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Cultura Escolar Migrações e Cidadania ­ Actas do VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da 
Educação 
20 ­ 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto) 
ISBN xxx­xxx­xxxxx­x­x 




Mesa Coordenada: Educação, género e história 

Coordenador: Lia Faria 
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 




História(s)  de Maria Yedda Linhares: educação 
e política no Brasil Republicano 
Lia Faria 
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 



Vozes  Femininas  do  oitocentos  –  o  papel  das 
preceptoras nas casas brasileiras 
Maria Celi Chaves Vasconcelos 
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 



Os  discursos  do  poder  e  as  políticas 
educativas na governação de Oliveira Salazar. 
As  vozes  das  mulheres  na  Assembleia 
Nacional (1946­1961) 
Áurea Adão, Universidade Lusófona Baltasar Lopes da Silva; Maria 
José Remédios, Universidade de Évora 


Memória,  história  e  testemunho  da  primeira 
mulher  secretária  de  estado  de  educação  e 
cultura  do  Rio  de  Janeiro:  Myrthes  de  Luca 
Wenzel 
Yolanda  Lima  Lobo,  Universidade  Estadual  do  Norte  Fluminense 
Darcy Ribeiro 



EIXO 4 – Inclusão, género e etnia
2                                                                             Educação, género e história 



       A  sessão  coordenada  ­  Educação,  Gênero  e  História  ­  se  propõe  a  pensar  o  presente, 
examinando as referências conceituais e históricas, que permeiam as idéias e práticas políticas 
circulantes  no  contexto  escolar  luso­brasileiro,  relacionando  tradição  e  republicanismo.  Assim, 
iniciamos  com  a  apresentação  da  professora  Maria  Celi  Vasconcelos,  a  respeito  da  gênese  da 
educação, nos oitocentos, ainda confinada ao lócus doméstico, a casa. A  seguir, mais voltadas 
para  o  nosso  tempo,  os  estudos  de  Yolanda  Lôbo  e  Lia  Faria,  abordam  a  natureza  da  escola 
pública  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro,  nas  décadas  de  70  e  80,  destacando  a  fundação  do 
sistema público fluminense, a partir do olhar de duas de suas dirigentes, as professoras Myrthes 
Wenzel e Maria Yedda Linhares. Por fim, a contribuição das autoras portuguesas, Áurea Adão e 
Maria  José  Remédios,  nos  remetem  ao  espaço  legislativo,  analisando  sob  a  perspectiva  de 
gênero, a importância da participação das vozes das mulheres na Assembléia Nacional. Logo, a 
presente  comunicação  objetiva  abordar  uma  dupla  dimensão,  a  da  tradição  republicana 
associada  às  questões  da  participação  feminina,  na  vida  pública  dos  dois  países,  Brasil  e 
Portugal.




                                                    VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Cultura Escolar Migrações e Cidadania ­ Actas do VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da 
                                Educação 
                                20 ­ 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto) 
                                ISBN xxx­xxx­xxxxx­x­x 




                                História(s)  de Maria Yedda Linhares: educação 
                                e política no Brasil Republicano 

                                Lia Faria   
                                         1

                                Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 



                                Mesa Coordenada: Educação, género e história 

                                Coordenador: Lia Faria 
                                Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 




                                EIXO 4 – Inclusão, género e etnia 




        Vivi, creio eu, boa parte das esperanças do Brasil. 

        No entanto, me pergunto: para que servem as memórias? 

        São confiáveis? Será que elas precisam ser confiáveis? 

        Maria Yedda Linhares 


       O  presente  estudo  traz  a  tona  a  trajetória  da  professora  Maria  Yedda  Leite  Linhares, 
desvelando  os  indícios  que  tornam  visíveis  a  contribuição  desta  historiadora.  que  esteve 
intelectualmente  a  frente  de  seu  tempo,  considerando  também  a  questão  de  gênero.  Desta 
forma,  analisamos  seu  pensamento,  ressaltando  a  luta  que  sempre  travou  pelas  causas  que 
acreditava  serem  fundamentais  para  a  consolidação  da  universidade  pública  e  da  escola 
republicana no Brasil. 

      Tal análise se inscreve no desejo de indagar  qual a contribuição desta professora para  a 
jovem  historiografia  brasileira,  destacando,  em  particular,  o  debate  acerca  da  atuação  feminina 
                                                             2 
nos meios intelectuais e universitários na década de 60  . Sem perder de vista que não sabemos 


        1 
         Professora­adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e do programa de 
Pós­graduação  em  educação  (PROPEd/UERJ).  Desenvolve  estudos  na  linha  de  pesquisa:  Instituições,  Práticas 
Educativas e História. 

        2 
           O Jornal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publica encarte especial por ocasião dos 40 anos 
da invasão da Faculdade de Medicina. Em suas páginas, ecos de um momento de agressão à autonomia universitária: O 
movimento estudantil tinha três pernas: o Caco, a FNFi e a Faculdade de Medicina. Lutávamos pela reabertura de outros 
diretórios  fechados.  Pela  revogação  de  punições  dos  alunos  de  Arquitetura,  Direito  e  Filosofia  (Jornal  da  UFRJ,  p.  3, 
agosto de 2006).
4                                             História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano 

Mesa coordenada: Educação, género e história               Coordenada por: Lia Faria 

do  passado  tudo  o  que  ele  foi,  nem  mesmo  tudo  o  que  somos  capazes  de  desejar  saber 
(GONDRA, 2001, p. 213). 

       Portanto, o rigor teórico exige um olhar atento, quase arqueológico, que se inscreva além 
                          3 
do  aspecto  fenomênico  das  coisas.  Dentro  de  tal  ótica,  desvendar  as  sombras  que  ainda 
ocultam a participação de mulheres como Maria Yedda, enquanto dirigente e intelectual de seu 
tempo é objeto desta investigação, rompendo esquecimentos e registrando memórias datadas de 
um determinado período histórico. Os múltiplos olhares, da cátedra à ação político­pedagógica, 
enquanto  secretária  municipal  e  estadual  de  educação  do  Rio  de  Janeiro  (RJ)  revelam  um 
cotidiano entrelaçado, em meio aos sucessivos embates travados nos campos da educação, da 
política e da história nacional e fluminense. 

        Logo,  é  a  partir  deste  deslocamento  da  filiação  da  memória,  que  intentamos  também 
recuperar a consciência geracional de uma coletividade acadêmica inserida naquela contingência 
temporal  dos  anos  60  e,  posteriormente,  dos  anos  80.  Segundo  Le  Goff  (1992),  a  classe 
hegemônica e o Estado são os senhores da memória e do esquecimento, deste modo, recuperar 
a visibilidade dos acontecimentos políticos ocorridos nos anos imediatamente pré e pós­ditadura 
                                                                                         4 
militar,  podem  contribuir  para  um  melhor  entendimento  da  atual  fase  anti­utopia  imposta  pelo 
fenômeno da globalização neoliberal. 

      Neste viés, a história de Maria Yedda, embora (...) única, perdida e solitária entre todas as 
outras  ­  aponta  para  o  perigo  dos  processos  de  manipulação  da  memória  coletiva, 
                                                                                   5 
ressignificando os sentidos da universidade pública brasileira (Faria, p.709, 1998)  . 

      Assim  sendo,  ao  articular  os  campos ­  educação,  história  e  política, falamos  de  nós,  ex­ 
alunas da antiga Faculdade Nacional de Filosofia (Universidade do Brasil) e ex­professoras dos 
sistemas públicos de ensino do Rio de Janeiro, em busca dos sentidos que nos identificaram no 
passado, vislumbrando no presente, pontos de rupturas e permanências. 

      Segundo  Walter  Benjamin  (1993)  articular  historicamente  o  passado  não  significa 
conhece­lo  como  ele  de  fato  foi.  Significa  apropriar­se  de  uma  reminiscência,  tal  como  ela 
relampeja no momento de perigo (p. 22). E, assim, orientados pela fala de Benjamin procuramos 
identificar os principais acontecimentos desta trajetória pessoal/coletiva, no feminino, desvelando 
os múltiplos olhares do seu percurso. 

       Desta  forma,  experiências  de  mulheres  intelectuais  como  Maria  Yedda,  descortinam 
ideologias  e  utopias  do  imaginário  daquela  época,  apontando  para  o  processo  de  construção 
histórica do gênero feminino no Brasil. Por outro lado, teorizar sobre a história feminina invisível é 
colocar  em  discussão,  a  simples  vida  do  dia­a­dia,  por  que  definimos  o  feminismo  como  a 
revolução da vida cotidiana, como uma revolução concreta, pois a vida diária que modificamos 
resulta em toda uma mudança social de caráter global (CAPELLER, 1982, p.20). 

        Vale  salientar  também  que  as  representações  do  comportamento  feminino  podem  ser 
identificadas na espessa teia social da micro­política cotidiana das relações de poder, sejam elas 


        3 
          Ver Karel Kosik, em Dialética do Concreto, p. 19, 1976, sobre (...) o mundo fetichizado da aparência para atingir 
a realidade e a” coisa em si”. 

        4 
          Sobre  o  modelo  de  anti­utopia,  declara  ao  Jornal  da  UFRJ,  o  professor  André  Bueno  da  faculdade  de  Letras 
(UFRJ): A década de 60 é o contrário do que temos hoje, tanto na política quanto na cultura. (...) transformada em mais 
um produto pasteurizado da indústria cultural, a rebeldia dos anos 60 perde radicalidade e ganha um sabor adocicado (p. 
4, agosto de 2006, RJ) 

        5 
          Sobre  geração  ver  estudos  de  Ângela  Beatriz  de  Carvalho  Faria,  in:  Dos  mitos:  o  tríplice  dos  barcos  e  anti­ 
utopia, (1998).




                                                                    VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Lia Faria                                                                                                  5 

                                     Mesa coordenada: Educação, género e história    Coordenada por: Lia Faria 

na  família,  no  trabalho,  nas  escolas  e  universidades,  ou  ainda  nos  partidos  políticos.  E  não 
parece  ser  possível  compreender  a  história  de  como  as  mulheres  ocuparam  as  salas  de  aula 
sem  notar  que  essa  foi  uma  história  que  se  deu  também  no  terreno  das  representações  do 
masculino  e  do  feminino,  os  lugares  sociais  previstos  para  cada  um  deles  são  integrantes  do 
processo histórico (LOURO, 2003, p. 479). 

       Portanto, o debate acerca da história das mulheres mantém­se na ordem do dia, imposto 
pela  consciência  crescente  do  importante  papel  que  o  contingente  feminino  têm  nas  profundas 
transformações  econômicas,  sociais,  políticas  e  culturais  que  marcam  em  todos  os  níveis  a 
evolução da humanidade. 

        Segundo Scott (1992): 

                 a  história  das  mulheres  apareceu  como  um  campo  definível  principalmente  nas 
       duas últimas décadas. Apesar das enormes diferenças nos recursos para ela alocados, em 
       sua  representação  e  em  seu  lugar  no  currículo,  na  posição  a  ela  concedida  pelas 
       universidades  e  pelas  associações  disciplinares,  parece  não  haver  mais  dúvida  de  que  a 
       história das mulheres é uma prática estabelecida em muitas partes do mundo (p.63). 

             Por outro lado, se observa um desejo análogo de inverter as perspectivas historiográficas 
tradicionais, de mostrar a presença real das mulheres na história mais cotidiana, sustentado pelo 
esforço das historiadoras nos últimos anos (PERROT, 1988, p. 171). 

       Diante de tal afirmação, justificam­se os estudos sobre o papel social das mulheres que se 
destacaram  pelo  seu  pioneirismo,  na  medida  em  que  a  análise  do  discurso  feminino  em  seu 
cotidiano  pode  identificar  as  contradições  vividas  pela  sociedade  brasileira  naquele  momento 
histórico e, ao mesmo tempo, o processo cultural e histórico do qual a mulher foi vítima, compõe 
o inventário desta mulher­educadora. E nem sempre será fácil libertar­se deste passado (FARIA, 
1989 p. 60). 

        No  exercício  do magistério,  por  que  é  a mulher  a  “escolhida”? Por  que  continua  sendo, 
majoritariamente,  a  professora  ou  a  “tia”?  Em  estudos  anteriores,  por  ocasião  do  mestrado, 
investigamos que tal fato se dá devido ao aprisionamento histórico no mundo privado, tornando­ 
se  mais  difícil  para  as  mulheres,  romperem  com  o  modelo  hegemônico  de  um  mundo  público, 
ainda masculino (Faria, 1989). 

       Durante séculos, o esperado das mulheres seria aceitação, concordância e resignação. No 
entanto, algumas mulheres, embora minoria, vêem conseguindo romper lentamente as amarras 
do  tradicionalismo  da  sociedade  brasileira. Mas  esta não  é  uma  tarefa  fácil  e  nem  isolada.  Só 
coletivamente  as  mulheres  poderão,  de  fato,  serem  as  artífices  da  sua  própria  libertação 
(CHARTIER, 1995 p. 47). 

       Em  continuidade,  a  pesquisa  recupera  os  debates  acerca  da  escola,  enquanto  espaço 
privilegiado de formação da cidadania, através da análise das falas e do testemunho de vida de 
Maria Yedda. O importante, no entanto, é integrar de forma crítica, cenas distantes ou perdidas 
no tempo, buscando incessantemente nos arquivos os restos da memória guardada, mesmo que 
seja fragmentada, tentando reconstruir elos e conexões entre as diferentes dimensões do público 
e do privado (SAMARA, 2003). 

     Por  outro  lado,  as  mulheres  não  podem  apropriar­se  de  sua  história,  a  menos  que 
comecem  a  coletivizar  suas  experiências,  superando  o  isolamento  estrutural  sofrido  e 
compreendendo  as  causas  sociais  desta  exclusão  intelectual.  Portanto,  os  olhares  de  Maria 
Yedda, como acadêmica e cidadã, surgem lado a lado com a construção de um mundo novo, se 
somando  à  tarefa  de  garantir  às  mulheres  um  espaço  real  de  atuação  política  na  sociedade,


        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
6                                             História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano 

Mesa coordenada: Educação, género e história              Coordenada por: Lia Faria 

considerando  que  a coincidência da mudança das circunstâncias com a mudança da atividade 
humana  ou  com  a  mudança  dos  próprios  homens,  só  pode  conceber­se  e  entender­se 
racionalmente como prática revolucionária (MARX, 1984). 

      Assim  sendo,  o  exemplo  pessoal  torna­se  instrumento  de  mudança,  assinalando  um 
movimento que pode contribuir para uma nova consciência coletiva que no caso das mulheres é 
passo importante para sua integração em qualquer processo revolucionário (PINEDA, 1982). 

      É  neste  panorama,  brevemente  descrito  acima,  que  se  insere  o  percurso  da  historiadora 
                            6 
Maria Yedda Leite Linhares  , com os seus múltiplos  olhares.... 

        Primeiros passos: 
        Origem, infância e ingresso no mundo escolar 
       A análise do tema da memória feminina, objeto deste artigo, se ancora nas preocupações 
do  historiador  José  Honório  Rodrigues,  como  crítico  e  historiador  da  própria  historiografia 
brasileira, quando demarca a diferença entre memória e história (Apud Santos, 2007). 

        Santos (2007) nos traz as reflexões daquele historiador, 

                   em  especial  no  que  se  refere  à  proliferação  do  uso  de  certa  concepção  de 
         memória,  em  detrimento  da  cultura  histórica,  profundamente  atingida  pelo  golpe  de  64  e 
         pela ditadura militar, que perseguiu historiadores e destruiu instituições, com o objetivo de 
         impedir o livre exercício da crítica e a destruição dos marcos e símbolos da história oficial 
         (p. 90). 

      Se  considerarmos  que  Maria  Yedda  é  protagonista  desta  história,  suas  memórias 
adquirem  uma  tonalidade  muito  especial,  por  ter  sido  também  uma  das  historiadoras  vítima 
daquele  movimento  de  truculência  militar,  tendo  como  foco  o  apagamento  da  resistência  de 
professores  e  alunos  e,  como  conseqüências  a  fragmentação  e  esvaziamento  da  autonomia 
universitária. 

       Embora mantendo o cuidado para não praticarmos um uso abusivo dos caminhos e limites 
da  memória,  queremos  estar,  através  desse  estudo,  redimensionando  o  debate  com  a  história, 
pois  segundo  José  Honório  –  só  a  história  é  a  análise  crítica,  dinâmica,  dialética,  julgadora  do 
                                                                 7 
processo de mudanças e desenvolvimento da sociedade. 

      A seguir, os primeiros passos de um inventário cercado pela história brasileira e por muitas 
reminiscências: 

       Maria Yedda Leite Linhares nasceu em Fortaleza (Ceará) no ano de 1921, os pais eram do 
Rio  Grande  do  Norte  e  embora  não  fossem  de  família  ilustre,  pertenciam  à  camada  média  da 
população.Seus  pais  não  freqüentaram  escolas,  possuindo  uma  formação  intelectual  bastante 
simples,  entretanto  buscaram  formas  de  saber  e  conhecer  mais  “as  coisas  do  mundo  letrado”. 
Tal atitude certamente influenciou Maria Yedda, que assim os relembra: 

                (...) minha mãe era de uma família um pouco mais ilustre, os Brito Guerra (...) filha 
         de  uma  viúva  pobre.  Trabalhou  desde  menina  no  ateliê  de  costura  da  minha  avó,  em 


        6 
          A  obra  acadêmica  de  Maria  Yedda  sobre  a  história  agrária  brasileira  se  filia  hoje  aos  grandes  clássicos  da 
historiografia  nacional,  ao  lado  de  nomes  como  Sérgio  Buarque  e  Caio  Prado,  com  que  conviveu,  afirmando  mesmo 
serem eles os nossos “Pais Fundadores” (founding fathers). Cf. www.ifcs.ufrj.br/humanas. 

        7 
             Apud Santos, p. 82 José Honório p. 48.




                                                                   VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Lia Faria                                                                                                               7 

                                         Mesa coordenada: Educação, género e história           Coordenada por: Lia Faria 

         Moçoró,  nunca  teve  oportunidade  de  freqüentar  escolas,  tinha  uma  instrução  bastante 
         simples.  Mas  era  uma  pessoa  de  espírito  extremamente  fino.  Aprendeu  francês  sozinha 
         para poder ler a literatura francesa, o que, numa cidade pequena, do interior, é uma coisa 
         extraordinária. Meu pai era descendente de imigrantes portugueses, perdeu os pais muito 
         criança e foi criado por tios, trabalhando desde pequeno (...) também teve uma formação 
         intelectual precária (ROCHA, 1992, p. 216.). 
                                                                        8 
     De  sua  infância,  daquela  menina  de  fita  vermelha  no  cabelo  ,  outros  acontecimentos 
mereceram lugar definitivo, abaixo registramos algumas das experiências mais enriquecedoras: 

                Nessa  época  algumas  coisas  foram  importantes  para  mim:  a  música  que  papai 
         ouvia,  a  posição  crítica  de  mamãe,  sempre  contra  o  poder,  o  convívio  com  a  família 
         Linhares, amigos de papai que representavam a riqueza, tinham um nível social mais alto. 
         Preenchi minha infância com isso, com música, dança, teatro. (ROCHA, 1992, p. 216). 

