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ENTREVISTA

                           INQUIETOS E DESATENTOS
ENTREVISTA




                                                                      Ainda pouco conhecido no Brasil, o Transtorno
                                                                      de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) afeta
                                                                      crianças e adultos, sendo uma das principais causas
                                                                      do fracasso escolar, profissional e social. Oscilando
                                                                      entre os extremos da inquietude e da desatenção,
                                                                      a criança portadora do distúrbio é tratada como
                                                                      “sem educação”, “sem limites”, “preguiçosa”
                                                                      ou “negligente”. O distúrbio ganha, assim, conotações
                                                                      sociais e leva à estigmatização e ao preconceito
                                                                      contra os que são justamente as suas vítimas
                                                                      preferenciais – as crianças.
                                                                      “Não tratada, a criança com TDAH vira fonte
                                                                      de conflitos na família e na escola, um verdadeiro
                                                                      ‘terror’ para pais e professores, afirma o psiquiatra
                                            Ênio Roberto de Andrade


                                                                      Ênio Roberto de Andrade, diretor do Serviço
                                                                      de Psiquiatria da Infância e da Adolescência
                                                                      do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo.
                                                                      Presidente da recém-criada Associação de Apoio
                                                                      ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
                                                                      (ATODAH), regional São Paulo da Associação Brasileira
                                                                      de Déficit de Atenção/Hiperatividade (ABDA),
                                                                      Ênio Andrade tem participado ativamente do esforço
                                                                      de pais e especialistas para divulgar o distúrbio no país.
                                                                      A 3a Jornada de TDAH, organizada por essas entidades
                                                                      em São Paulo, em maio último, reuniu mais de 500
                                                                      pessoas, entre especialistas, pais e portadores
                                                                      do distúrbio. É graças a esse esforço coletivo que
                                                                      a situação do TDAH começa a mudar no Brasil,
                                                                      adianta Andrade nesta entrevista. “O tema está
                                                                      em debate, a imprensa começa a divulgá-lo e os
                                                                      portadores e suas famílias já estão gerando demandas
                                                                      nas instituições de saúde e educação.”

                                                                      Vera Rita da Costa
                                                                      Ciência Hoje/SP


      8 • CIÊNCIA HOJE • vol. 33 • nº 198
ENTREVISTA
Qual o objetivo das jornadas que vocês                pais, pois, ao lidar diariamente com dezenas de
vêm organizando?                                      crianças em uma mesma faixa etária, eles perce-
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade   bem, até facilmente, quando o comportamento da
(TDAH) é muito mais comum do que se imagina,          criança foge à regra. A dificuldade maior está em
mas pouquíssimo conhecido. Estudos têm revelado       vencer a resistência da família em procurar ajuda.
que cerca de 3% a 5% das crianças o possuem. Isso
quer dizer que em uma escola pequena, com, por        O senhor caracterizou a hiperatividade.
exemplo, 100 alunos, três a cinco crianças apresen-   E o déficit de atenção, como se manifesta?
tam o transtorno. Elas demandam da instituição uma    Nesses casos, a criança não presta atenção aos de-
atenção especial, o que freqüentemente não rece-      talhes; comete erros por falta de cuidado; tem difi-
bem, e, caso não sejam diagnosticadas e tratadas,     culdade de ficar atento durante tarefas ou deveres;
incorrerão em fracasso escolar. Além disso, os por-   parece não escutar quando alguém lhe fala direta-
tadores de TDAH, freqüentemente, encaram tam-         mente; não segue instruções e não consegue termi-
bém o fracasso social, pois não conseguem se rela-    nar tarefas; perde-se ao longo das atividades; dis-
cionar adequadamente com os demais, e muitas ve-      persa-se com facilidade e tem dificuldades de orga-
zes são vítimas da estigmatização. Com os eventos,    nizar as tarefas. É, portanto, típico da criança com
queremos divulgar essas questões exaustivamente,      déficit de atenção evitar atividades que exijam es-
de forma a que profissionais da área de saúde e de    forço mental por muito tempo, como leitura de li-
educação, e principalmente os pais, obtenham in-      vros sem gravura, por exemplo. Ela se distrai facil-
formações de como lidar com portadores de TDAH.       mente por qualquer estímulo externo e tem dificul-

O que caracteriza um portador
de Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade?
                                          A família, em geral, é pouco informada sobre
O TDAH se manifesta basicamen-
te por desatenção ou hiperativi-
                                          esse tipo de distúrbio e, muitas vezes, reluta
dade (inquietude), sendo que em
certos casos pode prevalecer um
                                          em aceitar que o filho é diferente e que possa precisar
ou outro. Quando prevalece a hi-
peratividade, chamamos o trans-
                                          de tratamento. É freqüente, por exemplo, a família
torno de predominantemente
hiperativo, impulsivo. Quando
                                          atribuir à criança ‘personalidade difícil’ ou ‘geniosa’
prevalece a desatenção, denomi-
namos de transtorno predominan-
                                          para justificar as dificuldades enfrentadas
te desatento. Há casos em que os
dois sintomas-chave se combinam em intensidade          dade de responder a pedidos, de executar ordens,
alta. Nessas situações, trata-se do que chamamos de     de se manter alerta no mesmo foco. É interessante
transtorno combinado, justamente o tipo mais fre-       chamar a atenção, principalmente dos pais, para
qüente em crianças.                                     o fato de que ter déficit de atenção não quer dizer
                                                        que a criança não presta atenção em algo ou que é
Mas, no dia-a-dia, como podemos                         ‘teimosa’. Ao contrário, a criança, na realidade, pres-
identificar uma criança hiperativa?                     ta atenção em tanta coisa que acaba não conseguin-
A criança hiperativa manifesta uma série de sinto-      do manter a atenção. Qualquer outro estímulo ex-
mas de inquietação: não consegue ficar sentada por      terno, como um barulho, a distrai.
muito tempo; tem dificuldade de brincar ou de par-
ticipar de atividades de lazer; está sempre ‘elétrica’, O senhor falou que o mais difícil é vencer
‘a todo vapor’; fala em demasia; abandona o local em    a resistência da família. Pode nos explicar
que deveria estar sentada; sobe em locais e, com        melhor esse ponto?
