obra, não é mera moldura, visto que a arte digital implica a interatividade. A arte digital não se admite estática, não é construída para contemplação. Ela supõe a interação do público com o objeto artístico, como nota Lévy: “Organizando a participação em eventos mais do que espetáculos, as artes da cibercultura reencontram a grande tradição do jogo e do ritual.” [1999:155] - 20 -
  • 21. Capítulo I - Conceitos Cultura Digital As fronteiras do discurso digital Embora seja historicamente muito recente, o universo da cultura digital é por natureza profícuo. Suas dimensões são da escala do inimaginável. A quantidade de produção que pode ser considerada cultural é assustadora. A Internet, principal repositório das manifestações da cibercultura, é um universo infindável de textos, imagens e sons que se conectam de maneira múltipla e intrincada. Diversos são os aparatos que procuram dar alguma organicidade ao imenso conteúdo da rede. Os mecanismos de busca como Google (www.google.com) ou Yahoo! (www.yahoo.com) são parada obrigatória a todos aqueles que procuram algo na Internet; e as eventuais frustações diante dos resultados destas pesquisas são inescapáveis. Porém, a explosão informacional e a ansiedade que dela resulta são anteriores ao crescimento exponencial provocado pela Internet. Vannevar Bush já tratava do tema em seu seminal ensaio “As We May Think” em 1945. Rogério da Costa aponta que a profusão de canais de televisão, revistas, livros e filmes, entre outras produções das mídias de comunicação de massa, já acarretavam a sensação de impotência diante da quantidade de informação a ser assimilada. [2002] A Internet transforma a escala desta tendência. Ela produz uma verdadeira explosão da produção de conteúdo por meio da World Wide Web (WWW). São milhões de pessoas distribuídas pelo planeta, produzindo diariamente informações de imediato disponíveis mundialmente, através de sites pessoais, corporativos e comunitários. Esta produção corresponde a manifestações culturais cuja qualidade pode ser questionada, mas cuja realidade não pode ser negada. - 21 -
  • 22. Capítulo I - Conceitos Primariamente, as produções desta cultura digital ocorrem em seu próprio meio, portanto, envolvem o processo da digitalização e o suporte de um computador. Não necessariamente implicam a comunicação através de redes, embora geralmente pressuponham a conectividade. Analisando produções artísticas próprias da cultural digital, Lévy escreve: “As obras offline podem oferecer de forma cômoda uma projeção parcial e temporária da inteligência e da imaginação coletivas que se desdobram na rede. Podem também tirar proveito de restrições técnicas mais favoráveis. Em particular, não conhecem os limites devidos à insuficiência das taxas de transmissão. Trabalham, enfim, para construir ilhas de originalidade e criatividade fora do fluxo contínuo da comunicação.” [1999:146] Também não se excluem do universo da cultura digital manifestações culturais suportadas por outras mídias. Uma crítica da cultura digital publicada no formato de um livro deve ser incluída no corpus desta mesma cultura. Da mesma maneira, devem ser considerados determinados programas de televisão que estão inseridos no contexto da cultura digital, seja em função de seus temas, de seus mecanismos ou de sua abordagem estética. Steven Johnson relaciona entre as manisfestações do digital alguns programas de televisão que praticam uma metaforma, “uma nova forma cultural que paira em algum lugar entre meio e mensagem” [2001:33], cuja expressão prototípica seria o canal de televisão a cabo E! Entertainment Television. Johnson argumenta que estas já são expressões da cultura digital, ou, em suas palavras, “são formas digitais aprisionadas em um meio analógico” [2001:35]. Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno Assim como as manifestações da cultura digital excedem o suporte digital, suas formas também se anteciparam no tempo. Janet Murray, na sua brilhante exploração sobre a narrativa digital, Hamet on the Holodeck – The Future of - 22 -
  • 23. Capítulo I - Conceitos Narrative in Cyberspace [1997], traça as origens do discurso digital em diversas obras culturais que antecedem a formação de uma cultura digital, aceitando-se que esta só se faça presente quando a comunicação mediada por computador passa a ocupar um papel relevante na experiência humana, como veremos a seguir. A professora do MIT, discutindo o conto “O Jardim dos Caminhos que Bifurcam” de Borges e o filme “Rashomon” de Kurosawa, entre outros exemplos, aponta para a existência de um tipo de estrutura narrativa a qual dá o nome de “estórias multiformes”. Tratam-se de tramas que se desenrolam em múltiplas possibilidades, seja criando realidades simultâneas distintas, seja narrando o mesmo enredo a partir de diferentes pontos de vista. A autora sustenta que esta forma da narrativa trabalha como uma antecipação das possibilidades da mídia digital. O mesmo movimento também está presente na arte que demanda uma audiência ativa, como as instalações e performances, o teatro com a participação do público ou até mesmo a literatura, quando o autor reconhece diretamente a existência do leitor, passando a travar com este um diálogo criativo, ao qual transfere parte da responsabilidade da criação do contexto narrativo. [Murray,1997:Chapter 2] Richard Lanham, em seu estudo sobre a “palavra eletrônica”, afirma que as tecnologias digitais trabalham no sentido da suplantação de várias barreiras da linguagem que as vanguardas do começo do século XX tentaram ultrapassar [1993]. Lévy, em Cybercultura, argumenta que a “fábula do progresso linear e garantido” [1999:120], que a cultura digital vem deslocar, já havia sido objeto de contestação das vanguardas e, citando Jean-François Lyotard, afirma que a pós-modernidade já havia proclamado o fim das grandes narrativas totalizantes, antes da cultura digital. [1999: Capítulo VI] O Professor Philadelfo Menezes, também, defendia este caráter antecipador do discurso das vanguardas, quando identificava nestas os primeiros passos no sentido da desconstrução da lógica linear da narrativa [1996]. Neste sentido, - 23 -
  • 24. Capítulo I - Conceitos citava tanto a narrativa em fluxo de consciência, cujo monumental exemplo de Ulysses, de James Joyce é amplamente citado por Steven Johnson [2001], quanto as experimentações sintáticas e estilísticas da poesia concreta, do Jogo de Amarelinha, de Cortazar e das fusões multimidiáticas da videoarte, largamente documentadas por Artur Matuck em seu livro O Potencial Dialógico da Televisão [1995]. Algumas outras produções culturais também antecipam a cultura digital, embora já possam ser, temporalmente, enquadradas em seus primórdios. Certamente, Neuromancer de Wiliiam Gibson é o exemplo mais clássico desta antecipação. Gibson não só cunha o termo ciberespaço neste volume, como também o povoa com suas primeiras imagens e mitos. Suas metáforas do ciberespaço, assim como as interfaces que descreve, permanecem desafiadoras até hoje. O holodeck, que Janet Murray coloca no título de seu livro, referencia o seriado Guerra nas Estrelas: Voyager, a quarta versão do popular programa de televisão. O holodeck é um aparelho de projeção holográfica utilizado para “contar histórias” em alguns episódios da série. Murray apresenta o holodeck como uma antecipação do caráter imersivo da narrativa digital [1997: Chapater 1 e Chapter 4]. Algumas implicações sociais da cultura digital Para que possamos entender a cultura digital como um fenômeno abrangente, também é preciso identificar suas manifestações fora do ambiente do discurso. É preciso perceber suas implicações nas relações sociais que florescem no ciberespaço. Um primeiro aspecto a evidenciar é a existência de um sistema de normas de conduta. A instância mais aparente destas regras de conduta são a netiquette. Nicholas Negroponte reconhece a existência e a necessidade do sistema de conduta, porém aponta para o fato de que, em função da juventude do meio, - 24 -
