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VALTER CASSETI
AMBIENTE E APROPRIAÇÃO
DO RELEVO
SUMÁRIO
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1. Relações Homem-Natureza e suas Implicações . . . . . . . . . 10
Conceito de Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
O Trabalho como Mediador das Relações Homem-Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Relações de Produção e Relações Homem-Natureza ..... 17
Relação Homem-Natureza no Sistema de Produção Capitalista . . . . . . . . . . . . . 21
Apropriação Privada da Natureza como Relação de Negatividade . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2. O Significado do Relevo no Estudo Ambiental ......... 28
Geossistema como Ponto de Partida 29
O Relevo na Análise Geográfico-Ambiental 34
Conceito de Geomorfologia . . . . . . .. . . . . .. . . . . . ... 35
Síntese Evolutiva das Posturas Geomorfológicas ....... 38
Geomorfologia Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3. Dinâmica Processual do Relevo: A Vertente comoCategoria 54
Conceito de Vertente em Geomorfologia ... .. ... . ... . 55
Relações Processuais das Vertentes (As RelaçõesExternas) . . . . . . . 63
Fatores que Comandam o Balanço Morfogenético daVertente 67
Relação Vertente-Sistema Hidrográfico ............. 72
Da Cobertura Vegetal na Estabilidade da Vertente. ..... 74
Processos Denudacionaís Decorrentes da Apropriação e Transformação da Vertente 79
Ocupação da Categoria Vertente ................ .. 86
4. Derivações Geomórfïco-Ambientais e suas Implicações .. 92
Impactos Geomórfïco-Ambientais em Áreas Rurais ..... 97
Alterações Hidrodinâmicas das Vertentes em Áreas Urbanizadas e suas Implicações 113
Conclusões . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . .. . . . . .. . . . . .. . 132
Bibliografia .. .. . .. ... . ... .. ... .. ... .. .. ... .. .. 137
O Autor no Contexto . . .. . . . . . . . .. . . . . .. . . . . .. . . .. 147
INTRODUÇÃO
O presente trabalho procura chamar atenção para o significado do relevo, sobretudo como suporte
das derivações ambientais observadas durante o processo de apropriação e transformação realizado pelohomem.
Para entender tal consideração, necessário se faz partir do princípio de que o relevo se constitui
em produto do antagonismo das forças endógenas (forças tectogenéticas) e exógenas (mecanismos
morfodinâmicos), registrado ao longo do tempo geológico, e responsável pelo equilíbrio ecológico. É,
portanto, através do jogo dos referidos componentes que se estruturam o solo e sua cobertura vegetal, os quais,
associados às riquezas minerais, constituem a maior parte dos recursos responsáveis pela materialização da
produção. É evidente que o recurso por si só não poderia ser materializado ou transformado em produção se o
homem não estivesse presente na paisagem geográfica, assim como não seria possível conceber o próprio
conceito de espaço.
Após apresentar uma rápida evolução do conceito de natureza (a natureza externa e a unicidade
natureza-sociedade), procura-se demonstrar sua relação dialética com o homem (forças produtivas),
evidenciando que essa relação encontra-se vinculada às relações entre os próprios homens (relações de
produção). Portanto, ao considerar o espaço produzido social como resultado das relações entre o homem e a
natureza, procura-se justificar as possíveis implicações ambientais (relação de negatividade) pelas próprias
relacoes sociais de produção (Tópico 1). Dá-se ênfase ao modo de produção capitalista (apropriação privada da
natureza)como formadedilapidaçãodacapacidadeprodutivadaterra.
Num segundo momento, procura-se evidenciar o relevo como componente do estrato geográfico que
reflete o jogo das interações naturais e sociais. Demonstra-se a importância da ciência geográfica nos estudos
ecológicos, uma vez que se dispõe dos métodos necessários e informações cientificas sobre o meio natural e seus re-
cursos, bem como o seu aproveitamento econômico pelo homem (relações com as leis específicas da natureza como
formadeservir-sedelaedeseusobjetivos).
A geomorfologia, por sua vez, como integrante da análise geográfica e responsável pela
compreensão do comportamento do relevo, fundamentando-se na noção de "fisiologia da paisagem", procura
evidenciar, de uma forma dinâmica, as derivações ambientais resultantes do processo de apropriação e
transformação do relevo ou de suas interfaces (como a cobertura vegetal) pelo homem (Tópico2).Esse fatooferece
umsignificadosocialàgeomorfologia,com consequenteinteresseparaaciênciageográfica.
No terceiro tópico, utilizando-se o conceito de vertente (a vertente como categoria central da
estrutura do pensamento) e das relações processuais (processos morfogenéticos e pedogenéticos), procura-se
oferecer algumas noções elementares necessárias à compreensão da dinâmica do relevo. Procura-se mostrar ainda
que, através da apropriação e transformação da natureza pelo homem, inicialmente através da exploração biológica,
tem-se a ruptura do equilíbrio climáxico (relação entre o potencial ecológico e exploração biológica), originando
implicações resistásicas.
Após considerações a respeito dos fenómenos externos, procura-se demonstrar o significado das
relações internas, que individualizam a essência da categoria vertente, que juntos (fenómenos e relações) representam
oconteúdodapaisagem.
Finalizando (Tópico 4), são apresentados alguns exemplos de estudos de caso, em que o processo de
ocupação das vertentes e demais compartimentos tem produzido impactos ambientais, momento que se aproveita para
se considerarem as implicações políticas e económicas nos efeitos de degradação registrados (concepção
malthusiana dos "azares" da natureza). Ao mesmo tempo em que se propõem algumas alternativas, preventivas e
corretívas, fundamentadas em uma técnica natural, chama-se a atenção para a necessidade da organização da
sociedade, sobretudo da classe trabalhadora que sofre os efeitos diretos das contradições próprias do sistema de
produção capitalista, em defesa dos valores ambientais, obrigando assim, conforme Contí (1986), "o capitalismo a
fazer algoquenãopoderealizarsemsecontradizerostensivamente".
Os fundamentos metodológicos da análise geomorfológica foram desenvolvidos com base nos níveis
sistematizados por Ab'Sa-ber (1969); procura-se demonstrar o significado do compartimento topomorfológicoede sua
estrutura superficial (ou formação superficial) na forma ou maneira de ocupação, considerando-se sobretudo os efeitos
processuais determinantes. Tal análise tem por objeti-vo alertar para a necessidade de preservação de certos
compartimentos, independentemente da "espontaneidade" que caracteriza os anseios do sistema de produção
capitalista; ou independentemente de tratamentos técnicos sofisticados e caros, que muitas vezes têm por objetivo
exclusivo fortalecer os interesses do próprio capital em detrimento das necessidades reais da sociedade. Pretende-se,
ainda, aleitar para a necessidade de uma preocupação constante com o processo de ocupação de compartimentos
considerados"favoráveis", observando-se sempre a importância das relações processuais.
RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA E SUAS IMPLICAÇÕES
Antes de se iniciar uma análise específica são indispensáveis algumas considerações. É preciso refletir
sobre o conceito de "natureza", fundamental ao direcionamento da ciência, que incorpora a teoria integral do
espaço.
CONCEITO DE NATUREZA
Esse conceito tem sido utilizado largamente tanto pela ciência natural como pela social. Contudo, pouca
discussão metodológicatemacontecidonosúltimosanos.
Tal descuido tem sido considerado consistente com a prática contemporânea da ciência e com a sua
auto-imagem. Para Smith & O'Keefe (1980), a "ciência natural" é uma relíquia histórica, que aparece nos séculos
XVI e XVÜ, com a necessidade de apropriação da natureza pela indústria, refletindo essa necessidade
concretamente por continuar posicionando a natureza como totalmente externa à atividade humana. "No preciso
momento em que a natureza estava sendo teorizada como externa, contudo, o último vestígio dessa extemalidade
estavasendopraticamentedestruído."
A tradição positivista pressupõe que a natureza existe nela e por ela mesma, externa às atividades
humanas. Assim,além deextema, o paradigma positivista revela uma concepção dualística da natureza.
Conforme os autores considerados, a concepção positivista de natureza é dada
dualisticamente, contraditoriamente, por um dos três principais caminhos:
a) A "natureza" é estudada exclusivamente pela ciência natural, enquanto a ciência social
preocupa-se exclusivamente com a sociedade, a qual não tem nada a ver com a natureza;
b) A "natureza" da ciência natural é supostamente independente das atividades humanas,
enquanto a "natureza" da ciência social é vista como criada socialmente. Portanto, permanece uma
contradição da natureza real, que incorpora a separação entre o humano e o não-humano;
c) A terceira contradição dispersa a natureza humana dentro da natureza externa. O
comportamento humano é regido pelo conjunto de leis que regulam os mais primitivos artrópodes. Essa
visão determinista é defendida pelo darwinismo social e grande parte do behaviorismo. Na prática,
observa-se que a natureza humana demonstra o seu domínio sobre as "leis da natureza" no processo de
apropriação.
Marx, que elaborou uma teoria não-sistemática da natureza, oferece uma alternativa
unificada e não-contraditória de natureza. Essa teoria, elaborada como crítica à economia política
clássica, é comumente chamada de materialismo histórico, por ter a história como unidade com a
natureza. É através da transformação da primeira natureza em segunda natureza que o homem produz os
recursos indispensáveis a sua existência, momento em que se naturaliza (a naturalização da sociedade)
incorporando em seu dia-a-dia os recursos da natureza, ao mesmo tempo em que socializa a natureza
(modificação das condições originais ou primitivas).
Considera, portanto, a natureza em dois momentos, cuja transição acontece ao longo da
história, através do processo de apropriação e transformação realizado pelo homem. "A história pode
ser considerada de dois lados, dividida em História da Natureza e História dos Homens. No
entanto, esses dois aspectos não se podem separar " (Marx, 1970).
Para Marx, a natureza separada da sociedade não possui significado. A natureza sempre é
relacionada material e idealmente com a atividade social. A "primeira natureza" é entendida como
aquela que precede a história humana. Portanto, onde as propriedades geoecológicas encontram-se
caracterizadas por um equilíbrio climáxico, entre o potencial ecológico e a exploração biológica. Ë
todas as alterações acontecidas resultam dos próprios efeitos naturais - alterações climáticas, atividades
tectônicas... - onde as próprias "leis da natureza" respondem pelo reequilíbrio de fases resistásicas. Essa
natureza deve ser entendida ao longo do tempo geológico, desde o pré-cambriano até o "alvorecer" da
existência humana. Portanto, toda transformação e modificação acontecida encontra-se inserida numa
escala de tempo geológico, normalmente imperceptível numa escala de tempo humana.
Com o aparecimento do homem, em algum momento do pleistoceno, a evolução das forças
produtivas vai respondendo pelo avanço na forma de apropriação e transformação da "primeira na-
tureza", criando a "segunda natureza". Assim, conclui-se que a história do homem é uma continuidade
da história da natureza; não / existindo, portanto, uma concepção dualística de natureza, onde a i
segunda natureza é vista como primeira.
As leis que regulam o desenvolvimento da segunda natureza, não são, ao todo, as que os
físicos encontram na primeira natureza. Elas não são leis invariáveis e universais, conforme observam
Smith & O'Keefe (1980), uma vez que as sociedades estão em curso, constantemente se transformando
e se desenvolvendo.) Daí se conclui que a forma de apropriação e transformação da natureza é
determinada pelas leis transitórias da sociedade.
Em síntese, a dialética de Marx é uma maneira de pensar completamente diferente da lógica
formal da ciência positivista. Descreve a produção como um processo pelo qual a natureza é alterada.
... É uma eterna necessidade material imposta, sem a qual não podem existir trocas
materiais entre os homens e a natureza e, portanto, a vida (Marx, 1967, p. 43).
Trata-se, portanto, de um processo de produção da natureza, onde a natureza e o homem se
integram e interagem. Esse processo de apropriação e transformação da natureza pelo homem, coloca
em movimento braços e pernas, cabeças e mãos, em ordem para apropriar a produção da natureza numa
forma adaptada às suas próprias necessidades. "Por assim agir no mundo externo e mudando-o, ele ao
mesmo tempo muda sua própria natureza" (Marx, 1967).
A natureza, conforme expressou Engels (1979, p. 33), é:
“a pedra de toque da dialética, e devemos assinalar que as modernas ciências naturais
nos brindam, como prova disso, com um acervo de dados extraordinariamente copioso e
enriquecido a cada dia. Na natureza tudo acontece de modo dialético e não metafisicamente (não
se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira
história). Aqui há que lembrar, em primeiro lugar, Darwin, que ao demonstrar que toda a
natureza orgânica existente — plantas e animais, e entre eles, também o homem - é produto de
um processo de evolução de milhões de anos, golpeou rudemente a concepção metafísica da
natureza.
A vida aparece e se desenvolve no meio natural, portanto a história da humanidade é a continuação da
históriadanatureza.Essa interação dialética justifica o aspecto existencial e leva a pensar o homem como ser natural,
devendo-se, contudo, entendê-lo, primeiramente, como um ser social. "... Enquanto existirem homens, a história da
natureza e a história dos homens se condicionarão reciprocamente" (Marx & Engels, 1970); ou ainda, conforme
Moreira (1982, p. 36), "a razão reside na naturalidade da história e na historicidade da natureza, fundindo-se em um
plano história dos homens ehistóriadanatureza".
Conforme se observou, JJjel§5ã^Jijpjnen>natureza_é um processo de produção de mercadorias ou de
produção da natureza. Portanto, o homem não é apenas um habitante da natureza; ele se
apropriaetransformaas riquezas danaturezaemmeiosdecivilizacãohistóricaparaasociedade.
Marx, em Gríidrisse, admite que a riqueza não é outra coisa senão o pleno desenvolvimento do
controle do homem sobre as forças da natureza. Incorporar a natureza produtiva não significa, do ponto de vista
materialista, eliminar a dependência do homem com relação à natureza, pelo contrário, é administrar tal dependência
comcertascondições(Prestipino,1977).
Conforme Biolat (1977, p. 13), "a sociedade está numa relação direta com a natureza por todo um
processo de produção de bens materiais e de desenvolvimento cultural dos homens, destinado a satisfazer as suas
necessidades". Para Lenin (apud Biolat, 1977), "o domínio da natureza realizado na prática humana, resulta deuma
representaçãoobjetivamentefieldosfenómenosedosprocessos naturais".
O TRABALHO COMO MEDIADOR DAS RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA
O que assegura a unidade dialeticamente contraditória, a inte-ração de sociedade e natureza, do homem e
seu habitat, premissas e condições da atividade vital do homem? O marxismo tem dado uma resposta clara e
definitiva: éaproduçãomaterial.
O trabalho é, num primeiro momento, um processo entre a natureza e o homem,
processo em que este realiza, regula e controla por meio da ação, um intercâmbio de materiais
com a natureza (Marx, 1967, p. 188).
Desse intercâmbio de materiais se logra a unidade do homem com a natureza; esta se transforma e se
adapta as necessidades daquele; cria-se uma "segunda natureza", um habitat artificial do homem, determinado
pelaspeculiaridadesdaculturaedaorganização social. Por outra parte, a produção material, a atividade do homem
influi poderosamente na biosfera e, em geral, no próprio habitat do homem, não só de maneira positiva, como também
negativa. A chave da solução científica está na análise dos fatores sociais, nosfatosespecíficosdaproduçãodeterminada
poressesfatores.
A natureza é, pois, para o homem, um depósito inesgotável deobjetosdetrabalho.
Os homens buscam e encontram nela a matéria e a energia necessárias para produzir
artigos de uso e consumo e meios de trabalho. Quanto maiores são as riquezas naturais incorpo-
radas à produção dos meios de vida, tanto mais poder tem o homem sobre a natureza (Glezerman
& Kursanov, 1978, p. 52-3).
A atividade do homem entra em relação produtiva e cognos-citiva com a natureza através do trabalho,
o que o difere dos demais animais;eletransformaanaturezaemobjetodaprópriaconsciênciateórica.
O homem separa-se precisamente, dos outros animais, a partir do momento em que
começa a produzir e reproduzir suas condições de vida, quando desenvolve as potencialidades
não só de seu próprio organismo, como também dos instrumentos criados para ampliar o poderio
de suas mãos e de seus braços. Esse domínio gradativo sobre os meios de trabalho vai libertando o
homem das limitações que até então lhe impunha a natureza exterior, com a qual se sentia
organicamente identificado; ao mesmo tempo este vai elaborando um novo modo de
relacionamento com ela, ao se apropriar de suas características menos aparentes para submetê-la
à sua vontade, uma vontade que vai apurando em fins objetivos e necessidades sempre mais
definidos (Santos, 1984, p. 22).
Essa relação de apropriação e transformação fundamentada no materialismo histórico se constituiu por
longo tempo em determinismogeográfico,comofalsidadeideológicaimpostapelosistemadedominação.
Quanto mais a sociedade se desenvolve, mais ela transforma o meio geográfico pelo trabalho produtivo
social, acumulando nele novas propriedades. Em síntese, "a sociedade depende tanto mais da natureza ambiente
(sic) quanto ela é mais fraca e quanto mais mergulhanopassado"(Podossetnik&Spirkine,1966,p.16).
A sociedade é, portanto, um organismo social complexo, cuja organização interna representa um
conjunto de ligações e relações fundamentadas no trabalho. Esse trabalho encontra-se diretamente vinculado aos
recursos oferecidos pela natureza. Portanto, a natureza resultante da pura combinação dos fatores físicos, químicos e
biológicos, ao sofrer apropriação e transformação por parte do homem, através do trabalho, converte-se em natureza
socializada ou "segunda natureza", caracterizando as relações que incorporam as forças produtivas nos diferentes
modosdeprodução.
Assim, o trabalho é visto como mediador universal na relação do homem com a natureza, o que leva a
admitir que a chamada relação homem-natureza é relação de trabalho. A separação entre o homem e as condições
naturais de sua existência, observada i anteriormente,nãoéparaMarx"natural",mashistórica.
A natureza está no homem e o homem está na natureza, porque o homem é produto
da história natural e a natureza é condição concreta, então, da existencialidade humana. Mas
como é o trabalho que está verdadeiramente tecendo a dialética da história, é ele que faz o homem
entrar na natureza e a natureza estar no homem (Moreira, 1981, p. 81).
Ainda, com relação ao trabalho, dizem os economistas que é afontedetodariqueza.
E o é, com efeito, a par da natureza, que se encarrega de proporcionar-lhe a matéria
destinada a ser convertida em riqueza pelo trabalho. Mas é infinitamente mais que isso. O
trabalho é a primeira condição fundamental de toda vida humana, a tal ponto que, em certo
sentido, deveríamos afirmar que o próprio homem foi criado por obra do trabalho. (...) Assim,
pois, a mão não é somente o órgão do trabalho, mas é, também, o produto deste (Engels, 1979, p.
142-3).
Apráticadohomemestádiretamenteligadaasuahistória.
RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA
O modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os homens
se relacionam entre si. "Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações; através
desses vínculos e relações sociais, e só através deles, é que se relacionam com a natureza" (Marx, 1967,
p. 441).
Em síntese, pode-se concluir que os fenómenos resultantes da relação homem-natureza
encontram-se determinados pelas relações entre os próprios homens, em um determinado sistema
social, conforme esquema:
P o r t a n t o , a transformação da natureza pelo emprego da técnica, com finalidade de
produção, é um fenómeno social, representado pelo trabalho. Daí se infere que as relações de produção
entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econômico-social e, por
conseguinte, as relações entre a sociedade l e a natureza.
Para melhor compreensão de tais fenómenos, necessário se faz observar as relações
evidenciadas nos diferentes modos de produção. Inicialmente, deve-se considerar a base ou infra-estrutura do
modo de produção, comandada pelas relações de produção. Conforme se observou, as relações de produção
referem-se às relações entre os próprios homens, responsáveis pelas relações de trabalho, forma de propriedade e
relações dedistribuição e trocanos diferentessistemas.
As forças produtivas, por sua vez, que tratam das relações do homem com a natureza, correspondem a
determinadas relações de produção, evidenciadas nas diferentes fases da história da humanidade. Os elementos internos
das forças produtivas são justificados por duas grandes categorias analíticas: a força de trabalho e os meios de
produção, onde se inserem o objeto de trabalho (a própria terra) e os instrumentos detrabalho, quese encontram numa
dependênciadiretadograudedesenvolvimentocientffico-tecnológico(fig.1).
Portanto, é nas forças produtivas da base do sistema que se evidenciam as relações entre o homem e a
natureza que, através do trabalho, respondem pela produção material do espaço. Tais forças produtivas, conforme se
considerou, vinculam-se às relações de produção, determinantes das relações de trabalho e da forma de
propriedadenosdiferentesmeiosdeprodução.
Asrelaçõesdeprodução(relaçõeshomem-homem),aomesmotempoemqueimplicamasrelaçõesentreo
homem e a natureza (forças produtivas), respondem pelo comportamento da superestrutura (concepções político-
jurídicas, filosóficas, religiosas, éticas, artísticas e suas instituições correspondentes, representadas pelo próprio
Estado).
Deve-se observar, contudo, que as forças produtivas são os elementos mais dinâmicos e
revolucionários da produção e que também a superestrutura não é algo passivo. Enfim, as forças produtivas, em sua
unidade dialética com as relações de produção, constituem a base material do modo de produção que caracteriza
cada época histórica. Ou ainda, enquanto as forças produtivas respondem pelo conteúdo do processo produtivo, as
relações de produção caracterizam a forma económica e social do referido processo (fig. 1). "Só no quadro dessas
relações económicas (relações de produção), nem sempre tangíveis e visíveis, existe a relação dos homens com a
natureza e tem lugar a produção social" (Ilíne & Motiliov,1986).
Ainda, partindo do princípio de que enquanto o conteúdo da base material (forças produtivas) não se
constitui em fator de mudança radical da sociedade, o que é justificado pelo estágio em que se encontra, entende-se
que a forma (relação de produção) assume papel de domínio no sistema de relações sociais, o que é corroborado pela
superestrutura ideológica. Assim, admite-se que o meio naturaléosubstratoemqueasatividadeshumanasrespondem
pelaorganização do espaço, conforme os padrões económicos e culturais. Portanto, quanto maior o avanço científico-
tecnológico de um povo, menores serão as imposições do meio natural e maiores as transformações acontecidas, o
que implica o próprio comportamentoambiental.
A história do homem tem demonstrado a procura permanente de sua harmonia com a natureza, o que
não exime a degradação ambiental de ser considerada também histórica: inicia com a agricultura predatória na
África (6.000 a.C.), continua com a quebra do equilíbrio natural decorrente da substituição da população nómade
pela sedentária, como nas estepes da Ucrânia e América e intensifica-se com a implantação do sistema capitalista.