isso, expõe-se, inclusive, a riscos. Além disso, ela    A família, em geral, é pouco informada sobre esse
apresenta, também, sintomas de impulsividade: res-      tipo de distúrbio e, muitas vezes, reluta em aceitar
ponde a perguntas antes que elas tenham sido ter-       que o filho é diferente e que possa precisar de trata-
minadas; não espera a sua vez de falar; interrompe a    mento. É freqüente, por exemplo, a família atribuir
fala dos outros e se intromete em assuntos alheios.     à criança uma ‘personalidade difícil’ ou ‘geniosa’
São sintomas gritantes que chamam a atenção das         para justificar as dificuldades enfrentadas. Muitas
pessoas, principalmente a de seus professores. Em       vezes, também, a família se volta contra a escola ou
geral, é deles que surge o primeiro alerta para os      o professor, justamente aqueles que a alertaram para


                                                                                             outubro de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 9
ENTREVISTA
                              a questão. Ela transfere o problema, julgando que é o    liação, onde ela receberá um diagnóstico negativo,
                              “professor que não entende o filho”, “que persegue o     ou considerar uma criança com TDAH simplesmente
                              seu filho” ou, mesmo, que é “a escola que não é boa”.    mal-educada ou preguiçosa, e não dar a ela a oportu-
                              A família, em geral, muda a criança de escola várias     nidade de um tratamento?
                              vezes, sem, no entanto, resolver a situação. Em ou-
                                                                            O senhor falou que 3% a 5% das crianças
                              tros casos, a família se sente culpada, como se o pro-
                                                                            têm TDAH. Se somarmos esses índices
                              blema se tratasse de incapacidade sua, dos pais, de
                                                                            aos da ansiedade, depressão e outros distúrbios
                              educar os filhos. Esses julgamentos morais, da parte
                                                                            psiquiátricos chegaremos a um percentual enorme
                              da família ou de terceiros, acabam atrapalhando
                                                                            da população. Praticamente todos, hoje,
                              muito, pois atrasam a busca por ajuda especializa-
                                                                            teriam algum distúrbio...
                              da. Os pais ficam tentando remediar a situação, ten-
                                                                            Essa discussão é enorme na medicina e na psiquia-
                              tando impor limites, punições ou, mesmo, buscan-
                                                                            tria, especialmente. Afinal, quando classificamos os
                              do alternativas em propostas pedagógicas inovado-
                                                                            comportamentos, todo aquele que destoa do normal,
                              ras etc. Essas medidas até podem auxiliar a criança,
                                                                            do esperado, entraria em uma faixa de diagnóstico.
                              mas não solucionam o problema. Mais cedo ou mais
                                                                            Vários consideram que muito do que a medicina
                              tarde, o contato com a realidade se estabelece e a
                                                                            considera distúrbio orgânico é, na verdade, de ori-
                              criança vai ser exigida socialmente. Portanto, é mui-
                                                                            gem social, cultural. Outros discutem, inclusive, se
                              to mais fácil conscientizar-se da situação, e buscar
                                                                            não haveria um certo ‘modismo’ em torno de certos
                              apoio, do que simplesmente levantar o muro e cons-
                              truir uma redoma em torno da criança.         distúrbios. Eu não participo dessas polêmicas, até
                                                                                                porque acho que essas discussões
                                                                                                não se aplicam à hiperatividade
                 A saúde pública no Brasil é cruel. Se para famílias                            e ao déficit de atenção. Na minha
                                                                                                opinião, com a mudança do pa-
                com certa renda, buscar auxílio é complicado, para                              drão de vida humano, a criança
                                                                                                ou o adulto com TDAH, que era
                famílias sem recursos é pior ainda, principalmente                              tolerado em nossa sociedade e
                                                                                                passava desapercebido, está ten-
                    na área de saúde mental, na qual a negligência                              do mais dificuldade no dia-a-dia
                                                                                                e, portanto, está se tornando mais
                                   e o desrespeito parecem ser maiores                          visível. Atualmente, mesmo no
                                                                                                Brasil, que é pouco exigente em
                                                                                                termos de educação, a expectati-
                                                                                                va é de que as pessoas terminem,
                      Mas, de certa forma, a família pode ter razão: pode   pelo menos, o segundo grau. Há uma demanda enor-
                      haver confusão entre o que é uma patologia e o que    me por desempenho – e bom desempenho! – por
                      é cultural e social. Por exemplo: como um professor   parte das escolas e das empresas, de maneira que as
                      poderá diferenciar uma criança hiperativa de uma      pessoas que têm dificuldades, hoje, se expõem mais.
                      criança apenas mal-educada? Ou uma criança com            Conforme aumenta o grau de exigência de estudo
                      déficit de atenção de uma criança preguiçosa?         em uma sociedade, mais difícil se torna para o por-
                      De fato, essas confusões podem existir entre os lei-  tador de TDAH corresponder e mais o distúrbio pre-
                      gos, mas para um especialista elas não existem.       judicará a pessoa em seu desempenho escolar, pro-
                      Mesmo os casos mais complicados, depois de um         fissional e social. É como um círculo vicioso: a pes-
                      tempo de acompanhamento, podem ser diferencia-        soa precisa demonstrar bom desempenho, mas não
                      dos. Considero muito positivo se pais e professores   consegue por causa do distúrbio. No passado, a si-
                      chegarem a esse nível de dúvida e questionamento:     tuação era completamente diferente: em 1940, por
                      eles estarão bem próximos de buscar a ajuda de um     exemplo, uma criança terminar o primário e apren-
                      especialista e, nesse caso, será possível diferenciar der a ler e escrever era suficiente e motivo de elogio.
                      e, caso necessário, tratar a criança. Tenho enorme    Era uma meta exeqüível para, inclusive, um porta-
                      preocupação é com a grande parcela da população       dor de TDAH. Hoje, no entanto, terminar o primário
                      que possui a hiperatividade e o déficit de atenção,   não significa muita coisa: as exigências são muito
                      não sabe, não tem acesso à informação e vive, por-    maiores, tão maiores que uma criança com TDAH
                      tanto, com menor qualidade de vida do que poderia.    tem enormes dificuldades em vencê-las.
