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PROFESSORA FABIANA TOLÊDO
O UNIVERSO
FEMININO E UM
NARRADOR
SUSPEITO
MACHADO
DE ASSIS
APRESENTA...
Dom Casmurro, afirma Bosi, “faz voltar o estilo das
memórias” (BOSI, 2006, p.192), uma vez que a obra é
um relato memorialístico do passado de Bentinho, no
qual percebe-se um grande conflito psicológico. É um
romance narrado em primeira pessoa e em seu enredo o
protagonista Bentinho relata sua vida durante a
adolescência, aos quinze anos de idade, desde o início
de seu namoro com a vizinha Capitu e sua vida de Dom
Casmurro depois de ancião.
Narrador Personagem
Autor e Protagonista
Publicado em 1.899,
conta a história de Santiago, o
protagonista, que pretende "atar as duas
pontas da vida", lembrar e reviver o seu
passado. Traçando um retrato moral da
época, a obra é considerada a maior de
Machado de Assis, e uma das mais
importantes da literatura brasileira.
Devido a este caráter subjetivo e parcial da
narração, o leitor não consegue distinguir a
realidade e a imaginação de Santiago,
duvidando da sua fidelidade enquanto
narrador. Desta forma, o romance abre a
possibilidade ao leitor de interpretar os fatos
e se posicionar a favor ou contra o
protagonista, face à possível traição.
AMBIGUIDADE
CASMURRO
Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no
sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de
homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia,
para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar
cochilando! Também não achei melhor título para a
minha narração - se não tiver outro daqui até ao fim do
livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará
sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno
esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é
sua. (...)
CAPÍTULO PRIMEIRO / DO TÍTULO
Umberto Eco (1972) defende que os processos de
leitura e interpretação não podem pressupor uma
análise pré-definida e estruturada do texto.
Pelo contrário, implicam uma acentuada liberdade
por parte do leitor, que é também receptor,
tornando-se tarefa sua extrair dele uma análise
pessoal. De acordo com tal noção, a origem do termo
obra aberta advém da necessidade, cada vez mais
patente, de se compreender e valorizar a capacidade
criativa e interpretativa que conduz, sempre que
necessário, a uma reestruturação do pensamento.
DISSIMULAÇÃO
Entende-se, então, que Bentinho é um
narrador em primeira pessoa que dissimula,
sendo assim, um narrador perverso. Ele induz
o leitor a acreditar no que ele narra é a
verdade absoluta. Tendo ele um ciúme
doentio e duvidoso, por sua esposa, além de
usar de grande persuasão para induzir o leitor
a acreditar nem sua narrativa.
A ação do romance
começa em 1857,
quando Bentinho tem
quinze anos e Capitu
quatorze, no momento
em que José Dias
expõe o possível
namoro entre os dois
à Dona Glória.
TEMPO
O primeiro acesso de ciúmes do narrador
acontece ainda durante o namoro; quando
José Dias o visita, menciona a alegria de
Capitu, acrescentando: “Aquilo enquanto não
pegar algum peralta da vizinhança que case
com ela…”.
(...) e vi-o passar com as suas calças brancas
engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Foi
dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e
talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que
lhe ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto,
com um arco de aço por dentro, imobilizava-lhe o
pescoço: era então moda.
Um dever amaríssimo! José Dias amava os
superlativos. Era um modo de dar feição monumental
às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases.
CRÍTICA SOCIAL
Machado nos mostra a presença de interesses
sociais relacionados à organização e à crise da
ordem patriarcal – um universo burguês,
aristocrata e conservador onde vivia Dona
Glória, com seus viúvos (Tio Cosme e Prima
Justina) , agregado e escravos, onde a energia e a
liberdade de opinião da mocinha moderna e
pobre, atrevida e irreverente, lúcida e atuante,
tornam-se intoleráveis.
O realismo se propõe em estudar
cientificamente a infidelidade conjugal,
mostrando a falsa paz da burguesia
romântica. De tal forma, podemos dizer
que o realismo arranca a máscara
hipócrita do romantismo.
REALISMO X ROMANTISMO
LITERATURA, SOCIEDADE E DIREITO.
Durante todo o século XIX, a sociedade
brasileira sofreu uma série de transformações:
a consolidação do capitalismo; o incremento
de uma vida urbana que oferecia novas
alternativas de convivência social; o
surgimento de uma nova mentalidade –
burguesa – reorganizadora das vivências
familiares e domésticas, do tempo e das
atividades femininas; e, por que não, a
sensibilidade e a forma de pensar o amor.
Presenciamos ainda nesse período o
nascimento de uma nova mulher
nas relações da chamada família burguesa,
agora marcada pela valorização da intimidade
e da maternidade. Um sólido ambiente
familiar, o lar acolhedor, filhos educados e
esposa dedicada ao marido, às crianças e
desobrigada de qualquer trabalho produtivo
representavam o ideal de retidão e probidade
ESPAÇO
O enredo tem lugar no Rio de Janeiro de meados e
final do século XIX. Sede do império desde a
Independência em 1822, a cidade assistia à
ascensão da burguesia e pequeno-burguesa
carioca. Santiago e sua família, pertencentes a uma
classe social de posses, habitam várias ruas e
bairros históricos do Rio de Janeiro, ao longo da
obra: Matacavalos, Glória, Andaraí, Engenho Novo,
entre outros.
A igreja católica composta por homens que também caiam, como
caem os de hoje em tentação, e também pecam e também têm
vícios e quebravam os votos de castidade envolvendo-se em
escândalos públicos de sedução, a exemplo de Amaro de O Crime
do Padre Amaro de Eça de Queiroz, exigia o cumprimento da lei
baseada nos Dez Mandamentos, escritos por Deus na pedra, e
depois registrados na Bíblia no livro de Êxodo a normatizar que
“Não cometa adultério e nem cobices a casa de outro homem.
Não cobice a sua mulher, os seus escravos, o seu gado, os seus
jumentos ou qualquer outra coisa que seja dele”
A sociedade patrimonialista do século XIX era permissiva ao
adultério masculino, não perdoando, todavia, a nódoa no leito
conjugal provocada pela traição da mulher casada.
Desta forma, para a lei, sob o olhar leniente da igreja,
o marido contava com a proteção do estado em relação
ao adultério e a esposa não passava de um objeto
comparado aos escravos, gado, jumentos, ou qualquer
coisa que fosse dele.
Consta do art. 250, da Lei de 16 de dezembro de 1830
(Código Penal) que “A mulher casada, que commetter
adulterio, será punida com a pena de prisão por um a
tres annos.
A penalidade cogitada para a esposa infiel,
não foi pensada para seu amante.
No caso do homem casado que tiver concubina,
teúda, e manteúda, será punido com as penas do
artigo antecedente, dando a entender que somente a
mulher comete adultério. Aos homens era permitido
ter um caso passageiro, sendo defeso dar sustento à
"amasia". No Decreto nº 847, de 11 de outubro de
1890 foi introduzido no parágrafo único art. 281 que
“O perdão de qualquer dos cônjuges, ou sua
reconciliação, extingue todos os effeitos da
accusação e condemnação."
Feito a ressalva, retornando-se ao assunto central,
indaga-se: afinal a senhora Maria Capitolina
Santiago (Capitu, como é conhecida) é culpada de
adultério ou sob suspeitas de infidelidade do
marido Bento de Albuquerque Santiago, também
conhecido como Bento Santiago, Bentinho ou
ainda Dom Casmurro sofreu violência psicológica
que hoje seria combatida pelo instituto da Lei
Maria da Penha?