     No estado natal inicia a formação educativa em um grupo escolar. Mais tarde, a família se 
muda para o Rio Grande do Sul e depois, em definitivo para o Rio de Janeiro (1933). 

        A seguir, mais recordações, fios entrelaçados que tecem a linha do tempo: 

                Chegamos aqui em meados de 1933. Nessa história de vai para o Sul, vem para o 
         Rio, minha vida escolar foi "pro beleléu". No final do ano comecei a me preocupar, porque 
         estava  fazendo  12  anos  e  não  tinha  nem  curso  primário  (...)  perto  de  onde  morávamos 
         ficava o Instituto Lafayette, fui até lá sozinha (...) eles tinham um curso de férias intensivo, 
         que preparava para o exame de admissão ao ginásio. Fiz esse curso, passei e comecei o 
         secundário  no  Lafayette.  Mas  em  1935  nos  mudamos  e  fui  fazer  o  segundo  ginasial  no 
         Colégio São Paulo. (ROCHA, 1992, p. 217). 

     Nesse mesmo período, houve um marcante acontecimento em sua jovem vida acadêmica, 
como ela mesma descreve: 

                 Quando  eu  estava  no  último  ano  do  ginásio,  em  1938,  o  Ministério  da  Educação 
         promoveu uma maratona intelectual com alunos do curso secundário de todo o país. Eram 
         três  matérias­história,  matemática  e  português  –,  e  quem  inscrevia  os  alunos,  por  série, 
         eram os colégios. Acontece que nós estávamos querendo fazer um baile de formatura, eu 
         presidia  a  comissão  do  baile,  e  as  freiras  estavam  com  muita  raiva  de  mim  porque 
         achavam  que  dançar  era  imoral.  Eu  quis  me  inscrever  na  maratona  de  história,  e  elas 
         disseram  que  não,  que  eu  ia  desmoralizar  o  colégio.  Fui  então  sozinha  ao  ministério, 
         expliquei  que  o  colégio  tinha  se  negado  a  fazer  minha  inscrição, mas  que  eu  queria  me 
         inscrever como independente. Eles passaram uma espinafração nas freiras e obrigaram­ 
         nas a me inscrever (ROCHA, 1992, p. 217). 

      Mais adiante, se refere ao primeiro contato, com aquele que seria um amigo e combatente 
de vida inteira, o antropólogo Darcy Ribeiro: 

               Fiz  provas  escritas,  depois  houve  uma  prova  de  debates  com  outros  alunos  ­ 
                                                                             9 
         quem competiu comigo em Minas, por exemplo, foi o Darcy Ribeiro  ... Depois de um mês 


        8 
          Cf.  Faria  –  em  umas  das  inúmeras  conversas  com  Maria  Yedda  Linhares,  não  só  em  entrevistas  para  a 
pesquisa sobre  Memórias de Ex­Secretários de Educação (UENF/FAPERJ), mas como  ex­aluna  (FNFi, 1967)  e, depois 
professora nos anos 80 e 90, me ficou este relato, da menina que ao passar a Caravana da Aliança Liberal, colocou uma 
fita vermelha para saudar os revolucionários. 

        9 
        Embora muito amigos, por mais de 50 anos, era visível para aqueles que conviveram com Darcy Ribeiro e Maria 
Yedda,que havia às vezes inconscientemente, uma competição intelectual, que poderíamos caracterizar como saudável.



        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
8                                             História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano 

Mesa coordenada: Educação, género e história             Coordenada por: Lia Faria 

         de  provas,  cheguei  em  casa  com  mamãe,  voltando  de  um  concerto  no  Municipal,  e  lá 
         estava  um  telegrama  com  a  notícia:  eu  havia  tirado  o  primeiro  prêmio  nacional  na 
         maratona de história. (ROCHA, 1992, p. 217). 

        Especificamente sobre aquele episódio do concurso, Maria Yedda rememora: 

                  Foi o grande amigo da minha vida e nos conhecemos disputando esse prêmio de 
         história.  Alguns  anos  depois  nos  reencontramos  (...)  essa  é  minha  entrada  na  história. 
         História como ocorrência do passado. Não tinha noção nenhuma do  que  era a formação 
         do  conhecimento  histórico  (...).  História  era  ter  uma  boa  memória  e  saber  sobre  o 
         Napoleão, sobre os Faraós do Egito (In: Memórias da Educação Pública, 2007). 

       Por  fim,  em  1938  concluiu  o  ginásio,  sempre  prosseguindo  os  estudos  até  tornar­se, 
menos  de vinte  anos  depois,  a  primeira mulher  catedrática  (1954)  e  também  a  mais  jovem,  na 
história  da  universidade  pública  brasileira.  Por  outro  lado,  é  digno  de  nota,  ressaltar  o  breve 
período cursado na escola formal, o que nos leva a afirmar que Maria Yedda foi uma intelectual 
autodidata, permanentemente inquieta em busca de novos caminhos. 

        Um longo percurso: trajetória acadêmica e profissional 
       Ao longo dessa investigação tornou­se significativa a participação de Maria Yedda na vida 
acadêmica  do  país,  enquanto  intelectual  e  historiadora  desde  1939,  quando  ingressou,  como 
                                                10                       11 
aluna,  na  Universidade  do  Distrito  Federal  no  curso  de  história  .  Naquele  momento  de 
definição da sua vida profissional, sempre determinada, rememorou: 

                 Concluído  o  ginásio,  afinal,  pensei:  que  curso  eu  posso  fazer?  Se  quisesse 
         estudar direito ou medicina, teria que fazer dois anos de pré­jurídico ou pré­médico. Além 
         de não ter o menor gosto por essas carreiras. Na Universidade do Distrito Federal, a UDF, 
         criada por Anísio Teixeira, eu podia fazer o vestibular direto. Entrei então para lá, para ser 
         professora de história. Eu não queria propriamente ser professora, na verdade não sabia o 
         que queria  ser. Mas tinha acabado  de fazer uma revisão imensa para a maratona, sabia 
         tudo, de modo que escolhi história (ROCHA, 1992, p. 217). 

      Em  1940  ganha  uma  bolsa  de  estudos  do  Institute  of  International  Education  (EUA), 
lecionando português na Columbia University até 1941. Dessa época, destacou que: 

                Os dois anos que passei nos Estados Unidos foram decisivos para mim. Se houve 
         um  tournant  na  minha  vida,  se  houve  um  momento  em  que  a  minha  cabeça  realmente 
         mudou,  foi  nos  Estados  Unidos.  Foi  lá  que  aprendi  como  se  organiza  um  curso,  como 
         deve ser uma universidade. Lá eu percebi que o que havia aqui não era uma universidade, 
         era  quase  uma  escola  secundária,  que  não  tinha  a  preocupação  de  formar,  orientar  ou 
         conduzir ninguém. ROCHA, 1992, p. 218). 

      Após  o  término  da  bolsa,  retornará  ao  Brasil  (1942)  e,  continuando  suas  reminiscências, 
relembra este momento, 




Porém,  certamente  o  fato  de  Maria  Yedda  ser  mulher,  levanta  a  hipótese  de  que  muitas  vezes,  não  lhe  foi  permitido 
ocupar de fato o primeiro lugar, na vida pública brasileira. 

        10 
          Universidade  criada  por  Anísio  Teixeira,  funcionou  de  1932  a  1935,  fechada  pelo  Estado  Novo,  período  da 
ditadura do presidente Getúlio Vargas. 

        11 
              Naquela época o curso habilitava para história e geografia.




                                                                  VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Lia Faria                                                                                                                    9 

                                           Mesa coordenada: Educação, género e história             Coordenada por: Lia Faria 

                  Meu pai pediu que eu voltasse. Estava numa situação muito difícil aqui, do ponto 
         de  vista  material,  e  queria  que  eu  voltasse  para  trabalhar  e  ajudar  a  família.  A  partir  da 
         experiência de ensinar português a estrangeiros, quando cheguei pude me manter. Com a 
         guerra,  e  a  presença  aqui  de  tropas  americanas,  ensinar  português  à  colônia  americana 
         tornou­se  até  rendoso  para  mim.  Fiz  isso  até  1943,  quando  fui  trabalhar  no  DASP 
         (ROCHA, 1992, p. 219). 

       Em  1944 conclui o curso de licenciatura em história, tornando­se rapidamente em 1946 a 
assistente de Delgado de Carvalho, na cadeira de História Moderna e Contemporânea da FNFi. 
Sobre este episódio comentou: 

                  Delgado de Carvalho (...) me convidou. Eu já vinha colaborando com ele, durante 
         o  ano  de  45  escrevi  capítulos  de  livros  didáticos  que  ele  publicou  pela  Editora  Nacional. 
         Eu  tinha  uma  grande  admiração  pelo  professor  Delgado  de  Carvalho  e  aceitei  ser  sua 
         assistente.  A  cadeira  tinha  outro  assistente  muito  mais  importante  que  eu,  Antero 
         Manhães, que dava aulas sobre Renascimento. (ROCHA, 1992, p. 221). 

      Maria  Yedda  quando  retornou  dos  EUA,  veio  com  uma  outra  visão  acerca  do  meio 
acadêmico e do papel da Universidade. Alguns anos mais tarde, em 1953, passa no concurso e 
recebe o título de livre­docência, declarando naquela oportunidade: 

                  Meu  primeiro  concurso  foi  para  livre  docente.  Naquela  época  não  havia  um 
         sistema montado de pós­graduação na universidade, de modo que a livre­docência supria 
         o doutorado, e era a única garantia para quem pretendesse suceder a um catedrático (...) 
         o  sucessor  do  professor  Delgado  de  Carvalho  seria  o  Antero  Manhães,  que  era  o  livre­ 
         docente  da  cadeira.  Mas  o  professor  Manhães  faleceu  subitamente,  fui  instada  pelo 
         próprio  professor  Delgado  a  fazer  a  minha  livre­docência.  Como  eu  gostava  de  política 
         internacional,  e  naquele momento  estava  ocorrendo  uma crise muito  grave  entre Egito  e 
         Inglaterra  em  torno  do  canal  de  Suez  e  do  Sudão,  mandei  buscar  a  documentação 
         recente, que me faltava, e fiz um trabalho chamado As relações anglo­egípcias e o Sudão, 
         analisando a crise de 1951 (Rocha, 1992, p. 229). 

      Em  seguida,  em  1957,  é  aprovada  em  um  segundo  concurso,  agora  para  titular  de 
       12 
cátedra  , sobre aquela ocasião afirmou que: 

                 Esse segundo concurso foi muito puxado para mim. Além da tese havia unia prova 
         de  aula  e  uma  prova  escrita  muito  longa,  de  seis  horas,  com  ponto  sorteado,  e  eu 
         precisava ter toda a bibliografia do século XV ao  XX  na cabeça. Havia mil possibilidades 
         de  temas.  O  concurso  se  encerrou  em  1957,  e  consegui  me  sair  bastante  bem  (Rocha, 
         1992, p. 229). 

       Para  a  historiadora  a  diferença  entre  os  acadêmicos  paulistas  e  cariocas,  estava  na 
definição  do  papel  que  cabia  à  universidade  brasileira.  Um  dos  destaques  do  ensino  na  FNFi, 
defendido por Anísio Teixeira (Departamento de Educação) e Maria Yedda estava na valorização 
da  formação  dos  professores  de  história  para  o  ensino  médio,  visto  como  um  profissional 
importante na construção da identidade nacional. 




        12 
           Maria  Yedda  foi  a  primeira  catedrática  no  Brasil.  Em  seus  depoimentos  relembrou  que  só  havia  uma  outra 
professora  universitária  na  Escola  de  Música.  Em  São  Paulo  também  não  havia,  Alice  Canabrava  era  uma  grande 
historiadora e foi reprovada no concurso da USP porque era mulher (Revista Estudos Históricos, 1992).




        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
10                                           História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano 

Mesa coordenada: Educação, género e história             Coordenada por: Lia Faria 
                                                                                                       13 
       Ao  mesmo  tempo,  se  observa  o  papel  político  exercido  pela  FnFi  (RJ)  no  processo 
histórico  de  redemocratização  brasileira  nas  décadas  de  50  e  60.  Assim  sendo,  a  comunidade 
acadêmica  do  Rio  de  Janeiro  iria  contribuir  de  forma  significativa,  na  luta  pela  Reforma 
Universitária  e  pela  primeira  Lei  de  Diretrizes  e  Bases  da  Educação  Nacional  ­  LDBEN 
                        14 
(promulgada em 1961)  . 

       Dando  prosseguimento  a  uma  sucessão  de  desafios  que  tão  bem  caracterizaram  a  sua 
trajetória política e profissional, foi nomeada diretora da Rádio MEC em 1963 e destituída no ano 
seguinte  pelo  golpe militar.  Em  1968  é  aposentada  pelo  Ato  Institucional  nº  5  e  após  ser  presa 
algumas  vezes  e  responder  a  inquéritos  policiais­militares,  recebe  um  convite  e  vai  para  a 
França,  onde  é  nomeada,  pelo  Ministério  da  Educação  Nacional,  professeur  associé. 
Inicialmente, atuando em Paris­Vincennes e, de 1970 a 1974, na Universidade de Toulouse, só 
voltando ao Brasil em 1974. 

       Dois anos depois começa a se dedicar à pesquisa em história agrária brasileira, mais uma 
vez  inovando,  no  recém­criado  Centro  de  Pós­Graduação  em  Desenvolvimento  Agrícola 
(FGV/RJ  e  SEPLAN).  Em  1977,  organiza  e  dirige  o  Programa  de  História  da  Agricultura 
Brasileira,  publicando  ainda  o  livro  História  do  Abastecimento,  uma  problemática  em  questão, 
1530­1918. Com a anistia será convidada a lecionar no mestrado da UFF e reingressa na UFRJ, 
retomando a função de professor­titular. 

      Novos  rumos  e  novos  olhares  se  apresentam  no  caminho  da  incansável  historiadora, 
durante  o  processo  de  redemocratização  do  Brasil  nos  anos  80,  com  a  eleição  de  Leonel  de 
Moura  Brizola  (1982),  para  governador  do  estado  do  Rio  de  Janeiro.  É,  então,  convidada  para 
assumir a secretaria de educação do município (1983) e em 1986, a secretaria de educação do 
      15                                                                          16 
estado  , quando do licenciamento da secretária, professora Yara Vargas  , que se candidatava 
à deputada pelo estado do Rio de Janeiro. 

        Escola como formação de cidadania 
                 (...)  porque  a  escola  pública  se  tornou  o  gueto  das  crianças  pobres  do  Rio  de 
       Janeiro  (e  do  país)?  Porque  ela  deixou  de  ser  um  elemento  de  democratização  e  de 
       convivência multi­racial, pluri­social (...) Estamos nos defrontando com duas nações e, aqui, 
       no  Rio  de  Janeiro,  com  várias  repúblicas...  As  elites  têm  de  se  conscientizar  de  que 
       prepararam essas duas nações. 
                                       17 
                   Maria Yedda Linhares 



        13 
           O marido  de  Maria  Yedda, José  Linhares percebeu  o clima  de instabilidade política  que se  acirrava  dentro  da 
FnFi  no  início  dos  anos  60.  Tentando  solapar  o  trabalho  dos  servidores  mais  progressistas.  Vai  então  a  Brasília, 
preocupado, procurava vários amigos ministros, entre eles Darcy Ribeiro. No entanto, não foi ouvido quanto às suspeitas 
de conspiração contra o governo, pouco depois ocorre o golpe militar (Memórias da Educação, p. 134, 2007, RJ). 

        14 
          (...)  mais uma  vez torna­se  importante destacar que Maria  Yedda faz  parte  de uma geração  de intelectuais  e 
professores  universitários,  cuja  história  se  confunde  com  a  gênese  da  Educação  brasileira.  Dois  daqueles  expoentes 
serão seus contemporâneos e colegas de trabalho e de sonhos – Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. 

        15 
         Maria  Yedda  também  exerce  o  mesmo  cargo  (1991­1993),  na  SEE,  durante  o  segundo  mandato  daquele 
governador (1991­1994). 

        16 
          A professora Yara Vargas, objeto também de nossas pesquisas (UERJ/UENF/FAPERJ ­ 2000), foi eleita, pelo 
Partido Democrático Brasileiro (PDT), com o maior número de votos daquela eleição. 

        17 
            Torna­se importante registrar a atualidade das palavras “proféticas” de Maria Yedda, na atual crise de extrema 
violência  porque  passam  as  grandes  metrópoles  no  mundo  inteiro,  mas  em  particular,  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro.  Cf 
entrevista concedida no caderno Idéias/ENSAIOS (JB, 29/12/91).




                                                                  VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Lia Faria                                                                                                                          11 

                                              Mesa coordenada: Educação, género e história                  Coordenada por: Lia Faria 

       Sem  sombra  de  dúvidas,  Maria  Yedda  sempre  se  destacou  pela  irreverência  e  coragem 
intelectual,  ainda  consideradas  inesperadas  para  as  mulheres,  como  ela,  nascidas  no  início  do 
século XX. Jamais fez parte de grupos fechados, mantendo seu perfil questionador e combativo 
através  da  defesa  de  suas  posições  intelectuais  e  políticas,  não  se  submetendo  a 
“fundamentalismos”. Tal liberdade de pensamento lhe custou perseguições nos anos 50 e 60, na 
antiga FnFi e, posteriormente, por parte da ditadura militar. 

       Como  ela mesma  diz, nunca fui membro de partido algum, a não ser agora, do PDT... o 
próprio partido comunista desconfiava de mim, por que eu havia estado nos Estados Unidos. 

      Em  tal  contexto,  falar  de  Maria  Yedda  é  falar  da  própria  histórica  política  do  Brasil,  se 
considerarmos que ela conviveu com os intelectuais mais importantes das décadas de 50 a 80. 

