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| sem-abrigo |
Texto de João Marrana, João Firme, João Gonçalves e Carla Rosa
[Coordenador e técnicos do programa Intergerações | Intersituações_SCML]
PROGRAMA
Intergerações
Intersituações de Exclusão
e Vulnerabilidade Social
5
| destaque |
A condição de sem-abrigo é um
fenómeno complexo e de difícil
análise. Face à ausência
de dados concretos e atualizados
sobre esta população,
a Santa Casa da Misericórdia
de Lisboa estruturou uma
intervenção com o objetivo
da identificação, sinalização
e diagnóstico dos sem-abrigo
da cidade.
Ser sem-abrigo
Enquanto tinha dinheiro, tinha amigo
O desemprego foi o motivo pelo qual me tornei sem-abrigo
Neste momento não me integro na sociedade
O sistema não me dá oportunidade
Aprende-se muito na rua
Por mais comida que me deem
Ninguém me mata a fome
Vivo um dia de cada vez
Não quero ser ajudado
Sinto-me mais próximo da miséria
Quem dorme na rua
Precisa de ter cuidado
Temos que dar a volta à crise
Posso baixar a cabeça, mas nunca os braços
Se não conseguir jogar na primeira divisão, jogo na quarta
Sinto falta é de conversar com alguém
Julgo que a minha mãe ainda está viva
Gostava de ver a minha filha antes de morrer
Tenho o sonho de ter um quarto
Um prato todos os dias, compreensão e amizade
Poema composto por João Firme (a partir de frases
de sem-abrigo de Lisboa) Julho de 2013
6
| sem-abrigo |
A
existência de pessoas em condição de
sem-abrigo é a evidência mais visível
dos processos de exclusão social que
a cidade produz quotidianamente. A
mesma cidade que, plena de contrastes, se orgulha
de ser o espaço de cultura, liberdade e cidadania,
de conforto e qualidade de vida, que a colocam nos
lugares cimeiros dos rankings mundiais. Bem sabe-
mos que a cidade gera um conjunto de vivências e
de condições que propiciam este fenómeno que,
associado a outras problemáticas – como as pa-
tologias e as dependências –, torna a existência de
sem-abrigo uma quase inevitabilidade.
A este fator devemos, nos dias de hoje, acrescen-
tar as novas configurações sociais das populações
em risco de exclusão e vulnerabilidade social que
transformam a realidade dos sem-abrigo num fe-
nómeno heterogéneo e muito complexo, de difícil
análise e de delicada observação. Uma situação que
só pode ser contrariada se os organismos públicos
e privados concertarem estratégias e definirem uma
intervenção cuidada e continuada, avaliada de for-
ma crítica e com uma definição clara de objetivos
e prioridades.
As pessoas que se encontram nesta situação
estão, desde logo, privadas de exercer os seus di-
reitos básicos de cidadania, como o direito à mo-
rada e, como tal, à sua própria existência enquanto
cidadãos. Estão afastados do acesso aos sistemas
de informação de apoio e ao conjunto das respos-
tas sociais formais. Sabemos que, regra geral, os
sem-abrigo não se dirigem aos serviços e, quando
o fazem, chocam com a rigidez dos mecanismos
de distanciamento, dos procedimentos e das regras
que são criadas e impostas pelas necessidades fun-
cionais e interesses dos serviços e dos seus profis-
sionais. Esta forma de acolher representa uma bar-
reira quase intransponível. Um obstáculo perante o
qual a maioria desiste.
Mas, quem são estas pessoas? Quantos são
aqueles que vivem nas ruas da nossa cidade? A au-
sência de números concretos e dados atualizados e
credíveis sobre estes nossos concidadãos (também
pelo facto de ser um fenómeno em constante muta-
ção) levou a que fosse estruturada uma intervenção
que nos permitisse encontrar as respostas a estas e
outras questões, importantes e indispensáveis para
podermos agir com rigor e assertividade.
É importante ir ao encontro do outro, penetrar no
seu espaço e no seu mundo e deixarmo-nos ir. Só
assim é possível alcançar o que está por detrás de
cada gesto e atitude, perceber a linguagem do ou-
tro e conhecer a sua capacidade de compreender
aquilo que comunicamos como verdades absolutas.
Nessa altura ganhamos a confiança e estabelece-
mos o elo necessário que nos permite estar pre-
sente e observar como cada um, à sua maneira e
por sua iniciativa, vai desenhando o seu caminho e
definindo o seu percurso.
Entendemos este nosso trabalho como uma mis-
são. Predispusemo-nos a ouvir e a criar cumplici-
dades. Desejamos que todos possam usufruir deste
estudo da realidade dos sem-abrigo de Lisboa e
nele encontrem um contributo positivo. Dignidade
não é apenas garantir o acesso a bens e serviços. É
também denunciar publicamente as situações en-
contradas, dar voz e protagonismo aos sem-abrigo,
incentivar neles a vontade de participar e proporcio-
nar as condições para que possam decidir sobre as
suas vidas.
Só através do esforço que cada um de nós está
predisposto a fazer e da capacidade de conhecer
com profundidade a realidade em que estas pes-
soas vivem e dos que com ela se relacionam é que
estaremos à altura de efetivar uma intervenção rea-
lista e qualificada, consistente e produtiva.
Conhecer a realidade
O programa Intergerações | Intersituações de Ex-
clusão e Vulnerabilidade Social visou então, numa
primeira mão, a identificação, a sinalização e o diag-
nóstico dos sem-abrigo da cidade de Lisboa. Porém,
Operação da
equipa do programa
Intergerações /
Intersituações junto
da população sem-
-abrigo, em Lisboa
7
| destaque |
outros objetivos foram sendo traçados ao longo do
trabalho desenvolvido. Pretendemos também ficar
a conhecer e identificar as situações de vulnerabili-
dade social das pessoas que recorrem à distribuição
alimentar realizada pelas “carrinhas”. Desejámos
ainda conhecer e identificar todas as instituições
que prestam apoio à população sem-abrigo, bem
como perceber os hábitos de higiene e alimenta-
res desta população. Todos estes desafios só foram
possíveis de concretizar uma vez que acompanhá-
mos as rotinas de diferentes pessoas sem-abrigo,
durante um período de 24 horas seguidas, para me-
lhor conhecer esta realidade.
Procurámos, assim, saber quantas e quem são
estas pessoas que vivem na rua. Onde vivem e por-
quê? Quais as suas redes de apoio? Quais as suas
fontes de rendimentos? Quais os seus problemas
de saúde? E quais são as suas expectativas face ao
futuro? Os seus sonhos e objetivos…
Metodologia de trabalho
Com o intuito de fazer um diagnóstico holístico de
cada pessoa abordada, foram constituídas equipas
multidisciplinares, compostas por profissionais das
áreasdeenfermagem,psicologia,serviçosocial,rea-
bilitação e inserção social. As equipas percorreram
as ruas de Lisboa, segundo uma divisão estruturada
em sete eixos geográficos. O eixo 1 corresponde à
zona oriental da cidade, atravessando toda a zona
situada entre Xabregas e o aeroporto de Lisboa, in-
cluindo os Olivais e o Parque das Nações. O eixo 2
abrange toda a zona de beira-rio oriental, de Santa
Apolónia ao Campo das Cebolas. A zona central e
histórica da cidade (eixo 3) inclui a Baixa-Chiado,
Avenida da Liberdade e zonas circundantes, Par-
que Eduardo VII e Campolide. Todos os locais entre
o Cais do Sodré e Santos pertencem ao eixo 4. A
zona de Alcântara e Belém corresponde ao eixo 5.
O eixo 6 corresponde às zonas de Benfica / Campo
Grande / Sete Rios / Lumiar / Areeiro / Picoas. Por
fim, o eixo 7 diz respeito à zona de Martim Moniz /
Avenida Almirante Reis / Arroios.
