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Teorias e práticas de
    letramento
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Luiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad

SECRETÁRIO EXECUTIVO
José Henrique Paim Fernandes

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP)
Reynaldo Fernandes

DIRETORIA DE TRATAMENTO E DISSEMINAÇÃO DE
INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS (DTDIE)
Oroslinda Maria Taranto Goulart




UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

Reitor
Rui Getúlio Soares

Vice-Reitora de Graduação
Eliane Lucia Colussi

Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Carlos Alberto Forcelini

Vice-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários
Cléa Bernadete Silveira Netto Nunes

Vice-Reitor Administrativo
Nelson Germano Beck
Lia Scholze
       Tania M. K. Rösing
             (Org.)




Teorias e práticas de
    letramento



          Brasília-DF

                    UPF
             2007
Coordenadora-Geral de Linha Editorial e Publicações (CGLP)
Lia Scholze

Coordenadora de Produção Editorial
Rosa dos Anjos Oliveira

Coordenadora de Produção Visual
Márcia Terezinha dos Reis

Editor Executivo
Jair Santana Moraes

Revisão
Maria Emilse Lucatelli
Liana Langaro Branco
Sabino Gallon

Capa
Raphael Caron Freitas

Projeto gráfico
Sirlete Regina da Silva

Diagramação e Arte final
Niepson Ramos Raul

Tiragem: 1.000 exemplares
Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzi-
do por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do autor ou da editora.

Editoria
Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418, CEP: 70047-900
– Brasília-DF – Brasil Fones: (61)2104-8438, (61)2104-8042 – Fax: (61)2104-9812 –
editoria@inep.gov.br

Distribuição
Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414, CEP: 70047-900
– Brasília-DF – Brasil Fone: (61)2104-9509 –
publicacoes@inep.gov.br – www.inep.gov.br

           A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos
                   são de exclusiva responsabilidade dos autores.

              Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
      Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

Teorias e práticas de letramento / organização, Lia Scholze, Tania M. K. Rösing. –
   Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira,
   2007.
   297 p.

   ISBN 978-85-75154-07-6

    1. Letramento. 2. Leitura. 3. Escrita. I. Scholze, Lia. II. Rösing, Tania M. K.
III. Universidade de Passo Fundo IV. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira.
                                                               CDU 372.415
Sumário

          Prefácio
          André Lazaro.............................................................................7

          Apresentação
          A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam
          Lia Scholze e Tania M. K. Rösing..............................................9

          Acesso social, práticas educativas e mudanças
          teórico-pedagógicas ligadas ao género textual
          Ana Maria Raposo Preto-Bay...................................................17

          A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças
          Cancionila Janzkovski Cardoso...............................................37

          Processos de letramento na infância: aspectos da
          complexidade de processos de ensino-aprendizagem
          da linguagem escrita
          Cecília Goulart.........................................................................61

          Práticas leitoras multimidiais: no contexto do Centro de
          Referência de Literatura e Multimeios – Mundo da Leitura
          Eliana Teixeira........................................................................83

          O ensino de português nos níveis fundamental e médio:
          problemas e desafios
          José Luiz Fiorin........................................................................95

          Pela não-pedagogização da leitura e da escrita
          Lia Scholze............................................................................117

          Que linguagem falar na formação docente de professores
          de língua?
          Ludmila Thomé de Andrade .................................................127

          Para ler a narrativa literária
          Márcia Helena Saldanha Barbosa........................................145
Letrar é preciso, alfabetizar não basta... mais?
Maria do Rosário Longo Mortatti..........................................155

Letramento na Maré: uma proposta metodológica
de ensino da leitura e da escrita para jovens e adultos
Marlene Carvalho.................................................................169

A leitura literária e o hipertexto na sala de aula:
do centro à periferia
Miguel Rettenmaier...............................................................191

O professor e o erro no processo de alfabetização
Natália Duarte.......................................................................221

Literatura infantil e introdução à leitura
Regina Zilberman..................................................................245

Estética da recepção: a singularidade do leitor
e seu papel de co-produtor do texto
Rosemari Glowacki................................................................255

Letramento: conhecimento, imaginação e leitura
de mundo nas salas de inclusão de crianças de
seis anos no ensino fundamental
Silviane Barbato....................................................................273

A leitura do texto teatral na escola
Tania M. K. Rösing.................................................................289
Prefácio

                 O presente trabalho, organizado primorosamente pelas
           professoras Lia Scholze e Tania M. K. Rösing, é uma reflexão
           sobre o conceito de letramento e suas práticas e mostra-se
           oportuno na medida em que vem se somar à discussão que o
           Comitê Nacional do Livro e Leitura do MEC está promovendo
           internamente, visando à constituição de uma política de
           leitura para o país.
                 Assim como o processo do letramento é complexo e
           abrangente envolvendo diversas práticas políticas e sociais,
           além da aquisição da competência da leitura e da escrita, o
           processo da construção das diretrizes do plano em elaboração
           também exige uma visão mais abrangente. Os eixos principais
           para iniciar a discussão sobre uma política de leitura, tendo em
           vista o “Plano Nacional do Livro e Leitura”, não podem deixar
           de contemplar aspectos como a democratização do acesso
           da informação científica, didática ou cultural em diferentes
           suportes; a formação de leitores, incluindo mediadores de
           leitura, gestores e educadores; pesquisa e avaliação sobre
           leitura e a produção de materiais científicos, didáticos e
           culturais e de leitura, como a obra ora apresentada.
                 O PNLL é um conjunto de projetos, programas,
           atividades e eventos na área do livro, leitura, literatura e
           bibliotecas em desenvolvimento no país, empreendidos
           pelo Estado (em âmbito federal, estadual e municipal) e pela
           sociedade. A prioridade do PNLL é transformar a qualidade da
           capacidade leitora do Brasil e trazer a leitura para o dia-a-dia
           do brasileiro.
                 A interlocução, portanto, entre as instâncias acadêmicas
           e institucionais – aqui representadas pela Universidade de
           Passo Fundo e pelo MEC/Inep – é pertinente e necessária
           na medida em que a universidade, formadora de recursos
           humanos, encontra no MEC o espaço para a disseminação
           desta reflexão.


                                                                         7
Prefácio

      A presente obra consegue reunir a reflexão de pensadores
de várias instituições em caráter multidisciplinar e contempla
diferentes olhares sobre a questão do letramento.




                                                     André Lazaro
                           Secretário Executivo do MEC e coordenador
                               do Comitê Nacional de Leitura do MEC.




8
Apresentação

                  A escrita e a leitura: fulgurações
                                      que iluminam
                                     Eis que uma fulguração me ilumina. O que
                                     acontece diante de mim – uma mulher que
                                     lê notícias de mares distantes para duas
                                     crianças, sentadas tranqüilamente numa
                                     calçada – é uma linda e comovente aula. Em
                                     plena rua, ela ensina a ler, ensina a entender
                                     o que se lê, ensina a sentir as emoções escritas,
                                     anuncia a aflição de viver e os perigos da vida,
                                     prenuncia, enfim, que a vida inclui a morte.

                                                Alcione Araújo, “Notícias de mares
                                                     distantes”, de Escritos na água


                      O contato com o texto escrito é, em essência, um ato
               repleto de vida, como nos faz crer a epígrafe deste texto.
               Está, ou deveria estar, no cotidiano de todos, nas práticas
               diárias de comunicação e nas bases do conhecimento de toda
               a sociedade. Saber ler e escrever é, para o indivíduo, uma
               garantia de existência política e cultural num país, que, por
               sua vez, se pretenda letrado e, assim, desenvolvido.
                      Nesse sentido, alicerçadas na diversidade de situações
               de vida e na pluralidade de circunstâncias comunicativas, em
               mais de um tipo de demanda e em mais de um espaço social,
               a leitura e a escrita deixam de se associar à mera habilidade de
               reconhecimento e de manipulação das letras do alfabeto. São
               instrumentos para se inserir na realidade, para compreendê-la
               e, também, para alterá-la, como ferramentas do entendimento.
               Ler e escrever não são apenas habilidades estabelecidas em
               torno da decodificação; muito mais do que isso, saber ler e
               escrever significa apropriar-se das diversas competências
               relacionadas à cultura orientada pela palavra escrita, para,
               dessa forma, atuar nessa cultura e, por decorrência, na sociedade
               como um todo.
                      A educação, no que diz respeito a esse ato de inclusão,
               que é letrar – mais do que alfabetizar –, tem uma função


                                                                                   9
Apresentação

mediadora. É pela ação educativa, na sala de aula ou em outros
contextos, além do escolar, que se promovem a aquisição
e a utilização crítica da leitura e da escrita. E essa ação
transformadora, tanto do indivíduo quanto da sociedade da
qual ele faz parte, é, acima de tudo, um processo em constante
avaliação. Em uma de suas facetas, esse processo se coordena
articulado ao mundo, numa prática que habilita os sujeitos a
dialogarem com as complexidades do texto escrito; em outra,
de forma contínua, reorganiza-se politicamente, viabilizando
aos sujeitos envolvidos, pela leitura e pela escrita, a reflexão e
a atuação no que tange às dinâmicas sociais; em outra, ainda,
esse processo examina repetidamente os próprios métodos e
conceitos, à medida que tanto os indivíduos quanto o mundo
se transformam. De alguma maneira, o letramento, tanto
como estado ou condição de um indivíduo ou de um grupo,
quanto como conceito, estabelece-se num processo sem fim,
num caminho com pontos provisórios de chegada, de partida,
de redirecionamentos... Este livro é mais um passo nesse
processo de reflexão sobre o letramento, sobre as suas teorias,
sobre suas práticas.
       Contando com estudos de diversos teóricos, a obra
articula-se, primeiramente, com o artigo de Ana Maria
Raposo Preto-Bay. Em seu texto, a pesquisadora aborda o
tema da literacia relacionado à questão do gênero textual.
Para a autora, “saber ‘ler’ não significa ‘saber ler’”. Em sua
concepção, a leitura e sua interpretação encontram-se
problematizadas pelos diferentes contextos em torno da
produção e da recepção dos textos nos diferentes gêneros aos
quais podem pertencer. Por isso, há a necessidade de uma
pedagogia ao gênero, a fim de que “os aprendentes tenham
a oportunidade, no contexto educativo, de explorar relações
sociais e a forma como estas se desenrolam e constituem
através dos textos”. Cancionila Janzkovski Cardoso, em “A
escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças”, discute
o ato de escrever como um procedimento que, simulando
uma situação imediata de comunicação, envolve em suas
especificidades, “um enunciador – o escritor – em situação
de comunicação que o distancia de seu interlocutor – o outro/
leitor”. Tal aspecto exige, no caso da criança que aprende a
escrever, um melhor controle sobre esse funcionamento
psicológico específico, no qual a recepção se encontra fora de
seu “aqui” e “agora”. Mediante tal perspectiva, a pesquisadora

10
A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam

apresenta uma pesquisa realizada com alunos na 4ª série de
ensino fundamental na qual procurou investigar “os níveis de
reflexividade e de deliberação sobre o processo de escrita já
desenvolvidos por crianças”.
       Cecília Goulart, em “Processos de letramento na
infância: aspectos da complexidade de processos de ensino-
aprendizagem da linguagem escrita”, pretende refletir sobre
modos de alfabetizar na perspectiva do letramento social, na
escola. Seu estudo, numa pesquisa concluída recentemente
com crianças de quatro e cinco anos de uma creche
universitária, pretende refletir sobre a importância que a
noção de letramento pode ter para dar novos sentidos aos
processos de aprendizagem da leitura e da escrita na educação
infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. Eliana
Teixeira, por sua vez, apresenta em seu artigo as práticas
leitoras multimidiais no contexto do Centro de Referência de
Literatura e Multimeios da Universidade de Passo Fundo (o
Mundo da Leitura), as quais objetivam a formação do sujeito-
leitor, a partir do contato com diferentes tipos de textos, nos
mais diversificados suportes, embora com destaque ao texto
literário.
       Diante da constatação de que maioria dos estudantes
termina o ensino médio com dificuldade para ler um texto
de média complexidade e para redigir adequadamente
textos, José Luiz Fiorin, em seu estudo, pretende mostrar
os principais problemas do ensino de língua portuguesa
nos níveis fundamental e médio, os quais se estabelecem,
principalmente, na fundamentação em noções equivocadas
a respeito do funcionamento, da estrutura e das funções da
linguagem humana e, dentre outros importantes fatores, no
ensino da leitura e da redação não fundamentado em teorias
do discurso e do texto. Em “Pela não-pedagogização da
leitura e da escrita”, Lia Scholze propugna a linguagem como
representação de pensamentos, idéias, sentimentos do sujeito
em uma dada cultura. Nesse sentido, o uso da linguagem, fora
do propósito da escola, configura-se como um movimento
incessante de incorporação de novas formas de expressão e
de organização. Nessa nova ordem, segundo a estudiosa, cabe
à escola, pela leitura, assumir a ampliação da imaginação
criadora, desenvolvendo sujeitos questionadores e críticos dos
arranjos da sociedade. Segundo a pesquisadora, “criadas as
condições para a sua produção, seremos surpreendidos pelas

                                                               11
Apresentação

 crianças e pelos adolescentes que esperam por estes desafios e
 nos darão respostas consideradas inesperadas por aqueles que
 não costumam escutá-los”.
       Perante a questão “Que linguagem falar na formação
 docente de professores de língua?”, Ludmila Thomé de
Andrade pretende apresentar uma reflexão sobre as condições
 de letramento de professores da escola básica que lidam
 com a linguagem. Nesse caminho, investiga as práticas de
 ensino de leitura e de escrita na formação dos professores,
 tomando como campo de pesquisa um curso universitário
 de formação continuada oferecido aos professores de séries
 iniciais de escolas públicas. Suas conclusões apontam para
 a necessidade de se repensar as trajetórias de letramento
 docente: “Se queremos formar alunos leitores na escola básica,
 é preciso considerar processos possíveis para os professores
 se verem antes como produtores de linguagem”. No que se
 refere à narrativa literária, para Márcia Helena Saldanha
 Barbosa, investir no letramento é proporcionar ao sujeitos
 uma experiência de leitura em que o encadeamento das ações
 que compõem a história e, também, a conexão entre todos os
 elementos do texto sejam percebidos e reconhecidos. É assim,
 segundo a pesquisadora, que as potencialidades da narrativa
 se concretizam e que a trama se atualiza na interação do texto
 com o leitor. Ilustrando essa concepção, Barbosa analisa o
 conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis.
        Em “Letrar é preciso, alfabetizar não basta... mais?”,
 Maria do Rosário Longo Mortatti avalia o histórico recente
 do ensino da leitura e da escrita no Brasil, segundo os três
 modelos principais que orientaram esse ensino, a saber:
 o construtivismo, o interacionismo e o letramento. Para
 a autora, embora estabelecida em bases teóricas distintas,
 a prática pedagógica, ao tentar, com muita freqüência,
 conciliar esses modelos, tem incorrido, forçosamente, na
 combinação de elementos incompatíveis entre si, numa
 opção problematicamente eclética. Marlene Carvalho, em
“Letramento na Maré: uma proposta metodológica de ensino da
 leitura e da escrita para jovens e adultos”, apresenta e avalia
 o Programa de Alfabetização desenvolvido por professores,
 estudantes e funcionário da UFRJ na Maré, “uma ampla
 área geográfica à margem da Baía de Guanabara, no Rio de
 Janeiro, próxima do Aeroporto Internacional do Galeão e da
 Universidade Federal do Rio de Janeiro”.

12
A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam

        Em “A leitura literária e o hipertexto na sala de aula: do
 centro à periferia”, Miguel Rettenmaier propõe uma leitura
 hipertextual na mediação da leitura literária. Para isso, vale-
 se da leitura das mídias impressas nos textos jornalísticos
 para discutir temáticas atuais da sociedade, como a convulsão
 de violência ocorrida em maio de 2006 em São Paulo, e para
 introduzir, criticamente, as possibilidades interpretativas do
 texto literário. Nessa perspectiva, alicerça a leitura do literário
 à chamada “literatura marginal”, pretendendo rediscutir os
 conceitos sobre o que seja a leitura e o que pode se considerar
 literatura. Em outra ordem, mas na mesma problemática
 relacionada ao ensino da leitura e da escrita, Natália Duarte, em
“O professor e o erro no processo de alfabetização”, apresenta
 um diagnóstico que evidencia o fracasso da alfabetização no
 Brasil, discorre sobre as principais propostas de alfabetização
 atuais e fixa-se na alfabetização pós-construtivista. Em seu
 artigo, a autora propõe uma nova relação do professor com
 o “erro” do aluno, entendendo-o como fruto indispensável do
 diálogo entre sujeitos e o conhecimento, principalmente na
 aprendizagem da leitura e da escrita: “O ‘erro’ do aluno na escrita
 desvela o esquema de pensamento e hipótese que o aluno está
 vivenciando. É ele que possibilita apoiar a aprendizagem dos
 alunos, desde que o professor reoriente seu trabalho pedagógico
 para provocar e alimentar os esquemas de pensamento em
 construção”.
        Em “Literatura infantil e introdução à leitura”, Regina
 Zilberman trata sobre o conceito de letramento associado à
 leitura literária infantil. Nesse âmbito, para a estudiosa, “a
 admissão ao mundo da literatura depende e ultrapassa a
 alfabetização e o letramento. Depende da alfabetização,
 enquanto envolve o domínio das técnicas de leitura e de
 escrita, e do letramento, na medida em que as práticas de
 leitura e escrita estão presentes em cada etapa da experiência
 do sujeito”. No trabalho de alfabetizar e de apresentar a
 literatura às crianças, Zilberman apresenta obras de escritores
 consagrados, como Erico Verissimo, Cecília Meireles, Mario
 Quintana e Ziraldo, os quais assumiram o desafio de recriar
 com qualidade estética as cartilhas de alfabetização. Rosemari
 Glowacki, por sua vez, pretende refletir sobre a teoria da
 estética da recepção, de Hans Robert Jauss, observando nessa
 corrente a descoberta do leitor co-produtor num processo de
 interlocução texto/leitor. Para a pesquisadora, as orientações

                                                                 13
Apresentação

teóricas dessa nova perspectiva sobre o leitor devem ter
implicações na escola: “Segundo a Estética da Recepção,
o contato com os livros, se o objetivo for construir leitores
conscientes e felizes, deve ser iniciado o mais cedo possível,
não só pelo manuseio dos textos, como também pela história
contada, pela conversa ou pelos jogos rítmicos, no sentido de
fazer amar a leitura, para que o leitor se sinta o protagonista
do seu aprendizado, numa ponte que ligue a teoria e a prática,
entre o universo estético e o universo real”.
       Silviane Barbato, em “Letramento: conhecimento,
imaginação e leitura de mundo nas salas de inclusão de crianças
de seis anos no ensino fundamental”, reflete sobre as práticas
de letramento no processo de alfabetização, considerando
o desenvolvimento das crianças de seis anos que entram
no primeiro ano do ensino fundamental e as metodologias
de alfabetização no ensino de língua materna. Norteia suas
considerações a condição de que as práticas de alfabetização
sejam consideradas segundo a concepção de que “o processo
de ensino-aprendizado é uma negociação entre o que se espera
atingir em termos de objetivos, as habilidades de acordo com a
série e as demandas das crianças em desenvolvimento”. Nessa
negociação se integra uma pedagogia do diálogo, na qual,
segundo Barbato, “a construção de significados é deslocada
do eu e do tu para o inter, passando a abarcar também os
instrumentos utilizados no processo de ensino-aprendizado
e os procedimentos, inclusive discursivos, da interação nos
modos comunicativos orais, escritos e visuais”. Tania Mariza
Kuchenbecker Rösing, ao final da obra, contrastando com
várias décadas de desvalorização do texto teatral no meio
escolar e nos cursos de letras, expõe, em “A leitura do texto
teatral na escola”, as lacunas que se ampliam na formação
humanista de jovens e adultos quando não têm acesso à leitura
de textos da dramaturgia, ou, o que é ainda pior, a espetáculos
teatrais. Para a pesquisadora, “a decisão de ler o texto teatral
é uma atitude firme em direção ao entendimento da condição
humana pela ampliação do imaginário.”
       Teorias e práticas de letramento, pelo número de
pesquisadores envolvidos e pela diversidade de olhares sobre
as questões relativas à leitura e à escrita, é uma reunião de
vozes não rigorosamente unidas por um referencial teórico
monológico. O letramento, como conceito e, mesmo, como
palavra ainda é lugar de discussões. Seus sentidos e suas

14
A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam

aplicações dentro e fora da sala de aula não nos conduzem a
definições, mas ao diálogo contínuo. Restará ao leitor, assim,
ao fim e ao cabo do contato com cada um dos artigos deste
livro, não a constatação inequívoca de um entendimento
estabelecido, mas um convite à reflexão que cerca as
complexidades pertinentes às dinâmicas da cultura escrita e a
inserção, na escola ou além dela, dos sujeitos, nessa cultura.
Restará, sobretudo, talvez, a certeza de que o contato com o
mundo da escrita e da leitura é sempre uma fulguração a nos
iluminar, pois guarda sempre em si a capacidade de um maior
entendimento das coisas da vida.