Em 1844, Engels, referindo-se à classe operária, mostrava quanto a atmosfera de Londres ou Manchester era mais
pobre de oxigénio e mais rica emgáscarbónicodoqueaatmosferadocampo(Biolat,1977).
Essas transformações são relativamente rápidas se comparadas com o estágio evolutivo da natureza.
Basta imaginar que os homens,lavrandoaterratodososanos,
reviram uma massa três vezes maior que todos os produtos vulcânicos jorrados
durante o mesmo tempo das entranhas do solo. Durante os últimos cinco séculos, a humanidade
extraiu do subsolo pelo menos cinquenta bilhões de toneladas de carvão e dois bilhões de toneladas
de ferro. Durante o último século, as fábricas adicionaram à atmosfera, cerca de 360 bilhões de
toneladas de gás carbónico, o que aumentou o seu teor em cerca de 13%. Calcula-se que a
quantidade de gás carbónico atualmente adicionada à atmosfera chegue a aumentar a
temperatura média de um grau a um grau e meio (Podossetnik & Spirkine, 1966, p. 16).
A forma de apropriação e transformação da natureza responde pela existência dos problemas ambientais,
cuja origem encontra-se determinada pelas próprias relações sociais. Ou conforme Biolat (1977), "o homem, ao
atuar para modificar a natureza, provoca, por sua vez, efeitos sobre o seu pensamento, o que acarreta a necessidade
de novas relações entre os homens, para melhor dominar a natureza". Em síntese, conclui-se que uma nova estrutura
sócio-econômica implantada em uma região implica uma nova organização do espaço, que por sua vez
modifica as condições ambientais anteriores. Ou ainda conforme Tompes da Silva (1988), a ausência de um
equilíbrioouharmonianarelaçãohomem-naturezadecorreemprimeirolugar
de uma relação de negatividade onde a sociedade encontra-se em contradição com a
natureza, e por ser assim a recria e a modifica constantemente; em segundo lugar, essa relação,
em oposição ao que imaginava Feuerbach, apresenta-se em constante movimento e transformação.
Ela muda na medida em que se altera o modo de produção, em que se muda a indústria, a divisão
de trabalho, o intercâmbio, etc.
RELAÇÃOHOMEM-NATUREZANO SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA
A utilização espontânea da natureza, onde está implícita a dilapidação de suas riquezas, esboçou-se
nas primeiras etapas da história da sociedade e se acentuou na época feudal, porém, alcançou um grau máximo no
curso da sociedade capitalista. ^'O capitalismo cria a grande produção e a competição, que levam aparelhada a
dilapidação da capacidade produtivada terra" (Marx, 1967). Ou ainda,conformeFrolov(1983,p.19),
no capitalismo, a produção material se inspira na obtenção de benefícios; é um
processo de desenvolvimento das forças produtivas imanentes que não se conjuga com as
necessidades e demandas do indivíduo real, nem com as possibilidades e os limites da natureza
exterior.
Conforme Duarte (1986, p. 47), no capitalismo, "quanto mais o trabalhador se apropria da natureza,
mais ela deixa de lhe servir comomeioparaoseutrabalhoemeioparasipróprio".
A título de exemplo, no sistema de produção capitalista, as relações de trabalho respondem pela
exploração da força de trabalho (trabalho assalariado, cujo pagamento não corresponde ao produzido, gerando "mais-
valia"), e a forma de propriedade dos meios de produção é privada. Apenas a força de trabalho não se caracteriza
como propriedade do capital, o que processa verdadeiras maquinações das relações de produção, como a criação do
exército de reserva, que implica a relação.oferta-procura, e consequente controle salarial do trabalhador. Trata-se
portanto, de uma relação de classe,tendodeum ladooproprietáriodo dinheiroou da mercadoria, e de outro, homens
que não possuem nada senão sua própria forçadetrabalho.
No capitalismo dependente e excludente como o brasileiro, tais considerações se agravam. Se por um
lado o Estado é permeável às determinações do capital estrangeiro, o que pode ser justificado pelo grau de
dependência gerado pela dívida externa, por outro, encontra-se subordinado aos interesses do capital interno, como o
dos grandes latifúndios ou grandes grupos económicos. A imposição ao direito da propriedade é tal que acaba
obstando a possibilidade de uma reforma agrária, apesar de esta se constituir em alternativa para a própria evolução
capitalista. A ação governamental encontra-se fundamentada na legislação vigente, que tem por função, proteger o
capital. Portanto,oEstadoexerce aviolênciaquelegitimaosprivilégiosdeclasse.
A filosofia idealista, por sua vez, impede uma visão da estrutura aqui apresentada, procurando
justificar os efeitos através de causas indiretas, o que automaticamente é repassado ao desenvolvimento científico.
Como exemplo, as ciências humanas sempre foram relegadas a um segundo plano (ao contrário das ciências ditas
"nobres"), por terem tido uma função inútil, quando na realidade possuem uma importância fundamenta] no
desenvolvimento da consciência social. A geografia desde sua sistematização como ciência sempre serviu ao
poder, o que levou Lacoste (1976) a assinalar a dupla função histórica que sempre a caracterizou: a geografia do
poder, aquela utilizada pelas forças armadas, com objetivo estratégico-político; e a geografia dos professores, que foi
introduzida na vida académica por Vida! de La Blache, no século XIX, na França. O próprio sentido da geografia
possibilista lablachiana demonstra sua função servil, ao combater a geografia determinista alemã (Ratzel),
utilizando-se da neutralidade científica. Portanto, a neutralidadecientífica,queéumapostura filosóficacom finalidade
de mascarar a realidade objetiva, foi e continua sendo difundida com base nos pressupostos positivistas. As
pesquisas, por sua vez, nessa visão de neutralidade, ou são inúteis ou possuem a finalidade de contribuir para a
geografia do poder, relegando o sentido social da ciência, deixando de contribuir para o desenvolvimento de uma
consciênciacritica.
Como se observa através da própria evolução do pensamento cientifico, a geografia tem sido resistente
ao conceito contraditório de "natureza", sobretudo a partir do momento em que se interessa pelas relações entre o
homemeanatureza.
Assim sendo, o caráter dual imposto pelo modo de produção capitalista tem se constituído em recurso
ideológico para falsear a relação dialética entre o homem e a natureza e, por conseguinte, impediraparticipaçãoda
força de trabalho no processo produtivo. Como a sistematização tanto da geografia como da própria geomor-fologia, a
ser considerada oportunamente, acontece com o processo de expansão capitalista (fins do século XVIII), toma-se
evidente a vinculação da estrutura filosófico-ideológica voltada aos interesses do capital. Isso tem sido repassado
por diferentes gerações, respondendo pelo processo de alienação em detrimento da formação crítica da consciência
social.
A mesma estratégia ideológica pode ser sentida com relação ao processo de importação de cultura,
podendo esteserexemplificado através do prestígio da música estrangeira e a carência de recursosparaaproduçãoda
culturanacional.
Por outro lado, a mídia tem sido importante instrumento do sistema, contribuindo para a deformação
da personalidade. A ideologia capitalista, sob enfoque positivista, convence as "massas" de que o aumento
dos conhecimentos técnicos e o desenvolvimento industrial se constituem, automaticamente, em bem-
estar social, deixando de observar "de quem".
A ideologia do Estado e o poder dos meios de comunicação visam a uniformização
cultural, a eliminação das resistências e diferenças, a unificação do mercado de consumo e a inte-
gração da paisagem nacional modificada pelo progresso (Mine, 1987).
Os próprios movimentos ecológicos, na maior parte das vezes despreparados politicamente,
não comprometem o sistema de produção responsável, admitindo que as questões ambientais se origi-
nam exclusivamente das relações entre o homem e a natureza. É como depositar na pessoa do
trabalhador a responsabilidade pelas formas de exploração inadequada das forças produtivas, ou
encarar o problema sob o aspecto estritamente técnico.
Se o modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os
homens se relacionam entre si, não se pode trabalhar seriamente no movimento ecológico sem
precisar muito bem o significado das relações sociais em que vivemos, para a compreensão de
nossas relações com a natureza (Porto Gonçalves, 1984).
Na realidade, capital e trabalho são antagónicos, uma vez que o capital é gerado pela
exploração do trabalho ao entrar em contradição com a natureza. "Como o processo de trabalho é uma
relação homem-meio, apontada para o lucro pela via de produção de mercadorias de baixo custo, a
relação é de predação" (Moreira, 1981).
APROPRIAÇÃOPRIVADADANATUREZACOMORELAÇÃODENEGATIVIDADE
A visão de natureza externa à sociedade, o objeto totalmente alheio ao sujeito, constitui-se em
argumento puramente ideológico, rigorosamente não dialético. Trata-se do ocultamente da própria relação
entre o homem e a natureza.
Ao mesmo tempo em que externaliza a natureza, o homem apropria-se dela, produzindo uma
relação contraditória: a natureza é considerada externa, mas feita como interna. Ou ainda, conforme
Burgess (1978), a natureza não permanece muito tempo externa, tornando-se cada vez mais difícil de se
conceber sua ex-temalidade: "a produção dos solos deficientes e a degradação geral de muitas terras
agrícolas; a produção de paisagens culturalmente deficientes; a poluição e a erradicação da
disponibilidade de recursos...".
Conforme se constatou anteriormente, as relações de produção entre os homens respondem
pelas relações da sociedade com a natureza, e conseqüentemente, pela organização do espaço produtivo
social.
Partindo do princípio de que "a principal relação homem-ho-mem é justamente a relação de
propriedade das forças produtivas" (Moreira, 1987), conclui-se que é a relação homem-homem que dá a
direção geral à relação homem-meio. Como a relação homem-meio contém em si duplo aspecto, ou
seja, é relação ecológica e é relação histórico-social, tem-se que a questão ambiental encontra-se
fundamentada na relação de propriedade das forças produtivas, determinada pelas relações homem-
homem.
Portanto, a forma como os homens se relacionam com a natureza depende fundamentalmente da
relação de propriedade das forças produtivas. Rousseau, em 1755, já observava que a corrupção das
sociedades civilizadas começa no momento em que surge a propriedade privada, momento esse que se
refere à conversão do espaço em "mercadoria" (expressão formal do valor de troca).
À medida que o caráter da propriedade privada é desenvolvido (apropriação privada da
natureza), o acúmulo de capital se torna consequência, o que além de responder pelo processo de degrada-
ção ambiental, responde pelo antagonismo de classe.
O agravamento dos problemas ambientais nasce portanto com as relações de propriedade privada
e os antagonismos de classe, responsáveis pela alteração da raiz da estrutura social e, por conseguinte, das
relações'entre o homem e a natureza. Em síntese, os impactos ambientais têm se agravado em função do maior
desenvolvimento anárquico das forças produtivas que estruturam o modo de produção capitalista, enquanto as relações
deproduçãosãorelaçõesdedomínioesubmissão.
É dessa relação que se constata o grau de dilapidação da capacidade produtiva da terra, com crescente
degradação da natureza, determinada por um aproveitamento generalizado e mais intenso dos recursos naturais,
sobretudo através do processo de industrialização, urbanização e agricultura predatória. Como reação a esse
processo surge um amplo movimento social em defesa da natureza, visando um aprimoramento do meio ambiente e
uma exploração maisracionaldosrecursosetambémassegurarsuareprodução.
Surge portanto a "ecologia" (oikos, casa), ciência que estudaomeioondehabitamosseresvivos.
Conforme Guerasimov (1983), o conceito "ecologia" aparece com a concepção evolucionista da natureza
de Darwin, onde se observam as relações entre a biota (plantas e animais) e o habitat. Portanto, a ecologia se
desenvolvenas ciênciasbiológicas.
O marxismo, por sua vez, com sua concepção científica das leis do desenvolvimento da sociedade,
"desvinculou o homem do mundo animal, como fenómeno sociobiológico, e determinou que sua população é em
primeiro lugar uma formaçãosocial". Assim, rompeuolimitedeenfoquepuramentebiológicodaecologia.
A doutrina de Marx e Engels sobre as leis do desenvolvimento da sociedade, baseada
na atividade laborial dos homens e nas relações sociais que se formam entre eles, exclui a
possibilidade de explicar as relações mútuas da sociedade e do meio natural unicamente através
das leis biológicas (Guerasimov, 1983).
Estudos realizados nos últimos anos, para compreender a essência da revolução científico-tecnológica
contemporânea e seus impactos sobre o meio ambiente, têm estendido os limites do conceito de ecologia,
introduzindo na ciência, junto com outros, os termos "ecologia do homem" e "ecologia da sociedade", e atri-
buindo um conteúdo vago às relações entre o homem e a natureza (Guerasimov, 1983). Observa-se portanto, um
processo de "ecolo-gizaçáo"das ciências naturais esociaiscontemporâneas.
Tais investigações, por mais diversos que sejam os objetivos do estudo, procuram analisar os vínculos
existentes entre o meio ambiente,ohomemeasociedade.
O SIGNIFICADO DO RELEVO NO ESTUDO AMBIENTAL
Guerasimov (1983), após demonstrar o processo de ecolo-gizaçâo das ciências
contemporâneas, individualiza a geografia pelo conteúdo de enfoque que apresenta. "A rigor, a geo-
grafia tem estudado sempre o meio ambiente, tomado em seu conjunto como um sistema em que estão
incluídos os componentes naturais e sociais (tecnológicos)." Admite-se, portanto, o significado do
estudo geográfico do entorno, como condição indispensável para toda investigação ecológica.
Demonstra ainda que a geografia contemporânea está preparada mais que outras ciências para os
estudos ecológicos, uma vez que dispõe dos métodos necessários e, o que é mais importante, possui
uma imensa informação científica sobre o grau e as formas de sua potenciação e aproveitamento
económico.
Ao tratar das questões ambientais, a geografia permite a aproximação do homem com a
natureza, rompendo a visão djcotô^ mica e afirmando a unidade dialética. "É necessário que a nossa
categoria supere a visão dicotômica jsjavgçrç^^ pois assim procedendo teremos condições efetivas de
dominar a amplitude interdependente do complexo homem-natureza" (Gomes, 1988).
A geografia, com suas grandes possibilidades potenciais de enfocar em conjunto o estudo
dos fenómenos naturais e sociais, habilita-se a oferecer as orientações científicas principais dos estudos
ecológicos assim definidos:
controle sobre as mudanças do meio ambiente originadas pela atividade do homem
(monitoramento antrópico); prognósticos geográficos científicos das consequências que implicam a
influência de atividade económica sobre o entorno; preservação, debilitamento e eliminação das
calamidades naturais; otimização do meio nos sistemas técnico-naturais que o homem cria
(Guerasimov, 1983).
GEOSSISTEMA COMO PONTO DE PARTIDA
Em síntese, para tratar das questões ambientais e das leis da sociedade que determinam as
relações de produção (ou são por elas determinadas), necessário se f az o entendimento das leis da
natureza. Segundo Engels (1976),
... somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a natureza como um
conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da natureza; nós lhe
pertencemos, com a nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro; estamos no meio dela; e todo o
nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres de poder chegar
a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente.
Embora a terra possa ser considerada um enorme sistema, encontra-se representada por três
subsistemas integrados: o atmosférico, o continental ou litosférico e o aquático ou hidrosférico (fig. 2).
Na zona de interação dessas três unidades ocorre a vida (subsistema biosférico). Numa relação direta
do sistema natureza em relação ao homem, Gregoriev (1938) considerou o estrato geográfico da terra
composto pela crosta terrestre, hidrosfera, baixa camada da atmosfera (troposfera), cobertura vegetal e
reino animal que, em conjunto, definem os ambientes onde vivem os homens socialmente. Ou ainda,
conforme Mine (1987, p. 16), a natureza "é um palco iluminado pelo sol, onde coexiste uma série de
formas de vida, através de numerosos fenómenos biológicos, químicos e físicos que se integram e se completam
alimentando-se reciprocamente". Portanto, refere-se a um conjunto de ecossistemas em equilíbrio dinâmico, em
que qualquer intervenção num ponto do sistemarepercutenoconjunto.
A intervenção dos referidos subsistemas não pode, portanto, ser entendidade forma dissociada, uma vez
que implicaria a ruptura das relações processuais como um todo, proporcionando uma abordagem metafísica.
Assim, todo conjunto pertence a um sistema, cujas ações e reações estão condicionadas pela matéria (em seus três
estados)epelasfontes energéticas (internaseexternas).
A interdependência das unidades consideradas foi tratada por Kalesnik (1958) em artigo que destaca o
significado da geografia física como ciência de integração. Utiliza-se do conceito de "Landschaft-esfera" como
objeto da geografia física, onde a referida integração é vista através das leis geográficas gerais da terra, ou leis da
Landschaft-esfera, que são: 1) integridade, unidade da sua composição e da sua estrutura; 2) existência dos
fenómenos circulares da matéria e energia; 3) presença do ritmo em seus fenómenos; 4) coexistência da estrutura da
Landschaft-esfera de particularidades zonais e azonais; e 5) continuidade de sua evolução, cujo resultado é a luta dos
processosexógenoseendógenos.
Através das leis que compõem a Landschaft-esfera evidencia-se a interação de um sistema material único
e integral. Tal fato pode ser compreendido através da "relação entre o clima e o relevo, o clima e a formação dos solos,
o clima e mundo orgânico...". Nesse sistema geral de relação, o homem está presente, desempenhando papel
considerávelnomovimentocirculardassubstânciasdaterra.
Os processos circulares são os grandes responsáveis pela dinâmica processual, podendo ser
caracterizados pela circulação atmosférica, o ciclo da água e uma infinidade de outros exemplos. Devem ser vistos
como sistemas abertos, considerando-se a troca de energia e matéria existentes entre os diferentes componentes, ou
conforme o autor, "seria preferível representá-los simbolicamente como uma curva traçada em pontos de
circunferênciadeumarodaquegiraemlinhareta".
Os fenómenos rítmicos (diurnos, sazonais, anuais...) caracterizam as diferenças nas relações internas da
paisagem. Porexemplo,cadapaisagem apresentaum ritmoanual esofremudanças deacordocomasestações.
A zonalidade, por sua vez, resulta dos fenómenos que se processam na superfície do globo, sendo a
forma da terra e sua posição em relação ao sol, as causas principais dessas diferenciações. Além disso, a repartição
irregular entre terra e água, diferenças térmicas das correntes marítimas, além de outros fatores, fazem com
que a natureza não se pareça com a matemática. Apesar das determinantes exógenas nas diferenciações zonais - o
que faz entender a zonalidade de forma dinâmica -, deve-se considerar ainda as implicações endógenas, como
as forças tectogenéticas, quecaracterizamosprocessosazonais.
Por último, observa Kalesnik (1958), através da continuidade da evolução, que a "Landschaft-esfera
desenvolve-se pela força de suas contradições internas. As influências externas, como a radiação solar, criam as
condições de seu desenvolvimento". Ou ainda, a origem e evolução dinâmica da Landschaft-esfera resulta do en-
contro de inúmeras tendências antagónicas que nela se acham unidas.
O homem se faz presente nesse sistema geral de relações, exercendo grande pressão sobre o meio
geográfico e influenciando o movimento circular das substâncias da terra. Isso pode responder por alterações dos
fenómenos rítmicos (disritmias), os quais, ampliando a escala de abrangência, poderão influenciar na dinâmica
zonal, e em última instância, ter implicações na manutenção do equilíbrio dinâmico e conseqüentemente na
continuidadedaevoluçãodaLandschaft-esfera.
Bertrand (1968), a ser melhor considerado adiante, incorpora os diferentes subsistemas - litosfera,
atmosfera e hidrosfera - no conceito de "potencial ecológico" (relevo, clima e hidrologia), enquanto a biosfera
vincula-se à "exploração biológica" (vegetação, solo e fauna). O equilíbrio existente entre o potencial ecológico e a
exploração biológica caracteriza o "equilíbrio climáxico", muitas vezes rompido pela intervenção do homem na
"exploraçãobiológica"(por exemplo,o desmatamentoparaodesenvolvimentodedeterminadoprojeto).
Se por um lado a análise dos sistemas naturais é comandada pelas leis da própria natureza, sua
apropriação pelo homem (produção da natureza) responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira
significativa a atividade do sistema (segunda natureza). Portanto, as propriedades geoecológicas convertem-se em
propriedades sócio-reprodutoras (como suporte ou recurso), momento em que surgem as consequências
ambientais. Deve-se acrescentar que a escala de abrangência de tais problemas aumenta numa relação direta ao
processo e modo de produção, quandooshomenscontraemdeterminadosvínculoserelaçõessociais.
Em síntese, é preciso oferecer subsídios ao conhecimento sistemático dos sistemas naturais,
procurando entendê-los sempre num processo de interação e interconexão, onde o homem se faz presente.
Portanto, o conhecimento sistemático dos subsistemas deve envolver questões relativas à atmosfera, hidrosfera,
litosferaebiosfera,tendoohomem como agenteresponsável pelaorganizaçãodoespaçoprodutivosocial.
Apesar de as considerações serem lógicas e tais conhecimentos integrarem a maior parte dos
currículos do curso de geografia, deve-se observar a necessidade de serem estruturados segundo as
preocupações ambientais, como as alterações físicas e químicas dos solos, a contaminação das águas
superficiais e lençóis freáticos, as disritmias pluviométricas e efeitos de deserti-ficação, a ocupação das vertentes e
processos morfogenéticos resultantes...
Em síntese, ao se procurar abordar as derivações ambientais processadas pelo homem, deve-se
entender que tudo começa a partir da necessidade de ele ocupar determinada área, que se evidencia pelo
relevo, ou mais especificamente, individualiza-se pelo elemento do relevo genericamente definido por vertente.
Assim, a ocupação de determinada vertente ou parcela do relevo, seja como suporte ou mesmo recurso,
conseqüentemente responde por transformações do estado primitivo, envolvendo desmatamento, cortes e demais
atividadesqueprovocam asalteraçõesda exploração biológica e se refletem diretamente no potencial ecológico.
ORELEVONAANALISEGEOGRÁFICO-AMBIENTAL
O relevo, como componente desse estrato geográfico no qual vive o homem, constitui-se em suporte das
interações naturais e sociais. Refere-se, ainda, ao produto do antagonismo entre as forças endógenas e exógenas, de
grande interesse geográfico, não só como objeto de estudo, mas por ser nele - relevo - que se reflete o jogo das
interações naturais esociais.
Evidentemente que nem a energia interna atua de forma homogénea na crosta
terrestre, nem a energia solar é igual em toda a superfície da terra. Diante da variação do grau de
atuação de uma e outra tem-se, na superfície da terra, uma gama de paisagens que são respostas
às diferentes formas de ações e reações da matéria, ante a atuação das energias endógenas, as
forças tectogenéticas, e exógenas, os mecanismos morfoclimáticos (Ross, 1987, p. 6).