        Sobre amigos e adversários, alguns de seus depoimentos: 
                                                                                                      18 
                 Era  muito  comum  eu  e  meu  marido  pegarmos  um  avião  ...  encontrávamos  com 
         Novaes, Alice Canabrava, Otavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso(...). Por que é que o 
                        19 
         Carlos Lacerda  ficou tão meu inimigo a ponto de dizer que a anarquia do Brasil se devia, 
         entre outras pessoas, à Maria Yedda Linhares? Por que eu desmontei todo o mecanismo 
         de atuação política dele na Rádio Mec (Rocha, p. 229, 1992). 

     Sobre o casamento e o marido José Linhares, destacou ter sido um casamento feliz, que 
eram muito amigos, tendo tido um casal de filhos e, que atribuía muito de sua formação política 
ao marido e a sua família, os Linhares. 

      Enfim,  percebe­se  o  intenso  movimento  da  vida  no  intelectual  no  Brasil  estimulado  pelo 
processo de redemocratização, com o fim do Estado Novo, ocasião em que Maria Yedda, mais 
uma vez, reafirmou suas posições libertárias, relembrando que no final da guerra fui muito ativa 
na UNE... minha grande aventura consistiu em trabalhar em uma organização clandestina que eu 
não sabia o que era (Estudos Históricos, 1992). 

       Ainda em entrevista à Revista Estudos Históricos (1992), afirmou que nos anos 60 decidiu 
fazer  oposição  à  ditadura  militar,  se  mobilizando  politicamente  pela  primeira  vez  de  forma 
                                                                                20 
consciente,  (...)  o  movimento  dos  professores  na  passeata  dos  cem  mil  ,  por  exemplo,  saiu 
daqui de casa. 

       Em  seu  período  como  secretária  municipal  (SME/RJ),  entre  março  de  1983  e  julho  de 
                                                                        21 
1986, atuou ao lado de três prefeitos: Jamil Hadadd, Marcello Alencar  e Saturnino Braga. Sobre 
esta  experiência  como  gestora  pública  na  educação  apontou  como  ações  principais:  a  criação 
dos  CECs  (Conselho  Escola­Comunidade);  a  recriação  dos  grêmios  estudantis  (com  eleições 
diretas) e, a participação dos professores nas discussões e elaboração de programas referentes 
à  alfabetização,  treinamento,  conteúdos  programáticos,  gestão  escolar  e  avaliação.  Ao  mesmo 

        18 
          Em sua relação com os pensadores paulistas lembrou que: Vivíamos sonhando com São Paulo, em pesquisar 
como eles(...) desenvolvemos muito mais que eles o curso de formação de professores(...) na época estávamos imbuídos 
de que era fundamental formar bons professores de História (Rocha, 1992). 

        19 
         Carlos  Lacerda  (UDN)  foi  o  principal  opositor  do  presidente  Getúlio  Vargas,  governador  do  ex­estado  da 
Guanabara e, aliado dos militares no golpe de 1964,  contra o então presidente João Goulart. 

        20 
          A  passeata  dos  cem  mil  reuniu  professores,  estudantes,  artistas  e  intelectuais,  em  1968,  num  dos  principais 
atos populares contra o governo militar. 

        21 
          Em  entrevista  concedida  confessou:  tive  mais  prazer  em  ser  secretária  do  município,  sobretudo  no  primeiro 
período  em  que  Marcello  Alencar  foi  prefeito  (1983­1985).  Foi  uma  tarefa  muito  difícil  e  enfrentei  resistências  políticas 
imensas.Cf. www.ifcs.ufrj.br/humanas




        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
12                                            História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano 

Mesa coordenada: Educação, género e história             Coordenada por: Lia Faria 

tempo,  assinalou  a  importância  das  parcerias  da  SME  com  a  Federação  de  Associações  de 
Moradores  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (FAMERJ),  com  a  Federação  de  Associações  de 
                                                                       22 
Favelas (FAFERJ) e com o CEP (Centro Estadual de Professores/RJ)  . 

      Por ocasião das  primeiras eleições presidenciais (1989) pós­ditadura militar, sinalizou em 
                                                                23 
entrevistas  à  imprensa,  que  embora  o  governo  Brizola  estivesse  naquele  momento  sendo 
veementemente combatido, foi durante a administração do PDT que, paralelamente aos debates 
com  a  categoria, foi  aprovado  o  primeiro  plano  de  carreira  dos  professores  públicos  municipais 
                   24 
do Rio de Janeiro  . 

       Assim sendo, durante os inúmeros embates ideológicos ocorridos na passagem dos anos 
80  para  os  90,  Maria  Yedda  nunca  se  intimidou,  sempre  se  colocando  em  defesa  do  direito  à 
educação  e  à  garantia  de  uma  escola  pública  efetivamente  republicana.  É  preciso,  portanto, 
considerar a particularidade política daquele momento de grande comoção nacional, as vésperas 
de uma eleição presidencial após mais de vinte anos de regime de exceção. 

       Na  oportunidade,  citamos  falas  da  professora  que  desvelam  tensões  e  contradições 
dialéticas vividas na passagem do velho para o novo, no Rio de Janeiro nas décadas de 80 e 90, 
                                                                      25 
permeadas pelos interesses dos diferentes grupos e partidos políticos  : 

                Cumpre–me,  ainda,  rememorar  que  foi  o  governo  Brizola  o  único  a  convocar 
        52.000  professores  de  primeiro  grau,  sob  o  titulo “Vamos  passar  a  escola  a  limpo”,  para 
        uma ampla consulta na criação do Programa Especial de Educação, do qual fazem parte 
                    26 
        os CIEPs.  (...) A redução do Programa Especial de Educação a uma questão de custo­ 
        eficiência é uma simplificação falaciosa. É exatamente assim que os defensores da escola 
        particular  atacam  a  escola  pública.  Foi  com  base  nos  mesmos  argumentos  que,  tanto  o 
        governo Moreira Franco, como o ex­prefeito Saturnino Braga reduziram os investimentos 
        na área de educação, inviabilizando os CIEPs (LINHARES, 1989) 

      O que se depreende ao longo deste estudo é que Maria Yedda tem na História o seu rumo 
mais constante, enquanto professora e pesquisadora, continuando até os dias atuais, com mais 
de  80  anos,  atuando  nessa  área  do  conhecimento.  Nos  últimos  anos,  vem  se  dedicando  a 
diversas atividades, incluindo pesquisas e aulas. 

        Em entrevista recente, falou dessas últimas experiências: 

                Como  professora  emérita,  tenho  o  privilégio  de  poder  continuar 
        trabalhando...Fazendo  conferências,  orientando,  participando  em  mil  atividades  de 


        22 
          Hoje SEPE, Sindicato  Estadual  de Professores do Rio  de Janeiro. Maria  Yedda  em resposta, concedida  pelo 
jornal O Globo (1989), ao jornalista do PT, César Benjamin, relativa à matéria – Brizola fechou mais escolas do que abriu, 
contestou, afirmando inclusive que o CEP, fechado pela ditadura, havia sido reaberto no início do governo Brizola. 

        23 
           Durante o pleito eleitoral de 1989, as forças políticas progressistas e de esquerda, travaram um duelo acirrado 
entre dois candidatos, Lula pelo PT e Brizola pelo PDT. 

        24 
          A lei  era de  autoria do  então  vereador Aloísio  de Oliveira, depois  eleito deputado  estadual, sempre pelo PDT. 
Nos últimos anos o parlamentar afastou­se totalmente da vida pública. 

        25 
              Ver Gramsci (1978) sobre relações entre sociedade civil e sociedade política. 

        26 
           O  I  Programa  Especial  de  Educação  (I  PEE),  foi  coordenado  por  Darcy  Ribeiro  e  Maria  Yedda  Linhares  no 
primeiro  governo  Brizola  (1983­1986),  que  estiveram  a  frente  também  do  Encontro  de  Mendes,  ponto  culminante  das 
discussões sobre os CIEPs, pelo professorado carioca e fluminense.




                                                                 VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Lia Faria                                                                                                            13 

                                         Mesa coordenada: Educação, género e história         Coordenada por: Lia Faria 

         natureza  acadêmica,  inclusive  escrevendo  muito,  sobretudo  depois  que  me  viciei  no 
         computador  (essa  invenção  maravilhosa  e  ligeiramente  diabólica).  Tenho  vários  projetos 
         em andamento, e tenho varado madrugadas no meu computador, escrevendo sem parar. 
         (MURILLO, p. 04, 2006). 

        Ao fim  e  ao  cabo,  a  intelectual  Maria  Yedda,  sinaliza  que  o  sucesso  da  escola  pública 
                                                                                         27
significa uma questão de sobrevivência se quisermos existir como povo e nação    e com o olhar 
de historiadora, utiliza o exemplo da Revolução Francesa para justificar tal pensamento: 

                 a  França  quando  resolveu  instaurar  o  ensino  público,  republicano,  praticamente 
         enfrentou  um  estado  de  guerra  civil.  Mas,  a  burguesia  francesa  manifestou  uma 
         consciência nacional impressionante e conseguiu impor o seu projeto de republicanização 
         do país, através da escola pública (Rocha, 1992). 

       Parafraseando  Maria  Yedda,  acreditamos  que  enquanto  os  setores  mais  esclarecidos  e 
privilegiados da sociedade brasileira não conferirem à escola pública, o locus político necessário, 
não haverá solução possível para os críticos problemas sociais que o país enfrenta atualmente. 
É  urgência  democrática  começarmos  já,  pois,  a  França  levou  cem  anos,  depois  da  Revolução 
Francesa, para universalizar o ensino primário público e laico... 

        À guisa de uma conclusão 
                E fico pensando: será que fiz mesmo alguma coisa? De algo tenho certeza; gostei 
         muito de ser professora. 

      Hobsbawn  (1998)  afirma  que  existem  três  formas  de  desfrutar  do  passado:  buscar  o 
modelo ideal, as glórias para o orgulho da nacionalidade ou os elementos para problematizar o 
presente.  Este  último  aspecto  se  insere  nesta  pesquisa,  na  medida  em  que  a  recuperação  de 
memórias,  falas  e  discursos  nos  ajudam  a  melhor  compreender  e  debater  concepções 
impregnadas no processo histórico, no caso em tela, as memórias femininas sobre a genealogia 
da educação fluminense. 

       Para efeito deste ensaio, recolhemos no passado olhares que nos ajudam a problematizar 
os  dias  atuais.  Deste  modo,  ao  trazer  a  trajetória  de  Maria  Yedda  Linhares,  trabalhamos,  pois, 
com  a  possibilidade  de  apropriação  diferenciada  de  como  as  mulheres/educadoras  são  vistas, 
desenvolvendo  um  relato  da  história  que  não  toma  clivagens  macroscópicas  (o  político  e  o 
econômico, por exemplo) como únicas categorias explicativas. 

       Poder­se­ia  dizer  que  todas  as  implicações  que  fazem  parte  do  universo  cultural  da 
mulher­professora,  têm  uma  interferência  direta  no  processo  ensino­aprendizagem, 
apresentando muitas vezes dificuldades instransponíveis para que a professora consiga, de fato, 
ensinar  e  o  aluno,  finalmente,  aprender.  Entretanto,  só  uma  análise  crítica  da  história  da 
educação brasileira poderá trazer uma melhor compreensão das dificuldades enfrentadas pelos 
                                                                                         28 
sistemas públicos de ensino no Brasil. O que se pode dizer de uma história muda,  no que  se 
refere  a  sujeitos  e  acontecimentos  tradicionalmente  silenciados  ou  apagados  nas  pesquisas 
históricas, instituindo outras representações de mulher, de educação e da própria história. 




        27 
           Com  essas  palavras  finais,  Maria  Yedda  concluiu  sua  comunicação,  Os  Centros  Integrados  de  Educação 
Pública – CIEPs ­  um balanço, no Encontro Nacional de Mulheres do PDT (Brasília, jun/1989). 

        28 Cf. CERTEAU, Michel de (1994). A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes.




        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
14                                            História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano 

Mesa coordenada: Educação, género e história               Coordenada por: Lia Faria 

       Segundo  Costa  (2003),  vozes  inaudíveis,  seriam  ampliadas  através  de  uma  outra 
orientação, denunciando o quanto a historiografia de diferentes épocas manteve tantos sujeitos 
históricos,  inclusive  as  mulheres,  silenciados,  por  colocá­los  em  áreas  de  notável  invisibilidade 
(p. 190).

      Trata­se, deste modo, de operar em um registro bem determinado da história, desse devir 
contínuo  que  é  a  trajetória  de  uma  educadora  com  mais  de  80  anos  e,  mesmo  assim,  ainda 
atuando  no  magistério  superior. Seja  como for,  a  sua  principal  causa  permanece:  a  busca  pela 
qualidade da Universidade e da Educação Básica, públicas/republicanas. 

      Como  foi  observado  anteriormente,  muda  ainda  é  a  história  feminina,  no  entanto, 
caminhamos sim, em direção ao seu reconhecimento. Tornando­se importante questionar, neste 
momento,  porque  não  encontramos  pesquisas  tendo  como  objeto  as  políticas  educativas 
implantadas por Maria Yedda, enquanto dirigente das secretarias municipal e estadual (RJ), nos 
anos  80/90,  considerando  a  importância  de  sua  gestão  e  já  haver  se  passado  mais  de  uma 
década. 

       De um outro modo, o que se observa através da análise dos documentos oficiais da SME 
(RJ)  e  notícias  de  jornais,  é  que  nos  anos  80,  a  gestão  Maria  Yedda  operou  de  fato,  uma 
transformação significativa no ensino municipal através de ações que implantaram, por exemplo, 
as classes de  alfabetização (CA), possibilitando o acesso às crianças de 0 a 6 anos, até então 
excluídas. 
                                                                              29 
       Digno  de  nota  também  foi  a  extinção  do  terceiro  turno  escolar  ,  ampliando  a  carga 
horária,  dando  assim  os  primeiros  passos  em  direção  à  concepção  de  educação  integral. 
Todavia, conforme já assinalado em nossa revisão de literatura não encontramos trabalhos que 
privilegiassem, como objeto de estudo, aquele período tão importante da educação fluminense, 
no que se refere, mais especificamente à capital do estado. 

       Em  nossas  considerações  finais  apontamos  a  posição  que  historicamente  a  escola 
brasileira  assumiu  neste  embate  em  relação  a  questão  de  gênero,  a  resposta  mais  ou  menos 
imediata  seria  que  a  escola  tem  ajudado,  muitas  vezes,  a  consagrar  os  tradicionais  papéis 
femininos  ­  o  que  é  provavelmente  parte  da  verdade,  mas  não  toda  a  verdade.    Segundo 
Thompson (2001), é imprescindível perceber a visão historiográfica, que relegou por séculos, as 
mulheres a um segundo plano: há períodos históricos inteiros em que um sexo foi negligenciado 
pelo historiador, pois as mulheres são raramente vistas como atores de primeira ordem na vida 
política, militar ou mesmo econômica (p. 229). 

        A partir desse pensamento, se reitera a importância de espaços dedicados ao pensamento 
feminino  de  mulheres  do  status  intelectual  de  Maria  Yedda  Leite  Linhares,  garantindo  assim  a 
visibilidade política merecida e duramente conquistada por essas mulheres. É preciso considerar 
                                                                                             30 
que a compreensão crítica de si mesma, advém de uma luta de ‘hegemonias’ políticas  , primeiro 
no  campo  da  ética,  depois  no  da  política,  para  chegar  a  uma  elaboração  superior  da  própria 
concepção  do  real.  Logo,  a  consciência  de  ser  parte  de  uma  certa  força  hegemônica  (isto  é  a 
consciência  política)  é  a  primeira  fase  para  uma  ulterior  e  progressiva  autoconsciência 
(GRAMSCI, 1993). 



        29 
           Cf.  Memórias  da  Educação  Pública  (p.  157,  2007),  com  o  objetivo  de  extinguir  o  3º  turno,  o  governo  Brizola 
construiu  mais  de  200  escolas  pré­armadas,  um  meio  prático,  barato  e  rápido,  idealizado  por  João  Filgueiras  Lima, 
arquiteto carioca, mundialmente conhecido. 

        30 
              Cf. Louro, 2001. Ver as relações sociais de poder e a história das mulheres na sala de aula.




                                                                    VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Lia Faria                                                                                                          15 

                                        Mesa coordenada: Educação, género e história         Coordenada por: Lia Faria 

      Enfim,  também  fazemos  parte  desta  história,  vamos  nessa  estrada,  acompanhadas  por 
muitas  outras  mestras  das  artes  de  educar  e  de  viver/sobreviver  num  mundo,  ainda 
hegemonicamente  masculino.  Nesta  perspectiva,  o  percurso  de  Maria  Yedda  Linhares  merece 
                          31 
além  de  reconhecimento  político  e  intelectual,  uma  análise  atenta  e  aprofundada,  pois  é 
necessário  considerar  que  sua  atuação,  sobretudo  no  exercício  das  políticas  públicas,  vai  de 
encontro aos principais debates educacionais acerca da educação brasileira até os dias de hoje. 

       Portanto,  os  múltiplos  olhares  da  profissional,  historiadora  e  cidadã  Maria  Yedda  Leite 
Linhares,  que  há  tantas  décadas  trabalhou  (e  ainda  trabalha),  imaginou  (e  ainda  imagina), 
projetou (e ainda projeta) a utopia de uma escola pública, enquanto locus universal, democrático 
e igualitário demarca a oportunidade e importância deste estudo. Ao fim e ao cabo, esperamos 
estar contribuindo com este texto para a construção, no horizonte, de um Brasil Republicano. 
                              32 
     Como bem diz Adélia Prado  , Maria Yedda inaugurou linhagens, fundou reinos. Enfim, foi 
desdobrável... 

        Referências 
BENJAMIM, Walter. Obras escolhidas I, Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 
1993. 

CAPELLER, Wanda In: A metodologia de estudos sobre a mulher. Rio de Janeiro: Edipuc, 1982. 

CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica. Cadernos Pagu, 4, 1995, 
p. 37­48. 

COSTA. S. G. Gênero e historia. In: ABREU, M. SOIHET, R. (org.). Ensino de historia: conceitos, 
temáticas e metodologias. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Casa da Palavra, 2003. 

FARIA, Ângela. Dos mitos: Dos mitos: o tríplice dos barcos e anti­utopia, In: Anais do Congresso 
Canônes e Contextos. UFRJ/ABRALIC. Vol. 3 Rio de Janeiro, RJ, 1998. 

FARIA,  Lia.  A  questão  feminina  no  movimento  das  contradições  da  escola  pública  do  Rio  de 
Janeiro  e/ou:  quem  é  esta  mulher  que  se  torna  professora?  (Dissertação  de  Mestrado).  Rio  de 
Janeiro: FGV/IESAE, 1989. 