                                                     Lia Scholze
                                               Tania M. K. Rösing
                                                 (Organizadoras)




                                                              15
Acesso social, práticas educativas
     e mudanças teórico-pedagógicas
            ligadas ao género textual
                                              Ana Maria Raposo Preto-Bay*


       Uma abordagem com base na literacia representa um
estilo de ensino que os educadores devem considerar se querem
preparar os aprendentes para uma participação completa em
sociedades que progressivamente exigem competência em
nível multilinguístico, multicultural e multitextual (Kern,
2000, p. 16).
       Embora ainda não saibamos exactamente o que o
termo “globalização” significa e quais as suas implicações e
repercussões na vida da população mundial a curto e a longo
prazo, o facto é que o seu uso é presentemente tão comum que
já se tornou quase banal. A realidade que procura descrever
é a realidade do início do século XXI – uma realidade difícil
de descrever dada a sua complexidade e ambiguidade. A
constante movimentação de pessoas e produtos, a falta de
estabilidade dos mercados de trabalho em nível mundial e
local, a diversificação e rápida restruturação de organizações
e empresas e a reconfiguração de tarefas e responsabilidades
que requerem adaptação a qualquer momento, todas elas
intensificam esse sentido de incerteza a vários níveis.
       Paralelamente, e não surpreendentemente, o acesso
real aos meios de produção, consumo e participação social
estão cada vez mais ligados à capacidade de adaptação a essas
rápidas mudanças. Os avanços tecnológicos, de que quase


*
     Doutora em Psicologia Educativa e Tecnologia na área da aquisição
     lingüística. Leciona na Brigham Young University em Provo, Utah, nos
     Estados Unidos da América. Licenciada pela Universidade Clássica de
     Lisboa, faz investigação na área dos sistemas educativos e da literácia, entre
     outros.



                                                                              17
Ana Maria Raposo Preto-Bay

todas as comunidades humanas alargadas agora dispõem para
a realização de intercâmbios sociais, culturais, económicos
e políticos, requerem um nível de sofisticação que é, na
realidade, responsável por uma ainda maior exclusão social
daqueles que a eles não têm acesso. A participação social
e laboral é, no século XXI, mais complexa. Enquanto, por
exemplo, a economia industrial dependia de trabalhadores
manuais, cujas qualificações se limitavam quase somente à
capacidade de realizar uma mesma tarefa repetidas vezes, a
nova sociedade e economia requerem dos seus participantes,
entre outras, a capacidade de rápido pensamento crítico,
resolução de problemas, argumentação e negociação e, talvez,
acima de tudo, altos níveis de literacia.
      A idade da informação é não só definida pelo acesso
e controle de tecnologias e redes-chave, mas também pela
livre circulação de grandes quantidades de dados, os quais
são quase sempre codificados, catalogados e circulados
pelo meio escrito. Neste sentido, a produção e o consumo
de textos revelam-se progressivamente como catalisador
social de participação e acesso a fontes de conhecimento e,
consequentemente, de poder. Trata-se não só de saber ler e
escrever, de saber registar e decifrar os aspectos linguísticos
de um texto, mas, principalmente, de compreender e saber
estabelecer relações sociais através desse mesmo texto.
       Como artefactos sociais e culturais, os textos escritos
são produzidos e, até certo ponto, produzem as estruturas
sociais das comunidades em que existem; são mapas para
o entendimento das relações entre membros das várias
comunidades e, por conterem indícios reais dessas relações
sociais, permitem-nos acesso aos valores e princípios de
cada comunidade. Por esse motivo, a nossa familiaridade
com textos escritos constitue verdadeira evidência da nossa
participação legítima em comunidades culturais, políticas,
religiosas e laborais e é, ao mesmo tempo, um ponto de acesso
a comunidades a que ainda não pertencemos. Assim sendo,
o acesso social a estruturas e comunidades a que desejamos
pertencer é, em larga escala, mediado pelo uso efectivo e
competente do processo literato da leitura e da escrita nas suas
vertentes não só cognitivas, mas também sociais e culturais.
       Podemos, assim, argumentar que a literacia é um dos
aspectos fundamentais da participação social e que, ao
activarmos os mecanismos necessários em nível educativo,

18
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...

é possível, até certo ponto, diminuir os níveis de exclusão e
desigualdade sociais responsáveis por altas taxas de pobreza,
por exemplo, via um maior nível de actividade literata que
emana dum sistema educativo eficaz. De acordo com o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “quando
se observa que pessoas com distintos atributos produtivos
recebem distintos rendimentos, considera-se que o mercado de
trabalho revela uma heterogeneidade preexistente na força do
trabalho, gerada no sistema educacional” (TD 1000). Embora
possa parecer não só ambicioso como também injusto justapor
o sistema educativo, a literacia e a participação social numa
relação causal na mesma linha de argumento, a realidade é que
esse é verdadeiramente o “chamado” das pessoas e dos sistemas
ligados à educação. Posicionados como janelas para o mundo,
os sistemas educativos têm, muitas vezes e infelizmente, as
cortinas fechadas. Geralmente preocupados com a aquisição
e transmissão de conhecimentos no contexto escolar, muitos
educadores em todos os níveis recriam ciclicamente uma
forma de incesto intelectual ao duplicarem estruturas antigas
de reprodução de saberes para consumo interno em vez de
prepararem os aprendentes para acção inteligente e auto-
afirmante nas comunidades a que pertencem, naquelas a que
querem ter acesso e no mundo em geral.
       Se o sistema escolar é, por um lado, um veículo sui
generis de transmissão do conhecimento acumulado durante
a história da humanidade, é também, por outro lado, um
contexto privilegeado para a preparação para o presente e
futuro dessa mesma humanidade.
       Quando o sistema educativo exclue ou inclue só
parcialmente, pelas suas limitações pedagógicas e logísticas,
aqueles que mais poderiam se beneficiar da sua existência
e funcionamento, o processo de desenvolvimento social é
estancado. É, por esse motivo, vital que a escola assuma o
seu papel social e providencie os meios através dos quais
os aprendentes se possam cientizar do valor intrínseco
das comunidades a que pertencem e da sua capacidade de
participação em novas comunidades sociais, culturais, laborais
e políticas. Esse sentimento de pertença e de valor próprio
pode ser fomentado pela participação activa no processo
escolar, tornando, assim, o sistema educativo uma verdadeira
ferramenta para a inclusão e participação dos aprendentes nas
sociedades a que pertencem.

                                                                19
Ana Maria Raposo Preto-Bay

       O processo contínuo de desenvolvimento e transformação
 social e cultural inerente a todas as comunidades reside na
 participação legítima dos seus membros (Lave e Wenger, 1991).
 Esta legitimidade está ligada ao acesso a recursos através dos
 quais os participantes podem desenvolver o seu potencial. Na
 comunidade educativa, os aprendentes precisam ter acesso
 a estruturas que facilitam o seu desenvolvimento pessoal
 não só sob o ângulo vocacional, mas também nas áreas de
 enriquecimento pessoal, lazer e auto-actualização. O lugar
 que a literacia ocupa neste processo é indiscutível. Cummins
 (1989) sugere que é necessário que se faça uma “análise das
 habilidades e atitudes que esta geração vai precisar para
 participar tanto numa sociedade democrática como numa
 comunidade globalizada” (p. 21) e, segundo ele, uma delas é o
“uso activo da língua para comunicação genuína no contexto
 de uma tarefa com a qual os alunos se sentem intrinsicamente
 comprometidos” (p. 33).


                             Alfabetização literária
       Apesar de, através dos séculos, a maioria das pessoas
ter tido um acesso limitado à língua escrita, os textos sempre
desempenharam um papel vital na história humana não só em
termos do conteúdo, mas também da forma. A escrita revela
a natureza das relações sociais na comunidade e cultura que
os produz e usa como aspecto fundamental dessas mesmas
relações. A natureza de um texto religioso no século XIV
revela a estrutura social, cultural e religiosa da época. O
mesmo acontece com uma mensagem de e-mail enviada entre
colegas de trabalho numa companhia de seguros. Segundo
Nystrand (1989), “a comunicação escrita é um acto fiduciário
entre autores e leitores no qual ambos se tentam orientar
continuamente visa-vis um estado anticipado de convergência
entre si” (p. 75). De certa forma, todos o textos são “escritos”
tanto pelo escritor como pelo leitor.
       A possibilidade de comunicação via textos é mais do que
a capacidade de leitura de símbolos linguísticos numa página.
O que um texto simplemente diz e o que comunica socialmente
podem ser realidades e ideias completamente distintas. O
intercâmbio real entre um autor e um leitor é baseado num
passado social e cultural partilhado. Ler um texto e interpretálo
são duas realidades e experiências diferentes. Saber “ler” não


20
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...

significa “saber ler.” Sem a interpretação contextualizada no
tempo e espaço, a comunicação ocorre somente num nível
superficial, se de todo. A menos que o termo e conceito de
alfabetização venham a ser alargados para se referir também a
um tipo de alfabetização cultural e social, este termo não pode
ser considerado sinónimo de literacia, porque, segundo Kern
(2000):
     A literacia é o uso de prácticas situadas no contexto social, histórico
     e cultural que nos permite criar e interpretar significados através
     do uso de textos. (Por esse motivo a literacia) presupõe pelo
     menos o conhecimento das relações entre as convenções textuais
     e os contextos em que são usadas e, idealmente, a capacidade de
     reflectir de forma crítica sobre essas relações. Como está ligado
     a objectivos claros, a literacia é dinâmica – não estática – e varia
     de uma comunidade discursiva e cultural para outra. (A literacia)
     chama a si uma grande variedade de aptidões cognitivas e
     conhecimentos da língua escrita e falada, do conhecimento de
     géneros e de conhecimento cultural (p. 16).

       Os símbolos linguísticos que nos permitem registar
conteúdos são prerequisitos essenciais para a literacia, não
são, contudo, o seu expoente máximo. Kern afirma que,
embora ligada ao uso da língua escrita, “a literacia tem que
ver, acima de tudo, com a linguagem e o conhecimento da
forma como é usada, e só secundariamente com os sistemas
da escrita” (2000, p. 23).
       Cada indivíduo tem um discurso primário, aquele
que aprendeu na sua cultura familiar e no grupo em que se
insere. Além desse sistema familiar e comunal do seu discurso
primário, cada um geralmente aprende discursos secundários
ligados às instituições sociais em que se movimenta – escola,
local de trabalho etc. Cada discurso dentro de cada comunidade
é sempre ideológico e resiste à crítica interna enquanto, ao
mesmo tempo, se opõe a outros discursos e atribui valor a
certas coisas a custo de outras, estando, assim, “ligado à
distribuição de poder e à hierarquia estrutural da sociedade”
(Gee, 1996, p. 53). Quando uma pessoa, embora participe
numa comunidade primária e tenha um discurso primário, se
encontra à margem da organização social mais lata, tal sentido
de falta de poder limita a sua capacidade de participação
literata nessa mesma sociedade. Como “domínio [efectivo] dos
discursos secundários” (Gee, 1996, p. 56), a literacia é, por
isso mesmo, uma forma real de participação social alargada.
       Por óbvias que as afirmações prévias pareçam, na
realidade, só recentemente se começou a conceber de forma


                                                                        21
Ana Maria Raposo Preto-Bay

coerente a natureza verdadeiramente generativa e social dos
textos, especialmente no que se refere ao seu ensino e didáctica.
O conceito de alfabetização – anterior ao conceito de literacia
e teoricamente ligado a conceitos comportamentalistas e
cognitivos de independência de acção do aprendente no
processo de aprendizagem – tem sido “executado” através do
ensino dos processos línguisticos irredutíveis da leitura e da
escrita. Independentemente da esfera social onde circula e
existe, e sem esse entendimento, a aprendizagem torna-se um
processo alienatório para muitos dos aprendentes. Segundo
Silva e Colello (2003):
      Tradicionalmente, a didatização das atividades para o ensino da
      leitura e escrita na escola cristalizou-se como uma linguagem
      estranha aos alunos, falantes nativos da língua portuguesa que
      nem sempre percebiam as práticas pedagógicas como extensão
      ou possibilidade efetiva do seu dizer. Longe de atender as
      necessidades do indivíduo, de desenvolver e ampliar os seus
      modos de expressão e interação, ou ainda, de alimentar o desejo
      de aprender, ensinava-se uma língua que, de fato, não era a
      dele; impunha-se uma relação como as letras incompatível com
      o seu mundo, e, portanto, a revelia do próprio sujeito (p. 7).

        Sem o entendimento e valorização das comunidades e
 discursos primários dos aprendentes, e porque não assenta
 naquilo que eles já conhecem rumo àquilo que podem vir
 a conhecer, a aprendizagem das letras é vazia e conduz a
 situações de rejeição por parte dos aprendentes, os quais se
 tornam, então sim, resistentes a esforços de alfabetização no
 seu sentido mais básico.
        Em vez disso, a aprendizagem da literacia pode e deve
 ser feita com as literacias primárias dos aprendentes – formas
 legítimas de expressão social do seu repertório, sejam elas
 quais forem – como ponto de partida. A escola é somente
 um dos muitos aspectos da participação social. Os alunos
 têm as suas vidas próprias fora do contexto da escola em
 que muitos desempenham já papéis muito relevantes nas
 suas comunidades primárias. Shaughnessy (1998) diz que
 os professores, em vez de tentarem “converter os nativos” e
“abrir as comportas da verdade”, a qual, condescendentemente,
 partilham com os seus alunos, devem, sim, tornar-se
 observadores atentos e tentar, de facto, conhecer os alunos a
 quem querem ensinar. Quando a escola se integra primeiro no
 sistema social dos alunos e os ajuda a analisar e entender os
 seus discursos primários, a possibilidade de ensinar práticas
 literatas da sociedade alargada aumentam significativamente.


22
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...


                        O género como vertente
                 teórico-pedagógica da literacia

      Todos nós reconhecemos um editorial no jornal da
manhã, uma receita médica, um anúncio de uma casa
à venda, um roteiro de um cruzeiro às Bahamas ou um
relatório sobre a qualidade de vida de homens encarcerados
num estabelecimento prisional como formas válidas de
comunicação escrita contendo um certo conteúdo, formato e
função social. Se cada um deles tem ou não a ver com a nossa
vida pessoal, é uma questão de quem somos, onde vivemos, o
que fazemos profissionalmente, qual é o nosso estatuto sócio-
económico etc. Embora, pessoalmente, a autora gostasse de
admitir familiaridade com roteiros de férias nas Bahamas,
tal não acontece. Estamos naturalmente mais familiarizados
com certas formas de escrita do que outras. Provavelmente, já
fomos ao médico e recebemos uma receita; por outro lado, não
é de surpreender que poucos, ou nenhum, de nós já tenham
tido acesso a um relatório do tipo mencionado. Todos esses
textos pertencem a géneros textuais diferentes e realizam
funções sociais diferentes.
      Os géneros textuais contêm, como marca da sua
produção, os termos do contracto social estabelecido através
deles. Da mesma forma que a “literacia é uma colecção
de processos culturais dinâmicos e não um grupo de
atributos psicológicos estáticos e monolíticos” (Kern, 2002,
p. 23), o género, como veículo histórico-cultural e didáctico, é
também um conceito aberto, fluido, em permanente evolução,
dada a natureza generativa e evolutiva dos indivíduos que o
usam na sua comunicação. Apesar disso, o conceito de género
mantém, ao mesmo tempo, uma estrutura base, um tipo de
infraestrutura conceptual através da qual nos podemos orientar
tanto na produção como na recepção de textos escritos. Segundo
Freedman (1993), “os géneros são acções, eventos, e/ou
respostas a situações recorrentes ou contextos com relações
complexas de substância, forma, contexto e motivo ou
intenção. A reocurrência de contextos específicos conduzem
a acções sociais que se tornam ritualizadas, por isso os géneros
podem ser concebidos como ‘acções retóricas-tipo baseadas
em acções reocurrentes’” (Chapman, 1994, p. 351).


                                                                23
Ana Maria Raposo Preto-Bay

       Os autores experientes geralmente iniciam o processo
de comunicação por escrito usando um plano de referência
mútuo entre leitores e autores e uma calibração do tópico
através da escolha de temas, tom e metadiscurso. Podem fazê-
lo porque, ao longo do tempo e com experiências repetidas,
criaram um tipo de heurística do género, ou seja, as linhas de
base dos elementos que todos os autores bem-sucedidos usam
implícita ou explicitamente quando escrevem. Estes aspectos
são, ao mesmo tempo, parâmetros comuns a todos os géneros e
a base na qual os géneros diferem entre si. Através de decisões
feitas no nível do conteúdo, das expectativas dos leitores, do
vocabulário e do registo linguístico, do tipo de formato e das
fontes usadas, entre outras, o autor consegue desenvolver o
texto de forma socialmente adequada. As escolhas da forma
como o texto é contextualizado e elaborado em termos do
tópico, nível de explicação e da natureza do género são todas
produto não só da experiência e do saber linguístico do autor,
mas também do conhecimento sócio-cultural e histórico da
comunidade a que se dirige por escrito.
       O ensino da literacia a aprendentes principiantes ou
inexperientes através do género textual requer, por isso, que
se façam ajustamentos em nível teórico e prático. Por um
lado, o sistema educativo em geral e o professor em particular
precisam adoptar os conceitos de que a aprendizagem e o uso
da leitura e da escrita são um processo social, que a literacia é
a compreensão e produção de discursos secundários, ou seja,
as formas de comunicar por escrito em vários contextos sociais
alargados, e que a escola é, de facto, o ponto de partida para os
processos de acesso e participação social. Essa postura teórica
direcciona o ensino para uma acção responsável, sabendo
que “como aspecto da prática social, a aprendizagem envolve
as pessoas na sua globalidade... [o que] implica não apenas
uma relação com actividades específicas, mas uma relação
com comunidades sociais – implica tornar-se participante,
membro, um tipo de pessoa (identidade)” (Matos [s. d.],
p. 67). Antes que possamos falar dos aspectos práticos da
didática da leitura e da escrita via género, impõe-se que
aceitemos as dimensões teóricas da literacia e do género como
ponto de partida e alicerce da nossa prática.
       Por outro lado, a adopção teórica da importância do
ensino da literacia nas suas vertentes cognitivas e sociais
implica uma prática pedagógica comprometida em que

24
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...

 o ensino da literacia abandona a noção de “escrever por
 escrever” (Colello; Silva, 2003, p. 12). Em vez disso, procura
 encontrar meios através dos quais o que acontece na sala
 de aula reflecte esta noção de que a escrita acontece num
 contexto sócio-cultural mais lato do que o contexto escolar
 e só pode ser compreendida e ensinada de forma eficaz sob
 essa perspectiva. Uma vez que os alunos são já participantes
 dentro de comunidades discursivas primárias, a função do
 sistema educativo no seu todo é a de alargar a capacidade de
 acesso dos alunos a outras comunidades através da leitura e
 da escrita, uma responsabilidade que reside na escola, sendo
 esta muitas vezes a comunidade de discurso secundário com
 a qual os alunos têm o seu primeiro contacto.
        Usando o conceito de género textual, o ensino da
 literacia pode ser feito com base no reconhecimento de que
 todas a comunidades e discursos, incluindo a comunidade
 e o discurso primário de cada aluno, têm valor intrínseco,
 mas que a participação efectiva a vários níveis dessas
 comunidades requer que cada um venha, pelo menos em
 parte, a conhecer o conjunto de valores e formas de interação
 que essas comunidades, quer sejam culturais, políticas ou
 laborais privilegiam. Tal como pessoas que transitam entre
 dois mundos e precisam aprender os seus diferentes valores
 e contractos sociais, os alunos precisam ser ensinados
 explicitamente sobre quais são as características dessas novas
 comunidades e aprender a navegá-las através dos processos
 da escrita.
        Não se pretende com este argumento menosprezar a
 função da alfabetização ao seu nível mais básico e vital – o
 processo de aprendizagem do código linguístico – e sem o
 qual seria impossível sequer pensar em termos de literacia.
 No entanto, importa reafirmar que até mesmo no processo
 de aquisição da língua escrita o contexto da aprendizagem
 deve sempre visar ao que há de social em toda a linguagem
 humana, ou seja, o processo de comunicação de algo a alguém.
 O código linguístico não é um fim em sim mesmo, mas o meio
 através do qual, de forma socialmente adaptada, comunicamos
 efectivamente e dessa forma nos tornamos membros ou
 mantemos a nossa afiliação literata nas comunidades de que
 fazemos ou queremos fazer parte. Segundo Colello (2004),
“na ambivalência dessa revolução conceitual, encontra-se
 o desafio dos educadores em face do ensino da língua:

                                                                 25
Ana Maria Raposo Preto-Bay

alfabetizar letrando” (p. 6). Resta-nos agora repensar a nossa
prática pedagógica de forma a tornar real os princípios teóricos
apresentados até aqui.