Os trabalhos gerados pela relação entre tais forças não podem ser vistos como produtos acabados, e sim
como produtos em permanente modificação, dada a constante ação e reação entre matéria e energia, interagindo
atravésdosdiferentes componentesdanatureza.
Penteado Orelhana (1981) afirma que o relevo se constitui na "interface da atmosfera e hidrosfera, que
fornece os recursos vitais e a antroposfera é o pátio do desempenho humano para o qual deve ser dirigida a atenção
sobre a avaliação dos sistemas de relações. Nessa superfície de contato, o homem agride, corrige e torna
economicamente produtivos sistemas naturais que, nas formas originais, eram incapazes de prover as necessidades
humanas". Portanto, o homem, ao integrar a natureza, tem se mostrado capaz de alterar as relações processuais
naturais, portanto, alterar o próprio relevo, através de modificações da "exploração biológica" (vegetacão, solo e
fauna), o que implica a ruptura climáxica (equilíbrio existente entre a "exploração biológica" e o "potencial
ecológico", representadopelorelevo,climaehidrologia) aserconsideradaoportunamente.
Ao mesmo tempo em que o relevo terrestre refere-se a um componente da natureza, constitui-se em
recurso natural, o que o reveste de interesse geográfico e, portanto, de preocupação ambiental, uma vez que
jamais poderá deixar de ser tratado sob o prisma antropocêntrico. Fairbridge (1971) chega a exagerar tal im-
portância, ao considerar a paisagem morfológica como recurso natural principal do homem, "substrato de todos os
outros recursos daterra, sem o que tudo mais será secundário e abstraio". Contudo,deve-seressaltarosignificadoque
o relevo desempenha para o homem, ao considerá-lo como resultante do subsistema litosfera, económica e
socialmente.
Assim, o estudo do relevo feito pela geomorfologia passa a assumirumaperspectivadegeografiaglobal
que, por sua vez, procura ocupar o espaço de direito, correspondente ao ternário ambiental. Trata-se de reforço de
uma perspectiva histórica da própria geomorfologia, como se constatará a seguir, diferente do modismo da
ecologização.
CONCEITODEGEOMORFOLOGIA
Antes de se fazer qualquer comentário a respeito do assunto, convém apresentar algumas considerações
do que seja a geomorfologia. Trata-se de um ramo principal da geografia, ainda de pouca divulgação popular, apesar
da importância social de que se reveste,sobretudoquantoàsquestõesambientais.
A conceituação dificilmente será feita através de uma análise etimológica da palavra, lembrando que seu
campodeestudoérestrito que o sugerido (limitações positivistas), conforme bem lembrou Sparks (1972).
O "estudo das formas do relevo" não se restringe apenas à ciência geomorfológica, como por um
número razoável de outras ciências, entre as quais deve-se considerar a geologia, a geodésia, a
geofísica e a própria geografia. Entretanto, a forma como propõe e desenvolve a análise do relevo é
própria, definida a partir da obra de James Hutton (1726-1797), primeiro grande fluvialista e criador da
teoria do "atualismo".
Entendida como uma ciência que busca explicar dinamicamente as transformações do geo-
relevo, portanto, não apenas quanto à morfologia (forma) como também à fisiologia (função),
incorporado organicamente ao movimento histórico das sociedades, é natural que sua vinculação com a
geografia é mais que justificável. Como responsável pelo entendimento das relações do geo-relevo,
constitui-se em importante referencial para a manutenção e estruturação dos sistemas físico-naturais
diante das transformações sociais, o que justifica a sua função ambiental.
Quanto ao significado da geomorfologia para a geografia, Hamelin (1964) entende que se
encontra determinado pela opinião que se tem da própria geografia. Para muitos geógrafos "a morfo-
logia não deveria ser nem sistemática, nem necessariamente genética - isto é, descrição e explicação do
relevo em si -, mas seletiva e funcional. Nessa ótica só se faz geomorfologia aquém de um certo ponto,
o limiar da incidência geográfica; a morfologia é, então, simplesmente um meio. Não é, pois, todo o
relevo que se tenta compreender, mas somente o seu coeficiente de intercâmbio geográfico" (Hamelin,
1964, p. 8). Na ótica dessa geografia global (simples prolongamento da geografia clássica), far-se-ia
menos a geomorfologia especializada, porém, mais frequentemente, a geomorfologia funcional. "Esta é
um pouco a geomorfologia de todos."
Diante da tendência de se ver uma geomorfologia puramente parcial, na ótica de uma
geografia global, o autor (Hamelin, 1964) entende que a mesma geomorfologia poderia ser vista de
maneira
diferente em uma geografia total, ou seja, ao mesmo tempo mo-noísta e pluralista. Portanto,
enquanto o monoísmo permitiria a unidade da geografia (preocupação dos soviéticos, como Anuchin, 1962), o
pluralismo ofereceria um estudo mais intensivo das disciplinas que compõem a área física, como a geomorfologia.
Esta, em vez de estudar somente as relações entre o relevo e o homem, ampliaria seu objetivo além dos aspectos
genéticos defendidos pela geografia clássica (geomorfologia integral - estudo do relevo sob todos os aspectos).
Para Hamelin (1964), a geografia global relaciona-se sobretudo com o método, enquanto a geografia total relaciona-
semuitomais comadivisãodoobjeto(estudodemaiorprofundidade).
Assim sendo, a geomorfologia seria feita em dois graus: "no primeiro, os especialistas do relevo irão
produzir uma geomorfologia completa em que alguns aspectos poderão auxiliar a solução dos problemas
geomorfológicos dos geógrafos globais; no segundo, estes últimos somente farão uma geomorfologia parcial, menos
exigente e mais funcional para a geografia dos conjuntos" (Mackay,1961).
Tal proposição (Geomorfologia parcial) parece romper a sequência metodológica do conhecimento
geomorfológico, deixando de fundamentar o terceiro nível de integração preconizado por Ab'Saber (1969), ou
seja, o da "fisiologia da paisagem", a ser abordadoadiante.
SegundoHamelin(1964,p. 14)a geomorfologiaintegral,outomadaemsuatotalidade,deveenvolvero
estudo do relevo sob todos os seus aspectos, descrição dos fenómenos elementares,
tipos de formas e de relevo, trabalhos de laboratório e estágios sobre o terreno, estudo-montagem,
história geológica, estrutura, processos, condições, variações morfòclimáticas, nomenclatura,
geomorfologia aplicada, geomorfologia comparada, fatos regionais e estabelecimento de cartas de
conjunto e detalhadas, questões propostas a outras ciências tais como a geografia global,
climatologia, hidrologia, ciências dos solos e dos vegetais.
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"O estudo do relevo tem sido encarado ora como um segmento da geologia, ora da geografia, quanto
ao objeto, e tem se desenvolvido ora apoiado em uma perspectiva teorizante, ora em uma base empirista, quanto à
forma de abordagem" (Abreu, 1985, p. 154). Enfim, depende da perspectiva em que se coloca o estudo do relevo,
observando-se as reais necessidades do homem, a quem a ciência deve servir. Hartshorne (1939) deu grande
importância a esse tema. Russell (1949) e Bryan (1950) publicaram ensaio a respeito do significado de uma
geomorfologiageográfica, Wooldridge&Morgan(1946)registraram apertinênciadaclimatologiaegeomorfologiaem
suas aplicações, no campo da geografia. Bunge (1973) lembra o papel da geografia física e da própria geomorfologia
comofontedeleisepadrõesdecomportamentoespacial.
A seguir será apresentada uma síntese evolutiva do conhecimento geomorfológico, a partir de sua
sistematização,fundamentadaemestudodesenvolvidoporAbreu(1983).
SÍNTESEEVOLUTIVADASPOSTURASGEOMORFOLÓGICAS
A geomorfologia como ciência começa a ser sistematizada em fins do século XVIII, vinculada às
necessidades de pesquisas para as descobertas de combustíveis fósseis para alimentar a indústria do império
alemão. A política cultural nacionalista adotada pela Alemanha, sob a influência prussiana, apesar de não ter
impedido um relativo desenvolvimento interno, deixou-a fora da partilha dos territórios coloniais. Esse fato implicou
o isolamento da Alemanha em relação ao contexto europeu, obrigando-a a adotar uma política de expansionismo
latente como forma dedefesa. Como resultadodesenvolveu-seoisolamentocultural.
Foram portanto os geólogos e engenheiros de minas, como
James Hutton, criador da teoria do atualismo, os grandes responsáveis pela sistematização dos
conhecimentosgeomorfológicos.
Enquanto na Europa a Revolução Industrial implicava prospecções minerais econsequentemudançado
pensamento cientifico, a conquista do oeste americano também trazia contribuições importantes ao desenvolvimento
dageomorfologia.
Assim, o isolamento mantido pela Alemanha em relação aos demais países europeus em processo de
desenvolvimentoeconómico, quede certaforma foi favorecido pelopróprio idioma,proporcionou a individualização
de quadros nacionais contrastantes no contexto político europeu, fazendo com que duas linhagens episte-mológicas
definidas surgissem. Uma era de natureza anglo-ameri-cana, onde se evidenciou a aproximação das relações da
Inglaterra e França com os Estados Unidos e outra de raízes germânicas, que posteriormente incorporou a produção
publicada em russo e polonês. Em síntese pode-se admitir que as diferenças culturais implicaram linhagens
epistemológicas distintas,com consequentedefiniçãodecampodeinteressegeomorfológico.
A linhagem epistemológica anglo-americana fundamenta-se praticamente até a Segunda Guerra
Mundial, nos paradigmas propostos por Davis (1899), através do "Geographical Cycle". Para ele, o relevo se
define em função da estrutura geológica, dos processosoperantesedotempo.
Apesar de Gilbert (1877), anteriormente, ter tentado explicar o relevo como resultante da erosão,
portanto, sob umaperspectivaclimática,Davisconsideravaorelevoem funçãodaestruturageológica, o que mereceu
críticas insistentes do meio intelectual germânico contemporâneo, onde teve presença entre 1908/9. A geo-
morfologia davisiana praticamente não tinha qualquer articulação com a climatologia e a biogeografia,
amplamente integrada na geomorfologiaalemã.
No final da década de 30, os norte-americanos se interessaram pelas críticas de W. Penck à teoria
davisiana. A interpretação de Penck (1924) ao ciclo geográfico, divulgada durante o Simpósio de Chicago (1939), foi
incorporadapêlos seguidores deDavis, criandonovosparadigmas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a influência do pensamento científico alemão se amplia nos
Estados Unidos, proporcionando o desenvolvimento de técnicas implementadas com posturas filosóficas bem
definidas. Um dos autores da corrente anglo-ameri-cana que se utilizam dos princípios adotados por Penck foi
Lester C. King (1953, 1956 e 1967), cujas pesquisas sobre aplainamento caracterizavam o centro das atenções
geomorfológicasnaépoca.
Deve-se acrescentar que a escola francesa, que exerceu posteriormente grande influência no
desenvolvimento da geografia e geomorfologia brasileiras, praticamente se caracterizava pela reprodução do
desenvolvimento científico americano. Isso pode ser exemplificado através das influências de Davis nos trabalhos
elaborados sob a perspectiva estrutural (P. Birot, 1960; J. Tricart, 1968eW.Thornbury,1965).
Progressivamente, os autores americanos assumem uma atitude mais crítica, o que contribui
sobremaneira para a elaboração de outros paradigmas,comoo espaço,nomomento em que Davis valoriza o tempo.
Contrariando a postura subjetiva e verbalista de Davis, esses autores propunham fatos objetivos, estudados sob
a ótica da quantificação, valorizando as relações processuais que aquelehaviadesconsiderado.
Assim, a partir da década de 40 até a de 60, a quantificação, a teoria dos sistemas e fluxos e o uso da
cibernética (geografia quantitativa) assumem a postura teorética. Valorizam-se a análise espacial e o estudo das
bacias de drenagem (Strahler, 1950,1952), 1954; Gregory & Walling, 1973), ao mesmo tempo em que novas
posturas começam a emergir, como a teoria do equilíbrio dinâmico de Hack (1960). Horton estabeleceu leis básicas
no estudo de baciasdedrenagem,utilizandopropriedadesmatemáticas.
A inclusão da ação humana como instrumento de modificação das formas do relevo
trouxe a vantagem de melhor enten-
dê-las dentro de sistemas geomórfïcos atuais, dinamizados por processos envolvidos
no mecanismo de modificações das formas (Cruz, 1982).
Entre 1960 e início da década de 70, constata-se a aplicação dos postulados anteriormente
obtidos, incorporando a teoria proba-bilística. Esses trabalhos acabaram caindo em formulações
estéreis, sobretudo por rejeição do paradigma davisiano, sem substituição por outro universalmente
aceito (Morley & Zunpfer, 1976).
Se por um lado valorizam o espaço e supostas relações processuais, por outro
desconsideram as relações temporais, julgadas como comprometidas ao paradigma davisiano (Abreu,
1983).
Morley & Zunpfer (1976) e Thornes & Brunsden (1977) procuram rever as propostas
precedentes. Não introduzem novos paradigmas mas apresentam posição crítica liberta de preconcei-
tos, valorizando as observações de campo. Valorizam a ação processual segundo referencial têmporo-
espacial (Schumm & Lichthy, 1965).
A linhagem epistemológica alemã tem von Richthofen (1886) como referencial inicial.
Enquanto Davis tinha em sua retaguarda nomes de geólogos, von Richthofen tinha como predecessores
autores naturalistas, que por sua vez tinham Goethe como ponto de referência permanente. (Foi Goethe
quem empregou, pela primeira vez, a expressão "morfologia" como sinónimo de geomorfologia.)
Enquanto Davis se caracteriza por uma proposição teorizante, von Richthofen se individualiza pela
perspectiva empírico-naturalista (guia de observação). A. Penck (1894) também teve um papel fun-
damental na orientação da geografia alemã, que apesar de compartilhar de algumas noções básicas da
teoria davisiana, como a do aplainamento, deu ênfase à herança naturalista de Goethe e Hum-boldt,
valorizando a observação e análise dos fenómenos.
A. Penck (1894) sistematiza teorias e formas do relevo (tratamento genético das formas),
tornando-se um dos clássicos da geografia, exercendo grande influência no desenvolvimento da
geomorfologia alemã nas primeiras décadas do século XX.
Dentro desse contexto, três autores se destacam: A. Hettner (1927), grande crítico da teoria
davisiana, S. Passarge (1912, 1919/21), que se caracterizou pela proposição de novos conceitos - como "fisiologia
da paisagem", fundamentado na ideia de organismo -, introduzindo a ecologia no domínio geográfico, e S.
Günther (1934)* que desenvolveu uma abordagem processual e críticadosistemadereferênciadeDavis.
W. Penck (1924) aparece como principal opositor da postura dedutivista-historicista de Davis,
valorizando o estudo dos processos. Em Die Morphologische Analyse - Ein Kapitel der Physika-lischen Geologie,
publicação póstuma, utiliza-se da geomorfologia para atingir a geologia e contribuir para a elucidação dos movi-
mentos crustais, como paradigma alternativo. Contribui assim para o avanço da geomorfologia, formalizando
conceitos como de "depósitos correlativos". Apesar de criticado por seus seguidores, com a publicação em 1953 da
versão inglesa, levou alguns autores nor-te-americanos a se interessarem pêlos estudos de vertentes e processos.
A linha de estudos da geomorfologia climática e climatoge-nética emerge das pesquisas de J. Büdel
(1948, 1957, 1963 e 1969) "que levaram a uma ordenação dos conjuntos morfológicos de origem climática em zonas
e andares, produzidos pela interação das variáveis epeirogênicas, climáticas, petrográficas e fitogeográfï-cas"
(Abreu, 1983, p. 15).
O ternário "paisagem" evolui (Troll, 1932, 1939, 1959 e 1966) e se consolida nos estudos de
geoecologia eordenação ambientaldoespaço.
Após a Segunda Guerra, a cartografia geomorfológica emerge como método fundamental para a análise
do relevo, graças às contribuições desenvolvidas na Polónia, Tchecoeslováquia e URSS (Klimaszewski, 1963;
Demek, 1976; Basenina & Trescov, 1972). O avanço do mapeamento geomorfológico.e seu crescente emprego no
planejamento regional mantêm o caráter geográfico da ciência geomorfológica.
Em síntese, deve-se considerar que a geomorfologia alemã se beneficia da Segunda Guerra Mundial,
através do desenvolvimento da cartografia geomorfológica, e que a guerra parece responder pela ruptura
epistemológica da geomorfologia anglo-americana
(fig.3).
Outras considerações diferenciativas podem ser anotadas entre as escolas anglo-saxônica e germânica,
quejustificam as divergências teórico-metodológicas a começar por Davis, de posição bergsoniana, que se utilizou
de referencial teorizante, apoiado em posturas geológicas. A escola germanofônica, por sua vez, fundamenta-se em
proposta kantiana, via Hettner, embora seja considerável a vinculação naturalista de Humboldt. Deve-se
acrescentar que a preocupação com o espaço encontra-se vinculada a uma geografia polftico-estatística, onde a
unidade regional era priorizada (resistênciaprussianaaodesafioamericano).
EnquantoDavisseconstituinoprincipalpontodereferênciadageomorfologiaanglo-americana,W.Penck
se caracteriza como um dos grandes entre muitos. Portanto, a postura teorizante de Davis e o próprio processo
dedutivo contribuem para a evolução do referencia]cíclicoemsistemasdetendênciaaxiomática,ondeaaçãoprocessual
quantificada rompia com a abordagem historicista. A geomorfologia alemã, fundamentada na observação e processo
empírico, caracterizava-se como guia de campo. Assim, se tais reformulações evidenciavam ruptura epistemológica
anglofônica,ageomorfologiaalemãsecaracterizavapeloprogressivorefinamentodeconceitos.
O estruturalismo e a teoria dos sistemas processaram repercussões distintas no nível epistemológico em
ambas as escolas. Na Alemanha evidenciou-se uma maior integração das ciências naturais, integração essa que já
existia, favorecendo análises geoecoló-gicas processuais, valorizando a cartografia geomorfológica e a ordenação
ambiental (ótica marxista, identificada nas propostas dos países socialistas), evidenciando o caráter geográfico
através da vinculação com o social. Na escola anglo-americana por sua vez, observou-se a já considerada
ruptura com a abordagem historicista, favorecendo o desenvolvimento de teorias e métodos de análises
quantitativas, isolando a geomorfologia em relação à geografia e orientando-a (a geomorfologia) para
perspectivas geológicas e hidrológicas. A busca de se harmonizarem as transformações observadas surge com
teorias alternativas, proporcionando a valorização dos processos geomorfológicos, segundo o sistema referencia]
têmporo-espacial
Apesar da convergência internacional do conhecimento, as duas tendências consideradas
apresentam-se razoavelmente diferenciadas, mesmo com a incorporação gradativa da postura alemã à americana,
evidenciada a partir do Simpósio de Chicago (1939).
No Brasil, a mais séria contribuição à teoria geomorfológica parte de Ab'Saber (1969), que
"salvo melhor juízo, parece dar a tónica nos postulados de raízes germânicas" (Abreu, 1983, p. 18).
Recentemente, autores soviéticos e franceses (Bertrand, 1968 e 1970; Tricart, 1977; Socava, 1972)
têm procurado desenvolver estudos integrados da paisagem, sob a dtica dos geossistemas, o que valoriza o
desenvolvimento da geomorfologia alemã.
Assim sendo, com o progressivo amadurecimento do estudo da paisagem e dos estudos
geoecológicos, originados e desenvolvidos a partir da sistematização da geomorfologia alemã, tem sido
possível articular a natureza à sociedade. Conforme Schmithüsen (1970), "se queremos compreender a ação do
homem, não devemos separar a sociedade do meio ambiente que o rodeia".
GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL
Um dos ternários propostos pela geografia atual refere-se à questão ambiental, que além de se
constituir numa das preocupações deste final de século, proporcionou a compreensão dialética das relações
entre homem e natureza, procurando suplantar o históricodualismo.
Enquanto a divisão internacional do trabalho, determinada pelo sistema de produção
capitalista, respondeu pela divisão do trabalho científico, proporcionando a reprodução ilimitada de ciências e
disciplinas específicas (abordagem metafísica), com consequente fragmentação do conhecimento, a nova
postura procura integrar o social à análise da natureza, oferecendo subsídios para a compreensão das relações
espaciais em sua totalidade.
Conforme pôde-se observar através da evolução do conhecimento geomorfológico, a preocupação
ambiental tem suas raízes na escola germânica (envolvendo os soviéticos e poloneses), que parece ter se firmado
com Passarge (1922) e Troll (1932...). Portanto, a compreensão "geoecológica" em geomorfologia antecede o
despertar tardio do ternário ambiental em geografia, que tem se pautado por uma tendência marxista. Assim, o
materialismo dialético e materialismo histórico têm respondido pela orientação teórico-me-todológica da
geografia crítica e se constituído em subsídio para a compreensão das causas essenciais que respondem pelas
derivações espaciais ou implicações no comportamento do geo-relevo.
O enfoque da geografia física como ciência global tem sido acentuado nas duas últimas décadas.
Na França, os biogeógrafos Cabaussel e Bertrand reafirmam a ligação do estudo do meio físico e a
ecologia, considerando-o um sistema (ecogeografia). O conceito de geossistema de Bertrand (1969)
expressa o sentido de uma geografia física global (espaço geográfico), composto de dois subconjuntos: um
físico (potencial ecológico e exploração biológica) e outro humano.
Bertrand (1968), ao considerar a questão taxonômica da paisagem, utiliza-se da unidade
"geossistema" (unidade dimensional entre alguns quilómetros quadrados e algumas centenas de quilómetros
quadrados) como "escala em que se situa a maior parte dos fenómenos de interferência entre os elementos da
paisagem e que envolvem as condições dialéticas, as mais interessantes para o geógrafo". Portanto, refere-se a
determinada porção do espaço, resultante da combinação dinâmica de elementos físicos, biológicos e
48 e 49
dasvertentes.Portanto,prevaleceafitoestabilidade;
b) Meios Fortemente Instáveis, onde a morfogênese é o elemento predominante na dinâmica. Resultam
decausas naturais (variações climáticas e efeitos tectônicos) e sobretudo antrópicas (na escala de tempo histórica), o
queimplica uma dissecação elevada (pedogênesenulaouincipiente);
c) Meios Intergrades ou de Transição, que caracterizam uma passagem gradual entre os meios estáveis
e instáveis. Aí se constataumainterferênciapermanentenarelaçãopedogênese-morfogê-nese. Refere-se ao estado de
modificação do sistema fitoestável antes de se ultrapassar o limiar de recuperação (fig. 4), o que proporciona a
possibilidadederestauraçãodeummeioestáveloupossibilidadedetendênciaparaummeiofortementeinstável.