__________Ideologia e utopia nos anos 60: um olhar feminino. Rio de Janiero: EdUERJ, 1997. 

FARIA, L. C. ; LOBO, Y. L. . Memórias e discursos: a escola fluminense. Cadernos de História da 
Educação, Uberlândia, v. 4, n. 1, p. 103­116, 2006. 
GODELIER, Maurice. As relações homem/mulher: o problema da dominação masculina. In: 
Encontros com a civilização brasileira. Mulher hoje. Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 
1980. 

GONDRA,  J.  G..  h=P/p  ­  Reflexões  acerca  das  servidões  da  história.  In:  VII  Encontro  sul­rio­ 
grandense  de  pesquisadores  em  história  da  educação  ­  Pesquisa  em  História  da  educação: 
Perspectivas comparadas, 2001, Pelotas ­ RS. Pesquisa em História da educação: Perspectivas 
comparadas. Pelotas: UFPel, 2001. v. 1. p. 206­220. 



        31 
         Por ocasião da comemoração dos 80 anos de Maria Yedda, antigos alunos e colaboradores publicaram o livro: 
Cf.  FRAGOSO,  João,  MATTOS,  Hebe  Maria  &  SILVA,  Francisco  Carlos  Teixeira.  (orgs.)  Escritos  sobre  educação: 
homenagem a Maria Yedda Leite Linhares. Rio de Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2001. 

        32 
          Poema  Com  licença  poética.  In:Homenagem  do  SINPRO  (Sindicato  dos  Professores  de  Nova  Friburgo  e 
Região, 2007).




        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
16                                    História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano 

Mesa coordenada: Educação, género e história     Coordenada por: Lia Faria 

GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978. 

HOBSBAWM, Eric. Sobre Historia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 

LINHARES,  M.  Y.  L.  Os  Centros  Integrados  de  Educação  Pública:  CIEPs  –  um  balanço. 
Comunicação apresentada no Encontro Nacional de Mulheres do PDT, Brasília, junho de 1989 

Lobo,  Y.  L.  e  Faria,  L.  Projeto  de  Pesquisa:  O  empreendimento  educativo­cultural  da  Fusão: 
memórias  de  secretários  de  educação.  Rio  de  Janeiro,  Universidade  Estadual  do  Norte 
Fluminense Darcy Ribeiro­ Universidade do Estado do Rio de Janeiro­ FAPERJ, 2000 

________Um dia, quem sabe? A Educação e a Construção do Grande Estado Único do Rio de 
Janeiro. Revista Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 103­122, 2004a 

_______Escola Pública fluminense: o frouxo movimento pendular das políticas de educação. In: 
V Congresso Luso­Brasileiro de História da Educação. Évora: Portugal, 2004b. 

_________Políticas  Escolares  e  Mudanças  Institucionais  no  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (1975­ 
1987). In: III Congresso Brasileiro de História da Educação. PUCPR: Curitiba, PR, 2004c. 

_________Centro  de  Documentação  e  Memória  da  Educação  Fluminense.  In:  I  Encontro  de 
Arquivos  Escolares  e  Museus  Escolares,  2005,  São  Paulo.  I Encontro  de  Arquivos  Escolares  e 
Museus Escolares. São Paulo: FEUSP, 2004d. 

_________Identidade e Campo de Produção: o laboratório de currículos da Secretaria de Estado 
de  Educação  e  Cultura  do  Rio  de  Janeiro  (1975­79).  In:  VII  Congresso  Ibero­Americano  de 
História  de  la  Educácion  Latinoamericana.  Universidad  Andina  Simón  Bolívar:  Quito,  Equador, 
2005a. 

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: História das mulheres no Brasil. PRIORI, 
Mary Del (org). São Paulo: Contexto, 2001. 

MARX, K., ENGELS, F. A ideologia alemã; teses sobre Feurbach. São Paulo: Moraes. 

MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: Depoimentos de Secretários de Educação – Vol 1/2007. 
Rio de Janeiro: SME: Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro, 
2007. 

MURILLO, Thatiana,  SAUL, Vicente.  Entrevista  com Maria  Yedda  Linhares:  sua  trajetória,  suas 
histórias e opiniões. Disponível em: http://www.ifcs.ufrj.br/humanas, em 20 de Fevereiro de 2006. 

PERROT, Michelle. Os Excluídos da História. S. Paulo. Ed. Paz e Terra, 1988. 

PINEDA, Magaly. In: A metodologia de estudos sobre a mulher. Rio de Janeiro: Edipuc, 1982. 

ROCHA, Dora. Entrevista com Maria Yedda Linhares. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, 
n. 10, 1992, p. 216­236. 

SANTOS,  Afonso  Carlos  Marques.  A  Invenção  do  Brasil:  ensaios  de  história  e  cultura.  Rio  de 
Janeiro: Editora UFRJ, 2007. 

SAMARA, Eni de Mesquita. Família, mulheres e povoamento. São Paulo: Edusc, 2003. 

SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: A Escrita da História. BURKE, Peter. São Paulo: Unesp, 
1992.




                                                         VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Lia Faria                                                                                                 17 

                                     Mesa coordenada: Educação, género e história    Coordenada por: Lia Faria 

SILVA,  Vieira  Rosemaria  J.  Educação,  gênero  e  história:  Maria  Yedda  Linhares  –  mulher, 
educadora  e  historiadora.  I  Encontro  de  História  da  Educação  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro 
(IEHEd/RJ), 2007. 

THOMPSON,  Edward  P.  Folclore,  antropologia  e  historia  social.  In:  As  peculiaridades  dos 
ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. UNICAMP, 2001, p. 227 – 268, 1998.




        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Cultura Escolar Migrações e Cidadania ­ Actas do VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da 
                               Educação 
                               20 ­ 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto) 
                               ISBN xxx­xxx­xxxxx­x­x 




                               Vozes  femininas  do  oitocentos  –  o  papel  das 
                               preceptoras nas casas brasileiras 

                               Maria Celi Chaves Vasconcelos   
                                                            1

                               UERJ 



                               Mesa Coordenada: Educação, género e história 

                               Coordenador: Lia Faria 
                               Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 




                               EIXO 4 – Inclusão, género e etnia 




        1. Introdução 
       A educação doméstica foi uma modalidade de ensino difundida a partir de seu emprego na 
educação  de  príncipes  e  nobres  e  utilizada  ao  longo  dos  séculos,  com  as  mesmas 
características,  em  diferentes  contextos,  datados  de  diferentes  épocas,  que  vão  do  século  XVI 
até o século XIX. 

       No  Brasil,  é,  no  século  XIX,  que  essa  prática  adquire  a  sua  maior importância,  aliada  ao 
estatuto  de  modernidade  e  civilidade  aspirados  dos  países  tomados  como  referência, 
principalmente, da Europa ocidental. 

       Copiada  dos  modelos  estrangeiros,  a  prática  de  educar  os  filhos  nas  casas,  conceituada 
como educação doméstica, era uma forma recorrente de educação nas classes mais abastadas 
do  Brasil  Imperial,  realizada  por  preceptores  ou  professores  particulares,  denominados  como 
“mestres das casas”. Os preceptores residiam na casa de seus alunos acompanhando­os não só 
nas lições diárias, mas também em atividades cotidianas como missas, passeios e outros. Já os 
chamados professores particulares visitavam as casas de seus alunos, semanalmente, com dia e 
hora  estabelecidos,  ministrando  aulas  de  primeiras  letras  ou  de  disciplinas  específicas.  A 
duração  dessa  forma  de  educação  era  variada,  e  o  próprio mestre  atestava  quando  o  aluno  já 
estava  apto  a  prestar  exames  ou  para  concluir  os  ensinamentos,  ou  ainda,  a  família  decidia 
quando era chegada a hora de dispensar os serviços do mestre. 




        1 
         Professora da Faculdade  de Educação  da Universidade  do  Estado do Rio de Janeiro – UERJ  e  professora  da 
Universidade  Católica  de  Petrópolis  –  UCP,  no  Curso  de  Mestrado,  na  linha  de  pesquisa  de  Políticas  e  Instituições 
Educacionais.
Maria Celi Chaves Vasconcelos                                                                                   19 

                                           Mesa coordenada: Educação, género e história    Coordenada por: Lia Faria 

       Desde  as  primeiras  décadas  do  oitocentos,  a  maneira  mais  usual  para  a  contratação  de 
preceptores e professores particulares era através de anúncios colocados nos jornais da época, 
nos  quais  tanto  eram  solicitados  os  serviços  de  mestres  para  a  educação  doméstica,  como 
também  os  próprios  mestres  ofereciam  seus  préstimos.  Considerando  uma  amostra  de 
periódicos  de  grande  circulação  entre  os  anos  de  1839  e  1889,  pode­se  depreender  que  tal 
conduta  permanece  atravessando  todo  o  século  XIX,  modificando­se  apenas  na  denominação, 
exigências  e  quantidade  da  oferta  e  demanda  existentes.  Inicialmente,  na  primeira  metade  do 
oitocentos, os  anúncios  solicitavam “uma senhora”, “um senhor”, “quem ensine”, “uma pessoa”, 
registrando­se mesmo um anúncio que buscava “qualquer pessoa”, desde que tenha “mais de 40 
                                  2 
anos  de  idade”  e  “boa  letra”  .  Como  a  solicitação  era  genérica,  as  características  é  que 
descreviam  o  fim  para  o  qual  se  destinava  a  vaga  para  “uma  senhora”  ou  “um  senhor”,  pois, 
geralmente era exigido que apresentassem excelente conduta, idade, independência da família, 
ser solteiro ou solteira, entre outros atributos pedidos aos que se encarregavam da educação dos 
filhos das famílias brasileiras. 

       Além  da  “afiançada  conduta”  que  vai  estar  sempre  presente  como  característica  desses 
ofícios,  a  partir  da  segunda  metade  do  século  XIX,  as  habilitações  passam  a  ser  valorizadas, 
sendo registradas em alguns anúncios como “homem de boa conduta, que esteja habilitado para 
ensinar”, porém, mantêm­se as referências mais voltadas para a condição pessoal com destaque 
para  “idade  avançada  e  bons  costumes”,  “homem  de  40  anos  casado”,  “senhora  estrangeira 
capaz”,  ou  “em  estado  de  ensinar”.  Dessa  forma,  são  colocados  como  requisitos  tanto  “ter  as 
                                                                                3 
habilitações necessárias” como, ou também, “ter os predicados exigidos”  . 

      Conjugando  conduta  pessoal,  condição  social  e  habilitações,  os  anúncios  colocados  em 
periódicos  podem  ser  observados  de  forma  crescente  ao  longo  de  todo  o  período  estudado, 
percebendo­se  que  essa  modalidade  de  educação foi  sendo  ampliada  em  número  de  usuários, 
acompanhando  os  demais  movimentos  que  aconteciam,  especialmente,  a  progressiva 
importância que a instrução vai adquirindo no oitocentos. 

      À  medida  que  aumenta  o  número  de  famílias  que  buscam  a  educação  doméstica  para 
seus filhos, também vai ocorrendo a institucionalização dessa prática que começa a ter os seus 
próprios códigos de realização e, entre eles, destaca­se a participação significativa de mulheres, 
disputando  com  os  homens  as  mesmas  possibilidades  de  atuação  como  preceptoras  e 
professoras particulares nas casas das elites brasileiras. 

       Nesse sentido, é possível localizar na década de 70 do oitocentos, o início da supremacia 
das  mulheres  nas  funções  relativas  à  educação  doméstica  e,  conseqüentemente,  o  declínio  do 
número de anúncios colocados por homens nessas funções, particularmente, no que se refere a 
professores  particulares,  pois,  na  preceptoria,  a  hegemonia feminina  já  era  observada  desde  a 
década anterior, só havendo mulheres candidatando­se a ensinar e residir nas fazendas e casas 
dos alunos. Tal fato, no Brasil, pode ser justificado pela própria natureza das funções exercidas 
pelos preceptores, uma vez que precisavam residir junto às famílias de seus alunos, bem como 
entrar  na  intimidade  das  casas  senhoriais,  sendo  essas  características  mais  apropriadas  a 
atuação feminina  do  que  a masculina.  A  preceptoria, portanto,  era  uma  prática  constantemente 
exercida por mulheres, tendência que perdurará por todo o período, estando ainda presente no 
limiar da República. 




       2 
            Cf. Jornal do Comércio, 18/01/1839, p. 4. 

       3 
            Cf. Jornal do Comércio, 16/01/1849, p. 3.




       VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
20                                           Vozes femininas do oitocentos – o papel das preceptoras nas casas brasileiras 

Mesa coordenada: Educação, género e história             Coordenada por: Lia Faria 

      As  funções  e  atribuições  dessas  personagens  tão  comuns  no  oitocentos  também  se 
confundem  com  o  cotidiano  de  mulheres  letradas,  especialmente  estrangeiras,  que  eram 
majoritárias no desempenho de tais ocupações. 

       2. A preceptoria como uma ocupação feminina 
       As  características  da  educação  doméstica  praticada  pelas  elites  e  constatadas  em 
inúmeras  fontes,  autorizam  a  afirmação  de  que  era  comum  a  contratação  de  mulheres  como 
preceptoras.  Mais  do  que  isso,  a  atuação  de  mulheres  na  preceptoria  é  bastante  significativa, 
sendo  uma  das  poucas  ocupações  aceitas  e  admitidas  para  aquelas  que  não  tinham  quem 
provesse o seu sustento e precisavam de um trabalho fora de suas casas. Mesmo assim, apenas 
as mulheres que haviam recebido algum tipo de educação é que podiam candidatar­se a esses 
fazeres,  pois  eram  exigidos  inúmeros  conhecimentos pelos  pais  ávidos  de  educar  seus  filhos  à 
semelhança  da  nobreza  e  da  aristocracia.  Nesse  sentido,  abre­se  um  campo  de  atuação 
privilegiado  para  mulheres  estrangeiras  ou  brasileiras  que  acabavam  de  chegar  ou  voltar  da 
Europa,  pois  o  simples  fato  de  ser  estrangeira  ou  ter  vivido  na  Europa  parecia  ser  condição 
suficiente para se tornar preceptora, mais ainda, analisando­se os critérios estabelecidos para a 
oferta dos  serviços, constata­se  ser um diferencial de qualidade ter uma preceptora estrangeira 
ou  fluente  nos  idiomas  mais  apreciados  na  sociedade  oitocentista.  Há  registros,  portanto,  de 
muitas  mulheres  estrangeiras,  cujo  sustento  no  Brasil  provinha  unicamente  da  ocupação  como 
preceptoras. 

        Quanto  à  nacionalidade  das  preceptoras,  parece  não  ser  importante  informar  o  país  de 
origem,  pois  a  condição  de  estrangeiras  já  era  suficiente,  localizando­se  diversos  anúncios  do 
                                                                                                  4 
tipo  “uma  senhora  estrangeira,  com  habilitações  dispondo  ainda  de  algumas  horas”  ,  “uma 
                                                               5 
senhora  estrangeira  recentemente  chegada  da  Europa”  ,  “uma  senhora  estrangeira  com  muita 
                       6 
prática  para  ensinar”  .  Ainda  assim,  entre  as  candidatas  que  se  oferecem  como  preceptoras, 
registram­se, no período analisado, alemãs, francesas e suíças. 

       Ao contrário da nacionalidade que não era totalmente explícita, é muito observada nessa 
época  a  conduta  moral  das  preceptoras,  provavelmente  por  se  tratar  de  uma  das  poucas 
profissões  aceita  para  mulheres  e  por  colocá­las  em  contato  íntimo  com  a  família  contratante. 
Dessa forma, são solicitadas informações relativas à condição moral e social da pretendente ao 
cargo  de  preceptora  como  que  “dê  abono  de  sua  capacidade  moral”  ou  “exige­se  as  melhores 
recomendações”. 

      As  preceptoras  intitulavam­se  professoras  e  algumas,  já  nas  últimas  décadas  do 
oitocentos,  ao  oferecerem  seus  préstimos  pelos  jornais,  apresentam  as  suas  habilitações  que 
vão  desde  uma  “professora  aprovada  pelo  conselho  de  instrução  pública  e  pela  academia  de 
             7                                                                                       8 
Belas­Artes”  ,  “professora  aprovada  pela  instrução  pública  e  pelo  conservatório  de  música”  ,  e 




       4 
            Cf. Jornal do Comércio, 04/01/1869, p. 2. 

       5 
            Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 3. 

       6 
            Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 2. 

       7 
            Cf. Jornal do Comércio, 01/01/1879, p. 6. 

       8 
            Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1879, p. 6.




                                                                VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Maria Celi Chaves Vasconcelos                                                                                     21 

                                             Mesa coordenada: Educação, género e história    Coordenada por: Lia Faria 
                                              9 
“com carta da instrução publica para lecionar”  , até “um com longa prática de ensino, tendo feito 
                       10 
seus estudos em Paris”  . 

       Apesar da recorrente nomenclatura de professoras, a maioria não informa como ou onde 
esse  título foi  conseguido,  parecendo  que  o  mesmo  é  atribuído  a  todas  aquelas  que  atuam  na 
educação de crianças e jovens. 

       Outro diferencial para a contratação de preceptoras era a posição social e a fortuna que 
possuíam os patrões para os quais já houvessem trabalhado. Portanto, era contada como uma 
excelente  referência  “uma  professora  com  diploma  para  ensinar  e  de  habilidade,  ensina  o 
francês, inglês, português, piano e outras matérias de educação, a mesma durante alguns anos 
                                                                                    11 
esteve  como  professora  em  casa  de  uma  respeitável  família  brasileira”  ,  ou  ainda,  “uma 
professora aprovada pelo conselho de instrução pública, tendo lecionado nos primeiros colégios 
                                                                                12 
e  casas  de  família  importantes,  tendo  horas  vagas  aceita  discípulas”  ,  e  “uma  professora 
estrangeira,  que  educou  por  espaço  de  quatro  anos  as  filhas  de  uma  família  distinta,  que  se 
retirou  para  a  Europa,  deseja  ser  empregada  como  governante  em  uma  casa  de  família  de 
                                        13 
tratamento nesta corte ou no interior”  . 

       O tempo na função de preceptora também parece ter sido mais um atrativo para os que 
buscavam  esses  serviços,  pois,  sucedem­se  anúncios  que  informam  a  idade  das  pretendentes 
ao  cargo  de  professoras  particulares  ou  preceptoras  das  famílias,  demonstrando  que,  quanto 
maior a idade, mais adequadas estavam as candidatas ao exercício dessas funções, levando­se 
em conta, que a faixa etária a partir dos 30 anos já era vista como de “meia­idade”. Oferecem­se, 
nessa perspectiva, “uma senhora que leciona, há muito tempo”, “com muita prática do ensino”, 
                                                                 14 
“ocupação que a mesma senhora exerce desde muitos anos”  . 