  • 25. Capítulo I - Conceitos estas regras não são ainda nem consolidadas nem conhecidas, muito menos respeitadas. [1996:191-193] Se isto é verdade para a rede tomada em seu todo, deixa de sê-lo quando olhamos para comunidades virtuais estabelecidas na rede. Howard Rheingold relata uma série de eventos que demonstram a formação de comportamentos socialmente válidos, seja pela simples repetição, seja pela coerção a desvios não aceitos por esta conduta [1994]. Outros indícios demonstram que esta cultura envolve um projeto ético próprio. Entre eles está a existência de uma organização como a Eletronic Frontier Foundation (www.eff.com) que se dispõe a defender os valores do ciberespaço. Nesta mesma linha, soma-se a coluna The Netizen, publicada durante certo período na revista Wired, que se ateve à mesma tarefa, embora ainda seja difícil perceber a existência de um conjunto comum e coerente de valores no âmbito da rede, que se estenda além de um pequena elite. John Katz, escrevendo para a mesma Wired, identifica: “I saw the primordial stirrings of a new kind of nation - the Digital Nation - and the formation of a new postpolitical philosophy. This nascent ideology, fuzzy and difficult to define, suggests a blend of some of the best values rescued from the tired old dogmas - the humanism of liberalism, the economic opportunity of conservatism, plus a strong sense of personal responsibility and a passion for freedom.” [1997:49] Além do projeto ético, a cultura digital também instaura novos formatos de relacionamento social. As comunidades virtuais são a grande novidade. Se uma comunidade é um grupo de pessoas que interage socialmente, comunidades virtuais são grupos que mantém estreitos laços sociais de maneira independente do espaço físico. Suas relações são mediadas através dos mecanismos da CMC. Apertos de mão são substituídos por cumprimentos “eletrônicos” que trafegam na forma de mensagens eletrônicas. O livro de Howard Rheingold The Virtual Community [1994] é um extenso testemunho da - 25 -
  • 26. Capítulo I - Conceitos existência destas comunidades, a partir da experiência do autor nas origens e desenvolvimento de algumas delas: “Virtual communities are social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relations in cyberspace.” [1994:5] O que forma as comunidades é o partilhar de interesses comuns que constrói um repertório coletivo a partir da interação contínua. A experiência virtual não é condicionada de maneira alguma pelo espaço físico. As conexões entre as pessoas é que constituem o espaço virtual. Já em 1968, os diretores da ARPA (Advanced Research Projects Agency), ponderando sobre as comunidades on- line, percebiam que “... there will be communities not of common location but of common interests...” [Licklider, J and Taylor, R apud Rheingold, 1994:24]. O pensamento na Cultura digital Dentro do campo da cultura digital, também se identificam novos processos de produção e acumulação do conhecimento. É a inteligência coletiva que Lévy identifica como “um dos principais motores da cibercultura” [1999:28]. O conhecimento interconectado que reside no ciberespaço constitui uma nova forma de memória cultural: coletiva como a que reside nas bibliotecas, porém muito mais dinâmica e múltipla, visto que é não mediada por uma indústria do saber que exclui o que não valida. No âmbito da cultura digital, os obstáculos para a distribuição e para a permanência do conhecimento particular são mínimos. Não é mais necessário ter o aval de uma academia ou o apoio de uma editora para publicar manifestações culturais das mais variadas tendências. Os mecanismos do digital também deslocam, sem substituir, as instituições do saber do papel de validação da cultura. A autoridade de um discurso passa a ser estabelecida - 26 -
  • 27. Capítulo I - Conceitos dentro das comunidades virtuais de maneira direta, ou fora delas por meio de um amplo procedimento de conexão entre publicações digitais operado por links hipertextuais. Aqui a cultura digital se destaca das formas que a precedem. Existe um retorno à transmissão da cultura por coletividades humanas vivas. As manifestações culturais transitam sem a interferência de agentes mediadores como indústrias culturais do saber e do entrenimento. Neste movimento, autores como Pierre Lévy [1999], Steven Johnson [2001] e Philadelfo Menezes [1996] percebem um retorno à oralidade, característica das culturas anteriores à escrita. Porém, os discursos digitais não se perdem como os orais; eles são feitos permanentes na estrutura do ciberespaço. A cultura digital inaugura profundas transformações em nossos modos de pensar, visto que isto se realiza a partir do novas tecnologias da inteligencia [Lévy 1994]. Como comenta Santaella, na cultura digital “estão geminando formas de pensamento heterôgeneas, mas, ao mesmo tempo, semioticamente convergentes e não-lineares, cujas implicações mentais e existênciais, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, estamos apenas começando a compreender” [2002:392]. Como destaca Lévy, a inteligência coletiva é fruto de um conjunto de: “... tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos).” [1999:157] - 27 -
  • 28. Capítulo I - Conceitos A gênese da cultura digital Se como vimos, as fronteiras da cultura digital são largas, cabe então discutir sua gênese e seus principios de fundação. De maneira simples, podemos dizer que a cultura digital é aquela que acompanha a comunicação mediada por computador. Porém, é preciso tomar um cuidado. Embora a CMC possa ser recorrida até às experiências iniciais que originaram a Arpanet, a rede ancestral da Internet, na década de 60, é preciso ressaltar que somente a partir de uma determinada quantidade de atores conectados é que a rede atinge maturidade para constituir uma nova cultura. Como ressalta Lévy, o ciberespaço é “fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes” [1999: 123]. Por quase duas décadas, todo o aparato que viabiliza a CMC se manteve dentro de centros de pesquisa acadêmicos e militares. É o advento do computador pessoal (PC) que transforma a potência da comunicação mediada por computador. O jornalista Robert Cringley faz um excelente histórico do surgimento do PC em seu livro Accidental Empires [1996]. Cringley relata como um movimento iniciado como hobby, por um pequeno grupo de engenheiros, se transforma em um fenômeno industrial de larga escala. A cultura digital começa a se engendrar quando o computador deixa de ser exclusivo das redomas assépticas dos centros de processamento de dados (CPD) das grandes empresas, universidades e centros de pesquisa, e se transfere para as mesas de trabalho de milhões de cidadãos anônimos. Ao longo das duas últimas décadas, o PC alastrou-se de maneira contínua, passando a estar presente nos mais diversos ambientes da sociedade moderna. Atingiu os universos profissionais, domésticos, escolares, comerciais e de lazer. - 28 -
  • 29. Capítulo I - Conceitos Porém, como comenta George Guilder, ensaísta das revista Forbes, o computador desconectado de uma rede de comunicação pode ser comparado a um fusca no meio da selva fechada. Ele pode ser muito útil, pois nos protege dos bichos e da intempérie, mas não nos leva a lugar nenhum. É na confluência do computador pessoal e da comunicação mediada por computador que encontramos o nascimento da cultura digital. Em seu relato da emergência das comunidades virtuais, Howard Rheingold descreve boa parte dos acontecimentos que delimitam o surgimento desta cultura [1994]. Tanto Rheingold quanto Cringley documentam os primeiros passos desta convergência ao relatar como os engenheiros, usuários dos primeiros PC, criaram os primeiros bulletin board systems (BBS). Animados pelo impulso de compartilhar suas experiências e conhecedores do potencial da CMC, já presente no ambiente acadêmico, eles passam a conectar seus computadores a linhas telefônicas, utilizando aparelhos de modulação / demodulação (modems), o que lhes permitia trocar arquivos com computadores distantes também conectados a linhas telefônicas e modems. Este movimento leva à constituição de centros agregadores, as BBS que, funcionando como repositório de arquivos e mensagens, passam a mediar a comunicação entre vários usuários equipados com PC e modem. O impulso que provoca a criação dos BBS evolui para uma diversidade de formatos durante a década de 1980. A mais citada das comunidades virtuais, a The Well, nasce em 1985. Neste período, proliferam também os Usenet groups, o Internet Relay Chat (IRC) e os multi-user domains (MUD). Porém, é o advento da WWW que opera a massificação da CMC no início da década de 1990. A cultura digital é certamente anterior a WWW, mas não há como negar que a Web seja central ao fenômeno, visto que a popularização aumenta a relevância de uma cultura. - 29 -