Portanto, tem-se o solo como referencial para a caracterização temporal das condições de estabilidade,
o que demonstra que a morfogênese frequentemente se exerce através do solo e não dire-tamentesobrearocha.
Os geógrafos soviéticos, depois de diversas tentativas de oferecerem uma análise integrada do
complexo físico-geográfico, construíram um método de pesquisa fundamentado no "geossiste-ma" (Sochava), que
é uma conceituação de epiderme terrestre, onde se relacionam a litomassa, aeromassa, hidromassa e biomassa. Antes
disso, Kalesnik (1958), já considerado, havia proposto uma análise integrada pela geografia física, tendo a
"Landschaft-esfe-ra"comoobjetocentralizador.
Felds (1958), numa abordagem ecológica, propunha o desenvolvimento de uma geomorfologia
antropogenética, procurando evidenciarasrelaçõesentreohomemeasociedadenorelevo.
O prof. A. N. Ab'Saber (1969), em sua importante contribuição metodológica, sistematiza os três níveis
de integração da análise geomorfológica, individualizando seu campo de estudo: a com-partimeníação topográfica,
relacionada às formas do relevo, o levantamentodaestruturasuperficial, referente aos compartimentos morfológicos
e, por último, o estudo da fisiologia da paisagem. Enquanto o primeiro nível procura oferecer uma
individualização
geográfica da área de estudo, bem como o domínio de formas de cada compartimento (análise
horizontal), o segundo, considerando os diferentes níveis altimétricos e respectivas situações em função dos depósitos
correlativos, proporciona o entendimento cronogeo-morfológico das formações superficiais (análise vertical), através
dos processos morfoclimáticos e pedogênicos penecontemporâneos. O terceiro nível, a fisiologia da paisagem, que
particularmente depende do conhecimento das fases antecedentes, tem por objetivo a compreensão dos processos
morfogenéticos através da dinâmica climática atual, momento em que se insere o homem como sujeito que se
apropria da interface e transforma-a modificando as relações entre as forças de ação (processos morfodinâmicos) e
reação do substrato(comportamentodasvertentes).
A sistematização da postura ambiental oferecida pela geomorfologia recebeu grande contribuição de
Kügler (1976), que concentradeformaintegradaorelevoeoterritório.
Nessa ótica, emerge o conceito de geo-relevo como superfície de limite externo da
geoderme, produzida pela dinâmica dos integrantes sistémicos da "Landschaftschülle" e
constituído pela superfície limite em si - que caracteriza uma desconti-nuidade neste contexto - e
seu conteúdo plástico, em postura que soma à concentração tradicional da geomorfologia alemã
uma perspectiva de análise dialética da natureza desenvolvida em mais alto grau (Abreu, 1985, p.
159).
Portanto, o geo-relevo é entendido como indicador dos processos morfoclimáticos atuais, resultando na
dinâmica das formas e propriedades adquiridas em sua génese. A dinâmica e as propriedades são fundamentais para
se compreender a evolução dos processos geoecológicos e se planejar a reprodução da sociedade. Assim, as funções
sócio-reprodutoras resultam do uso das propriedades geoecológicas, em face da intensidade e modo de uso: como
recurso natural ou suporte. Kügler (1976) traz para a geografia uma contribuição fundamental na investigação da
paisagem,resultantedeumdos eixostradicionaisdageomorfologiaalemã,apoiadaemPassargeePenck.
A designação "Geomorfologia Ambiental" foi proposta no Simpósio de Bringhauton, em 1970,
procurando definir o campo social deaplicaçãogeomorfológica,queincorporandoosconceitos deKügler(1976),
teria como preocupação exclusiva a intensidade ou forma de transformação das propriedades geoecológicas em
só-cio-reprodutoras, visando uma apropriação racional do espaço natural, sem perder a dimensão de tê-lo como
seupróprioambiente.
Sabe-se, contudo, que as relações entre natureza e sociedade, , incorporadas nas forcas produtivas,
encontram-se determinadas ) pelo trabalho, conceito inerente da força de trabalho, responsável /pela
transformação dos meios de produção. Sabe-se, também, que ; as relações homem-natureza resultam das relações
homem-homem (relações sociais de produção), componente indispensável ao entendimento da reprodução do
espaço e consequente possibilidade dealteraçãoambiental.
Assim sendo, a geomorfologia em seu enfoque ambiental deve, além de utilizar os subsídios
"técnicos" (de natureza morfológica e fisiológica), incorporar as relações polftico-econômicas (oferecendo a
compreensãoda"essência"),comodeterminantedasresultantes processuais ederivações espaciais.
Portanto, considerando o processo de ocupação do relevo, utilizando o conceito de vertente
(componente genérico do relevo), transformando as propriedades geoecológicas (primeira natureza) em sócio-
reprodutoras (segunda natureza), o homem pode produzir desequilíbrio climáxico e consequentes derivações
ambientais.
Ao se entender que a vertente como categoria é propriedade, e como tal suscetível às diferentes
intensidades de uso ou forma, conclui-se que ela se encontra subordinada aos interesses das relações de produção.
Como categoria, a vertente apresenta a sua essência (componentes intrínsecos) que se manifesta como aparência.
Como fenómeno, deve-se considerar as relações externas processadas pelas diferentes intensidades dos elementos
climáticos em função da apropriação e transformação produzida pelo homem (relações fenomenológicas). Sendo o
conteúdo o conjunto articulado das relações internas e externas das coisas,reunindo em si aessência e o fenómeno, a
forma (aparência) caracteriza-se como estado doconteúdoouomodocomoelesemanifesta.
Em síntese, ao se processarem alterações nas relações internas da vertente (essência), por meio dos
componentes externos (fenómenos), têm-se como resultado as implicações no conteúdo, que semanifestam através da
forma.
A seguir, após considerações conceituais sobre o sentido da vertente, serão levantados seus
componentes intrínsecos, bem como alguns efeitos decorrentes de aplicações de esforços (fenómenos) para, em
seguida, evidenciar-se o conteúdo (conjunto articulado das referidas relações internas e externas) da paisagem em
suasderivaçõesambientais.
DINÂMICA PROCESSUAL DO RELEVO: A VERTENTE COMO CATEGORIA
Conforme se considerou anteriormente, o relevo se constitui em produto do antagonismo das
forças endógenas (forças tectogenéti-cas) e exógenas (mecanismos morfoclimáticos), portanto, um importante
componente do estrato geográfico, suporte ou recurso das propriedades sócio-reprodutoras.
Por entender que o elemento dominante do relevo é constituído pela vertente, a ser melhor
caracterizada adiante, tem-se que ela se individualiza como categoria central da estruturação do pensamento. É
portanto na vertente que se materializam as relações das forças produtivas, ou seja, onde ficam impregnadas as
transformações quecompõem apaisagem.
É preciso observar ainda que se entende o processo evolutivo da vertente, perceptível na escala
de tempo histórica, como determinado pêlos processos morfogenéticos, ou seja, pêlos fatores exógenos, além,
evidentemente, das intervenções produzidas pelo homem. Com exceção dos fenómenos catastróficos (terremotos,
vulcanismos...), as atividades endógenas assumem importância sobretudo na escala de tempo geológica,
imperceptível no instante de abordagem, que se vincula à escala de tempo histórica ouhumana.
Procurar-se-á, assim, utilizando o conceito de "vertente" em geomorfologia, demonstrar as
relações processuais evidenciadas, dando ênfase à dinâmica externa, valorizando as derivações antro-pogênicas.
CONCEITO DE VERTENTE EMGEOMORFOLOGIA
O estudo da vertente encontra-se, atualmente, no centro das preocupações geomorfológicas; assim
como as pesquisas de aplai-namentos estiveram entre as duas guerras mundiais. A vertente, conforme Tricart
(1957), "constitui o elemento dominante do relevo na- maior parte das regiões, apresentando-se portanto,
como forma de relevo mais importante para o homem. Tanto a agricultura quanto os demais trabalhos de
construções, por exemplo, estão interessados na evolução das vertentes que acabam comandando, por exemplo,
a perenidade - direta e indireta - dos cursos d'água, pela ação geomorfológica". Em síntese, a busca de se
entender a evolução da vertente se caracteriza como subsídio à compreensão das formas atuais do relevo
terrestre.
O conceito de vertente é essencialmente dinâmico, uma vez que se define pelas relações
processuais geomórficas. Conforme Cruz (1982, p. 3), "o estudo geomorfológico da evolução atual das
vertentes é extremamente importante quanto ao entendimento espácio-temporal dos mecanismos
morfodinâmicos atuais e passados. Os estudos morfodinâmicos atuais levam ao cerne do estudo
geomorfológico por excelência, ajudando o entendimento das paisagens geográficas". Ressalta que "são eles
que mostram os mecanismos dessa evolução e levam ao melhor entendimento dos estudos morfogenéticos de
épocas passadas".
Strahler (apud Fairbridge, 1968) observa que as vertentes resultam de processos exógenos e
endógenos, destacando os efeitos de denudação, por processo de intemperismo, movimentação de massa e
água de escoamento, ajustados à geometria do sistema fluvial.
Para Dylik (1968), a vertente tomou-se um dos problemas-chave da moderna geomorfologia,
compreendendo todos os aspectos da geografia física e incluindo mesmo um certo número de questões
relativas à geografia humana. Conforme o autor, fundamentado nas ideias de Gilbert (1877), num sentido geral, a
vertente seria um todo dinamicamente ligado aos processos fluviais, e num sentido especifico, seria caracterizada
por processos denudacio-nais, ou seja, processos de vertentes. Portanto, a vertente lato sen-su, incorpora o curso
d'água, nível de base responsável pelo grau de participação dos efeitos areolares da vertente stricto sensu. Enquanto
a vertente stricto sensu encontra-se limitada pelas relações morfodinâmicas areolares, ou seja, definida pela extensão
delimitada pelo umbral de funcionamento (onde as atividades processuais têm inicio) até o umbral de parada (onde
as atividades processuais denudacionais são substituídas pelas fluviais), a vertente lato sensu regula a intensidade
dos fenómenos areolares. Por exemplo, o ajustamento de um curso d'água, por efeito tectônico, responde pela
tendência de ajustamento dos processos areolares e conser quenteevoluçãodavertente.
Observa-se ainda que qualquer alteração climática influi no limiar da vertente num sentido estrito, assim
como repercute no entendimento da evolução da vertente lato sensu. Em síntese, o conceito de vertente incorpora
necessariamente o conceito de processo mor-fogenético, o que leva a entender a vertente como resultante de
processosrítmicostêmporo-espaciais.
De acordo com McCullagh (1978), embora Gilbert (1877) tenha sido o primeiro a reconhecer a
importância dos processos geomor-fológicos na evolução do relevo, foram W. M. Davis e W. Penck que se
preocuparam com os modelos sobre a evolução das vertentes. Enquanto Davis (1899) procura demonstrar a
evolução das formas através do wearing down, Penck (1924) sugere o recuo paralelo das vertentes (wearing bacK),
comoresultadodadenudação,aserconsideradoadiante.
Jahn (1954) destacou-se no estudo da evolução das vertentes, sobretudo através do' 'balanço de
denudação''. Observa que as forças morfogenéticas exercidas sobre a vertente se reduzem a dois componentes: o
primeiro, denominado perpendicular, caracteriza-se pelainfiltração, responsável pelaintemperizaçãoquepermiteo
desenvolvimento da pedogenização, proporcionando assim a formação de material para eventual transporte; o
segundo, denominado paralelo (paralelo à vertente ou superfície), refere-se ao processo denudacional
(morfogênese) ou responsável pelo transporte do materialpré-elaborado.
Assim, o balanço denudacional de Jahn (1954), denominação que Tricart (1957) substituiu por
"balanço morfogenético", de maior abrangência terminológica (abrasão e acumulação), é estabelecido pela relação
entre os componentes perpendicular e paralelo. Enquanto o perpendicular demonstra a ação da infiltração,
conforme se considerou, favorecida pela cobertura vegetal, o que implicará alteração de natureza bioquímica, bem
como a decomposição responsável pela pedogênese (desenvolvimento dos solos), o paralelo caracteriza os efeitos
erosionais, o que leva a admitir, por exemplo, a retirada da cobertura vegetal, favorecendo a tendência daaçãodireta
doselementosdoclima.
Nas regiões intertropicais, a chuva se caracteriza como processo de maior importância, implicando
fluxo por terra (escoamento), que responde pela redução do material pré-elaborado pelo componente perpendicular.
Ainda como exemplo de componente paralelo incluem-se os fenómenos de solifluxão (movimento de massa da
ordem de alguns decímetros/mês ou ano, evidenciado sobretudo nas regiões periglaciais); rastejamento ou creeping
(movimento de massa da ordem de centímetros/ano, constatado nas regiões tropicais); e deslizamentos de massa
ou escorregamentos (movimentos rápidos), constatados com frequência nos períodos de grandes intensidades
pluviométricas. Isso ocorre sobretudo em fortes declives,submetidos àinterferênciadohomem,como oprocessode
ocupação do litoral brasileiro, responsável por verdadeiras tragédias (sul de Minas Gerais, 1948; Baixada Santista,
1956; Rio de Janeiro, 1966 e 1967; Serra de Caraguatatuba, 1967; Serra das Araras, 1967; Serra de Maranguape,
1974; Espirito Santo, 1983; Ubatuba-Angra dos Reis, 1984; Curitiba, 1987; Petrópolis, Rio de Janeiro e Ubatuba,
1988 emuitosoutros).
Em síntese, observa Jahn (1954) que quando o componente perpendicular é superior ao paralelo, ou
seja, quando a pedogênese é superior à denudação, predomina um balanço morfogenético negativo. Ao contrário,
quando o componente paralelo é superior ao perpendicular, predomina um balanço morfogenético positivo (a
denudação predomina sobre a pedogênese).
Erhart (1956) procura demonstrar, através de sua teoria bio-resistáíica que em condições de
biostasia, portanto, quando a vertente encontra-se revestida de cobertura vegetal (propriedade geoe-cológica), em
meio ácido, como nas regiões intertropicais, a infiltração responde pela alteração dos silicatos de alumina
(feldspatos), originando a caolinita, que juntamente com o quartzo, existente na grande maioria das rochas,
integra a estrutura física dos solos. Os hidróxidos de ferro e alumina, solubilizados em tal ambiente, ficam
retidos e são incorporados ao solo (fase residual), enquanto os elementos alcalinos ou alcalino-terrosos (potássio,
sódio, cálcio e magnésio), bem como o silício, são transportados pela água escoada (fase migradora),
originando-se os depósitos de rochas organógenas (fig. 5). Portanto, na biostasia, a atividade geo-
morfogenética é fraca ou nula, existindo um equilíbrio climáxico entre potencial ecológico e exploração
biológica.
A resistasia, por outro lado, é identificada pela retirada dos elementos que na biostasia
compunham a fase residual (elementos minerais + hidróxidos de ferro e alumina), o que determina a tur-bidez
das águas de superfície (cursos d'água), que tem como principal indicador o ferro. Tal fase passa a ser
individualizada a partir do momento em que a cobertura vegetal desaparece, o que pode resultar de alterações
climáticas, na escala de tempo geológico, ou por derivações processadas pelo homem, na escala de tempo histó-
rica. Portanto, na resistasia, a geomorfogênese domina a dinâmica da paisagem, com repercussão no potencial
geoecológico (desequilíbrio climáxico).
Como resultado, tem-se um balanço morfogenético positivo, com retirada do material
intemperizado, que implica a redução gradativa da camada pedogenizada, com consequente assoreamento de
vales. Portanto, tem-se a substituição dos depósitos organógenos a fase biostásica (ou "fitostásica",
denominada por Tricart, 1977) por depósitos argilo-lateríticos (fig. 6).
Erhart (1956), através de sua teoria, procura justificar a presença de jazidas de ferro, bauxita e
coríndon, como relacionadas a uma fase resistásica, o que leva a admitir a existência de uma fase biostásica
antecedente, responsável pela elaboração dos elementos que compunham a fase residual, que na resistasia foram
transportados oumobilizados.
A noção dinâmica de vertente implica, portanto, a necessidade de se considerar a ação
morfogenêtica, o que exime de destaque os declives nulos (superfícies horizontalizadas), que não permitem o
desenvolvimento do componenteparalelo.
Precipitação
Predomínio do escoamento(Fluxo de terra)
Depósaito areia e argila Laterítica
Infiltração
Incipiente
Transporte dos elementos da FASE
MIGRADORA (da Biostasia) + os elementos da
FASE RESIDUAL: Hidróxidos de Ferro e Alumina +
Quartzo e Caolinita.
Fig. 6 - Predomínio do Componente Paralelo (Fase Resistásica)
A vertente, em seu sentido estrito, corresponde ao momento do início de desenvolvimento dos
processos morfogenéticos, que Tricart (1957) denominou de "umbral de funcionamento". O término da
vertente coincide com o término dos processos específicos da vertente (processos denominados areolares),
momento em que são substituídos ("umbral de parada") pêlos processos lineares ou fluviais, ou simplesmente
onde a energia cinética se toma nula, determinada pelo comportamento topográfico (depressão de receph cão
ou acumulação).
Diante disso, deve-se admitir que toda vertente evolui em função de um nível de base (qualquer
ponto localizado à jusante se constitui em nível de base para a evolução do localizado à montante), como o
curso d'água em questão que comandará a intensidade dos processos morfogenéticos. Portanto, a vertente, em
seu sentido amplo, necessariamente incorporará a presença de um curso d'água ou nível de base que anula os
processos areolares, como ponto de referência para seu próprio desenvolvimento.
Entendendo que a evolução da vertente encontra-se vinculada ao comportamento do nível de
base local, conclui-se que toda vez em que este se altera, automaticamente implicará ajustamento das
relações processuais, responsáveis pela evolução morfológica (busca do "Equilíbrio Dinâmico" de Hack,
1957).
Penck (1924) procura demonstrar a evolução e comportamento das formas da vertente em função
da intensidade de dissecação, a qual encontra-se vinculada ao movimento crustal. Em síntese, entende que um
rápido soerguimento do relevo responderia por forte incisão vertical do talvegue, não acompanhado pêlos
processos denudacionais (ou processos 'areolares'), implicando aumento do declive da vertente, com tendência
à convexização geométrica (fig. 7a).
Quando o soerguimento crustal for compensado proporcionalmente pela incisão vertical ou
erosão linear, mantendo equilíbrio com a erosão areolar (denudação), a vertente, apesar de evoluir, manterá a
disposição angular primitiva, o que Penck denominou de "superfície primária", não se registrando produção de
elevação real da superfície (fig. 7b).
O terceiro caso é caracterizado por fraco soerguimento crustal, onde a incisão vertical
dependente produz um fraco entalhamento, portanto, inferior à intensidade dos processos morfogenéticos
(processo areolar), respondendo pela redução do declive e consequente tendência de concavização da
vertente (fig. 7c).
Diante disso, pode-se perfeitamente contrapor a ideia de Da-vis (1899), considerando a evolução da
vertente proposta por Penck (1924), que se utiliza do recuo paralelo ("wearing back"), cujas implicações
tectônicas são entendidas como intermitentes e de diferentes intensidades, associadas aos efeitos denudacionais
(tabela1).
Tabela l - SISTEMAS DE REFERÊNCIA EM GEOMORFOLOGIA
Cara
cterísticas
W. M.
Davis (1899)
W.
Penck (1924)
Asp
ectos Gerais do
Sistema
Rápido
soerguimento com
posterior estabilidade
tec-tônica e eustática
Lenta
ascensão de massa
com intermitência
Car
acterísticas
W. M.
Davis (1899)
W. Penck
(1924)
Rel
ação Soergui-
mento/Denudaç
ão
Início da
denudação (co-
mandada pela incisão
fluvial) após fim de
ascensão crustal
Intensida
de de denudação
associada ao
comportamento
crustal
Pro Evoluçã Evolução
cesso Evolutivo o morfológica de
cima para baixo
(wearing down)
por recuo paralelo
das vertentes (wea-
ring back)
Está
gio Final ou
Parcial da
Morfologia
Peneplan
ização (formas
residuais: monad
rocks)
Superfíci
e primária Oenta
ascensão compensada
pela denudação).
Não haveria
produção de elevação
real da superfície
Car
acterísticas
Morfológicas
Fases
antropomórficas:
juventude,
maturidade e
senilidade
Processo
s de declividades
laterais das
vertentes: convexas,
retilíneas e côncavas
(relação incisão do
talvegue-denudação,
por implicação
crustal)
Além das implicações tectônicas (lato sensu), o balanço mor-fogenético da vertente (stricío sensu) é
comandado pelo valor do declive, a natureza da rocha e o clima. Deve-se chamar atenção, para o fato de as
variáveis enumeradas encontrarem-se numa mesma escala taxonômica em relação aos processos morfogenéticos,
devendo-seincluirosignificadodacoberturavegetaloumodalidadedousodosolo.
RELAÇÕES PROCESSUAIS DAS VERTENTES (RELAÇÕES EXTERNAS)
Por processo geomorfológico entende-se todo e qualquer fenómeno responsável por alterações
evolutivas das vertentes. São portanto os responsáveis pela esculturação das vertentes, representando a ação da
dinâmicaexterna,envolvendoas seguintes etapas: abrasão,transporteeacumulação.
Conforme se considerou anteriormente, o relevo, ou mais especificamente a vertente, resulta da ação
processual ao longo do tempo, que pode ser reconstituída através das evidências intimamente ligadas aos
paleoprocessos, como a forma e depósitos correlativos. Tal fato demonstra uma certa analogia com as evidências
impregnadas na paisagem pêlos diferentes conteúdos (conjunto articulado entre a essência e o fenómeno),
característicos nos diferentes modos de produção. Portanto, a aparência ou forma da vertente atual deve ser vista
sob o enfoque histórico (assim como a sociedade deve ser analisada no contexto do materialismo histórico),
momento em que se caracteriza por diferentes componentes queintegram as relaçõesprocessuais.
Assim, a evolução da vertente analisada ao longo do tempo geológico necessariamente incorpora o
antagonismo determinado pelas forças endógenas (comandadas pelas atividades tectônicas) e exógenas (relativas
aos processos morfoclimáticos). Contudo, a partir do momento em que se procura analisar a vertente na atuali-
dade, os fatores internos são desconsiderados, uma vez que tais reflexos são sentidos numa escala de tempo
geológico, com exceção doscatastróficos,comoosvulcanismosouabalossísmicos,comunsnaszonas dedobramentos
recentes (fig.8).