Um traço caraterístico do nosso trabalho foi, des-
de cedo, procurar a colaboração das mais diversifi-
cadas entidades da cidade de Lisboa, com o intuito
de criar forças sinérgicas na prossecução do nosso
objetivo. Assim, contámos com o apoio de entida-
Com a aplicação do questionário às pessoas sem-abrigo,
não foi só possível identificar e diagnosticar esta população
mas, nalguns casos, efetuar uma sinalização ou identificação
de situações específicas à Direção de Emergência e Apoio à
Inserção (atual Unidade de Emergência), durante o horá-
rio normal de expediente, ou à Comunidade Vida e Paz no
horário noturno, de acordo com o protocolo que foi previa-
mente estabelecido com esta entidade. Tendo em conta que
a condição de sem-abrigo é, por si só, uma situação de risco
e vulnerabilidade, o programa Intergerações | Intersituações
sentiu a necessidade de definir os seguintes critérios de sina-
lização/identificação de casos:
• indivíduos em situação de sem-abrigo recente, sem histo-
rial prévio;
• jovens-adultos e seniores (maiores de 65 anos) em situação
de sem-abrigo;
• indivíduos sem acesso a cuidados de saúde ou com cuida-
dos deficitários;
• solicitação de serviços de apoio (atendimento social, desa-
bituação de substâncias psicoativas, centro de acolhimento
temporário, etc.);
• solicitação de cartão de cidadão;
• solicitação de atendimento na Direção de Emergência e
Apoio à Inserção;
• solicitação de regresso ao país de origem.
Foi possível constatar que a maior percentagem de sinali-
zações (73%) prende-se com a solicitação de serviços de
apoio, especificamente de atendimento social, desabituação
de substâncias psicoativas e respostas habitacionais, assim
como encaminhamentos para a antiga Direção de Emergên-
cia e Apoio à Inserção. Outro dado que se destaca é a signi-
ficativa percentagem de pessoas que deseja regressar ao seu
país de origem (13%). Encontrámos 8% de indivíduos que
preenchiam os critérios para sinalização, mas que não dese-
jaram ser ajudados. Por fim, com prevalências da ordem dos
3%, identificámos duas categorias distintas: por um lado, in-
divíduos sem acesso a cuidados de saúde ou com cuidados
deficitários, por outro, indivíduos que pretendiam renovar/
solicitar o cartão de cidadão.
Identificar, diagnosticar e sinalizar
des oficiais, nomeadamente da Câmara Municipal
de Lisboa, na qual se destaca a parceria importan-
tíssima da Divisão de Higiene Urbana na identifica-
ção dos locais de pernoita, pois são os funcionários
8
| sem-abrigo |
que compõem esta divisão que melhor conhecem
todas as ruas, becos e arcadas da nossa cidade.
Ainda ao nível das entidades oficiais, contámos
com o apoio das juntas de freguesia e da Polícia de
Segurança Pública. As instituições de solidarieda-
de social que prestam apoio à pessoa sem-abrigo
revelaram-se igualmente uma importante fonte de
informação, tendo-nos auxiliado prontamente na
identificação de locais. Por último, mas não menos
importante, realçamos o apoio das empresas pri-
vadas de segurança, dos agrupamentos de escu-
teiros, das associações de moradores e paróquias,
de estabelecimentos de ensino, do comércio local
e dos moradores, bem como de diversas empresas,
nomeadamente a ANA – Aeroportos de Portugal, o
Metropolitano de Lisboa, a Refer e a Transtejo.
Com vista ao levantamento aprofundado de infor-
mações do ponto de vista pessoal, familiar, socioe-
conómico e de saúde, foi elaborado um questioná-
rio de heterorresposta com um conjunto de itens
que abrange todas as áreas acima mencionadas.
Tendo em conta a crescente evolução das comuni-
dades romenas na cidade de Lisboa, com especial
atenção àquelas que vivem em situação de sem-
-abrigo, a equipa do programa sentiu a necessida-
de de traduzir o questionário para a língua romena,
para uma melhor aplicação nas situações em que a
comunicação em português era impossível.
Contagem total e única dos
sem-abrigo na cidade de Lisboa
De forma a obter um número exato de pessoas
sem-abrigo, o programa Intergerações | Intersitua-
ções preconizou uma contagem de todos os sem-
-abrigo que, no dia 12 de dezembro de 2013, se en-
contravam a pernoitar nas sete mil ruas da cidade
de Lisboa. Este método, utilizado internacionalmen-
te para a contagem dos sem-abrigo, tem-se reve-
lado extremamente eficaz nas diferentes cidades e
países onde é utilizado.
Por outro lado, este modelo de ação conta ain-
da com um vasto leque de benefícios. É uma ação
que sensibiliza toda a comunidade envolvente para
a condição de sem-abrigo e, por consequência,
a todos mobiliza na procura de soluções para dar
resposta a este fenómeno. A contagem total e úni-
ca permite ainda obter informações fidedignas e
atuais acerca dos pontos de referência de pernoita,
informações que nem sempre é possível recolher de
A abordagem direta a indivíduos em situação de
vulnerabilidade e exclusão social é uma tarefa
delicada e sensível. Como tal, considerámos per-
tinente a elaboração de um documento de apoio
que servisse de guia a todos aqueles que traba-
lham com esta população.
Deste modo, foi elaborado um instrumento de
abordagem direta à população sem-abrigo da
cidade de Lisboa. Constituem parâmetros desse
guião aspetos relacionados com a apresenta-
ção inicial, postura, comunicação verbal e não-
-verbal, responsabilidades dos entrevistadores e
procedimentos gerais a ter em conta neste tipo
de trabalho.
Guião de abordagem direta
aos sem-abrigo
Mapa da
operação de
contagem única da
população
sem-abrigo realizada
pela Misericórdia
de Lisboa
9
| destaque |
Vestígios
de ocupação por
sem-abrigo na
Avenida Infante
D. Henrique,
em Lisboa
longo de todo este trabalho, percebemos que são
várias as causas que concorrem para esta condi-
ção de sem-abrigo, nomeadamente os conflitos
familiares e relacionais, a doença mental ou física,
o desemprego, a perda de rendimentos ou mesmo
o desajuste face à estrutura social definida pelos
grupos sociais maioritários.
O que distingue a pessoa sem-abrigo acaba por
ser a forma como cada indivíduo experiencia esta
condição. O percurso que faz e as consequências
que se vão revelando pelo caminho (o alcoolismo,
a toxicodependência, as doenças físicas e men-
tais, a dificuldade de relação com o outro), são es-
pelho das várias casualidades que o empurraram
para a rua.
Mais do que uma situação de vulnerabilidade –
que implica a privação e a falta de recursos – e de
exclusão social – que nos remete para um proble-
ma de cidadania, pela impossibilidade de acesso
aos sistemas sociais básicos –, a situação de sem-
-abrigo é uma situação de rutura.
No entanto, o diagnóstico realizado é promissor
no que toca a esta mesma situação de rutura. Cons-
tatámos que, na maior parte das situações, ainda é
possível recuperar a vinculação das pessoas em si-
tuação de sem-abrigo à sua rede social de suporte.
Para o sucesso dessa recuperação, podem cooperar
diversos fatores, nomeadamente o tempo de per-
manência de rua, a existência de laços familiares e
as habilitações literárias.
Diferentes situações…
Diferentes locais
A proximidade e o contacto regular que a equipa
Intergerações manteve com esta realidade permitiu
que fossem identificados diferentes situações e lo-
cais associados à população sem-abrigo da cidade
de Lisboa, permitindo uma abordagem também ela
distinta.
Constatámos a existência, por um lado, de algu-
mas comunidades de sem-abrigo que, devido ao
conjunto de caraterísticas e traços comuns ineren-
tes ao processo de exclusão e vulnerabilidade social
de que são alvo, acabam por criar laços de amizade
entre si. Estes laços amenizam a situação de rutura
e facilitam a sobrevivência na rua, fortalecendo o
espírito de entreajuda e cooperação. Uma reflexão
forma exata. Por fim, é um método prático que não
necessita de muitos recursos para a sua realização.