                      Sem dúvida, é preciso ter cuidado ao avaliar uma
                      criança. No entanto, o que é pior: encaminhar uma     Qual a possível origem desses transtornos?
                      criança mal-educada ou preguiçosa para uma ava-       As pesquisas apontam para disfunções em neuro-


10 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 3 • n º 1 9 8
ENTREVISTA
transmissores que atuam na região cortical do lobo    nal, desde que as pessoas, principalmente profes-
frontal do cérebro. Essa é uma das regiões mais de-   sores e pais, se disponham a dar um atendimento
senvolvidas no cérebro humano, quando comparado       minimamente diferenciado. Nesse caso, seu de-
ao de outros animais, e é justamente uma região re-   sempenho estará muito próximo do das outras
lacionada à inibição de comportamentos inadequa-      crianças. Mas uma parcela dos portadores do Trans-
dos, à capacidade de prestar atenção, ao autocontrole torno de Déficit de Atenção e Hiperatividade não
e ao planejamento. A ansiedade e a depressão tam-     consegue se adaptar às escolas normais e necessita
bém são distúrbios relacionados a essa área. A dife-  de escolas mais especializadas.
rença está no tipo de neurotrans-
missores envolvidos. Enquanto na
depressão e na ansiedade pare-            Não passa na cabeça da pessoa que ela está
cem estar mais envolvidos os
neurotransmissores serotoni-              esquecendo ou perdendo coisas ou não terminando
nérgicos e noradrenérgicos, no
caso da hiperatividade e do défi-         uma tarefa por um distúrbio biológico. Daí
cit de atenção estão mais envolvi-
dos os neurotransmissores dopa-           a importância de a sociedade estar bem informada
minérgicos e noradrenérgicos.
Estudos com metilfenidato (uma            sobre o problema, para ajudar a identificar
substância muito empregada para
tratamento do TDAH) mostram               e tratar esses casos desde a infância
que a medicação aumenta a quan-
tidade dos neurotransmissores
dopamina e noradrenalina, diminuindo os sintomas      Até que ponto as psicoterapias auxiliam
do TDAH. Também estudos com pessoas que tive-         essas crianças?
ram traumatismos, tumores ou doenças na região        No caso de portadores do distúrbio leve, o apoio de
frontal e passaram a apresentar os sintomas pareci-   um psicólogo ou de um psicopedagogo, ou o acom-
dos com TDAH levam os pesquisadores a desconfiar      panhamento diferenciado de um professor, ou da
do envolvimento dessa área nesses distúrbios. Ago-    própria família, já ajuda bastante. A partir do está-
ra, é sempre bom lembrar que tudo isso são suposi-    gio moderado, considero ser necessário o tratamen-
ções e, ainda, motivo de pesquisa, sem confirmação    to medicamentoso. No estágio grave, além do acom-
absoluta.                                             panhamento e do tratamento medicamentoso, são
                                                      necessários ainda outros acompanhamentos, como
E qual a hipótese para explicar a disfunção           fonoaudiologia, psicoterapia, orientação familiar e
na produção dos neurotransmissores específicos?       escolar, a depender do caso. Não é fácil tratar uma
Muitas pesquisas têm apontado para a hereditarie-     criança com o quadro grave de TDAH.
dade como fator principal. Estudos com gêmeos idên-
ticos, com genealogias familiares, com crianças       Qual a base dos medicamentos utilizados?
adotadas, enfim, uma série de trabalhos, alguns rea-  São estimulantes e antidepressivos. Tanto um como
lizados no Brasil, têm apontado para os genes como    outro podem ser indicados para a hiperatividade ou
causa desses distúrbios. Não se quer dizer com isso   o déficit de atenção, porque os pacientes respondem
que os genes determinariam o transtorno em si, ape-   a um ou a outro de maneira diferente. Sobre essa
nas que certos genes implicariam uma susceptibili-    questão do medicamento, há também certos tabus e
dade ao aparecimento do transtorno. A presença        falta de informação que precisam ser desfeitos. Para
desses genes e a sua interação com diversos outros    o leigo, pode parecer uma contradição dar um esti-
fatores ambientais é que determinariam a presença     mulante para uma criança hiperativa, mas é preci-
do TDAH ou não.                                       so lembrar que se trata de uma disfunção de neuro-
                                                      transmissores e que os medicamentos visam esti-
Uma criança diagnosticada com TDAH                    mular a produção de neurotransmissores, que mui-
requer uma atenção diferenciada.                      tas vezes estão em quantidade insuficiente. Da mes-
Como lidar socialmente com isso?                      ma maneira, antidepressivos não visam dopar a
Vai depender, é claro, do grau do distúrbio – que     criança. Muitos pais tardam a buscar ajuda médica
pode ser leve, moderado ou grave. Em geral, a         porque estão presos ainda na imagem do psiquiatra
criança, nos graus leve e moderado, poderá levar      como ‘médico de louco’ e na falsa idéia de que de-
uma vida muito próxima do normal. Ela poderá,         vem poupar seus filhos do medicamento psiquiátri-
por exemplo, estudar em uma escola convencio-         co. Ao medicar uma criança, buscamos que ela te-


                                                                                      outubro de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 11
ENTREVISTA
                                                                 com certa renda, buscar auxílio é complicado, para
                              nha mais qualidade de vida, não fazê-la sofrer. Os
                                                                 famílias sem recursos é pior ainda, principalmente
                              remédios visam, inclusive, tornar a criança mais
                                                                 na área de saúde mental, na qual a negligência e o
                              atenta, mais concentrada. Enquanto relutarem em
                                                                 desrespeito parecem ser maiores. Sobretudo em psi-
                              tratar as crianças, os pais permanecerão nessa via
                                                                 quiatra infantil, faltam ambulatórios e alguns pou-
                              crucis atrás de professores particulares, escolas al-
                                                                 cos centros que existiam foram desativados. Aqui
                              ternativas, psicólogos, psicopedagogos, orientação
                                                                 no Hospital das Clínicas, mesmo, onde temos o ser-
                              familiar, sem conseguir solucionar o problema.
