1. Revista Adusp Abril 1995
O CARÁTER DISCRIMINATÓRIO
DA AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR
Sandra Zákia Lian Sousa
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2. Abril 1995 Revista Adusp
A
questão do caráter atentos para as implicações edu- cebida e interpretada, não tem
discricionário da cacionais e sociais do fortaleci- servido para diagnóstico e estí-
avaliação do rendi- mento de uma concepção de mulo ao avanço do conhecimen-
mento escolar tem avaliação escolar que se restringe to, não tem se constituído em um
sua origem no co- a procedimentos de testagem do processo de investigação que
nhecimento de ini- rendimento dos alunos e que tem apóie decisões e propostas de
ciativas que vêm sendo conduzi- evidenciado desserviços, quando ações visando o aprimoramento
das no país, pelo Ministério da se tem como propósito a demo- do trabalho, que seria sua função
Educação e por Secretarias Es- cratização da escola. eminentemente educacional.
taduais e Municipais de Educa- Discutir essas iniciativas, des- Foi recorrente, nos estudos
ção, para avaliação do ensino de os princípios em que se assen- que se voltaram a interpretar
público. tam até as conseqüências que po- significados de avaliação no con-
Refiro-me às propostas volta- dem decorrer de sua implanta- texto escolar, a denúncia de que
das para o controle de qualidade ção, é um dos desafios que hoje esta tem se constituído em um
de ensino, que tomam, como um se colocam aos educadores, par- mecanismo de legitimação do
dos indicadores de qualidade, o ticularmente àqueles que já vêm fracasso escolar. Confundindo-
desempenho dos alunos em testes sistematizando conhecimentos e se com o procedimento de atri-
de rendimento escolar, a exemplo análises na área da avaliação buição de notas, de seleção dos
daquela implementada, em âmbi- educacional. alunos com condições de serem
to nacional, pelo Ministério da Analisei, recentemente, diver- promovidos para séries subse-
Educação (Sistema de Avaliação sas pesquisas que se voltaram a qüentes, a aprovação ou repro-
do Ensino Básico, implantado em caracterização e análise de signi- vação do aluno constitui o foco
1990 pelo MEC/INEP). Propos- ficados e práticas de avaliação do central do processo de avaliação
tas dessa natureza, ao que parece, rendimento do aluno, em escolas e na finalidade do próprio pro-
tendem a ser fortalecidas pelo go- brasileiras e que trouxeram ele- cesso de ensino-aprendizagem.
verno federal, tendo sido a avalia- mentos que permitem aclarar o Os alunos não discutem o que
ção das escolas elencada pelo sentido de que vem se revestindo estão aprendendo, se estão
presidente da República, como a avaliação tal como vem sendo aprendendo, o sentido do que
uma dentre as cinco “providên- implementada, revelando, ainda, estão aprendendo mas, que nota
cias” a serem tomadas para ga- significados dessa prática para tiraram, em que disciplina estão
rantia de “educação de qualida- professores, alunos e outros pro- com ou sem “média”, quantos
de”. A “avaliação das escolas” é fissionais da educação. pontos faltam para “fechar com
assim compreendida: média”.
“A quinta providência é ava- Ritual injusto e improdutivo Ainda, a avaliação se caracte-
liar escolas. Todo ano o Ministé- riza como instrumento de contro-
rio da Educação vai aplicar testes Um dos aspectos evidenciados le e adaptação das condutas edu-
em alunos de todo o Brasil, não nestas pesquisas é que a avalia- cacionais e sociais dos alunos.
para aprová-los ou reprová-los, ção na escola tem sido interpre- Trabalha-se com o aluno em dire-
mas para ver se as escolas estão tada, basicamente, como a apli- ção à adequação e à submissão a
ensinando bem, verificar quais cação de “provas” aos alunos, as- padrões e expectativas definidas
são os pontos fracos do ensino e sociada a atribuição de nota ou pela escola, os quais, no entanto,
premiar as escolas que apresen- conceito e a decisão de pro- não levam em conta as caracte-
tarem os melhores resultados”. moção ou retenção do aluno. Em rísticas do aluno como grupo so-
(Pronunciamento do presidente conseqüência, os alunos não se cial. O saber escolar é transmiti-
Fernando Henrique Cardoso, em sentem compromissados com o do de forma desvinculada da cul-
7 de fevereiro deste ano e publi- processo de aquisição e produção tura de origem dos alunos, e a
cado na Folha de S. Paulo no dia do conhecimento mas, antes, avaliação visa verificar o domínio
seguinte). com a conquista de pontos que desse saber, que não é o das ca-
lhes garantam aprovação, o que madas populares da sociedade de
Desafios aos educadores nem sempre significa a ocorrên- que se origina a maioria dos alu-
cia de aprendizagem. A finali- nos da escola pública. Assim, es-
Para além de observar que dade classificatória se sobrepõe a tes alunos tendem a ser excluí-
“avaliar escolas” certamente im- análise, reformulação e redire- dos, convertendo-se desigualda-
põe a consideração de outros in- cionamento do trabalho desen- des sociais em fracasso escolar,
dicadores que, não apenas, o de- volvido. sob um discurso de que a todos
sempenho de alunos em testes, Ou seja, a avaliação, tal como são dadas iguais oportunidades
considero necessário estarmos dominantemente vem sendo con- educacionais, mas são os alunos
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que se comportam de maneira b) Sob o duvidoso suposto de frente às diferenças de de-
diversa. Caracteriza-se a avalia- que uma comparação entre sempenho dos alunos nos
ção como um ritual improdutivo as escolas, por meio de testa- testes, as inúmeras e comple-
pedagogicamente e injusto so- gem de rendimento do alu- xas variáveis, nem sempre
cialmente. no, constitui-se em estímulo passíveis de mensuração, que
para melhoria de ensino, não condicionam o desempenho
Ameaça à democratização se está ampliando o caráter escolar?