Não obstante, é importante igualmente apontar
algumas limitações a este método. Dizem respei-
to às condições climáticas, à falta de preparação
do grupo de voluntários envolvidos, à extensão da
área geográfica a percorrer e à própria limitação dos
dados recolhidos, pois só nos indicam um local de
pernoita das pessoas observadas.
No sentido de agilizar o planeamento desta gran-
de iniciativa, optou-se por dividir o território da
cidade de Lisboa tendo por base a recente reorga-
nização das freguesias. Foram assim constituídos
diversos grupos, organizados por freguesia, grupos
esses que percorreram as ruas do território que lhes
fora atribuído, entre as 21h30 e as 00h30, identifi-
cando todas as pessoas sem-abrigo (género e ida-
de) e o local onde foram encontradas.
A realização da contagem total e única contou
com o apoio das juntas de freguesia, mas também
de todas as associações/entidades/particulares
que quiseram colaborar com o programa, nomea-
damente agrupamentos de escuteiros, associa-
ções de moradores, instituições particulares de
solidariedade social, instituições de ensino, entre
outras. O número total de voluntários ultrapassou
oitocentas pessoas.
O contacto com a realidade
Entre as várias caraterísticas dos sem-abrigo, um
traço comum é o da quebra dos laços que ligam
as pessoas estáveis a um conjunto de estruturas
sociais inter-relacionadas, reforçando a importân-
cia do conceito de desvinculação, visto como o
enfraquecimento ou ausência de vinculações. Ao
10
| sem-abrigo |
interessante acerca destas comunidades diz respei-
to à necessidade demonstrada pelas pessoas que
as compõem de encontrar um sentimento de iden-
tidade. Dessa forma, foi possível verificar que as
comunidades diferem consoante as caraterísticas
individuais das pessoas que as compõem, como,
por exemplo, os hábitos de consumo de substân-
cias psicoativas, a iliteracia e a própria postura face
à resolução dos seus problemas – maior ou menor
proatividade.
Por outro lado, este contacto com a realidade e
com as rotinas diárias das pessoas sem-abrigo
permitiu ao programa Intergerações identificar di-
ferentes locais onde encontramos indivíduos nesta
situação. Os locais de pernoita são espaços que os
sem-abrigo escolhem para passar a noite. São sele-
cionados em função da necessidade de segurança,
de conforto e de companhia que cada um percecio-
na individualmente. Nesta categoria, encontramos
casos como os do viaduto de Pedrouços, da arcada
de um prédio ou de um banco de um jardim. Já os
locais de passagem referem-se aos espaços de pa-
ragem das várias carrinhas de distribuição alimen-
tar, onde encontramos, todas as noites, uma longa
fila de sem-abrigo e pessoas em situação de vulne-
rabilidade social a aguardar pela sua vez para rece-
ber um saco com uma refeição. Por fim, os locais de
mendicidade são aqueles onde os sem-abrigo con-
seguem amealhar algum dinheiro, como é o caso
das entradas de supermercados, escadarias de igre-
jas e zonas de estacionamento para automóveis.
Os acampamentos de romenos
O programa Intergerações visitou ainda comunida-
desromenas,nasquaisfoibemrecebido.Namaioria
dos casos, estas comunidades são compostas por
indivíduos que se concentram em grande número,
organizados em famílias numerosas e com meno-
res, debaixo de viadutos e em prédios devolutos. O
motivo pelo qual estas pessoas estão em condição
de sem-abrigo difere dos casos que mencionámos
anteriormente, tendo em conta que estas pessoas
emigraram para Portugal à procura de melhores
condições de vida e encontraram na mendicidade
e no convívio com os seus a melhor alternativa para
subsistir e sobreviver em Portugal.
Em todos os acampamentos desta comunidade
foram observadas deficientes condições higiénico-
-sanitárias e ausência de água potável, recorrendo
os ciganos romenos às fontes de água pública mais
próximas, transportando depois a água em conten-
tores (garrafões e alguidares). Verificou-se ainda
que as comunidades confecionam a sua própria ali-
mentação no local, fazendo fogueiras para o efeito.
Normalmente, abrigam-se em pequenas barracas
improvisadas de cartão e/ou madeira.
No que concerne ao seu estilo de vida, durante
o dia esta população recorre à mendicidade, pede
dinheiro e estaciona carros em pontos espalhados
pela cidade de Lisboa, utilizando depois esse dinhei-
ro para comprar bens alimentares que confeciona
no local onde pernoita. Verifica-se um certo rigor
e organização na forma como é executada essa
mendicidade: as pessoas escolhidas abandonam o
acampamento de madrugada, algumas acompa-
nhadas de crianças, deslocam-se aos locais já pre-
A realidade de Portugal é significativamente
diferente da dos Estados Unidos da América,
onde a percentagem de veteranos de guerra
em situação de sem-abrigo é problemática
(estimativas apontam que cerca de 40% da
população sem-abrigo nos EUA seja compos-
ta por veteranos de guerra), levando mesmo
à criação de programas específicos para esta
subpopulação. Ainda assim, o programa Inter-
gerações encontrou em Lisboa alguns vetera-
nos das guerras nas ex-colónias ultramarinas
que se encontram em situação de sem-abrigo.
São homens com idades na ordem dos 60 anos,
frequentemente com problemas de alcoolismo
e que tendem a estar em situação de sem-abri-
go de forma crónica (vários anos de rua), com
maiores problemas de rutura de ligações à rede
familiar e de suporte. Muitas vezes, por detrás
destas situações escondem-se doenças psi-
quiátricas, como a perturbação de pós-stress
traumático, resultado dos acontecimentos
traumáticos que vivenciaram em situações de
guerra.
Veteranos de guerra
das ex-colónias
11
| destaque |
comboios. Durante o período em que o acompa-
nhámos não tomou banho, tendo desfeito apenas a
barba. De salientar que “Manuel” tem cuidado com
a sua imagem pois, antes de sair da estação de com-
boios, pela madrugada, tem o cuidado de se pentear.
Para realizar as suas necessidades fisiológicas, utili-
za também os sanitários da estação ferroviária.
No que concerne à Interação Social, “Manuel”
é bastante comunicativo. Interage com os funcio-
nários da estação de comboios, com transeuntes
e com outras pessoas em situação de sem-abrigo
com quem se vai cruzando ao longo do dia. Gosta de
se manter ocupado. Diariamente, durante o período
da manhã, vai dar pão seco e duro às gaivotas junto
à beira-rio. Faz um passeio diário pela área circun-
dante, regressando por volta das 10h00 ao jardim da
zona ribeirinha da cidade, onde permanece o resto
do dia. Neste local, dedica-se à leitura de livros e à
Acampamento
da comunidade romena
situado na Avenida
das Forças Armadas,
em Lisboa
viamente estabelecidos (portas de igrejas, super-
mercados, centros comerciais), onde passam o dia,
voltando ao acampamento ao final do dia.
Existe uma grande disparidade de idades no seio
das comunidades romenas visitadas pela equipa
do programa, tendo sido encontrados menores,
bebés inclusive, bem como mulheres grávidas. Si-
multaneamente, encontram-se pessoas com mais
de 65 anos. Apesar de termos sido bem recebidos,
existiram barreiras comunicacionais – mesmo com
a versão do inquérito traduzida –, pois algumas das
pessoas revelaram não saber ler. Verificou-se tam-
bém a existência de hierarquias na estrutura social
do acampamento, sendo que, regra geral, os mais
novos e as mulheres seguem as indicações de pes-
soas de mais idade do sexo masculino.
duas vidas na cidade
Nome: “Manuel”; Idade: 58 anos
De uma forma geral, “Manuel” passa o seu dia na
estação de comboios e áreas circundantes.