L
LEI 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2006
LEI N.º 13.772 DE 2018
A Lei Maria da Penha apresenta as formas de violência doméstica
e familiar em seu art. 7º. Embora enumere cinco delas, deixa
claro que outras também podem incidir. Confira-se:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a
mulher, entre outras:
I – a violência física [...];
II – a violência psicológica [...];
III – a violência sexual [...];
IV – a violência patrimonial [...];
V – a violência moral [...].
A violência psicológica, entendida como qualquer conduta
que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou
que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que
vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças
e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação.
art. 7º, II
O intuito desta análise é mostrar, entre outros
aspectos do comportamentalismo, a obsessão
descontrolada, a personalidade fraca, a insegurança, o
complexo de inferioridade de Bentinho. Tais eventos,
“supostamente”, provocaram em sua mente um surto,
e ele começa a imaginar, e acreditar, em tal traição;
buscando no leitor o mesmo sentimento.
O autor conseguiu construir uma imagem sobre o
campo jurídico através da linguagem literária,
abordando as relações de poder, de dominação e de
violência legitimada pela norma. Assim, é possível
analisar, nos seus contos e romances, a maneira como
o escritor descreve a supremacia dos interesses
privados sobre os interesses públicos e de como as leis
são usadas como forma de construir uma base de
legitimação da manutenção de seus lugares de poder.
Nessa interação entre Direito e Literatura, Machado de Assis
aparece como um dos escritores brasileiros que explicitou em
suas obras a aproximação dessas duas áreas de conhecimento.
Nessa linha de raciocínio, o presente texto objetiva, de
forma geral, analisar alguns do texto Machadiano,
observando o contexto histórico no qual ela está inserida
e relacionando-a, de forma direta e indireta, com o
Direito, a partir da exploração dos aspectos de toda sua
ironia em relação à aristocracia do século XIX e como
essa classe se utilizava das normas positivadas para
legitimar as suas atitudes, exercendo um domínio sobre
os desvalidos e mantendo suas regalias e privilégios.
São alguns exemplos de obras literárias com esse
propósito, entre milhares, Os Miseráveis (Victor Hugo),
Capitães de Areia (Jorge Amado), Memorias Póstumas
de Brás Cubas (Machado de Assis). Todos esses livros
abordam conflitos da sociedade e ainda hoje
corroboram para as mudanças da legislação e das
práticas jurídicas, pois exteriorizam discordâncias de
classe, crítica ao sistema judiciário, mudança de sistema
de governo entre outros embates públicos. Nesse
sentido, Ada Siqueira preleciona:
As obras ficcionais são capazes de inserir o leitor em
uma realidade alheia à sua, enfrentá-lo com
problemáticas que não se mostrariam visíveis ao
indivíduo em seu espectro original (...) A literatura tem
o poder de sensibilizar o leitor a causas que não o
comoveriam por meio de um relato jurídico e
formalista. Ela atua com a função de recuperar os
sentidos perdidos durante o processo de racionalização
do direito. (SIQUEIRA, 2011, p. 42).
É por meio de obras como essas que a literatura
ganha sua primeira importância para o
conhecimento e desenvolvimento do direito.
A Literatura ajuda o indivíduo a formar, por
meio das histórias narradas, uma nova
perspectiva sobre o mundo, principalmente
quando as narrativas tratam de épocas
passadas nas quais ele não viveu. Com o
mesmo entendimento sobre a proximidade da
realidade através do imaginário literário, o
professor Fabio Roberto D’Avila preleciona:
DIREITO E LITERATURA
Nenhum lugar, nem tempo, poderia ser
melhor para compreender a complexidade
do homem em sua vivência individual e
social do que o não lugar e o não tempo
únicos do gesto criativo e, sob alguma
perspectiva, descomprometido, da
narrativa literária.
MÍMESIS E CATARSE
Machado de Assis foi um dos maiores expoentes
da Literatura brasileira e suas obras, na grande
maioria, tratam de conflitos sociais de onde
podem ser retirados diversos aspectos jurídicos.
Muitos de seus personagens são bacharéis em
Direito e, mesmo o escritor não sendo advogado,
consegue transmitir de maneira clara questões
importantes para um debate e reflexão acerca do
campo jurídico.
Através das análises das obras machadianas o
estudioso do Direito consegue ampliar seu
conhecimento acerca dos problemas sociais,
servindo como uma porta de entrada para se
entender o debate de classes e como as pessoas
se comportavam frente às adversidades. A
Literatura, então, mostra-se uma ferramenta
muito importante para o amadurecimento
intelectual.
Machado de Assis, ao criticar as instituições
jurídicas e o Direito, consegue expor para a
sociedade como as normas e a figura do bacharel
são supervalorizadas. O escritor enfatiza o típico
comportamento do bacharel em Direito no
momento que reproduz em um personagem a figura
de um estudante e seu descompromisso com a
graduação e com a carreira.
CAPÍTULO XXVI
AS LEIS SÃO BELAS
-- Não blasfeme. Deus é dono de tudo; ele é, só por si, a terra e o céu, o
passado, o presente e o futuro. Peça-lhe a sua felicidade, que eu não faço
outra cousa...Uma vez que você não pode ser padre, e prefere as leis...As
leis são belas, sem desfazer na teologia, que é melhor que tudo, como a
vida eclesiástica é a mais santa...Porque não há de ir estudar leis fora
daqui? Melhor é ir logo para alguma universidade, e ao mesmo tempo
que estuda, viaja. Podemos ir juntos; veremos as terras estrangeiras,
ouviremos inglês, francês, italiano, espanhol, russo e até sueco. Dona
Glória provavelmente não poderá acompanhá-lo; ainda que possa e vá,
não quererá guiar os negócios, papéis, matrículas, e cuidar de
hospedarias, e andar com você de um lado para outro...Oh! as leis são
belíssimas!
Durante toda a narrativa do romance, a
metalinguagem tem um papel fundamental,
dando um tom, muitas vezes jocoso, ou
criando cumplicidade com o leitor, que ao
invés de apenas ler passivamente, participa do
próprio ato de narrar, ao servir de confidente
do escritor, transcendendo o próprio texto.
METALINGUAGEM
Machado dirigia-se ao leitor de Dom Casmurro
com intenções específicas: para dar-lhe uma
explicação, para colocá-lo dentro da trama, para
retomar com ele um assunto, para mostrar-lhe
algo, para pedir do leitor conclusões, para
prepará-lo para os erros que poderá ter o livro,
ou para introduzir um assunto.
Ainda nas características do leitor concebido por ele,
podemos dizer que este nem sempre é passivo, embora
suas atividades sejam sempre reações a estímulos do
narrador ou dos fatos narrados por ele.
E o leitor é ativo ao tomar conclusões com Bentinho:
"Como vês, Capitu... tinha já ideias atrevidas..." (Cap.
XVIII, parágrafo 27) e Cap. XXX, 1º. parágrafo: "Terás
entendido que..."; é ativo ao achar exagero na declaração
de Bentinho no Cap. XXXIII: "Se isto vos parecer
enfático, desgraçado leitor, é que..."
UM PERSONAGEM?
O LEITOR...
CAPÍTULO CXIX
NÃO FAÇA ISSO, QUERIDA
“A leitora, que é minha amiga e abriu este
livro com o fim de descansar da cavatina de
ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às
pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não
faça isso, querida; eu mudo de rumo.”
Assim, desde o início do relacionamento, o
leitor é levado a suspeitar dos atos de Capitu,
mesmo assistindo à narração de uma história
de amor na qual ela parece rendida,
apaixonada, disposta a tudo para ficar com o
homem que ama e fazê-lo feliz.