                                                                 viço específico de atendimento a crianças com
            Qual deve ser a atitude da família, então?           TDAH, estamos com limitações de atendimento por
            A família deve estar atenta aos sinais emitidos pela causa de reformas, uma situação que espero ver bre-
            escola e pelos professores, em particular. Respeito  vemente solucionada. Então, não há como escamo-
            muito os professores nesses casos: muitas vezes eles tear a situação: uma família sem recursos vai sofrer
            não sabem do que exatamente se trata – e nem cabe-   muito para tratar uma criança portadora. Ela terá
            ria, pois eles não são psiquiatras –, mas eles sabem que peregrinar do posto de saúde perto da sua casa
            reconhecer um comportamento que destoa do gru-       até conseguir se encaixar em um serviço de atendi-
                                                                                     mento infantil, em um hospital
                                                                                     público ou universitário, que, em
                                                                                     geral, oferece esse serviço. No en-
        Estudos têm mostrado que a grande maioria dos                                tanto, apesar das dificuldades,
                                                                                     acho que devemos – pais, profes-
     portadores de TDAH correm risco de uso e abuso de                               sores, médicos, psicólogos e ou-
                                                                                     tros – insistir e gerar demandas
drogas na adolescência e que muitos casos estão ligados                              para o poder público. Assim como
                                                                                     em outros países, é preciso garan-
     a delitos, à delinqüência e à criminalidade. A regra,                           tir que essas crianças tenham
                                                                                     acesso à escolarização, ao acom-
                                          portanto, não é o sucesso                  panhamento especializado, ao
                                                                                     tratamento médico, ao ensino su-
                                                                                     perior e à realização profissional.
            po. Em geral, eles tentam alertar a família, mas     Não podemos continuar nos conformando (e as con-
            muitas vezes a reação é ruim – tão ruim que alguns   formando) com o fracasso escolar e social.
            professores, erroneamente, se omitem por ter receio
            da reação dos pais. Acho que os professores não de-  O que exatamente quer dizer com fracasso social?
            vem fazer jamais isso: eles devem saber que se trata É preciso alertar que nem só as crianças sofrem
            de defender a criança, de dar-lhe novas oportunida-  Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
            des e, portanto, devem insistir com as famílias para As crianças ficam adultas e, em muitas, os sinto-
            procurar um especialista que saiba diagnosticar e    mas não desaparecem. Se quando crianças os seus
            tratar o TDAH. Em geral, orienta-se para procurar    sintomas de impulsividade, de não respeitar pes-
            um professor particular, um psicólogo, um psicope-   soas, de não prestar atenção, de esquecer-se das
            dagogo ou, em raros casos, um neurologista. Como     coisas, já as tornavam isoladas ou malquistas pelos
            esses profissionais nem sempre estão a par do TDAH,  colegas, quando adultas esse quadro se agrava. O
            aquilo que deveria ser uma solução do problema       adulto com TDAH é muitas vezes ‘pessoa não gra-
            vira uma peregrinação. Daí nossa insistência em      ta’, porque os sintomas do distúrbio são confundi-
            divulgar o TDAH no Brasil, para que mais profissio-  dos ou tachados como impertinência, negligência,
            nais e familiares sejam capazes de desconfiar dele e vagabundagem, preguiça, enfim, uma série de ró-
            possam encaminhar portadores para avaliações com     tulos extremamente pesados socialmente. Se quan-
            especialistas. Recomendo a todos que visitem o site  do criança ninguém queria receber um hiperativo
            da Associação Brasileira de Déficit de Atenção/      em casa, porque ele destruía tudo, quando adulto
            Hiperatividade (www.tdah.org.br), que pode escla-    ninguém irá querer, também, trabalhar ou convi-
            recer muitas dúvidas.                                ver com ele. Conviver socialmente se torna, assim,
                                                                 muito complicado para aquele que tem déficit de
            O senhor falou em peregrinação de famílias           atenção e freqüentemente se esquece das reuniões
            que buscam ajuda recorrendo a profissionais          de trabalho ou, mesmo, dos encontros e momentos
            variados. E no caso de uma família pobre que tem     de convívio social. Socialmente, esses comporta-
            criança com TDAH, a quem ela deve recorrer?          mentos acabam gerando muito prejuízo aos in-
            A saúde pública no Brasil é cruel. Se, para famílias divíduos.


12 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 3 • n º 1 9 8
ENTREVISTA
Como é feito o diagnóstico na fase adulta?              Quando o senhor relaciona a presença de TDAH
Não é difícil. O que predomina, em geral, é a           com o fracasso escolar e social não está sendo
desatenção: a pessoa esquece ou perde objetos, não      muito determinista? Até que ponto o portador
presta atenção em detalhes e esquece compromis-         do distúrbio está fadado ao fracasso?