No que diz respeito à alimentação, “Manuel” re-
corre ao apoio fornecido pelas carrinhas de distri-
buição alimentar. Realiza apenas uma refeição com-
pleta, ao jantar, distribuída por uma das instituições
que se desloca à estação de comboios. Durante o
dia vai comendo bolos e empadas. Não bebe água,
ingerindo apenas café (entre três e quatro) durante
o dia. Não tem consumos etílicos.
Relativamente aos cuidados de higiene, “Manuel”
realiza-os nas instalações sanitárias da estação de
O programa Intergerações |
Intersituações de Exclusão e
Vulnerabilidade Social visou
então, numa primeira mão,
a identificação, a sinalização
e o diagnóstico dos sem-
-abrigo da cidade de Lisboa
12
| sem-abrigo |
Carrinhas de distribuição alimentar – Locais de concentração
Equipa do
Intergerações /
Intersituações
na Avenida da
Liberdade, em Lisboa
Podemos identificar 16 locais na cidade de Lis-
boa que constituem os pontos de passagem com
maior afluência de pessoas que aí acorrem com
o objetivo de recolha de alimentação.
• Jardim D. Luís I
• Rua D. Luís I
• Campo das Cebolas
• Praça José Fontana
• Praça Duque de Saldanha
• Sete Rios – Estação CP
• Praça de Londres – Café Mexicana
• Igreja Nossa Senhora de Fátima
• Gare do Oriente
• Estação de Santa Apolónia
– Largo do Museu Militar
• Restauradores – Antiga Loja
do Cidadão
• Rossio – Teatro D. Maria II
• Largo de Alcântara
• Meia-Laranja
• Praça da Figueira
• Cais do Sodré – Estação CP
De uma forma geral, estes locais coincidem com
as zonas com uma maior incidência de popu-
lação sem-abrigo da cidade de Lisboa. Porém,
convém frisar que são pessoas com teto as que
mais recorrem a este serviço de distribuição ali-
mentar.
O que carateriza estes locais? Geralmente, são
locais estratégicos em termos de mobilidade
para as pessoas, pois situam-se junto dos trans-
portes e são centrais, tendo em conta as zonas
de habitação, de locais de mendicidade e de
maior fluxo de pessoas.
Maioritariamente, as pessoas que recorrem a
este tipo de apoio são homens e a faixa etária
mais representativa é a compreendida entre os
30 e os 50 anos. Porém, observam-se também
menores a acompanhar os seus familiares, no-
meadamente em locais como o Teatro D. Maria
II e a Praça Duque de Saldanha. As instituições
com serviço de distribuição alimentar mais pre-
sentes são a Comunidade Vida e Paz e o Cen-
tro de Apoio ao Sem-abrigo, possivelmente por
serem as únicas instituições que prestam este
serviço com maior regularidade. No entanto,
outras instituições e particulares percorrem al-
guns destes pontos – e outros locais aqui não
representados –, como é o caso dos centros
paroquiais, agrupamentos de escuteiros, par-
ticulares, grupos de funcionários de empresas
privadas, entre outros.
Ainda há uma outra realidade que gostaríamos
de traçar. De facto, são várias as situações de
vulnerabilidade social com que nos fomos de-
parando e que, de certa forma, nos suscitaram
a atenção para desenvolver este trabalho. Uma
destas situações é a observada, diariamente, na
entrada principal de um supermercado situado
no centro de Lisboa, aquando do fecho deste
estabelecimento. Por volta das 21h00, quando
esta superfície comercial encerra, junta-se um
grupo numeroso de pessoas que vão à procu-
ra de alimentos nos contentores do lixo do su-
permercado, nomeadamente produtos frescos
que já não podem ser comercializados no dia
seguinte ou ainda produtos que terminaram a
data de validade naquele mesmo dia e que, por
isso, não podem estar nas prateleiras para ven-
da ao público. O grupo, heterogéneo na idade e
no género, já está provido de sacos de plástico,
carrinhos de transporte de compras ou ainda
veículos motorizados, de forma a recolher rapi-
damente os produtos e transportá-los para as
suas casas. Todo este processo é feito de forma
muito rápida e sem dar nas vistas, pois depreen-
de-se claramente que são casos de “pobreza
envergonhada”.
13
| destaque |
escritadepoemas.Oaspetomaismarcantede“Ma-
nuel” é efetivamente o seu gosto pela poesia. Publi-
cou um livro com a sua poesia, com apoio de uma
Fundação. De frisar ainda que “Manuel” mantém
contatos regulares com a filha, via telemóvel.
Por fim, em termos de estado emocional e com-
portamento geral, “Manuel” apresenta-se bem-
-disposto, sem oscilações de humor e com uma
postura adequada. Acorda todos os dias com o seu
despertador, por volta das 5h00 da manhã. Mostra-
-se bastante organizado, arrumando as suas coisas
de forma cuidadosa. “Manuel” anda todo o dia com
os seus pertences, deixando apenas o papelão junto
às escadas de acesso à estação de comboios.
Nome: “António”; Idade: 48 anos
De uma forma geral, “António” passa o seu dia no
mercado e áreas circundantes.
No que diz respeito à alimentação, “António”,
além de recorrer ao apoio fornecido pelas carrinhas
de distribuição alimentar, nomeadamente a da Co-
munidade Vida e Paz, recebe apoio de alguns co-
merciantes do mercado. Normalmente realiza ape-
nas uma refeição completa, para a qual compra no
mercado alguns ingredientes e que pede a um dos
cafés da redondeza para confecionar. Não ingere lí-
quidos durante o dia.
Relativamente aos cuidadosdehigiene, “António”
refere deslocar-se aos balneários públicos existentes
na Alameda a fim de os realizar e tomar banho. Po-
rém, durante as 24 horas em que o acompanhámos,
não realizou qualquer cuidado de higiene. Utiliza, por
norma, as instalações sanitárias do mercado para
satisfazer as suas necessidades fisiológicas.
No que concerne à Interação Social, “António”
é bastante comunicativo. Interage com os funcio-
nários do Mercado, com transeuntes e com outras
pessoas com quem se vai cruzando ao longo do dia.
Gosta de se manter ocupado. Diariamente, a partir
das 6h00, colabora com os comerciantes do merca-
do a descarregar as carrinhas, a distribuir produtos
pelos comerciantes da zona e na limpeza do merca-
do após o fecho do mesmo. Devido a esta prestação
de serviços, os comerciantes dão-lhe algum dinheiro
e apoiam-no com a doação de géneros alimentares.
A sua família desconhece que se encontra nesta si-
tuação. No entanto, contata diária e telefonicamente
a sua filha e aos domingos vai passear com ela para
um jardim público. Refere que gostaria de ter um es-
paço condigno para poder receber a filha, que está
entregue aos cuidados da mãe. É notável o gosto em
falar da família, principalmente da filha.
Finalmente, em termos de estado emocional e
comportamento geral, ao longo do dia “António”
apresenta-se sempre bem-disposto, sem oscilações
de humor e com uma postura adequada. Acorda
entre as 4h00 e as 5h00 da manhã, arrumando os
seus pertences numa carrinha abandonada que se
encontra em frente do mercado.
Perspetivas futuras
Após este diagnóstico e face às necessidades trans-
mitidas pela população sem-abrigo procurámos
apresentar propostas concretas e inovadoras:
• Equipa de Ligação: Uma equipa multidisciplinar
que pretende ser o elo de ligação entre a pessoa
sem-abrigo e o conjunto das respostas sociais exis-
tentes.
• Centro de Recuperação de Competências Psicos-
sociais: Porque a pessoa sem-abrigo é sem-abrigo
24 horas por dia, é necessário um espaço que aco-
lha e potencie a plena inserção social do indivíduo
• Centro de Alojamento de Transição: Será um alo-
jamento com o conforto de uma casa mas com as
regras da rua e onde as pessoas sem-abrigo possam
recuperar hábitos de higiene, de responsabilidade,
de organização e de relacionamento interpessoal.