       A preferência por mulheres estrangeiras também estava relacionada a questões étnicas e, 
portanto, nem todas as candidatas que se ofereciam para tal cargo poderiam ser consideradas 
aptas a educar os filhos das famílias abastadas, como pode ser observado em dois anúncios que 
estabelecem como predicados às candidatas ao lugar de preceptoras o fato de serem brancas: 
                                                                                          15 
“qualquer Sr. viúvo com filhos, que precisar de uma Sra. Branca viúva, muito capaz”  e “quem 
precisar  de  uma  Sra.  Branca,  para  ensinar  algumas  meninas  a  ler,  escrever,  contar,  coser, 
                                                                                                   16 
bordar,  marcar,  e  cortar,  ou  mesmo  para  tomar  conta  de  alguma  casa  de  pouca  família”  . 
Chama atenção ainda, em outro anúncio do período, ser solicitada uma “senhora inglesa” para 
“tomar  conta  e  passear  com  uma  criança  de  um  ano”,  tarefas  essas  que  normalmente  eram 
                                                   17 
referidas na compra e venda de negras escravas  . 




       9 
            Cf. Jornal do Comércio, 09/01/1879, p. 4. 

       10 
             Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1879, p. 7. 

       11 
             Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 3. 

       12 
             Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1879, p. 6. 

       13 
             Cf. A instrucção publica, 27/08/1887, n. 3, p. 8. 

       14 
             Cf. Jornal do Comércio, 04/01/1869, p. 3. 

       15 
             Cf. Jornal do Comércio, 22/01/1839, p. 4. 

       16 
             Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1839, p. 4. 

       17 
             Cf. Jornal do Comércio, 10/01/1839, p. 4.




       VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
22                                    Vozes femininas do oitocentos – o papel das preceptoras nas casas brasileiras 

Mesa coordenada: Educação, género e história    Coordenada por: Lia Faria 

       A partir do final da primeira metade do século XIX, vão progressivamente multiplicando­se 
os  anúncios  de  educação  doméstica  e,  conseqüentemente,  tornando­se  essa  prática  mais 
acessível  não  apenas  às  elites  que  dela  já  faziam  uso,  mas  às  classes  intermediárias  que 
também podiam dispor desses serviços. No entanto, a educação doméstica parece ter sido uma 
prática  imprescindível  à  elite.  Nesse  período,  considerava­se  um  diferencial  social  a  educação 
passar  pela  Casa.  Dessa  forma,  mesmo  aqueles  cujos  filhos  freqüentavam  algum  colégio,  ou 
aqueles que os educavam eles próprios, em determinado momento necessitavam dos serviços 
de uma preceptora. É o que atesta o anúncio de 25 de janeiro de 1849, no qual é solicitada “uma 
senhora estrangeira, capaz, em estado de ensinar inglês, francês, piano, canto e desenho, para 
                                                                                 18 
concluir a educação de uma menina em uma das fazendas desta província”  . 

       Empregando­se  para  “educar”  meninas  e  meninos,  dominando  os  diversificados 
conhecimentos exigidos para tal e ocupando um cargo ambicionado por estrangeiros que vinham 
para  o  Brasil,  as  preceptoras  não  poderiam  ser  desprovidas  de  um  lugar  representado  como 
privilegiado  nas  estruturas  sociais  existentes.  Entretanto,  havia  um  limiar  muito  tênue  entre  o 
respeito e reconhecimento à sua posição social e à condição de empregadas das elites, tratadas 
como  tal.  Nesse  sentido,  podem  ser  observadas  preocupações  por  parte  das  preceptoras, 
levando­as  a  certificar­se  do  lugar  que  ocupariam  na  casa  e  do  tratamento  que  receberiam  de 
seus  senhores.  É  o  que  se  observa  no  seguinte  anúncio:  “uma  professora  viúva,  de  exemplar 
conduta,  deseja  ir  para  algum  colégio  ou  fazenda  perto  da  corte,  ou  para  casa  de  algum 
brasileiro viúvo de probidade, pouca família e de algum tratamento, como governante: só exige 
                              19 
ser tratada com distinção.”  E ainda, na solicitação registrada: “precisa­se para uma fazenda do 
município de Parahyba do Sul, de uma senhora habilitada a ensinar meninas, que saiba piano e 
                                                                             20 
canto e todos os trabalhos de agulha e afiança­se o bom tratamento”  . 

       Em  relação  aos  conhecimentos  ensinados  pelas  preceptoras,  os  mesmos  deveriam 
atender  aos  desejos  da  família  que  as  contratava,  o que  fazia  com  que  as  candidatas  a  essas 
funções devessem possuir um leque variado de conhecimentos e habilidades, a fim de satisfazer 
as  aspirações  de  educação  das  elites.  Eram  os  pais  que  escolhiam,  entre  as  matérias 
consideradas  de  educação,  aquelas  mais  adequadas  aos  seus  interesses  para  que  fossem 
ministradas  aos  seus  filhos.  Dessa  forma,  em  todos  os  anúncios  observados  ao  longo  das 
décadas  do  oitocentos,  apenas  em  alguns  casos  há  coincidência  de  matérias  lecionadas  pelas 
preceptoras,  pois  as  combinações  são  as  mais  diversas  e  relativas  às  habilidades  de  quem  as 
ensinava.  Excetuando­se  o  português  e  o  francês,  que  quase  sempre  estavam  presentes  nas 
lições  oferecidas,  os  demais  conhecimentos  ensinados  variavam  entre  as  áreas  consideradas 
como  importantes  à  formação  de  meninos  e  meninas,  resguardadas,  sem  dúvida,  as 
especificidades de cada gênero. 

        São  oferecidos  indistintamente  para  a  educação  doméstica,  nas  mais  diversas 
combinações,  desde  1839  até  1889,  além  de  “primeiras  letras”  e  “instrução  primária”,  – 
caracterizadas  como  o  ensino  da  escrita,  leitura  e  contas  –,  ensinamentos  de  português  e 
francês  prioritariamente,  seguidos  de  latim,  inglês,  alemão,  italiano,  espanhol,  caligrafia, 
literatura,  composição,  religião,  música,  piano,  solfejo,  canto,  rabeca,  gramática  portuguesa, 
latina,  francesa  e  inglesa,  lógica,  matemática,  geometria,  aritmética,  álgebra,  contabilidade, 
escrituração mercantil, física, botânica, história universal, história do Brasil, geografia, desenho, 
pintura e aquarela. 


       18 
             Cf. Jornal do Comércio, 25/01/1849, p. 4 – grifo meu. 
       19 
             Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1869, p. 3. 
       20 
             Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1869, p. 3.



                                                        VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
Maria Celi Chaves Vasconcelos                                                                                    23 

                                            Mesa coordenada: Educação, género e história    Coordenada por: Lia Faria 

        Para  as  meninas,  havia  conhecimentos  específicos  a  serem  aprendidos  como  bordar, 
coser, marcar, cortar, dançar, trabalhos de agulha, caia a ouro, prata, matiz e escama de peixe, 
tricot, filot, flores, obras de fantasia, recortar estofos, veludos e outros trabalhos manuais. 

       Quanto  às  especificidades  de  ensinamentos  dados  a  meninos  e  meninas,  o  editorial  do 
                                         21 
periódico intitulado A instrução publica  , publicado em 1875, fazia críticas à educação feminina, 
principalmente àquela dada na casa, que na visão do autor era insuficiente para as necessidades 
da mulher, como já o era para os homens. Além disso, o editor chamava a atenção para o fato de 
que  as  mulheres  deveriam  educar  as  mulheres,  bem  como  os  homens  deveriam  ser  educados 
por homens: 

               E  a  mulher  deve  ser  educada  pela  mulher,  assim  como  o  homem  deve  ser 
       educado  pelo  homem;  porque  o  exigem  as  leis  da  natureza,  porque  o  exigem  certas 
       afinidades  de  sexo,  digamo­lo  assim,  em  virtude  das  quais  o  ente  que  em  sua  maneira 
       geral  de  sentir,  de  conhecer  e  de  querer,  mais  conforma  com  outro,  a  este  melhor 
       transmite suas idéias e doutrinas, melhor o instrui e o educa. (p. 138). 
                 22 
        O  editor  faz  ainda  críticas  às  professoras,  preceptoras  e  governantas  estrangeiras, 
afirmando  que  a  “mulher  brasileira  deve  ser  educada  pela  mulher  brasileira”,  pois  os  povos 
teriam uma individualidade própria que não se podia esquecer e contrariar “sem contrafazer­lhes 
o  gênio,  a  índole  e  o  caráter”.  A  esse  respeito,  cita  um  “escritor  moderno”,  o  qual  condena  a 
utilização  de  preceptoras  estrangeiras,  não  só  pelas  diferenças  culturais  e  lingüísticas,  mas 
também  por  ser  esta  prática,  uma  dentre  tantas,  “do  excessivo  hábito  brasileiro  de  copiar  a 
França”.

      Some­se a essas críticas o fato de que não havia compêndios brasileiros, pois “são todos 
                                        23 
os  compêndios  em  língua  estrangeira”  ,  o  que  fazia  com  que  o  “aluno  que  não  está  bem 
                                                                                      24 
corrente nessa língua, ou mesmo pouco sabe dela, não compreenda o que estuda”  . 

      O  contrato  realizado  entre  os  pais  e  as  preceptoras  era  informal,  baseado  no  acordo 
estabelecido na maioria das vezes verbalmente. Dessa forma, era muito comum tanto a dispensa 
dos serviços a qualquer tempo, como também as mestras declinarem da função. Para garantir a 
permanência nas casas até a finalização dos ensinamentos, por vezes esse acordo já tinha que 
ser definido no anúncio da solicitação, como no exemplo a seguir: 

                PROFESSORA.  Precisa­se  de  uma  professora  que  esteja  disposta  a  ir  para  fora 
       da  corte,  fazendo  um  contrato  por  longo  tempo:  exige­se  que  a  professora  conheça 
       bem  a  língua  portuguesa;  trata­se  na  rua  do  Hospício  n.  49,  ao  meio­dia.  (Jornal  do 
       Comércio, 29/01/1879, p. 4 – grifo meu). 

     A rotatividade e descontinuidade dos  serviços de educação, na casa, também podem ser 
comprovadas no relato da preceptora Ina Von Binzer (1994): 

               É  uma  verdadeira  sorte  não  se  firmarem  contratos  aqui,  nem  se  multarem  as 
       rescisões.  Mesmo  constantemente  ameaçadas  de  ser  dispensadas  mais  dia  menos  dia, 
       podemos pelo menos fazer nossa trouxa quando julgamos que é demais. (p. 90). 