sos. Ela, em geral, é socialmente malvista por não       Alguns discutem a possibilidade de Albert Einstein
prestar atenção no outro. Imagine a típica situação     ter sido um portador de TDAH. De fato, quando se lê
de esquecer o aniversário da esposa.... No caso de      sua biografia, muitos episódios são típicos de um
um portador de déficit de atenção, não quer dizer       portador do distúrbio de déficit de atenção. Basta
que ele não ligue para o casamento ou para sua espo-    lembrar o baixo desempenho na escola, os esque-
sa. Ele simplesmente esquece a data. Mas as inter-      cimentos, a desorganização e mesmo a grande con-
pretações sociais desse fato poderão ser bem mais       centração em temas de seu estrito interesse – todas
negativas: a esposa, por exemplo, poderá considerá-     características do déficit de atenção. À primeira vis-
lo displicente e querer se separar dele. Da mesma       ta, portanto, esse caso parece contradizer a idéia de
forma, no trabalho, ao esquecer as tarefas, não         fracasso, pois Einstein foi um gênio da física. Mas é
terminá-las, faltar a reuniões, um portador de défi-    preciso sempre lembrar que, quando me refiro a fra-
cit de atenção poderá ser visto como ‘vagabundo’,       casso social, penso no aspecto geral. A pessoa pode
péssimo funcionário, quando na realidade isso           ser supercapacitada em uma atividade, mas não es-
independe da vontade dele. Até por falta de infor-      tar capacitada para viver no dia-a-dia, plenamente. A
mação a respeito, pouca gente levaria em conta a        vida exige que sejamos capazes de mudar o foco de
possibilidade de um ‘péssimo funcionário’ se tratar     atenção e, inclusive, que tenhamos controle sobre isso,
de um quadro de déficit de atenção ou de hipera-        fazendo escolhas. Outro aspecto a considerar é que
tividade. A própria pessoa acaba, assim, convencida     Einstein pode ter sido um caso de TDAH que obteve
de que se trata de preguiça mesmo. Não passa na         notoriedade e mesmo sucesso, mas o que dizer dos
cabeça dela que está esquecendo ou perdendo coi-        milhares de casos de fracassos desconhecidos? Es-
sas ou não terminando uma tarefa por um distúrbio       tudos têm mostrado que a grande maioria dos por-
biológico. Daí a importância de a sociedade estar       tadores de TDAH correm risco de uso e abuso de dro-
bem informada sobre o problema, para, inclusive,        gas na adolescência e que muitos casos estão liga-
ajudar a identificar e tratar esses casos desde a in-   dos a delitos, à delinqüência e à criminalidade. A
fância.                                                 regra,portanto,nãoéosucesso.                          n




                                                                                                o u t u b r o d e 2 0 0 3 • C I Ê N C I A H O J E • 13

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Inquietos e desatentos

  • 1. ENTREVISTA INQUIETOS E DESATENTOS ENTREVISTA Ainda pouco conhecido no Brasil, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) afeta crianças e adultos, sendo uma das principais causas do fracasso escolar, profissional e social. Oscilando entre os extremos da inquietude e da desatenção, a criança portadora do distúrbio é tratada como “sem educação”, “sem limites”, “preguiçosa” ou “negligente”. O distúrbio ganha, assim, conotações sociais e leva à estigmatização e ao preconceito contra os que são justamente as suas vítimas preferenciais – as crianças. “Não tratada, a criança com TDAH vira fonte de conflitos na família e na escola, um verdadeiro ‘terror’ para pais e professores, afirma o psiquiatra Ênio Roberto de Andrade Ênio Roberto de Andrade, diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo. Presidente da recém-criada Associação de Apoio ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (ATODAH), regional São Paulo da Associação Brasileira de Déficit de Atenção/Hiperatividade (ABDA), Ênio Andrade tem participado ativamente do esforço de pais e especialistas para divulgar o distúrbio no país. A 3a Jornada de TDAH, organizada por essas entidades em São Paulo, em maio último, reuniu mais de 500 pessoas, entre especialistas, pais e portadores do distúrbio. É graças a esse esforço coletivo que a situação do TDAH começa a mudar no Brasil, adianta Andrade nesta entrevista. “O tema está em debate, a imprensa começa a divulgá-lo e os portadores e suas famílias já estão gerando demandas nas instituições de saúde e educação.” Vera Rita da Costa Ciência Hoje/SP 8 • CIÊNCIA HOJE • vol. 33 • nº 198
  • 2. ENTREVISTA Qual o objetivo das jornadas que vocês pais, pois, ao lidar diariamente com dezenas de vêm organizando? crianças em uma mesma faixa etária, eles perce- O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade bem, até facilmente, quando o comportamento da (TDAH) é muito mais comum do que se imagina, criança foge à regra. A dificuldade maior está em mas pouquíssimo conhecido. Estudos têm revelado vencer a resistência da família em procurar ajuda. que cerca de 3% a 5% das crianças o possuem. Isso quer dizer que em uma escola pequena, com, por O senhor caracterizou a hiperatividade. exemplo, 100 alunos, três a cinco crianças apresen- E o déficit de atenção, como se manifesta? tam o transtorno. Elas demandam da instituição uma Nesses casos, a criança não presta atenção aos de- atenção especial, o que freqüentemente não rece- talhes; comete erros por falta de cuidado; tem difi- bem, e, caso não sejam diagnosticadas e tratadas, culdade de ficar atento durante tarefas ou deveres; incorrerão em fracasso escolar. Além disso, os por- parece não escutar quando alguém lhe fala direta- tadores de TDAH, freqüentemente, encaram tam- mente; não segue instruções e não consegue termi- bém o fracasso social, pois não conseguem se rela- nar tarefas; perde-se ao longo das atividades; dis- cionar adequadamente com os demais, e muitas ve- persa-se com facilidade e tem dificuldades de orga- zes são vítimas da estigmatização. Com os eventos, nizar as tarefas. É, portanto, típico da criança com queremos divulgar essas questões exaustivamente, déficit de atenção evitar atividades que exijam es- de forma a que profissionais da área de saúde e de forço mental por muito tempo, como leitura de li- educação, e principalmente os pais, obtenham in- vros sem gravura, por exemplo. Ela se distrai facil- formações de como lidar com portadores de TDAH. mente por qualquer estímulo externo e tem dificul- O que caracteriza um portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade? A