OS GÊNEROS DE TEXTO E OS TIPOS DE
DISCURSO COMO FORMATOS DAS
INTERAÇÕES PROPICIADORAS DE
DESENVOLVIMENTO In: BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem,
discurso e desenvolvimento humano. Campinas, SP:
Mercado das Letras, 2006.
1. OS GÊNEROS DE TEXTO E OS TIPOS DE
DISCURSO COMO FORMATOS DAS
INTERAÇÕES PROPICIADORAS DE
DESENVOLVIMENTO
In: BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem,
discurso e desenvolvimento humano. Campinas, SP:
Mercado das Letras, 2006.
Slides by Raquel Salcedo Gomes
2. O PROJETO DO ISD
O ISD filia-se a uma Psicologia da Linguagem inscrita
no quadro epistemológico das Ciências Humanas/
Sociais chamado interacionismo social.
Porém, ao contrário da Psicologia da Linguagem
tradicional, o ISD vê a linguagem como o instrumento
fundador e organizador do funcionamento humano.
Assim, o ISD se pretende uma teoria global do
funcionamento psicológico, que toma como unidades
de análise a linguagem, o agir e o pensamento
consciente.
3. O interacionismo social, ao qual o ISD se filia, não negligencia
as dimensões biológicas/cognitivas do desenvolvimento
humano, mas as toma a partir da continuidade da evolução
das espécies enquanto processo, conforme contribuições
de Darwin, Hegel e Marx/Engels, em que está implicada a
história das interações humanas.
Esta corrente opõe-se a três princípios da tradição
filosófico-científica: i) o princípio da finitude e estabilidade
dos mecanismos de organização do universo, formulado
pela física de Newton, com caráter determinista e
reversível; ii) o princípio do recorte dos objetos e
subobjetos de conhecimento, que fracionou as ciências,
especialmente as Humanas/Sociais, a partir da
epistemologia positivista de Comte; iii) o princípio do
dualismo cartesiano, que divide o ser humano em corpo e
alma.
4. O INTERACIONISMO NO
SÉC. XX
O interacionismo foi defendido porVygotski, Bühler, Dewey,
Dilthey, Mead, Politzer, Spranger,Wallon e outros.
Uma das apresentações mais precisas do interacionismo inicial
está em Marxismo e filosofia da linguagem, deVolochinov
(Bakhtin, 1929).
Nessa obra, o autor afirma: i) toda a produção ideológica é de
natureza semiótica (“o signo é ideológico”); ii) esses “signos-
ideias” provêm da interação social, sendo condicionados por
ela e apresentando caráter dialógico: inscrevem-se em um
horizonte social e dirigem-se a um auditório social; iii) todo
discurso interior, todo pensamento ou consciência é,
portanto, também de natureza semiótica e dialógica.
5. O intuito, na obra, era o de elucidar as condições de
constituição do pensamento consciente humano, com um
programa de pesquisa que deveria: i) incidir sobre as
condições e os processos de interação social; ii) incidir
sobre as formas de enunciação que materializam ou
semiotizam essas interações; iii) abordar a organização
das unidades-signos no interior dessas formas.
O interacionismo ficou esquecido entre 1930 e 1970 com
o congelamento positivista, sendo redescoberto a partir
da leitura da obra deVygotski, nos anos de 1970.
O ISD se inscreve nesse movimento contemporâneo de
retorno e articula três níveis de análise:
6. OS TRÊS NÍVEIS DE ANÁLISE
DO ISD
O primeiro refere-se às dimensões da vida social, que
constituem-se como pré-construídos históricos para o
indivíduo: a) as formações sociais, com seus processos e
fatos; b) as atividades coletivas gerais, que organizam as
relações entre os indivíduos e seu meio-ambiente; c) as
atividades de linguagem, que comentam as atividades gerais a
partir de uma língua natural e se materializam em diversas
categorias de textos; d) os mundos formais, que são
estruturas de conhecimentos coletivos abstraídos dos
determinismos da atividade e da textualidade e organizados
segundo diferentes regimes lógicos.
7. O segundo nível de análise diz respeito aos processos de
mediação formativa, ou seja, aos processos deliberados por
meio dos quais os adultos integram os “recém-chegados” ao
conjunto dos pré-construídos disponíveis no seu ambiente
socio-cultural.