  • 30. Capítulo I - Conceitos Operações do digital: a Digitalização No imbricamento entre o PC e a CMC que funda a cultura digital, se encontra a operação de digitalização. Nicholas Negroponte faz da afirmação redundante “bits são bits” o título da primeira parte de seu livro Being Digital [1995], para reforçar a idéia de que as palavras, imagens e sons que nos são apresentados pelas interfaces do computador são, antes de mais nada, conjuntos de zeros e uns. É a digitalização que viabiliza três características marcantes das manifestações da cultura digital: a multimodalidade, o hipertexto e a simulação. Escolho o termo multimodalidade e não multimídia para não incorrer na confusão conceitual exposta por Lévy em Cibertura [1999:61-66]. Bits são “misturáveis”, portanto textos, fotos, vídeos e música podem fazer parte do mesmo bit stream, seqüência de bits. A digitalização permite construir discursos que sensibilizam múltiplos sentidos, ou o que Lévy chama de “modalidades perceptivas”. Embora a multimodalidade do discurso digital esteja condicionada a limites impostos tanto pelas funcionalidades da interface quanto pela eficiência da rede, as manifestações da cultura digital pressupõem a possibilidade de conectar imagens, sons e textos. Porém, não devemos deixar de notar que o processo de digitalização também potencializa o discurso multimídia, entendido como aquele que se produz utilizando diferentes mídias, como a TV, o rádio, o computador, ou o livro. A junção das linguagens sonoras, visuais e verbais é um fator de aceleração prepoderante do movimento de convergência das mídias [Santaella 2002]. Porém, o discurso multimídia não é resultante exclusivo da digitalização. O livro Maciste no Inferno de Valêncio Xavier [1983] demonstra muito bem este ponto ao criar na velha mídia do livro impresso um discurso no qual combina imagens de cinema, pautas musicais e texto linear para construir uma narrativa intersígnica. Outro exemplo não digital é a videoarte que desde o início abusou da colagem, valendo-se de materiais advindos de diferentes mídias como a televisão, o cinema e a fotografia [Matuck 1995]. O que o processo de - 30 -
  • 31. Capítulo I - Conceitos digitalização opera é a facilitação destes amálgamas. Quando a televisão, o rádio, o jornal se convertem para o suporte digital, a colagem se torna mais transparente. Em relação ao hipertexto, é necessário tomar o mesmo cuidado de perceber a anterioridade do mecanismo do hipertexto em relação à digitalização. Diversos mecanismos analógicos, que provocam o encadeiamento não linear da leitura, podem ser arrolados como precursores do hipertexto digital. Alguns exemplos são: os sistemas de remissão em notas de rodapé de um livro, as referências cruzadas de uma enciclopédia ou o sistema de mapas de um guia de ruas. A grande novidade que a digitalização invoca é a remissão automática. O suporte digital permite a navegação instantânea entre as referências não lineares de um hipertexto. A velocidade da remissão automática altera tanto a leitura como a escritura. O hipertexto permite a construção de discursos não lineares cuja leitura tem que lidar com múltiplas possibilidades de percurso. A operação de remissão permite modificar o discurso. Liberto da linearidade o texto pode ser construído a partir de elementos atômicos que se entrelaçam em percursos múltiplos. Cada um destes elementos adquire novas significações através da conexão com outros elementos. Se considerarmos que a digitalização viabiliza a utilização de elementos multimodais, vemos o hipertexto transformar-se em hipermídia [Santaella 2002:Capítulo VIII]. Neste cenário, constituem-se as bases de uma nova linguagem que implica um leitor imerso em discursos que exigem a sua participação interativa [ibidem]. Neste sentido, como aponta Steven Johnson, os links, elementos básicos do hipertexto digital, são a característica mais marcante do ciberespaço: “Peça a qualquer usuário da Web para lembrar o que primeiro o seduziu no ciberespaço; é pouco provável que ouça descrições rapsódicas de uma figurinha animada rodopiando, ou de um clipe de som fraco e distorcido. Não, o momento de eureka para a maior parte de nós veio quando - 31 -
  • 32. Capítulo I - Conceitos clicamos em um link pela primeira vez e nos vimos arremessados para o outro lado do planeta.” [2001:83] Esta descrição não denota somente o potencial da hipermída, também aponta para a segunda operação fundamental do imbricamento entre o PC e a CMC: a conectividade das redes. Porém antes de tratar deste tema, vamos à terceira característica implicada pela digitalização: a simulação. Novamente, a digitalização não inaugura o fenômeno, mas transforma fundamentalmente sua potência. O teatro já funcionava como uma simulação do real na Grécia antiga. Uma simulação analógica foi a fonte de inspiração do projeto da ARPA, a mesma que patrocinou a criação das bases da Internet, responsável pelo nascimento de boa parte daquilo que erroneamente, como vimos, é chamado de multimídia. Impressionados com o sucesso dos israelenses no resgate em Entebe, no ano de 1976, o Departamento de Defesa americano encomendou à ARPA o desenvolvimento de meios eletrônicos de treinamento que permitissem a suas tropas o mesmo nível de aptidão. O sucesso em Entebe havia sido garantido pela simulação do ataque em uma reprodução detalhada do aeroporto, no qual os passageiros estavam aprisionados. Porém, a reconstrução física de ambientes seria muito cara e demorada. A multimídia, ou melhor dizendo, as interfaces de multimodalidade nasceram do esforço de reconstrução de ambientes a partir da combinação de sons, imagens e movimento. [Negroponte, 1995:65-67] No caso das simulações, a diferença de potencial que o digital opera é de outra natureza. Não estamos falando de uma remissão que poderia ser feita com menor rapidez e eficiência por meios analógicos, ou de uma colagem de diferentes estímulos sensoriais que passa a ser facilmente exeqüível. As simulações que o ambiente digital permite são efetivamente impossíveis no mundo analógico. As capacidades de cálculo do computador contribuem para - 32 -
  • 33. Capítulo I - Conceitos isto de duas formas: aumentando o número de variações que podem ser calculadas e instrumentalizando um conjunto maior de perspectivas sobre a simulação. O computador excede a possibilidade humana em relação à simulação. Fugindo de um exemplo científico: é simplesmente impossível para o homem simular todas as variações de cenários, para todos os movimentos possíveis de um jogador, em uma arena como as do jogo eletrônico Quake. O homem conhece todas as equações, é ele que opera sua digitalização, mas a eficiência de um esforço humano-analógico impossibilita não só a conclusão do cálculo, como a produção da imagem. Operações do digital: a Conectividade A conectividade é a segunda operação fundamental do encontro do PC com as possibilidades da comunicação mediada por computador. Os bits são endereçáveis, portanto, em um meio compartilhado como a Internet, é possível enviar mensagens para serem lidas por seus destinatários [Negroponte 1995:Part One]. Também é possível estabelecer conexões entre elementos digitais armazenados em locais físicos distantes ou imediatos. A capacidade de remissão que, como vimos, é a característica básica do hipertexto, é elevada a uma nova potência, quando colocada em rede. O discurso apresenta-se como uma cadeia de conexões aberta que permite conectar conteúdos internos e externos a si mesmo. Não estamos mais presos dentro do corpo de um hipertexto específico; podemos interagir com diversos discursos anteriores, da mesma maneira que navegamos pelas remissões internas. A conectividade generalizada da cultura digital resulta da inovação tecnológica que dá origem à Internet, a rede das redes. Trata-se do Transfer Control Protocol / Internet Protocol (TCP/IP) que foi desenvolvimento para permitir que computadores com as mais diferentes configurações possam estabelecer canais - 33 -