“Aproveitando o discurso de José Dias que a
caracterizou como ‘cigana oblíqua e
dissimulada’, fica evidente, por parte do
narrador, o medo que essa mulher causa aos
olhos da sociedade e de si mesmo...
Mais que o (im)possível e tão estudado e discutido adultério de
Capitu, fica para o leitor o temor do medo à mulher que consegue
dissuadir um homem da ideia do seminário imposta por sua
“santa” mãe, Dona Glória; medo à mulher que povoa seus
pensamentos e é tão bela que, sendo tanto assim, só pode ser “obra
do diabo”; medo à mulher de classe social inferior, que consegue
galgar o muro dos fundos da casa de Bentinho e impor-se em uma
sociedade que desejaria vê-la permanecer “dentro da casca”,
imutável, deterministicamente incapaz de transpor as grades
aprisionantes da classe social, do gênero e do casamento.
(PIETRANI, 2000, p.73).
“No mesmo capítulo em que o narrador reforça a certeza da
feminilidade de Capitu e põe em questionamento a sua masculinidade,
ele indica pontos de hibridez da personagem feminina, que o
surpreendem: No colégio onde, desde os sete anos, aprendera a ler,
escrever e contar, francês, doutrina e obras de agulha, não aprendeu,
por exemplo, a fazer renda; por isso mesmo, quis que prima Justina lho
ensinasse. Se não estudou latim com o Padre Cabral foi porque o padre,
depois de lho propor gracejando, acabou dizendo que latim não era
língua de meninas. Capitu confessou-me um dia que esta razão acendeu
nela o desejo de o saber. Em compensação, quis aprender inglês com
um velho professor amigo do pai e parceiro deste ao solo, mas não foi
adiante. Tio Cosme ensinou-lhe gamão (ASSIS, 1994a, V.1, p.841).
“Capitu era mais mulher do que eu era homem...”
“Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera
deles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada.’ Eu
não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia,
e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-
se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se
nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a
doçura eram minhas conhecidas...
CAPÍTULO XXXII / OLHOS DE RESSACA
A demora da contemplação creio que lhe deu outra
ideia do meu intento; imaginou que era um
pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus
olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto
atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e
sombrios, com tal expressão que...
Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui
particular, mais mulher do que eu era
homem. Se ainda não o disse, aí fica. Se disse,
fica também. Há conceitos que se devem
incutir na alma do leitor, à força de repetição.
Dom Casmurro é, portanto, um romance retórico que
tem em Capitu uma encarnação assombrosa, porque
seu discurso sobrevive a despeito do controle narrativo
de Bento. O livro é argumentativo na própria
enunciação da denúncia do narrador, e, desafiando as
regras da persuasão, estranhamente contra-
argumentativo quando traz à tona a voz de Capitu: ela
jamais se deixa vencer e frequentemente expõe as
fraquezas de Bentinho.
Uma passagem que explicita claramente a
preocupação de Machado com a tradição retórica na
prosa narrativa está no capítulo XLIV, “O primeiro
filho”, quando a Bentinho, ainda jovem, ocorre a
ideia de dizer a Capitu que “a vida de padre não era
má” e que ele poderia aceitá-la sem grandes
prejuízos. A intenção, que ele confessa, era verificar
se a pequena Capitolina se atirava a seus pés “lavada
em lágrimas”. Vejamos:
Diz Capitu: “Padre é bom, não há dúvida; melhor
que padre só cônego, por causa das meias roxas. O
roxo é cor muito bonita. Pensando bem, é melhor
cônego.” Bentinho não se entrega. Tenta mais uma
vez: “Mas não se pode ser cônego sem ser
primeiramente padre.” Capitu aposta mais alto,
munida de ironia e um talento retórico
impressionante, adequando sua fala a cada nova
situação:
“Bem; que comece pelas meias pretas, depois virão as
roxas. O que eu não quero perder é a sua missa nova;
avise-me a tempo para fazer um vestido à moda, saia
balão e babados grandes… Mas talvez nesse tempo a
moda seja outra”. A cena prossegue por mais algumas
falas e é Bentinho que sai derrotado, incapaz de reagir
no que ele chama de “duelo”. Cá entre nós, caro
leitor, trata-se de meu capítulo favorito.
“era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco
fugitivos, como as mãos,… como tudo“. Ezequiel
Escobar foi colega de seminário de Bentinho e, como
este, não tinha vocação para o sacerdócio. Melhor
amigo de Bentinho. Gostava de matemática e do
comércio. Quando saiu do seminário, conseguiu
dinheiro emprestado de D. Glória para começar seu
próprio negócio. Casou com Sancha, melhor amiga
de Capitu.
“A respeito dos braços de Capitu, o narrador diz que: eram belos, e
na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que
houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de
menina, se eram nascidos, mas provavelmente estariam ainda no
mármore, donde vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os
mais belos da noite, a ponto que me encheram de desvanecimento.
Conversava mal com as outras pessoas, só para vê-los, por mais que
eles se entrelaçassem aos das casacas alheias. Já não foi assim no
segundo baile; nesse, quando vi que os homens não se fartavam de
olhar para eles, de os buscar, quase de os pedir, e que roçavam por
eles as mangas pretas, fiquei vexado e aborrecido. Ao terceiro não
fui [...] (ASSIS, 1994a, V. 1, p.911).
UNS BRAÇOS...
“Bentinho admira os braços de Capitu ao mesmo tempo que
manifesta a sua condição de proprietário dos belos braços
(metonimicamente de todo o corpo, cérebro...) e, por isso, é grane
o seu “desvanecimento”. Porém, quando percebe que ser dono
não basta para impedir o olhar dos outros, pois, na verdade, era
ela que os conduzia, que os levava aos bailes assim desnudos,
Bentinho opta pela atitude de cobrir, que é uma forma de
silenciar. Capitu não se incomodou e também não foi ao terceiro
baile, “a outros foi, mas levou-os meio vestidos de escumilha ou
não sei que, que nem cobria nem descobria inteiramente, como o
cendal de Camões”(ASSIS, 1994ª, V.1, p.911).
O episódio das libras esterlinas (capítulo CVI)
Nos tempos de harmonia
conjugal, no início do
casamento, Santiago narra
um episódio que o fez
admirar ainda mais sua
mulher. Notando que
Capitu olhava o mar com
semblante pensativo,
perguntou o que havia com
ela.
– Quem foi o corretor?
– O seu amigo Escobar.
– Como é que ele não me disse nada?
– Foi hoje mesmo.
– Ele esteve cá?
– Pouco antes de você chegar; eu não lhe disse para que
você não desconfiasse.
A esposa revelou que tinha uma surpresa: poupou
algum dinheiro das despesas da casa e trocou por
dez libras esterlinas. Admirado, questiona como fez
a troca:
CAPÍTULO CXIII / EMBARGOS
DE TERCEIRO
(...)Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos.
Um vizinho, um par de valsa, qualquer
homem, moço ou maduro, me enchia de terror
ou desconfiança. É certo que Capitu gostava
de ser vista, e o meio mais próprio a tal fim
(disse-me uma senhora, um dia) é ver também,
e não há ver sem mostrar que se vê(....)
(...) Capitu era tudo e mais que tudo; não vivia nem
trabalhava que não fosse pensando nela. (...)
--Doente de quê? perguntou Escobar.
--Queixava-se da cabeça e do estômago.
--Então, vou-me embora. Vinha para aquele negócio
dos embargos...