 A pedagogia aplicada à aprendizagem da
       literacia através do género textual
      Os anos 80 marcaram o início do ensino da escrita
através do processo. Além de ser revolucionário no sentido que
criou, pela primeira vez, a possibilidade de verdadeiramente
ensinar aos escritores inexperientes o processo seguido pelos
escritores experientes (Preto-Bay, 2005), a pedagogia do
processo da escrita permitiu, ao mesmo tempo, desmascarar
falsas ideias que se pensou estaram associadas à produção
escrita, nomeadamente a noção de que só algumas pessoas
têm o dom da escrita e que esta já existe de forma acabada
na cabeça do escritor antes de chegar ao papel. Basicamente
até à pesquisa realizada por Flower e Hayes (1981), a qual
documentou o processo sofisticadado da escrita seguido por
autores experientes, não havia ensino da escrita segundo
a concepção que temos presentemente. Em vez disso, no
contexto escolar, a escrita era avaliada como produto acabado
sem ser verdadeiramente ensinada. Através do processo, a
escrita começou a ser vista e ensinada como parte de um
método de desenvolvimento e aprendizagem a que todos
têm acesso. Deixou de se pensar que algumas pessoas nunca
poderão se comunicar adequadamente por meio da escrita e
passou a pensar-se em termos da responsabilidade pedagógica
que a escola tem de ensinar esse processo.
      Se, por um lado, a psicologia cognitiva nos deu acesso
aos processos mentais dos escritores e nos permitiu pensar na
escrita como um processo passível de aprendizagem, por outro,
a psicologia social tem-nos remetido, mais recentemente, para
noções da língua e da sua natureza social. Entramos, assim,
numa segunda fase da pedagogia da escrita ligada, desta vez,
não somente aos aspectos da produção escrita mas também
do ensino da sua função social. Assim, nascem o conceito
de género textual no contexto escolar e a necessidade de
desenvolver uma pedagogia para o seu ensino. Embora o
ensino do processo da escrita ajude os escritores a sistematizar
as fases e passos da codificação dos textos, este não garante,
por si só, que o autor inexperiente leve em linha de conta os

26
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...

aspectos sociais, culturais e históricos da produção dos textos
de modo a que esses textos sejam eficazes comunicativamente
no âmbito social.
      De acordo com Johns (1997), “no caso do discurso escrito,
há muitos factores que são determinados na e pela cultura onde
os textos são produzidos ... incluindo os objectivos e a função
dos textos, os papéis e as relações entre os autores e os leitores,
o contexto em que o texto é produzido e lido, as características
formais do texto, o uso do conteúdo e até mesmo o nome dado
ao texto” (p. 196). Para desenvolver uma pedagogia do género
precisamos, pelo menos, pensar em termos (1) das experiências
prévias dos alunos, (2) da aprendizagem situada na sala de
aula e do que os alunos aí podem experenciar e aprender, bem
como (3) da transferência desses saberes para novos contextos
que o aluno virá a encontrar na sua prática social, pois
naturalmente que no contexto escolar não é possível ensinar
a miríade de géneros textuais que as múltiplas comunidades
discursivas usam como forma de comunicação.


        Avaliação das experiências prévias,
       necessidades e interesses dos alunos

       O sistema de design de instrução mais conhecido e mais
usado, o chamado modelo ADDIE, propõe que o design de
sistemas inclua cinco fases sequenciais: a análise, o design, o
desenvolvimento, a implementação e a avaliação. Apesar de
esse processo ser geralmente usado para o design de sistemas
instrucionais em larga escala, podemos aplicá-lo ao design
da instrução ao nível do ensino da literacia na sala de aula.
O primeiro passo nesse processo é a análise, a qual inclue
três aspectos principais: a análise do problema a ser resolvido
através da instrução, o estabelecimento de objectivos para a
instrução e, não menos importante, a análise das características
dos alunos. Não faz sentido fazer design, desenvolvimento ou
implementação de um sistema de instrução sem, primeiro,
saber quem são os alunos, quais as suas experiências
educativas, culturais e sociais prévias, quais os seus objectivos
para a aprendizagem e quais as suas características em geral.
Surpreendentemente, na maioria das situações de instrução, o
ensino é feito como se essas experiências e características não
tivessem qualquer impacto no processo de aprendizagem.

                                                                27
Ana Maria Raposo Preto-Bay

      Sem conhecer os alunos de perto, as suas situações de
vida, as suas ambições e objectivos, é difícil verdadeiramente
ensiná-los. O tipo de experiência que os alunos têm fora da
escola, nas suas comunidades e discursos primários, tem um
impacto directo na sua aprendizagem de discursos secundários
e da literacia em geral. Ao tentar “proteger a torre de marfim”
(Shaughnessy, 1998) e as suas teorias pré-fabricadas de quem
os alunos são e o que podem ou não aprender, ou que metas
pessoais e sociais podem ou não atingir, os professores tornam-
se, em parte, pactuantes com uma visão determinística e
pessimista das possibilidades na vida dos seus alunos.
      Ao repensar a sua abordagem e atitude perante cada
cada aluno individualmente e cada novo grupo de alunos,
o professor pode “[1] conceber o papel dos alunos como
agentes inteligentes no processo de aprendizagem ... [2] ter
em consideração a variedade de recursos que venham a ser
necessários para atingir objectivos de aprendizagem e [3]
incluir explicações de processos de aprendizagem específicos
no contexto de descrições mais alargadas das estrutura
cognitivas através das quais as pessoas se adaptam a vários
contextos para atingirem as suas metas pessoais” (Bereiter,
1990, p. 619).
      Dessa forma, quando o professor reconhece que
os aprendentes têm um “conhecimento inadequado dos
recursos necessários para desempenhar a tarefa [e que o]
seu depositório de conhecimento do mundo, das estruturas
retóricas e linguísticas ...[é] insuficiente” (Wenden, 1991,
p. 318), pode, assim, respeitando e incluindo as experiências
prévias dos alunos, orientá-los na aquisição do desenvolvimento
de discursos secundários, ou seja, da literacia em geral.


            A sala de aula como comunidade
                                  linguística
     Ao permitir uma experiência social alargada necessária
ao desenvolvimento social dos alunos, a sala de aula torna-
se uma comunidade sócio-retórica, uma zona em permanente
construção, onde os alunos se apercebem que o seu discurso
primário é um ponto de partida para o entendimento e
aprendizagem das práticas literatas de outros, as quais podem
ser aprendidas e perante as quais não necessitam se sentir
intimidados. Uma vez que toda a aprendizagem ocorre de

28
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...

forma situada socialmente, a criação de uma comunidade
de prática na sala de aula permite que os alunos trabalhem
os textos como autores e leitores e, nessa reciprocidade,
aprendam a avaliar a situação retórica. O contexto escolar
torna-se, assim, uma primeira comunidade alargada para os
alunos e, se gerida de forma a explorar o seu potencial real,
pode tornar-se uma ponte para o mundo à medida que “tal
como outras instituições sociais ... providencia prática no
uso de ferramentas específicas e tecnologias para resolver
problemas específicos... [a escola obedece assim] a princípios
que definem objectivos importantes a ser atingidos, problemas
significativos a ser resolvidos e abordagens sofisticadas a ser
usadas para resolver problemas e atingir metas” (Rogoff, 1990,
p. 191).
      As relações sociais que se estabelecem na sala de aula,
particularmente no que se refere à posição do professor como
mentor e mestre em relação a um aprendente, dão ênfase
ao conceito da aprendizagem através de participação activa
e progressivamente mais competente numa comunidade
de prática específica (Atkinson, 2002). Assim, através da
participação orientada pelo professor, a literacia desenvolve-
se como uma actividade completa e complexa, em que as
metas comunicativas e sociais da escrita são comunicadas e
practicadas.
       Embora se fale com frequência da zona de
desenvolvimento próximo como um conceito individual,
Moll (1989) propõe que se repense este conceito como
participação colectiva. Diz-nos: “O objectivo é ajudar ... [os
aprendentes] a criar significados através da participação em
diversas actividades literatas. O objectivo é [ajudá-los] ... a
se aperceberem de forma consciente de que estão a usar o
processo literato e ajudá-los a aplicar tal conhecimento para
reorganizar experiências e actividades futuras... [Através
de estratégias que] obtiveram através do uso e análise da
linguagem para moldar as suas próprias actividades e criar
textos mais sofisticados e claros” (p. 132).
       Esse tipo de desenvolvimento pessoal e social dos alunos
não acontece, contudo, sem ser cuidadosamente planejado,
desenvolvido e apoiado de forma intencional.
      Uma vez que o desenvolvimento dos aprendentes
ocorre a longo prazo, é necessário que esses tenham
oportunidade de reorganizar as suas formas de pensar de modo

                                                                29
Ana Maria Raposo Preto-Bay

a, progressivamente, atingirem um nível de entendimento,
habilidade e perspectiva sobre a comunidade a que pertencem
para usarem esse entendimento e crescimento pessoal na
sua relação com instituições sociais alargadas e com outros
membros da comunidade. Para que tal aconteça os alunos
devem ter acesso à participação social orientada pelo professor,
a qual inclui:
     • planeamento e estruturação de actividades;
     • calibração de tarefas difíceis;
     • participação conjunta em tarefas de resolução de
        problemas;
     • discussão de metas e objectivos gerais;
     • atenção à resolução de partes de problemas que levam
        à resolução de problemas mais complexos;
     • oferta de apoio e estrutura;
     • providenciamento de rotinas a serem usadas em
        actividades ou situações mais complexas;
     • participação orientada;
     • transferência de responsabilidades do professor para o
        aprendente de acordo com a avaliação que o professor
        faz das capacidades deste último;
     • ajuste do apoio dado com base nas necessidades do
        aprendente;
     • aumento de responsabilidades e expectativas à medida
        que o aprendente se torna mais capaz (Rogoff, 1990).
      Paralelamente, através da reflexão, na sequência
das discussões na sala de aula e da própria natureza da
atmosfera da aula, os alunos começam a desenvolver não só
os seus próprios processos e experiência, mas também uma
arquitectura de significados e relações que são o produto da
comunidade linguística que a sala de aula constitue, bem
como das relações estabelecidas entre os alunos em si e entre
o professor e estes mesmos alunos.
      Na aprendizagem da literacia não se pode dar demais
importância às relações pessoais estabelecidas entre o
professor e os alunos. Quando os alunos sentem que têm o
respeito e atenção do professor e que o objectivo do professor
é o de os ajudar, muitos respondem de forma positiva.
Segundo Cummins (1989), a interação estabelecida na aula
entre alunos e professores e entre os alunos em si é vital para o
desenvolvimento da literacia desses mesmos alunos. Algumas
das suas sugestões incluem:

30
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...

     • diálogo genuíno entre o professor e o aluno tanto
       oralmente como através da escrita;
     • orientação e apoio;
     • colaboração através do diálogo entre os alunos;
     • uso significativo da língua escrita em vez de atenção
       às estruturas superficiais da comunicação escrita;
     • aspectos do desenvolvimento linguístico integrados
       em todo o conteúdo curricular;
     • ênfase dada às habilidades de análise e resolução de
       problemas;
     • apresentação de tarefas de forma a engendrar motivação
       intrínseca nos alunos.
      Essa forma de pensar e estruturar a sala de aula e as
relações nela existentes cria, de certa forma, um sistema
modelo através do qual os alunos podem explorar outras
relações sociais alargadas na sua experiência presente e
futura.


           Pedagogia aplicada ao género–um
         processo social estável e generativo

      O que se pretende com o ensino aplicado do gênero
textual a serviço da literacia é que os aprendentes tenham
a oportunidade, no contexto educativo, de explorar relações
sociais e a forma como estas se desenrolam e constituem
através dos textos. Didacticamente, o nosso objectivo não
pode ser, obviamente, o de ensinar todos os géneros textuais
que os alunos vão encontrar no seu percurso de vida. Em vez
disso, podem usar-se experiências com a leitura e a escrita
de textos específicos como exemplos situados e partir daí
para o entendimento de que, em contextos diferentes e para
fins diferentes, os textos assumem características diferentes.
O género precisa ser apresentado sob a perspectiva de que
é variável e que nos ajuda, ao mesmo tempo, a perceber e a
modificar o mundo, uma vez que, embora tenha um conjunto
de características de base estáveis, é, acima de tudo, uma
actividade generativa.
      Johns (1997) sugere um curso de acção que envolva a
discussão do que pode ser considerada uma análise comparativa
de géneros. Como ponto de arranque, os aprendentes começam


                                                                31
Ana Maria Raposo Preto-Bay

 por examinar textos com que já se encontram familiarizados
 nas áreas do conteúdo, forma, intento comunicativo e das
 forças sociais em geral que determinam a sua construção e
 interpretação. Com base neste tipo de pensamento crítico e
 atitude de análise, o professor pode, então, apresentar outros
 textos pertencentes a outras comunidades discursivas com os
 quais quer que os aprendentes se familiarizem. À medida que
 vários textos vão sendo analisados, os alunos vão começando a
 produzir textos visando leitores em comunidades diferentes.
        A experiência didáctica que visa à familiarização com
 vários leitores e às suas comunidades pode, inicialmente, ser
 tão simples como pedir que os alunos escrevam um parágrafo
 descrevendo um acontecimento das suas vidas, tal como um
 hipotético acidente de carro, a leitores diferentes: aos pais,
 ao seu melhor amigo, ao chefe da polícia e ao namorado ou
 namorada, por exemplo. A análise de tal exercício escrito
 revelará, certamente, uma escolha de palavras e ênfase de
 acontecimentos que se adaptam às expectativas do leitor e à
 forma como o autor quer ser visto e entendido. Dependendo
 do nível educativo dos alunos, este parágrafo pode não só ser
 diferente em termos do conteúdo, do registo e do tom, mas
 também assumir um formato diferente. Dessa forma, os alunos
 começam a perceber o conceito de leitor no seu sentido mais
 restrito e de comunidade discursiva no seu sentido mais lato.
Actividades didácticas bem mais avançadas requerem que os
 alunos leiam um texto com o qual não estão familiarizados e
 daí deduzam os valores e relações sociais entre os leitores e
 autores desses textos. O que se pretende é que os aprendentes
“façam perguntas aos textos, aos contextos e aos membros
 experientes dessas comunidades – e a si próprios” (Johns,
1997, p. 92).
        Nesse processo de desenvolvimento da literacia, o
 professor, como mentor e autor mais experiente, pode orientar o
 aprendente ao ajudá-lo a identificar e analisar as características
 dos géneros, as acções retóricas que os autores experientes
 usam para atingir os seus objectivos e as escolhas linguísticas
 que fazem, entre outras. A sala de aula pode tornar-se, assim,
 um lugar de convergência de pessoas e textos, um lugar onde
 os aprendentes podem (1) analisar géneros discursivos vários
 e aplicar o novo conhecimento a novos contextos da escrita;
 (2) rever e actualizar as suas próprias teorias do que são os
 géneros textuais; (3) desenvolver estratégias para lidar com

32
Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas...

 situações de escrita e leitura novas no contexto social; (4)
 aprender a analisar activamente e criticar de forma construtiva
 as várias funções sociais, os textos e os contextos; (5) adquirir
 uma metalinguagem para discutir os textos; (6) reflectir nas
 suas experiências literatas passadas e presentes (Johns, 1997).
       Como comunidade linguística, contudo, a sala de aula
 não precisa ser uniforme. Quando escrevem, os aprendentes
 não têm que escrever todos no mesmo género textual. Com
 base na sua experiência prévia e interesses futuros, esses
 podem tornar-se pesquisadores etnógrafos das comunidades
 em que estão interessados em participar – este tipo de prática
 num ambiente acolhedor permite que os alunos experimentem
 ideias e processos que podem parecer intimidantes fora do
 contexto educativo, mas que nesse contexto transformam a sala
 de aula num verdadeiro laboratório social de práticas literatas:
“O tipo de ensino que envolve e desafia os aprendentes em
 tarefas com significado também ajuda os alunos a serem
 capazes de correr riscos, apoia a colaboração entre eles, revê
 de forma propositada as abordagens que faz e anticipa a
 natureza a longo-prazo e contínua da aprendizagem. Este tipo
 de pedagogia é boa para todos” (Zamel; Spack, 1998, p. XI).
 Através deste processo aberto e generativo, os alunos podem
 começar, verdadeiramente, a ter experiências que vão além da
 realidade da comunidade discursiva a que pertencem e inferir
 esses princípios para futuros textos que venham a escrever e
 contextos em que venham a participar numa rede social mais
 alargada.


                                  Considerações finais
       Os estudiosos nas várias áreas do conhecimento
preocupam-se com aspectos multifacetados da experiência
e desenvolvimento humanos. Embora vivamos num
período da história do mundo em que se torna necessário
compartimentalizar os vários ramos dos conhecimento,
importa, ainda assim, estabelecer relações entre eles de forma
a ter uma visão mais abrangente do que é possível. Certamente,
o tema da literacia através do género textual como forma de
desenvolvimento da qualidade de vida dos seres humanos
pode ser considerado como uma minúscula contribuição para
este fim. No entanto, como o relatório do Ipea sugere, “vê-se
que mesmo pequenas diminuições no grau de desigualdade

                                                                 33
Ana Maria Raposo Preto-Bay

poderiam reduzir a pobreza significativamente” (TD 1000).
Porque a natureza da sociedade e de todo um conjunto de
problemas é multifacetada, torna-se necessário que as soluções
apresentadas também o sejam. Colello (2004) afirma que “a
desconsideração dos significados implícitos do processo de
alfabetização – o longo e difícil caminho que o sujeito pouco
letrado tem a percorrer, a reação dele em face da artificialidade
das práticas pedagógicas e a negação do mundo letrado – acaba
por expulsar o aluno da escola, um destino cruel, mas evitável
se o professor souber instituir em classe uma interação capaz
de mediar as tensões, negociar significados e construir novos
contextos de inserção social” (2004, p. 11). Essa é, certamente,
uma das possibilidades que nos são dadas através da ênfase no
desenvolvimento da literacia através do género textual.

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                                                                 35
A escrita e o outro/interlocutor
                 no dizer das crianças                                   1




                                       Cancionila Janzkovski Cardoso*


       Vivemos no Brasil, a partir da década de 1980, profundas
mudanças no processo de ensino da língua materna. O avanço de
várias ciências correlatas da educação, em especial das ciências
lingüísticas, deslocou o centro do ensino da gramática normativa
tradicional para o texto como unidade de ensino. Especialistas
da área da linguagem, pesquisadores, professores formadores
têm feito um enorme esforço para divulgar/vulgarizar uma
concepção de linguagem como interação, como trabalho, como
discurso, como prática sócio-histórica, na qual as práticas de
leitura e escrita são ressignificadas.
       Esse movimento se fez sentir, igualmente, no processo
de alfabetização. Por um lado, novas concepções sobre como
a criança apreende o sistema de escrita – a psicogênese da
escrita – e, por outro, a ampliação do conceito de alfabetização
trouxeram muitas modificações para o ensino e a aprendizagem
do ler e do escrever. É nesse contexto que ganha visibilidade
um novo fenômeno: o letramento. Autores brasileiros como
Tfouni (1988, 1995), Kleiman (1995), Soares (1995, 1998,
2002, 2003), Masagão (2003), Mortatti (2004), entre outros, têm
constituído uma importante produção acadêmico-científica
sobre esse novo fenômeno e, portanto, sobre o novo conceito
que veio a denominá-lo no interior da ciência pedagógica,
buscando explorar diferentes aspectos e problemas nele
envolvidos, a partir de diferentes perspectivas teóricas.