  • 34. Capítulo I - Conceitos de comunicação entre si. Por ser absolutamente independente de plataforma do computador, sistema operacional ou software aplicativo, a comunicação via Internet permitiu conectar milhões de computadores e redes existentes. Atualmente, a grande maioria das redes públicas e privadas existentes no planeta tem gateways (portas) para Internet. A segunda conseqüência da conectividade é o privilégio dado à comunicação bidirecional. Na cultura digital, é quase sempre possível interagir com o produtor da mensagem. A capacidade diálogica, que a televisão tem buscado por meio de mecanismo de participação da audiência, é fator constituinte da nova cultura. Na WWW, que constitui um dos ambientes menos dialógicos da Internet, a publicação do endereço de email do responsável pelo conteúdo de um site é considerada uma providência mínima e obrigatória. Alguns outros aplicativos como chats, sistemas de conferência ou newsgroups da Usenet propiciam a interatividade entre os interlocutores na forma direta de diálogos efetivos. A conectividade constitui o princípio territorial da cultura digital. É ela que forma o ciberespaço. Fora do campo da geometria, o território da cultura digital é determinado pelas possibilidades de percurso através de múltiplas conexões. Se o espaço físico nos permite caminhar do ponto A ao ponto B por um corredor, mas nos impede de ir ao ponto C, em função de uma parede, o espaço digital nos permite transitar a partir dos links e endereços que interligam e localizam diferentes objetos digitais. Vale notar que como não guarda correspondência direta ou determinante com o espaço físico, a cultura digital tende a se desenvolver acima das culturas nacionais e regionais. A cultura digital é primariamente global. Nesse sentido, podemos notar como o processo de globalização da economia mantém relação íntima com esta cultura. Negroponte chega a afirmar: - 34 -
  • 35. Capítulo I - Conceitos “As business world globalizes and the Internet grows, we will start to live on a seamless digital workplace. Long before political harmony and long before the GATT talks can reach agreement on the tariff and trade of atoms, bits will de borderless, stored and manipulated with absolute no respect to geopolitical boundaries.” [1995:228] Operações do digital: a Virtualização Para completar o quadro, precisamos encarar a questão da virtualidade discutida por Pierre Lévy em seu O Que é o Virtual?. Ele demonstra que o virtual não se opõe ao real, uma vez que o real é uma condição das substâncias e o virtual uma condição dos acontecimentos. O virtual opõe-se ao atual, pois ele propõe uma rede de tendências, de problemas, de situações possíveis, enquanto o atual é uma solução particular. Por sua vez, o real é oposto ao potencial, mas aqui, é o real que determina a coisa constituída e particular, enquanto o potencial são as possibilidades predeterminadas dos corpos. O real e o atual são manifestos, o virtual e o potencial são latentes [1996]. A virtualização é, portanto, o processo através do qual um acontecimento qualquer é transformado em rede de possibilidades. É um retorno à problemática, contrário à atualização que é a solução desta. Lévy descreve uma série de processos de virtualização. Fala da virtualização do corpo, do texto, da economia. Ele demonstra que estes movimentos não pertencem apenas ao mundo pós-moderno. Estão presentes em várias atividades habituais do homem, como a leitura. Segundo o autor, a leitura pressupõe a virtualização do texto, pois a solução particular do escrito transforma-se em problema para o leitor, redes de possibilidades que sua capacidade de significação voltará a atualizar. [1996] Os processos de virtualização são comuns no ciberespaço. Os links entre sites criam possibilidades muitas vezes inesgotáveis para o “surfar” ou “navegar” na - 35 -
  • 36. Capítulo I - Conceitos rede. As relações sociais, livres da natureza rígida dos espaços físicos e dos valores das comunidades geográficas, tornam-se latentes nas múltiplas alternativas de conexão que são viabilizadas. Desprendendo-se de seus próprios corpos, sexo e posição social, os indivíduos virtualizam-se, criando personas que interagem socialmente nos MUD, chats e conferências da Internet. O próprio ciberespaço é um virtual, visto que não se apresenta diretamente. Ele é um campo de possibilidades que nos é atualizado por interfaces. Voltando ao início deste capítulo, é a virtualidade que empresta à cultura digital sua escala assustadora. Campo não resolvido que permite uma quantidade sem fim de atualizações, o ciberespaço difere da biblioteca que se apresenta atualizada nos diversos volumes que a compõem. Tomada em um momento instantâneo, uma biblioteca por maior que seja, é um corpo finito, capturável. Certamente, não será possível ler todos os seus volumes, mas podemos apreender seu tamanho. O ciberespaço é incomensurável, visto que se atualiza de maneira particular nas telas de cada um de seus habitantes e se transforma, constantemente, a partir destas atualizações. Quando visito uma biblioteca, ao sair ela permance basicamente intacta; ao navegar no ciberespaço, tenho a possibilidade de deixar meus comentários, participar de votações ou interagir com outros internautas. A complexidade e o fim das utopias finalistas Ao aumento da escala provocado pela virtualização, soma-se a questão da complexidade. Existe um movimento de crise da percepção que é potencializado pela explosão informacional, que resulta na multiplicidade de pontos de vista. A Internet, através da virtualização do espaço social, contribui para a instauração do complexo como novo paradigma. A realidade não é mais redutível e, como demonstram Deleuze e Guattari, as tentativas de explicação da realidade por modelos englobalizadores fracassam [1995]. - 36 -
  • 37. Capítulo I - Conceitos Os filósofos franceses, propõem a construção de “rizomáticas”, teorias que se libertem da procura do uno, da explicação reducionista que tenta prender todas as manifestações a um único modelo. Eles sugerem que é preciso “... escapar da oposição abstrata entre o múltiplo e o uno, para escapar da dialética, para chegar a pensar o múltiplo em estado puro, para deixar de fazer dele o fragmento numérico de uma Unidade ou Totalidade perdidas ou, ao contrário, o elemento orgânico de uma unidade ou totalidade por vir – e, sobretudo, para distinguir tipos de multiplicidades.” [1995:46] A proposição dos filósofos é bastante desafiadora, já que todo o pensamento ocidental estruturou-se a partir de categorias, unidades, modelos desde os tempos de Platão. Trilhando outro caminho, o filósofo italiano Gianni Vattimo propõe a transição da “sociedade da cultura” que constrói sua própria objetividade através de um processo de “fabulação do mundo”, para uma “sociedade transparente” que opere a desmistificação da desmistificação. Vattimo postula que debaixo dos mitos existem mitos, ou seja, debaixo de signos, signos. Em prol de uma heterogenia, ele propõe o fim do ideal da auto-consciência. Diante da cultura digital, as proposições distintas de Deleuze / Guatari e Vattimo permitem defender que o homem deve emancipar-se da prisão finalista da utopia. A simultaneidade e fragmentação do cotidiano, operada na polifonia dos meios de comunicação, afastam o indivíduo da possibilidade do belo utópico. Sustenta-se uma heterotopia do conhecimento, o “...reconhecimento de modelos que fazem mundo e que fazem comunidade apenas no momento em que estes mundos e estas comunidades se dão explicitamente como múltiplos.” [Vattimo, 1992:74] Neste mesmo sentido, temos a proposição central de Pierre Lévy em Cibercultura: o universal sem totalização: “Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais ele se torna universal, e menos o mundo informacional se torna totalizável.” [1999:111] Lévy dedica a segunda parte de seu livro sobre a cultura digital a demonstrar como a tese do universal sem totalização perpassa - 37 -
  • 38. Capítulo I - Conceitos campos tão diversos quanto a arte, a educação e a democracia. [1999:Segunda Parte] Sua tese é que o digital produz o “universal por contato”, ou seja, o universal que se faz presente, diretamente, a partir do fenômeno da conectividade generalizada. A comunicação ocorre na presença do contexto em que é produzida, visto que este contexto é também digital. De maneira diversa, as culturas fundadas a partir do texto escrito constroem o contexto por meio de operações de interpretação e tradução. Estas culturas buscam a universalidade através da totalização do sentido. É a significação que produz os entes abstratos que devem alcançar o universal; por conseqüência, estes universais se pretendem totalizantes, visto que almejam abarcar o conjunto das possibilidades de um contexto que não é presente. Na cultura digital, o universal presente impossibilita a totalização. A cultura digital pressupõe a convivência do contraditório e do múltiplo, portanto, os projetos totalizantes não fazem mais sentido. Nas palavras do filósofo: “O universal da cibercultura não possui centro nem diretriz. É vazio, sem conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a carga semântica das entidades relacionadas.” [1999:111] - 38 -