Eram uns embargos de terceiro; ocorrera um incidente
importante, e, tendo ele jantado na cidade, não quis ir
para casa sem dizer-me o que era, mas já agora falaria
depois...
--Não, falemos já, sobe; ela pode estar melhor. Se
estiver pior, desces.
Capitu estava melhor e até boa. Confessou-me que
apenas tivera uma dor de cabeça de nada, mas agravara
o padecimento para que eu fosse divertir-me. Não
falava alegre, o que me fez desconfiar que mentia, para
me não meter medo, mas jurou que era a verdade pura.
Escobar sorriu e disse:
--A cunhadinha está tão doente como você ou eu.
Vamos aos embargos...
Embargos de terceiro é um instrumento pelo
qual a pessoa que não é parte de um processo,
mas, mesmo assim, tem algum bem bloqueado
por ordem judicial equivocada, pode utilizar
para fazer cessar aquela constrição indevida.
Está previsto no CPC, Capítulo VII, do Título
III, nos artigos 674 a 680.
NORMA JURÍDICA
“A personagem “mais mãe” machadiana encarna a mulher que
sofre as ambiguidades do ser mãe, e daí vem a explicação de um
enfoque duplo de sua personalidade, retornando-os ao estilo em
palimpsesto [PAPEL] que Machado explora em suas
construções femininas. Através de Natividade, poderíamos dizer
que Machado de Assis antecipa concepções modernas como as
de Simone de Beauvoir: A gravidez é um drama que se desenrola
na mulher entre si e si; ela sente-o a um tempo como um
enriquecimento e uma mutilação; o feto é uma parte de seu
corpo e um parasito que a explora; ela o possui e é por ele
possuída, ele resume todo o futuro e, carregando-o, ela sente-se
ampla como o mundo; mas essa própria riqueza a aniquila: tem
a impressão de não ser mais nada” (BEAUVOIR, 1980, V.2,
p.262).
MORTE DE ESCOBAR E
EPIFANIA
“OLHOS DE RESSACA”
Observa, de longe, o comportamento de
Capitu, que olha o cadáver “tão fixa, tão
apaixonadamente fixa” e tenta esconder as
lágrimas, enxugando-as “depressa, olhando a
furto para a gente que estava na sala”.
A tristeza evidente da mulher e a sua tentativa
de disfarçá-la captam a atenção do
protagonista, que volta a mencionar os seus
“olhos de ressaca” (título do capítulo).
Depois que percebe o sofrimento de Capitu no velório
do amigo, Santiago não consegue parar de imaginar o
caso amoroso entre eles, e a parecença física do filho
com o seu rival assombra o protagonista:
Escobar vinha assim surgindo da sepultura (…) para se
sentar comigo á mesa, receber-me na escada, beijar-me
no gabinete de manhã, ou pedir-me à noite a bênção do
costume.
Um ano depois da morte de Escobar, Santiago
continuava casado com Capitu, embora a dúvida acerca
da traição fosse se transformando em certeza.
Sua raiva aumentava e gerava uma sede de vingança
que o narrador não procura esconder, com afirmações
como “eu jurava matá-los a ambos”.
Vai ver Otelo, de Shakespeare, atraído pela
coincidência, e fantasia com uma vingança violenta e
trágica, como a da peça: “Capitu devia morrer”.
Compara a amada com Desdêmona, esposa que Otelo
mata, cego de ciúmes, acreditando que ela o havia
traído com Cássio, seu homem mais fiel.
As desconfianças começam nesse capítulo (LXII),
intitulado "Uma ponta de Iago".
Machado de Assis faz uma referência direta a Otelo,
tragédia de Shakespeare sobre ciúme e adultério. Na
peça, Iago é o vilão que leva o protagonista a acreditar
que a sua esposa o traia.
A professora americana Helen Caldwell, que fez
um trabalho muito interessante e importante
sobre Machado de Assis nos anos 50. Ela não
somente traduziu Dom Casmurro, mas também
escreveu um livro com o título, apresentando uma
explicação, uma análise do livro, que hoje, é muito
bem-aceito pelos críticos, mas naquela época era
bastante inusitado.
O OTELO DE MACHADO DE
ASSIS
Ao confrontar Capitu com o suposto adultério com
Escobar, a reação da mulher é de surpresa. Ela sublinha
que, apesar do seu comportamento possessivo, o marido
nunca havia suspeitado da relação entre os dois: “Você
que era tão cioso dos menores gestos, nunca revelou a
menor sombra de desconfiança".
Assumindo "a casualidade da semelhança" entre
Escobar e Ezequiel, tenta dissuadir o protagonista da
ideia, atribuindo-a ao seu comportamento possessivo e
desconfiado...
Pois até os defuntos! Nem os mortos
escapam aos seus ciúmes!
“Capitu ria alto, falava alto, como se me
avivasse; eu continuava surdo, a sós comigo e
o meu desprezo. A vontade que me dava era
cravar-lhe as unhas no pescoço, enterrá-las
bem, até ver-lhe sair a vida com o
sangue...”(ASSIS, 1994a, p.886).
Desde então existe para o direito a Síndrome
de Dom Casmurro no processo penal, quando
se envolve os sistemas processuais penais que
por um desvio da conduta do julgador, o
sistema a partir dele passa a ser exercido como
inquisitório onde a frente há a imagem do juiz
acusador, investigador, promotor e julgador,
tudo numa mesma pessoa (BENTINHO).
Leitura interdisciplinar
“Sabemos, de antemão, que a proposta do personagem-narrador é,
advogando em causa própria, culpar a sua amiga de infância e
esposa Capitu pelo crime de adultério. Como bom advogado,
deveria fazer uso da verdade: a “verdade pura” (ASSIS, 1994a,
p.870). Muitos são os momentos, no entanto, em que o próprio
narrador confessa ter memória fraca: Não, não, a minha memória
não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido
em hospedarias, sem guardar delas nem caras nem nomes, e
somente raras circunstâncias. A quem passe a vida na mesma casa
de família, com os seus eternos móveis e costumes, pessoas e
afeições, é que se lhe agrava tudo pela continuidade e repetição. ...
Eu não atino com a das que eu enfiei ontem. Juro só que
não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso
mesmo pode ser olvido e confusão. E antes seja olvido
que confusão; explico-me. Nada se emenda bem nos
livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros
omissos [...] É que tudo se acha fora de um livro falho,
leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim
podes também preencher as minhas” (ASSIS, 1994a,
p.870-871).
...Como eu invejo os que não esqueceram a cor das
primeiras calças que vestiram!
Cabe ao leitor retirar suas próprias conclusões se seria
Capitu culpada ou inocente.
Nesse aspecto consiste a extrema genialidade de
Machado, deixando em aberto se a “dona dos olhos de
cigana obliqua e dissimulada” haveria ou não
cometido o adultério, permitindo que o leitor adentre
ao universo lúdico da literatura.
Assim também ocorre no Direito o leitor da norma é o
grande interprete é o seu maior interprete e os juristas
devem prezar para que a hermenêutica seja exercida
de maneira que leve a justiça e ao bem estar social.
O estudo interdisciplinar permite a
aproximação com realidades não
experimentadas, que ajudam na
compreensão de episódios sociais não
abordados pelas matérias dogmáticas.
ARTE, LITERATURA, DIREITO,
PSICANÁLISE...
Algumas “interrogações” da vida interior que poderiam ter
se tornado, quem sabe, alvo da interpretação do próprio
inventor da psicanálise, caso tivesse lido Machado, são
enumeradas a partir da “terapia” sobretudo de personagens
femininos. Machado escrevia em jornais para mulheres, e
todas as suas obras, mais enfaticamente as da segunda fase,
têm personagens femininos marcantes. As mulheres
machadianas, ao todo, são psicanalizadas: quatro (Virgília,
Marcela, Sofia e Capitu) representando as “pecadoras”, que
teriam dado um trabalhão e tanto a Freud.