família, em geral, é pouco informada sobre O TDAH se manifesta basicamen- te por desatenção ou hiperativi- esse tipo de distúrbio e, muitas vezes, reluta dade (inquietude), sendo que em certos casos pode prevalecer um em aceitar que o filho é diferente e que possa precisar ou outro. Quando prevalece a hi- peratividade, chamamos o trans- de tratamento. É freqüente, por exemplo, a família torno de predominantemente hiperativo, impulsivo. Quando atribuir à criança ‘personalidade difícil’ ou ‘geniosa’ prevalece a desatenção, denomi- namos de transtorno predominan- para justificar as dificuldades enfrentadas te desatento. Há casos em que os dois sintomas-chave se combinam em intensidade dade de responder a pedidos, de executar ordens, alta. Nessas situações, trata-se do que chamamos de de se manter alerta no mesmo foco. É interessante transtorno combinado, justamente o tipo mais fre- chamar a atenção, principalmente dos pais, para qüente em crianças. o fato de que ter déficit de atenção não quer dizer que a criança não presta atenção em algo ou que é Mas, no dia-a-dia, como podemos ‘teimosa’. Ao contrário, a criança, na realidade, pres- identificar uma criança hiperativa? ta atenção em tanta coisa que acaba não conseguin- A criança hiperativa manifesta uma série de sinto- do manter a atenção. Qualquer outro estímulo ex- mas de inquietação: não consegue ficar sentada por terno, como um barulho, a distrai. muito tempo; tem dificuldade de brincar ou de par- ticipar de atividades de lazer; está sempre ‘elétrica’, O senhor falou que o mais difícil é vencer ‘a todo vapor’; fala em demasia; abandona o local em a resistência da família. Pode nos explicar que deveria estar sentada; sobe em locais e, com melhor esse ponto? isso, expõe-se, inclusive, a riscos. Além disso, ela A família, em geral, é pouco informada sobre esse apresenta, também, sintomas de impulsividade: res- tipo de distúrbio e, muitas vezes, reluta em aceitar ponde a perguntas antes que elas tenham sido ter- que o filho é diferente e que possa precisar de trata- minadas; não espera a sua vez de falar; interrompe a mento. É freqüente, por exemplo, a família atribuir fala dos outros e se intromete em assuntos alheios. à criança uma ‘personalidade difícil’ ou ‘geniosa’ São sintomas gritantes que chamam a atenção das para justificar as dificuldades enfrentadas. Muitas pessoas, principalmente a de seus professores. Em vezes, também, a família se volta contra a escola ou geral, é deles que surge o primeiro alerta para os o professor, justamente aqueles que a alertaram para outubro de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 9
  • 3. ENTREVISTA a questão. Ela transfere o problema, julgando que é o liação, onde ela receberá um diagnóstico negativo, “professor que não entende o filho”, “que persegue o ou considerar uma criança com TDAH simplesmente seu filho” ou, mesmo, que é “a escola que não é boa”. mal-educada ou preguiçosa, e não dar a ela a oportu- A família, em geral, muda a criança de escola várias nidade de um tratamento? vezes, sem, no entanto, resolver a situação. Em ou- O senhor falou que 3% a 5% das crianças tros casos, a família se sente culpada, como se o pro- têm TDAH. Se somarmos esses índices blema se tratasse de incapacidade sua, dos pais, de aos da ansiedade, depressão e outros distúrbios educar os filhos. Esses julgamentos morais, da parte psiquiátricos chegaremos a um percentual enorme da família ou de terceiros, acabam atrapalhando da população. Praticamente todos, hoje, muito, pois atrasam a busca por ajuda especializa- teriam algum distúrbio... da. Os pais ficam tentando remediar a situação, ten- Essa discussão é enorme na medicina e na psiquia- tando impor limites, punições ou, mesmo, buscan- tria, especialmente. Afinal, quando classificamos os do alternativas em propostas pedagógicas inovado- comportamentos, todo aquele que destoa do normal, ras etc. Essas medidas até podem auxiliar a criança, do esperado, entraria em uma faixa de diagnóstico. mas não solucionam o problema. Mais cedo ou mais Vários consideram que muito do que a medicina tarde, o contato com a realidade se estabelece e a considera distúrbio orgânico é, na verdade, de ori- criança vai ser exigida socialmente. Portanto, é mui- gem social, cultural. Outros discutem, inclusive, se to mais fácil conscientizar-se da situação, e buscar não haveria um certo ‘modismo’ em torno de certos apoio, do que simplesmente levantar o muro e cons- truir uma redoma em torno da criança. distúrbios. Eu não participo dessas polêmicas, até porque acho que essas discussões não se aplicam à hiperatividade A saúde pública no Brasil é cruel. Se para famílias e ao déficit de atenção. Na minha opinião, com a mudança do pa- com certa renda, buscar auxílio é complicado, para drão de vida humano, a criança ou o adulto com TDAH, que era famílias sem recursos é pior ainda, principalmente tolerado em nossa sociedade e passava desapercebido, está ten- na área de saúde mental, na qual a negligência do mais dificuldade no dia-a-dia e, portanto, está se tornando mais e o desrespeito parecem ser maiores visível. Atualmente, mesmo no Brasil, que é pouco exigente em termos de educação, a expectati- va é de que as pessoas terminem, Mas, de certa forma, a família pode ter razão: pode pelo menos, o segundo grau. Há uma demanda enor- haver confusão entre o que é uma patologia e o que me por desempenho – e bom desempenho! – por é cultural e social. Por exemplo: como um professor parte das escolas e das empresas, de maneira que as poderá diferenciar uma criança hiperativa de uma pessoas que têm dificuldades, hoje, se expõem mais. criança apenas mal-educada? Ou uma criança com Conforme aumenta o grau de exigência de estudo déficit de atenção de uma criança preguiçosa? em uma sociedade, mais difícil se torna para o por- De fato, essas confusões podem existir entre os lei- tador de TDAH corresponder e mais o distúrbio pre- gos, mas para um especialista elas não existem. judicará a pessoa em seu desempenho escolar, pro- Mesmo os casos mais complicados, depois de um fissional e social. É como um círculo vicioso: a pes- tempo de acompanhamento, podem ser diferencia- soa precisa demonstrar bom desempenho, mas não dos. Considero muito positivo se pais e professores consegue por causa do distúrbio. No passado, a si- chegarem a esse nível de dúvida e questionamento: tuação era completamente diferente: em 1940, por eles estarão bem próximos de buscar a ajuda de um exemplo, uma criança terminar o primário e apren- especialista e, nesse caso, será possível diferenciar der a ler e escrever era suficiente e motivo de elogio. e, caso necessário, tratar a criança. Tenho enorme Era uma meta exeqüível para, inclusive, um porta- preocupação é com a grande parcela da população dor de TDAH. Hoje, no entanto, terminar o primário que possui a hiperatividade e o déficit de atenção, não significa muita coisa: as exigências são muito não sabe, não tem acesso à informação e vive, por- maiores, tão maiores que uma criança com TDAH tanto, com menor qualidade de vida do que poderia. tem enormes dificuldades em vencê-las. Sem dúvida, é preciso ter cuidado ao avaliar uma criança. No entanto, o que é pior: encaminhar uma Qual a possível origem desses transtornos? criança mal-educada ou preguiçosa para uma ava- As pesquisas apontam para disfunções em neuro- 10 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 3 • n º 1 9 8