  • 39. Capítulo I - Conceitos Interatividade Interatividade e produção de sentido Em primeiro lugar, cabe delimitar que a interatividade, nos termos desta dissertação, deve ser entendida como atividade produtora de sentido, a partir da comunicação direta ou mediada entre dois sujeitos. Está, portanto, excluída a interação de um sujeito com um objeto que não implique significação. No entanto, não se atribui qualquer condição de sucesso à operação significação. A interatividade que buscamos analisar envolve, antes a intenção de um sujeito em comunicar algo, que sua habilidade em fazê-lo. Desta forma, como comenta Roy Ascott “... o significado é criado a partir da interação entre pessoas, ao invés de ser ‘algo’ que é enviado de uma para outra” [apud Matuck 1995:251]. Como pretendo discutir possíveis transformações na interatividade dentro da cultura digital, vou restringir minha análise à interatividade mediada por computadores. Isto não deve indicar que a cultura digital não possa provocar modificações na interatividade da comunicação não mediada, nem exclui a possibilidade de transformações da interatividade no âmbito de outros mecanismos de mediação, como as mídias de massa. A restrição corresponde apenas ao procedimento metodológico de ajuste de foco. Teremos sempre presente ao menos uma instância de mediação entre os agentes da comunicação. As possibilidades e restrições do meio digital são, portanto, determinantes para a interatividade que pretendo discutir. Os mecanismos que a viabilizam apresentam novos aspectos de eficiência, assim como acrescentam novas camadas de ruído ao processo de comunicação entre os agentes cognoscentes. O objetivo desta dissertação é destacar quais fatores condicionam a interatividade neste contexto. - 39 -
  • 40. Capítulo I - Conceitos A interatividade é compreendida como o processo que permite que agentes manipulem tanto os discursos que pretendem comunicar quanto as condições nas quais estes são produzidos, apreendidos e transmitidos. Este processo exige a participação ativa dos agentes na atualização das condições virtuais de significação e, portanto, excluem situações que se caracterizam pela apreensão passiva das mensagens. O fenômeno que interessa a esta análise configura sistemas complexos e simples, que apresentam múltiplas alternativas de produção de objetos significantes e de apreensão de significados. A interatividade é um jogo de possibilidades que condiciona o sentido das mensagens. “Interativo é o sistema que se abre e nos recebe, como uma construção arquitetônica nos recebe. O entorno, umwelt, nos aborda e expande nossa compreensão tal como a linguagem...” [Bairon e Petry apud Santaella 2002:407]. Vale destacar que não estarei preocupado com o processo de interação homem e máquina em si. Este processo só interessa na medida em que interfere na comunicação entre dois sujeitos cognoscentes. No entanto, não estou determinando a natureza do agente, como veremos na análise da dimensão do agente no próximo capítulo. Apenas pretendo excluir da análise a interação homem - máquina que serve a objetivo diverso da produção de sentido. Por exemplo, existe um processo de interação entre homem e máquina quando um programador senta-se à frente de seu computador para escrever um programa que, posteriormente, fará cálculos de estrutura arquitetônica. Porém este processo não interessa à minha pesquisa. Posteriormente, se o programador pretende que outras pessoas utilizem seu código, ele vai estar envolvido no processo de criação de uma interface que, então, caracteriza uma interação entre dois agentes cognoscentes, que se opera no meio digital, visto que a intenção de comunicar do programador se faz presente na interface. Neste momento, voltamos ao campo de análise desta dissertação. Igualmente, estaria dentro de nosso escopo a atividade de - 40 -
  • 41. Capítulo I - Conceitos apresentar os resultados do programa para outras pessoas, a partir de um suporte digitalmente mediado. Porém, no momento em que programa, a interação entre homem e máquina não é transmissora de sentido entre dois sujeitos cognoscentes, embora esta atividade possa ser produtora de significado a posteriori. Cabe também notar que a significação que é produzida pelo processo de interação ocorre em diferentes níveis de complexidade. Ou seja, podemos dizer que uma troca de emails entre dois especialistas sobre uma questão complexa de suas pesquisas opera processos de significação que não podem ser comparados à leitura da previsão do tempo em um site na web. Porém, isto não interessa a minha análise, já que o que pretendo discutir é a natureza dos mecanismos de interação no meio digital e não a complexidade das processos mentais de apreensão do sentido de uma mensagem. O que não quer dizer que a interatividade não condicione a apropriação do sentido. Ou seja, a complexidade da mensagem pode condicionar o processo de significação, sem determinar sistemas de interatividade. Voltando ao exemplo, um email pode tanto servir a um debate acadêmico intrincado, quanto a uma simples consulta sobre o tempo, assim como um site na web pode informar sobre o tempo ou sobre a alta ciência. Retornaremos a este ponto no segundo capítulo. Alguns autores trabalham a interatividade, distinguindo dois outros conceitos: interação [Lemos / Vittadini apud Mielniczuk 2000:174] e reatividade [Vittadini / Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Segundo a primeira distinção, a interação deveria caracterizar o “contato interpessoal”, enquanto a interatividade caracterizaria a comunicação mediada. Acho duvidosa a utilidade desta distinção. A linguagem também pode ser entendida como mediação. Neste caso, os conceitos distiguiriam a comunicação mediada unicamente pela linguagem e a comunicação mediada não somente pela linguagem. Agora, se entendo que a arte produz objetos de linguagem, devo excluí-la do campo da interatividade. Porém, como entendo a interatividade como sistema - 41 -
  • 42. Capítulo I - Conceitos configurável que permite aos agentes da comunicação transformar texto e contexto, tenho dificuldade em aceitar que as instalações pós-modernas não seriam ser entendidas como objetos interativos. A outra saída seria trabalhar a distinção a partir da caracteriação de “contato interpessoal”. Neste caso, como lidar com a telepresença? O telefone e a video conferência constituiriam interação ou interatividade? Se interatividade, teriamos que questionar porque um diálogo em contato direto difere daquele realizado via teleconfência. Se interação, caberia perguntar se a comunicação através de um aplicativo de mensagem instântanea, mesmo mediada pelo computador, teria deixado de caracterizar interatividade para ser classificada como interação. Seguindo para a segunda distinção, entre reatividade e interatividade, temos, de uma lado, a capacidade de suscitar a “reação da audiência” e, de outro, a interatividade que “implicaria uma resposta genuína” da audiência [Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Meu primeiro problema é como caracterizar o que é uma “resposta genuína”. Os três fatores citados para resolver esse impasse são a presença de: “ação comum entre dois uma mais agentes”; “capacidade igualitária de ação ... ação de um deve servir como premissa para a ação do outro”; e “imprevisibilidade das ações” [Mielniczuk 2000:175]. Deverá ficar claro, no decorrer do texto, que vários dos mecanismos de interatividade que identifico e analiso não cumprem um ou mais dos requisitos acima. A construção desta distinção tem o viés de análise das mídias de massa. Neste contexto, a desigualdade entre os agentes da comunicação é preponderante e a idéia da reatividade, talvez, faça sentido. No meio digital, esta desigualdade é dinâmica e não, necessariamente, determinada pelo poder econômico. O conceito de interatividade utilizado nesta dissertação abarca o que na análise acima é chamado de interação, interatividade e reatividade. As diferentes resultantes da interatividade produzidas pela variação dos contextos de comunicação são entendidas como questão de intensidade, como veremos ao final deste item, quando será apresentada a formulação da idéia de graus de - 42 -