*
    Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
    Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
    Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
1
    Texto apresentado no 14o. Cole. Campinas, 2003, modificado e ampliado.



                                                                       37
Cancionila Janzkovski Cardoso

        É, pois, no contexto de profundas alterações científicas,
 tecnológicas, políticas e sociais que se propõe a formação de
 um novo leitor e escritor. A alfabetização escolar, por si só, já
 não basta; é necessário que os indivíduos aprendam a ler e
 produzir textos, para além daqueles produzidos no contexto
 escolar, textos que remetam às mais variadas práticas sociais
 de leitura e escrita.
       Alfabetização e letramento, gradativamente, estão
 sendo entendidos como dois processos interdependentes,
 complementares, cada qual com especificidade própria. A
 mudança na compreensão do processo de alfabetização colocou,
 portanto, os usos sociais da escrita, materializados em textos,
 no centro das atividades de ensino. O desafio que se coloca
 hoje para a prática alfabetizadora é alfabetizar letrando. Para
 Soares (2003, p. 90), ao mesmo tempo em que o aluno deverá
 se apropriar do sistema de escrita alfabético e ortográfico, ou
 seja, da “tecnologia” da escrita, deverá conquistar habilidades
 e atitudes de uso dessa tecnologia em práticas sociais que
 envolvem a língua escrita. O primeiro processo chama-se
“alfabetização”; o segundo, “letramento”. Ambos devem ocorrer
 simultaneamente.
       Assim, os processos de alfabetização e de letramento
 escolares envolvem, fundamentalmente, a apropriação e o
 uso competente da leitura e da escrita de textos variados, com
 significado e relevância social. Com base nesse pressuposto,
 este texto discute um aspecto importante da aprendizagem da
 escrita: a adaptação do texto a um interlocutor determinado.


                                     O ato de escrever
      Escrever um texto pressupõe a simulação de uma
situação: prever um destinatário e os efeitos de forma e de
conteúdo do texto sobre ele. Desse modo, a aprendizagem da
escrita, diferentemente da aprendizagem da fala, requer da
criança uma dupla abstração: por um lado, ela deve lidar com
uma linguagem que não conta com os aspectos sonoros em
sua realização, restringindo-se ao plano das idéias veiculadas
pelas palavras; por outro, deve trabalhar considerando a
ausência do interlocutor na situação imediata de sua produção
(Vygotsky, 1987/34, p. 122).
      Assim, o texto escrito supõe, fundamentalmente, um
enunciador – o escritor – em situação de comunicação que


38
A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças

o distancia de seu interlocutor – o outro/leitor – e, por isso,
exige um trabalho de organização textual que busque a
explicitação dos significados para esse interlocutor ausente.
O processo de construção do texto escrito exige que seu
autor ajuste, antecipadamente, o seu dizer a um determinado
interlocutor. Numa palavra, o texto escrito exige a construção
de um interlocutor, ou, como sugere Bakhtin, a consideração
de um auditório social. Assim, globalmente, pode-se dizer
que o problema da aprendizagem da escrita é o de a criança
conseguir um melhor controle sobre sua própria atividade de
linguagem: aprender a planejar um texto, a desenvolvê-lo em
função da situação, adaptá-lo a um destinatário. Encontra-se
aqui, portanto, aquela característica importante da atividade
de produção de textos escritos já mencionada por Vygotsky:
seu caráter consciente.
      Para Schneuwly (1988, p. 50), do ponto de vista
psicológico, trata-se de fazer funcionar e dominar, nas
diferentes situações de comunicação escrita, dois processos: a)
o planejamento autogerado do texto; b) a instauração de uma
relação mediata em relação à situação material de produção.
No que concerne ao primeiro, é necessário compreender que o
controle e a gestão da produção não se ancoram mais na análise
da produção de linguagem na situação, na qual o interlocutor
dá pistas e participa conjuntamente da construção do discurso;
é necessário desenvolver uma instância de controle e de
gestão autônoma, permanente, que funcionará durante toda a
produção do texto. Igualmente, o outro processo implica que
o cálculo e a criação das origens textuais (temporais, espaciais,
argumentativas) funcionem independentemente da situação
particular. No nível psicológico, trata-se de um funcionamento
que exige a criação de novas instâncias de cálculo, de gestão e
de controle, que já se encontram, de maneira rudimentar, nas
situações ligadas ao uso da oralidade. Para esse autor, trata-se
de um processo de planejamento monogerado,2 que exige uma
reflexão mais deliberada e consciente sobre a língua.

2
    No modelo de produção do discurso, desenvolvido por Bronckart (1985) e
    Schneuwly (1988), existem dois grandes tipos de planejamento no nível dos
    planos de textos ou de modelos de linguagem: o planejamento poligerado,
    que corresponde, em geral, a uma ancoragem implicada, e o planejamen-
    to monogerado, de ancoragem autônoma. Como exemplo de planejamento
    monogerado, poderíamos pensar numa narrativa ficcional escrita na qual a
    representação do destinatário é mediatizada pela representação interna do
    enunciador.



                                                                         39
Cancionila Janzkovski Cardoso


                    Os procedimentos da pesquisa
       As particularidades elencadas sugerem que o processo
da escrita possui um funcionamento psicológico específico
cuja característica principal é a adoção por parte do escritor
de uma relação “metatextual” com seu texto, tomando-o como
objeto de atenção para o comentar, o estruturar, o modificar, o
clarificar.
       Tendo como objetivo apreender os níveis de reflexividade
e de deliberação sobre o processo de escrita já desenvolvidos
por crianças, realizei uma pesquisa com 14 sujeitos, alunos
da 4a série do ensino fundamental, que tinham, em média,
dez anos de idade.3 Os procedimentos envolviam entrevistas
individuais nas quais a criança era convidada a falar sobre
seus processos mentais, suas opiniões sobre a língua,
exigências formais do texto, tarefas escolares, leitores em
potencial, possibilidade de revisão textual etc., três ou quatro
dias após a produção do texto. Os sujeitos ficavam muito à
vontade, dado todo um conhecimento já construído com a
professora/pesquisadora e com o equipamento de gravação.
O objetivo foi mostrar como a criança vê o seu próprio texto
na interação oral sobre ele, evento que denominei “entrevista
de explicitação”. A entrevista de explicitação, que sempre
começava com a leitura do texto, proporcionou momentos de
reflexão meta (metalingüística, metapragmática, metatextual,
metadiscursiva) em que as crianças puderam discutir sobre
as formas de enunciação de seu pensamento para o outro,
apontar o que perceberam como limites na materialização do
texto e, ainda, sugerir formas alternativas de tratamento das
unidades apontadas como inadequadas. Para efeitos de análise,
as entrevistas foram transcritas e recortadas em unidades,
que denominei “seqüências enunciativas”. Nos limites deste
trabalho, discutirei apenas parte dos resultados, notadamente
aqueles que tratam da percepção das crianças relacionada ao
seu interlocutor/leitor.


3
    Este foi um dos objetivos de uma pesquisa mais ampla, de caráter longitudi-
    nal, na qual acompanhei/analisei quatro anos de escolarização desses sujei-
    tos. Grande parte dessa pesquisa já se encontra publicada em duas obras: a)
    CARDOSO, Cancionila J. Da oralidade à escrita: a produção do texto narrati-
    vo no contexto escolar. Brasília/Cuiabá: co-edição Inep/Comped e EdUFMT,
    2000, e b) CARDOSO, Cancionila J. A socioconstrução do texto escrito: uma
    perspectiva longitudinal. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2003.



40
A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças


                         O interlocutor/leitor em cena
      Bakhtin aponta como índice substancial, constitutivo do
enunciado, o fato de ele se dirigir a alguém, de estar voltado
para o destinatário. Para o autor, “as formas e concepções do
destinatário se determinam pela área da atividade humana e
da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado. A quem
se dirige o enunciado? Como o locutor (ou o escritor) percebe
e imagina seu destinatário? Qual é a força de influência
deste sobre o enunciado? É disso que depende a composição
e, sobretudo o estilo, do enunciado” (Bakhtin, 1979/1992, p.
321).
      Assim, a avaliação do locutor sobre o que está dizendo,
mesmo quando aparentemente não se faz presente, e o seu
julgamento, com respeito a quem está se dirigindo, moldam
o seu discurso, determinam a escolha das unidades de
linguagem, lexicais ou gramaticais e, ainda, a escolha das
unidades de comunicação, tais como o estilo de uma fala ou
os gêneros discursivos empregados. O interlocutor é, portanto,
também definidor da configuração textual.
      No processo de socioconstrução da língua escrita,
quando alunos dos anos iniciais do ensino fundamental
escrevem, o quanto está concretizado esse outro, seu leitor em
potencial?
     Algumas seqüências enunciativas poderão elucidar tal
questão:4 [Quadro (1)].
      Caíse demonstra, por meio de uma reflexão metapragmática,
ter consciência de que a sua produção textual é determinada
pela percepção que ela tem de seus destinatários. Num contexto
pedagógico mais distenso, é possível produzir um texto



4
    Tendo como principal interesse as concepções das crianças sobre a escrita,
    optei por transcrever as entrevistas de explicitação da forma mais legível
    e simples possível, ortograficamente, apontando apenas as pausas mais
    evidentes:
     - uso de sinais de pontuação (exclamação, interrogação);
     - uso de dois pontos (..) para assinalar pausa menor (semelhante a ponto ou
      vírgula na escrita);
     - uso de reticências (...) para assinalar uma pausa maior – hesitação, reflexão;
     - uso de chave ( [ ) para assinalar falas concomitantes;
     - uso de aspas (“ ”) para assinalar segmentos lidos;
     - uso de duplo parênteses (( )) para assinalar comentários;
     - entrevistadora identificada pela inicial K (Kátia Cancionila);
     - criança identificada pela inicial do nome.



                                                                                41
Cancionila Janzkovski Cardoso

(1)
                  K- agora me fala uma coisa .. quando você produziu
Caíse - 25.11.96 –   esse texto.. que ocê teve essa idéia de produzir um
                     texto parecido com o do Continho.. você não ficou
 Título do texto:    pensando.. não ficou com medo de que eu e a Edilma
     “Kátia e        não gostássemos?
    Edilma, as    C- ah eu fiquei
 engraçadinhas” K- ficou com medo? ((rindo))
                  C- aí depois eu falei assim.. “ah também se elas não
                     gostar.. eu faço outro”
                  K- eu faço outro... não... e se a gente além de não gostar
                     a gente ficasse braba com você?
                  C- ((risos)) mas é que vocês não iam ficar brava.. vocês
                     iam é ri
                  K- porque que você acha que eu não ia ficar brava?
                  C- ah porque você sempre foi alegre.. você não briga
                     com a gente.. lá.. se não fosse assim.. vichi eu nem
(Obs. Esse texto     ia colocar
é extremamente K- o quê?
sarcástico com    C- se você fosse de mau humor eu nem ia fazer esse
as personagens,      texto.. ia fazer outro
que são a         K- ah tá.. você seria capaz de fazer um texto desse
pesquisadora e       falando da professora?
sua auxiliar)     C- ãh ãh ((negativa))
                  K- não? por quê? o que que ocê acha?
                  C- porque ela é muito brava.. muito chata
                  K- ela é brava e poderia ficar brava com você?
                  C- é...
                  K- e se eu tivesse ficado brava... hem?
                  C-                                  [aí
                  K-                                  [assim brava.. nervosa
     Anexo 1         mesmo... “que absurdo que essa menina escreveu”..
                     e aí hem?
                  C- aí eu ia pegar rasgar e fazer outro.. só que não de
                     vocês.. de outras pessoas
                  K- de outras pessoas... mas ocê ia fazer um texto pareci-
                     do com esse de novo?
                  C- não.. ia fazer outro .. sem ser desse... é .. pôr de uma
                     historinha... não engraçada igual essa daí..
sarcástico, mesmo envolvendo as professoras como
personagens, pois ela sabe/pressente/antecipa a reação: mas
é que vocês não iam ficar brava .. vocês iam é ri. O mesmo
texto não seria escrito em um contexto mais formal, em que a
concepção que ela tem de seu destinatário a leva a hipotetizar
uma recusa ou censura. Essa concepção, determinada por
uma área de atividade humana – o contexto escolar – pode
não refletir a realidade, mas é, para Caíse, legítima. A fala
da criança parece também revelar uma percepção ampla das
possibilidades dos gêneros de textos, adequados a situações e
interlocutores determinados, na medida em que ela responde


42
A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças

                  que, para escrever sobre outras pessoas, ia fazer outro .. sem
                  ser desse... é .. pôr uma historinha.. não engraçada igual essa
                  daí.
                        A vivência nas práticas escolares de leitura e produção
                  textual reafirma, constantemente, um destinatário quase
                  exclusivo para os textos das crianças. Ao longo de sua
                  escolarização, elas vão constituindo uma concepção de
                  interlocutor – o professor/leitor – que tem expectativas bem
                  definidas com relação à sua produção escrita: ensinar, corrigir,
                  avaliar. Juliany traduz um conhecimento relativo à função
                  do texto escolar, seu interlocutor, seu destino, seu objetivo:
                  [Quadro (2)].
(2)
      Juliany - K- hum.. mas Ju.. quando vo.. por exemplo esse dia que
      25.11.96     você tava escrevendo esse texto aqui.. você sabia
                   que esse texto era pra quem.. quem ia ler?
   Título do    J- você
     texto:     K- cê sabia que era pra mim né.. pra mim e pra Edilma
 “Os gnomos”       né.. e aí.. você.. quando cê tá escrevendo você pensa
                   em mim.. você fica imaginando.. ah quem vai ler é
                   a professora Kátia.. ou não.. nem pensa nisso.. só
                   pensa no texto?
                J- penso
  (Obs. Texto K- pensa? e lá na sala de aula.. quando você tá
muito criativo,    escrevendo.. você também pensa na professora ?
   permeado     J- hum hum
    de inter-   K- que tipo de pensamento que vem na sua cabeça
ertextualidade     assim
com histórias J- não porque lá.. ela vai olhar as pontuações bem
   infantis e      certinha tem que fazer tudo bem certo.. porque
  propaganda       depois ela olha.. se tiver errado...
     de TV)     K- o que acontece?
                J- o que acontece? Você me pergunta?
                K- é ..eu te pergunto!
    Anexo 2     J- ela manda a gente fazer tudo de novo
                J- de novo? mas ela mostra onde tá errado?
                J- mostra.. por sinal ela só manda apagar e corrigir

                        Essa reiteração do interlocutor tem sido apontada como
                  sendo extremamente prejudicial. Trata-se, como salientou
                  Geraldi (1991, p. 143), de um grande problema, especialmente
                  porque as “redações” dos alunos (não sua “produção textual”)
                  têm sempre como leitor a função-professor, não o sujeito-
                  professor. A via de mão única para a produção infantil, em
                  termos de destinatário, pode gerar inseguranças como a
                  expressa por Juliany: quando pode, quando seu leitor não é


                                                                                   43
Cancionila Janzkovski Cardoso

compulsório, essa criança diz selecionar quem pode ler seus
textos, apontando para uma vergonha de que seu leitor possa
achá-los de má qualidade: [Quadro (3)].
    (3)
                 K- é... quando você escreve Ju.. você pensa.. alguma vez
          Juliany -
          25.11.96  você já pensou em quem vai ler?
                 J- já
                 K- como é que é isso.. conta pra mim como é que é isso
       Título do J- eu não gosto muito de .. assim.. nem minha mãe
         texto:      assim eu gosto muito que fica perguntando (...).. eu
     “Os gnomos”     fico com vergonha
                 K- por quê?
                 J- ah.. sei lá
                 K- porque que você tem vergonha?
                 J- achar o texto da gente ruim.. ou senão ... ah sei lá..
       Anexo 2       eu tenho vergonha de mostrar.. aí chegando em casa
                     assim.. não sei porque a minha mãe assim eu não
                     deixo ver.. mas as minhas colegas assim que é bem
                    íntima até que eu deixo

      A reiteração, no entanto, não impede que as crianças
desenvolvam idéias sobre um interlocutor fictício,
eventualmente outra pessoa que não o professor. É no interior
dessas mesmas práticas sociais de leitura e escrita que se pode,
timidamente, abrir uma perspectiva de maior socialização do
texto escolar das crianças.
      No interior das situações vivenciadas e discutidas
naquele momento pelas crianças, Diego é capaz de perceber
funções diferenciadas em seus interlocutores, aliadas
a expectativas distintas: o texto elaborado em situação
escolar é, essencialmente, exercício de estilo, aplicação de
conhecimentos gramaticais e estéticos, isso porque a função
principal de seu leitor é ensinar e o escritor/aluno deve mostrar
que aprendeu. O texto elaborado em situação periescolar5
distingue-se do primeiro em virtude de ter um interlocutor
cuja função principal é estudar. Destinos também diferentes:
um fica no caderno, ao passo que o outro será analisado,
valorizado e, quem sabe, virará livro. [Quadro (4)].



5
     Para esta pesquisa, “situação escolar” é entendida como aquela na qual os
     sujeitos produziam seus textos escritos como tarefas corriqueiras desenvol-
     vidas pelo currículo escolar. “Situação periescolar” é entendida como um
     contexto social de produção distinto do primeiro, embora ainda escolar, em
     que os sujeitos eram reunidos para participar de aulas desenvolvidas pela
     pesquisadora, envolvendo a produção textual.



44
A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças

(4)
               K- me fale uma coisa .. O que que você sente quando
                   a professora manda fazer um texto.. e quando eu
Diego – 9.9.96     mando fazer um texto?
               D- eu faço rápido
               K- pois é.. é diferente ou não fazer um texto pra professora ..
  Título do        e fazer um texto pra mim?
    texto:     D- é diferente
“Olimpíadas K- porque que ocê acha que é diferente?
96 no Futebol D- ah.. pra eu fazer um texto pra você .. você vai estudar
  Brasileiro”      sobre o texto né.. você vai fazer.. como é que é...
                   um livro.. né.. que nem você fez aquela vez com
                   nós quando nós estava na 1ª série.. e a professora
                  ... quando ela manda fazer um texto é pra gente
   Anexo 3         aprender a fazer estética e aprender a pontuação
                   mais bem.. e aquilo fica no nosso caderno.. e quando
                   nós faz um texto fica pra você

            Esse grupo de crianças teve, pelo menos, dois leitores empíricos
            em, também, pelo menos, dois momentos do seu processo
            de escolarização, ou seja, na 1a e na 4a série.6 A entrevista
            procurou extrapolar esses dois conhecidos leitores empíricos,
            criando um leitor virtual, insistindo e puxando a idéia de fazer
            a criança pensar num interlocutor hipotético. Nesse contexto,
            é o mesmo Diego que fornece outros índices de uma reflexão
            sobre esse leitor/interlocutor virtual e suas possíveis exigências
            para a recriação de um contexto, no intuito de haver uma boa
            recepção do texto. Para Diego, o texto não se basta por si só.
            A compreensão requer um “entendimento” sobre o assunto
            em pauta; requer uma familiaridade com o jeito de se falar
            daquele assunto. Há que se fazer algumas relações para que se
            estabeleça um sentido, ou, melhor dizendo, “a compreensão
            do todo do enunciado é sempre dialógica” (Bakhtin, 1979/92,
            p. 354). Aspectos profundos como contextualização/
            descontextualização, auditório social/esferas sociais, temática/
            enunciado podem ser identificados na opinião metatextual7
            dessa criança: [Quadro (5)].




             6
                 A investigação longitudinal foi desenvolvida em forma de pesquisa participati-
                 va em dois momentos: quando as crianças freqüentavam a 1ª e a 4ª série.
            7
                 Para uma análise cognitivista do problema das relações intralingüísticas en-
                 tre os signos e seu contexto lingüístico (domínio metatextual) ver Gombert
                 (1990).