Em síntese, a vertente vista na atualidade, ao mesmo tempo em que desconsidera ou não atribui
grande importância às forças endógenas, necessariamente incorpora outros elementos que não integram as
variáveis responsáveis pela evolução do relevo na "primeira natureza". Trata-se do homem, que através do
processo de apropriação e transformação da vertente implica o estado de agravamento da referida evolução (a
evolução torna-se sensível na escala de tempo histórica), por oferecer condições à intensificação dos processos
exógenos. Como exemplo, em condições de biosta-sia, o elemento do clima, como a chuva, sofre a interceptação
da cobertura vegetal, favorecendo a infiltração e consequente evolucão pedogênica (predomínio do componente
perpendicular). A partirdo momento em queo homem seapropria da vertente einiciaum processo de transformação,
tendo-a como suporte ou recurso, o que normalmente se dá através do desmatamento, com consequentes cortes ou
aterros, as relações processuais são alteradas: a chuva deixa de ser interceptada, proporcionando a desagregação
mecânica do solo pelo efeito de "splash", ao mesmo tempo em que responde pelo aumento do fluxo por terra com
consequente dessoloa-gem, ravinamento, boçorocamento ou mesmo deslizamento de massa. Portanto, o componente
paralelo passa a predominar sobre o perpendicular, implicando o desequilíbrio da vertente e agravando o estado de
saída.
O referido exemplo, utilizando os conceitos apresentados por Bertrand (1968), considerado
anteriormente, evidenciaria a intervenção do homem na "exploração biológica" (o desmatamento implica a expulsão
ou eliminação da fauna e expõe o solo aos efeitos abrasivos), provocando o "desequilíbrio climáxico", que por sua
vez repercute no comportamento do "potencial ecológico", alterandoavertentesubstancialmente.(Aeliminaçãoda
referida interface implicaria alteração hidrodinâmica - determinada pela chuva -do predomínio da infiltração ao
domínio do fluxo por terra. Isso, por sua vez, processaria alterações substanciais no relevo ou vertente que,
dependendo da escala de abrangência, poderia inclusive modificar as condições climáticas locais, como as
representadas pelasdisritmiaspluviométricas.)
Nas regiões intertropicais, o comportamento hidrodinâmico das vertentes assume importância capital,
conhecendo-seosignificadodaintensidadeefrequênciadas chuvas em funçãodas alteraçõesprocessadasnorelevo.
Apropriação do relevo e implicações ambientais
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  • 2. INTRODUÇÃO O presente trabalho procura chamar atenção para o significado do relevo, sobretudo como suporte das derivações ambientais observadas durante o processo de apropriação e transformação realizado pelohomem. Para entender tal consideração, necessário se faz partir do princípio de que o relevo se constitui em produto do antagonismo das forças endógenas (forças tectogenéticas) e exógenas (mecanismos morfodinâmicos), registrado ao longo do tempo geológico, e responsável pelo equilíbrio ecológico. É, portanto, através do jogo dos referidos componentes que se estruturam o solo e sua cobertura vegetal, os quais, associados às riquezas minerais, constituem a maior parte dos recursos responsáveis pela materialização da produção. É evidente que o recurso por si só não poderia ser materializado ou transformado em produção se o homem não estivesse presente na paisagem geográfica, assim como não seria possível conceber o próprio conceito de espaço. Após apresentar uma rápida evolução do conceito de natureza (a natureza externa e a unicidade natureza-sociedade), procura-se demonstrar sua relação dialética com o homem (forças produtivas), evidenciando que essa relação encontra-se vinculada às relações entre os próprios homens (relações de produção). Portanto, ao considerar o espaço produzido social como resultado das relações entre o homem e a natureza, procura-se justificar as possíveis implicações ambientais (relação de negatividade) pelas próprias relacoes sociais de produção (Tópico 1). Dá-se ênfase ao modo de produção capitalista (apropriação privada da natureza)como formadedilapidaçãodacapacidadeprodutivadaterra. Num segundo momento, procura-se evidenciar o relevo como componente do estrato geográfico que reflete o jogo das interações naturais e sociais. Demonstra-se a importância da ciência geográfica nos estudos ecológicos, uma vez que se dispõe dos métodos necessários e informações cientificas sobre o meio natural e seus re- cursos, bem como o seu aproveitamento econômico pelo homem (relações com as leis específicas da natureza como formadeservir-sedelaedeseusobjetivos). A geomorfologia, por sua vez, como integrante da análise geográfica e responsável pela compreensão do comportamento do relevo, fundamentando-se na noção de "fisiologia da paisagem", procura evidenciar, de uma forma dinâmica, as derivações ambientais resultantes do processo de apropriação e transformação do relevo ou de suas interfaces (como a cobertura vegetal) pelo homem (Tópico2).Esse fatooferece umsignificadosocialàgeomorfologia,com consequenteinteresseparaaciênciageográfica. No terceiro tópico, utilizando-se o conceito de vertente (a vertente como categoria central da estrutura do pensamento) e das relações processuais (processos morfogenéticos e pedogenéticos), procura-se oferecer algumas noções elementares necessárias à compreensão da dinâmica do relevo. Procura-se mostrar ainda que, através da apropriação e transformação da natureza pelo homem, inicialmente através da exploração biológica,
  • 3. tem-se a ruptura do equilíbrio climáxico (relação entre o potencial ecológico e exploração biológica), originando implicações resistásicas. Após considerações a respeito dos fenómenos externos, procura-se demonstrar o significado das relações internas, que individualizam a essência da categoria vertente, que juntos (fenómenos e relações) representam oconteúdodapaisagem. Finalizando (Tópico 4), são apresentados alguns exemplos de estudos de caso, em que o processo de ocupação das vertentes e demais compartimentos tem produzido impactos ambientais, momento que se aproveita para se considerarem as implicações políticas e económicas nos efeitos de degradação registrados (concepção malthusiana dos "azares" da natureza). Ao mesmo tempo em que se propõem algumas alternativas, preventivas e corretívas, fundamentadas em uma técnica natural, chama-se a atenção para a necessidade da organização da sociedade, sobretudo da classe trabalhadora que sofre os efeitos diretos das contradições próprias do sistema de produção capitalista, em defesa dos valores ambientais, obrigando assim, conforme Contí (1986), "o capitalismo a fazer algoquenãopoderealizarsemsecontradizerostensivamente". Os fundamentos metodológicos da análise geomorfológica foram desenvolvidos com base nos níveis sistematizados por Ab'Sa-ber (1969); procura-se demonstrar o significado do compartimento topomorfológicoede sua estrutura superficial (ou formação superficial) na forma ou maneira de ocupação, considerando-se sobretudo os efeitos processuais determinantes. Tal análise tem por objeti-vo alertar para a necessidade de preservação de certos compartimentos, independentemente da "espontaneidade" que caracteriza os anseios do sistema de produção capitalista; ou independentemente de tratamentos técnicos sofisticados e caros, que muitas vezes têm por objetivo exclusivo fortalecer os interesses do próprio capital em detrimento das necessidades reais da sociedade. Pretende-se, ainda, aleitar para a necessidade de uma preocupação constante com o processo de ocupação de compartimentos considerados"favoráveis", observando-se sempre a importância das relações processuais. RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA E SUAS IMPLICAÇÕES Antes de se iniciar uma análise específica são indispensáveis algumas considerações. É preciso refletir sobre o conceito de "natureza", fundamental ao direcionamento da ciência, que incorpora a teoria integral do espaço. CONCEITO DE NATUREZA Esse conceito tem sido utilizado largamente tanto pela ciência natural como pela social. Contudo, pouca discussão metodológicatemacontecidonosúltimosanos.
  • 4. Tal descuido tem sido considerado consistente com a prática contemporânea da ciência e com a sua auto-imagem. Para Smith & O'Keefe (1980), a "ciência natural" é uma relíquia histórica, que aparece nos séculos XVI e XVÜ, com a necessidade de apropriação da natureza pela indústria, refletindo essa necessidade concretamente por continuar posicionando a natureza como totalmente externa à atividade humana. "No preciso momento em que a natureza estava sendo teorizada como externa, contudo, o último vestígio dessa extemalidade estavasendopraticamentedestruído." A tradição positivista pressupõe que a natureza existe nela e por ela mesma, externa às atividades humanas. Assim,além deextema, o paradigma positivista revela uma concepção dualística da natureza. Conforme os autores considerados, a concepção positivista de natureza é dada dualisticamente, contraditoriamente, por um dos três principais caminhos: a) A "natureza" é estudada exclusivamente pela ciência natural, enquanto a ciência social preocupa-se exclusivamente com a sociedade, a qual não tem nada a ver com a natureza; b) A "natureza" da ciência natural é supostamente independente das atividades humanas, enquanto a "natureza" da ciência social é vista como criada socialmente. Portanto, permanece uma contradição da natureza real, que incorpora a separação entre o humano e o não-humano; c) A terceira contradição dispersa a natureza humana dentro da natureza externa. O comportamento humano é regido pelo conjunto de leis que regulam os mais primitivos artrópodes. Essa visão determinista é defendida pelo darwinismo social e grande parte do behaviorismo. Na prática, observa-se que a natureza humana demonstra o seu domínio sobre as "leis da natureza" no processo de apropriação. Marx, que elaborou uma teoria não-sistemática da natureza, oferece uma alternativa unificada e não-contraditória de natureza. Essa teoria, elaborada como crítica à economia política clássica, é comumente chamada de materialismo histórico, por ter a história como unidade com a natureza. É através da transformação da primeira natureza em segunda natureza que o homem produz os recursos indispensáveis a sua existência, momento em que se naturaliza (a naturalização da sociedade) incorporando em seu dia-a-dia os recursos da natureza, ao mesmo tempo em que socializa a natureza (modificação das condições originais ou primitivas). Considera, portanto, a natureza em dois momentos, cuja transição acontece ao longo da história, através do processo de apropriação e transformação realizado pelo homem. "A história pode ser considerada de dois lados, dividida em História da Natureza e História dos Homens. No entanto, esses dois aspectos não se podem separar " (Marx, 1970). Para Marx, a natureza separada da sociedade não possui significado. A natureza sempre é relacionada material e idealmente com a atividade social. A "primeira natureza" é entendida como
  • 5. aquela que precede a história humana. Portanto, onde as propriedades geoecológicas encontram-se caracterizadas por um equilíbrio climáxico, entre o potencial ecológico e a exploração biológica. Ë todas as alterações acontecidas resultam dos próprios efeitos naturais - alterações climáticas, atividades tectônicas... - onde as próprias "leis da natureza" respondem pelo reequilíbrio de fases resistásicas. Essa natureza deve ser entendida ao longo do tempo geológico, desde o pré-cambriano até o "alvorecer" da existência humana. Portanto, toda transformação e modificação acontecida encontra-se inserida numa escala de tempo geológico, normalmente imperceptível numa escala de tempo humana. Com o aparecimento do homem, em algum momento do pleistoceno, a evolução das forças produtivas vai respondendo pelo avanço na forma de apropriação e transformação da "primeira na- tureza", criando a "segunda natureza". Assim, conclui-se que a história do homem é uma continuidade da história da natureza; não / existindo, portanto, uma concepção dualística de natureza, onde a i segunda natureza é vista como primeira. As leis que regulam o desenvolvimento da segunda natureza, não são, ao todo, as que os físicos encontram na primeira natureza. Elas não são leis invariáveis e universais, conforme observam Smith & O'Keefe (1980), uma vez que as sociedades estão em curso, constantemente se transformando e se desenvolvendo.) Daí se conclui que a forma de apropriação e transformação da natureza é determinada pelas leis transitórias da sociedade. Em síntese, a dialética de Marx é uma maneira de pensar completamente diferente da lógica formal da ciência positivista. Descreve a produção como um processo pelo qual a natureza é alterada. ... É uma eterna necessidade material imposta, sem a qual não podem existir trocas materiais entre os homens e a natureza e, portanto, a vida (Marx, 1967, p. 43). Trata-se, portanto, de um processo de produção da natureza, onde a natureza e o homem se integram e interagem. Esse processo de apropriação e transformação da natureza pelo homem, coloca em movimento braços e pernas, cabeças e mãos, em ordem para apropriar a produção da natureza numa forma adaptada às suas próprias necessidades. "Por assim agir no mundo externo e mudando-o, ele ao mesmo tempo muda sua própria natureza" (Marx, 1967). A natureza, conforme expressou Engels (1979, p. 33), é: “a pedra de toque da dialética, e devemos assinalar que as modernas ciências naturais nos brindam, como prova disso, com um acervo de dados extraordinariamente copioso e enriquecido a cada dia. Na natureza tudo acontece de modo dialético e não metafisicamente (não se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira história). Aqui há que lembrar, em primeiro lugar, Darwin, que ao demonstrar que toda a
  • 6. natureza orgânica existente — plantas e animais, e entre eles, também o homem - é produto de um processo de evolução de milhões de anos, golpeou rudemente a concepção metafísica da natureza. A vida aparece e se desenvolve no meio natural, portanto a história da humanidade é a continuação da históriadanatureza.Essa interação dialética justifica o aspecto existencial e leva a pensar o homem como ser natural, devendo-se, contudo, entendê-lo, primeiramente, como um ser social. "... Enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos homens se condicionarão reciprocamente" (Marx & Engels, 1970); ou ainda, conforme Moreira (1982, p. 36), "a razão reside na naturalidade da história e na historicidade da natureza, fundindo-se em um plano história dos homens ehistóriadanatureza". Conforme se observou, JJjel§5ã^Jijpjnen>natureza_é um processo de produção de mercadorias ou de produção da natureza. Portanto, o homem não é apenas um habitante da natureza; ele se apropriaetransformaas riquezas danaturezaemmeiosdecivilizacãohistóricaparaasociedade. Marx, em Gríidrisse, admite que a riqueza não é outra coisa senão o pleno desenvolvimento do controle do homem sobre as forças da natureza. Incorporar a natureza produtiva não significa, do ponto de vista materialista, eliminar a dependência do homem com relação à natureza, pelo contrário, é administrar tal dependência comcertascondições(Prestipino,1977). Conforme Biolat (1977, p. 13), "a sociedade está numa relação direta com a natureza por todo um processo de produção de bens materiais e de desenvolvimento cultural dos homens, destinado a satisfazer as suas necessidades". Para Lenin (apud Biolat, 1977), "o domínio da natureza realizado na prática humana, resulta deuma representaçãoobjetivamentefieldosfenómenosedosprocessos naturais". O TRABALHO COMO MEDIADOR DAS RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA O que assegura a unidade dialeticamente contraditória, a inte-ração de sociedade e natureza, do homem e seu habitat, premissas e condições da atividade vital do homem? O marxismo tem dado uma resposta clara e definitiva: éaproduçãomaterial. O trabalho é, num primeiro momento, um processo entre a natureza e o homem, processo em que este realiza, regula e controla por meio da ação, um intercâmbio de materiais com a natureza (Marx, 1967, p. 188).
  • 7. Desse intercâmbio de materiais se logra a unidade do homem com a natureza; esta se transforma e se adapta as necessidades daquele; cria-se uma "segunda natureza", um habitat artificial do homem, determinado pelaspeculiaridadesdaculturaedaorganização social. Por outra parte, a produção material, a atividade do homem influi poderosamente na biosfera e, em geral, no próprio habitat do homem, não só de maneira positiva, como também negativa. A chave da solução científica está na análise dos fatores sociais, nosfatosespecíficosdaproduçãodeterminada poressesfatores. A natureza é, pois, para o homem, um depósito inesgotável deobjetosdetrabalho. Os homens buscam e encontram nela a matéria e a energia necessárias para produzir artigos de uso e consumo e meios de trabalho. Quanto maiores são as riquezas naturais incorpo- radas à produção dos meios de vida, tanto mais poder tem o homem sobre a natureza (Glezerman & Kursanov, 1978, p. 52-3). A atividade do homem entra em relação produtiva e cognos-citiva com a natureza através do trabalho, o que o difere dos demais animais;eletransformaanaturezaemobjetodaprópriaconsciênciateórica. O homem separa-se precisamente, dos outros animais, a partir do momento em que começa a produzir e reproduzir suas condições de vida, quando desenvolve as potencialidades não só de seu próprio organismo, como também dos instrumentos criados para ampliar o poderio de suas mãos e de seus braços. Esse domínio gradativo sobre os meios de trabalho vai libertando o homem das limitações que até então lhe impunha a natureza exterior, com a qual se sentia organicamente identificado; ao mesmo tempo este vai elaborando um novo modo de relacionamento com ela, ao se apropriar de suas características menos aparentes para submetê-la à sua vontade, uma vontade que vai apurando em fins objetivos e necessidades sempre mais definidos (Santos, 1984, p. 22). Essa relação de apropriação e transformação fundamentada no materialismo histórico se constituiu por longo tempo em determinismogeográfico,comofalsidadeideológicaimpostapelosistemadedominação. Quanto mais a sociedade se desenvolve, mais ela transforma o meio geográfico pelo trabalho produtivo social, acumulando nele novas propriedades. Em síntese, "a sociedade depende tanto mais da natureza ambiente (sic) quanto ela é mais fraca e quanto mais mergulhanopassado"(Podossetnik&Spirkine,1966,p.16). A sociedade é, portanto, um organismo social complexo, cuja organização interna representa um conjunto de ligações e relações fundamentadas no trabalho. Esse trabalho encontra-se diretamente vinculado aos recursos oferecidos pela natureza. Portanto, a natureza resultante da pura combinação dos fatores físicos, químicos e
  • 8. biológicos, ao sofrer apropriação e transformação por parte do homem, através do trabalho, converte-se em natureza socializada ou "segunda natureza", caracterizando as relações que incorporam as forças produtivas nos diferentes modosdeprodução. Assim, o trabalho é visto como mediador universal na relação do homem com a natureza, o que leva a admitir que a chamada relação homem-natureza é relação de trabalho. A separação entre o homem e as condições naturais de sua existência, observada i anteriormente,nãoéparaMarx"natural",mashistórica. A natureza está no homem e o homem está na natureza, porque o homem é produto da história natural e a natureza é condição concreta, então, da existencialidade humana. Mas como é o trabalho que está verdadeiramente tecendo a dialética da história, é ele que faz o homem entrar na natureza e a natureza estar no homem (Moreira, 1981, p. 81). Ainda, com relação ao trabalho, dizem os economistas que é afontedetodariqueza. E o é, com efeito, a par da natureza, que se encarrega de proporcionar-lhe a matéria destinada a ser convertida em riqueza pelo trabalho. Mas é infinitamente mais que isso. O trabalho é a primeira condição fundamental de toda vida humana, a tal ponto que, em certo sentido, deveríamos afirmar que o próprio homem foi criado por obra do trabalho. (...) Assim, pois, a mão não é somente o órgão do trabalho, mas é, também, o produto deste (Engels, 1979, p. 142-3). Apráticadohomemestádiretamenteligadaasuahistória. RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA O modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os homens se relacionam entre si. "Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações; através desses vínculos e relações sociais, e só através deles, é que se relacionam com a natureza" (Marx, 1967, p. 441). Em síntese, pode-se concluir que os fenómenos resultantes da relação homem-natureza encontram-se determinados pelas relações entre os próprios homens, em um determinado sistema social, conforme esquema:
  • 9. P o r t a n t o , a transformação da natureza pelo emprego da técnica, com finalidade de produção, é um fenómeno social, representado pelo trabalho. Daí se infere que as relações de produção entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econômico-social e, por conseguinte, as relações entre a sociedade l e a natureza. Para melhor compreensão de tais fenómenos, necessário se faz observar as relações evidenciadas nos diferentes modos de produção. Inicialmente, deve-se considerar a base ou infra-estrutura do modo de produção, comandada pelas relações de produção. Conforme se observou, as relações de produção referem-se às relações entre os próprios homens, responsáveis pelas relações de trabalho, forma de propriedade e relações dedistribuição e trocanos diferentessistemas. As forças produtivas, por sua vez, que tratam das relações do homem com a natureza, correspondem a determinadas relações de produção, evidenciadas nas diferentes fases da história da humanidade. Os elementos internos das forças produtivas são justificados por duas grandes categorias analíticas: a força de trabalho e os meios de produção, onde se inserem o objeto de trabalho (a própria terra) e os instrumentos detrabalho, quese encontram numa dependênciadiretadograudedesenvolvimentocientffico-tecnológico(fig.1). Portanto, é nas forças produtivas da base do sistema que se evidenciam as relações entre o homem e a natureza que, através do trabalho, respondem pela produção material do espaço. Tais forças produtivas, conforme se considerou, vinculam-se às relações de produção, determinantes das relações de trabalho e da forma de propriedadenosdiferentesmeiosdeprodução. Asrelaçõesdeprodução(relaçõeshomem-homem),aomesmotempoemqueimplicamasrelaçõesentreo homem e a natureza (forças produtivas), respondem pelo comportamento da superestrutura (concepções político- jurídicas, filosóficas, religiosas, éticas, artísticas e suas instituições correspondentes, representadas pelo próprio Estado). Deve-se observar, contudo, que as forças produtivas são os elementos mais dinâmicos e revolucionários da produção e que também a superestrutura não é algo passivo. Enfim, as forças produtivas, em sua unidade dialética com as relações de produção, constituem a base material do modo de produção que caracteriza cada época histórica. Ou ainda, enquanto as forças produtivas respondem pelo conteúdo do processo produtivo, as relações de produção caracterizam a forma económica e social do referido processo (fig. 1). "Só no quadro dessas relações económicas (relações de produção), nem sempre tangíveis e visíveis, existe a relação dos homens com a natureza e tem lugar a produção social" (Ilíne & Motiliov,1986). Ainda, partindo do princípio de que enquanto o conteúdo da base material (forças produtivas) não se constitui em fator de mudança radical da sociedade, o que é justificado pelo estágio em que se encontra, entende-se que a forma (relação de produção) assume papel de domínio no sistema de relações sociais, o que é corroborado pela superestrutura ideológica. Assim, admite-se que o meio naturaléosubstratoemqueasatividadeshumanasrespondem
  • 10. pelaorganização do espaço, conforme os padrões económicos e culturais. Portanto, quanto maior o avanço científico- tecnológico de um povo, menores serão as imposições do meio natural e maiores as transformações acontecidas, o que implica o próprio comportamentoambiental. A história do homem tem demonstrado a procura permanente de sua harmonia com a natureza, o que não exime a degradação ambiental de ser considerada também histórica: inicia com a agricultura predatória na África (6.000 a.C.), continua com a quebra do equilíbrio natural decorrente da substituição da população nómade pela sedentária, como nas estepes da Ucrânia e América e intensifica-se com a implantação do sistema capitalista. Em 1844, Engels, referindo-se à classe operária, mostrava quanto a atmosfera de Londres ou Manchester era mais pobre de oxigénio e mais rica emgáscarbónicodoqueaatmosferadocampo(Biolat,1977). Essas transformações são relativamente rápidas se comparadas com o estágio evolutivo da natureza. Basta imaginar que os homens,lavrandoaterratodososanos, reviram uma massa três vezes maior que todos os produtos vulcânicos jorrados durante o mesmo tempo das entranhas do solo. Durante os últimos cinco séculos, a humanidade extraiu do subsolo pelo menos cinquenta bilhões de toneladas de carvão e dois bilhões de toneladas de ferro. Durante o último século, as fábricas adicionaram à atmosfera, cerca de 360 bilhões de toneladas de gás carbónico, o que aumentou o seu teor em cerca de 13%. Calcula-se que a quantidade de gás carbónico atualmente adicionada à atmosfera chegue a aumentar a temperatura média de um grau a um grau e meio (Podossetnik & Spirkine, 1966, p. 16). A forma de apropriação e transformação da natureza responde pela existência dos problemas ambientais, cuja origem encontra-se determinada pelas próprias relações sociais. Ou conforme Biolat (1977), "o homem, ao atuar para modificar a natureza, provoca, por sua vez, efeitos sobre o seu pensamento, o que acarreta a necessidade de novas relações entre os homens, para melhor dominar a natureza". Em síntese, conclui-se que uma nova estrutura sócio-econômica implantada em uma região implica uma nova organização do espaço, que por sua vez modifica as condições ambientais anteriores. Ou ainda conforme Tompes da Silva (1988), a ausência de um equilíbrioouharmonianarelaçãohomem-naturezadecorreemprimeirolugar de uma relação de negatividade onde a sociedade encontra-se em contradição com a natureza, e por ser assim a recria e a modifica constantemente; em segundo lugar, essa relação, em oposição ao que imaginava Feuerbach, apresenta-se em constante movimento e transformação. Ela muda na medida em que se altera o modo de produção, em que se muda a indústria, a divisão de trabalho, o intercâmbio, etc.