• Maioritariamente com apoio de alimentação
• Apoio de saúde quase inexistente
• Apenas cerca de 1/3 já dormiu num albergue
• Maioria sem passado de Institucionalização
• Sobretudo Homens
• Idades entre 35 e 64 anos
• Solteiros e divorciados/separados
• Com o ensino primário e ensino secundário
• Rendimento obtido através de biscates e mendicidade
PERFISAPOIOS
• Maioritariamente há menos de 6 anos na rua,
com grande peso dos que estão há menos de 1 ano
• Maioritariamente com filhos
• Mantém com filhos um contacto regular
• Minoria tem contacto com outros familiares de forma regular
ligações
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  • 1. 4 | sem-abrigo | Texto de João Marrana, João Firme, João Gonçalves e Carla Rosa [Coordenador e técnicos do programa Intergerações | Intersituações_SCML] PROGRAMA Intergerações Intersituações de Exclusão e Vulnerabilidade Social
  • 2. 5 | destaque | A condição de sem-abrigo é um fenómeno complexo e de difícil análise. Face à ausência de dados concretos e atualizados sobre esta população, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa estruturou uma intervenção com o objetivo da identificação, sinalização e diagnóstico dos sem-abrigo da cidade. Ser sem-abrigo Enquanto tinha dinheiro, tinha amigo O desemprego foi o motivo pelo qual me tornei sem-abrigo Neste momento não me integro na sociedade O sistema não me dá oportunidade Aprende-se muito na rua Por mais comida que me deem Ninguém me mata a fome Vivo um dia de cada vez Não quero ser ajudado Sinto-me mais próximo da miséria Quem dorme na rua Precisa de ter cuidado Temos que dar a volta à crise Posso baixar a cabeça, mas nunca os braços Se não conseguir jogar na primeira divisão, jogo na quarta Sinto falta é de conversar com alguém Julgo que a minha mãe ainda está viva Gostava de ver a minha filha antes de morrer Tenho o sonho de ter um quarto Um prato todos os dias, compreensão e amizade Poema composto por João Firme (a partir de frases de sem-abrigo de Lisboa) Julho de 2013
  • 3. 6 | sem-abrigo | A existência de pessoas em condição de sem-abrigo é a evidência mais visível dos processos de exclusão social que a cidade produz quotidianamente. A mesma cidade que, plena de contrastes, se orgulha de ser o espaço de cultura, liberdade e cidadania, de conforto e qualidade de vida, que a colocam nos lugares cimeiros dos rankings mundiais. Bem sabe- mos que a cidade gera um conjunto de vivências e de condições que propiciam este fenómeno que, associado a outras problemáticas – como as pa- tologias e as dependências –, torna a existência de sem-abrigo uma quase inevitabilidade. A este fator devemos, nos dias de hoje, acrescen- tar as novas configurações sociais das populações em risco de exclusão e vulnerabilidade social que transformam a realidade dos sem-abrigo num fe- nómeno heterogéneo e muito complexo, de difícil análise e de delicada observação. Uma situação que só pode ser contrariada se os organismos públicos e privados concertarem estratégias e definirem uma intervenção cuidada e continuada, avaliada de for- ma crítica e com uma definição clara de objetivos e prioridades. As pessoas que se encontram nesta situação estão, desde logo, privadas de exercer os seus di- reitos básicos de cidadania, como o direito à mo- rada e, como tal, à sua própria existência enquanto cidadãos. Estão afastados do acesso aos sistemas de informação de apoio e ao conjunto das respos- tas sociais formais. Sabemos que, regra geral, os sem-abrigo não se dirigem aos serviços e, quando o fazem, chocam com a rigidez dos mecanismos de distanciamento, dos procedimentos e das regras que são criadas e impostas pelas necessidades fun- cionais e interesses dos serviços e dos seus profis- sionais. Esta forma de acolher representa uma bar- reira quase intransponível. Um obstáculo perante o qual a maioria desiste. Mas, quem são estas pessoas? Quantos são aqueles que vivem nas ruas da nossa cidade? A au- sência de números concretos e dados atualizados e credíveis sobre estes nossos concidadãos (também pelo facto de ser um fenómeno em constante muta- ção) levou a que fosse estruturada uma intervenção que nos permitisse encontrar as respostas a estas e outras questões, importantes e indispensáveis para podermos agir com rigor e assertividade. É importante ir ao encontro do outro, penetrar no seu espaço e no seu mundo e deixarmo-nos ir. Só assim é possível alcançar o que está por detrás de cada gesto e atitude, perceber a linguagem do ou- tro e conhecer a sua capacidade de compreender aquilo que comunicamos como verdades absolutas. Nessa altura ganhamos a confiança e estabelece- mos o elo necessário que nos permite estar pre- sente e observar como cada um, à sua maneira e por sua iniciativa, vai desenhando o seu caminho e definindo o seu percurso. Entendemos este nosso trabalho como uma mis- são. Predispusemo-nos a ouvir e a criar cumplici- dades. Desejamos que todos possam usufruir deste estudo da realidade dos sem-abrigo de Lisboa e nele encontrem um contributo positivo. Dignidade não é apenas garantir o acesso a bens e serviços. É também denunciar publicamente as situações en- contradas, dar voz e protagonismo aos sem-abrigo, incentivar neles a vontade de participar e proporcio- nar as condições para que possam decidir sobre as suas vidas. Só através do esforço que cada um de nós está predisposto a fazer e da capacidade de conhecer com profundidade a realidade em que estas pes- soas vivem e dos que com ela se relacionam é que estaremos à altura de efetivar uma intervenção rea- lista e qualificada, consistente e produtiva. Conhecer a realidade O programa Intergerações | Intersituações de Ex- clusão e Vulnerabilidade Social visou então, numa primeira mão, a identificação, a sinalização e o diag- nóstico dos sem-abrigo da cidade de Lisboa. Porém, Operação da equipa do programa Intergerações / Intersituações junto da população sem- -abrigo, em Lisboa
  • 4. 7 | destaque | outros objetivos foram sendo traçados ao longo do trabalho desenvolvido. Pretendemos também ficar a conhecer e identificar as situações de vulnerabili- dade social das pessoas que recorrem à distribuição alimentar realizada pelas “carrinhas”. Desejámos ainda conhecer e identificar todas as instituições que prestam apoio à população sem-abrigo, bem como perceber os hábitos de higiene e alimenta- res desta população. Todos estes desafios só foram possíveis de concretizar uma vez que acompanhá- mos as rotinas de diferentes pessoas sem-abrigo, durante um período de 24 horas seguidas, para me- lhor conhecer esta realidade. Procurámos, assim, saber quantas e quem são estas pessoas que vivem na rua. Onde vivem e por- quê? Quais as suas redes de apoio? Quais as suas fontes de rendimentos? Quais os seus problemas de saúde? E quais são as suas expectativas face ao futuro? Os seus sonhos e objetivos… Metodologia de trabalho Com o intuito de fazer um diagnóstico holístico de cada pessoa abordada, foram constituídas equipas multidisciplinares, compostas por profissionais das áreasdeenfermagem,psicologia,serviçosocial,rea- bilitação e inserção social. As equipas percorreram as ruas de Lisboa, segundo uma divisão estruturada em sete eixos geográficos. O eixo 1 corresponde à zona oriental da cidade, atravessando toda a zona situada entre Xabregas e o aeroporto de Lisboa, in- cluindo os Olivais e o Parque das Nações. O eixo 2 abrange toda a zona de beira-rio oriental, de Santa Apolónia ao Campo das Cebolas. A zona central e histórica da cidade (eixo 3) inclui a Baixa-Chiado, Avenida da Liberdade e zonas circundantes, Par- que Eduardo VII e Campolide. Todos os locais entre o Cais do Sodré e Santos pertencem ao eixo 4. A zona de Alcântara e Belém corresponde ao eixo 5. O eixo 6 corresponde às zonas de Benfica / Campo Grande / Sete Rios / Lumiar / Areeiro / Picoas. Por