                                                                                          45
Cancionila Janzkovski Cardoso

 (5)
                 K- alguém.. digamos assim uma pessoa que mora bem
                    longe.. que não assistiu as Olimpíadas.. tá?.. que
  Diego - 9.9.96    não escutou nenhuma notícia.. éé.. uma pessoa que
                    mora lá na zona rural.. digamos
                 D-                        [hum
    Título do    K-                     [se essa pessoa ler o seu texto.. você
      texto:        acha que ela entende tod.. toda a sua história?
  “Olimpíadas D- ((não com a cabeça))
  96 no Futebol K- é? por quê?
    Brasileiro” D- porque não tem.. não tem é.. não tem entendimento..
                    sobre.. sobre as o.. o negócio.. tem que ter um
     Anexo 3        entendimento sobre as Olimpíadas
                 K- hum... mas e aí as coisas que estão escritas aqui não
                    são suficientes para entender?
                 D- eu acho que não
                 K- não?
                 D- não
                 K- fala mais sobre isso.. vamo ver como é que ocê tá
                    pensando isso
                 D- não.. eu tô falando assim ó .. que nem aqui.. que tô
                    falando assim nas Olimpíadas.. que nem a minha
                    tia.. uma tia minha mora lá na .. no .. em Goiás na
                    zona rural né.. aí ela não tem televisão lá.. ela tinha
                    uma só que quebrou né.. aí ela .. ela gosta de ver
                    novela assim.. aí se a gente falar de uma novela ela
                    não vai saber o que que é.. ela vai pensar que é um
                    filme.. só que é uma novela
                 K- humm
                 D- aí ela não vai entender o que que é
                 K- certo.. mas e se sua tia então.. digamos que ela não
                    tenha assistido as Olimpíadas.. né
                 D-
                                                        [não
                 K- ela tá lá.. ela.. se sua tia lesse o seu texto.. né.. você
                    acha que ela não vai entender ou ela vai entender?
                 D- vai entender assim mais ou menos
                 K- mais ou menos .. então tá bom..


      Dessa forma, Caise, Juliany, Lucas e Diego mostram,
cada qual a seu modo, que a imagem do leitor-interlocutor
visado não só está presente como também regula o processo
de produção.




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Teorias praticas letramento[1]