       21 
             Editorial de Alambary Luz em A instrução publica, 1875, ano IV, n. 19. 

       22 
             Idem, ibidem. 

       23 
             Ibidem. 

       24 
             Ibidem.




       VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
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  • 1. Cultura Escolar Migrações e Cidadania ­ Actas do VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da  Educação  20 ­ 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto)  ISBN xxx­xxx­xxxxx­x­x  Mesa Coordenada: Educação, género e história  Coordenador: Lia Faria  Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  História(s)  de Maria Yedda Linhares: educação  e política no Brasil Republicano  Lia Faria  Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  Vozes  Femininas  do  oitocentos  –  o  papel  das  preceptoras nas casas brasileiras  Maria Celi Chaves Vasconcelos  Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  Os  discursos  do  poder  e  as  políticas  educativas na governação de Oliveira Salazar.  As  vozes  das  mulheres  na  Assembleia  Nacional (1946­1961)  Áurea Adão, Universidade Lusófona Baltasar Lopes da Silva; Maria  José Remédios, Universidade de Évora  Memória,  história  e  testemunho  da  primeira  mulher  secretária  de  estado  de  educação  e  cultura  do  Rio  de  Janeiro:  Myrthes  de  Luca  Wenzel  Yolanda  Lima  Lobo,  Universidade  Estadual  do  Norte  Fluminense  Darcy Ribeiro  EIXO 4 – Inclusão, género e etnia
  • 2. Educação, género e história  A  sessão  coordenada  ­  Educação,  Gênero  e  História  ­  se  propõe  a  pensar  o  presente,  examinando as referências conceituais e históricas, que permeiam as idéias e práticas políticas  circulantes  no  contexto  escolar  luso­brasileiro,  relacionando  tradição  e  republicanismo.  Assim,  iniciamos  com  a  apresentação  da  professora  Maria  Celi  Vasconcelos,  a  respeito  da  gênese  da  educação, nos oitocentos, ainda confinada ao lócus doméstico, a casa. A  seguir, mais voltadas  para  o  nosso  tempo,  os  estudos  de  Yolanda  Lôbo  e  Lia  Faria,  abordam  a  natureza  da  escola  pública  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro,  nas  décadas  de  70  e  80,  destacando  a  fundação  do  sistema público fluminense, a partir do olhar de duas de suas dirigentes, as professoras Myrthes  Wenzel e Maria Yedda Linhares. Por fim, a contribuição das autoras portuguesas, Áurea Adão e  Maria  José  Remédios,  nos  remetem  ao  espaço  legislativo,  analisando  sob  a  perspectiva  de  gênero, a importância da participação das vozes das mulheres na Assembléia Nacional. Logo, a  presente  comunicação  objetiva  abordar  uma  dupla  dimensão,  a  da  tradição  republicana  associada  às  questões  da  participação  feminina,  na  vida  pública  dos  dois  países,  Brasil  e  Portugal. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 3. Cultura Escolar Migrações e Cidadania ­ Actas do VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da  Educação  20 ­ 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto)  ISBN xxx­xxx­xxxxx­x­x  História(s)  de Maria Yedda Linhares: educação  e política no Brasil Republicano  Lia Faria    1 Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  Mesa Coordenada: Educação, género e história  Coordenador: Lia Faria  Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  EIXO 4 – Inclusão, género e etnia  Vivi, creio eu, boa parte das esperanças do Brasil.  No entanto, me pergunto: para que servem as memórias?  São confiáveis? Será que elas precisam ser confiáveis?  Maria Yedda Linhares  O  presente  estudo  traz  a  tona  a  trajetória  da  professora  Maria  Yedda  Leite  Linhares,  desvelando  os  indícios  que  tornam  visíveis  a  contribuição  desta  historiadora.  que  esteve  intelectualmente  a  frente  de  seu  tempo,  considerando  também  a  questão  de  gênero.  Desta  forma,  analisamos  seu  pensamento,  ressaltando  a  luta  que  sempre  travou  pelas  causas  que  acreditava  serem  fundamentais  para  a  consolidação  da  universidade  pública  e  da  escola  republicana no Brasil.  Tal análise se inscreve no desejo de indagar  qual a contribuição desta professora para  a  jovem  historiografia  brasileira,  destacando,  em  particular,  o  debate  acerca  da  atuação  feminina  2  nos meios intelectuais e universitários na década de 60  . Sem perder de vista que não sabemos  1  Professora­adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e do programa de  Pós­graduação  em  educação  (PROPEd/UERJ).  Desenvolve  estudos  na  linha  de  pesquisa:  Instituições,  Práticas  Educativas e História.  2  O Jornal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publica encarte especial por ocasião dos 40 anos  da invasão da Faculdade de Medicina. Em suas páginas, ecos de um momento de agressão à autonomia universitária: O  movimento estudantil tinha três pernas: o Caco, a FNFi e a Faculdade de Medicina. Lutávamos pela reabertura de outros  diretórios  fechados.  Pela  revogação  de  punições  dos  alunos  de  Arquitetura,  Direito  e  Filosofia  (Jornal  da  UFRJ,  p.  3,  agosto de 2006).
  • 4. História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  do  passado  tudo  o  que  ele  foi,  nem  mesmo  tudo  o  que  somos  capazes  de  desejar  saber  (GONDRA, 2001, p. 213).  Portanto, o rigor teórico exige um olhar atento, quase arqueológico, que se inscreva além  3  do  aspecto  fenomênico  das  coisas.  Dentro  de  tal  ótica,  desvendar  as  sombras  que  ainda  ocultam a participação de mulheres como Maria Yedda, enquanto dirigente e intelectual de seu  tempo é objeto desta investigação, rompendo esquecimentos e registrando memórias datadas de  um determinado período histórico. Os múltiplos olhares, da cátedra à ação político­pedagógica,  enquanto  secretária  municipal  e  estadual  de  educação  do  Rio  de  Janeiro  (RJ)  revelam  um  cotidiano entrelaçado, em meio aos sucessivos embates travados nos campos da educação, da  política e da história nacional e fluminense.  Logo,  é  a  partir  deste  deslocamento  da  filiação  da  memória,  que  intentamos  também  recuperar a consciência geracional de uma coletividade acadêmica inserida naquela contingência  temporal  dos  anos  60  e,  posteriormente,  dos  anos  80.  Segundo  Le  Goff  (1992),  a  classe  hegemônica e o Estado são os senhores da memória e do esquecimento, deste modo, recuperar  a visibilidade dos acontecimentos políticos ocorridos nos anos imediatamente pré e pós­ditadura  4  militar,  podem  contribuir  para  um  melhor  entendimento  da  atual  fase  anti­utopia  imposta  pelo  fenômeno da globalização neoliberal.  Neste viés, a história de Maria Yedda, embora (...) única, perdida e solitária entre todas as  outras  ­  aponta  para  o  perigo  dos  processos  de  manipulação  da  memória  coletiva,  5  ressignificando os sentidos da universidade pública brasileira (Faria, p.709, 1998)  .  Assim  sendo,  ao  articular  os  campos ­  educação,  história  e  política, falamos  de  nós,  ex­  alunas da antiga Faculdade Nacional de Filosofia (Universidade do Brasil) e ex­professoras dos  sistemas públicos de ensino do Rio de Janeiro, em busca dos sentidos que nos identificaram no  passado, vislumbrando no presente, pontos de rupturas e permanências.  Segundo  Walter  Benjamin  (1993)  articular  historicamente  o  passado  não  significa  conhece­lo  como  ele  de  fato  foi.  Significa  apropriar­se  de  uma  reminiscência,  tal  como  ela  relampeja no momento de perigo (p. 22). E, assim, orientados pela fala de Benjamin procuramos  identificar os principais acontecimentos desta trajetória pessoal/coletiva, no feminino, desvelando  os múltiplos olhares do seu percurso.  Desta  forma,  experiências  de  mulheres  intelectuais  como  Maria  Yedda,  descortinam  ideologias  e  utopias  do  imaginário  daquela  época,  apontando  para  o  processo  de  construção  histórica do gênero feminino no Brasil. Por outro lado, teorizar sobre a história feminina invisível é  colocar  em  discussão,  a  simples  vida  do  dia­a­dia,  por  que  definimos  o  feminismo  como  a  revolução da vida cotidiana, como uma revolução concreta, pois a vida diária que modificamos  resulta em toda uma mudança social de caráter global (CAPELLER, 1982, p.20).  Vale  salientar  também  que  as  representações  do  comportamento  feminino  podem  ser  identificadas na espessa teia social da micro­política cotidiana das relações de poder, sejam elas  3  Ver Karel Kosik, em Dialética do Concreto, p. 19, 1976, sobre (...) o mundo fetichizado da aparência para atingir  a realidade e a” coisa em si”.  4  Sobre  o  modelo  de  anti­utopia,  declara  ao  Jornal  da  UFRJ,  o  professor  André  Bueno  da  faculdade  de  Letras  (UFRJ): A década de 60 é o contrário do que temos hoje, tanto na política quanto na cultura. (...) transformada em mais  um produto pasteurizado da indústria cultural, a rebeldia dos anos 60 perde radicalidade e ganha um sabor adocicado (p.  4, agosto de 2006, RJ)  5  Sobre  geração  ver  estudos  de  Ângela  Beatriz  de  Carvalho  Faria,  in:  Dos  mitos:  o  tríplice  dos  barcos  e  anti­  utopia, (1998). VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 5. Lia Faria  5  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  na  família,  no  trabalho,  nas  escolas  e  universidades,  ou  ainda  nos  partidos  políticos.  E  não  parece  ser  possível  compreender  a  história  de  como  as  mulheres  ocuparam  as  salas  de  aula  sem  notar  que  essa  foi  uma  história  que  se  deu  também  no  terreno  das  representações  do  masculino  e  do  feminino,  os  lugares  sociais  previstos  para  cada  um  deles  são  integrantes  do  processo histórico (LOURO, 2003, p. 479).  Portanto, o debate acerca da história das mulheres mantém­se na ordem do dia, imposto  pela  consciência  crescente  do  importante  papel  que  o  contingente  feminino  têm  nas  profundas  transformações  econômicas,  sociais,  políticas  e  culturais  que  marcam  em  todos  os  níveis  a  evolução da humanidade.  Segundo Scott (1992):  a  história  das  mulheres  apareceu  como  um  campo  definível  principalmente  nas  duas últimas décadas. Apesar das enormes diferenças nos recursos para ela alocados, em  sua  representação  e  em  seu  lugar  no  currículo,  na  posição  a  ela  concedida  pelas  universidades  e  pelas  associações  disciplinares,  parece  não  haver  mais  dúvida  de  que  a  história das mulheres é uma prática estabelecida em muitas partes do mundo (p.63).  Por outro lado, se observa um desejo análogo de inverter as perspectivas historiográficas  tradicionais, de mostrar a presença real das mulheres na história mais cotidiana, sustentado pelo  esforço das historiadoras nos últimos anos (PERROT, 1988, p. 171).  Diante de tal afirmação, justificam­se os estudos sobre o papel social das mulheres que se  destacaram  pelo  seu  pioneirismo,  na  medida  em  que  a  análise  do  discurso  feminino  em  seu  cotidiano  pode  identificar  as  contradições  vividas  pela  sociedade  brasileira  naquele  momento  histórico e, ao mesmo tempo, o processo cultural e histórico do qual a mulher foi vítima, compõe  o inventário desta mulher­educadora. E nem sempre será fácil libertar­se deste passado (FARIA,  1989 p. 60).  No  exercício  do magistério,  por  que  é  a mulher  a  “escolhida”? Por  que  continua  sendo,  majoritariamente,  a  professora  ou  a  “tia”?  Em  estudos  anteriores,  por  ocasião  do  mestrado,  investigamos que tal fato se dá devido ao aprisionamento histórico no mundo privado, tornando­  se  mais  difícil  para  as  mulheres,  romperem  com  o  modelo  hegemônico  de  um  mundo  público,  ainda masculino (Faria, 1989).  Durante séculos, o esperado das mulheres seria aceitação, concordância e resignação. No  entanto, algumas mulheres, embora minoria, vêem conseguindo romper lentamente as amarras  do  tradicionalismo  da  sociedade  brasileira. Mas  esta não  é  uma  tarefa  fácil  e  nem  isolada.  Só  coletivamente  as  mulheres  poderão,  de  fato,  serem  as  artífices  da  sua  própria  libertação  (CHARTIER, 1995 p. 47).  Em  continuidade,  a  pesquisa  recupera  os  debates  acerca  da  escola,  enquanto  espaço  privilegiado de formação da cidadania, através da análise das falas e do testemunho de vida de  Maria Yedda. O importante, no entanto, é integrar de forma crítica, cenas distantes ou perdidas  no tempo, buscando incessantemente nos arquivos os restos da memória guardada, mesmo que  seja fragmentada, tentando reconstruir elos e conexões entre as diferentes dimensões do público  e do privado (SAMARA, 2003).  Por  outro  lado,  as  mulheres  não  podem  apropriar­se  de  sua  história,  a  menos  que  comecem  a  coletivizar  suas  experiências,  superando  o  isolamento  estrutural  sofrido  e  compreendendo  as  causas  sociais  desta  exclusão  intelectual.  Portanto,  os  olhares  de  Maria  Yedda, como acadêmica e cidadã, surgem lado a lado com a construção de um mundo novo, se  somando  à  tarefa  de  garantir  às  mulheres  um  espaço  real  de  atuação  política  na  sociedade, VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 6. História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  considerando  que  a coincidência da mudança das circunstâncias com a mudança da atividade  humana  ou  com  a  mudança  dos  próprios  homens,  só  pode  conceber­se  e  entender­se  racionalmente como prática revolucionária (MARX, 1984).  Assim  sendo,  o  exemplo  pessoal  torna­se  instrumento  de  mudança,  assinalando  um  movimento que pode contribuir para uma nova consciência coletiva que no caso das mulheres é  passo importante para sua integração em qualquer processo revolucionário (PINEDA, 1982).  É  neste  panorama,  brevemente  descrito  acima,  que  se  insere  o  percurso  da  historiadora  6  Maria Yedda Leite Linhares  , com os seus múltiplos  olhares....  Primeiros passos:  Origem, infância e ingresso no mundo escolar  A análise do tema da memória feminina, objeto deste artigo, se ancora nas preocupações  do  historiador  José  Honório  Rodrigues,  como  crítico  e  historiador  da  própria  historiografia  brasileira, quando demarca a diferença entre memória e história (Apud Santos, 2007).  Santos (2007) nos traz as reflexões daquele historiador,  em  especial  no  que  se  refere  à  proliferação  do  uso  de  certa  concepção  de  memória,  em  detrimento  da  cultura  histórica,  profundamente  atingida  pelo  golpe  de  64  e  pela ditadura militar, que perseguiu historiadores e destruiu instituições, com o objetivo de  impedir o livre exercício da crítica e a destruição dos marcos e símbolos da história oficial  (p. 90).  Se  considerarmos  que  Maria  Yedda  é  protagonista  desta  história,  suas  memórias  adquirem  uma  tonalidade  muito  especial,  por  ter  sido  também  uma  das  historiadoras  vítima  daquele  movimento  de  truculência  militar,  tendo  como  foco  o  apagamento  da  resistência  de  professores  e  alunos  e,  como  conseqüências  a  fragmentação  e  esvaziamento  da  autonomia  universitária.  Embora mantendo o cuidado para não praticarmos um uso abusivo dos caminhos e limites  da  memória,  queremos  estar,  através  desse  estudo,  redimensionando  o  debate  com  a  história,  pois  segundo  José  Honório  –  só  a  história  é  a  análise  crítica,  dinâmica,  dialética,  julgadora  do  7  processo de mudanças e desenvolvimento da sociedade.  A seguir, os primeiros passos de um inventário cercado pela história brasileira e por muitas  reminiscências:  Maria Yedda Leite Linhares nasceu em Fortaleza (Ceará) no ano de 1921, os pais eram do  Rio  Grande  do  Norte  e  embora  não  fossem  de  família  ilustre,  pertenciam  à  camada  média  da  população.Seus  pais  não  freqüentaram  escolas,  possuindo  uma  formação  intelectual  bastante  simples,  entretanto  buscaram  formas  de  saber  e  conhecer  mais  “as  coisas  do  mundo  letrado”.  Tal atitude certamente influenciou Maria Yedda, que assim os relembra:  (...) minha mãe era de uma família um pouco mais ilustre, os Brito Guerra (...) filha  de  uma  viúva  pobre.  Trabalhou  desde  menina  no  ateliê  de  costura  da  minha  avó,  em  6  A  obra  acadêmica  de  Maria  Yedda  sobre  a  história  agrária  brasileira  se  filia  hoje  aos  grandes  clássicos  da  historiografia  nacional,  ao  lado  de  nomes  como  Sérgio  Buarque  e  Caio  Prado,  com  que  conviveu,  afirmando  mesmo  serem eles os nossos “Pais Fundadores” (founding fathers). Cf. www.ifcs.ufrj.br/humanas.  7  Apud Santos, p. 82 José Honório p. 48. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 7. Lia Faria  7  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  Moçoró,  nunca  teve  oportunidade  de  freqüentar  escolas,  tinha  uma  instrução  bastante  simples.  Mas  era  uma  pessoa  de  espírito  extremamente  fino.  Aprendeu  francês  sozinha  para poder ler a literatura francesa, o que, numa cidade pequena, do interior, é uma coisa  extraordinária. Meu pai era descendente de imigrantes portugueses, perdeu os pais muito  criança e foi criado por tios, trabalhando desde pequeno (...) também teve uma formação  intelectual precária (ROCHA, 1992, p. 216.).  8  De  sua  infância,  daquela  menina  de  fita  vermelha  no  cabelo  ,  outros  acontecimentos  mereceram lugar definitivo, abaixo registramos algumas das experiências mais enriquecedoras:  Nessa  época  algumas  coisas  foram  importantes  para  mim:  a  música  que  papai  ouvia,  a  posição  crítica  de  mamãe,  sempre  contra  o  poder,  o  convívio  com  a  família  Linhares, amigos de papai que representavam a riqueza, tinham um nível social mais alto.  Preenchi minha infância com isso, com música, dança, teatro. (ROCHA, 1992, p. 216).  No estado natal inicia a formação educativa em um grupo escolar. Mais tarde, a família se  muda para o Rio Grande do Sul e depois, em definitivo para o Rio de Janeiro (1933).  A seguir, mais recordações, fios entrelaçados que tecem a linha do tempo:  Chegamos aqui em meados de 1933. Nessa história de vai para o Sul, vem para o  Rio, minha vida escolar foi "pro beleléu". No final do ano comecei a me preocupar, porque  estava  fazendo  12  anos  e  não  tinha  nem  curso  primário  (...)  perto  de  onde  morávamos  ficava o Instituto Lafayette, fui até lá sozinha (...) eles tinham um curso de férias intensivo,  que preparava para o exame de admissão ao ginásio. Fiz esse curso, passei e comecei o  secundário  no  Lafayette.  Mas  em  1935  nos  mudamos  e  fui  fazer  o  segundo  ginasial  no  Colégio São Paulo. (ROCHA, 1992, p. 217).  Nesse mesmo período, houve um marcante acontecimento em sua jovem vida acadêmica,  como ela mesma descreve:  Quando  eu  estava  no  último  ano  do  ginásio,  em  1938,  o  Ministério  da  Educação  promoveu uma maratona intelectual com alunos do curso secundário de todo o país. Eram  três  matérias­história,  matemática  e  português  –,  e  quem  inscrevia  os  alunos,  por  série,  eram os colégios. Acontece que nós estávamos querendo fazer um baile de formatura, eu  presidia  a  comissão  do  baile,  e  as  freiras  estavam  com  muita  raiva  de  mim  porque  achavam  que  dançar  era  imoral.  Eu  quis  me  inscrever  na  maratona  de  história,  e  elas  disseram  que  não,  que  eu  ia  desmoralizar  o  colégio.  Fui  então  sozinha  ao  ministério,  expliquei  que  o  colégio  tinha  se  negado  a  fazer  minha  inscrição, mas  que  eu  queria  me  inscrever como independente. Eles passaram uma espinafração nas freiras e obrigaram­  nas a me inscrever (ROCHA, 1992, p. 217).  Mais adiante, se refere ao primeiro contato, com aquele que seria um amigo e combatente  de vida inteira, o antropólogo Darcy Ribeiro:  Fiz  provas  escritas,  depois  houve  uma  prova  de  debates  com  outros  alunos  ­  9  quem competiu comigo em Minas, por exemplo, foi o Darcy Ribeiro  ... Depois de um mês  8  Cf.  Faria  –  em  umas  das  inúmeras  conversas  com  Maria  Yedda  Linhares,  não  só  em  entrevistas  para  a  pesquisa sobre  Memórias de Ex­Secretários de Educação (UENF/FAPERJ), mas como  ex­aluna  (FNFi, 1967)  e, depois  professora nos anos 80 e 90, me ficou este relato, da menina que ao passar a Caravana da Aliança Liberal, colocou uma  fita vermelha para saudar os revolucionários.  