fim, o eixo 7 diz respeito à zona de Martim Moniz / Avenida Almirante Reis / Arroios. Um traço caraterístico do nosso trabalho foi, des- de cedo, procurar a colaboração das mais diversifi- cadas entidades da cidade de Lisboa, com o intuito de criar forças sinérgicas na prossecução do nosso objetivo. Assim, contámos com o apoio de entida- Com a aplicação do questionário às pessoas sem-abrigo, não foi só possível identificar e diagnosticar esta população mas, nalguns casos, efetuar uma sinalização ou identificação de situações específicas à Direção de Emergência e Apoio à Inserção (atual Unidade de Emergência), durante o horá- rio normal de expediente, ou à Comunidade Vida e Paz no horário noturno, de acordo com o protocolo que foi previa- mente estabelecido com esta entidade. Tendo em conta que a condição de sem-abrigo é, por si só, uma situação de risco e vulnerabilidade, o programa Intergerações | Intersituações sentiu a necessidade de definir os seguintes critérios de sina- lização/identificação de casos: • indivíduos em situação de sem-abrigo recente, sem histo- rial prévio; • jovens-adultos e seniores (maiores de 65 anos) em situação de sem-abrigo; • indivíduos sem acesso a cuidados de saúde ou com cuida- dos deficitários; • solicitação de serviços de apoio (atendimento social, desa- bituação de substâncias psicoativas, centro de acolhimento temporário, etc.); • solicitação de cartão de cidadão; • solicitação de atendimento na Direção de Emergência e Apoio à Inserção; • solicitação de regresso ao país de origem. Foi possível constatar que a maior percentagem de sinali- zações (73%) prende-se com a solicitação de serviços de apoio, especificamente de atendimento social, desabituação de substâncias psicoativas e respostas habitacionais, assim como encaminhamentos para a antiga Direção de Emergên- cia e Apoio à Inserção. Outro dado que se destaca é a signi- ficativa percentagem de pessoas que deseja regressar ao seu país de origem (13%). Encontrámos 8% de indivíduos que preenchiam os critérios para sinalização, mas que não dese- jaram ser ajudados. Por fim, com prevalências da ordem dos 3%, identificámos duas categorias distintas: por um lado, in- divíduos sem acesso a cuidados de saúde ou com cuidados deficitários, por outro, indivíduos que pretendiam renovar/ solicitar o cartão de cidadão. Identificar, diagnosticar e sinalizar des oficiais, nomeadamente da Câmara Municipal de Lisboa, na qual se destaca a parceria importan- tíssima da Divisão de Higiene Urbana na identifica- ção dos locais de pernoita, pois são os funcionários
  • 5. 8 | sem-abrigo | que compõem esta divisão que melhor conhecem todas as ruas, becos e arcadas da nossa cidade. Ainda ao nível das entidades oficiais, contámos com o apoio das juntas de freguesia e da Polícia de Segurança Pública. As instituições de solidarieda- de social que prestam apoio à pessoa sem-abrigo revelaram-se igualmente uma importante fonte de informação, tendo-nos auxiliado prontamente na identificação de locais. Por último, mas não menos importante, realçamos o apoio das empresas pri- vadas de segurança, dos agrupamentos de escu- teiros, das associações de moradores e paróquias, de estabelecimentos de ensino, do comércio local e dos moradores, bem como de diversas empresas, nomeadamente a ANA – Aeroportos de Portugal, o Metropolitano de Lisboa, a Refer e a Transtejo. Com vista ao levantamento aprofundado de infor- mações do ponto de vista pessoal, familiar, socioe- conómico e de saúde, foi elaborado um questioná- rio de heterorresposta com um conjunto de itens que abrange todas as áreas acima mencionadas. Tendo em conta a crescente evolução das comuni- dades romenas na cidade de Lisboa, com especial atenção àquelas que vivem em situação de sem- -abrigo, a equipa do programa sentiu a necessida- de de traduzir o questionário para a língua romena, para uma melhor aplicação nas situações em que a comunicação em português era impossível. Contagem total e única dos sem-abrigo na cidade de Lisboa De forma a obter um número exato de pessoas sem-abrigo, o programa Intergerações | Intersitua- ções preconizou uma contagem de todos os sem- -abrigo que, no dia 12 de dezembro de 2013, se en- contravam a pernoitar nas sete mil ruas da cidade de Lisboa. Este método, utilizado internacionalmen- te para a contagem dos sem-abrigo, tem-se reve- lado extremamente eficaz nas diferentes cidades e países onde é utilizado. Por outro lado, este modelo de ação conta ain- da com um vasto leque de benefícios. É uma ação que sensibiliza toda a comunidade envolvente para a condição de sem-abrigo e, por consequência, a todos mobiliza na procura de soluções para dar resposta a este fenómeno. A contagem total e úni- ca permite ainda obter informações fidedignas e atuais acerca dos pontos de referência de pernoita, informações que nem sempre é possível recolher de A abordagem direta a indivíduos em situação de vulnerabilidade e exclusão social é uma tarefa delicada e sensível. Como tal, considerámos per- tinente a elaboração de um documento de apoio que servisse de guia a todos aqueles que traba- lham com esta população. Deste modo, foi elaborado um instrumento de abordagem direta à população sem-abrigo da cidade de Lisboa. Constituem parâmetros desse guião aspetos relacionados com a apresenta- ção inicial, postura, comunicação verbal e não- -verbal, responsabilidades dos entrevistadores e procedimentos gerais a ter em conta neste tipo de trabalho. Guião de abordagem direta aos sem-abrigo Mapa da operação de contagem única da população sem-abrigo realizada pela Misericórdia de Lisboa
  • 6. 9 | destaque | Vestígios de ocupação por sem-abrigo na Avenida Infante D. Henrique, em Lisboa longo de todo este trabalho, percebemos que são várias as causas que concorrem para esta condi- ção de sem-abrigo, nomeadamente os conflitos familiares e relacionais, a doença mental ou física, o desemprego, a perda de rendimentos ou mesmo o desajuste face à estrutura social definida pelos grupos sociais maioritários. O que distingue a pessoa sem-abrigo acaba por ser a forma como cada indivíduo experiencia esta condição. O percurso que faz e as consequências que se vão revelando pelo caminho (o alcoolismo, a toxicodependência, as doenças físicas e men- tais, a dificuldade de relação com o outro), são es- pelho das várias casualidades que o empurraram para a rua. Mais do que uma situação de vulnerabilidade – que implica a privação e a falta de recursos – e de exclusão social – que nos remete para um proble- ma de cidadania, pela impossibilidade de acesso aos sistemas sociais básicos –, a situação de sem- -abrigo é uma situação de rutura. No entanto, o diagnóstico realizado é promissor no que toca a esta mesma situação de rutura. Cons- tatámos que, na maior parte das situações, ainda é possível recuperar a vinculação das pessoas em si- tuação de sem-abrigo à sua rede social de suporte. Para o sucesso dessa recuperação, podem cooperar diversos fatores, nomeadamente o tempo de per- manência de rua, a existência de laços familiares e as habilitações literárias. Diferentes situações… Diferentes locais A proximidade e o contacto regular que a equipa Intergerações manteve com esta realidade permitiu que fossem identificados diferentes situações e lo- cais associados à população sem-abrigo da cidade de Lisboa, permitindo uma abordagem também ela distinta. Constatámos a existência, por um lado, de algu- mas comunidades de sem-abrigo que, devido ao conjunto de caraterísticas e traços comuns ineren- tes ao processo de exclusão e vulnerabilidade social de que são alvo, acabam por criar laços de amizade entre si. Estes laços amenizam a situação de rutura e facilitam a sobrevivência na rua, fortalecendo o espírito de entreajuda e cooperação. Uma reflexão forma exata. Por fim, é um método prático