  • 1. Teorias e práticas de letramento
  • 2. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad SECRETÁRIO EXECUTIVO José Henrique Paim Fernandes INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP) Reynaldo Fernandes DIRETORIA DE TRATAMENTO E DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES EDUCACIONAIS (DTDIE) Oroslinda Maria Taranto Goulart UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO Reitor Rui Getúlio Soares Vice-Reitora de Graduação Eliane Lucia Colussi Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Carlos Alberto Forcelini Vice-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários Cléa Bernadete Silveira Netto Nunes Vice-Reitor Administrativo Nelson Germano Beck
  • 3. Lia Scholze Tania M. K. Rösing (Org.) Teorias e práticas de letramento Brasília-DF UPF 2007
  • 4. Coordenadora-Geral de Linha Editorial e Publicações (CGLP) Lia Scholze Coordenadora de Produção Editorial Rosa dos Anjos Oliveira Coordenadora de Produção Visual Márcia Terezinha dos Reis Editor Executivo Jair Santana Moraes Revisão Maria Emilse Lucatelli Liana Langaro Branco Sabino Gallon Capa Raphael Caron Freitas Projeto gráfico Sirlete Regina da Silva Diagramação e Arte final Niepson Ramos Raul Tiragem: 1.000 exemplares Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzi- do por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do autor ou da editora. Editoria Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418, CEP: 70047-900 – Brasília-DF – Brasil Fones: (61)2104-8438, (61)2104-8042 – Fax: (61)2104-9812 – editoria@inep.gov.br Distribuição Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414, CEP: 70047-900 – Brasília-DF – Brasil Fone: (61)2104-9509 – publicacoes@inep.gov.br – www.inep.gov.br A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusiva responsabilidade dos autores. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Teorias e práticas de letramento / organização, Lia Scholze, Tania M. K. Rösing. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007. 297 p. ISBN 978-85-75154-07-6 1. Letramento. 2. Leitura. 3. Escrita. I. Scholze, Lia. II. Rösing, Tania M. K. III. Universidade de Passo Fundo IV. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. CDU 372.415
  • 5. Sumário Prefácio André Lazaro.............................................................................7 Apresentação A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam Lia Scholze e Tania M. K. Rösing..............................................9 Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas ligadas ao género textual Ana Maria Raposo Preto-Bay...................................................17 A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças Cancionila Janzkovski Cardoso...............................................37 Processos de letramento na infância: aspectos da complexidade de processos de ensino-aprendizagem da linguagem escrita Cecília Goulart.........................................................................61 Práticas leitoras multimidiais: no contexto do Centro de Referência de Literatura e Multimeios – Mundo da Leitura Eliana Teixeira........................................................................83 O ensino de português nos níveis fundamental e médio: problemas e desafios José Luiz Fiorin........................................................................95 Pela não-pedagogização da leitura e da escrita Lia Scholze............................................................................117 Que linguagem falar na formação docente de professores de língua? Ludmila Thomé de Andrade .................................................127 Para ler a narrativa literária Márcia Helena Saldanha Barbosa........................................145
  • 6. Letrar é preciso, alfabetizar não basta... mais? Maria do Rosário Longo Mortatti..........................................155 Letramento na Maré: uma proposta metodológica de ensino da leitura e da escrita para jovens e adultos Marlene Carvalho.................................................................169 A leitura literária e o hipertexto na sala de aula: do centro à periferia Miguel Rettenmaier...............................................................191 O professor e o erro no processo de alfabetização Natália Duarte.......................................................................221 Literatura infantil e introdução à leitura Regina Zilberman..................................................................245 Estética da recepção: a singularidade do leitor e seu papel de co-produtor do texto Rosemari Glowacki................................................................255 Letramento: conhecimento, imaginação e leitura de mundo nas salas de inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental Silviane Barbato....................................................................273 A leitura do texto teatral na escola Tania M. K. Rösing.................................................................289
  • 7. Prefácio O presente trabalho, organizado primorosamente pelas professoras Lia Scholze e Tania M. K. Rösing, é uma reflexão sobre o conceito de letramento e suas práticas e mostra-se oportuno na medida em que vem se somar à discussão que o Comitê Nacional do Livro e Leitura do MEC está promovendo internamente, visando à constituição de uma política de leitura para o país. Assim como o processo do letramento é complexo e abrangente envolvendo diversas práticas políticas e sociais, além da aquisição da competência da leitura e da escrita, o processo da construção das diretrizes do plano em elaboração também exige uma visão mais abrangente. Os eixos principais para iniciar a discussão sobre uma política de leitura, tendo em vista o “Plano Nacional do Livro e Leitura”, não podem deixar de contemplar aspectos como a democratização do acesso da informação científica, didática ou cultural em diferentes suportes; a formação de leitores, incluindo mediadores de leitura, gestores e educadores; pesquisa e avaliação sobre leitura e a produção de materiais científicos, didáticos e culturais e de leitura, como a obra ora apresentada. O PNLL é um conjunto de projetos, programas, atividades e eventos na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas em desenvolvimento no país, empreendidos pelo Estado (em âmbito federal, estadual e municipal) e pela sociedade. A prioridade do PNLL é transformar a qualidade da capacidade leitora do Brasil e trazer a leitura para o dia-a-dia do brasileiro. A interlocução, portanto, entre as instâncias acadêmicas e institucionais – aqui representadas pela Universidade de Passo Fundo e pelo MEC/Inep – é pertinente e necessária na medida em que a universidade, formadora de recursos humanos, encontra no MEC o espaço para a disseminação desta reflexão. 7
  • 8. Prefácio A presente obra consegue reunir a reflexão de pensadores de várias instituições em caráter multidisciplinar e contempla diferentes olhares sobre a questão do letramento. André Lazaro Secretário Executivo do MEC e coordenador do Comitê Nacional de Leitura do MEC. 8
  • 9. Apresentação A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam Eis que uma fulguração me ilumina. O que acontece diante de mim – uma mulher que lê notícias de mares distantes para duas crianças, sentadas tranqüilamente numa calçada – é uma linda e comovente aula. Em plena rua, ela ensina a ler, ensina a entender o que se lê, ensina a sentir as emoções escritas, anuncia a aflição de viver e os perigos da vida, prenuncia, enfim, que a vida inclui a morte. Alcione Araújo, “Notícias de mares distantes”, de Escritos na água O contato com o texto escrito é, em essência, um ato repleto de vida, como nos faz crer a epígrafe deste texto. Está, ou deveria estar, no cotidiano de todos, nas práticas diárias de comunicação e nas bases do conhecimento de toda a sociedade. Saber ler e escrever é, para o indivíduo, uma garantia de existência política e cultural num país, que, por sua vez, se pretenda letrado e, assim, desenvolvido. Nesse sentido, alicerçadas na diversidade de situações de vida e na pluralidade de circunstâncias comunicativas, em mais de um tipo de demanda e em mais de um espaço social, a leitura e a escrita deixam de se associar à mera habilidade de reconhecimento e de manipulação das letras do alfabeto. São instrumentos para se inserir na realidade, para compreendê-la e, também, para alterá-la, como ferramentas do entendimento. Ler e escrever não são apenas habilidades estabelecidas em torno da decodificação; muito mais do que isso, saber ler e escrever significa apropriar-se das diversas competências relacionadas à cultura orientada pela palavra escrita, para, dessa forma, atuar nessa cultura e, por decorrência, na sociedade como um todo. A educação, no que diz respeito a esse ato de inclusão, que é letrar – mais do que alfabetizar –, tem uma função 9
  • 10. Apresentação mediadora. É pela ação educativa, na sala de aula ou em outros contextos, além do escolar, que se promovem a aquisição e a utilização crítica da leitura e da escrita. E essa ação transformadora, tanto do indivíduo quanto da sociedade da qual ele faz parte, é, acima de tudo, um processo em constante avaliação. Em uma de suas facetas, esse processo se coordena articulado ao mundo, numa prática que habilita os sujeitos a dialogarem com as complexidades do texto escrito; em outra, de forma contínua, reorganiza-se politicamente, viabilizando aos sujeitos envolvidos, pela leitura e pela escrita, a reflexão e a atuação no que tange às dinâmicas sociais; em outra, ainda, esse processo examina repetidamente os próprios métodos e conceitos, à medida que tanto os indivíduos quanto o mundo se transformam. De alguma maneira, o letramento, tanto como estado ou condição de um indivíduo ou de um grupo, quanto como conceito, estabelece-se num processo sem fim, num caminho com pontos provisórios de chegada, de partida, de redirecionamentos... Este livro é mais um passo nesse processo de reflexão sobre o letramento, sobre as suas teorias, sobre suas práticas. Contando com estudos de diversos teóricos, a obra articula-se, primeiramente, com o artigo de Ana Maria Raposo Preto-Bay. Em seu texto, a pesquisadora aborda o tema da literacia relacionado à questão do gênero textual. Para a autora, “saber ‘ler’ não significa ‘saber ler’”. Em sua concepção, a leitura e sua interpretação encontram-se problematizadas pelos diferentes contextos em torno da produção e da recepção dos textos nos diferentes gêneros aos quais podem pertencer. Por isso, há a necessidade de uma pedagogia ao gênero, a fim de que “os aprendentes tenham a oportunidade, no contexto educativo, de explorar relações sociais e a forma como estas se desenrolam e constituem através dos textos”. Cancionila Janzkovski Cardoso, em “A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças”, discute o ato de escrever como um procedimento que, simulando uma situação imediata de comunicação, envolve em suas especificidades, “um enunciador – o escritor – em situação de comunicação que o distancia de seu interlocutor – o outro/ leitor”. Tal aspecto exige, no caso da criança que aprende a escrever, um melhor controle sobre esse funcionamento psicológico específico, no qual a recepção se encontra fora de seu “aqui” e “agora”. Mediante tal perspectiva, a pesquisadora 10
  • 11. A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam apresenta uma pesquisa realizada com alunos na 4ª série de ensino fundamental na qual procurou investigar “os níveis de reflexividade e de deliberação sobre o processo de escrita já desenvolvidos por crianças”. Cecília Goulart, em “Processos de letramento na infância: aspectos da complexidade de processos de ensino- aprendizagem da linguagem escrita”, pretende refletir sobre modos de alfabetizar na perspectiva do letramento social, na escola. Seu estudo, numa pesquisa concluída recentemente com crianças de quatro e cinco anos de uma creche universitária, pretende refletir sobre a importância que a noção de letramento pode ter para dar novos sentidos aos processos de aprendizagem da leitura e da escrita na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. Eliana Teixeira, por sua vez, apresenta em seu artigo as práticas leitoras multimidiais no contexto do Centro de Referência de Literatura e Multimeios da Universidade de Passo Fundo (o Mundo da Leitura), as quais objetivam a formação do sujeito- leitor, a partir do contato com diferentes tipos de textos, nos mais diversificados suportes, embora com destaque ao texto literário. Diante da constatação de que maioria dos estudantes termina o ensino médio com dificuldade para ler um texto de média complexidade e para redigir adequadamente textos, José Luiz Fiorin, em seu estudo, pretende mostrar os principais problemas do ensino de língua portuguesa nos níveis fundamental e médio, os quais se estabelecem, principalmente, na fundamentação em noções equivocadas a respeito do funcionamento, da estrutura e das funções da linguagem humana e, dentre outros importantes fatores, no ensino da leitura e da redação não fundamentado em teorias do discurso e do texto. Em “Pela não-pedagogização da leitura e da escrita”, Lia Scholze propugna a linguagem como representação de pensamentos, idéias, sentimentos do sujeito em uma dada cultura. Nesse sentido, o uso da linguagem, fora do propósito da escola, configura-se como um movimento incessante de incorporação de novas formas de expressão e de organização. Nessa nova ordem, segundo a estudiosa, cabe à escola, pela leitura, assumir a ampliação da imaginação criadora, desenvolvendo sujeitos questionadores e críticos dos arranjos da sociedade. Segundo a pesquisadora, “criadas as condições para a sua produção, seremos surpreendidos pelas 11
  • 12. Apresentação crianças e pelos adolescentes que esperam por estes desafios e nos darão respostas consideradas inesperadas por aqueles que não costumam escutá-los”. Perante a questão “Que linguagem falar na formação docente de professores de língua?”, Ludmila Thomé de Andrade pretende apresentar uma reflexão sobre as condições de letramento de professores da escola básica que lidam com a linguagem. Nesse caminho, investiga as práticas de ensino de leitura e de escrita na formação dos professores, tomando como campo de pesquisa um curso universitário de formação continuada oferecido aos professores de séries iniciais de escolas públicas. Suas conclusões apontam para a necessidade de se repensar as trajetórias de letramento docente: “Se queremos formar alunos leitores na escola básica, é preciso considerar processos possíveis para os professores se verem antes como produtores de linguagem”. No que se refere à narrativa literária, para Márcia Helena Saldanha Barbosa, investir no letramento é proporcionar ao sujeitos uma experiência de leitura em que o encadeamento das ações que compõem a história e, também, a conexão entre todos os elementos do texto sejam percebidos e reconhecidos. É assim, segundo a pesquisadora, que as potencialidades da narrativa se concretizam e que a trama se atualiza na interação do texto com o leitor. Ilustrando essa concepção, Barbosa analisa o conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis. Em “Letrar é preciso, alfabetizar não basta... mais?”, Maria do Rosário Longo Mortatti avalia o histórico recente do ensino da leitura e da escrita no Brasil, segundo os três modelos principais que orientaram esse ensino, a saber: o construtivismo, o interacionismo e o letramento. Para a autora, embora estabelecida em bases teóricas distintas, a prática pedagógica, ao tentar, com muita freqüência, conciliar esses modelos, tem incorrido, forçosamente, na combinação de elementos incompatíveis entre si, numa opção problematicamente eclética. Marlene Carvalho, em “Letramento na Maré: uma proposta metodológica de ensino da leitura e da escrita para jovens e adultos”, apresenta e avalia o Programa de Alfabetização desenvolvido por professores, estudantes e funcionário da UFRJ na Maré, “uma ampla área geográfica à margem da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, próxima do Aeroporto Internacional do Galeão e da Universidade Federal do Rio de Janeiro”. 12
  • 13. A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam Em “A leitura literária e o hipertexto na sala de aula: do centro à periferia”, Miguel Rettenmaier propõe uma leitura hipertextual na mediação da leitura literária. Para isso, vale- se da leitura das mídias impressas nos textos jornalísticos para discutir temáticas atuais da sociedade, como a convulsão de violência ocorrida em maio de 2006 em São Paulo, e para introduzir, criticamente, as possibilidades interpretativas do texto literário. Nessa perspectiva, alicerça a leitura do literário à chamada “literatura marginal”, pretendendo rediscutir os conceitos sobre o que seja a leitura e o que pode se considerar literatura. Em outra ordem, mas na mesma problemática relacionada ao ensino da leitura e da escrita, Natália Duarte, em “O professor e o erro no processo de alfabetização”, apresenta um diagnóstico que evidencia o fracasso da alfabetização no Brasil, discorre sobre as principais propostas de alfabetização atuais e fixa-se na alfabetização pós-construtivista. Em seu artigo, a autora propõe uma nova relação do professor com o “erro” do aluno, entendendo-o como fruto indispensável do diálogo entre sujeitos e o conhecimento, principalmente na aprendizagem da leitura e da escrita: “O ‘erro’ do aluno na escrita desvela o esquema de pensamento e hipótese que o aluno está vivenciando. É ele que possibilita apoiar a aprendizagem dos alunos, desde que o professor reoriente seu trabalho pedagógico para provocar e alimentar os esquemas de pensamento em construção”. Em “Literatura infantil e introdução à leitura”, Regina Zilberman trata sobre o conceito de letramento associado à leitura literária infantil. Nesse âmbito, para a estudiosa, “a admissão ao mundo da literatura depende e ultrapassa a alfabetização e o letramento. Depende da alfabetização, enquanto envolve o domínio das técnicas de leitura e de escrita, e do letramento, na medida em que as práticas de leitura e escrita estão presentes em cada etapa da experiência do sujeito”. No trabalho de alfabetizar e de apresentar a literatura às crianças, Zilberman apresenta obras de escritores consagrados, como Erico Verissimo, Cecília Meireles, Mario Quintana e Ziraldo, os quais assumiram o desafio de recriar com qualidade estética as cartilhas de alfabetização. Rosemari Glowacki, por sua vez, pretende refletir sobre a teoria da estética da recepção, de Hans Robert Jauss, observando nessa corrente a descoberta do leitor co-produtor num processo de interlocução texto/leitor. Para a pesquisadora, as orientações 13
  • 14. Apresentação teóricas dessa nova perspectiva sobre o leitor devem ter implicações na escola: “Segundo a Estética da Recepção, o contato com os livros, se o objetivo for construir leitores conscientes e felizes, deve ser iniciado o mais cedo possível, não só pelo manuseio dos textos, como também pela história contada, pela conversa ou pelos jogos rítmicos, no sentido de fazer amar a leitura, para que o leitor se sinta o protagonista do seu aprendizado, numa ponte que ligue a teoria e a prática, entre o universo estético e o universo real”. Silviane Barbato, em “Letramento: conhecimento, imaginação e leitura de mundo nas salas de inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental”, reflete sobre as práticas de letramento no processo de alfabetização, considerando o desenvolvimento das crianças de seis anos que entram no primeiro ano do ensino fundamental e as metodologias de alfabetização no ensino de língua materna. Norteia suas considerações a condição de que as práticas de alfabetização sejam consideradas segundo a concepção de que “o processo de ensino-aprendizado é uma negociação entre o que se espera atingir em termos de objetivos, as habilidades de acordo com a série e as demandas das crianças em desenvolvimento”. Nessa negociação se integra uma pedagogia do diálogo, na qual, segundo Barbato, “a construção de significados é deslocada do eu e do tu para o inter, passando a abarcar também os instrumentos utilizados no processo de ensino-aprendizado e os procedimentos, inclusive discursivos, da interação nos modos comunicativos orais, escritos e visuais”. Tania Mariza Kuchenbecker Rösing, ao final da obra, contrastando com várias décadas de desvalorização do texto teatral no meio escolar e nos cursos de letras, expõe, em “A leitura do texto teatral na escola”, as lacunas que se ampliam na formação humanista de jovens e adultos quando não têm acesso à leitura de textos da dramaturgia, ou, o que é ainda pior, a espetáculos teatrais. Para a pesquisadora, “a decisão de ler o texto teatral é uma atitude firme em direção ao entendimento da condição humana pela ampliação do imaginário.” Teorias e práticas de letramento, pelo número de pesquisadores envolvidos e pela diversidade de olhares sobre as questões relativas à leitura e à escrita, é uma reunião de vozes não rigorosamente unidas por um referencial teórico monológico. O letramento, como conceito e, mesmo, como palavra ainda é lugar de discussões. Seus sentidos e suas 14
  • 15. A escrita e a leitura: fulgurações que iluminam aplicações dentro e fora da sala de aula não nos conduzem a definições, mas ao diálogo contínuo. Restará ao leitor, assim, ao fim e ao cabo do contato com cada um dos artigos deste livro, não a constatação inequívoca de um entendimento estabelecido, mas um convite à reflexão que cerca as complexidades pertinentes às dinâmicas da cultura escrita e a inserção, na escola ou além dela, dos sujeitos, nessa cultura. Restará, sobretudo, talvez, a certeza de que o contato com o mundo da escrita e da leitura é sempre uma fulguração a nos iluminar, pois guarda sempre em si a capacidade de um maior entendimento das coisas da vida. Lia Scholze Tania M. K. Rösing (Organizadoras) 15
  • 16.
  • 17. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas ligadas ao género textual Ana Maria Raposo Preto-Bay* Uma abordagem com base na literacia representa um estilo de ensino que os educadores devem considerar se querem preparar os aprendentes para uma participação completa em sociedades que progressivamente exigem competência em nível multilinguístico, multicultural e multitextual (Kern, 2000, p. 16). Embora ainda não saibamos exactamente o que o termo “globalização” significa e quais as suas implicações e repercussões na vida da população mundial a curto e a longo prazo, o facto é que o seu uso é presentemente tão comum que já se tornou quase banal. A realidade que procura descrever é a realidade do início do século XXI – uma realidade difícil de descrever dada a sua complexidade e ambiguidade. A constante movimentação de pessoas e produtos, a falta de estabilidade dos mercados de trabalho em nível mundial e local, a diversificação e rápida restruturação de organizações e empresas e a reconfiguração de tarefas e responsabilidades que requerem adaptação a qualquer momento, todas elas intensificam esse sentido de incerteza a vários níveis. Paralelamente, e não surpreendentemente, o acesso real aos meios de produção, consumo e participação social estão cada vez mais ligados à capacidade de adaptação a essas rápidas mudanças. Os avanços tecnológicos, de que quase * Doutora em Psicologia Educativa e Tecnologia na área da aquisição lingüística. Leciona na Brigham Young University em Provo, Utah, nos Estados Unidos da América. Licenciada pela Universidade Clássica de Lisboa, faz investigação na área dos sistemas educativos e da literácia, entre outros. 17
  • 18. Ana Maria Raposo Preto-Bay todas as comunidades humanas alargadas agora dispõem para a realização de intercâmbios sociais, culturais, económicos e políticos, requerem um nível de sofisticação que é, na realidade, responsável por uma ainda maior exclusão social daqueles que a eles não têm acesso. A participação social e laboral é, no século XXI, mais complexa. Enquanto, por exemplo, a economia industrial dependia de trabalhadores manuais, cujas qualificações se limitavam quase somente à capacidade de realizar uma mesma tarefa repetidas vezes, a nova sociedade e economia requerem dos seus participantes, entre outras, a capacidade de rápido pensamento crítico, resolução de problemas, argumentação e negociação e, talvez, acima de tudo, altos níveis de literacia. A idade da informação é não só definida pelo acesso e controle de tecnologias e redes-chave, mas também pela livre circulação de grandes quantidades de dados, os quais são quase sempre codificados, catalogados e circulados pelo meio escrito. Neste sentido, a produção e o consumo de textos revelam-se progressivamente como catalisador social de participação e acesso a fontes de conhecimento e, consequentemente, de poder. Trata-se não só de saber ler e escrever, de saber registar e decifrar os aspectos linguísticos de um texto, mas, principalmente, de compreender e saber estabelecer relações sociais através desse mesmo texto. Como artefactos sociais e culturais, os textos escritos são produzidos e, até certo ponto, produzem as estruturas sociais das comunidades em que existem; são mapas para o entendimento das relações entre membros das várias comunidades e, por conterem indícios reais dessas relações sociais, permitem-nos acesso aos valores e princípios de cada comunidade. Por esse motivo, a nossa familiaridade com textos escritos constitue verdadeira evidência da nossa participação legítima em comunidades culturais, políticas, religiosas e laborais e é, ao mesmo tempo, um ponto de acesso a comunidades a que ainda não pertencemos. Assim sendo, o acesso social a estruturas e comunidades a que desejamos pertencer é, em larga escala, mediado pelo uso efectivo e competente do processo literato da leitura e da escrita nas suas vertentes não só cognitivas, mas também sociais e culturais. Podemos, assim, argumentar que a literacia é um dos aspectos fundamentais da participação social e que, ao activarmos os mecanismos necessários em nível educativo, 18
  • 19. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... é possível, até certo ponto, diminuir os níveis de exclusão e desigualdade sociais responsáveis por altas taxas de pobreza, por exemplo, via um maior nível de actividade literata que emana dum sistema educativo eficaz. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “quando se observa que pessoas com distintos atributos produtivos recebem distintos rendimentos, considera-se que o mercado de trabalho revela uma heterogeneidade preexistente na força do trabalho, gerada no sistema educacional” (TD 1000). Embora possa parecer não só ambicioso como também injusto justapor o sistema educativo, a literacia e a participação social numa relação causal na mesma linha de argumento, a realidade é que esse é verdadeiramente o “chamado” das pessoas e dos sistemas ligados à educação. Posicionados como janelas para o mundo, os sistemas educativos têm, muitas vezes e infelizmente, as cortinas fechadas. Geralmente preocupados com a aquisição e transmissão de conhecimentos no contexto escolar, muitos educadores em todos os níveis recriam ciclicamente uma forma de incesto intelectual ao duplicarem estruturas antigas de reprodução de saberes para consumo interno em vez de prepararem os aprendentes para acção inteligente e auto- afirmante nas comunidades a que pertencem, naquelas a que querem ter acesso e no mundo em geral. Se o sistema escolar é, por um lado, um veículo sui generis de transmissão do conhecimento acumulado durante a história da humanidade, é também, por outro lado, um contexto privilegeado para a preparação para o presente e futuro dessa mesma humanidade. Quando o sistema educativo exclue ou inclue só parcialmente, pelas suas limitações pedagógicas e logísticas, aqueles que mais poderiam se beneficiar da sua existência e funcionamento, o processo de desenvolvimento social é estancado. É, por esse motivo, vital que a escola assuma o seu papel social e providencie os meios através dos quais os aprendentes se possam cientizar do valor intrínseco das comunidades a que pertencem e da sua capacidade de participação em novas comunidades sociais, culturais, laborais e políticas. Esse sentimento de pertença e de valor próprio pode ser fomentado pela participação activa no processo escolar, tornando, assim, o sistema educativo uma verdadeira ferramenta para a inclusão e participação dos aprendentes nas sociedades a que pertencem. 19