  • 4. ENTREVISTA transmissores que atuam na região cortical do lobo nal, desde que as pessoas, principalmente profes- frontal do cérebro. Essa é uma das regiões mais de- sores e pais, se disponham a dar um atendimento senvolvidas no cérebro humano, quando comparado minimamente diferenciado. Nesse caso, seu de- ao de outros animais, e é justamente uma região re- sempenho estará muito próximo do das outras lacionada à inibição de comportamentos inadequa- crianças. Mas uma parcela dos portadores do Trans- dos, à capacidade de prestar atenção, ao autocontrole torno de Déficit de Atenção e Hiperatividade não e ao planejamento. A ansiedade e a depressão tam- consegue se adaptar às escolas normais e necessita bém são distúrbios relacionados a essa área. A dife- de escolas mais especializadas. rença está no tipo de neurotrans- missores envolvidos. Enquanto na depressão e na ansiedade pare- Não passa na cabeça da pessoa que ela está cem estar mais envolvidos os neurotransmissores serotoni- esquecendo ou perdendo coisas ou não terminando nérgicos e noradrenérgicos, no caso da hiperatividade e do défi- uma tarefa por um distúrbio biológico. Daí cit de atenção estão mais envolvi- dos os neurotransmissores dopa- a importância de a sociedade estar bem informada minérgicos e noradrenérgicos. Estudos com metilfenidato (uma sobre o problema, para ajudar a identificar substância muito empregada para tratamento do TDAH) mostram e tratar esses casos desde a infância que a medicação aumenta a quan- tidade dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina, diminuindo os sintomas Até que ponto as psicoterapias auxiliam do TDAH. Também estudos com pessoas que tive- essas crianças? ram traumatismos, tumores ou doenças na região No caso de portadores do distúrbio leve, o apoio de frontal e passaram a apresentar os sintomas pareci- um psicólogo ou de um psicopedagogo, ou o acom- dos com TDAH levam os pesquisadores a desconfiar panhamento diferenciado de um professor, ou da do envolvimento dessa área nesses distúrbios. Ago- própria família, já ajuda bastante. A partir do está- ra, é sempre bom lembrar que tudo isso são suposi- gio moderado, considero ser necessário o tratamen- ções e, ainda, motivo de pesquisa, sem confirmação to medicamentoso. No estágio grave, além do acom- absoluta. panhamento e do tratamento medicamentoso, são necessários ainda outros acompanhamentos, como E qual a hipótese para explicar a disfunção fonoaudiologia, psicoterapia, orientação familiar e na produção dos neurotransmissores específicos? escolar, a depender do caso. Não é fácil tratar uma Muitas pesquisas têm apontado para a hereditarie- criança com o quadro grave de TDAH. dade como fator principal. Estudos com gêmeos idên- ticos, com genealogias familiares, com crianças Qual a base dos medicamentos utilizados? adotadas, enfim, uma série de trabalhos, alguns rea- São estimulantes e antidepressivos. Tanto um como lizados no Brasil, têm apontado para os genes como outro podem ser indicados para a hiperatividade ou causa desses distúrbios. Não se quer dizer com isso o déficit de atenção, porque os pacientes respondem que os genes determinariam o transtorno em si, ape- a um ou a outro de maneira diferente. Sobre essa nas que certos genes implicariam uma susceptibili- questão do medicamento, há também certos tabus e dade ao aparecimento do transtorno. A presença falta de informação que precisam ser desfeitos. Para desses genes e a sua interação com diversos outros o leigo, pode parecer uma contradição dar um esti- fatores ambientais é que determinariam a presença mulante para uma criança hiperativa, mas é preci- do TDAH ou não. so lembrar que se trata de uma disfunção de neuro- transmissores e que os medicamentos visam esti- Uma criança diagnosticada com TDAH mular a produção de neurotransmissores, que mui- requer uma atenção diferenciada. tas vezes estão em quantidade insuficiente. Da mes- Como lidar socialmente com isso? ma maneira, antidepressivos não visam dopar a Vai depender, é claro, do grau do distúrbio – que criança. Muitos pais tardam a buscar ajuda médica pode ser leve, moderado ou grave. Em geral, a porque estão presos ainda na imagem do psiquiatra criança, nos graus leve e moderado, poderá levar como ‘médico de louco’ e na falsa idéia de que de- uma vida muito próxima do normal. Ela poderá, vem poupar seus filhos do medicamento psiquiátri- por exemplo, estudar em uma escola convencio- co. Ao medicar uma criança, buscamos que ela te- outubro de 2003 • CIÊNCIA HOJE • 11
  • 5. ENTREVISTA com certa renda, buscar auxílio é complicado, para nha mais qualidade de vida, não fazê-la sofrer. Os famílias sem recursos é pior ainda, principalmente remédios visam, inclusive, tornar a criança mais na área de saúde mental, na qual a negligência e o atenta, mais concentrada. Enquanto relutarem em desrespeito parecem ser maiores. Sobretudo em psi- tratar as crianças, os pais permanecerão nessa via quiatra infantil, faltam ambulatórios e alguns pou- crucis atrás de professores particulares, escolas al- cos centros que existiam foram desativados. Aqui ternativas, psicólogos, psicopedagogos, orientação no Hospital das Clínicas, mesmo, onde temos o ser- familiar, sem conseguir solucionar o problema. viço específico de atendimento a crianças com Qual deve ser a atitude da família, então? TDAH, estamos com limitações de atendimento por A família deve estar atenta aos sinais emitidos pela causa de reformas, uma situação que espero ver bre- escola e pelos professores, em particular. Respeito vemente solucionada. Então, não há como escamo- muito os professores nesses casos: muitas vezes