  • 11. RELAÇÃOHOMEM-NATUREZANO SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA A utilização espontânea da natureza, onde está implícita a dilapidação de suas riquezas, esboçou-se nas primeiras etapas da história da sociedade e se acentuou na época feudal, porém, alcançou um grau máximo no curso da sociedade capitalista. ^'O capitalismo cria a grande produção e a competição, que levam aparelhada a dilapidação da capacidade produtivada terra" (Marx, 1967). Ou ainda,conformeFrolov(1983,p.19), no capitalismo, a produção material se inspira na obtenção de benefícios; é um processo de desenvolvimento das forças produtivas imanentes que não se conjuga com as necessidades e demandas do indivíduo real, nem com as possibilidades e os limites da natureza exterior. Conforme Duarte (1986, p. 47), no capitalismo, "quanto mais o trabalhador se apropria da natureza, mais ela deixa de lhe servir comomeioparaoseutrabalhoemeioparasipróprio". A título de exemplo, no sistema de produção capitalista, as relações de trabalho respondem pela exploração da força de trabalho (trabalho assalariado, cujo pagamento não corresponde ao produzido, gerando "mais- valia"), e a forma de propriedade dos meios de produção é privada. Apenas a força de trabalho não se caracteriza como propriedade do capital, o que processa verdadeiras maquinações das relações de produção, como a criação do exército de reserva, que implica a relação.oferta-procura, e consequente controle salarial do trabalhador. Trata-se portanto, de uma relação de classe,tendodeum ladooproprietáriodo dinheiroou da mercadoria, e de outro, homens que não possuem nada senão sua própria forçadetrabalho. No capitalismo dependente e excludente como o brasileiro, tais considerações se agravam. Se por um lado o Estado é permeável às determinações do capital estrangeiro, o que pode ser justificado pelo grau de dependência gerado pela dívida externa, por outro, encontra-se subordinado aos interesses do capital interno, como o dos grandes latifúndios ou grandes grupos económicos. A imposição ao direito da propriedade é tal que acaba obstando a possibilidade de uma reforma agrária, apesar de esta se constituir em alternativa para a própria evolução capitalista. A ação governamental encontra-se fundamentada na legislação vigente, que tem por função, proteger o capital. Portanto,oEstadoexerce aviolênciaquelegitimaosprivilégiosdeclasse. A filosofia idealista, por sua vez, impede uma visão da estrutura aqui apresentada, procurando justificar os efeitos através de causas indiretas, o que automaticamente é repassado ao desenvolvimento científico. Como exemplo, as ciências humanas sempre foram relegadas a um segundo plano (ao contrário das ciências ditas "nobres"), por terem tido uma função inútil, quando na realidade possuem uma importância fundamenta] no desenvolvimento da consciência social. A geografia desde sua sistematização como ciência sempre serviu ao
  • 12. poder, o que levou Lacoste (1976) a assinalar a dupla função histórica que sempre a caracterizou: a geografia do poder, aquela utilizada pelas forças armadas, com objetivo estratégico-político; e a geografia dos professores, que foi introduzida na vida académica por Vida! de La Blache, no século XIX, na França. O próprio sentido da geografia possibilista lablachiana demonstra sua função servil, ao combater a geografia determinista alemã (Ratzel), utilizando-se da neutralidade científica. Portanto, a neutralidadecientífica,queéumapostura filosóficacom finalidade de mascarar a realidade objetiva, foi e continua sendo difundida com base nos pressupostos positivistas. As pesquisas, por sua vez, nessa visão de neutralidade, ou são inúteis ou possuem a finalidade de contribuir para a geografia do poder, relegando o sentido social da ciência, deixando de contribuir para o desenvolvimento de uma consciênciacritica. Como se observa através da própria evolução do pensamento cientifico, a geografia tem sido resistente ao conceito contraditório de "natureza", sobretudo a partir do momento em que se interessa pelas relações entre o homemeanatureza. Assim sendo, o caráter dual imposto pelo modo de produção capitalista tem se constituído em recurso ideológico para falsear a relação dialética entre o homem e a natureza e, por conseguinte, impediraparticipaçãoda força de trabalho no processo produtivo. Como a sistematização tanto da geografia como da própria geomor-fologia, a ser considerada oportunamente, acontece com o processo de expansão capitalista (fins do século XVIII), toma-se evidente a vinculação da estrutura filosófico-ideológica voltada aos interesses do capital. Isso tem sido repassado por diferentes gerações, respondendo pelo processo de alienação em detrimento da formação crítica da consciência social. A mesma estratégia ideológica pode ser sentida com relação ao processo de importação de cultura, podendo esteserexemplificado através do prestígio da música estrangeira e a carência de recursosparaaproduçãoda culturanacional. Por outro lado, a mídia tem sido importante instrumento do sistema, contribuindo para a deformação da personalidade. A ideologia capitalista, sob enfoque positivista, convence as "massas" de que o aumento dos conhecimentos técnicos e o desenvolvimento industrial se constituem, automaticamente, em bem- estar social, deixando de observar "de quem". A ideologia do Estado e o poder dos meios de comunicação visam a uniformização cultural, a eliminação das resistências e diferenças, a unificação do mercado de consumo e a inte- gração da paisagem nacional modificada pelo progresso (Mine, 1987). Os próprios movimentos ecológicos, na maior parte das vezes despreparados politicamente, não comprometem o sistema de produção responsável, admitindo que as questões ambientais se origi- nam exclusivamente das relações entre o homem e a natureza. É como depositar na pessoa do
  • 13. trabalhador a responsabilidade pelas formas de exploração inadequada das forças produtivas, ou encarar o problema sob o aspecto estritamente técnico. Se o modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os homens se relacionam entre si, não se pode trabalhar seriamente no movimento ecológico sem precisar muito bem o significado das relações sociais em que vivemos, para a compreensão de nossas relações com a natureza (Porto Gonçalves, 1984). Na realidade, capital e trabalho são antagónicos, uma vez que o capital é gerado pela exploração do trabalho ao entrar em contradição com a natureza. "Como o processo de trabalho é uma relação homem-meio, apontada para o lucro pela via de produção de mercadorias de baixo custo, a relação é de predação" (Moreira, 1981). APROPRIAÇÃOPRIVADADANATUREZACOMORELAÇÃODENEGATIVIDADE A visão de natureza externa à sociedade, o objeto totalmente alheio ao sujeito, constitui-se em argumento puramente ideológico, rigorosamente não dialético. Trata-se do ocultamente da própria relação entre o homem e a natureza. Ao mesmo tempo em que externaliza a natureza, o homem apropria-se dela, produzindo uma relação contraditória: a natureza é considerada externa, mas feita como interna. Ou ainda, conforme Burgess (1978), a natureza não permanece muito tempo externa, tornando-se cada vez mais difícil de se conceber sua ex-temalidade: "a produção dos solos deficientes e a degradação geral de muitas terras agrícolas; a produção de paisagens culturalmente deficientes; a poluição e a erradicação da disponibilidade de recursos...". Conforme se constatou anteriormente, as relações de produção entre os homens respondem pelas relações da sociedade com a natureza, e conseqüentemente, pela organização do espaço produtivo social. Partindo do princípio de que "a principal relação homem-ho-mem é justamente a relação de propriedade das forças produtivas" (Moreira, 1987), conclui-se que é a relação homem-homem que dá a direção geral à relação homem-meio. Como a relação homem-meio contém em si duplo aspecto, ou seja, é relação ecológica e é relação histórico-social, tem-se que a questão ambiental encontra-se fundamentada na relação de propriedade das forças produtivas, determinada pelas relações homem- homem.
  • 14. Portanto, a forma como os homens se relacionam com a natureza depende fundamentalmente da relação de propriedade das forças produtivas. Rousseau, em 1755, já observava que a corrupção das sociedades civilizadas começa no momento em que surge a propriedade privada, momento esse que se refere à conversão do espaço em "mercadoria" (expressão formal do valor de troca). À medida que o caráter da propriedade privada é desenvolvido (apropriação privada da natureza), o acúmulo de capital se torna consequência, o que além de responder pelo processo de degrada- ção ambiental, responde pelo antagonismo de classe. O agravamento dos problemas ambientais nasce portanto com as relações de propriedade privada e os antagonismos de classe, responsáveis pela alteração da raiz da estrutura social e, por conseguinte, das relações'entre o homem e a natureza. Em síntese, os impactos ambientais têm se agravado em função do maior desenvolvimento anárquico das forças produtivas que estruturam o modo de produção capitalista, enquanto as relações deproduçãosãorelaçõesdedomínioesubmissão. É dessa relação que se constata o grau de dilapidação da capacidade produtiva da terra, com crescente degradação da natureza, determinada por um aproveitamento generalizado e mais intenso dos recursos naturais, sobretudo através do processo de industrialização, urbanização e agricultura predatória. Como reação a esse processo surge um amplo movimento social em defesa da natureza, visando um aprimoramento do meio ambiente e uma exploração maisracionaldosrecursosetambémassegurarsuareprodução. Surge portanto a "ecologia" (oikos, casa), ciência que estudaomeioondehabitamosseresvivos. Conforme Guerasimov (1983), o conceito "ecologia" aparece com a concepção evolucionista da natureza de Darwin, onde se observam as relações entre a biota (plantas e animais) e o habitat. Portanto, a ecologia se desenvolvenas ciênciasbiológicas. O marxismo, por sua vez, com sua concepção científica das leis do desenvolvimento da sociedade, "desvinculou o homem do mundo animal, como fenómeno sociobiológico, e determinou que sua população é em primeiro lugar uma formaçãosocial". Assim, rompeuolimitedeenfoquepuramentebiológicodaecologia. A doutrina de Marx e Engels sobre as leis do desenvolvimento da sociedade, baseada na atividade laborial dos homens e nas relações sociais que se formam entre eles, exclui a possibilidade de explicar as relações mútuas da sociedade e do meio natural unicamente através das leis biológicas (Guerasimov, 1983). Estudos realizados nos últimos anos, para compreender a essência da revolução científico-tecnológica contemporânea e seus impactos sobre o meio ambiente, têm estendido os limites do conceito de ecologia, introduzindo na ciência, junto com outros, os termos "ecologia do homem" e "ecologia da sociedade", e atri-
  • 15. buindo um conteúdo vago às relações entre o homem e a natureza (Guerasimov, 1983). Observa-se portanto, um processo de "ecolo-gizaçáo"das ciências naturais esociaiscontemporâneas. Tais investigações, por mais diversos que sejam os objetivos do estudo, procuram analisar os vínculos existentes entre o meio ambiente,ohomemeasociedade. O SIGNIFICADO DO RELEVO NO ESTUDO AMBIENTAL Guerasimov (1983), após demonstrar o processo de ecolo-gizaçâo das ciências contemporâneas, individualiza a geografia pelo conteúdo de enfoque que apresenta. "A rigor, a geo- grafia tem estudado sempre o meio ambiente, tomado em seu conjunto como um sistema em que estão incluídos os componentes naturais e sociais (tecnológicos)." Admite-se, portanto, o significado do estudo geográfico do entorno, como condição indispensável para toda investigação ecológica. Demonstra ainda que a geografia contemporânea está preparada mais que outras ciências para os estudos ecológicos, uma vez que dispõe dos métodos necessários e, o que é mais importante, possui uma imensa informação científica sobre o grau e as formas de sua potenciação e aproveitamento económico. Ao tratar das questões ambientais, a geografia permite a aproximação do homem com a natureza, rompendo a visão djcotô^ mica e afirmando a unidade dialética. "É necessário que a nossa categoria supere a visão dicotômica jsjavgçrç^^ pois assim procedendo teremos condições efetivas de dominar a amplitude interdependente do complexo homem-natureza" (Gomes, 1988). A geografia, com suas grandes possibilidades potenciais de enfocar em conjunto o estudo dos fenómenos naturais e sociais, habilita-se a oferecer as orientações científicas principais dos estudos ecológicos assim definidos: controle sobre as mudanças do meio ambiente originadas pela atividade do homem (monitoramento antrópico); prognósticos geográficos científicos das consequências que implicam a influência de atividade económica sobre o entorno; preservação, debilitamento e eliminação das calamidades naturais; otimização do meio nos sistemas técnico-naturais que o homem cria (Guerasimov, 1983). GEOSSISTEMA COMO PONTO DE PARTIDA
  • 16. Em síntese, para tratar das questões ambientais e das leis da sociedade que determinam as relações de produção (ou são por elas determinadas), necessário se f az o entendimento das leis da natureza. Segundo Engels (1976), ... somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da natureza; nós lhe pertencemos, com a nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro; estamos no meio dela; e todo o nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente. Embora a terra possa ser considerada um enorme sistema, encontra-se representada por três subsistemas integrados: o atmosférico, o continental ou litosférico e o aquático ou hidrosférico (fig. 2). Na zona de interação dessas três unidades ocorre a vida (subsistema biosférico). Numa relação direta do sistema natureza em relação ao homem, Gregoriev (1938) considerou o estrato geográfico da terra composto pela crosta terrestre, hidrosfera, baixa camada da atmosfera (troposfera), cobertura vegetal e reino animal que, em conjunto, definem os ambientes onde vivem os homens socialmente. Ou ainda, conforme Mine (1987, p. 16), a natureza "é um palco iluminado pelo sol, onde coexiste uma série de formas de vida, através de numerosos fenómenos biológicos, químicos e físicos que se integram e se completam alimentando-se reciprocamente". Portanto, refere-se a um conjunto de ecossistemas em equilíbrio dinâmico, em que qualquer intervenção num ponto do sistemarepercutenoconjunto. A intervenção dos referidos subsistemas não pode, portanto, ser entendidade forma dissociada, uma vez que implicaria a ruptura das relações processuais como um todo, proporcionando uma abordagem metafísica. Assim, todo conjunto pertence a um sistema, cujas ações e reações estão condicionadas pela matéria (em seus três estados)epelasfontes energéticas (internaseexternas). A interdependência das unidades consideradas foi tratada por Kalesnik (1958) em artigo que destaca o significado da geografia física como ciência de integração. Utiliza-se do conceito de "Landschaft-esfera" como objeto da geografia física, onde a referida integração é vista através das leis geográficas gerais da terra, ou leis da Landschaft-esfera, que são: 1) integridade, unidade da sua composição e da sua estrutura; 2) existência dos fenómenos circulares da matéria e energia; 3) presença do ritmo em seus fenómenos; 4) coexistência da estrutura da Landschaft-esfera de particularidades zonais e azonais; e 5) continuidade de sua evolução, cujo resultado é a luta dos processosexógenoseendógenos.
  • 17. Através das leis que compõem a Landschaft-esfera evidencia-se a interação de um sistema material único e integral. Tal fato pode ser compreendido através da "relação entre o clima e o relevo, o clima e a formação dos solos, o clima e mundo orgânico...". Nesse sistema geral de relação, o homem está presente, desempenhando papel considerávelnomovimentocirculardassubstânciasdaterra. Os processos circulares são os grandes responsáveis pela dinâmica processual, podendo ser caracterizados pela circulação atmosférica, o ciclo da água e uma infinidade de outros exemplos. Devem ser vistos como sistemas abertos, considerando-se a troca de energia e matéria existentes entre os diferentes componentes, ou conforme o autor, "seria preferível representá-los simbolicamente como uma curva traçada em pontos de circunferênciadeumarodaquegiraemlinhareta". Os fenómenos rítmicos (diurnos, sazonais, anuais...) caracterizam as diferenças nas relações internas da paisagem. Porexemplo,cadapaisagem apresentaum ritmoanual esofremudanças deacordocomasestações. A zonalidade, por sua vez, resulta dos fenómenos que se processam na superfície do globo, sendo a forma da terra e sua posição em relação ao sol, as causas principais dessas diferenciações. Além disso, a repartição irregular entre terra e água, diferenças térmicas das correntes marítimas, além de outros fatores, fazem com que a natureza não se pareça com a matemática. Apesar das determinantes exógenas nas diferenciações zonais - o que faz entender a zonalidade de forma dinâmica -, deve-se considerar ainda as implicações endógenas, como as forças tectogenéticas, quecaracterizamosprocessosazonais. Por último, observa Kalesnik (1958), através da continuidade da evolução, que a "Landschaft-esfera desenvolve-se pela força de suas contradições internas. As influências externas, como a radiação solar, criam as condições de seu desenvolvimento". Ou ainda, a origem e evolução dinâmica da Landschaft-esfera resulta do en- contro de inúmeras tendências antagónicas que nela se acham unidas. O homem se faz presente nesse sistema geral de relações, exercendo grande pressão sobre o meio geográfico e influenciando o movimento circular das substâncias da terra. Isso pode responder por alterações dos fenómenos rítmicos (disritmias), os quais, ampliando a escala de abrangência, poderão influenciar na dinâmica zonal, e em última instância, ter implicações na manutenção do equilíbrio dinâmico e conseqüentemente na continuidadedaevoluçãodaLandschaft-esfera. Bertrand (1968), a ser melhor considerado adiante, incorpora os diferentes subsistemas - litosfera, atmosfera e hidrosfera - no conceito de "potencial ecológico" (relevo, clima e hidrologia), enquanto a biosfera vincula-se à "exploração biológica" (vegetação, solo e fauna). O equilíbrio existente entre o potencial ecológico e a exploração biológica caracteriza o "equilíbrio climáxico", muitas vezes rompido pela intervenção do homem na "exploraçãobiológica"(por exemplo,o desmatamentoparaodesenvolvimentodedeterminadoprojeto). Se por um lado a análise dos sistemas naturais é comandada pelas leis da própria natureza, sua apropriação pelo homem (produção da natureza) responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira
  • 18. significativa a atividade do sistema (segunda natureza). Portanto, as propriedades geoecológicas convertem-se em propriedades sócio-reprodutoras (como suporte ou recurso), momento em que surgem as consequências ambientais. Deve-se acrescentar que a escala de abrangência de tais problemas aumenta numa relação direta ao processo e modo de produção, quandooshomenscontraemdeterminadosvínculoserelaçõessociais. Em síntese, é preciso oferecer subsídios ao conhecimento sistemático dos sistemas naturais, procurando entendê-los sempre num processo de interação e interconexão, onde o homem se faz presente. Portanto, o conhecimento sistemático dos subsistemas deve envolver questões relativas à atmosfera, hidrosfera, litosferaebiosfera,tendoohomem como agenteresponsável pelaorganizaçãodoespaçoprodutivosocial. Apesar de as considerações serem lógicas e tais conhecimentos integrarem a maior parte dos currículos do curso de geografia, deve-se observar a necessidade de serem estruturados segundo as preocupações ambientais, como as alterações físicas e químicas dos solos, a contaminação das águas superficiais e lençóis freáticos, as disritmias pluviométricas e efeitos de deserti-ficação, a ocupação das vertentes e processos morfogenéticos resultantes... Em síntese, ao se procurar abordar as derivações ambientais processadas pelo homem, deve-se entender que tudo começa a partir da necessidade de ele ocupar determinada área, que se evidencia pelo relevo, ou mais especificamente, individualiza-se pelo elemento do relevo genericamente definido por vertente. Assim, a ocupação de determinada vertente ou parcela do relevo, seja como suporte ou mesmo recurso, conseqüentemente responde por transformações do estado primitivo, envolvendo desmatamento, cortes e demais atividadesqueprovocam asalteraçõesda exploração biológica e se refletem diretamente no potencial ecológico. ORELEVONAANALISEGEOGRÁFICO-AMBIENTAL O relevo, como componente desse estrato geográfico no qual vive o homem, constitui-se em suporte das interações naturais e sociais. Refere-se, ainda, ao produto do antagonismo entre as forças endógenas e exógenas, de grande interesse geográfico, não só como objeto de estudo, mas por ser nele - relevo - que se reflete o jogo das interações naturais esociais. Evidentemente que nem a energia interna atua de forma homogénea na crosta terrestre, nem a energia solar é igual em toda a superfície da terra. Diante da variação do grau de atuação de uma e outra tem-se, na superfície da terra, uma gama de paisagens que são respostas às diferentes formas de ações e reações da matéria, ante a atuação das energias endógenas, as forças tectogenéticas, e exógenas, os mecanismos morfoclimáticos (Ross, 1987, p. 6).