  • 43. Capítulo I - Conceitos interatividade, utilizada por Pierre Lévy [1999]. Utilizarei os termos interatividade e interação como referentes do mesmo conceito. A mídia digital e a capacidade de diálogo Um dos pontos mais interessantes sobre o meio digital é a ubiqüidade da capacidade de interação direta entre os agentes. Mesmo quando o formato da comunicação não pressupõe o diálogo em sua primeira instância, esta possibilidade é apresentada como forma de feedback pelo produtor de discursos digitais. Raramente, encontramos um site na Web que não disponibilize um email para contato. Não devemos, no entanto, ter a impressão de que a interação dialógica ocupa uma posição central na cultura digital. Boa parte das manifestações da cultura digital são publicadas em meios digitais, para leitura por diversos públicos, não pressupondo que um diálogo venha a se estabelecer com estes leitores. Mesmo em uma conferência eletrônica como The Well ou Brainstorms, a comunidade atualmente liderada por Howard Rheingold, a maior parte dos participantes se resume a ler os debates que se produzem, sem fazer uso do potencial dialógico do meio. Cerca de 80% dos participantes de fóruns técnicos jamais fazem um comentário [Zhang 2002:26]. Não obstante, é a capacidade diálogica que anima a crescente utilização do meio digital pelos veículos de mídia de massa. Quando canais de televisão e rádio, jornais e revistas procuram maior interatividade, o que, normalmente, está em jogo é a capacidade de ouvir a audiência. São já inúmeros os exemplos de veículos de comunicação em massa que procuram interagir com seus públicos, por meio de votações, utilizando sites na web ou mensagens de texto (SMS – short messaging system) em telefones celulares. Entre outras, a rádio Eldorado de São Paulo e a MTV têm utilizado a Web de maneira bastante efetiva para estabelecer um diálogo com sua audiência. No Brasil, também - 43 -
  • 44. Capítulo I - Conceitos podemos arrolar os exemplos recentes das votações através de SMS, em “reality shows” como Big Brother e Casa dos Artistas. Na Europa, onde o fenômeno do SMS é mais consolidado, há vários exemplos de interação audiência – veículo, utilizando esta tecnologia (ver www.xiam.com/news/business-gets-the-message/b2c/television.shtml). Mas não devemos supervalorizar esta tendência. Uma recente pesquisa da revista inglesa The Economist demonstra, de maneira bastante clara, que a televisão permanece como um meio de entretenimento, basicamente, passivo [Pedder:2002]. Também devemos notar que o potencial dialógico que está implicado neste cruzamento entre mídias de massa e meio digital é bastante restrito, em face do que ocorre no ambiente deste último, por meio de vários mecanismos. O diálogo digital traz diversas novas possibilidades que serão analisadas em maior detalhe no terceiro capítulo. O fenômeno do email, uma das primeiras e, na minha opinião, ainda a mais importante tecnologia do mundo digital, operacionaliza a interatividade através do diálogo. Da mesma forma, operam os sistemas de mensagens instantâneas, os fóruns eletrônicos e as salas de chat. Um dos aspectos mais importantes do diálogo no meio digital é a telepresença. As tecnologias do ciberespaço permitem que seus agentes se façam presentes e disponíveis para o diálogo, por meio de uma série de mecanismos. Embora um email possa ser comparado às antigas correspondências, não há como negar que eu não me faço presente na casa de um amigo que mora em outro país, pelo fato de que ele pode me enviar uma carta. Já quando alguém visita meu site e se depara com meu endereço de email, bastando um click para se comunicar comigo, seria válido afirmar que eu estou presente no site, dada a natureza quase imediata desta comunicação. Alguns, talvez, defendam que a ausência da sincronia não permite caracterizar telepresença. Mas, se tomarmos o exemplo das comunidades virtuais, percebemos que a presença virtual é tratada nestes ambientes de maneira - 44 -
  • 45. Capítulo I - Conceitos bastante equivalente à presença física. É comum usuários de fóruns eletrônicos se referirem, no meio de uma discussão, a outros participantes da seguinte maneira: “tenho certeza que fulano quando chegar aqui terá algo a dizer sobre este assunto”. As discussões são tratadas como espaços, porque, como vimos anteriormente, caracterizam possibilidades de conexão. Os membros de uma comunidade virtual sentem-se presentes nelas. Não quero, no entanto, disputar o fato de que, quando envolve a possibilidade do diálogo síncrono, como nos aplicativos de mensagens intantâneas ou nas salas de chat, a telepresença se apresente de maneira muito mais direta. Nestes ambientes, ela se compara de maneira direta ao telefone, o formato mais corriqueiro de telepresença que conhecemos. O potencial interativo da leitura Qualquer processo de leitura pressupõe a interatividade do leitor com o escritor através da mediação do texto. O meio digital transforma este campo da interação de maneira bastante significativa, graças à digitalização e seus já discutidos mecanismos característicos: a multimodalidade, o hipertexto e a simulação. Cabe agora discutir como se altera a interatividade do leitor com o texto. De maneira geral, os textos analógicos, tomados aqui da maneira ampla, abrangendo diferentes formatos que não apenas o texto escrito, conduzem o leitor à produção do sentido, a partir de uma ordem linear previamente determinada pelo autor. É claro que esta tendência que é óbvia no exemplo do livro, é menos presente em uma exposição fotográfica, ou pode ser mesmo evitada em uma instalação pós-moderna. Porém, as possibilidades manipulativas da leitura do objeto análogico são, definitivamente, restritas, quando comparadas com os objetos digitais. - 45 -
  • 46. Capítulo I - Conceitos No meio digital, a leitura se abre sobre um novo campo de possibilidades. As diversas seções de um folheto eletrônico não se apresentam por uma seqüência de páginas; transformam-se em uma lista de títulos ou expressões resumos que procuram atrair a atenção do leitor que deverá optar pelo item que mais lhe interessa. É certo que este recurso pode ser comparado a um mero índice eletrônico, no entanto, quando bem construído, o texto digital pode permitir que esta remissão constitua uma multiplicidade de sentidos. Um objeto digital, como um jogo eletrônico, demonstra, de maneira mais eloquënte, as possibilidades de interatividade da leitura. O jogo Myst, que caracteriza um marco na produção de jogos de aventura, constitui um excelente exemplo. Existe uma história em Myst: uma ilha abandonada em que aconteceu algo misterioso que precisamos desvendar. Porém, a leitura desta história, que inclusive determina o sucesso do jogador, é feita a partir da interação com os múltiplos objetos que o mundo gráfico do jogo nos apresenta. À exceção de um pequeno manual, não há qualquer indicação do caminho a ser seguido na leitura deste objeto digital. Cada leitor / jogador faz o seu percurso, construindo de maneira interativa o sentido do texto escrito pelos criadores do jogo. Há ainda muito a ser explorado. O fato de que jogos eletrônicos voltados ao público jovem constituam alguns dos exemplos mais ricos das possibilidades desta nova leitura, é bastante ilustrativo. Criadores de jogos estão, por natureza, habituados a planejar interações abertas com um grande espectro de possibilidades, visto que sem isto teríamos jogos monótonos. Porém, em muitas outras escrituras, persiste o desafio de construção de um discurso que se aproprie, por completo, das possibilidades criadoras desta leitura interativa. Janet Murray sustenta essa afirmação em sua análise do encontro da arte da narrativa com o ciberespaço, ao mesmo tempo em que documenta os diversos avanços realizados por pioneiros como Michael Joyce, autor do romance hipertextual Afternoon [1997]. De maneira similar, Steven Johnson recorre ao - 46 -