do ensino discriminador da avaliação? f) Que projeto político ideológi-
Ou seja, para além da avalia- co norteia a opção de órgãos
Os aspectos suscintante men- ção a serviço da seleção dos coordenadores de políticas
cionados ilustram contribuições alunos “fortes” e “fracos”, educacionais por uma pers-
trazidas por pesquisas realizadas, implanta-se a avaliação a ser- pectiva de classificação das
nos últimos anos, no Brasil, sobre viço da classificação das es- escolas que, certamente, con-
avaliação escolar. Ao evidencia- colas “fortes” e “fracas”. corre para o individualismo e
rem como a hegemonia é pro- c) Que implicações tal classifi- competição entre elas?
duzida na escola através das cação pode ter na implemen- O levantamento dessas inda-
práticas avaliativas, formais e in- tação de políticas públicas? gações não reflete uma descrença
formais, presentes no seu cotidia- Direcionar esforços e recur- na importância de que sejam
no, alteram para os lim- conduzidas avalia-
ites de uma visão emi- ções que subsidiem a
nentemente técnica da definição e imple-
avaliação, evidenciando O sucesso ou o fracasso dos alunos em mentação de políti-
sua dimensão política. cas públicas, capazes
Entendida como um in- testes de rendimento escolar não se de viabilizar a uni-
strumento político, a versalização do ensi-
avaliação tanto pode coloca como uma questão individual. no com qualidade.
servir à democratização Revela, no entanto,
da educação, como Expressa, para além do sucesso ou o entendimento de
pode ser utilizada como que as propostas, em
instrumento de dis- fracasso da escola, a política andamento, têm im-
criminação social. Sua plicações que podem
forma, seu conteúdo, o educacional implementada, o que remete vir a comprometer a
uso que se fizer de seus concretização do
resultados, podem à análise dos princípios, prioridades, próprio propósito
servir a um ou a outro em que se apóiam a
propósito. condições e ações responsáveis. democratização do
É desse entendi- ensino.
mento que emergem Por fim, observo
indagações que, a meu que o sucesso ou o
ver, merecem ser ex- fracasso dos alunos
ploradas, em relação a iniciati- sos para a melhoria das “es- em testes de rendimento escolar
vas de utilização de testagem de colas fracas” ou para promo- não se coloca como uma questão
rendimento dos alunos como ção de “ilhas de excelência”? individual. Expressa, para além do
instrumento possibilitador da d) Que reflexos pode ter o uso sucesso ou fracasso da escola, a
melhoria do ensino, como as desses resultados na carreira política educacional implementa-
que se seguem: docente e, conseqüente, na da, o que remete à análise dos
a) A concepção de avaliação de relação do docente/escola princípios, prioridades, condições
aprendizagem que está sendo com os alunos “fracos”? A e ações responsáveis pela produ-
fortalecida não é aquela que, esperança de premiações e o ção de um ensino com tal ou qual
sob a aparência de seleção medo de punições não po- qualidade no limite, podendo vir a
técnica, opera a seletividade dem resultar em intensifica- significar um descompromisso do
social na escola, como vêm ção do processo seletivo que Poder Público com suas responsa-
mostrando as investigações? já ocorre na escola, “expul- bilidades na área educacional.
Que critérios orientam a sele- sando-se” delas os alunos que
ção e organização do conheci- não revelarem probabilidade Sandra Zákia Lian Sousa é pro-
mento a ser legitimado pelos de se sairem bem nos testes? fessora da Faculdade de Educa-
testes de rendimento escolar? e) Como serão ponderadas, ção da USP.
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