Freud e Machado de Assis
“Assim como o narrador de Dom Casmurro almeja,
através da condenação de Capitu, a absolvição de si
mesmo, aqui (Quincas Borba) o narrador ainda que de
terceira pessoa – não deixa menos clara a sua androfilia
na defesa de Rubião. Há que se ter muito cuidado com
esse narrador que conduz a leitura para a absolvição de
um homem que enlouquece por amor, pelas agruras
causadas por essa mulher ambiciosa e perigosamente
inteligente” (PIETRANI, 2000, p.67).
O ser humano gosta de complicar as
coisas, é só uma brisa, quem sabe ela
bagunce teu cabelo, quem sabe te acaricie
o rosto, quem sabe, quem sabe…
Dom Casmurro
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Analise da obra Dom Casmurro - O universo feminino e um narrador suspeito

  • 1. PROFESSORA FABIANA TOLÊDO O UNIVERSO FEMININO E UM NARRADOR SUSPEITO
  • 3. Dom Casmurro, afirma Bosi, “faz voltar o estilo das memórias” (BOSI, 2006, p.192), uma vez que a obra é um relato memorialístico do passado de Bentinho, no qual percebe-se um grande conflito psicológico. É um romance narrado em primeira pessoa e em seu enredo o protagonista Bentinho relata sua vida durante a adolescência, aos quinze anos de idade, desde o início de seu namoro com a vizinha Capitu e sua vida de Dom Casmurro depois de ancião. Narrador Personagem Autor e Protagonista
  • 4.
  • 5. Publicado em 1.899, conta a história de Santiago, o protagonista, que pretende "atar as duas pontas da vida", lembrar e reviver o seu passado. Traçando um retrato moral da época, a obra é considerada a maior de Machado de Assis, e uma das mais importantes da literatura brasileira.
  • 6. Devido a este caráter subjetivo e parcial da narração, o leitor não consegue distinguir a realidade e a imaginação de Santiago, duvidando da sua fidelidade enquanto narrador. Desta forma, o romance abre a possibilidade ao leitor de interpretar os fatos e se posicionar a favor ou contra o protagonista, face à possível traição. AMBIGUIDADE
  • 7. CASMURRO Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração - se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. (...) CAPÍTULO PRIMEIRO / DO TÍTULO
  • 8. Umberto Eco (1972) defende que os processos de leitura e interpretação não podem pressupor uma análise pré-definida e estruturada do texto. Pelo contrário, implicam uma acentuada liberdade por parte do leitor, que é também receptor, tornando-se tarefa sua extrair dele uma análise pessoal. De acordo com tal noção, a origem do termo obra aberta advém da necessidade, cada vez mais patente, de se compreender e valorizar a capacidade criativa e interpretativa que conduz, sempre que necessário, a uma reestruturação do pensamento.
  • 9. DISSIMULAÇÃO Entende-se, então, que Bentinho é um narrador em primeira pessoa que dissimula, sendo assim, um narrador perverso. Ele induz o leitor a acreditar no que ele narra é a verdade absoluta. Tendo ele um ciúme doentio e duvidoso, por sua esposa, além de usar de grande persuasão para induzir o leitor a acreditar nem sua narrativa.
  • 10. A ação do romance começa em 1857, quando Bentinho tem quinze anos e Capitu quatorze, no momento em que José Dias expõe o possível namoro entre os dois à Dona Glória. TEMPO
  • 11. O primeiro acesso de ciúmes do narrador acontece ainda durante o namoro; quando José Dias o visita, menciona a alegria de Capitu, acrescentando: “Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança que case com ela…”.
  • 12. (...) e vi-o passar com as suas calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto, com um arco de aço por dentro, imobilizava-lhe o pescoço: era então moda. Um dever amaríssimo! José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases.
  • 13. CRÍTICA SOCIAL Machado nos mostra a presença de interesses sociais relacionados à organização e à crise da ordem patriarcal – um universo burguês, aristocrata e conservador onde vivia Dona Glória, com seus viúvos (Tio Cosme e Prima Justina) , agregado e escravos, onde a energia e a liberdade de opinião da mocinha moderna e pobre, atrevida e irreverente, lúcida e atuante, tornam-se intoleráveis.
  • 14. O realismo se propõe em estudar cientificamente a infidelidade conjugal, mostrando a falsa paz da burguesia romântica. De tal forma, podemos dizer que o realismo arranca a máscara hipócrita do romantismo. REALISMO X ROMANTISMO
  • 16. Durante todo o século XIX, a sociedade brasileira sofreu uma série de transformações: a consolidação do capitalismo; o incremento de uma vida urbana que oferecia novas alternativas de convivência social; o surgimento de uma nova mentalidade – burguesa – reorganizadora das vivências familiares e domésticas, do tempo e das atividades femininas; e, por que não, a sensibilidade e a forma de pensar o amor.
  • 17. Presenciamos ainda nesse período o nascimento de uma nova mulher nas relações da chamada família burguesa, agora marcada pela valorização da intimidade e da maternidade. Um sólido ambiente familiar, o lar acolhedor, filhos educados e esposa dedicada ao marido, às crianças e desobrigada de qualquer trabalho produtivo representavam o ideal de retidão e probidade
  • 18. ESPAÇO O enredo tem lugar no Rio de Janeiro de meados e final do século XIX. Sede do império desde a Independência em 1822, a cidade assistia à ascensão da burguesia e pequeno-burguesa carioca. Santiago e sua família, pertencentes a uma classe social de posses, habitam várias ruas e bairros históricos do Rio de Janeiro, ao longo da obra: Matacavalos, Glória, Andaraí, Engenho Novo, entre outros.
  • 19.
  • 20.
  • 21. A igreja católica composta por homens que também caiam, como caem os de hoje em tentação, e também pecam e também têm vícios e quebravam os votos de castidade envolvendo-se em escândalos públicos de sedução, a exemplo de Amaro de O Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz, exigia o cumprimento da lei baseada nos Dez Mandamentos, escritos por Deus na pedra, e depois registrados na Bíblia no livro de Êxodo a normatizar que “Não cometa adultério e nem cobices a casa de outro homem. Não cobice a sua mulher, os seus escravos, o seu gado, os seus jumentos ou qualquer outra coisa que seja dele” A sociedade patrimonialista do século XIX era permissiva ao adultério masculino, não perdoando, todavia, a nódoa no leito conjugal provocada pela traição da mulher casada.
  • 22.
  • 23. Desta forma, para a lei, sob o olhar leniente da igreja, o marido contava com a proteção do estado em relação ao adultério e a esposa não passava de um objeto comparado aos escravos, gado, jumentos, ou qualquer coisa que fosse dele. Consta do art. 250, da Lei de 16 de dezembro de 1830 (Código Penal) que “A mulher casada, que commetter adulterio, será punida com a pena de prisão por um a tres annos.
  • 24. A penalidade cogitada para a esposa infiel, não foi pensada para seu amante. No caso do homem casado que tiver concubina, teúda, e manteúda, será punido com as penas do artigo antecedente, dando a entender que somente a mulher comete adultério. Aos homens era permitido ter um caso passageiro, sendo defeso dar sustento à "amasia". No Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890 foi introduzido no parágrafo único art. 281 que “O perdão de qualquer dos cônjuges, ou sua reconciliação, extingue todos os effeitos da accusação e condemnação."