  • 47. Capítulo I - Conceitos exemplo da descontinuada revista eletrônica Suck (www.suck.com), para demonstrar quão mais rica pode ser a utilização do recurso do hipertexto para a construção de um discurso intersígnico. “O resto da Web via o hipertexto como um sumário eletrificado, ou um suprimento ‘anabolizado’ de notas de rodapé. Os ‘Sucksters’ o viam como uma maneira de frasear um pensamento.” [2001:99] Ainda no exemplo dos sites da WWW, é fácil perceber que a escritura continua a ser linear, embora a possibilidade da não linearidade esteja latente na profusão de links utilizados. Por mais que se utilize de links para enriquecer sua mensagem, o autor pretende que seu leitor siga de um paragráfo ao próximo. Os links não constroem uma leitura alternativa; apenas acrescentam uma nova camada refencial explícita, que adiciona sentido ao texto, mas não pertence a ele. No entanto, é preciso perceber que, mesmo neste estágio embrionário em que se desenvolve uma nova escritura que, efetivamente, se apropria das possibilidades interativas do meio digital, existe um movimento de transferência do pólo da significação da escritura para a leitura. Não quero aqui contradizer os ensinamentos de Umberto Eco de que o leitor sempre foi agente da significação, mas o texto linear permitia ao escritor um maior controle sobre sua mensagem. Com o potencial de interatividade do texto digital, o escritor produz uma obra ainda mais aberta, visto que mais determinada pelas seleções do leitor diante de alternativas explicitas do objeto digital. Um outro ponto muito importante desta nova leitura é a presença imediata do contexto. O texto impresso se dissocia de seu contexto de produção. Quando lemos um romance de Goethe, não temos presente o conjunto de referências implicado pelo momento histórico em que foi escrito. Desta forma, o texto implica um aparato de interpretação, uma “tecnologia linguística” nas palavras de Lévy [1999:114]. Já o texto digital apresenta a possibilidade de referenciar - 47 -
  • 48. Capítulo I - Conceitos seu contexto. É possível dar permanência ao debate que envolveu o pensamento do autor na construção do texto. Não se trata apenas de um conjunto de referências que já eram possíveis via notas de rodapé no texto escrito; agora, um emaranhado de links permite que o leitor contextualize o discurso dentro de um momento histórico. Não estamos mais restritos às referências selecionadas pelo autor, mas, a partir da web, é possível absorver o “esprit du temps” que envolve o texto. É claro que permance um esforço de interpretação, mas sendo o texto digital, as conexões são imediatas e o contexto se apresenta por contato. Tanto Richard Lanham [1993], quanto Pierre Lévy [1999], citando os estudos de Walter Ong sobre a oralidade, percebem neste movimento um retorno às condições que prevalecem no discurso oral. Nas culturas anteriores ao texto impresso, o contexto era presente na figura do narrador. O trovador carregava consigo o contexto daquilo que interpretava em seu discurso. Sua audiência tinha acesso imediato a suas referências, já que escritura e leitura coexistiam. No ciberespaço, o tempo se faz permanente, através das referências que são persistidas em bancos de dados, as memórias eletrônicas da cultura digital. Uma última particulariedade da interatividade da leitura no meio digital são as novas possibilidades de inclusão do leitor no texto. Como a digitalização opera a virtualização do texto, um autor versado nas possibilidades do meio pode criar ambientes que são determinados a partir da interação. Tomarei um jogo eletrônico novamente. O popular SimCity carrega um texto complexo no bojo de suas regras. Neste jogo, o usuário é convidado a desenvolver uma cidade. Ele toma decisões típicas de planejamento urbano e enfrenta as repercussões sociais de seus atos. Sua cidade pode crescer e prosperar ou empobrecer e ser abandonada por seus habitantes. Ele pode ser elogiado ou execrado pelos jornais locais. Obviamente, todas estas possibilidades foram previamente escritas pelos autores do jogo, mas é somente a inserção do leitor / jogador que atualiza o texto. Ao comentar esta característica do texto digital, Janet - 48 -
  • 49. Capítulo I - Conceitos Murray conclui que a leitura no meio digital constitui uma experiência de imersão [1997]. O exemplo mais potente desta nova inserção do leitor no texto são os MUD. Nestes ambientes, o leitor possui uma persona que se faz presente no texto coletivo que cria o ambiente. Para ler tem que agir. Se ao entrar em uma sala, peço para “ver” o que lá existe, posso descobrir uma caixa que necessita ser “aberta” para ser explorada. Além desta operação ativa que me projeta no texto, posso ser surpreendido por um inexperado “ataque”, que o criador / programador da sala, programou para ocorrer sempre que alguém tentar “abrir” a caixa. Minha persona está no texto. Graus de interatividade O que o meio digital apresenta, de maneira inovadora, é o aumento de potência da participação ativa dos agentes na construção do sentido das mensagens. Antes de demonstrar as novas dimensões que estão implicadas no fenômeno da interatividade na cultura digital, que será o tema do próximo capítulo, quero apontar para algumas conseqüências desta potencialização da interatividade. “A possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por seu receptor é um parâmetro fundamental para avaliar o grau de interatividade...” [Lévy 1999:79] Em primeiro lugar, é preciso perceber que o potencial de interatividade não se distribui igualmente, através das manifestações da cultura digital. Certamente, o ciberespaço sempre implica em algum nível de interatividade, como não poderia deixar de ser em qualquer meio de comunicação. No entanto, temos discursos mais e menos interativos; algumas vezes, por força das tecnologias e interfaces que lhes dão suporte, outras vezes, em função das opções particulares do autor. Uma rápida análise comparativa entre algumas tecnologias que convivem no ciberespaço é útil para exemplificar as diferenças entre os graus de - 49 -
  • 50. Capítulo I - Conceitos interatividade. Estes mecanismos são investigados, em maior detalhe, no terceiro capítulo. As tecnologias viabilizadoras de diálogo, como os softwares de messagem instantânea, o email e as salas de chat, apresentam um potencial de interatividade superior a sites expositivos na Web. Nestes, o autor não é imediatamente influenciado pelo feedback da leitura, e seu texto é, geralmente, predeterminado, embora possa acolher uma série de possibilidades de manipulação pelo leitor. Já o diálogo representa a forma clássica da interdeterminação direta do discurso por seus agentes que se alternam em interlocução. Agora, quando se compara a interação via um software de mensagem instantânea ao que ocorre em um MUD, é possível perceber maior potência interativa no segundo, pois este, além de permitir a reprocidade efetiva entre os agentes da comunicação, viabiliza a reapropriação do texto pelo leitor e sua efetiva transformação. Neste último caso, a leitura não somente atualiza o texto, como também o transforma a partir de nova operação de virtualização. Por fim, tomando como exemplo uma conferência eletrônica, temos textos particulares que não podem ser alterados por seus leitores, mas que constituem um texto coletivo: o conjunto das mensagens enviadas à conferência, que é formado pela interação de escritos / leitores, envolvendo, portanto, múltiplos processos de produção de sentido. A interatividade na cultura digital constitui um universo complexo, visto que comporta várias tecnologias de comunicação e que estas se combinam, formando diversos híbridos. Dentro deste universo, cabe destacar a interatividade como convivência. Se aceito a idéia de ciberespaço e percebo que sou capaz de investir uma persona a minhas interações, é possível perceber que o ato de interagir nos ambientes digitais mais participativos, como as comunidades virtuais e os MUD, tem a natureza de se fazer presente. Uma vez que estamos falando de ambientes nos quais muitos agentes interagem, esta presença termina por se configurar em - 50 -