  • 19. Os trabalhos gerados pela relação entre tais forças não podem ser vistos como produtos acabados, e sim como produtos em permanente modificação, dada a constante ação e reação entre matéria e energia, interagindo atravésdosdiferentes componentesdanatureza. Penteado Orelhana (1981) afirma que o relevo se constitui na "interface da atmosfera e hidrosfera, que fornece os recursos vitais e a antroposfera é o pátio do desempenho humano para o qual deve ser dirigida a atenção sobre a avaliação dos sistemas de relações. Nessa superfície de contato, o homem agride, corrige e torna economicamente produtivos sistemas naturais que, nas formas originais, eram incapazes de prover as necessidades humanas". Portanto, o homem, ao integrar a natureza, tem se mostrado capaz de alterar as relações processuais naturais, portanto, alterar o próprio relevo, através de modificações da "exploração biológica" (vegetacão, solo e fauna), o que implica a ruptura climáxica (equilíbrio existente entre a "exploração biológica" e o "potencial ecológico", representadopelorelevo,climaehidrologia) aserconsideradaoportunamente. Ao mesmo tempo em que o relevo terrestre refere-se a um componente da natureza, constitui-se em recurso natural, o que o reveste de interesse geográfico e, portanto, de preocupação ambiental, uma vez que jamais poderá deixar de ser tratado sob o prisma antropocêntrico. Fairbridge (1971) chega a exagerar tal im- portância, ao considerar a paisagem morfológica como recurso natural principal do homem, "substrato de todos os outros recursos daterra, sem o que tudo mais será secundário e abstraio". Contudo,deve-seressaltarosignificadoque o relevo desempenha para o homem, ao considerá-lo como resultante do subsistema litosfera, económica e socialmente. Assim, o estudo do relevo feito pela geomorfologia passa a assumirumaperspectivadegeografiaglobal que, por sua vez, procura ocupar o espaço de direito, correspondente ao ternário ambiental. Trata-se de reforço de uma perspectiva histórica da própria geomorfologia, como se constatará a seguir, diferente do modismo da ecologização. CONCEITODEGEOMORFOLOGIA Antes de se fazer qualquer comentário a respeito do assunto, convém apresentar algumas considerações do que seja a geomorfologia. Trata-se de um ramo principal da geografia, ainda de pouca divulgação popular, apesar da importância social de que se reveste,sobretudoquantoàsquestõesambientais. A conceituação dificilmente será feita através de uma análise etimológica da palavra, lembrando que seu campodeestudoérestrito que o sugerido (limitações positivistas), conforme bem lembrou Sparks (1972). O "estudo das formas do relevo" não se restringe apenas à ciência geomorfológica, como por um número razoável de outras ciências, entre as quais deve-se considerar a geologia, a geodésia, a
  • 20. geofísica e a própria geografia. Entretanto, a forma como propõe e desenvolve a análise do relevo é própria, definida a partir da obra de James Hutton (1726-1797), primeiro grande fluvialista e criador da teoria do "atualismo". Entendida como uma ciência que busca explicar dinamicamente as transformações do geo- relevo, portanto, não apenas quanto à morfologia (forma) como também à fisiologia (função), incorporado organicamente ao movimento histórico das sociedades, é natural que sua vinculação com a geografia é mais que justificável. Como responsável pelo entendimento das relações do geo-relevo, constitui-se em importante referencial para a manutenção e estruturação dos sistemas físico-naturais diante das transformações sociais, o que justifica a sua função ambiental. Quanto ao significado da geomorfologia para a geografia, Hamelin (1964) entende que se encontra determinado pela opinião que se tem da própria geografia. Para muitos geógrafos "a morfo- logia não deveria ser nem sistemática, nem necessariamente genética - isto é, descrição e explicação do relevo em si -, mas seletiva e funcional. Nessa ótica só se faz geomorfologia aquém de um certo ponto, o limiar da incidência geográfica; a morfologia é, então, simplesmente um meio. Não é, pois, todo o relevo que se tenta compreender, mas somente o seu coeficiente de intercâmbio geográfico" (Hamelin, 1964, p. 8). Na ótica dessa geografia global (simples prolongamento da geografia clássica), far-se-ia menos a geomorfologia especializada, porém, mais frequentemente, a geomorfologia funcional. "Esta é um pouco a geomorfologia de todos." Diante da tendência de se ver uma geomorfologia puramente parcial, na ótica de uma geografia global, o autor (Hamelin, 1964) entende que a mesma geomorfologia poderia ser vista de maneira diferente em uma geografia total, ou seja, ao mesmo tempo mo-noísta e pluralista. Portanto, enquanto o monoísmo permitiria a unidade da geografia (preocupação dos soviéticos, como Anuchin, 1962), o pluralismo ofereceria um estudo mais intensivo das disciplinas que compõem a área física, como a geomorfologia. Esta, em vez de estudar somente as relações entre o relevo e o homem, ampliaria seu objetivo além dos aspectos genéticos defendidos pela geografia clássica (geomorfologia integral - estudo do relevo sob todos os aspectos). Para Hamelin (1964), a geografia global relaciona-se sobretudo com o método, enquanto a geografia total relaciona- semuitomais comadivisãodoobjeto(estudodemaiorprofundidade). Assim sendo, a geomorfologia seria feita em dois graus: "no primeiro, os especialistas do relevo irão produzir uma geomorfologia completa em que alguns aspectos poderão auxiliar a solução dos problemas geomorfológicos dos geógrafos globais; no segundo, estes últimos somente farão uma geomorfologia parcial, menos exigente e mais funcional para a geografia dos conjuntos" (Mackay,1961).
  • 21. Tal proposição (Geomorfologia parcial) parece romper a sequência metodológica do conhecimento geomorfológico, deixando de fundamentar o terceiro nível de integração preconizado por Ab'Saber (1969), ou seja, o da "fisiologia da paisagem", a ser abordadoadiante. SegundoHamelin(1964,p. 14)a geomorfologiaintegral,outomadaemsuatotalidade,deveenvolvero estudo do relevo sob todos os seus aspectos, descrição dos fenómenos elementares, tipos de formas e de relevo, trabalhos de laboratório e estágios sobre o terreno, estudo-montagem, história geológica, estrutura, processos, condições, variações morfòclimáticas, nomenclatura, geomorfologia aplicada, geomorfologia comparada, fatos regionais e estabelecimento de cartas de conjunto e detalhadas, questões propostas a outras ciências tais como a geografia global, climatologia, hidrologia, ciências dos solos e dos vegetais. 37 36 "O estudo do relevo tem sido encarado ora como um segmento da geologia, ora da geografia, quanto ao objeto, e tem se desenvolvido ora apoiado em uma perspectiva teorizante, ora em uma base empirista, quanto à forma de abordagem" (Abreu, 1985, p. 154). Enfim, depende da perspectiva em que se coloca o estudo do relevo, observando-se as reais necessidades do homem, a quem a ciência deve servir. Hartshorne (1939) deu grande importância a esse tema. Russell (1949) e Bryan (1950) publicaram ensaio a respeito do significado de uma geomorfologiageográfica, Wooldridge&Morgan(1946)registraram apertinênciadaclimatologiaegeomorfologiaem suas aplicações, no campo da geografia. Bunge (1973) lembra o papel da geografia física e da própria geomorfologia comofontedeleisepadrõesdecomportamentoespacial. A seguir será apresentada uma síntese evolutiva do conhecimento geomorfológico, a partir de sua sistematização,fundamentadaemestudodesenvolvidoporAbreu(1983). SÍNTESEEVOLUTIVADASPOSTURASGEOMORFOLÓGICAS A geomorfologia como ciência começa a ser sistematizada em fins do século XVIII, vinculada às necessidades de pesquisas para as descobertas de combustíveis fósseis para alimentar a indústria do império alemão. A política cultural nacionalista adotada pela Alemanha, sob a influência prussiana, apesar de não ter impedido um relativo desenvolvimento interno, deixou-a fora da partilha dos territórios coloniais. Esse fato implicou o isolamento da Alemanha em relação ao contexto europeu, obrigando-a a adotar uma política de expansionismo latente como forma dedefesa. Como resultadodesenvolveu-seoisolamentocultural. Foram portanto os geólogos e engenheiros de minas, como
  • 22. James Hutton, criador da teoria do atualismo, os grandes responsáveis pela sistematização dos conhecimentosgeomorfológicos. Enquanto na Europa a Revolução Industrial implicava prospecções minerais econsequentemudançado pensamento cientifico, a conquista do oeste americano também trazia contribuições importantes ao desenvolvimento dageomorfologia. Assim, o isolamento mantido pela Alemanha em relação aos demais países europeus em processo de desenvolvimentoeconómico, quede certaforma foi favorecido pelopróprio idioma,proporcionou a individualização de quadros nacionais contrastantes no contexto político europeu, fazendo com que duas linhagens episte-mológicas definidas surgissem. Uma era de natureza anglo-ameri-cana, onde se evidenciou a aproximação das relações da Inglaterra e França com os Estados Unidos e outra de raízes germânicas, que posteriormente incorporou a produção publicada em russo e polonês. Em síntese pode-se admitir que as diferenças culturais implicaram linhagens epistemológicas distintas,com consequentedefiniçãodecampodeinteressegeomorfológico. A linhagem epistemológica anglo-americana fundamenta-se praticamente até a Segunda Guerra Mundial, nos paradigmas propostos por Davis (1899), através do "Geographical Cycle". Para ele, o relevo se define em função da estrutura geológica, dos processosoperantesedotempo. Apesar de Gilbert (1877), anteriormente, ter tentado explicar o relevo como resultante da erosão, portanto, sob umaperspectivaclimática,Davisconsideravaorelevoem funçãodaestruturageológica, o que mereceu críticas insistentes do meio intelectual germânico contemporâneo, onde teve presença entre 1908/9. A geo- morfologia davisiana praticamente não tinha qualquer articulação com a climatologia e a biogeografia, amplamente integrada na geomorfologiaalemã. No final da década de 30, os norte-americanos se interessaram pelas críticas de W. Penck à teoria davisiana. A interpretação de Penck (1924) ao ciclo geográfico, divulgada durante o Simpósio de Chicago (1939), foi incorporadapêlos seguidores deDavis, criandonovosparadigmas. Durante a Segunda Guerra Mundial, a influência do pensamento científico alemão se amplia nos Estados Unidos, proporcionando o desenvolvimento de técnicas implementadas com posturas filosóficas bem definidas. Um dos autores da corrente anglo-ameri-cana que se utilizam dos princípios adotados por Penck foi Lester C. King (1953, 1956 e 1967), cujas pesquisas sobre aplainamento caracterizavam o centro das atenções geomorfológicasnaépoca. Deve-se acrescentar que a escola francesa, que exerceu posteriormente grande influência no desenvolvimento da geografia e geomorfologia brasileiras, praticamente se caracterizava pela reprodução do desenvolvimento científico americano. Isso pode ser exemplificado através das influências de Davis nos trabalhos elaborados sob a perspectiva estrutural (P. Birot, 1960; J. Tricart, 1968eW.Thornbury,1965).
  • 23. Progressivamente, os autores americanos assumem uma atitude mais crítica, o que contribui sobremaneira para a elaboração de outros paradigmas,comoo espaço,nomomento em que Davis valoriza o tempo. Contrariando a postura subjetiva e verbalista de Davis, esses autores propunham fatos objetivos, estudados sob a ótica da quantificação, valorizando as relações processuais que aquelehaviadesconsiderado. Assim, a partir da década de 40 até a de 60, a quantificação, a teoria dos sistemas e fluxos e o uso da cibernética (geografia quantitativa) assumem a postura teorética. Valorizam-se a análise espacial e o estudo das bacias de drenagem (Strahler, 1950,1952), 1954; Gregory & Walling, 1973), ao mesmo tempo em que novas posturas começam a emergir, como a teoria do equilíbrio dinâmico de Hack (1960). Horton estabeleceu leis básicas no estudo de baciasdedrenagem,utilizandopropriedadesmatemáticas. A inclusão da ação humana como instrumento de modificação das formas do relevo trouxe a vantagem de melhor enten- dê-las dentro de sistemas geomórfïcos atuais, dinamizados por processos envolvidos no mecanismo de modificações das formas (Cruz, 1982). Entre 1960 e início da década de 70, constata-se a aplicação dos postulados anteriormente obtidos, incorporando a teoria proba-bilística. Esses trabalhos acabaram caindo em formulações estéreis, sobretudo por rejeição do paradigma davisiano, sem substituição por outro universalmente aceito (Morley & Zunpfer, 1976). Se por um lado valorizam o espaço e supostas relações processuais, por outro desconsideram as relações temporais, julgadas como comprometidas ao paradigma davisiano (Abreu, 1983). Morley & Zunpfer (1976) e Thornes & Brunsden (1977) procuram rever as propostas precedentes. Não introduzem novos paradigmas mas apresentam posição crítica liberta de preconcei- tos, valorizando as observações de campo. Valorizam a ação processual segundo referencial têmporo- espacial (Schumm & Lichthy, 1965). A linhagem epistemológica alemã tem von Richthofen (1886) como referencial inicial. Enquanto Davis tinha em sua retaguarda nomes de geólogos, von Richthofen tinha como predecessores autores naturalistas, que por sua vez tinham Goethe como ponto de referência permanente. (Foi Goethe quem empregou, pela primeira vez, a expressão "morfologia" como sinónimo de geomorfologia.) Enquanto Davis se caracteriza por uma proposição teorizante, von Richthofen se individualiza pela perspectiva empírico-naturalista (guia de observação). A. Penck (1894) também teve um papel fun- damental na orientação da geografia alemã, que apesar de compartilhar de algumas noções básicas da teoria davisiana, como a do aplainamento, deu ênfase à herança naturalista de Goethe e Hum-boldt, valorizando a observação e análise dos fenómenos.
  • 24. A. Penck (1894) sistematiza teorias e formas do relevo (tratamento genético das formas), tornando-se um dos clássicos da geografia, exercendo grande influência no desenvolvimento da geomorfologia alemã nas primeiras décadas do século XX. Dentro desse contexto, três autores se destacam: A. Hettner (1927), grande crítico da teoria davisiana, S. Passarge (1912, 1919/21), que se caracterizou pela proposição de novos conceitos - como "fisiologia da paisagem", fundamentado na ideia de organismo -, introduzindo a ecologia no domínio geográfico, e S. Günther (1934)* que desenvolveu uma abordagem processual e críticadosistemadereferênciadeDavis. W. Penck (1924) aparece como principal opositor da postura dedutivista-historicista de Davis, valorizando o estudo dos processos. Em Die Morphologische Analyse - Ein Kapitel der Physika-lischen Geologie, publicação póstuma, utiliza-se da geomorfologia para atingir a geologia e contribuir para a elucidação dos movi- mentos crustais, como paradigma alternativo. Contribui assim para o avanço da geomorfologia, formalizando conceitos como de "depósitos correlativos". Apesar de criticado por seus seguidores, com a publicação em 1953 da versão inglesa, levou alguns autores nor-te-americanos a se interessarem pêlos estudos de vertentes e processos. A linha de estudos da geomorfologia climática e climatoge-nética emerge das pesquisas de J. Büdel (1948, 1957, 1963 e 1969) "que levaram a uma ordenação dos conjuntos morfológicos de origem climática em zonas e andares, produzidos pela interação das variáveis epeirogênicas, climáticas, petrográficas e fitogeográfï-cas" (Abreu, 1983, p. 15). O ternário "paisagem" evolui (Troll, 1932, 1939, 1959 e 1966) e se consolida nos estudos de geoecologia eordenação ambientaldoespaço. Após a Segunda Guerra, a cartografia geomorfológica emerge como método fundamental para a análise do relevo, graças às contribuições desenvolvidas na Polónia, Tchecoeslováquia e URSS (Klimaszewski, 1963; Demek, 1976; Basenina & Trescov, 1972). O avanço do mapeamento geomorfológico.e seu crescente emprego no planejamento regional mantêm o caráter geográfico da ciência geomorfológica. Em síntese, deve-se considerar que a geomorfologia alemã se beneficia da Segunda Guerra Mundial, através do desenvolvimento da cartografia geomorfológica, e que a guerra parece responder pela ruptura epistemológica da geomorfologia anglo-americana (fig.3). Outras considerações diferenciativas podem ser anotadas entre as escolas anglo-saxônica e germânica, quejustificam as divergências teórico-metodológicas a começar por Davis, de posição bergsoniana, que se utilizou de referencial teorizante, apoiado em posturas geológicas. A escola germanofônica, por sua vez, fundamenta-se em proposta kantiana, via Hettner, embora seja considerável a vinculação naturalista de Humboldt. Deve-se acrescentar que a preocupação com o espaço encontra-se vinculada a uma geografia polftico-estatística, onde a unidade regional era priorizada (resistênciaprussianaaodesafioamericano).
  • 25. EnquantoDavisseconstituinoprincipalpontodereferênciadageomorfologiaanglo-americana,W.Penck se caracteriza como um dos grandes entre muitos. Portanto, a postura teorizante de Davis e o próprio processo dedutivo contribuem para a evolução do referencia]cíclicoemsistemasdetendênciaaxiomática,ondeaaçãoprocessual quantificada rompia com a abordagem historicista. A geomorfologia alemã, fundamentada na observação e processo empírico, caracterizava-se como guia de campo. Assim, se tais reformulações evidenciavam ruptura epistemológica anglofônica,ageomorfologiaalemãsecaracterizavapeloprogressivorefinamentodeconceitos. O estruturalismo e a teoria dos sistemas processaram repercussões distintas no nível epistemológico em ambas as escolas. Na Alemanha evidenciou-se uma maior integração das ciências naturais, integração essa que já existia, favorecendo análises geoecoló-gicas processuais, valorizando a cartografia geomorfológica e a ordenação ambiental (ótica marxista, identificada nas propostas dos países socialistas), evidenciando o caráter geográfico através da vinculação com o social. Na escola anglo-americana por sua vez, observou-se a já considerada ruptura com a abordagem historicista, favorecendo o desenvolvimento de teorias e métodos de análises quantitativas, isolando a geomorfologia em relação à geografia e orientando-a (a geomorfologia) para perspectivas geológicas e hidrológicas. A busca de se harmonizarem as transformações observadas surge com teorias alternativas, proporcionando a valorização dos processos geomorfológicos, segundo o sistema referencia] têmporo-espacial Apesar da convergência internacional do conhecimento, as duas tendências consideradas apresentam-se razoavelmente diferenciadas, mesmo com a incorporação gradativa da postura alemã à americana, evidenciada a partir do Simpósio de Chicago (1939). No Brasil, a mais séria contribuição à teoria geomorfológica parte de Ab'Saber (1969), que "salvo melhor juízo, parece dar a tónica nos postulados de raízes germânicas" (Abreu, 1983, p. 18). Recentemente, autores soviéticos e franceses (Bertrand, 1968 e 1970; Tricart, 1977; Socava, 1972) têm procurado desenvolver estudos integrados da paisagem, sob a dtica dos geossistemas, o que valoriza o desenvolvimento da geomorfologia alemã. Assim sendo, com o progressivo amadurecimento do estudo da paisagem e dos estudos geoecológicos, originados e desenvolvidos a partir da sistematização da geomorfologia alemã, tem sido possível articular a natureza à sociedade. Conforme Schmithüsen (1970), "se queremos compreender a ação do homem, não devemos separar a sociedade do meio ambiente que o rodeia". GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL Um dos ternários propostos pela geografia atual refere-se à questão ambiental, que além de se constituir numa das preocupações deste final de século, proporcionou a compreensão dialética das relações entre homem e natureza, procurando suplantar o históricodualismo.
  • 26. Enquanto a divisão internacional do trabalho, determinada pelo sistema de produção capitalista, respondeu pela divisão do trabalho científico, proporcionando a reprodução ilimitada de ciências e disciplinas específicas (abordagem metafísica), com consequente fragmentação do conhecimento, a nova postura procura integrar o social à análise da natureza, oferecendo subsídios para a compreensão das relações espaciais em sua totalidade. Conforme pôde-se observar através da evolução do conhecimento geomorfológico, a preocupação ambiental tem suas raízes na escola germânica (envolvendo os soviéticos e poloneses), que parece ter se firmado com Passarge (1922) e Troll (1932...). Portanto, a compreensão "geoecológica" em geomorfologia antecede o despertar tardio do ternário ambiental em geografia, que tem se pautado por uma tendência marxista. Assim, o materialismo dialético e materialismo histórico têm respondido pela orientação teórico-me-todológica da geografia crítica e se constituído em subsídio para a compreensão das causas essenciais que respondem pelas derivações espaciais ou implicações no comportamento do geo-relevo. O enfoque da geografia física como ciência global tem sido acentuado nas duas últimas décadas. Na França, os biogeógrafos Cabaussel e Bertrand reafirmam a ligação do estudo do meio físico e a ecologia, considerando-o um sistema (ecogeografia). O conceito de geossistema de Bertrand (1969) expressa o sentido de uma geografia física global (espaço geográfico), composto de dois subconjuntos: um físico (potencial ecológico e exploração biológica) e outro humano. Bertrand (1968), ao considerar a questão taxonômica da paisagem, utiliza-se da unidade "geossistema" (unidade dimensional entre alguns quilómetros quadrados e algumas centenas de quilómetros quadrados) como "escala em que se situa a maior parte dos fenómenos de interferência entre os elementos da paisagem e que envolvem as condições dialéticas, as mais interessantes para o geógrafo". Portanto, refere-se a determinada porção do espaço, resultante da combinação dinâmica de elementos físicos, biológicos e 48 e 49 dasvertentes.Portanto,prevaleceafitoestabilidade; b) Meios Fortemente Instáveis, onde a morfogênese é o elemento predominante na dinâmica. Resultam decausas naturais (variações climáticas e efeitos tectônicos) e sobretudo antrópicas (na escala de tempo histórica), o queimplica uma dissecação elevada (pedogênesenulaouincipiente); c) Meios Intergrades ou de Transição, que caracterizam uma passagem gradual entre os meios estáveis e instáveis. Aí se constataumainterferênciapermanentenarelaçãopedogênese-morfogê-nese. Refere-se ao estado de
  • 27. modificação do sistema fitoestável antes de se ultrapassar o limiar de recuperação (fig. 4), o que proporciona a possibilidadederestauraçãodeummeioestáveloupossibilidadedetendênciaparaummeiofortementeinstável. Portanto, tem-se o solo como referencial para a caracterização temporal das condições de estabilidade, o que demonstra que a morfogênese frequentemente se exerce através do solo e não dire-tamentesobrearocha. Os geógrafos soviéticos, depois de diversas tentativas de oferecerem uma análise integrada do complexo físico-geográfico, construíram um método de pesquisa fundamentado no "geossiste-ma" (Sochava), que é uma conceituação de epiderme terrestre, onde se relacionam a litomassa, aeromassa, hidromassa e biomassa. Antes disso, Kalesnik (1958), já considerado, havia proposto uma análise integrada pela geografia física, tendo a "Landschaft-esfe-ra"comoobjetocentralizador. Felds (1958), numa abordagem ecológica, propunha o desenvolvimento de uma geomorfologia antropogenética, procurando evidenciarasrelaçõesentreohomemeasociedadenorelevo. O prof. A. N. Ab'Saber (1969), em sua importante contribuição metodológica, sistematiza os três níveis de integração da análise geomorfológica, individualizando seu campo de estudo: a com-partimeníação topográfica, relacionada às formas do relevo, o levantamentodaestruturasuperficial, referente aos compartimentos morfológicos e, por último, o estudo da fisiologia da paisagem. Enquanto o primeiro nível procura oferecer uma individualização geográfica da área de estudo, bem como o domínio de formas de cada compartimento (análise horizontal), o segundo, considerando os diferentes níveis altimétricos e respectivas situações em função dos depósitos correlativos, proporciona o entendimento cronogeo-morfológico das formações superficiais (análise vertical), através dos processos morfoclimáticos e pedogênicos penecontemporâneos. O terceiro nível, a fisiologia da paisagem, que particularmente depende do conhecimento das fases antecedentes, tem por objetivo a compreensão dos processos morfogenéticos através da dinâmica climática atual, momento em que se insere o homem como sujeito que se apropria da interface e transforma-a modificando as relações entre as forças de ação (processos morfodinâmicos) e reação do substrato(comportamentodasvertentes). A sistematização da postura ambiental oferecida pela geomorfologia recebeu grande contribuição de Kügler (1976), que concentradeformaintegradaorelevoeoterritório. Nessa ótica, emerge o conceito de geo-relevo como superfície de limite externo da geoderme, produzida pela dinâmica dos integrantes sistémicos da "Landschaftschülle" e constituído pela superfície limite em si - que caracteriza uma desconti-nuidade neste contexto - e seu conteúdo plástico, em postura que soma à concentração tradicional da geomorfologia alemã uma perspectiva de análise dialética da natureza desenvolvida em mais alto grau (Abreu, 1985, p. 159).