  • 25. Feito a ressalva, retornando-se ao assunto central, indaga-se: afinal a senhora Maria Capitolina Santiago (Capitu, como é conhecida) é culpada de adultério ou sob suspeitas de infidelidade do marido Bento de Albuquerque Santiago, também conhecido como Bento Santiago, Bentinho ou ainda Dom Casmurro sofreu violência psicológica que hoje seria combatida pelo instituto da Lei Maria da Penha?
  • 26. L LEI 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2006 LEI N.º 13.772 DE 2018 A Lei Maria da Penha apresenta as formas de violência doméstica e familiar em seu art. 7º. Embora enumere cinco delas, deixa claro que outras também podem incidir. Confira-se: Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física [...]; II – a violência psicológica [...]; III – a violência sexual [...]; IV – a violência patrimonial [...]; V – a violência moral [...].
  • 27. A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. art. 7º, II
  • 28. O intuito desta análise é mostrar, entre outros aspectos do comportamentalismo, a obsessão descontrolada, a personalidade fraca, a insegurança, o complexo de inferioridade de Bentinho. Tais eventos, “supostamente”, provocaram em sua mente um surto, e ele começa a imaginar, e acreditar, em tal traição; buscando no leitor o mesmo sentimento.
  • 29. O autor conseguiu construir uma imagem sobre o campo jurídico através da linguagem literária, abordando as relações de poder, de dominação e de violência legitimada pela norma. Assim, é possível analisar, nos seus contos e romances, a maneira como o escritor descreve a supremacia dos interesses privados sobre os interesses públicos e de como as leis são usadas como forma de construir uma base de legitimação da manutenção de seus lugares de poder. Nessa interação entre Direito e Literatura, Machado de Assis aparece como um dos escritores brasileiros que explicitou em suas obras a aproximação dessas duas áreas de conhecimento.
  • 30. Nessa linha de raciocínio, o presente texto objetiva, de forma geral, analisar alguns do texto Machadiano, observando o contexto histórico no qual ela está inserida e relacionando-a, de forma direta e indireta, com o Direito, a partir da exploração dos aspectos de toda sua ironia em relação à aristocracia do século XIX e como essa classe se utilizava das normas positivadas para legitimar as suas atitudes, exercendo um domínio sobre os desvalidos e mantendo suas regalias e privilégios.
  • 31. São alguns exemplos de obras literárias com esse propósito, entre milhares, Os Miseráveis (Victor Hugo), Capitães de Areia (Jorge Amado), Memorias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis). Todos esses livros abordam conflitos da sociedade e ainda hoje corroboram para as mudanças da legislação e das práticas jurídicas, pois exteriorizam discordâncias de classe, crítica ao sistema judiciário, mudança de sistema de governo entre outros embates públicos. Nesse sentido, Ada Siqueira preleciona:
  • 32. As obras ficcionais são capazes de inserir o leitor em uma realidade alheia à sua, enfrentá-lo com problemáticas que não se mostrariam visíveis ao indivíduo em seu espectro original (...) A literatura tem o poder de sensibilizar o leitor a causas que não o comoveriam por meio de um relato jurídico e formalista. Ela atua com a função de recuperar os sentidos perdidos durante o processo de racionalização do direito. (SIQUEIRA, 2011, p. 42). É por meio de obras como essas que a literatura ganha sua primeira importância para o conhecimento e desenvolvimento do direito.
  • 33. A Literatura ajuda o indivíduo a formar, por meio das histórias narradas, uma nova perspectiva sobre o mundo, principalmente quando as narrativas tratam de épocas passadas nas quais ele não viveu. Com o mesmo entendimento sobre a proximidade da realidade através do imaginário literário, o professor Fabio Roberto D’Avila preleciona: DIREITO E LITERATURA
  • 34. Nenhum lugar, nem tempo, poderia ser melhor para compreender a complexidade do homem em sua vivência individual e social do que o não lugar e o não tempo únicos do gesto criativo e, sob alguma perspectiva, descomprometido, da narrativa literária. MÍMESIS E CATARSE
  • 35. Machado de Assis foi um dos maiores expoentes da Literatura brasileira e suas obras, na grande maioria, tratam de conflitos sociais de onde podem ser retirados diversos aspectos jurídicos. Muitos de seus personagens são bacharéis em Direito e, mesmo o escritor não sendo advogado, consegue transmitir de maneira clara questões importantes para um debate e reflexão acerca do campo jurídico.
  • 36. Através das análises das obras machadianas o estudioso do Direito consegue ampliar seu conhecimento acerca dos problemas sociais, servindo como uma porta de entrada para se entender o debate de classes e como as pessoas se comportavam frente às adversidades. A Literatura, então, mostra-se uma ferramenta muito importante para o amadurecimento intelectual.
  • 37. Machado de Assis, ao criticar as instituições jurídicas e o Direito, consegue expor para a sociedade como as normas e a figura do bacharel são supervalorizadas. O escritor enfatiza o típico comportamento do bacharel em Direito no momento que reproduz em um personagem a figura de um estudante e seu descompromisso com a graduação e com a carreira.
  • 38. CAPÍTULO XXVI AS LEIS SÃO BELAS -- Não blasfeme. Deus é dono de tudo; ele é, só por si, a terra e o céu, o passado, o presente e o futuro. Peça-lhe a sua felicidade, que eu não faço outra cousa...Uma vez que você não pode ser padre, e prefere as leis...As leis são belas, sem desfazer na teologia, que é melhor que tudo, como a vida eclesiástica é a mais santa...Porque não há de ir estudar leis fora daqui? Melhor é ir logo para alguma universidade, e ao mesmo tempo que estuda, viaja. Podemos ir juntos; veremos as terras estrangeiras, ouviremos inglês, francês, italiano, espanhol, russo e até sueco. Dona Glória provavelmente não poderá acompanhá-lo; ainda que possa e vá, não quererá guiar os negócios, papéis, matrículas, e cuidar de hospedarias, e andar com você de um lado para outro...Oh! as leis são belíssimas!
  • 39. Durante toda a narrativa do romance, a metalinguagem tem um papel fundamental, dando um tom, muitas vezes jocoso, ou criando cumplicidade com o leitor, que ao invés de apenas ler passivamente, participa do próprio ato de narrar, ao servir de confidente do escritor, transcendendo o próprio texto. METALINGUAGEM
  • 40. Machado dirigia-se ao leitor de Dom Casmurro com intenções específicas: para dar-lhe uma explicação, para colocá-lo dentro da trama, para retomar com ele um assunto, para mostrar-lhe algo, para pedir do leitor conclusões, para prepará-lo para os erros que poderá ter o livro, ou para introduzir um assunto.
  • 41. Ainda nas características do leitor concebido por ele, podemos dizer que este nem sempre é passivo, embora suas atividades sejam sempre reações a estímulos do narrador ou dos fatos narrados por ele. E o leitor é ativo ao tomar conclusões com Bentinho: "Como vês, Capitu... tinha já ideias atrevidas..." (Cap. XVIII, parágrafo 27) e Cap. XXX, 1º. parágrafo: "Terás entendido que..."; é ativo ao achar exagero na declaração de Bentinho no Cap. XXXIII: "Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que..." UM PERSONAGEM? O LEITOR...
  • 42. CAPÍTULO CXIX NÃO FAÇA ISSO, QUERIDA “A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo.”
  • 43. Assim, desde o início do relacionamento, o leitor é levado a suspeitar dos atos de Capitu, mesmo assistindo à narração de uma história de amor na qual ela parece rendida, apaixonada, disposta a tudo para ficar com o homem que ama e fazê-lo feliz.