O terceiro se refere aos efeitos que essas mediações
formativas exercem sobre os indivíduos, sendo decomposto
em duas problemáticas. Uma diz respeito às condições de
transformação do psiquismo sensório-motor herdado em
um pensamento consciente, fundador da pessoa (processo
resultante da interiorização da estrutura e funcionamento dos signos
linguísticos, conforme Saussure descreveu).A outra diz respeito às
condições de desenvolvimento das pessoas e de suas
capacidades ativas no âmbito de transações entre as
representações individuais e as coletivas, veiculadas pelos
pré-construídos.
8. 1º nível:
Formações sociais - Atividades coletivas gerais -
Atividades de linguagem - Mundos formais
2º nível:
Processos de formação mediativa
3º nível:
Efeitos das mediações:
condições de transformação do psiquismo sensório-motor
condições de desenvolvimento no âmbito de transações
entre as representações individuais e as coletivas
9. INSCRITO NO CAMPO DAS CIÊNCIAS
DO TEXTO, O ISDVISA MOSTRAR
COMO OS MECANISMOS DE
PRODUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
DAS ENTIDADES VERBAIS
CONTRIBUEM PARA A
TRANSFORMAÇÃO
PERMANENTE DAS PESSOAS
AGENTES E,AO MESMO TEMPO, DOS
FATOS SOCIAIS.
10. A DOXA...
Concepção de linguagem dominante no pensamento ocidental:
lógico-gramatical ou representacionalista.
Platão,Aristóteles, Julio César, Gramáticos de Port Royal (séc.
XVII).
O fundamento da linguagem estaria em outro lugar que não nela
mesma ou nas práticas sociais.
Primazia e independência da noese em relação à semiose: o
pensamento seria primeiro e autônomo, a linguagem apenas
traduziria esse pensamento, sem cumprir papel determinante.
Haveria uma organização estrutural comum a todas as línguas
naturais.
11. E SUA CRÍTICA RADICAL
As relações de significações estabelecidas em uma língua não
têm fundamento natural: fundamentam-se no sistema de
interações sociais, de modo que este é o
interpretante último de todas as relações que se
atestam no sistema da língua.
Saussure mostra que, na medida em que a língua existe
também na interioridade dos falantes, o funcionamento
psicológico desses sujeitos tem um caráter
semiótico e social, não podendo existir um “pensamento
puro” como advoga a concepção lógico-gramatical ou
representacionalista.
12. AGIR GERAL,AGIR DE
LINGUAGEM,TEXTO E DISCURSO
PRIMAZIA
DAS
PRÁTICAS
Análise das características do agir coletivo,
âmbito de construção do conjunto dos fatos
sociais e das estruturas e conteúdos do
pensamento consciente das pessoas.
Os conhecimentos são produto da vida, não o contrário.
Quadro nocional geral:
➡ AGIR: qualquer comportamento ativo de um organismo.
➡ ATIVIDADE: coletiva, organiza as interações dos indivíduos
com o meio ambiente.
➡ AÇÃO: individual, resultado das avaliações que dizem
respeito à atividade coletiva.
13. Se muitas espécies demonstram um agir socializado, um agir
comunicativo, a espécie humana é a única que apresenta um agir
comunicativo verbal.
Esse agir comunicativo verbal mobiliza signos organizados em
textos, que lhe permitem construir um espaço gnoseológico,
isto é, mundos de conhecimentos, autônomos em relação à
circunstância individual da vida, que se acumulam na história dos
grupos.
Na espécie humana, o agir geral distingue-se do agir verbal, que
Bronckart chama de agir de linguagem.
Existem, portanto, as atividades de linguagem e as ações
de linguagem. Estas, por sua vez, podem ser distinguidas das
atividades e ações gerais, mas estão sempre imbricadas nelas, já
que os seres humanos as praticam concomitantemente.
14. Os domínios da atividade e da ação são, respectivamente, da
ordem do sociológico e do psicológico, de modo que podem
ser estudados com conceitos oriundos dessas duas disciplinas,
sem que se prevejam propriedades linguísticas de sua realização
efetiva.
Mas essa realização do agir de linguagem se dá sob a forma de
textos, que mobilizam recursos de uma língua natural e levam
em conta modelos de organização textual disponíveis no âmbito
dessa mesma língua.
Os textos são correspondentes empíricos de atividades de
linguagem e o texto de uma ação de linguagem. O texto é uma
unidade comunicativa.
Bronckart distingue três níveis de análise: 1) o agir geral; 2) o
agir de linguagem; 3) os próprios textos, com suas
inúmeras “espécies”.
Gêneros de textos (ilimitados), tipos de discurso
(limitados).