  • 28. Portanto, o geo-relevo é entendido como indicador dos processos morfoclimáticos atuais, resultando na dinâmica das formas e propriedades adquiridas em sua génese. A dinâmica e as propriedades são fundamentais para se compreender a evolução dos processos geoecológicos e se planejar a reprodução da sociedade. Assim, as funções sócio-reprodutoras resultam do uso das propriedades geoecológicas, em face da intensidade e modo de uso: como recurso natural ou suporte. Kügler (1976) traz para a geografia uma contribuição fundamental na investigação da paisagem,resultantedeumdos eixostradicionaisdageomorfologiaalemã,apoiadaemPassargeePenck. A designação "Geomorfologia Ambiental" foi proposta no Simpósio de Bringhauton, em 1970, procurando definir o campo social deaplicaçãogeomorfológica,queincorporandoosconceitos deKügler(1976), teria como preocupação exclusiva a intensidade ou forma de transformação das propriedades geoecológicas em só-cio-reprodutoras, visando uma apropriação racional do espaço natural, sem perder a dimensão de tê-lo como seupróprioambiente. Sabe-se, contudo, que as relações entre natureza e sociedade, , incorporadas nas forcas produtivas, encontram-se determinadas ) pelo trabalho, conceito inerente da força de trabalho, responsável /pela transformação dos meios de produção. Sabe-se, também, que ; as relações homem-natureza resultam das relações homem-homem (relações sociais de produção), componente indispensável ao entendimento da reprodução do espaço e consequente possibilidade dealteraçãoambiental. Assim sendo, a geomorfologia em seu enfoque ambiental deve, além de utilizar os subsídios "técnicos" (de natureza morfológica e fisiológica), incorporar as relações polftico-econômicas (oferecendo a compreensãoda"essência"),comodeterminantedasresultantes processuais ederivações espaciais. Portanto, considerando o processo de ocupação do relevo, utilizando o conceito de vertente (componente genérico do relevo), transformando as propriedades geoecológicas (primeira natureza) em sócio- reprodutoras (segunda natureza), o homem pode produzir desequilíbrio climáxico e consequentes derivações ambientais. Ao se entender que a vertente como categoria é propriedade, e como tal suscetível às diferentes intensidades de uso ou forma, conclui-se que ela se encontra subordinada aos interesses das relações de produção. Como categoria, a vertente apresenta a sua essência (componentes intrínsecos) que se manifesta como aparência. Como fenómeno, deve-se considerar as relações externas processadas pelas diferentes intensidades dos elementos climáticos em função da apropriação e transformação produzida pelo homem (relações fenomenológicas). Sendo o conteúdo o conjunto articulado das relações internas e externas das coisas,reunindo em si aessência e o fenómeno, a forma (aparência) caracteriza-se como estado doconteúdoouomodocomoelesemanifesta.
  • 29. Em síntese, ao se processarem alterações nas relações internas da vertente (essência), por meio dos componentes externos (fenómenos), têm-se como resultado as implicações no conteúdo, que semanifestam através da forma. A seguir, após considerações conceituais sobre o sentido da vertente, serão levantados seus componentes intrínsecos, bem como alguns efeitos decorrentes de aplicações de esforços (fenómenos) para, em seguida, evidenciar-se o conteúdo (conjunto articulado das referidas relações internas e externas) da paisagem em suasderivaçõesambientais. DINÂMICA PROCESSUAL DO RELEVO: A VERTENTE COMO CATEGORIA Conforme se considerou anteriormente, o relevo se constitui em produto do antagonismo das forças endógenas (forças tectogenéti-cas) e exógenas (mecanismos morfoclimáticos), portanto, um importante componente do estrato geográfico, suporte ou recurso das propriedades sócio-reprodutoras. Por entender que o elemento dominante do relevo é constituído pela vertente, a ser melhor caracterizada adiante, tem-se que ela se individualiza como categoria central da estruturação do pensamento. É portanto na vertente que se materializam as relações das forças produtivas, ou seja, onde ficam impregnadas as transformações quecompõem apaisagem. É preciso observar ainda que se entende o processo evolutivo da vertente, perceptível na escala de tempo histórica, como determinado pêlos processos morfogenéticos, ou seja, pêlos fatores exógenos, além, evidentemente, das intervenções produzidas pelo homem. Com exceção dos fenómenos catastróficos (terremotos, vulcanismos...), as atividades endógenas assumem importância sobretudo na escala de tempo geológica, imperceptível no instante de abordagem, que se vincula à escala de tempo histórica ouhumana. Procurar-se-á, assim, utilizando o conceito de "vertente" em geomorfologia, demonstrar as relações processuais evidenciadas, dando ênfase à dinâmica externa, valorizando as derivações antro-pogênicas. CONCEITO DE VERTENTE EMGEOMORFOLOGIA O estudo da vertente encontra-se, atualmente, no centro das preocupações geomorfológicas; assim como as pesquisas de aplai-namentos estiveram entre as duas guerras mundiais. A vertente, conforme Tricart (1957), "constitui o elemento dominante do relevo na- maior parte das regiões, apresentando-se portanto, como forma de relevo mais importante para o homem. Tanto a agricultura quanto os demais trabalhos de
  • 30. construções, por exemplo, estão interessados na evolução das vertentes que acabam comandando, por exemplo, a perenidade - direta e indireta - dos cursos d'água, pela ação geomorfológica". Em síntese, a busca de se entender a evolução da vertente se caracteriza como subsídio à compreensão das formas atuais do relevo terrestre. O conceito de vertente é essencialmente dinâmico, uma vez que se define pelas relações processuais geomórficas. Conforme Cruz (1982, p. 3), "o estudo geomorfológico da evolução atual das vertentes é extremamente importante quanto ao entendimento espácio-temporal dos mecanismos morfodinâmicos atuais e passados. Os estudos morfodinâmicos atuais levam ao cerne do estudo geomorfológico por excelência, ajudando o entendimento das paisagens geográficas". Ressalta que "são eles que mostram os mecanismos dessa evolução e levam ao melhor entendimento dos estudos morfogenéticos de épocas passadas". Strahler (apud Fairbridge, 1968) observa que as vertentes resultam de processos exógenos e endógenos, destacando os efeitos de denudação, por processo de intemperismo, movimentação de massa e água de escoamento, ajustados à geometria do sistema fluvial. Para Dylik (1968), a vertente tomou-se um dos problemas-chave da moderna geomorfologia, compreendendo todos os aspectos da geografia física e incluindo mesmo um certo número de questões relativas à geografia humana. Conforme o autor, fundamentado nas ideias de Gilbert (1877), num sentido geral, a vertente seria um todo dinamicamente ligado aos processos fluviais, e num sentido especifico, seria caracterizada por processos denudacio-nais, ou seja, processos de vertentes. Portanto, a vertente lato sen-su, incorpora o curso d'água, nível de base responsável pelo grau de participação dos efeitos areolares da vertente stricto sensu. Enquanto a vertente stricto sensu encontra-se limitada pelas relações morfodinâmicas areolares, ou seja, definida pela extensão delimitada pelo umbral de funcionamento (onde as atividades processuais têm inicio) até o umbral de parada (onde as atividades processuais denudacionais são substituídas pelas fluviais), a vertente lato sensu regula a intensidade dos fenómenos areolares. Por exemplo, o ajustamento de um curso d'água, por efeito tectônico, responde pela tendência de ajustamento dos processos areolares e conser quenteevoluçãodavertente. Observa-se ainda que qualquer alteração climática influi no limiar da vertente num sentido estrito, assim como repercute no entendimento da evolução da vertente lato sensu. Em síntese, o conceito de vertente incorpora necessariamente o conceito de processo mor-fogenético, o que leva a entender a vertente como resultante de processosrítmicostêmporo-espaciais. De acordo com McCullagh (1978), embora Gilbert (1877) tenha sido o primeiro a reconhecer a importância dos processos geomor-fológicos na evolução do relevo, foram W. M. Davis e W. Penck que se preocuparam com os modelos sobre a evolução das vertentes. Enquanto Davis (1899) procura demonstrar a
  • 31. evolução das formas através do wearing down, Penck (1924) sugere o recuo paralelo das vertentes (wearing bacK), comoresultadodadenudação,aserconsideradoadiante. Jahn (1954) destacou-se no estudo da evolução das vertentes, sobretudo através do' 'balanço de denudação''. Observa que as forças morfogenéticas exercidas sobre a vertente se reduzem a dois componentes: o primeiro, denominado perpendicular, caracteriza-se pelainfiltração, responsável pelaintemperizaçãoquepermiteo desenvolvimento da pedogenização, proporcionando assim a formação de material para eventual transporte; o segundo, denominado paralelo (paralelo à vertente ou superfície), refere-se ao processo denudacional (morfogênese) ou responsável pelo transporte do materialpré-elaborado. Assim, o balanço denudacional de Jahn (1954), denominação que Tricart (1957) substituiu por "balanço morfogenético", de maior abrangência terminológica (abrasão e acumulação), é estabelecido pela relação entre os componentes perpendicular e paralelo. Enquanto o perpendicular demonstra a ação da infiltração, conforme se considerou, favorecida pela cobertura vegetal, o que implicará alteração de natureza bioquímica, bem como a decomposição responsável pela pedogênese (desenvolvimento dos solos), o paralelo caracteriza os efeitos erosionais, o que leva a admitir, por exemplo, a retirada da cobertura vegetal, favorecendo a tendência daaçãodireta doselementosdoclima. Nas regiões intertropicais, a chuva se caracteriza como processo de maior importância, implicando fluxo por terra (escoamento), que responde pela redução do material pré-elaborado pelo componente perpendicular. Ainda como exemplo de componente paralelo incluem-se os fenómenos de solifluxão (movimento de massa da ordem de alguns decímetros/mês ou ano, evidenciado sobretudo nas regiões periglaciais); rastejamento ou creeping (movimento de massa da ordem de centímetros/ano, constatado nas regiões tropicais); e deslizamentos de massa ou escorregamentos (movimentos rápidos), constatados com frequência nos períodos de grandes intensidades pluviométricas. Isso ocorre sobretudo em fortes declives,submetidos àinterferênciadohomem,como oprocessode ocupação do litoral brasileiro, responsável por verdadeiras tragédias (sul de Minas Gerais, 1948; Baixada Santista, 1956; Rio de Janeiro, 1966 e 1967; Serra de Caraguatatuba, 1967; Serra das Araras, 1967; Serra de Maranguape, 1974; Espirito Santo, 1983; Ubatuba-Angra dos Reis, 1984; Curitiba, 1987; Petrópolis, Rio de Janeiro e Ubatuba, 1988 emuitosoutros). Em síntese, observa Jahn (1954) que quando o componente perpendicular é superior ao paralelo, ou seja, quando a pedogênese é superior à denudação, predomina um balanço morfogenético negativo. Ao contrário, quando o componente paralelo é superior ao perpendicular, predomina um balanço morfogenético positivo (a denudação predomina sobre a pedogênese). Erhart (1956) procura demonstrar, através de sua teoria bio-resistáíica que em condições de biostasia, portanto, quando a vertente encontra-se revestida de cobertura vegetal (propriedade geoe-cológica), em meio ácido, como nas regiões intertropicais, a infiltração responde pela alteração dos silicatos de alumina
  • 32. (feldspatos), originando a caolinita, que juntamente com o quartzo, existente na grande maioria das rochas, integra a estrutura física dos solos. Os hidróxidos de ferro e alumina, solubilizados em tal ambiente, ficam retidos e são incorporados ao solo (fase residual), enquanto os elementos alcalinos ou alcalino-terrosos (potássio, sódio, cálcio e magnésio), bem como o silício, são transportados pela água escoada (fase migradora), originando-se os depósitos de rochas organógenas (fig. 5). Portanto, na biostasia, a atividade geo- morfogenética é fraca ou nula, existindo um equilíbrio climáxico entre potencial ecológico e exploração biológica. A resistasia, por outro lado, é identificada pela retirada dos elementos que na biostasia compunham a fase residual (elementos minerais + hidróxidos de ferro e alumina), o que determina a tur-bidez das águas de superfície (cursos d'água), que tem como principal indicador o ferro. Tal fase passa a ser individualizada a partir do momento em que a cobertura vegetal desaparece, o que pode resultar de alterações climáticas, na escala de tempo geológico, ou por derivações processadas pelo homem, na escala de tempo histó- rica. Portanto, na resistasia, a geomorfogênese domina a dinâmica da paisagem, com repercussão no potencial geoecológico (desequilíbrio climáxico). Como resultado, tem-se um balanço morfogenético positivo, com retirada do material intemperizado, que implica a redução gradativa da camada pedogenizada, com consequente assoreamento de vales. Portanto, tem-se a substituição dos depósitos organógenos a fase biostásica (ou "fitostásica", denominada por Tricart, 1977) por depósitos argilo-lateríticos (fig. 6). Erhart (1956), através de sua teoria, procura justificar a presença de jazidas de ferro, bauxita e coríndon, como relacionadas a uma fase resistásica, o que leva a admitir a existência de uma fase biostásica antecedente, responsável pela elaboração dos elementos que compunham a fase residual, que na resistasia foram transportados oumobilizados. A noção dinâmica de vertente implica, portanto, a necessidade de se considerar a ação morfogenêtica, o que exime de destaque os declives nulos (superfícies horizontalizadas), que não permitem o desenvolvimento do componenteparalelo. Precipitação Predomínio do escoamento(Fluxo de terra)
  • 33. Depósaito areia e argila Laterítica Infiltração Incipiente Transporte dos elementos da FASE MIGRADORA (da Biostasia) + os elementos da FASE RESIDUAL: Hidróxidos de Ferro e Alumina + Quartzo e Caolinita. Fig. 6 - Predomínio do Componente Paralelo (Fase Resistásica) A vertente, em seu sentido estrito, corresponde ao momento do início de desenvolvimento dos processos morfogenéticos, que Tricart (1957) denominou de "umbral de funcionamento". O término da vertente coincide com o término dos processos específicos da vertente (processos denominados areolares), momento em que são substituídos ("umbral de parada") pêlos processos lineares ou fluviais, ou simplesmente onde a energia cinética se toma nula, determinada pelo comportamento topográfico (depressão de receph cão ou acumulação). Diante disso, deve-se admitir que toda vertente evolui em função de um nível de base (qualquer ponto localizado à jusante se constitui em nível de base para a evolução do localizado à montante), como o curso d'água em questão que comandará a intensidade dos processos morfogenéticos. Portanto, a vertente, em seu sentido amplo, necessariamente incorporará a presença de um curso d'água ou nível de base que anula os processos areolares, como ponto de referência para seu próprio desenvolvimento. Entendendo que a evolução da vertente encontra-se vinculada ao comportamento do nível de base local, conclui-se que toda vez em que este se altera, automaticamente implicará ajustamento das relações processuais, responsáveis pela evolução morfológica (busca do "Equilíbrio Dinâmico" de Hack, 1957). Penck (1924) procura demonstrar a evolução e comportamento das formas da vertente em função da intensidade de dissecação, a qual encontra-se vinculada ao movimento crustal. Em síntese, entende que um
  • 34. rápido soerguimento do relevo responderia por forte incisão vertical do talvegue, não acompanhado pêlos processos denudacionais (ou processos 'areolares'), implicando aumento do declive da vertente, com tendência à convexização geométrica (fig. 7a). Quando o soerguimento crustal for compensado proporcionalmente pela incisão vertical ou erosão linear, mantendo equilíbrio com a erosão areolar (denudação), a vertente, apesar de evoluir, manterá a disposição angular primitiva, o que Penck denominou de "superfície primária", não se registrando produção de elevação real da superfície (fig. 7b). O terceiro caso é caracterizado por fraco soerguimento crustal, onde a incisão vertical dependente produz um fraco entalhamento, portanto, inferior à intensidade dos processos morfogenéticos (processo areolar), respondendo pela redução do declive e consequente tendência de concavização da vertente (fig. 7c). Diante disso, pode-se perfeitamente contrapor a ideia de Da-vis (1899), considerando a evolução da vertente proposta por Penck (1924), que se utiliza do recuo paralelo ("wearing back"), cujas implicações tectônicas são entendidas como intermitentes e de diferentes intensidades, associadas aos efeitos denudacionais (tabela1). Tabela l - SISTEMAS DE REFERÊNCIA EM GEOMORFOLOGIA Cara cterísticas W. M. Davis (1899) W. Penck (1924) Asp ectos Gerais do Sistema Rápido soerguimento com posterior estabilidade tec-tônica e eustática Lenta ascensão de massa com intermitência Car acterísticas W. M. Davis (1899) W. Penck (1924) Rel ação Soergui- mento/Denudaç ão Início da denudação (co- mandada pela incisão fluvial) após fim de ascensão crustal Intensida de de denudação associada ao comportamento crustal Pro Evoluçã Evolução
  • 35. cesso Evolutivo o morfológica de cima para baixo (wearing down) por recuo paralelo das vertentes (wea- ring back) Está gio Final ou Parcial da Morfologia Peneplan ização (formas residuais: monad rocks) Superfíci e primária Oenta ascensão compensada pela denudação). Não haveria produção de elevação real da superfície Car acterísticas Morfológicas Fases antropomórficas: juventude, maturidade e senilidade Processo s de declividades laterais das vertentes: convexas, retilíneas e côncavas (relação incisão do talvegue-denudação, por implicação crustal) Além das implicações tectônicas (lato sensu), o balanço mor-fogenético da vertente (stricío sensu) é comandado pelo valor do declive, a natureza da rocha e o clima. Deve-se chamar atenção, para o fato de as variáveis enumeradas encontrarem-se numa mesma escala taxonômica em relação aos processos morfogenéticos, devendo-seincluirosignificadodacoberturavegetaloumodalidadedousodosolo. RELAÇÕES PROCESSUAIS DAS VERTENTES (RELAÇÕES EXTERNAS) Por processo geomorfológico entende-se todo e qualquer fenómeno responsável por alterações evolutivas das vertentes. São portanto os responsáveis pela esculturação das vertentes, representando a ação da dinâmicaexterna,envolvendoas seguintes etapas: abrasão,transporteeacumulação. Conforme se considerou anteriormente, o relevo, ou mais especificamente a vertente, resulta da ação processual ao longo do tempo, que pode ser reconstituída através das evidências intimamente ligadas aos paleoprocessos, como a forma e depósitos correlativos. Tal fato demonstra uma certa analogia com as evidências impregnadas na paisagem pêlos diferentes conteúdos (conjunto articulado entre a essência e o fenómeno), característicos nos diferentes modos de produção. Portanto, a aparência ou forma da vertente atual deve ser vista
  • 36. sob o enfoque histórico (assim como a sociedade deve ser analisada no contexto do materialismo histórico), momento em que se caracteriza por diferentes componentes queintegram as relaçõesprocessuais. Assim, a evolução da vertente analisada ao longo do tempo geológico necessariamente incorpora o antagonismo determinado pelas forças endógenas (comandadas pelas atividades tectônicas) e exógenas (relativas aos processos morfoclimáticos). Contudo, a partir do momento em que se procura analisar a vertente na atuali- dade, os fatores internos são desconsiderados, uma vez que tais reflexos são sentidos numa escala de tempo geológico, com exceção doscatastróficos,comoosvulcanismosouabalossísmicos,comunsnaszonas dedobramentos recentes (fig.8). Em síntese, a vertente vista na atualidade, ao mesmo tempo em que desconsidera ou não atribui grande importância às forças endógenas, necessariamente incorpora outros elementos que não integram as variáveis responsáveis pela evolução do relevo na "primeira natureza". Trata-se do homem, que através do processo de apropriação e transformação da vertente implica o estado de agravamento da referida evolução (a evolução torna-se sensível na escala de tempo histórica), por oferecer condições à intensificação dos processos exógenos. Como exemplo, em condições de biosta-sia, o elemento do clima, como a chuva, sofre a interceptação da cobertura vegetal, favorecendo a infiltração e consequente evolucão pedogênica (predomínio do componente perpendicular). A partirdo momento em queo homem seapropria da vertente einiciaum processo de transformação, tendo-a como suporte ou recurso, o que normalmente se dá através do desmatamento, com consequentes cortes ou aterros, as relações processuais são alteradas: a chuva deixa de ser interceptada, proporcionando a desagregação mecânica do solo pelo efeito de "splash", ao mesmo tempo em que responde pelo aumento do fluxo por terra com consequente dessoloa-gem, ravinamento, boçorocamento ou mesmo deslizamento de massa. Portanto, o componente paralelo passa a predominar sobre o perpendicular, implicando o desequilíbrio da vertente e agravando o estado de saída. O referido exemplo, utilizando os conceitos apresentados por Bertrand (1968), considerado anteriormente, evidenciaria a intervenção do homem na "exploração biológica" (o desmatamento implica a expulsão ou eliminação da fauna e expõe o solo aos efeitos abrasivos), provocando o "desequilíbrio climáxico", que por sua vez repercute no comportamento do "potencial ecológico", alterandoavertentesubstancialmente.(Aeliminaçãoda referida interface implicaria alteração hidrodinâmica - determinada pela chuva -do predomínio da infiltração ao domínio do fluxo por terra. Isso, por sua vez, processaria alterações substanciais no relevo ou vertente que, dependendo da escala de abrangência, poderia inclusive modificar as condições climáticas locais, como as representadas pelasdisritmiaspluviométricas.) Nas regiões intertropicais, o comportamento hidrodinâmico das vertentes assume importância capital, conhecendo-seosignificadodaintensidadeefrequênciadas chuvas em funçãodas alteraçõesprocessadasnorelevo.