  • 44. “Aproveitando o discurso de José Dias que a caracterizou como ‘cigana oblíqua e dissimulada’, fica evidente, por parte do narrador, o medo que essa mulher causa aos olhos da sociedade e de si mesmo...
  • 45. Mais que o (im)possível e tão estudado e discutido adultério de Capitu, fica para o leitor o temor do medo à mulher que consegue dissuadir um homem da ideia do seminário imposta por sua “santa” mãe, Dona Glória; medo à mulher que povoa seus pensamentos e é tão bela que, sendo tanto assim, só pode ser “obra do diabo”; medo à mulher de classe social inferior, que consegue galgar o muro dos fundos da casa de Bentinho e impor-se em uma sociedade que desejaria vê-la permanecer “dentro da casca”, imutável, deterministicamente incapaz de transpor as grades aprisionantes da classe social, do gênero e do casamento. (PIETRANI, 2000, p.73).
  • 46.
  • 47. “No mesmo capítulo em que o narrador reforça a certeza da feminilidade de Capitu e põe em questionamento a sua masculinidade, ele indica pontos de hibridez da personagem feminina, que o surpreendem: No colégio onde, desde os sete anos, aprendera a ler, escrever e contar, francês, doutrina e obras de agulha, não aprendeu, por exemplo, a fazer renda; por isso mesmo, quis que prima Justina lho ensinasse. Se não estudou latim com o Padre Cabral foi porque o padre, depois de lho propor gracejando, acabou dizendo que latim não era língua de meninas. Capitu confessou-me um dia que esta razão acendeu nela o desejo de o saber. Em compensação, quis aprender inglês com um velho professor amigo do pai e parceiro deste ao solo, mas não foi adiante. Tio Cosme ensinou-lhe gamão (ASSIS, 1994a, V.1, p.841). “Capitu era mais mulher do que eu era homem...”
  • 48. “Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada.’ Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou- se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas... CAPÍTULO XXXII / OLHOS DE RESSACA
  • 49. A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
  • 50. Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem. Se ainda não o disse, aí fica. Se disse, fica também. Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força de repetição.
  • 51. Dom Casmurro é, portanto, um romance retórico que tem em Capitu uma encarnação assombrosa, porque seu discurso sobrevive a despeito do controle narrativo de Bento. O livro é argumentativo na própria enunciação da denúncia do narrador, e, desafiando as regras da persuasão, estranhamente contra- argumentativo quando traz à tona a voz de Capitu: ela jamais se deixa vencer e frequentemente expõe as fraquezas de Bentinho.
  • 52. Uma passagem que explicita claramente a preocupação de Machado com a tradição retórica na prosa narrativa está no capítulo XLIV, “O primeiro filho”, quando a Bentinho, ainda jovem, ocorre a ideia de dizer a Capitu que “a vida de padre não era má” e que ele poderia aceitá-la sem grandes prejuízos. A intenção, que ele confessa, era verificar se a pequena Capitolina se atirava a seus pés “lavada em lágrimas”. Vejamos:
  • 53.
  • 54. Diz Capitu: “Padre é bom, não há dúvida; melhor que padre só cônego, por causa das meias roxas. O roxo é cor muito bonita. Pensando bem, é melhor cônego.” Bentinho não se entrega. Tenta mais uma vez: “Mas não se pode ser cônego sem ser primeiramente padre.” Capitu aposta mais alto, munida de ironia e um talento retórico impressionante, adequando sua fala a cada nova situação:
  • 55. “Bem; que comece pelas meias pretas, depois virão as roxas. O que eu não quero perder é a sua missa nova; avise-me a tempo para fazer um vestido à moda, saia balão e babados grandes… Mas talvez nesse tempo a moda seja outra”. A cena prossegue por mais algumas falas e é Bentinho que sai derrotado, incapaz de reagir no que ele chama de “duelo”. Cá entre nós, caro leitor, trata-se de meu capítulo favorito.
  • 56. “era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos,… como tudo“. Ezequiel Escobar foi colega de seminário de Bentinho e, como este, não tinha vocação para o sacerdócio. Melhor amigo de Bentinho. Gostava de matemática e do comércio. Quando saiu do seminário, conseguiu dinheiro emprestado de D. Glória para começar seu próprio negócio. Casou com Sancha, melhor amiga de Capitu.
  • 57. “A respeito dos braços de Capitu, o narrador diz que: eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina, se eram nascidos, mas provavelmente estariam ainda no mármore, donde vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os mais belos da noite, a ponto que me encheram de desvanecimento. Conversava mal com as outras pessoas, só para vê-los, por mais que eles se entrelaçassem aos das casacas alheias. Já não foi assim no segundo baile; nesse, quando vi que os homens não se fartavam de olhar para eles, de os buscar, quase de os pedir, e que roçavam por eles as mangas pretas, fiquei vexado e aborrecido. Ao terceiro não fui [...] (ASSIS, 1994a, V. 1, p.911). UNS BRAÇOS...
  • 58. “Bentinho admira os braços de Capitu ao mesmo tempo que manifesta a sua condição de proprietário dos belos braços (metonimicamente de todo o corpo, cérebro...) e, por isso, é grane o seu “desvanecimento”. Porém, quando percebe que ser dono não basta para impedir o olhar dos outros, pois, na verdade, era ela que os conduzia, que os levava aos bailes assim desnudos, Bentinho opta pela atitude de cobrir, que é uma forma de silenciar. Capitu não se incomodou e também não foi ao terceiro baile, “a outros foi, mas levou-os meio vestidos de escumilha ou não sei que, que nem cobria nem descobria inteiramente, como o cendal de Camões”(ASSIS, 1994ª, V.1, p.911).
  • 59. O episódio das libras esterlinas (capítulo CVI) Nos tempos de harmonia conjugal, no início do casamento, Santiago narra um episódio que o fez admirar ainda mais sua mulher. Notando que Capitu olhava o mar com semblante pensativo, perguntou o que havia com ela.
  • 60. – Quem foi o corretor? – O seu amigo Escobar. – Como é que ele não me disse nada? – Foi hoje mesmo. – Ele esteve cá? – Pouco antes de você chegar; eu não lhe disse para que você não desconfiasse. A esposa revelou que tinha uma surpresa: poupou algum dinheiro das despesas da casa e trocou por dez libras esterlinas. Admirado, questiona como fez a troca:
  • 61. CAPÍTULO CXIII / EMBARGOS DE TERCEIRO (...)Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos. Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem, moço ou maduro, me enchia de terror ou desconfiança. É certo que Capitu gostava de ser vista, e o meio mais próprio a tal fim (disse-me uma senhora, um dia) é ver também, e não há ver sem mostrar que se vê(....)
  • 62. (...) Capitu era tudo e mais que tudo; não vivia nem trabalhava que não fosse pensando nela. (...) --Doente de quê? perguntou Escobar. --Queixava-se da cabeça e do estômago. --Então, vou-me embora. Vinha para aquele negócio dos embargos... Eram uns embargos de terceiro; ocorrera um incidente importante, e, tendo ele jantado na cidade, não quis ir para casa sem dizer-me o que era, mas já agora falaria depois...
  • 63. --Não, falemos já, sobe; ela pode estar melhor. Se estiver pior, desces. Capitu estava melhor e até boa. Confessou-me que apenas tivera uma dor de cabeça de nada, mas agravara o padecimento para que eu fosse divertir-me. Não falava alegre, o que me fez desconfiar que mentia, para me não meter medo, mas jurou que era a verdade pura. Escobar sorriu e disse: --A cunhadinha está tão doente como você ou eu. Vamos aos embargos...