que não necessita de muitos recursos para a sua realização. Não obstante, é importante igualmente apontar algumas limitações a este método. Dizem respei- to às condições climáticas, à falta de preparação do grupo de voluntários envolvidos, à extensão da área geográfica a percorrer e à própria limitação dos dados recolhidos, pois só nos indicam um local de pernoita das pessoas observadas. No sentido de agilizar o planeamento desta gran- de iniciativa, optou-se por dividir o território da cidade de Lisboa tendo por base a recente reorga- nização das freguesias. Foram assim constituídos diversos grupos, organizados por freguesia, grupos esses que percorreram as ruas do território que lhes fora atribuído, entre as 21h30 e as 00h30, identifi- cando todas as pessoas sem-abrigo (género e ida- de) e o local onde foram encontradas. A realização da contagem total e única contou com o apoio das juntas de freguesia, mas também de todas as associações/entidades/particulares que quiseram colaborar com o programa, nomea- damente agrupamentos de escuteiros, associa- ções de moradores, instituições particulares de solidariedade social, instituições de ensino, entre outras. O número total de voluntários ultrapassou oitocentas pessoas. O contacto com a realidade Entre as várias caraterísticas dos sem-abrigo, um traço comum é o da quebra dos laços que ligam as pessoas estáveis a um conjunto de estruturas sociais inter-relacionadas, reforçando a importân- cia do conceito de desvinculação, visto como o enfraquecimento ou ausência de vinculações. Ao
  • 7. 10 | sem-abrigo | interessante acerca destas comunidades diz respei- to à necessidade demonstrada pelas pessoas que as compõem de encontrar um sentimento de iden- tidade. Dessa forma, foi possível verificar que as comunidades diferem consoante as caraterísticas individuais das pessoas que as compõem, como, por exemplo, os hábitos de consumo de substân- cias psicoativas, a iliteracia e a própria postura face à resolução dos seus problemas – maior ou menor proatividade. Por outro lado, este contacto com a realidade e com as rotinas diárias das pessoas sem-abrigo permitiu ao programa Intergerações identificar di- ferentes locais onde encontramos indivíduos nesta situação. Os locais de pernoita são espaços que os sem-abrigo escolhem para passar a noite. São sele- cionados em função da necessidade de segurança, de conforto e de companhia que cada um percecio- na individualmente. Nesta categoria, encontramos casos como os do viaduto de Pedrouços, da arcada de um prédio ou de um banco de um jardim. Já os locais de passagem referem-se aos espaços de pa- ragem das várias carrinhas de distribuição alimen- tar, onde encontramos, todas as noites, uma longa fila de sem-abrigo e pessoas em situação de vulne- rabilidade social a aguardar pela sua vez para rece- ber um saco com uma refeição. Por fim, os locais de mendicidade são aqueles onde os sem-abrigo con- seguem amealhar algum dinheiro, como é o caso das entradas de supermercados, escadarias de igre- jas e zonas de estacionamento para automóveis. Os acampamentos de romenos O programa Intergerações visitou ainda comunida- desromenas,nasquaisfoibemrecebido.Namaioria dos casos, estas comunidades são compostas por indivíduos que se concentram em grande número, organizados em famílias numerosas e com meno- res, debaixo de viadutos e em prédios devolutos. O motivo pelo qual estas pessoas estão em condição de sem-abrigo difere dos casos que mencionámos anteriormente, tendo em conta que estas pessoas emigraram para Portugal à procura de melhores condições de vida e encontraram na mendicidade e no convívio com os seus a melhor alternativa para subsistir e sobreviver em Portugal. Em todos os acampamentos desta comunidade foram observadas deficientes condições higiénico- -sanitárias e ausência de água potável, recorrendo os ciganos romenos às fontes de água pública mais próximas, transportando depois a água em conten- tores (garrafões e alguidares). Verificou-se ainda que as comunidades confecionam a sua própria ali- mentação no local, fazendo fogueiras para o efeito. Normalmente, abrigam-se em pequenas barracas improvisadas de cartão e/ou madeira. No que concerne ao seu estilo de vida, durante o dia esta população recorre à mendicidade, pede dinheiro e estaciona carros em pontos espalhados pela cidade de Lisboa, utilizando depois esse dinhei- ro para comprar bens alimentares que confeciona no local onde pernoita. Verifica-se um certo rigor e organização na forma como é executada essa mendicidade: as pessoas escolhidas abandonam o acampamento de madrugada, algumas acompa- nhadas de crianças, deslocam-se aos locais já pre- A realidade de Portugal é significativamente diferente da dos Estados Unidos da América, onde a percentagem de veteranos de guerra em situação de sem-abrigo é problemática (estimativas apontam que cerca de 40% da população sem-abrigo nos EUA seja compos- ta por veteranos de guerra), levando mesmo à criação de programas específicos para esta subpopulação. Ainda assim, o programa Inter- gerações encontrou em Lisboa alguns vetera- nos das guerras nas ex-colónias ultramarinas que se encontram em situação de sem-abrigo. São homens com idades na ordem dos 60 anos, frequentemente com problemas de alcoolismo e que tendem a estar em situação de sem-abri- go de forma crónica (vários anos de rua), com maiores problemas de rutura de ligações à rede familiar e de suporte. Muitas vezes, por detrás destas situações escondem-se doenças psi- quiátricas, como a perturbação de pós-stress traumático, resultado dos acontecimentos traumáticos que vivenciaram em situações de guerra. Veteranos de guerra das ex-colónias
  • 8. 11 | destaque | comboios. Durante o período em que o acompa- nhámos não tomou banho, tendo desfeito apenas a barba. De salientar que “Manuel” tem cuidado com a sua imagem pois, antes de sair da estação de com- boios, pela madrugada, tem o cuidado de se pentear. Para realizar as suas necessidades fisiológicas, utili- za também os sanitários da estação ferroviária. No que concerne à Interação Social, “Manuel” é bastante comunicativo. Interage com os funcio- nários da estação de comboios, com transeuntes e com outras pessoas em situação de sem-abrigo com quem se vai cruzando ao longo do dia. Gosta de se manter ocupado. Diariamente, durante o período da manhã, vai dar pão seco e duro às gaivotas junto à beira-rio. Faz um passeio diário pela área circun- dante, regressando por volta das 10h00 ao jardim da zona ribeirinha da cidade, onde permanece o resto do dia. Neste local, dedica-se à leitura de livros e à Acampamento da comunidade romena situado na Avenida das Forças Armadas, em Lisboa viamente estabelecidos (portas de igrejas, super- mercados, centros comerciais), onde passam o dia, voltando ao acampamento ao final do dia. Existe uma grande disparidade de idades no seio das comunidades romenas visitadas pela equipa do programa, tendo sido encontrados menores, bebés inclusive, bem como mulheres grávidas. Si- multaneamente, encontram-se pessoas com mais de 65 anos. Apesar de termos sido bem recebidos, existiram barreiras comunicacionais – mesmo com a versão do inquérito traduzida –, pois algumas das pessoas revelaram não saber ler. Verificou-se tam- bém a existência de hierarquias na estrutura social do acampamento, sendo que, regra geral, os mais novos e as mulheres seguem as indicações de pes- soas de mais idade do sexo masculino. duas vidas na cidade Nome: “Manuel”; Idade: 58 anos De uma forma geral, “Manuel” passa o seu dia na estação de comboios e áreas circundantes. No que diz respeito à alimentação, “Manuel” re- corre ao apoio fornecido pelas carrinhas de distri- buição alimentar. Realiza apenas uma refeição com- pleta, ao jantar, distribuída por uma das instituições que se desloca à estação de comboios. Durante o dia vai comendo bolos e empadas. Não bebe água, ingerindo apenas café (entre três e quatro) durante o dia. Não tem consumos etílicos. Relativamente aos cuidados de higiene, “Manuel” realiza-os nas instalações sanitárias da estação de O programa Intergerações | Intersituações de Exclusão e Vulnerabilidade Social visou então, numa primeira mão, a identificação, a sinalização e o diagnóstico dos sem- -abrigo da cidade de Lisboa