  • 20. Ana Maria Raposo Preto-Bay O processo contínuo de desenvolvimento e transformação social e cultural inerente a todas as comunidades reside na participação legítima dos seus membros (Lave e Wenger, 1991). Esta legitimidade está ligada ao acesso a recursos através dos quais os participantes podem desenvolver o seu potencial. Na comunidade educativa, os aprendentes precisam ter acesso a estruturas que facilitam o seu desenvolvimento pessoal não só sob o ângulo vocacional, mas também nas áreas de enriquecimento pessoal, lazer e auto-actualização. O lugar que a literacia ocupa neste processo é indiscutível. Cummins (1989) sugere que é necessário que se faça uma “análise das habilidades e atitudes que esta geração vai precisar para participar tanto numa sociedade democrática como numa comunidade globalizada” (p. 21) e, segundo ele, uma delas é o “uso activo da língua para comunicação genuína no contexto de uma tarefa com a qual os alunos se sentem intrinsicamente comprometidos” (p. 33). Alfabetização literária Apesar de, através dos séculos, a maioria das pessoas ter tido um acesso limitado à língua escrita, os textos sempre desempenharam um papel vital na história humana não só em termos do conteúdo, mas também da forma. A escrita revela a natureza das relações sociais na comunidade e cultura que os produz e usa como aspecto fundamental dessas mesmas relações. A natureza de um texto religioso no século XIV revela a estrutura social, cultural e religiosa da época. O mesmo acontece com uma mensagem de e-mail enviada entre colegas de trabalho numa companhia de seguros. Segundo Nystrand (1989), “a comunicação escrita é um acto fiduciário entre autores e leitores no qual ambos se tentam orientar continuamente visa-vis um estado anticipado de convergência entre si” (p. 75). De certa forma, todos o textos são “escritos” tanto pelo escritor como pelo leitor. A possibilidade de comunicação via textos é mais do que a capacidade de leitura de símbolos linguísticos numa página. O que um texto simplemente diz e o que comunica socialmente podem ser realidades e ideias completamente distintas. O intercâmbio real entre um autor e um leitor é baseado num passado social e cultural partilhado. Ler um texto e interpretálo são duas realidades e experiências diferentes. Saber “ler” não 20
  • 21. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... significa “saber ler.” Sem a interpretação contextualizada no tempo e espaço, a comunicação ocorre somente num nível superficial, se de todo. A menos que o termo e conceito de alfabetização venham a ser alargados para se referir também a um tipo de alfabetização cultural e social, este termo não pode ser considerado sinónimo de literacia, porque, segundo Kern (2000): A literacia é o uso de prácticas situadas no contexto social, histórico e cultural que nos permite criar e interpretar significados através do uso de textos. (Por esse motivo a literacia) presupõe pelo menos o conhecimento das relações entre as convenções textuais e os contextos em que são usadas e, idealmente, a capacidade de reflectir de forma crítica sobre essas relações. Como está ligado a objectivos claros, a literacia é dinâmica – não estática – e varia de uma comunidade discursiva e cultural para outra. (A literacia) chama a si uma grande variedade de aptidões cognitivas e conhecimentos da língua escrita e falada, do conhecimento de géneros e de conhecimento cultural (p. 16). Os símbolos linguísticos que nos permitem registar conteúdos são prerequisitos essenciais para a literacia, não são, contudo, o seu expoente máximo. Kern afirma que, embora ligada ao uso da língua escrita, “a literacia tem que ver, acima de tudo, com a linguagem e o conhecimento da forma como é usada, e só secundariamente com os sistemas da escrita” (2000, p. 23). Cada indivíduo tem um discurso primário, aquele que aprendeu na sua cultura familiar e no grupo em que se insere. Além desse sistema familiar e comunal do seu discurso primário, cada um geralmente aprende discursos secundários ligados às instituições sociais em que se movimenta – escola, local de trabalho etc. Cada discurso dentro de cada comunidade é sempre ideológico e resiste à crítica interna enquanto, ao mesmo tempo, se opõe a outros discursos e atribui valor a certas coisas a custo de outras, estando, assim, “ligado à distribuição de poder e à hierarquia estrutural da sociedade” (Gee, 1996, p. 53). Quando uma pessoa, embora participe numa comunidade primária e tenha um discurso primário, se encontra à margem da organização social mais lata, tal sentido de falta de poder limita a sua capacidade de participação literata nessa mesma sociedade. Como “domínio [efectivo] dos discursos secundários” (Gee, 1996, p. 56), a literacia é, por isso mesmo, uma forma real de participação social alargada. Por óbvias que as afirmações prévias pareçam, na realidade, só recentemente se começou a conceber de forma 21
  • 22. Ana Maria Raposo Preto-Bay coerente a natureza verdadeiramente generativa e social dos textos, especialmente no que se refere ao seu ensino e didáctica. O conceito de alfabetização – anterior ao conceito de literacia e teoricamente ligado a conceitos comportamentalistas e cognitivos de independência de acção do aprendente no processo de aprendizagem – tem sido “executado” através do ensino dos processos línguisticos irredutíveis da leitura e da escrita. Independentemente da esfera social onde circula e existe, e sem esse entendimento, a aprendizagem torna-se um processo alienatório para muitos dos aprendentes. Segundo Silva e Colello (2003): Tradicionalmente, a didatização das atividades para o ensino da leitura e escrita na escola cristalizou-se como uma linguagem estranha aos alunos, falantes nativos da língua portuguesa que nem sempre percebiam as práticas pedagógicas como extensão ou possibilidade efetiva do seu dizer. Longe de atender as necessidades do indivíduo, de desenvolver e ampliar os seus modos de expressão e interação, ou ainda, de alimentar o desejo de aprender, ensinava-se uma língua que, de fato, não era a dele; impunha-se uma relação como as letras incompatível com o seu mundo, e, portanto, a revelia do próprio sujeito (p. 7). Sem o entendimento e valorização das comunidades e discursos primários dos aprendentes, e porque não assenta naquilo que eles já conhecem rumo àquilo que podem vir a conhecer, a aprendizagem das letras é vazia e conduz a situações de rejeição por parte dos aprendentes, os quais se tornam, então sim, resistentes a esforços de alfabetização no seu sentido mais básico. Em vez disso, a aprendizagem da literacia pode e deve ser feita com as literacias primárias dos aprendentes – formas legítimas de expressão social do seu repertório, sejam elas quais forem – como ponto de partida. A escola é somente um dos muitos aspectos da participação social. Os alunos têm as suas vidas próprias fora do contexto da escola em que muitos desempenham já papéis muito relevantes nas suas comunidades primárias. Shaughnessy (1998) diz que os professores, em vez de tentarem “converter os nativos” e “abrir as comportas da verdade”, a qual, condescendentemente, partilham com os seus alunos, devem, sim, tornar-se observadores atentos e tentar, de facto, conhecer os alunos a quem querem ensinar. Quando a escola se integra primeiro no sistema social dos alunos e os ajuda a analisar e entender os seus discursos primários, a possibilidade de ensinar práticas literatas da sociedade alargada aumentam significativamente. 22
  • 23. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... O género como vertente teórico-pedagógica da literacia Todos nós reconhecemos um editorial no jornal da manhã, uma receita médica, um anúncio de uma casa à venda, um roteiro de um cruzeiro às Bahamas ou um relatório sobre a qualidade de vida de homens encarcerados num estabelecimento prisional como formas válidas de comunicação escrita contendo um certo conteúdo, formato e função social. Se cada um deles tem ou não a ver com a nossa vida pessoal, é uma questão de quem somos, onde vivemos, o que fazemos profissionalmente, qual é o nosso estatuto sócio- económico etc. Embora, pessoalmente, a autora gostasse de admitir familiaridade com roteiros de férias nas Bahamas, tal não acontece. Estamos naturalmente mais familiarizados com certas formas de escrita do que outras. Provavelmente, já fomos ao médico e recebemos uma receita; por outro lado, não é de surpreender que poucos, ou nenhum, de nós já tenham tido acesso a um relatório do tipo mencionado. Todos esses textos pertencem a géneros textuais diferentes e realizam funções sociais diferentes. Os géneros textuais contêm, como marca da sua produção, os termos do contracto social estabelecido através deles. Da mesma forma que a “literacia é uma colecção de processos culturais dinâmicos e não um grupo de atributos psicológicos estáticos e monolíticos” (Kern, 2002, p. 23), o género, como veículo histórico-cultural e didáctico, é também um conceito aberto, fluido, em permanente evolução, dada a natureza generativa e evolutiva dos indivíduos que o usam na sua comunicação. Apesar disso, o conceito de género mantém, ao mesmo tempo, uma estrutura base, um tipo de infraestrutura conceptual através da qual nos podemos orientar tanto na produção como na recepção de textos escritos. Segundo Freedman (1993), “os géneros são acções, eventos, e/ou respostas a situações recorrentes ou contextos com relações complexas de substância, forma, contexto e motivo ou intenção. A reocurrência de contextos específicos conduzem a acções sociais que se tornam ritualizadas, por isso os géneros podem ser concebidos como ‘acções retóricas-tipo baseadas em acções reocurrentes’” (Chapman, 1994, p. 351). 23
  • 24. Ana Maria Raposo Preto-Bay Os autores experientes geralmente iniciam o processo de comunicação por escrito usando um plano de referência mútuo entre leitores e autores e uma calibração do tópico através da escolha de temas, tom e metadiscurso. Podem fazê- lo porque, ao longo do tempo e com experiências repetidas, criaram um tipo de heurística do género, ou seja, as linhas de base dos elementos que todos os autores bem-sucedidos usam implícita ou explicitamente quando escrevem. Estes aspectos são, ao mesmo tempo, parâmetros comuns a todos os géneros e a base na qual os géneros diferem entre si. Através de decisões feitas no nível do conteúdo, das expectativas dos leitores, do vocabulário e do registo linguístico, do tipo de formato e das fontes usadas, entre outras, o autor consegue desenvolver o texto de forma socialmente adequada. As escolhas da forma como o texto é contextualizado e elaborado em termos do tópico, nível de explicação e da natureza do género são todas produto não só da experiência e do saber linguístico do autor, mas também do conhecimento sócio-cultural e histórico da comunidade a que se dirige por escrito. O ensino da literacia a aprendentes principiantes ou inexperientes através do género textual requer, por isso, que se façam ajustamentos em nível teórico e prático. Por um lado, o sistema educativo em geral e o professor em particular precisam adoptar os conceitos de que a aprendizagem e o uso da leitura e da escrita são um processo social, que a literacia é a compreensão e produção de discursos secundários, ou seja, as formas de comunicar por escrito em vários contextos sociais alargados, e que a escola é, de facto, o ponto de partida para os processos de acesso e participação social. Essa postura teórica direcciona o ensino para uma acção responsável, sabendo que “como aspecto da prática social, a aprendizagem envolve as pessoas na sua globalidade... [o que] implica não apenas uma relação com actividades específicas, mas uma relação com comunidades sociais – implica tornar-se participante, membro, um tipo de pessoa (identidade)” (Matos [s. d.], p. 67). Antes que possamos falar dos aspectos práticos da didática da leitura e da escrita via género, impõe-se que aceitemos as dimensões teóricas da literacia e do género como ponto de partida e alicerce da nossa prática. Por outro lado, a adopção teórica da importância do ensino da literacia nas suas vertentes cognitivas e sociais implica uma prática pedagógica comprometida em que 24
  • 25. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... o ensino da literacia abandona a noção de “escrever por escrever” (Colello; Silva, 2003, p. 12). Em vez disso, procura encontrar meios através dos quais o que acontece na sala de aula reflecte esta noção de que a escrita acontece num contexto sócio-cultural mais lato do que o contexto escolar e só pode ser compreendida e ensinada de forma eficaz sob essa perspectiva. Uma vez que os alunos são já participantes dentro de comunidades discursivas primárias, a função do sistema educativo no seu todo é a de alargar a capacidade de acesso dos alunos a outras comunidades através da leitura e da escrita, uma responsabilidade que reside na escola, sendo esta muitas vezes a comunidade de discurso secundário com a qual os alunos têm o seu primeiro contacto. Usando o conceito de género textual, o ensino da literacia pode ser feito com base no reconhecimento de que todas a comunidades e discursos, incluindo a comunidade e o discurso primário de cada aluno, têm valor intrínseco, mas que a participação efectiva a vários níveis dessas comunidades requer que cada um venha, pelo menos em parte, a conhecer o conjunto de valores e formas de interação que essas comunidades, quer sejam culturais, políticas ou laborais privilegiam. Tal como pessoas que transitam entre dois mundos e precisam aprender os seus diferentes valores e contractos sociais, os alunos precisam ser ensinados explicitamente sobre quais são as características dessas novas comunidades e aprender a navegá-las através dos processos da escrita. Não se pretende com este argumento menosprezar a função da alfabetização ao seu nível mais básico e vital – o processo de aprendizagem do código linguístico – e sem o qual seria impossível sequer pensar em termos de literacia. No entanto, importa reafirmar que até mesmo no processo de aquisição da língua escrita o contexto da aprendizagem deve sempre visar ao que há de social em toda a linguagem humana, ou seja, o processo de comunicação de algo a alguém. O código linguístico não é um fim em sim mesmo, mas o meio através do qual, de forma socialmente adaptada, comunicamos efectivamente e dessa forma nos tornamos membros ou mantemos a nossa afiliação literata nas comunidades de que fazemos ou queremos fazer parte. Segundo Colello (2004), “na ambivalência dessa revolução conceitual, encontra-se o desafio dos educadores em face do ensino da língua: 25
  • 26. Ana Maria Raposo Preto-Bay alfabetizar letrando” (p. 6). Resta-nos agora repensar a nossa prática pedagógica de forma a tornar real os princípios teóricos apresentados até aqui. A pedagogia aplicada à aprendizagem da literacia através do género textual Os anos 80 marcaram o início do ensino da escrita através do processo. Além de ser revolucionário no sentido que criou, pela primeira vez, a possibilidade de verdadeiramente ensinar aos escritores inexperientes o processo seguido pelos escritores experientes (Preto-Bay, 2005), a pedagogia do processo da escrita permitiu, ao mesmo tempo, desmascarar falsas ideias que se pensou estaram associadas à produção escrita, nomeadamente a noção de que só algumas pessoas têm o dom da escrita e que esta já existe de forma acabada na cabeça do escritor antes de chegar ao papel. Basicamente até à pesquisa realizada por Flower e Hayes (1981), a qual documentou o processo sofisticadado da escrita seguido por autores experientes, não havia ensino da escrita segundo a concepção que temos presentemente. Em vez disso, no contexto escolar, a escrita era avaliada como produto acabado sem ser verdadeiramente ensinada. Através do processo, a escrita começou a ser vista e ensinada como parte de um método de desenvolvimento e aprendizagem a que todos têm acesso. Deixou de se pensar que algumas pessoas nunca poderão se comunicar adequadamente por meio da escrita e passou a pensar-se em termos da responsabilidade pedagógica que a escola tem de ensinar esse processo. Se, por um lado, a psicologia cognitiva nos deu acesso aos processos mentais dos escritores e nos permitiu pensar na escrita como um processo passível de aprendizagem, por outro, a psicologia social tem-nos remetido, mais recentemente, para noções da língua e da sua natureza social. Entramos, assim, numa segunda fase da pedagogia da escrita ligada, desta vez, não somente aos aspectos da produção escrita mas também do ensino da sua função social. Assim, nascem o conceito de género textual no contexto escolar e a necessidade de desenvolver uma pedagogia para o seu ensino. Embora o ensino do processo da escrita ajude os escritores a sistematizar as fases e passos da codificação dos textos, este não garante, por si só, que o autor inexperiente leve em linha de conta os 26
  • 27. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... aspectos sociais, culturais e históricos da produção dos textos de modo a que esses textos sejam eficazes comunicativamente no âmbito social. De acordo com Johns (1997), “no caso do discurso escrito, há muitos factores que são determinados na e pela cultura onde os textos são produzidos ... incluindo os objectivos e a função dos textos, os papéis e as relações entre os autores e os leitores, o contexto em que o texto é produzido e lido, as características formais do texto, o uso do conteúdo e até mesmo o nome dado ao texto” (p. 196). Para desenvolver uma pedagogia do género precisamos, pelo menos, pensar em termos (1) das experiências prévias dos alunos, (2) da aprendizagem situada na sala de aula e do que os alunos aí podem experenciar e aprender, bem como (3) da transferência desses saberes para novos contextos que o aluno virá a encontrar na sua prática social, pois naturalmente que no contexto escolar não é possível ensinar a miríade de géneros textuais que as múltiplas comunidades discursivas usam como forma de comunicação. Avaliação das experiências prévias, necessidades e interesses dos alunos O sistema de design de instrução mais conhecido e mais usado, o chamado modelo ADDIE, propõe que o design de sistemas inclua cinco fases sequenciais: a análise, o design, o desenvolvimento, a implementação e a avaliação. Apesar de esse processo ser geralmente usado para o design de sistemas instrucionais em larga escala, podemos aplicá-lo ao design da instrução ao nível do ensino da literacia na sala de aula. O primeiro passo nesse processo é a análise, a qual inclue três aspectos principais: a análise do problema a ser resolvido através da instrução, o estabelecimento de objectivos para a instrução e, não menos importante, a análise das características dos alunos. Não faz sentido fazer design, desenvolvimento ou implementação de um sistema de instrução sem, primeiro, saber quem são os alunos, quais as suas experiências educativas, culturais e sociais prévias, quais os seus objectivos para a aprendizagem e quais as suas características em geral. Surpreendentemente, na maioria das situações de instrução, o ensino é feito como se essas experiências e características não tivessem qualquer impacto no processo de aprendizagem. 27
  • 28. Ana Maria Raposo Preto-Bay Sem conhecer os alunos de perto, as suas situações de vida, as suas ambições e objectivos, é difícil verdadeiramente ensiná-los. O tipo de experiência que os alunos têm fora da escola, nas suas comunidades e discursos primários, tem um impacto directo na sua aprendizagem de discursos secundários e da literacia em geral. Ao tentar “proteger a torre de marfim” (Shaughnessy, 1998) e as suas teorias pré-fabricadas de quem os alunos são e o que podem ou não aprender, ou que metas pessoais e sociais podem ou não atingir, os professores tornam- se, em parte, pactuantes com uma visão determinística e pessimista das possibilidades na vida dos seus alunos. Ao repensar a sua abordagem e atitude perante cada cada aluno individualmente e cada novo grupo de alunos, o professor pode “[1] conceber o papel dos alunos como agentes inteligentes no processo de aprendizagem ... [2] ter em consideração a variedade de recursos que venham a ser necessários para atingir objectivos de aprendizagem e [3] incluir explicações de processos de aprendizagem específicos no contexto de descrições mais alargadas das estrutura cognitivas através das quais as pessoas se adaptam a vários contextos para atingirem as suas metas pessoais” (Bereiter, 1990, p. 619). Dessa forma, quando o professor reconhece que os aprendentes têm um “conhecimento inadequado dos recursos necessários para desempenhar a tarefa [e que o] seu depositório de conhecimento do mundo, das estruturas retóricas e linguísticas ...[é] insuficiente” (Wenden, 1991, p. 318), pode, assim, respeitando e incluindo as experiências prévias dos alunos, orientá-los na aquisição do desenvolvimento de discursos secundários, ou seja, da literacia em geral. A sala de aula como comunidade linguística Ao permitir uma experiência social alargada necessária ao desenvolvimento social dos alunos, a sala de aula torna- se uma comunidade sócio-retórica, uma zona em permanente construção, onde os alunos se apercebem que o seu discurso primário é um ponto de partida para o entendimento e aprendizagem das práticas literatas de outros, as quais podem ser aprendidas e perante as quais não necessitam se sentir intimidados. Uma vez que toda a aprendizagem ocorre de 28
  • 29. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... forma situada socialmente, a criação de uma comunidade de prática na sala de aula permite que os alunos trabalhem os textos como autores e leitores e, nessa reciprocidade, aprendam a avaliar a situação retórica. O contexto escolar torna-se, assim, uma primeira comunidade alargada para os alunos e, se gerida de forma a explorar o seu potencial real, pode tornar-se uma ponte para o mundo à medida que “tal como outras instituições sociais ... providencia prática no uso de ferramentas específicas e tecnologias para resolver problemas específicos... [a escola obedece assim] a princípios que definem objectivos importantes a ser atingidos, problemas significativos a ser resolvidos e abordagens sofisticadas a ser usadas para resolver problemas e atingir metas” (Rogoff, 1990, p. 191). As relações sociais que se estabelecem na sala de aula, particularmente no que se refere à posição do professor como mentor e mestre em relação a um aprendente, dão ênfase ao conceito da aprendizagem através de participação activa e progressivamente mais competente numa comunidade de prática específica (Atkinson, 2002). Assim, através da participação orientada pelo professor, a literacia desenvolve- se como uma actividade completa e complexa, em que as metas comunicativas e sociais da escrita são comunicadas e practicadas. Embora se fale com frequência da zona de desenvolvimento próximo como um conceito individual, Moll (1989) propõe que se repense este conceito como participação colectiva. Diz-nos: “O objectivo é ajudar ... [os aprendentes] a criar significados através da participação em diversas actividades literatas. O objectivo é [ajudá-los] ... a se aperceberem de forma consciente de que estão a usar o processo literato e ajudá-los a aplicar tal conhecimento para reorganizar experiências e actividades futuras... [Através de estratégias que] obtiveram através do uso e análise da linguagem para moldar as suas próprias actividades e criar textos mais sofisticados e claros” (p. 132). Esse tipo de desenvolvimento pessoal e social dos alunos não acontece, contudo, sem ser cuidadosamente planejado, desenvolvido e apoiado de forma intencional. Uma vez que o desenvolvimento dos aprendentes ocorre a longo prazo, é necessário que esses tenham oportunidade de reorganizar as suas formas de pensar de modo 29
  • 30. Ana Maria Raposo Preto-Bay a, progressivamente, atingirem um nível de entendimento, habilidade e perspectiva sobre a comunidade a que pertencem para usarem esse entendimento e crescimento pessoal na sua relação com instituições sociais alargadas e com outros membros da comunidade. Para que tal aconteça os alunos devem ter acesso à participação social orientada pelo professor, a qual inclui: • planeamento e estruturação de actividades; • calibração de tarefas difíceis; • participação conjunta em tarefas de resolução de problemas; • discussão de metas e objectivos gerais; • atenção à resolução de partes de problemas que levam à resolução de problemas mais complexos; • oferta de apoio e estrutura; • providenciamento de rotinas a serem usadas em actividades ou situações mais complexas; • participação orientada; • transferência de responsabilidades do professor para o aprendente de acordo com a avaliação que o professor faz das capacidades deste último; • ajuste do apoio dado com base nas necessidades do aprendente; • aumento de responsabilidades e expectativas à medida que o aprendente se torna mais capaz (Rogoff, 1990). Paralelamente, através da reflexão, na sequência das discussões na sala de aula e da própria natureza da atmosfera da aula, os alunos começam a desenvolver não só os seus próprios processos e experiência, mas também uma arquitectura de significados e relações que são o produto da comunidade linguística que a sala de aula constitue, bem como das relações estabelecidas entre os alunos em si e entre o professor e estes mesmos alunos. Na aprendizagem da literacia não se pode dar demais importância às relações pessoais estabelecidas entre o professor e os alunos. Quando os alunos sentem que têm o respeito e atenção do professor e que o objectivo do professor é o de os ajudar, muitos respondem de forma positiva. Segundo Cummins (1989), a interação estabelecida na aula entre alunos e professores e entre os alunos em si é vital para o desenvolvimento da literacia desses mesmos alunos. Algumas das suas sugestões incluem: 30
  • 31. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... • diálogo genuíno entre o professor e o aluno tanto oralmente como através da escrita; • orientação e apoio; • colaboração através do diálogo entre os alunos; • uso significativo da língua escrita em vez de atenção às estruturas superficiais da comunicação escrita; • aspectos do desenvolvimento linguístico integrados em todo o conteúdo curricular; • ênfase dada às habilidades de análise e resolução de problemas; • apresentação de tarefas de forma a engendrar motivação intrínseca nos alunos. Essa forma de pensar e estruturar a sala de aula e as relações nela existentes cria, de certa forma, um sistema modelo através do qual os alunos podem explorar outras relações sociais alargadas na sua experiência presente e futura. Pedagogia aplicada ao género–um processo social estável e generativo O que se pretende com o ensino aplicado do gênero textual a serviço da literacia é que os aprendentes tenham a oportunidade, no contexto educativo, de explorar relações sociais e a forma como estas se desenrolam e constituem através dos textos. Didacticamente, o nosso objectivo não pode ser, obviamente, o de ensinar todos os géneros textuais que os alunos vão encontrar no seu percurso de vida. Em vez disso, podem usar-se experiências com a leitura e a escrita de textos específicos como exemplos situados e partir daí para o entendimento de que, em contextos diferentes e para fins diferentes, os textos assumem características diferentes. O género precisa ser apresentado sob a perspectiva de que é variável e que nos ajuda, ao mesmo tempo, a perceber e a modificar o mundo, uma vez que, embora tenha um conjunto de características de base estáveis, é, acima de tudo, uma actividade generativa. Johns (1997) sugere um curso de acção que envolva a discussão do que pode ser considerada uma análise comparativa de géneros. Como ponto de arranque, os aprendentes começam 31
  • 32. Ana Maria Raposo Preto-Bay por examinar textos com que já se encontram familiarizados nas áreas do conteúdo, forma, intento comunicativo e das forças sociais em geral que determinam a sua construção e interpretação. Com base neste tipo de pensamento crítico e atitude de análise, o professor pode, então, apresentar outros textos pertencentes a outras comunidades discursivas com os quais quer que os aprendentes se familiarizem. À medida que vários textos vão sendo analisados, os alunos vão começando a produzir textos visando leitores em comunidades diferentes. A experiência didáctica que visa à familiarização com vários leitores e às suas comunidades pode, inicialmente, ser tão simples como pedir que os alunos escrevam um parágrafo descrevendo um acontecimento das suas vidas, tal como um hipotético acidente de carro, a leitores diferentes: aos pais, ao seu melhor amigo, ao chefe da polícia e ao namorado ou namorada, por exemplo. A análise de tal exercício escrito revelará, certamente, uma escolha de palavras e ênfase de acontecimentos que se adaptam às expectativas do leitor e à forma como o autor quer ser visto e entendido. Dependendo do nível educativo dos alunos, este parágrafo pode não só ser diferente em termos do conteúdo, do registo e do tom, mas também assumir um formato diferente. Dessa forma, os alunos começam a perceber o conceito de leitor no seu sentido mais restrito e de comunidade discursiva no seu sentido mais lato. Actividades didácticas bem mais avançadas requerem que os alunos leiam um texto com o qual não estão familiarizados e daí deduzam os valores e relações sociais entre os leitores e autores desses textos. O que se pretende é que os aprendentes “façam perguntas aos textos, aos contextos e aos membros experientes dessas comunidades – e a si próprios” (Johns, 1997, p. 92). Nesse processo de desenvolvimento da literacia, o professor, como mentor e autor mais experiente, pode orientar o aprendente ao ajudá-lo a identificar e analisar as características dos géneros, as acções retóricas que os autores experientes usam para atingir os seus objectivos e as escolhas linguísticas que fazem, entre outras. A sala de aula pode tornar-se, assim, um lugar de convergência de pessoas e textos, um lugar onde os aprendentes podem (1) analisar géneros discursivos vários e aplicar o novo conhecimento a novos contextos da escrita; (2) rever e actualizar as suas próprias teorias do que são os géneros textuais; (3) desenvolver estratégias para lidar com 32