15. TEXTUALIDADE E
GENERICIDADE
O procedimento de análise de textos deve ser descendente,
indo das atividades sociais às atividades de linguagem e destas
aos textos e a seus componentes linguísticos.
Os textos são produtos da operacionalização de mecanismos
estruturantes diversos, heterogêneos e, por vezes, facultativos.
Os gêneros de textos são produtos de configurações de
escolhas entre esses possíveis, que se encontram
momentaneamente estabilizados pelo uso.
Os gêneros mudam com o tempo, com a história das formações
sociais de linguagem, não podemos estabelecer relação direta
entre espécies de agir de linguagem e gêneros de textos.
Arquitextualidade.
16. AS CONDIÇÕES DE
PRODUÇÃO DOS TEXTOS
Os gêneros, como configurações possíveis dos mecanismos
estruturantes da textualidade, portadores de indexações
sociais, constituem quadros obrigatórios de qualquer produção
verbal.
A análise das condições de produção dos textos deve
considerar: a) as representações referentes ao quadro material
ou físico da ação (emissor, co-emissores, espaço/tempo da
produção); b) as representações referentes ao quadro
sociossubjetivo da ação verbal (tipo de interação social em
jogo, estatuto do enunciador, dos destinatários); c) outras
representações referentes à situação e conhecimentos
referentes à temática (macroestruturas semânticas elaboradas
sobre um domínio de referência e disponíveis na memória).
17. O agente dispõe de um conhecimento pessoal do
arquitexto de sua comunidade verbal e dos modelos de
gêneros nele disponíveis.
Assim, o agente deverá desenvolver um duplo
processo de escolher o modelo de gênero que
lhe parece mais pertinente à situação de ação,
adaptando também esse modelo escolhido à
situação, resultando num novo texto empírico, que
apresenta traços do gênero escolhido e do processo de
adaptação à situação de ação.
É deste modo que os gêneros vão também sempre
mudando.
18. UM ESQUEMA DA
ARQUITETURA TEXTUAL
INFRA-ESTRUTURA
Tipos de discursos
Eventuais sequências
COERÊNCIA
TEMÁTICA
(Processos isotópicos)
Conexão
Coesão nominal
Coesão verbal
COERÊNCIA
PRAGMÁTICA
(Engajamento enunciativo)
Gestão das vozes
Modalizações
19. OS TIPOS DE DISCURSO
Os gêneros de textos são unidades comunicativas globais,
articuladas a um agir de linguagem, ao passo que os tipos de
discurso são unidades linguísticas infra-ordenadas,“segmentos”
que não se constituem textos por si mesmos, mas que entram
na composição dos textos em modalidades variáveis.
Ordem do NARRAR e ordem do EXPOR, conjuntas ou
disjuntas da situação de ação de linguagem.
NARRAR implicado, NARRAR autônomo, EXPOR implicado,
EXPOR autônomo.
Relato interativo, narração, discurso interativo, discurso teórico.
20. GÊNEROS DE TEXTO E TIPOS DE DISCURSO
COMO FORMATOS DE INTERAÇÕES
PROPICIADORAS DE DESENVOLVIMENTO
A prática dos gêneros de textos e dos tipos de discurso é a
principal ocasião de desenvolvimento de mediações formativas
(uma das teses centrais do ISD).
Tratando-se de gêneros de textos, no momento de qualquer
nova produção, o agente deve realizar um duplo processo de
adoção e adaptação.
Quando o agente (re)produz um tipo de discurso, ele deve
proceder ao planejamento interno dos segmentos envolvidos,
ativando os raciocínios, que são indissoluvelmente mentais
e linguageiros: raciocínios práticos (interações dialogais),
causais/cronológicos (relatos, narrações), lógicos e/ou
semilógicos (discursos teóricos).
21. Essa mediação por meio dos tipos é fundamental para o
desenvolvimento, na medida em que é por meio dela que se
transmitem as grandes formas de operatividade do
pensamento humano.
A prática dos tipos exerce um efeito retroativo sobre eles
mesmos, enquanto construtos sociais necessariamente
evolutivos.
Equilíbrio - organização “viva”: entropia geral de um sistema.
Meios pelos quais os seres humanos reorganizam e reexplicitam
as condições enunciativas sob as quais negociam a “verdade”
dos conhecimentos.
Os mecanismos de textualização e de responsabilização
enunciativa parecem evidentes e importantes para o
desenvolvimento da identidade das pessoas, incidindo sobre as
construções psicológicas evidentemente complexas que são as
representações do tempo e de sua organização.