  • 64. Embargos de terceiro é um instrumento pelo qual a pessoa que não é parte de um processo, mas, mesmo assim, tem algum bem bloqueado por ordem judicial equivocada, pode utilizar para fazer cessar aquela constrição indevida. Está previsto no CPC, Capítulo VII, do Título III, nos artigos 674 a 680. NORMA JURÍDICA
  • 65. “A personagem “mais mãe” machadiana encarna a mulher que sofre as ambiguidades do ser mãe, e daí vem a explicação de um enfoque duplo de sua personalidade, retornando-os ao estilo em palimpsesto [PAPEL] que Machado explora em suas construções femininas. Através de Natividade, poderíamos dizer que Machado de Assis antecipa concepções modernas como as de Simone de Beauvoir: A gravidez é um drama que se desenrola na mulher entre si e si; ela sente-o a um tempo como um enriquecimento e uma mutilação; o feto é uma parte de seu corpo e um parasito que a explora; ela o possui e é por ele possuída, ele resume todo o futuro e, carregando-o, ela sente-se ampla como o mundo; mas essa própria riqueza a aniquila: tem a impressão de não ser mais nada” (BEAUVOIR, 1980, V.2, p.262).
  • 66.
  • 67. MORTE DE ESCOBAR E EPIFANIA
  • 68. “OLHOS DE RESSACA” Observa, de longe, o comportamento de Capitu, que olha o cadáver “tão fixa, tão apaixonadamente fixa” e tenta esconder as lágrimas, enxugando-as “depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala”. A tristeza evidente da mulher e a sua tentativa de disfarçá-la captam a atenção do protagonista, que volta a mencionar os seus “olhos de ressaca” (título do capítulo).
  • 69. Depois que percebe o sofrimento de Capitu no velório do amigo, Santiago não consegue parar de imaginar o caso amoroso entre eles, e a parecença física do filho com o seu rival assombra o protagonista: Escobar vinha assim surgindo da sepultura (…) para se sentar comigo á mesa, receber-me na escada, beijar-me no gabinete de manhã, ou pedir-me à noite a bênção do costume.
  • 70. Um ano depois da morte de Escobar, Santiago continuava casado com Capitu, embora a dúvida acerca da traição fosse se transformando em certeza. Sua raiva aumentava e gerava uma sede de vingança que o narrador não procura esconder, com afirmações como “eu jurava matá-los a ambos”. Vai ver Otelo, de Shakespeare, atraído pela coincidência, e fantasia com uma vingança violenta e trágica, como a da peça: “Capitu devia morrer”. Compara a amada com Desdêmona, esposa que Otelo mata, cego de ciúmes, acreditando que ela o havia traído com Cássio, seu homem mais fiel.
  • 71. As desconfianças começam nesse capítulo (LXII), intitulado "Uma ponta de Iago". Machado de Assis faz uma referência direta a Otelo, tragédia de Shakespeare sobre ciúme e adultério. Na peça, Iago é o vilão que leva o protagonista a acreditar que a sua esposa o traia.
  • 72. A professora americana Helen Caldwell, que fez um trabalho muito interessante e importante sobre Machado de Assis nos anos 50. Ela não somente traduziu Dom Casmurro, mas também escreveu um livro com o título, apresentando uma explicação, uma análise do livro, que hoje, é muito bem-aceito pelos críticos, mas naquela época era bastante inusitado. O OTELO DE MACHADO DE ASSIS
  • 73. Ao confrontar Capitu com o suposto adultério com Escobar, a reação da mulher é de surpresa. Ela sublinha que, apesar do seu comportamento possessivo, o marido nunca havia suspeitado da relação entre os dois: “Você que era tão cioso dos menores gestos, nunca revelou a menor sombra de desconfiança". Assumindo "a casualidade da semelhança" entre Escobar e Ezequiel, tenta dissuadir o protagonista da ideia, atribuindo-a ao seu comportamento possessivo e desconfiado... Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!
  • 74. “Capitu ria alto, falava alto, como se me avivasse; eu continuava surdo, a sós comigo e o meu desprezo. A vontade que me dava era cravar-lhe as unhas no pescoço, enterrá-las bem, até ver-lhe sair a vida com o sangue...”(ASSIS, 1994a, p.886).
  • 75. Desde então existe para o direito a Síndrome de Dom Casmurro no processo penal, quando se envolve os sistemas processuais penais que por um desvio da conduta do julgador, o sistema a partir dele passa a ser exercido como inquisitório onde a frente há a imagem do juiz acusador, investigador, promotor e julgador, tudo numa mesma pessoa (BENTINHO). Leitura interdisciplinar
  • 76. “Sabemos, de antemão, que a proposta do personagem-narrador é, advogando em causa própria, culpar a sua amiga de infância e esposa Capitu pelo crime de adultério. Como bom advogado, deveria fazer uso da verdade: a “verdade pura” (ASSIS, 1994a, p.870). Muitos são os momentos, no entanto, em que o próprio narrador confessa ter memória fraca: Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido em hospedarias, sem guardar delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstâncias. A quem passe a vida na mesma casa de família, com os seus eternos móveis e costumes, pessoas e afeições, é que se lhe agrava tudo pela continuidade e repetição. ...
  • 77. Eu não atino com a das que eu enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão. E antes seja olvido que confusão; explico-me. Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos [...] É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas” (ASSIS, 1994a, p.870-871). ...Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram!
  • 78. Cabe ao leitor retirar suas próprias conclusões se seria Capitu culpada ou inocente. Nesse aspecto consiste a extrema genialidade de Machado, deixando em aberto se a “dona dos olhos de cigana obliqua e dissimulada” haveria ou não cometido o adultério, permitindo que o leitor adentre ao universo lúdico da literatura. Assim também ocorre no Direito o leitor da norma é o grande interprete é o seu maior interprete e os juristas devem prezar para que a hermenêutica seja exercida de maneira que leve a justiça e ao bem estar social.
  • 79. O estudo interdisciplinar permite a aproximação com realidades não experimentadas, que ajudam na compreensão de episódios sociais não abordados pelas matérias dogmáticas. ARTE, LITERATURA, DIREITO, PSICANÁLISE...
  • 80. Algumas “interrogações” da vida interior que poderiam ter se tornado, quem sabe, alvo da interpretação do próprio inventor da psicanálise, caso tivesse lido Machado, são enumeradas a partir da “terapia” sobretudo de personagens femininos. Machado escrevia em jornais para mulheres, e todas as suas obras, mais enfaticamente as da segunda fase, têm personagens femininos marcantes. As mulheres machadianas, ao todo, são psicanalizadas: quatro (Virgília, Marcela, Sofia e Capitu) representando as “pecadoras”, que teriam dado um trabalhão e tanto a Freud. Freud e Machado de Assis
  • 81. “Assim como o narrador de Dom Casmurro almeja, através da condenação de Capitu, a absolvição de si mesmo, aqui (Quincas Borba) o narrador ainda que de terceira pessoa – não deixa menos clara a sua androfilia na defesa de Rubião. Há que se ter muito cuidado com esse narrador que conduz a leitura para a absolvição de um homem que enlouquece por amor, pelas agruras causadas por essa mulher ambiciosa e perigosamente inteligente” (PIETRANI, 2000, p.67).
  • 82.
  • 83. O ser humano gosta de complicar as coisas, é só uma brisa, quem sabe ela bagunce teu cabelo, quem sabe te acaricie o rosto, quem sabe, quem sabe… Dom Casmurro