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LIVRO FECHADO

                                                           2 de Abril
                                  Dia Internacional do Livro Infantil




  Era uma vez um livro. Um livro fechado. Tristemente
fechado. Irremediavelmente fechado.
   Nunca ninguém o abrira, nem sequer para ler as
primeiras linhas da primeira página das muitas que o livro
tinha para oferecer.
   Quem o comprara trouxera-o para casa e, provavelmente
insensível ao que o livro valia, ao que o livro continha,
enfiara-o numa prateleira, ao lado de muitos outros.
   Ali estava. Ali ficou.
   Um dia, mais não podendo, queixou-se:
   – Ninguém me leu. Ninguém me liga.
   Ao lado, um colega disse:
   – Desconfio que, nesta estante, haverá muitos outros
como tu.
                            1
– É o teu caso? – perguntou, ansiosamente, o livro que
nunca tinha sido aberto.
   – Por sinal, não – esclareceu o colega, um respeitável
calhamaço. – Estou todo sublinhado. Fui lido e relido. Sou
um livro de estudo.
   – Quem me dera essa sorte – disse outro livro ao lado, a
entrar na conversa. – Por mim só me passaram os olhos,
página sim, página não... Mas, enfim, já prestei para
alguma coisa.
   – Eu também – falou, perto deles, um livrinho estreito. –
Durante muito tempo, servi de calço a uma mesa que tinha
um pé mais curto.
   – Isso não é trabalho para livro – estranhou o calhamaço.
   – À falta de outro... – conformou-se o livro estreitinho.
   Escutando os seus companheiros de estante, o livro que
nunca fora aberto sentiu uma secreta inveja. Ao menos,
tinham para contar, ao passo que ele... Suspirou.
   Não chegou ao fim do suspiro, porque duas mãos o
foram buscar ao aperto da prateleira. As mãos pegaram
nele e poisaram-no sobre os joelhos.
   – Tem bonecos esse livro? – perguntou a voz de uma
menina, debruçada sobre o livro, ainda por abrir.
   – Se tem! Muitos bonecos, muitas histórias que eu vou
ler-te – disse uma voz mais grave, a quem pertenciam as
mãos que escolheram o livro da estante.
   Começou a folheá-lo e, enquanto lhe alisava as primeiras
páginas, foi dizendo:
   – Este livro tem uma história. Comprei-o no dia em que
tu nasceste.
   Guardei-o para ti, até hoje. É um livro muito especial.
   – Lê – exigiu a voz da menina.

                             2
E o pai da menina leu. E o livro aberto deixou que o
lessem, de ponta a ponta.
  Às vezes, vale a pena esperar.


  FIM




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  • 1. LIVRO FECHADO 2 de Abril Dia Internacional do Livro Infantil Era uma vez um livro. Um livro fechado. Tristemente fechado. Irremediavelmente fechado. Nunca ninguém o abrira, nem sequer para ler as primeiras linhas da primeira página das muitas que o livro tinha para oferecer. Quem o comprara trouxera-o para casa e, provavelmente insensível ao que o livro valia, ao que o livro continha, enfiara-o numa prateleira, ao lado de muitos outros. Ali estava. Ali ficou. Um dia, mais não podendo, queixou-se: – Ninguém me leu. Ninguém me liga. Ao lado, um colega disse: – Desconfio que, nesta estante, haverá muitos outros como tu. 1
  • 2. – É o teu caso? – perguntou, ansiosamente, o livro que nunca tinha sido aberto. – Por sinal, não – esclareceu o colega, um respeitável calhamaço. – Estou todo sublinhado. Fui lido e relido. Sou um livro de estudo. – Quem me dera essa sorte – disse outro livro ao lado, a entrar na conversa. – Por mim só me passaram os olhos, página sim, página não... Mas, enfim, já prestei para alguma coisa. – Eu também – falou, perto deles, um livrinho estreito. – Durante muito tempo, servi de calço a uma mesa que tinha um pé mais curto. – Isso não é trabalho para livro – estranhou o calhamaço. – À falta de outro... – conformou-se o livro estreitinho. Escutando os seus companheiros de estante, o livro que nunca fora aberto sentiu uma secreta inveja. Ao menos, tinham para contar, ao passo que ele... Suspirou. Não chegou ao fim do suspiro, porque duas mãos o foram buscar ao aperto da prateleira. As mãos pegaram nele e poisaram-no sobre os joelhos. – Tem bonecos esse livro? – perguntou a voz de uma menina, debruçada sobre o livro, ainda por abrir. – Se tem! Muitos bonecos, muitas histórias que eu vou ler-te – disse uma voz mais grave, a quem pertenciam as mãos que escolheram o livro da estante. Começou a folheá-lo e, enquanto lhe alisava as primeiras páginas, foi dizendo: – Este livro tem uma história. Comprei-o no dia em que tu nasceste. Guardei-o para ti, até hoje. É um livro muito especial. – Lê – exigiu a voz da menina. 2
  • 3. E o pai da menina leu. E o livro aberto deixou que o lessem, de ponta a ponta. Às vezes, vale a pena esperar. FIM 3