  • 33. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... situações de escrita e leitura novas no contexto social; (4) aprender a analisar activamente e criticar de forma construtiva as várias funções sociais, os textos e os contextos; (5) adquirir uma metalinguagem para discutir os textos; (6) reflectir nas suas experiências literatas passadas e presentes (Johns, 1997). Como comunidade linguística, contudo, a sala de aula não precisa ser uniforme. Quando escrevem, os aprendentes não têm que escrever todos no mesmo género textual. Com base na sua experiência prévia e interesses futuros, esses podem tornar-se pesquisadores etnógrafos das comunidades em que estão interessados em participar – este tipo de prática num ambiente acolhedor permite que os alunos experimentem ideias e processos que podem parecer intimidantes fora do contexto educativo, mas que nesse contexto transformam a sala de aula num verdadeiro laboratório social de práticas literatas: “O tipo de ensino que envolve e desafia os aprendentes em tarefas com significado também ajuda os alunos a serem capazes de correr riscos, apoia a colaboração entre eles, revê de forma propositada as abordagens que faz e anticipa a natureza a longo-prazo e contínua da aprendizagem. Este tipo de pedagogia é boa para todos” (Zamel; Spack, 1998, p. XI). Através deste processo aberto e generativo, os alunos podem começar, verdadeiramente, a ter experiências que vão além da realidade da comunidade discursiva a que pertencem e inferir esses princípios para futuros textos que venham a escrever e contextos em que venham a participar numa rede social mais alargada. Considerações finais Os estudiosos nas várias áreas do conhecimento preocupam-se com aspectos multifacetados da experiência e desenvolvimento humanos. Embora vivamos num período da história do mundo em que se torna necessário compartimentalizar os vários ramos dos conhecimento, importa, ainda assim, estabelecer relações entre eles de forma a ter uma visão mais abrangente do que é possível. Certamente, o tema da literacia através do género textual como forma de desenvolvimento da qualidade de vida dos seres humanos pode ser considerado como uma minúscula contribuição para este fim. No entanto, como o relatório do Ipea sugere, “vê-se que mesmo pequenas diminuições no grau de desigualdade 33
  • 34. Ana Maria Raposo Preto-Bay poderiam reduzir a pobreza significativamente” (TD 1000). Porque a natureza da sociedade e de todo um conjunto de problemas é multifacetada, torna-se necessário que as soluções apresentadas também o sejam. Colello (2004) afirma que “a desconsideração dos significados implícitos do processo de alfabetização – o longo e difícil caminho que o sujeito pouco letrado tem a percorrer, a reação dele em face da artificialidade das práticas pedagógicas e a negação do mundo letrado – acaba por expulsar o aluno da escola, um destino cruel, mas evitável se o professor souber instituir em classe uma interação capaz de mediar as tensões, negociar significados e construir novos contextos de inserção social” (2004, p. 11). Essa é, certamente, uma das possibilidades que nos são dadas através da ênfase no desenvolvimento da literacia através do género textual. Referências ATKINSON, D. Toward a sociocognitive approach to second language acquisition. Modern Language Journal, v. 86, n. 4, p. 525-545, Dec. 2002. BEREITER, C. Aspects of an educational learning theory. Review of Educational Research, v. 60, n. 4, p. 603-624, Winter 1990. CHAPMAN, M. The emergence of genres. Written Communication, v. 11, n. 3, p. 348-380, 1994. COLELLO, S. M. Alfabetização e letramento: repensando o ensino da língua escrita. Videtur, Porto/Portugal, v. 29, p. 43- 52, 2004. Disponível em: http://www.hottopos.com/videtur29/ silvia.htm (p. 1-15). Acesso em: out. 2006. COLELLO, S.; SILVA, N. Letramento: do processo de exclusão aos vicíos da prática pedagógica. Videtur 21. Porto: Mandruvá, 2003. Disponível em: http://www.hottopos.com/videtur21/ nilce.htm. Acesso em: 12 out. 2006. CUMMINS, J. The sanitized curriculum: educational disempowerment in a nation at risk. In: JOHNSON, D. M.; ROEN, D. H. (Ed.). Richness in writing: empowering ESL students. New York: Longman, 1989. p. 19-38. FLOWER, Linda; HAYES, J. R. A cognitive process theory of writing. College Composition and Communication, n. 32, p. 365-387, 1981. FREEDMAN, A. Show and Tell? The role of explicit teaching in the learning of new genres. Research in the Teaching of English, v. 27, n. 3, p. 222-251, 1993. 34
  • 35. Acesso social, práticas educativas e mudanças teórico-pedagógicas... GEE, J. P. Social linguistics and literacies: ideology in discourses. 2nd ed. Philadelphia: Routledge, 1996. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Pobreza e desigualdade no Brasil, TD 1000. Disponível em: http://www. ipea.gov.br/SobreIpea/td_1000/pobreza_desigualdade.htm. Acesso em: 13 out. 2006. JOHNS, Ann. Text, role, and context. Cambridge: Cambridge UP, 1997. KERN, R. Literacy and language teaching. Oxford: Oxford University Press, 2000. LAVE, J.; WENGER, E. Situated learning. legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. MATOS, João F. L. Aprendizagem e prática social: contributos para a construção de ferramentas de análise da aprendizagem matemática escolar. Disponível em: http://www.spce.org.pt/ sem/9900%20Matos.pdf. Acesso em: 14 out. 2006. NYSTRAND, M. A social-interactive model of writing. Written Communication, n. 6, p. 66-85, 1989. PRETO-BAY, A. M. Alguns aspectos pedagógicos do ensino da escrita: o processo e o género textual. Revista Portuguesa de Pedagogia, v. 39, n. 1, p. 7-27, 2005. ROGOFF, B. Apprenticeship in thinking: cognitive development in social context. New York: Oxford University Press, 1990. ROGOFF, B.; ANGELILLO, C. Investigating the coordinated functioning of multifaceted cultural practices in human development. Human Development, n. 45, p. 211-225, 2002. WENDEN, A. L. Metacognitive strategies in L2 writing: a case for task knowledge. In: ALATIS, J. E. (Ed.). Georgetown University Roundtable on Languages and Linguistics. Washington, DC: Georgetown University Press, 1991. p. 302-322. ZAMEL, V.; SPACK, R. (Ed.). Negotiating academic literacies: teaching and learning across languages and cultures. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1998. 35
  • 36.
  • 37. A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças 1 Cancionila Janzkovski Cardoso* Vivemos no Brasil, a partir da década de 1980, profundas mudanças no processo de ensino da língua materna. O avanço de várias ciências correlatas da educação, em especial das ciências lingüísticas, deslocou o centro do ensino da gramática normativa tradicional para o texto como unidade de ensino. Especialistas da área da linguagem, pesquisadores, professores formadores têm feito um enorme esforço para divulgar/vulgarizar uma concepção de linguagem como interação, como trabalho, como discurso, como prática sócio-histórica, na qual as práticas de leitura e escrita são ressignificadas. Esse movimento se fez sentir, igualmente, no processo de alfabetização. Por um lado, novas concepções sobre como a criança apreende o sistema de escrita – a psicogênese da escrita – e, por outro, a ampliação do conceito de alfabetização trouxeram muitas modificações para o ensino e a aprendizagem do ler e do escrever. É nesse contexto que ganha visibilidade um novo fenômeno: o letramento. Autores brasileiros como Tfouni (1988, 1995), Kleiman (1995), Soares (1995, 1998, 2002, 2003), Masagão (2003), Mortatti (2004), entre outros, têm constituído uma importante produção acadêmico-científica sobre esse novo fenômeno e, portanto, sobre o novo conceito que veio a denominá-lo no interior da ciência pedagógica, buscando explorar diferentes aspectos e problemas nele envolvidos, a partir de diferentes perspectivas teóricas. * Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 1 Texto apresentado no 14o. Cole. Campinas, 2003, modificado e ampliado. 37
  • 38. Cancionila Janzkovski Cardoso É, pois, no contexto de profundas alterações científicas, tecnológicas, políticas e sociais que se propõe a formação de um novo leitor e escritor. A alfabetização escolar, por si só, já não basta; é necessário que os indivíduos aprendam a ler e produzir textos, para além daqueles produzidos no contexto escolar, textos que remetam às mais variadas práticas sociais de leitura e escrita. Alfabetização e letramento, gradativamente, estão sendo entendidos como dois processos interdependentes, complementares, cada qual com especificidade própria. A mudança na compreensão do processo de alfabetização colocou, portanto, os usos sociais da escrita, materializados em textos, no centro das atividades de ensino. O desafio que se coloca hoje para a prática alfabetizadora é alfabetizar letrando. Para Soares (2003, p. 90), ao mesmo tempo em que o aluno deverá se apropriar do sistema de escrita alfabético e ortográfico, ou seja, da “tecnologia” da escrita, deverá conquistar habilidades e atitudes de uso dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua escrita. O primeiro processo chama-se “alfabetização”; o segundo, “letramento”. Ambos devem ocorrer simultaneamente. Assim, os processos de alfabetização e de letramento escolares envolvem, fundamentalmente, a apropriação e o uso competente da leitura e da escrita de textos variados, com significado e relevância social. Com base nesse pressuposto, este texto discute um aspecto importante da aprendizagem da escrita: a adaptação do texto a um interlocutor determinado. O ato de escrever Escrever um texto pressupõe a simulação de uma situação: prever um destinatário e os efeitos de forma e de conteúdo do texto sobre ele. Desse modo, a aprendizagem da escrita, diferentemente da aprendizagem da fala, requer da criança uma dupla abstração: por um lado, ela deve lidar com uma linguagem que não conta com os aspectos sonoros em sua realização, restringindo-se ao plano das idéias veiculadas pelas palavras; por outro, deve trabalhar considerando a ausência do interlocutor na situação imediata de sua produção (Vygotsky, 1987/34, p. 122). Assim, o texto escrito supõe, fundamentalmente, um enunciador – o escritor – em situação de comunicação que 38
  • 39. A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças o distancia de seu interlocutor – o outro/leitor – e, por isso, exige um trabalho de organização textual que busque a explicitação dos significados para esse interlocutor ausente. O processo de construção do texto escrito exige que seu autor ajuste, antecipadamente, o seu dizer a um determinado interlocutor. Numa palavra, o texto escrito exige a construção de um interlocutor, ou, como sugere Bakhtin, a consideração de um auditório social. Assim, globalmente, pode-se dizer que o problema da aprendizagem da escrita é o de a criança conseguir um melhor controle sobre sua própria atividade de linguagem: aprender a planejar um texto, a desenvolvê-lo em função da situação, adaptá-lo a um destinatário. Encontra-se aqui, portanto, aquela característica importante da atividade de produção de textos escritos já mencionada por Vygotsky: seu caráter consciente. Para Schneuwly (1988, p. 50), do ponto de vista psicológico, trata-se de fazer funcionar e dominar, nas diferentes situações de comunicação escrita, dois processos: a) o planejamento autogerado do texto; b) a instauração de uma relação mediata em relação à situação material de produção. No que concerne ao primeiro, é necessário compreender que o controle e a gestão da produção não se ancoram mais na análise da produção de linguagem na situação, na qual o interlocutor dá pistas e participa conjuntamente da construção do discurso; é necessário desenvolver uma instância de controle e de gestão autônoma, permanente, que funcionará durante toda a produção do texto. Igualmente, o outro processo implica que o cálculo e a criação das origens textuais (temporais, espaciais, argumentativas) funcionem independentemente da situação particular. No nível psicológico, trata-se de um funcionamento que exige a criação de novas instâncias de cálculo, de gestão e de controle, que já se encontram, de maneira rudimentar, nas situações ligadas ao uso da oralidade. Para esse autor, trata-se de um processo de planejamento monogerado,2 que exige uma reflexão mais deliberada e consciente sobre a língua. 2 No modelo de produção do discurso, desenvolvido por Bronckart (1985) e Schneuwly (1988), existem dois grandes tipos de planejamento no nível dos planos de textos ou de modelos de linguagem: o planejamento poligerado, que corresponde, em geral, a uma ancoragem implicada, e o planejamen- to monogerado, de ancoragem autônoma. Como exemplo de planejamento monogerado, poderíamos pensar numa narrativa ficcional escrita na qual a representação do destinatário é mediatizada pela representação interna do enunciador. 39
  • 40. Cancionila Janzkovski Cardoso Os procedimentos da pesquisa As particularidades elencadas sugerem que o processo da escrita possui um funcionamento psicológico específico cuja característica principal é a adoção por parte do escritor de uma relação “metatextual” com seu texto, tomando-o como objeto de atenção para o comentar, o estruturar, o modificar, o clarificar. Tendo como objetivo apreender os níveis de reflexividade e de deliberação sobre o processo de escrita já desenvolvidos por crianças, realizei uma pesquisa com 14 sujeitos, alunos da 4a série do ensino fundamental, que tinham, em média, dez anos de idade.3 Os procedimentos envolviam entrevistas individuais nas quais a criança era convidada a falar sobre seus processos mentais, suas opiniões sobre a língua, exigências formais do texto, tarefas escolares, leitores em potencial, possibilidade de revisão textual etc., três ou quatro dias após a produção do texto. Os sujeitos ficavam muito à vontade, dado todo um conhecimento já construído com a professora/pesquisadora e com o equipamento de gravação. O objetivo foi mostrar como a criança vê o seu próprio texto na interação oral sobre ele, evento que denominei “entrevista de explicitação”. A entrevista de explicitação, que sempre começava com a leitura do texto, proporcionou momentos de reflexão meta (metalingüística, metapragmática, metatextual, metadiscursiva) em que as crianças puderam discutir sobre as formas de enunciação de seu pensamento para o outro, apontar o que perceberam como limites na materialização do texto e, ainda, sugerir formas alternativas de tratamento das unidades apontadas como inadequadas. Para efeitos de análise, as entrevistas foram transcritas e recortadas em unidades, que denominei “seqüências enunciativas”. Nos limites deste trabalho, discutirei apenas parte dos resultados, notadamente aqueles que tratam da percepção das crianças relacionada ao seu interlocutor/leitor. 3 Este foi um dos objetivos de uma pesquisa mais ampla, de caráter longitudi- nal, na qual acompanhei/analisei quatro anos de escolarização desses sujei- tos. Grande parte dessa pesquisa já se encontra publicada em duas obras: a) CARDOSO, Cancionila J. Da oralidade à escrita: a produção do texto narrati- vo no contexto escolar. Brasília/Cuiabá: co-edição Inep/Comped e EdUFMT, 2000, e b) CARDOSO, Cancionila J. A socioconstrução do texto escrito: uma perspectiva longitudinal. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2003. 40
  • 41. A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças O interlocutor/leitor em cena Bakhtin aponta como índice substancial, constitutivo do enunciado, o fato de ele se dirigir a alguém, de estar voltado para o destinatário. Para o autor, “as formas e concepções do destinatário se determinam pela área da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado. A quem se dirige o enunciado? Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinatário? Qual é a força de influência deste sobre o enunciado? É disso que depende a composição e, sobretudo o estilo, do enunciado” (Bakhtin, 1979/1992, p. 321). Assim, a avaliação do locutor sobre o que está dizendo, mesmo quando aparentemente não se faz presente, e o seu julgamento, com respeito a quem está se dirigindo, moldam o seu discurso, determinam a escolha das unidades de linguagem, lexicais ou gramaticais e, ainda, a escolha das unidades de comunicação, tais como o estilo de uma fala ou os gêneros discursivos empregados. O interlocutor é, portanto, também definidor da configuração textual. No processo de socioconstrução da língua escrita, quando alunos dos anos iniciais do ensino fundamental escrevem, o quanto está concretizado esse outro, seu leitor em potencial? Algumas seqüências enunciativas poderão elucidar tal questão:4 [Quadro (1)]. Caíse demonstra, por meio de uma reflexão metapragmática, ter consciência de que a sua produção textual é determinada pela percepção que ela tem de seus destinatários. Num contexto pedagógico mais distenso, é possível produzir um texto 4 Tendo como principal interesse as concepções das crianças sobre a escrita, optei por transcrever as entrevistas de explicitação da forma mais legível e simples possível, ortograficamente, apontando apenas as pausas mais evidentes: - uso de sinais de pontuação (exclamação, interrogação); - uso de dois pontos (..) para assinalar pausa menor (semelhante a ponto ou vírgula na escrita); - uso de reticências (...) para assinalar uma pausa maior – hesitação, reflexão; - uso de chave ( [ ) para assinalar falas concomitantes; - uso de aspas (“ ”) para assinalar segmentos lidos; - uso de duplo parênteses (( )) para assinalar comentários; - entrevistadora identificada pela inicial K (Kátia Cancionila); - criança identificada pela inicial do nome. 41
  • 42. Cancionila Janzkovski Cardoso (1) K- agora me fala uma coisa .. quando você produziu Caíse - 25.11.96 – esse texto.. que ocê teve essa idéia de produzir um texto parecido com o do Continho.. você não ficou Título do texto: pensando.. não ficou com medo de que eu e a Edilma “Kátia e não gostássemos? Edilma, as C- ah eu fiquei engraçadinhas” K- ficou com medo? ((rindo)) C- aí depois eu falei assim.. “ah também se elas não gostar.. eu faço outro” K- eu faço outro... não... e se a gente além de não gostar a gente ficasse braba com você? C- ((risos)) mas é que vocês não iam ficar brava.. vocês iam é ri K- porque que você acha que eu não ia ficar brava? C- ah porque você sempre foi alegre.. você não briga com a gente.. lá.. se não fosse assim.. vichi eu nem (Obs. Esse texto ia colocar é extremamente K- o quê? sarcástico com C- se você fosse de mau humor eu nem ia fazer esse as personagens, texto.. ia fazer outro que são a K- ah tá.. você seria capaz de fazer um texto desse pesquisadora e falando da professora? sua auxiliar) C- ãh ãh ((negativa)) K- não? por quê? o que que ocê acha? C- porque ela é muito brava.. muito chata K- ela é brava e poderia ficar brava com você? C- é... K- e se eu tivesse ficado brava... hem? C- [aí K- [assim brava.. nervosa Anexo 1 mesmo... “que absurdo que essa menina escreveu”.. e aí hem? C- aí eu ia pegar rasgar e fazer outro.. só que não de vocês.. de outras pessoas K- de outras pessoas... mas ocê ia fazer um texto pareci- do com esse de novo? C- não.. ia fazer outro .. sem ser desse... é .. pôr de uma historinha... não engraçada igual essa daí.. sarcástico, mesmo envolvendo as professoras como personagens, pois ela sabe/pressente/antecipa a reação: mas é que vocês não iam ficar brava .. vocês iam é ri. O mesmo texto não seria escrito em um contexto mais formal, em que a concepção que ela tem de seu destinatário a leva a hipotetizar uma recusa ou censura. Essa concepção, determinada por uma área de atividade humana – o contexto escolar – pode não refletir a realidade, mas é, para Caíse, legítima. A fala da criança parece também revelar uma percepção ampla das possibilidades dos gêneros de textos, adequados a situações e interlocutores determinados, na medida em que ela responde 42
  • 43. A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças que, para escrever sobre outras pessoas, ia fazer outro .. sem ser desse... é .. pôr uma historinha.. não engraçada igual essa daí. A vivência nas práticas escolares de leitura e produção textual reafirma, constantemente, um destinatário quase exclusivo para os textos das crianças. Ao longo de sua escolarização, elas vão constituindo uma concepção de interlocutor – o professor/leitor – que tem expectativas bem definidas com relação à sua produção escrita: ensinar, corrigir, avaliar. Juliany traduz um conhecimento relativo à função do texto escolar, seu interlocutor, seu destino, seu objetivo: [Quadro (2)]. (2) Juliany - K- hum.. mas Ju.. quando vo.. por exemplo esse dia que 25.11.96 você tava escrevendo esse texto aqui.. você sabia que esse texto era pra quem.. quem ia ler? Título do J- você texto: K- cê sabia que era pra mim né.. pra mim e pra Edilma “Os gnomos” né.. e aí.. você.. quando cê tá escrevendo você pensa em mim.. você fica imaginando.. ah quem vai ler é a professora Kátia.. ou não.. nem pensa nisso.. só pensa no texto? J- penso (Obs. Texto K- pensa? e lá na sala de aula.. quando você tá muito criativo, escrevendo.. você também pensa na professora ? permeado J- hum hum de inter- K- que tipo de pensamento que vem na sua cabeça ertextualidade assim com histórias J- não porque lá.. ela vai olhar as pontuações bem infantis e certinha tem que fazer tudo bem certo.. porque propaganda depois ela olha.. se tiver errado... de TV) K- o que acontece? J- o que acontece? Você me pergunta? K- é ..eu te pergunto! Anexo 2 J- ela manda a gente fazer tudo de novo J- de novo? mas ela mostra onde tá errado? J- mostra.. por sinal ela só manda apagar e corrigir Essa reiteração do interlocutor tem sido apontada como sendo extremamente prejudicial. Trata-se, como salientou Geraldi (1991, p. 143), de um grande problema, especialmente porque as “redações” dos alunos (não sua “produção textual”) têm sempre como leitor a função-professor, não o sujeito- professor. A via de mão única para a produção infantil, em termos de destinatário, pode gerar inseguranças como a expressa por Juliany: quando pode, quando seu leitor não é 43
  • 44. Cancionila Janzkovski Cardoso compulsório, essa criança diz selecionar quem pode ler seus textos, apontando para uma vergonha de que seu leitor possa achá-los de má qualidade: [Quadro (3)]. (3) K- é... quando você escreve Ju.. você pensa.. alguma vez Juliany - 25.11.96 você já pensou em quem vai ler? J- já K- como é que é isso.. conta pra mim como é que é isso Título do J- eu não gosto muito de .. assim.. nem minha mãe texto: assim eu gosto muito que fica perguntando (...).. eu “Os gnomos” fico com vergonha K- por quê? J- ah.. sei lá K- porque que você tem vergonha? J- achar o texto da gente ruim.. ou senão ... ah sei lá.. Anexo 2 eu tenho vergonha de mostrar.. aí chegando em casa assim.. não sei porque a minha mãe assim eu não deixo ver.. mas as minhas colegas assim que é bem íntima até que eu deixo A reiteração, no entanto, não impede que as crianças desenvolvam idéias sobre um interlocutor fictício, eventualmente outra pessoa que não o professor. É no interior dessas mesmas práticas sociais de leitura e escrita que se pode, timidamente, abrir uma perspectiva de maior socialização do texto escolar das crianças. No interior das situações vivenciadas e discutidas naquele momento pelas crianças, Diego é capaz de perceber funções diferenciadas em seus interlocutores, aliadas a expectativas distintas: o texto elaborado em situação escolar é, essencialmente, exercício de estilo, aplicação de conhecimentos gramaticais e estéticos, isso porque a função principal de seu leitor é ensinar e o escritor/aluno deve mostrar que aprendeu. O texto elaborado em situação periescolar5 distingue-se do primeiro em virtude de ter um interlocutor cuja função principal é estudar. Destinos também diferentes: um fica no caderno, ao passo que o outro será analisado, valorizado e, quem sabe, virará livro. [Quadro (4)]. 5 Para esta pesquisa, “situação escolar” é entendida como aquela na qual os sujeitos produziam seus textos escritos como tarefas corriqueiras desenvol- vidas pelo currículo escolar. “Situação periescolar” é entendida como um contexto social de produção distinto do primeiro, embora ainda escolar, em que os sujeitos eram reunidos para participar de aulas desenvolvidas pela pesquisadora, envolvendo a produção textual. 44
  • 45. A escrita e o outro/interlocutor no dizer das crianças (4) K- me fale uma coisa .. O que que você sente quando a professora manda fazer um texto.. e quando eu Diego – 9.9.96 mando fazer um texto? D- eu faço rápido K- pois é.. é diferente ou não fazer um texto pra professora .. Título do e fazer um texto pra mim? texto: D- é diferente “Olimpíadas K- porque que ocê acha que é diferente? 96 no Futebol D- ah.. pra eu fazer um texto pra você .. você vai estudar Brasileiro” sobre o texto né.. você vai fazer.. como é que é... um livro.. né.. que nem você fez aquela vez com nós quando nós estava na 1ª série.. e a professora ... quando ela manda fazer um texto é pra gente Anexo 3 aprender a fazer estética e aprender a pontuação mais bem.. e aquilo fica no nosso caderno.. e quando nós faz um texto fica pra você Esse grupo de crianças teve, pelo menos, dois leitores empíricos em, também, pelo menos, dois momentos do seu processo de escolarização, ou seja, na 1a e na 4a série.6 A entrevista procurou extrapolar esses dois conhecidos leitores empíricos, criando um leitor virtual, insistindo e puxando a idéia de fazer a criança pensar num interlocutor hipotético. Nesse contexto, é o mesmo Diego que fornece outros índices de uma reflexão sobre esse leitor/interlocutor virtual e suas possíveis exigências para a recriação de um contexto, no intuito de haver uma boa recepção do texto. Para Diego, o texto não se basta por si só. A compreensão requer um “entendimento” sobre o assunto em pauta; requer uma familiaridade com o jeito de se falar daquele assunto. Há que se fazer algumas relações para que se estabeleça um sentido, ou, melhor dizendo, “a compreensão do todo do enunciado é sempre dialógica” (Bakhtin, 1979/92, p. 354). Aspectos profundos como contextualização/ descontextualização, auditório social/esferas sociais, temática/ enunciado podem ser identificados na opinião metatextual7 dessa criança: [Quadro (5)]. 6 A investigação longitudinal foi desenvolvida em forma de pesquisa participati- va em dois momentos: quando as crianças freqüentavam a 1ª e a 4ª série. 7 Para uma análise cognitivista do problema das relações intralingüísticas en- tre os signos e seu contexto lingüístico (domínio metatextual) ver Gombert (1990). 45
  • 46. Cancionila Janzkovski Cardoso (5) K- alguém.. digamos assim uma pessoa que mora bem longe.. que não assistiu as Olimpíadas.. tá?.. que Diego - 9.9.96 não escutou nenhuma notícia.. éé.. uma pessoa que mora lá na zona rural.. digamos D- [hum Título do K- [se essa pessoa ler o seu texto.. você texto: acha que ela entende tod.. toda a sua história? “Olimpíadas D- ((não com a cabeça)) 96 no Futebol K- é? por quê? Brasileiro” D- porque não tem.. não tem é.. não tem entendimento.. sobre.. sobre as o.. o negócio.. tem que ter um Anexo 3 entendimento sobre as Olimpíadas K- hum... mas e aí as coisas que estão escritas aqui não são suficientes para entender? D- eu acho que não K- não? D- não K- fala mais sobre isso.. vamo ver como é que ocê tá pensando isso D- não.. eu tô falando assim ó .. que nem aqui.. que tô falando assim nas Olimpíadas.. que nem a minha tia.. uma tia minha mora lá na .. no .. em Goiás na zona rural né.. aí ela não tem televisão lá.. ela tinha uma só que quebrou né.. aí ela .. ela gosta de ver novela assim.. aí se a gente falar de uma novela ela não vai saber o que que é.. ela vai pensar que é um filme.. só que é uma novela K- humm D- aí ela não vai entender o que que é K- certo.. mas e se sua tia então.. digamos que ela não tenha assistido as Olimpíadas.. né D- [não K- ela tá lá.. ela.. se sua tia lesse o seu texto.. né.. você acha que ela não vai entender ou ela vai entender? D- vai entender assim mais ou menos K- mais ou menos .. então tá bom.. Dessa forma, Caise, Juliany, Lucas e Diego mostram, cada qual a seu modo, que a imagem do leitor-interlocutor visado não só está presente como também regula o processo de produção. 46