eles tear a situação: uma família sem recursos vai sofrer não sabem do que exatamente se trata – e nem cabe- muito para tratar uma criança portadora. Ela terá ria, pois eles não são psiquiatras –, mas eles sabem que peregrinar do posto de saúde perto da sua casa reconhecer um comportamento que destoa do gru- até conseguir se encaixar em um serviço de atendi- mento infantil, em um hospital público ou universitário, que, em geral, oferece esse serviço. No en- Estudos têm mostrado que a grande maioria dos tanto, apesar das dificuldades, acho que devemos – pais, profes- portadores de TDAH correm risco de uso e abuso de sores, médicos, psicólogos e ou- tros – insistir e gerar demandas drogas na adolescência e que muitos casos estão ligados para o poder público. Assim como em outros países, é preciso garan- a delitos, à delinqüência e à criminalidade. A regra, tir que essas crianças tenham acesso à escolarização, ao acom- portanto, não é o sucesso panhamento especializado, ao tratamento médico, ao ensino su- perior e à realização profissional. po. Em geral, eles tentam alertar a família, mas Não podemos continuar nos conformando (e as con- muitas vezes a reação é ruim – tão ruim que alguns formando) com o fracasso escolar e social. professores, erroneamente, se omitem por ter receio da reação dos pais. Acho que os professores não de- O que exatamente quer dizer com fracasso social? vem fazer jamais isso: eles devem saber que se trata É preciso alertar que nem só as crianças sofrem de defender a criança, de dar-lhe novas oportunida- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. des e, portanto, devem insistir com as famílias para As crianças ficam adultas e, em muitas, os sinto- procurar um especialista que saiba diagnosticar e mas não desaparecem. Se quando crianças os seus tratar o TDAH. Em geral, orienta-se para procurar sintomas de impulsividade, de não respeitar pes- um professor particular, um psicólogo, um psicope- soas, de não prestar atenção, de esquecer-se das dagogo ou, em raros casos, um neurologista. Como coisas, já as tornavam isoladas ou malquistas pelos esses profissionais nem sempre estão a par do TDAH, colegas, quando adultas esse quadro se agrava. O aquilo que deveria ser uma solução do problema adulto com TDAH é muitas vezes ‘pessoa não gra- vira uma peregrinação. Daí nossa insistência em ta’, porque os sintomas do distúrbio são confundi- divulgar o TDAH no Brasil, para que mais profissio- dos ou tachados como impertinência, negligência, nais e familiares sejam capazes de desconfiar dele e vagabundagem, preguiça, enfim, uma série de ró- possam encaminhar portadores para avaliações com tulos extremamente pesados socialmente. Se quan- especialistas. Recomendo a todos que visitem o site do criança ninguém queria receber um hiperativo da Associação Brasileira de Déficit de Atenção/ em casa, porque ele destruía tudo, quando adulto Hiperatividade (www.tdah.org.br), que pode escla- ninguém irá querer, também, trabalhar ou convi- recer muitas dúvidas. ver com ele. Conviver socialmente se torna, assim, muito complicado para aquele que tem déficit de O senhor falou em peregrinação de famílias atenção e freqüentemente se esquece das reuniões que buscam ajuda recorrendo a profissionais de trabalho ou, mesmo, dos encontros e momentos variados. E no caso de uma família pobre que tem de convívio social. Socialmente, esses comporta- criança com TDAH, a quem ela deve recorrer? mentos acabam gerando muito prejuízo aos in- A saúde pública no Brasil é cruel. Se, para famílias divíduos. 12 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 3 • n º 1 9 8
  • 6. ENTREVISTA Como é feito o diagnóstico na fase adulta? Quando o senhor relaciona a presença de TDAH Não é difícil. O que predomina, em geral, é a com o fracasso escolar e social não está sendo desatenção: a pessoa esquece ou perde objetos, não muito determinista? Até que ponto o portador presta atenção em detalhes e esquece compromis- do distúrbio está fadado ao fracasso? sos. Ela, em geral, é socialmente malvista por não Alguns discutem a possibilidade de Albert Einstein prestar atenção no outro. Imagine a típica situação ter sido um portador de TDAH. De fato, quando se lê de esquecer o aniversário da esposa.... No caso de sua biografia, muitos episódios são típicos de um um portador de déficit de atenção, não quer dizer portador do distúrbio de déficit de atenção. Basta que ele não ligue para o casamento ou para sua espo- lembrar o baixo desempenho na escola, os esque- sa. Ele simplesmente esquece a data. Mas as inter- cimentos, a desorganização e mesmo a grande con- pretações sociais desse fato poderão ser bem mais centração em temas de seu estrito interesse – todas negativas: a esposa, por exemplo, poderá considerá- características do déficit de atenção. À primeira vis- lo displicente e querer se separar dele. Da mesma ta, portanto, esse caso parece contradizer a idéia de forma, no trabalho, ao esquecer as tarefas, não fracasso, pois Einstein foi um gênio da física. Mas é terminá-las, faltar a reuniões, um portador de défi- preciso sempre lembrar que, quando me refiro a fra- cit de atenção poderá ser visto como ‘vagabundo’, casso social, penso no aspecto geral. A pessoa pode péssimo funcionário, quando na realidade isso ser supercapacitada em uma atividade, mas não es- independe da vontade dele. Até por falta de infor- tar capacitada para viver no dia-a-dia, plenamente. A mação a respeito, pouca gente levaria em conta a vida exige que sejamos capazes de mudar o foco de possibilidade de um ‘péssimo funcionário’ se tratar atenção e, inclusive, que tenhamos controle sobre isso, de um quadro de déficit de atenção ou de hipera- fazendo escolhas. Outro aspecto a considerar é que tividade. A própria pessoa acaba, assim, convencida Einstein pode ter sido um caso de TDAH que obteve de que se trata de preguiça mesmo. Não passa na notoriedade e mesmo sucesso, mas o que dizer dos cabeça dela que está esquecendo ou perdendo coi- milhares de casos de fracassos desconhecidos? Es- sas ou não terminando uma tarefa por um distúrbio tudos têm mostrado que a grande maioria dos por- biológico. Daí a importância de a sociedade estar tadores de TDAH correm risco de uso e abuso de dro- bem informada sobre o problema, para, inclusive, gas na adolescência e que muitos casos estão liga- ajudar a identificar e tratar esses casos desde a in- dos a delitos, à delinqüência e à criminalidade. A fância. regra,portanto,nãoéosucesso. n o u t u b r o d e 2 0 0 3 • C I Ê N C I A H O J E • 13