  • 51. Capítulo I - Conceitos convivência que é operada através da interação. Descrevendo sua experiência no The Well, Howard Rheingold caracteriza bem este fato: “The feeling of logging into the Well for just a minute or two, dozens of times a day, is very similar to the feeling of peeking into the café, the pub, the common room to see who’s there and whether you want to stay around for a chat.” [1994:26] Outro ponto a destacar é a existência de uma escritura coletiva. Uma escritura em diálogo que se transforma em texto coletivo, através da virtualização operada pelo ciberespaço. É o que Lévy caracteriza como “... bases de dados ‘vivas’, alimentadas permanentemente por coletivos de pessoas interessadas pelos mesmos assuntos e confrontadas umas às outras” [1999:100]. Para ilustrar este ponto, vamos tomar o livro que nos apresenta a correspondência entre Herman Hesse e Thomas Mann. Embora a escritura ainda permaneça um exercício isolado, o produto livro é um texto com dois autores e, quando leio o texto, construo sentidos a partir da interação entre os textos de Hesse e Mann. Se tomamos um newsgroup da Usenet bem organizado temos diversos autores, e, novamente, a escritura permance um exercício individual; porém, quando visito esta conferência eletrônica e leio seu conjunto de mensagens, a significação será realizada a partir do conjunto das mensagens publicadas. Agora, neste ambiente, há duas novidades: a primeira é que o texto permanece aberto para minha atuação: posso participar da sua escritura; a segunda, é que de tempos em tempos, as pessoas mais freqüentes, neste grupo, se organizam com o objetivo de publicar um resumo daquilo que seu debate discute, gerando documentos que muitas vezes tomam o formato de um FAQ (frenquently asked questions) com o objetivo de informar novos visitantes sobre as principais convergências e divergências que a interação entre seus participantes produziu. Por último, quero destacar que interagir atualiza o ciberespaço. Mesmo quando um internauta exerce, de maneira mais simples, o potencial de interatividade do meio, navegando despretenciosamente entre sites e links, ele deixa rastros. - 51 -
  • 52. Capítulo I - Conceitos Os sites que visita, os links em que clica são armazenados pelos servidores que hospedam estes sites e constituem dados de tráfego que servirão, posteriormente, para informar, ao criador do site, como seus leitores têm interagido com o conteúdo que publicou. Esta atualização implícita que a navegação provoca no ciberespaço, soma-se a diversas possibilidades explícitas de interação, como publicar comentários em páginas nas quais navegamos, contribuir em fóruns eletrônicos, publicar links com sites favoritos, entre outros. - 52 -
  • 53. Capítulo I - Conceitos Interface A natureza transformadora da interface digital Em última instância, o ciberespaço é constituido de pulsos elétricos que transitam através de cabos telefônicos, fibra óticas, circuitos integrados e processadores. Como não temos condições de compreender estas informações neste estado, construímos mecanismos adequados a nossos sentidos. As interfaces reproduzem os pulsos eletrônicos na forma de símbolos que somos capazes de interpretar. Elas constituem as portas de entrada e saída do computador. Através delas, capturamos informações armazenadas e transmitidas digitalmente e inserimos as informações que pretendemos digitalizar, armazenar e, posteriormente, transmitir. A interface se aproxima da linguagem, visto que, também, não temos condições de compreender os pensamentos alheios diretamente das consciências humanas. Inicialmente vou propor que a interface seja uma instância da linguagem que justapõe as linguagens verbal, visual e sonora, condicionando as relações de significação que atuam no meio digital. Sendo a interface digital produto da combinação de várias modalidades perceptivas, seguindo a termologia proposta por Lévy [1999:61-66], ela se compara aos discursos das mídias eletrônicas, porém sua natureza é mais ampla. Enquanto a linguagem televisiva, por exemplo, condiciona uma forma de produção de sentido que envolve a prática de criação de um discurso, assim como condiciona sua recepção, a interface digital condiciona, também, novas formas do diálogo. Portanto, se aproxima do telefone e do rádio, mas seus recursos são muito mais abrangentes que o teclado numérico e o toque de ocupado do primeiro, ou as abreviações e comandos, utilizados em comunicações em canal aberto, do segundo. - 53 -
  • 54. Capítulo I - Conceitos No sentido desta complexidade, a interface digital também se apresenta de maneira bastante diversa dentre as experiências midiáticas. No meio digital, a interface exige capacidades de manipulação muito mais abrangentes. A primeira vez que alguém entra em um chat, é necessário dominar uma série de elementos da interface como: aonde clicar para introduzir o texto através do teclado; qual botão usar para enviar o texto; como definir para quem o texto está sendo enviado; além de uma série de alternativas contextuais que permitem enviar um ícone que demonstre uma emoção, definir que sua mensagem deve ser reservada a uma única pessoa da sala de chat ou optar por não receber mensagens vindas de um participante, em particular. Comparemos este ambiente, à interface que devemos dominar para escutar rádio: o dial e o botão de volume. Soma-se a esta constatação o fato de que cada sala de chat apresenta seus elementos de maneira particular e que existe uma série de outros mecanismos de comunicação no ciberespaço com diferentes interfaces. Neste ponto, temos que retroceder no raciocínio proposto acima, para desfazer a simplificação: a interface digital aproxima-se da linguagem, mas não é linguagem. A linguagem digital é condicionada pelas possibilidades da interface, mas não se confunde com ela. Um texto digital que utiliza links de maneira eficiente, para justapor diversos elementos e permitir uma leitura mais interativa, está tomando proveito da interface para se transformar, mas se constitui linguagem, na medida em que produz significação, enquanto sistema simbólico partilhado pelos agentes do processo de comunicação. Desta maneira, ao percebermos o papel inovador da interface, não devemos desprezar o potencial da linguagem digital, que, embora incipiente, é bastante transformador. Tomando o exemplo do cinema, podemos dizer que diferentes estilos e diferentes autores requerem diferentes capacidades interpretativas, mas a interface de recepção é basicamente a mesma: a tela grande dentro da sala escura. Não obstante a natureza simples da interface, a linguagem cinematográfica comporta hoje uma complexidade que se apresenta nas opções - 54 -
  • 55. Capítulo I - Conceitos estéticas de diversos discursos. Porém, isto não foi uma conseqüência imediata do invento dos irmãos Lumière. Os primórdios da televisão são ainda mais ilustrativos do hiato que se impõe entre o desenvolvimento da interface e da linguagem. As primeiras transmissões televisivas, ainda sem levar em conta o potencial cênico do meio, exibiam a filmagem de atores do rádio à frente de microfones. A linguagem digital se encontra neste estágio, sendo que a proficuidade da interface digital constitui ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade. Como comenta Steven Johnson, “a representação de toda essa informação (o ciberespaço) vai exigir uma nova linguagem, tão completa e significativa quanto as grandes narrativas metropolitanas do romance do século XX” [2001:20]. A interface é um objeto de mediação do ciberespaço. Sua natureza é permitir que os atores dos diversos processos de comunicação manipulem os objetos cognitivos que habitam este universo. A interface do browser media a comunicação entre produtor de um site e o internauta. Porém, a mensagem está contida nos elementos de linguagem engendrados pelo produtor, seus textos, imagens, sons. A interface é o mediador que permite que o produtor construa sua mensagem e que o internauta a manipule. Para que uma comunicação se produza, os agentes devem compartilhar um certo nível de compreensão dos mecanismos da interface, da mesma maneira que é necessário que comunguem, minimamente, do mesmo código de linguagem, mesmo porque a linguagem também opera uma mediação na significação entre os agentes. Porém, enquanto a linguagem carrega a mensagem, a interface condiciona a linguagem. Voltando ao exemplo do cinema, podemos perceber o quanto a evolução de sua interface transformou seu discurso. Do advento do cinema falado, às imagens coloridas, e ao contínuo avanço das técnicas de efeitos especiais, a linguagem cinematográfica se transformou profundamente e com ela a capacidade do artista transmitir sua mensagem. De maneira paralela, - 55 -