  • 9. 12 | sem-abrigo | Carrinhas de distribuição alimentar – Locais de concentração Equipa do Intergerações / Intersituações na Avenida da Liberdade, em Lisboa Podemos identificar 16 locais na cidade de Lis- boa que constituem os pontos de passagem com maior afluência de pessoas que aí acorrem com o objetivo de recolha de alimentação. • Jardim D. Luís I • Rua D. Luís I • Campo das Cebolas • Praça José Fontana • Praça Duque de Saldanha • Sete Rios – Estação CP • Praça de Londres – Café Mexicana • Igreja Nossa Senhora de Fátima • Gare do Oriente • Estação de Santa Apolónia – Largo do Museu Militar • Restauradores – Antiga Loja do Cidadão • Rossio – Teatro D. Maria II • Largo de Alcântara • Meia-Laranja • Praça da Figueira • Cais do Sodré – Estação CP De uma forma geral, estes locais coincidem com as zonas com uma maior incidência de popu- lação sem-abrigo da cidade de Lisboa. Porém, convém frisar que são pessoas com teto as que mais recorrem a este serviço de distribuição ali- mentar. O que carateriza estes locais? Geralmente, são locais estratégicos em termos de mobilidade para as pessoas, pois situam-se junto dos trans- portes e são centrais, tendo em conta as zonas de habitação, de locais de mendicidade e de maior fluxo de pessoas. Maioritariamente, as pessoas que recorrem a este tipo de apoio são homens e a faixa etária mais representativa é a compreendida entre os 30 e os 50 anos. Porém, observam-se também menores a acompanhar os seus familiares, no- meadamente em locais como o Teatro D. Maria II e a Praça Duque de Saldanha. As instituições com serviço de distribuição alimentar mais pre- sentes são a Comunidade Vida e Paz e o Cen- tro de Apoio ao Sem-abrigo, possivelmente por serem as únicas instituições que prestam este serviço com maior regularidade. No entanto, outras instituições e particulares percorrem al- guns destes pontos – e outros locais aqui não representados –, como é o caso dos centros paroquiais, agrupamentos de escuteiros, par- ticulares, grupos de funcionários de empresas privadas, entre outros. Ainda há uma outra realidade que gostaríamos de traçar. De facto, são várias as situações de vulnerabilidade social com que nos fomos de- parando e que, de certa forma, nos suscitaram a atenção para desenvolver este trabalho. Uma destas situações é a observada, diariamente, na entrada principal de um supermercado situado no centro de Lisboa, aquando do fecho deste estabelecimento. Por volta das 21h00, quando esta superfície comercial encerra, junta-se um grupo numeroso de pessoas que vão à procu- ra de alimentos nos contentores do lixo do su- permercado, nomeadamente produtos frescos que já não podem ser comercializados no dia seguinte ou ainda produtos que terminaram a data de validade naquele mesmo dia e que, por isso, não podem estar nas prateleiras para ven- da ao público. O grupo, heterogéneo na idade e no género, já está provido de sacos de plástico, carrinhos de transporte de compras ou ainda veículos motorizados, de forma a recolher rapi- damente os produtos e transportá-los para as suas casas. Todo este processo é feito de forma muito rápida e sem dar nas vistas, pois depreen- de-se claramente que são casos de “pobreza envergonhada”.
  • 10. 13 | destaque | escritadepoemas.Oaspetomaismarcantede“Ma- nuel” é efetivamente o seu gosto pela poesia. Publi- cou um livro com a sua poesia, com apoio de uma Fundação. De frisar ainda que “Manuel” mantém contatos regulares com a filha, via telemóvel. Por fim, em termos de estado emocional e com- portamento geral, “Manuel” apresenta-se bem- -disposto, sem oscilações de humor e com uma postura adequada. Acorda todos os dias com o seu despertador, por volta das 5h00 da manhã. Mostra- -se bastante organizado, arrumando as suas coisas de forma cuidadosa. “Manuel” anda todo o dia com os seus pertences, deixando apenas o papelão junto às escadas de acesso à estação de comboios. Nome: “António”; Idade: 48 anos De uma forma geral, “António” passa o seu dia no mercado e áreas circundantes. No que diz respeito à alimentação, “António”, além de recorrer ao apoio fornecido pelas carrinhas de distribuição alimentar, nomeadamente a da Co- munidade Vida e Paz, recebe apoio de alguns co- merciantes do mercado. Normalmente realiza ape- nas uma refeição completa, para a qual compra no mercado alguns ingredientes e que pede a um dos cafés da redondeza para confecionar. Não ingere lí- quidos durante o dia. Relativamente aos cuidadosdehigiene, “António” refere deslocar-se aos balneários públicos existentes na Alameda a fim de os realizar e tomar banho. Po- rém, durante as 24 horas em que o acompanhámos, não realizou qualquer cuidado de higiene. Utiliza, por norma, as instalações sanitárias do mercado para satisfazer as suas necessidades fisiológicas. No que concerne à Interação Social, “António” é bastante comunicativo. Interage com os funcio- nários do Mercado, com transeuntes e com outras pessoas com quem se vai cruzando ao longo do dia. Gosta de se manter ocupado. Diariamente, a partir das 6h00, colabora com os comerciantes do merca- do a descarregar as carrinhas, a distribuir produtos pelos comerciantes da zona e na limpeza do merca- do após o fecho do mesmo. Devido a esta prestação de serviços, os comerciantes dão-lhe algum dinheiro e apoiam-no com a doação de géneros alimentares. A sua família desconhece que se encontra nesta si- tuação. No entanto, contata diária e telefonicamente a sua filha e aos domingos vai passear com ela para um jardim público. Refere que gostaria de ter um es- paço condigno para poder receber a filha, que está entregue aos cuidados da mãe. É notável o gosto em falar da família, principalmente da filha. Finalmente, em termos de estado emocional e comportamento geral, ao longo do dia “António” apresenta-se sempre bem-disposto, sem oscilações de humor e com uma postura adequada. Acorda entre as 4h00 e as 5h00 da manhã, arrumando os seus pertences numa carrinha abandonada que se encontra em frente do mercado. Perspetivas futuras Após este diagnóstico e face às necessidades trans- mitidas pela população sem-abrigo procurámos apresentar propostas concretas e inovadoras: • Equipa de Ligação: Uma equipa multidisciplinar que pretende ser o elo de ligação entre a pessoa sem-abrigo e o conjunto das respostas sociais exis- tentes. • Centro de Recuperação de Competências Psicos- sociais: Porque a pessoa sem-abrigo é sem-abrigo 24 horas por dia, é necessário um espaço que aco- lha e potencie a plena inserção social do indivíduo • Centro de Alojamento de Transição: Será um alo- jamento com o conforto de uma casa mas com as regras da rua e onde as pessoas sem-abrigo possam recuperar hábitos de higiene, de responsabilidade, de organização e de relacionamento interpessoal. • Maioritariamente com apoio de alimentação • Apoio de saúde quase inexistente • Apenas cerca de 1/3 já dormiu num albergue • Maioria sem passado de Institucionalização • Sobretudo Homens • Idades entre 35 e 64 anos • Solteiros e divorciados/separados • Com o ensino primário e ensino secundário • Rendimento obtido através de biscates e mendicidade PERFISAPOIOS • Maioritariamente há menos de 6 anos na rua, com grande peso dos que estão há menos de 1 ano • Maioritariamente com filhos • Mantém com filhos um contacto regular • Minoria tem contacto com outros familiares de forma regular ligações perfil do sem-abrigo