9  Embora muito amigos, por mais de 50 anos, era visível para aqueles que conviveram com Darcy Ribeiro e Maria  Yedda,que havia às vezes inconscientemente, uma competição intelectual, que poderíamos caracterizar como saudável. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 8. História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  de  provas,  cheguei  em  casa  com  mamãe,  voltando  de  um  concerto  no  Municipal,  e  lá  estava  um  telegrama  com  a  notícia:  eu  havia  tirado  o  primeiro  prêmio  nacional  na  maratona de história. (ROCHA, 1992, p. 217).  Especificamente sobre aquele episódio do concurso, Maria Yedda rememora:  Foi o grande amigo da minha vida e nos conhecemos disputando esse prêmio de  história.  Alguns  anos  depois  nos  reencontramos  (...)  essa  é  minha  entrada  na  história.  História como ocorrência do passado. Não tinha noção nenhuma do  que  era a formação  do  conhecimento  histórico  (...).  História  era  ter  uma  boa  memória  e  saber  sobre  o  Napoleão, sobre os Faraós do Egito (In: Memórias da Educação Pública, 2007).  Por  fim,  em  1938  concluiu  o  ginásio,  sempre  prosseguindo  os  estudos  até  tornar­se,  menos  de vinte  anos  depois,  a  primeira mulher  catedrática  (1954)  e  também  a  mais  jovem,  na  história  da  universidade  pública  brasileira.  Por  outro  lado,  é  digno  de  nota,  ressaltar  o  breve  período cursado na escola formal, o que nos leva a afirmar que Maria Yedda foi uma intelectual  autodidata, permanentemente inquieta em busca de novos caminhos.  Um longo percurso: trajetória acadêmica e profissional  Ao longo dessa investigação tornou­se significativa a participação de Maria Yedda na vida  acadêmica  do  país,  enquanto  intelectual  e  historiadora  desde  1939,  quando  ingressou,  como  10  11  aluna,  na  Universidade  do  Distrito  Federal  no  curso  de  história  .  Naquele  momento  de  definição da sua vida profissional, sempre determinada, rememorou:  Concluído  o  ginásio,  afinal,  pensei:  que  curso  eu  posso  fazer?  Se  quisesse  estudar direito ou medicina, teria que fazer dois anos de pré­jurídico ou pré­médico. Além  de não ter o menor gosto por essas carreiras. Na Universidade do Distrito Federal, a UDF,  criada por Anísio Teixeira, eu podia fazer o vestibular direto. Entrei então para lá, para ser  professora de história. Eu não queria propriamente ser professora, na verdade não sabia o  que queria  ser. Mas tinha acabado  de fazer uma revisão imensa para a maratona, sabia  tudo, de modo que escolhi história (ROCHA, 1992, p. 217).  Em  1940  ganha  uma  bolsa  de  estudos  do  Institute  of  International  Education  (EUA),  lecionando português na Columbia University até 1941. Dessa época, destacou que:  Os dois anos que passei nos Estados Unidos foram decisivos para mim. Se houve  um  tournant  na  minha  vida,  se  houve  um  momento  em  que  a  minha  cabeça  realmente  mudou,  foi  nos  Estados  Unidos.  Foi  lá  que  aprendi  como  se  organiza  um  curso,  como  deve ser uma universidade. Lá eu percebi que o que havia aqui não era uma universidade,  era  quase  uma  escola  secundária,  que  não  tinha  a  preocupação  de  formar,  orientar  ou  conduzir ninguém. ROCHA, 1992, p. 218).  Após  o  término  da  bolsa,  retornará  ao  Brasil  (1942)  e,  continuando  suas  reminiscências,  relembra este momento,  Porém,  certamente  o  fato  de  Maria  Yedda  ser  mulher,  levanta  a  hipótese  de  que  muitas  vezes,  não  lhe  foi  permitido  ocupar de fato o primeiro lugar, na vida pública brasileira.  10  Universidade  criada  por  Anísio  Teixeira,  funcionou  de  1932  a  1935,  fechada  pelo  Estado  Novo,  período  da  ditadura do presidente Getúlio Vargas.  11  Naquela época o curso habilitava para história e geografia. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 9. Lia Faria  9  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  Meu pai pediu que eu voltasse. Estava numa situação muito difícil aqui, do ponto  de  vista  material,  e  queria  que  eu  voltasse  para  trabalhar  e  ajudar  a  família.  A  partir  da  experiência de ensinar português a estrangeiros, quando cheguei pude me manter. Com a  guerra,  e  a  presença  aqui  de  tropas  americanas,  ensinar  português  à  colônia  americana  tornou­se  até  rendoso  para  mim.  Fiz  isso  até  1943,  quando  fui  trabalhar  no  DASP  (ROCHA, 1992, p. 219).  Em  1944 conclui o curso de licenciatura em história, tornando­se rapidamente em 1946 a  assistente de Delgado de Carvalho, na cadeira de História Moderna e Contemporânea da FNFi.  Sobre este episódio comentou:  Delgado de Carvalho (...) me convidou. Eu já vinha colaborando com ele, durante  o  ano  de  45  escrevi  capítulos  de  livros  didáticos  que  ele  publicou  pela  Editora  Nacional.  Eu  tinha  uma  grande  admiração  pelo  professor  Delgado  de  Carvalho  e  aceitei  ser  sua  assistente.  A  cadeira  tinha  outro  assistente  muito  mais  importante  que  eu,  Antero  Manhães, que dava aulas sobre Renascimento. (ROCHA, 1992, p. 221).  Maria  Yedda  quando  retornou  dos  EUA,  veio  com  uma  outra  visão  acerca  do  meio  acadêmico e do papel da Universidade. Alguns anos mais tarde, em 1953, passa no concurso e  recebe o título de livre­docência, declarando naquela oportunidade:  Meu  primeiro  concurso  foi  para  livre  docente.  Naquela  época  não  havia  um  sistema montado de pós­graduação na universidade, de modo que a livre­docência supria  o doutorado, e era a única garantia para quem pretendesse suceder a um catedrático (...)  o  sucessor  do  professor  Delgado  de  Carvalho  seria  o  Antero  Manhães,  que  era  o  livre­  docente  da  cadeira.  Mas  o  professor  Manhães  faleceu  subitamente,  fui  instada  pelo  próprio  professor  Delgado  a  fazer  a  minha  livre­docência.  Como  eu  gostava  de  política  internacional,  e  naquele momento  estava  ocorrendo  uma crise muito  grave  entre Egito  e  Inglaterra  em  torno  do  canal  de  Suez  e  do  Sudão,  mandei  buscar  a  documentação  recente, que me faltava, e fiz um trabalho chamado As relações anglo­egípcias e o Sudão,  analisando a crise de 1951 (Rocha, 1992, p. 229).  Em  seguida,  em  1957,  é  aprovada  em  um  segundo  concurso,  agora  para  titular  de  12  cátedra  , sobre aquela ocasião afirmou que:  Esse segundo concurso foi muito puxado para mim. Além da tese havia unia prova  de  aula  e  uma  prova  escrita  muito  longa,  de  seis  horas,  com  ponto  sorteado,  e  eu  precisava ter toda a bibliografia do século XV ao  XX  na cabeça. Havia mil possibilidades  de  temas.  O  concurso  se  encerrou  em  1957,  e  consegui  me  sair  bastante  bem  (Rocha,  1992, p. 229).  Para  a  historiadora  a  diferença  entre  os  acadêmicos  paulistas  e  cariocas,  estava  na  definição  do  papel  que  cabia  à  universidade  brasileira.  Um  dos  destaques  do  ensino  na  FNFi,  defendido por Anísio Teixeira (Departamento de Educação) e Maria Yedda estava na valorização  da  formação  dos  professores  de  história  para  o  ensino  médio,  visto  como  um  profissional  importante na construção da identidade nacional.  12  Maria  Yedda  foi  a  primeira  catedrática  no  Brasil.  Em  seus  depoimentos  relembrou  que  só  havia  uma  outra  professora  universitária  na  Escola  de  Música.  Em  São  Paulo  também  não  havia,  Alice  Canabrava  era  uma  grande  historiadora e foi reprovada no concurso da USP porque era mulher (Revista Estudos Históricos, 1992). VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 10. 10  História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  13  Ao  mesmo  tempo,  se  observa  o  papel  político  exercido  pela  FnFi  (RJ)  no  processo  histórico  de  redemocratização  brasileira  nas  décadas  de  50  e  60.  Assim  sendo,  a  comunidade  acadêmica  do  Rio  de  Janeiro  iria  contribuir  de  forma  significativa,  na  luta  pela  Reforma  Universitária  e  pela  primeira  Lei  de  Diretrizes  e  Bases  da  Educação  Nacional  ­  LDBEN  14  (promulgada em 1961)  .  Dando  prosseguimento  a  uma  sucessão  de  desafios  que  tão  bem  caracterizaram  a  sua  trajetória política e profissional, foi nomeada diretora da Rádio MEC em 1963 e destituída no ano  seguinte  pelo  golpe militar.  Em  1968  é  aposentada  pelo  Ato  Institucional  nº  5  e  após  ser  presa  algumas  vezes  e  responder  a  inquéritos  policiais­militares,  recebe  um  convite  e  vai  para  a  França,  onde  é  nomeada,  pelo  Ministério  da  Educação  Nacional,  professeur  associé.  Inicialmente, atuando em Paris­Vincennes e, de 1970 a 1974, na Universidade de Toulouse, só  voltando ao Brasil em 1974.  Dois anos depois começa a se dedicar à pesquisa em história agrária brasileira, mais uma  vez  inovando,  no  recém­criado  Centro  de  Pós­Graduação  em  Desenvolvimento  Agrícola  (FGV/RJ  e  SEPLAN).  Em  1977,  organiza  e  dirige  o  Programa  de  História  da  Agricultura  Brasileira,  publicando  ainda  o  livro  História  do  Abastecimento,  uma  problemática  em  questão,  1530­1918. Com a anistia será convidada a lecionar no mestrado da UFF e reingressa na UFRJ,  retomando a função de professor­titular.  Novos  rumos  e  novos  olhares  se  apresentam  no  caminho  da  incansável  historiadora,  durante  o  processo  de  redemocratização  do  Brasil  nos  anos  80,  com  a  eleição  de  Leonel  de  Moura  Brizola  (1982),  para  governador  do  estado  do  Rio  de  Janeiro.  É,  então,  convidada  para  assumir a secretaria de educação do município (1983) e em 1986, a secretaria de educação do  15  16  estado  , quando do licenciamento da secretária, professora Yara Vargas  , que se candidatava  à deputada pelo estado do Rio de Janeiro.  Escola como formação de cidadania  (...)  porque  a  escola  pública  se  tornou  o  gueto  das  crianças  pobres  do  Rio  de  Janeiro  (e  do  país)?  Porque  ela  deixou  de  ser  um  elemento  de  democratização  e  de  convivência multi­racial, pluri­social (...) Estamos nos defrontando com duas nações e, aqui,  no  Rio  de  Janeiro,  com  várias  repúblicas...  As  elites  têm  de  se  conscientizar  de  que  prepararam essas duas nações.  17  Maria Yedda Linhares  13  O marido  de  Maria  Yedda, José  Linhares percebeu  o clima  de instabilidade política  que se  acirrava  dentro  da  FnFi  no  início  dos  anos  60.  Tentando  solapar  o  trabalho  dos  servidores  mais  progressistas.  Vai  então  a  Brasília,  preocupado, procurava vários amigos ministros, entre eles Darcy Ribeiro. No entanto, não foi ouvido quanto às suspeitas  de conspiração contra o governo, pouco depois ocorre o golpe militar (Memórias da Educação, p. 134, 2007, RJ).  14  (...)  mais uma  vez torna­se  importante destacar que Maria  Yedda faz  parte  de uma geração  de intelectuais  e  professores  universitários,  cuja  história  se  confunde  com  a  gênese  da  Educação  brasileira.  Dois  daqueles  expoentes  serão seus contemporâneos e colegas de trabalho e de sonhos – Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.  15  Maria  Yedda  também  exerce  o  mesmo  cargo  (1991­1993),  na  SEE,  durante  o  segundo  mandato  daquele  governador (1991­1994).  16  A professora Yara Vargas, objeto também de nossas pesquisas (UERJ/UENF/FAPERJ ­ 2000), foi eleita, pelo  Partido Democrático Brasileiro (PDT), com o maior número de votos daquela eleição.  17  Torna­se importante registrar a atualidade das palavras “proféticas” de Maria Yedda, na atual crise de extrema  violência  porque  passam  as  grandes  metrópoles  no  mundo  inteiro,  mas  em  particular,  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro.  Cf  entrevista concedida no caderno Idéias/ENSAIOS (JB, 29/12/91). VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 11. Lia Faria  11  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  Sem  sombra  de  dúvidas,  Maria  Yedda  sempre  se  destacou  pela  irreverência  e  coragem  intelectual,  ainda  consideradas  inesperadas  para  as  mulheres,  como  ela,  nascidas  no  início  do  século XX. Jamais fez parte de grupos fechados, mantendo seu perfil questionador e combativo  através  da  defesa  de  suas  posições  intelectuais  e  políticas,  não  se  submetendo  a  “fundamentalismos”. Tal liberdade de pensamento lhe custou perseguições nos anos 50 e 60, na  antiga FnFi e, posteriormente, por parte da ditadura militar.  Como  ela mesma  diz, nunca fui membro de partido algum, a não ser agora, do PDT... o  próprio partido comunista desconfiava de mim, por que eu havia estado nos Estados Unidos.  Em  tal  contexto,  falar  de  Maria  Yedda  é  falar  da  própria  histórica  política  do  Brasil,  se  considerarmos que ela conviveu com os intelectuais mais importantes das décadas de 50 a 80.  Sobre amigos e adversários, alguns de seus depoimentos:  18  Era  muito  comum  eu  e  meu  marido  pegarmos  um  avião  ...  encontrávamos  com  Novaes, Alice Canabrava, Otavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso(...). Por que é que o  19  Carlos Lacerda  ficou tão meu inimigo a ponto de dizer que a anarquia do Brasil se devia,  entre outras pessoas, à Maria Yedda Linhares? Por que eu desmontei todo o mecanismo  de atuação política dele na Rádio Mec (Rocha, p. 229, 1992).  Sobre o casamento e o marido José Linhares, destacou ter sido um casamento feliz, que  eram muito amigos, tendo tido um casal de filhos e, que atribuía muito de sua formação política  ao marido e a sua família, os Linhares.  Enfim,  percebe­se  o  intenso  movimento  da  vida  no  intelectual  no  Brasil  estimulado  pelo  processo de redemocratização, com o fim do Estado Novo, ocasião em que Maria Yedda, mais  uma vez, reafirmou suas posições libertárias, relembrando que no final da guerra fui muito ativa  na UNE... minha grande aventura consistiu em trabalhar em uma organização clandestina que eu  não sabia o que era (Estudos Históricos, 1992).  Ainda em entrevista à Revista Estudos Históricos (1992), afirmou que nos anos 60 decidiu  fazer  oposição  à  ditadura  militar,  se  mobilizando  politicamente  pela  primeira  vez  de  forma  20  consciente,  (...)  o  movimento  dos  professores  na  passeata  dos  cem  mil  ,  por  exemplo,  saiu  daqui de casa.  Em  seu  período  como  secretária  municipal  (SME/RJ),  entre  março  de  1983  e  julho  de  21  1986, atuou ao lado de três prefeitos: Jamil Hadadd, Marcello Alencar  e Saturnino Braga. Sobre  esta  experiência  como  gestora  pública  na  educação  apontou  como  ações  principais:  a  criação  dos  CECs  (Conselho  Escola­Comunidade);  a  recriação  dos  grêmios  estudantis  (com  eleições  diretas) e, a participação dos professores nas discussões e elaboração de programas referentes  à  alfabetização,  treinamento,  conteúdos  programáticos,  gestão  escolar  e  avaliação.  Ao  mesmo  18  Em sua relação com os pensadores paulistas lembrou que: Vivíamos sonhando com São Paulo, em pesquisar  como eles(...) desenvolvemos muito mais que eles o curso de formação de professores(...) na época estávamos imbuídos  de que era fundamental formar bons professores de História (Rocha, 1992).  19  Carlos  Lacerda  (UDN)  foi  o  principal  opositor  do  presidente  Getúlio  Vargas,  governador  do  ex­estado  da  Guanabara e, aliado dos militares no golpe de 1964,  contra o então presidente João Goulart.  20  A  passeata  dos  cem  mil  reuniu  professores,  estudantes,  artistas  e  intelectuais,  em  1968,  num  dos  principais  atos populares contra o governo militar.  21  Em  entrevista  concedida  confessou:  tive  mais  prazer  em  ser  secretária  do  município,  sobretudo  no  primeiro  período  em  que  Marcello  Alencar  foi  prefeito  (1983­1985).  Foi  uma  tarefa  muito  difícil  e  enfrentei  resistências  políticas  imensas.Cf. www.ifcs.ufrj.br/humanas VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 12. 12  História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  tempo,  assinalou  a  importância  das  parcerias  da  SME  com  a  Federação  de  Associações  de  Moradores  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (FAMERJ),  com  a  Federação  de  Associações  de  22  Favelas (FAFERJ) e com o CEP (Centro Estadual de Professores/RJ)  .  Por ocasião das  primeiras eleições presidenciais (1989) pós­ditadura militar, sinalizou em  23  entrevistas  à  imprensa,  que  embora  o  governo  Brizola  estivesse  naquele  momento  sendo  veementemente combatido, foi durante a administração do PDT que, paralelamente aos debates  com  a  categoria, foi  aprovado  o  primeiro  plano  de  carreira  dos  professores  públicos  municipais  24  do Rio de Janeiro  .  Assim sendo, durante os inúmeros embates ideológicos ocorridos na passagem dos anos  80  para  os  90,  Maria  Yedda  nunca  se  intimidou,  sempre  se  colocando  em  defesa  do  direito  à  educação  e  à  garantia  de  uma  escola  pública  efetivamente  republicana.  É  preciso,  portanto,  considerar a particularidade política daquele momento de grande comoção nacional, as vésperas  de uma eleição presidencial após mais de vinte anos de regime de exceção.  Na  oportunidade,  citamos  falas  da  professora  que  desvelam  tensões  e  contradições  dialéticas vividas na passagem do velho para o novo, no Rio de Janeiro nas décadas de 80 e 90,  25  permeadas pelos interesses dos diferentes grupos e partidos políticos  :  Cumpre–me,  ainda,  rememorar  que  foi  o  governo  Brizola  o  único  a  convocar  52.000  professores  de  primeiro  grau,  sob  o  titulo “Vamos  passar  a  escola  a  limpo”,  para  uma ampla consulta na criação do Programa Especial de Educação, do qual fazem parte  26  os CIEPs.  (...) A redução do Programa Especial de Educação a uma questão de custo­  eficiência é uma simplificação falaciosa. É exatamente assim que os defensores da escola  particular  atacam  a  escola  pública.  Foi  com  base  nos  mesmos  argumentos  que,  tanto  o  governo Moreira Franco, como o ex­prefeito Saturnino Braga reduziram os investimentos  na área de educação, inviabilizando os CIEPs (LINHARES, 1989)  O que se depreende ao longo deste estudo é que Maria Yedda tem na História o seu rumo  mais constante, enquanto professora e pesquisadora, continuando até os dias atuais, com mais  de  80  anos,  atuando  nessa  área  do  conhecimento.  Nos  últimos  anos,  vem  se  dedicando  a  diversas atividades, incluindo pesquisas e aulas.  Em entrevista recente, falou dessas últimas experiências:  Como  professora  emérita,  tenho  o  privilégio  de  poder  continuar  trabalhando...Fazendo  conferências,  orientando,  participando  em  mil  atividades  de  22  Hoje SEPE, Sindicato  Estadual  de Professores do Rio  de Janeiro. Maria  Yedda  em resposta, concedida  pelo  jornal O Globo (1989), ao jornalista do PT, César Benjamin, relativa à matéria – Brizola fechou mais escolas do que abriu,  contestou, afirmando inclusive que o CEP, fechado pela ditadura, havia sido reaberto no início do governo Brizola.  23  Durante o pleito eleitoral de 1989, as forças políticas progressistas e de esquerda, travaram um duelo acirrado  entre dois candidatos, Lula pelo PT e Brizola pelo PDT.  24  A lei  era de  autoria do  então  vereador Aloísio  de Oliveira, depois  eleito deputado  estadual, sempre pelo PDT.  Nos últimos anos o parlamentar afastou­se totalmente da vida pública.  25  Ver Gramsci (1978) sobre relações entre sociedade civil e sociedade política.  26  O  I  Programa  Especial  de  Educação  (I  PEE),  foi  coordenado  por  Darcy  Ribeiro  e  Maria  Yedda  Linhares  no  primeiro  governo  Brizola  (1983­1986),  que  estiveram  a  frente  também  do  Encontro  de  Mendes,  ponto  culminante  das  discussões sobre os CIEPs, pelo professorado carioca e fluminense. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 13. Lia Faria  13  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  natureza  acadêmica,  inclusive  escrevendo  muito,  sobretudo  depois  que  me  viciei  no  computador  (essa  invenção  maravilhosa  e  ligeiramente  diabólica).  Tenho  vários  projetos  em andamento, e tenho varado madrugadas no meu computador, escrevendo sem parar.  (MURILLO, p. 04, 2006).  Ao fim  e  ao  cabo,  a  intelectual  Maria  Yedda,  sinaliza  que  o  sucesso  da  escola  pública  27 significa uma questão de sobrevivência se quisermos existir como povo e nação    e com o olhar  de historiadora, utiliza o exemplo da Revolução Francesa para justificar tal pensamento:  a  França  quando  resolveu  instaurar  o  ensino  público,  republicano,  praticamente  enfrentou  um  estado  de  guerra  civil.  Mas,  a  burguesia  francesa  manifestou  uma  consciência nacional impressionante e conseguiu impor o seu projeto de republicanização  do país, através da escola pública (Rocha, 1992).  Parafraseando  Maria  Yedda,  acreditamos  que  enquanto  os  setores  mais  esclarecidos  e  privilegiados da sociedade brasileira não conferirem à escola pública, o locus político necessário,  não haverá solução possível para os críticos problemas sociais que o país enfrenta atualmente.  É  urgência  democrática  começarmos  já,  pois,  a  França  levou  cem  anos,  depois  da  Revolução  Francesa, para universalizar o ensino primário público e laico...  À guisa de uma conclusão  E fico pensando: será que fiz mesmo alguma coisa? De algo tenho certeza; gostei  muito de ser professora.  Hobsbawn  (1998)  afirma  que  existem  três  formas  de  desfrutar  do  passado:  buscar  o  modelo ideal, as glórias para o orgulho da nacionalidade ou os elementos para problematizar o  presente.  Este  último  aspecto  se  insere  nesta  pesquisa,  na  medida  em  que  a  recuperação  de  memórias,  falas  e  discursos  nos  ajudam  a  melhor  compreender  e  debater  concepções  impregnadas no processo histórico, no caso em tela, as memórias femininas sobre a genealogia  da educação fluminense.  Para efeito deste ensaio, recolhemos no passado olhares que nos ajudam a problematizar  os  dias  atuais.  Deste  modo,  ao  trazer  a  trajetória  de  Maria  Yedda  Linhares,  trabalhamos,  pois,  com  a  possibilidade  de  apropriação  diferenciada  de  como  as  mulheres/educadoras  são  vistas,  desenvolvendo  um  relato  da  história  que  não  toma  clivagens  macroscópicas  (o  político  e  o  econômico, por exemplo) como únicas categorias explicativas.  Poder­se­ia  dizer  que  todas  as  implicações  que  fazem  parte  do  universo  cultural  da  mulher­professora,  têm  uma  interferência  direta  no  processo  ensino­aprendizagem,  apresentando muitas vezes dificuldades instransponíveis para que a professora consiga, de fato,  ensinar  e  o  aluno,  finalmente,  aprender.  Entretanto,  só  uma  análise  crítica  da  história  da  educação brasileira poderá trazer uma melhor compreensão das dificuldades enfrentadas pelos  28  sistemas públicos de ensino no Brasil. O que se pode dizer de uma história muda,  no que  se  refere  a  sujeitos  e  acontecimentos  tradicionalmente  silenciados  ou  apagados  nas  pesquisas  históricas, instituindo outras representações de mulher, de educação e da própria história.  27  Com  essas  palavras  finais,  Maria  Yedda  concluiu  sua  comunicação,  Os  Centros  Integrados  de  Educação  Pública – CIEPs ­  um balanço, no Encontro Nacional de Mulheres do PDT (Brasília, jun/1989).  28 Cf. CERTEAU, Michel de (1994). A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 14. 14  História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  Segundo  Costa  (2003),  vozes  inaudíveis,  seriam  ampliadas  através  de  uma  outra  orientação, denunciando o quanto a historiografia de diferentes épocas manteve tantos sujeitos  históricos,  inclusive  as  mulheres,  silenciados,  por  colocá­los  em  áreas  de  notável  invisibilidade  (p. 190). Trata­se, deste modo, de operar em um registro bem determinado da história, desse devir  contínuo  que  é  a  trajetória  de  uma  educadora  com  mais  de  80  anos  e,  mesmo  assim,  ainda  atuando  no  magistério  superior. Seja  como for,  a  sua  principal  causa  permanece:  a  busca  pela  qualidade da Universidade e da Educação Básica, públicas/republicanas.  Como  foi  observado  anteriormente,  muda  ainda  é  a  história  feminina,  no  entanto,  caminhamos sim, em direção ao seu reconhecimento. Tornando­se importante questionar, neste  momento,  porque  não  encontramos  pesquisas  tendo  como  objeto  as  políticas  educativas  implantadas por Maria Yedda, enquanto dirigente das secretarias municipal e estadual (RJ), nos  anos  80/90,  considerando  a  importância  de  sua  gestão  e  já  haver  se  passado  mais  de  uma  década.  De um outro modo, o que se observa através da análise dos documentos oficiais da SME  (RJ)  e  notícias  de  jornais,  é  que  nos  anos  80,  a  gestão  Maria  Yedda  operou  de  fato,  uma  transformação significativa no ensino municipal através de ações que implantaram, por exemplo,  as classes de  alfabetização (CA), possibilitando o acesso às crianças de 0 a 6 anos, até então  excluídas.  29  Digno  de  nota  também  foi  a  extinção  do  terceiro  turno  escolar  ,  ampliando  a  carga  horária,  dando  assim  os  primeiros  passos  em  direção  à  concepção  de  educação  integral.  Todavia, conforme já assinalado em nossa revisão de literatura não encontramos trabalhos que  privilegiassem, como objeto de estudo, aquele período tão importante da educação fluminense,  no que se refere, mais especificamente à capital do estado.  Em  nossas  considerações  finais  apontamos  a  posição  que  historicamente  a  escola  brasileira  assumiu  neste  embate  em  relação  a  questão  de  gênero,  a  resposta  mais  ou  menos  imediata  seria  que  a  escola  tem  ajudado,  muitas  vezes,  a  consagrar  os  tradicionais  papéis  femininos  ­  o  que  é  provavelmente  parte  da  verdade,  mas  não  toda  a  verdade.    Segundo  Thompson (2001), é imprescindível perceber a visão historiográfica, que relegou por séculos, as  mulheres a um segundo plano: há períodos históricos inteiros em que um sexo foi negligenciado  pelo historiador, pois as mulheres são raramente vistas como atores de primeira ordem na vida  política, militar ou mesmo econômica (p. 229).  A partir desse pensamento, se reitera a importância de espaços dedicados ao pensamento  feminino  de  mulheres  do  status  intelectual  de  Maria  Yedda  Leite  Linhares,  garantindo  assim  a  visibilidade política merecida e duramente conquistada por essas mulheres. É preciso considerar  30  que a compreensão crítica de si mesma, advém de uma luta de ‘hegemonias’ políticas  , primeiro  no  campo  da  ética,  depois  no  da  política,  para  chegar  a  uma  elaboração  superior  da  própria  concepção  do  real.  Logo,  a  consciência  de  ser  parte  de  uma  certa  força  hegemônica  (isto  é  a  consciência  política)  é  a  primeira  fase  para  uma  ulterior  e  progressiva  autoconsciência  (GRAMSCI, 1993).  29  Cf.  Memórias  da  Educação  Pública  (p.  157,  2007),  com  o  objetivo  de  extinguir  o  3º  turno,  o  governo  Brizola  construiu  mais  de  200  escolas  pré­armadas,  um  meio  prático,  barato  e  rápido,  idealizado  por  João  Filgueiras  Lima,  arquiteto carioca, mundialmente conhecido.  30  Cf. Louro, 2001. Ver as relações sociais de poder e a história das mulheres na sala de aula. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 15. Lia Faria  15  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  Enfim,  também  fazemos  parte  desta  história,  vamos  nessa  estrada,  acompanhadas  por  muitas  outras  mestras  das  artes  de  educar  e  de  viver/sobreviver  num  mundo,  ainda  hegemonicamente  masculino.  Nesta  perspectiva,  o  percurso  de  Maria  Yedda  Linhares  merece  31  além  de  reconhecimento  político  e  intelectual,  uma  análise  atenta  e  aprofundada,  pois  é  necessário  considerar  que  sua  atuação,  sobretudo  no  exercício  das  políticas  públicas,  vai  de  encontro aos principais debates educacionais acerca da educação brasileira até os dias de hoje.  Portanto,  os  múltiplos  olhares  da  profissional,  historiadora  e  cidadã  Maria  Yedda  Leite  Linhares,  que  há  tantas  décadas  trabalhou  (e  ainda  trabalha),  imaginou  (e  ainda  imagina),  projetou (e ainda projeta) a utopia de uma escola pública, enquanto locus universal, democrático  e igualitário demarca a oportunidade e importância deste estudo. Ao fim e ao cabo, esperamos  estar contribuindo com este texto para a construção, no horizonte, de um Brasil Republicano.  32  Como bem diz Adélia Prado  , Maria Yedda inaugurou linhagens, fundou reinos. Enfim, foi  desdobrável...  Referências  BENJAMIM, Walter. Obras escolhidas I, Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,  1993.  CAPELLER, Wanda In: A metodologia de estudos sobre a mulher. Rio de Janeiro: Edipuc, 1982.  CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e dominação simbólica. Cadernos Pagu, 4, 1995,  p. 37­48.  COSTA. S. G. Gênero e historia. In: ABREU, M. SOIHET, R. (org.). Ensino de historia: conceitos,  temáticas e metodologias. Rio de Janeiro: FAPERJ/ Casa da Palavra, 2003.  FARIA, Ângela. Dos mitos: Dos mitos: o tríplice dos barcos e anti­utopia, In: Anais do Congresso  Canônes e Contextos. UFRJ/ABRALIC. Vol. 3 Rio de Janeiro, RJ, 1998.  FARIA,  Lia.  A  questão  feminina  no  movimento  das  contradições  da  escola  pública  do  Rio  de  Janeiro  e/ou:  quem  é  esta  mulher  que  se  torna  professora?  (Dissertação  de  Mestrado).  Rio  de  Janeiro: FGV/IESAE, 1989.  __________Ideologia e utopia nos anos 60: um olhar feminino. Rio de Janiero: EdUERJ, 1997.  FARIA, L. C. ; LOBO, Y. L. . Memórias e discursos: a escola fluminense. Cadernos de História da  Educação, Uberlândia, v. 4, n. 1, p. 103­116, 2006.  GODELIER, Maurice. As relações homem/mulher: o problema da dominação masculina. In:  Encontros com a civilização brasileira. Mulher hoje. Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro,  1980.  GONDRA,  J.  G..  h=P/p  ­  Reflexões  acerca  das  servidões  da  história.  In:  VII  Encontro  sul­rio­  grandense  de  pesquisadores  em  história  da  educação  ­  Pesquisa  em  História  da  educação:  Perspectivas comparadas, 2001, Pelotas ­ RS. Pesquisa em História da educação: Perspectivas  comparadas. Pelotas: UFPel, 2001. v. 1. p. 206­220.  31  Por ocasião da comemoração dos 80 anos de Maria Yedda, antigos alunos e colaboradores publicaram o livro:  Cf.  FRAGOSO,  João,  MATTOS,  Hebe  Maria  &  SILVA,  Francisco  Carlos  Teixeira.  (orgs.)  Escritos  sobre  educação:  homenagem a Maria Yedda Leite Linhares. Rio de Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2001.  32  Poema  Com  licença  poética.  In:Homenagem  do  SINPRO  (Sindicato  dos  Professores  de  Nova  Friburgo  e  Região, 2007). VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 16. 16  História(s) de Maria Yedda Linhares: educação e política no Brasil Republicano  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978.  HOBSBAWM, Eric. Sobre Historia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.  LINHARES,  M.  Y.  L.  Os  Centros  Integrados  de  Educação  Pública:  CIEPs  –  um  balanço.  Comunicação apresentada no Encontro Nacional de Mulheres do PDT, Brasília, junho de 1989  Lobo,  Y.  L.  e  Faria,  L.  Projeto  de  Pesquisa:  O  empreendimento  educativo­cultural  da  Fusão:  memórias  de  secretários  de  educação.  Rio  de  Janeiro,  Universidade  Estadual  do  Norte  Fluminense Darcy Ribeiro­ Universidade do Estado do Rio de Janeiro­ FAPERJ, 2000  ________Um dia, quem sabe? A Educação e a Construção do Grande Estado Único do Rio de  Janeiro. Revista Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 103­122, 2004a  _______Escola Pública fluminense: o frouxo movimento pendular das políticas de educação. In:  V Congresso Luso­Brasileiro de História da Educação. Évora: Portugal, 2004b.  _________Políticas  Escolares  e  Mudanças  Institucionais  no  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (1975­  1987). In: III Congresso Brasileiro de História da Educação. PUCPR: Curitiba, PR, 2004c.  _________Centro  de  Documentação  e  Memória  da  Educação  Fluminense.  In:  I  Encontro  de  Arquivos  Escolares  e  Museus  Escolares,  2005,  São  Paulo.  I Encontro  de  Arquivos  Escolares  e  Museus Escolares. São Paulo: FEUSP, 2004d.  _________Identidade e Campo de Produção: o laboratório de currículos da Secretaria de Estado  de  Educação  e  Cultura  do  Rio  de  Janeiro  (1975­79).  In:  VII  Congresso  Ibero­Americano  de  História  de  la  Educácion  Latinoamericana.  Universidad  Andina  Simón  Bolívar:  Quito,  Equador,  2005a.  LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: História das mulheres no Brasil. PRIORI,  Mary Del (org). São Paulo: Contexto, 2001.  MARX, K., ENGELS, F. A ideologia alemã; teses sobre Feurbach. São Paulo: Moraes.  MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: Depoimentos de Secretários de Educação – Vol 1/2007.  Rio de Janeiro: SME: Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro,  2007.  MURILLO, Thatiana,  SAUL, Vicente.  Entrevista  com Maria  Yedda  Linhares:  sua  trajetória,  suas  histórias e opiniões. Disponível em: http://www.ifcs.ufrj.br/humanas, em 20 de Fevereiro de 2006.  PERROT, Michelle. Os Excluídos da História. S. Paulo. Ed. Paz e Terra, 1988.  PINEDA, Magaly. In: A metodologia de estudos sobre a mulher. Rio de Janeiro: Edipuc, 1982.  ROCHA, Dora. Entrevista com Maria Yedda Linhares. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5,  n. 10, 1992, p. 216­236.  SANTOS,  Afonso  Carlos  Marques.  A  Invenção  do  Brasil:  ensaios  de  história  e  cultura.  Rio  de  Janeiro: Editora UFRJ, 2007.  SAMARA, Eni de Mesquita. Família, mulheres e povoamento. São Paulo: Edusc, 2003.  SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: A Escrita da História. BURKE, Peter. São Paulo: Unesp,  1992. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 17. Lia Faria  17  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  SILVA,  Vieira  Rosemaria  J.  Educação,  gênero  e  história:  Maria  Yedda  Linhares  –  mulher,  educadora  e  historiadora.  I  Encontro  de  História  da  Educação  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (IEHEd/RJ), 2007.  THOMPSON,  Edward  P.  Folclore,  antropologia  e  historia  social.  In:  As  peculiaridades  dos  ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. UNICAMP, 2001, p. 227 – 268, 1998. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 18. Cultura Escolar Migrações e Cidadania ­ Actas do VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da  Educação  20 ­ 23 Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto)  ISBN xxx­xxx­xxxxx­x­x  Vozes  femininas  do  oitocentos  –  o  papel  das  preceptoras nas casas brasileiras  Maria Celi Chaves Vasconcelos    1 UERJ  Mesa Coordenada: Educação, género e história  Coordenador: Lia Faria  Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  EIXO 4 – Inclusão, género e etnia  1. Introdução  A educação doméstica foi uma modalidade de ensino difundida a partir de seu emprego na  educação  de  príncipes  e  nobres  e  utilizada  ao  longo  dos  séculos,  com  as  mesmas  características,  em  diferentes  contextos,  datados  de  diferentes  épocas,  que  vão  do  século  XVI  até o século XIX.  No  Brasil,  é,  no  século  XIX,  que  essa  prática  adquire  a  sua  maior importância,  aliada  ao  estatuto  de  modernidade  e  civilidade  aspirados  dos  países  tomados  como  referência,  principalmente, da Europa ocidental.  Copiada  dos  modelos  estrangeiros,  a  prática  de  educar  os  filhos  nas  casas,  conceituada  como educação doméstica, era uma forma recorrente de educação nas classes mais abastadas  do  Brasil  Imperial,  realizada  por  preceptores  ou  professores  particulares,  denominados  como  “mestres das casas”. Os preceptores residiam na casa de seus alunos acompanhando­os não só  nas lições diárias, mas também em atividades cotidianas como missas, passeios e outros. Já os  chamados professores particulares visitavam as casas de seus alunos, semanalmente, com dia e  hora  estabelecidos,  ministrando  aulas  de  primeiras  letras  ou  de  disciplinas  específicas.  A  duração  dessa  forma  de  educação  era  variada,  e  o  próprio mestre  atestava  quando  o  aluno  já  estava  apto  a  prestar  exames  ou  para  concluir  os  ensinamentos,  ou  ainda,  a  família  decidia  quando era chegada a hora de dispensar os serviços do mestre.  1  Professora da Faculdade  de Educação  da Universidade  do  Estado do Rio de Janeiro – UERJ  e  professora  da  Universidade  Católica  de  Petrópolis  –  UCP,  no  Curso  de  Mestrado,  na  linha  de  pesquisa  de  Políticas  e  Instituições  Educacionais.
  • 19. Maria Celi Chaves Vasconcelos  19  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  Desde  as  primeiras  décadas  do  oitocentos,  a  maneira  mais  usual  para  a  contratação  de  preceptores e professores particulares era através de anúncios colocados nos jornais da época,  nos  quais  tanto  eram  solicitados  os  serviços  de  mestres  para  a  educação  doméstica,  como  também  os  próprios  mestres  ofereciam  seus  préstimos.  Considerando  uma  amostra  de  periódicos  de  grande  circulação  entre  os  anos  de  1839  e  1889,  pode­se  depreender  que  tal  conduta  permanece  atravessando  todo  o  século  XIX,  modificando­se  apenas  na  denominação,  exigências  e  quantidade  da  oferta  e  demanda  existentes.  Inicialmente,  na  primeira  metade  do  oitocentos, os  anúncios  solicitavam “uma senhora”, “um senhor”, “quem ensine”, “uma pessoa”,  registrando­se mesmo um anúncio que buscava “qualquer pessoa”, desde que tenha “mais de 40  2  anos  de  idade”  e  “boa  letra”  .  Como  a  solicitação  era  genérica,  as  características  é  que  descreviam  o  fim  para  o  qual  se  destinava  a  vaga  para  “uma  senhora”  ou  “um  senhor”,  pois,  geralmente era exigido que apresentassem excelente conduta, idade, independência da família,  ser solteiro ou solteira, entre outros atributos pedidos aos que se encarregavam da educação dos  filhos das famílias brasileiras.  Além  da  “afiançada  conduta”  que  vai  estar  sempre  presente  como  característica  desses  ofícios,  a  partir  da  segunda  metade  do  século  XIX,  as  habilitações  passam  a  ser  valorizadas,  sendo registradas em alguns anúncios como “homem de boa conduta, que esteja habilitado para  ensinar”, porém, mantêm­se as referências mais voltadas para a condição pessoal com destaque  para  “idade  avançada  e  bons  costumes”,  “homem  de  40  anos  casado”,  “senhora  estrangeira  capaz”,  ou  “em  estado  de  ensinar”.  Dessa  forma,  são  colocados  como  requisitos  tanto  “ter  as  3  habilitações necessárias” como, ou também, “ter os predicados exigidos”  .  Conjugando  conduta  pessoal,  condição  social  e  habilitações,  os  anúncios  colocados  em  periódicos  podem  ser  observados  de  forma  crescente  ao  longo  de  todo  o  período  estudado,  percebendo­se  que  essa  modalidade  de  educação foi  sendo  ampliada  em  número  de  usuários,  acompanhando  os  demais  movimentos  que  aconteciam,  especialmente,  a  progressiva  importância que a instrução vai adquirindo no oitocentos.  À  medida  que  aumenta  o  número  de  famílias  que  buscam  a  educação  doméstica  para  seus filhos, também vai ocorrendo a institucionalização dessa prática que começa a ter os seus  próprios códigos de realização e, entre eles, destaca­se a participação significativa de mulheres,  disputando  com  os  homens  as  mesmas  possibilidades  de  atuação  como  preceptoras  e  professoras particulares nas casas das elites brasileiras.  Nesse sentido, é possível localizar na década de 70 do oitocentos, o início da supremacia  das  mulheres  nas  funções  relativas  à  educação  doméstica  e,  conseqüentemente,  o  declínio  do  número de anúncios colocados por homens nessas funções, particularmente, no que se refere a  professores  particulares,  pois,  na  preceptoria,  a  hegemonia feminina  já  era  observada  desde  a  década anterior, só havendo mulheres candidatando­se a ensinar e residir nas fazendas e casas  dos alunos. Tal fato, no Brasil, pode ser justificado pela própria natureza das funções exercidas  pelos preceptores, uma vez que precisavam residir junto às famílias de seus alunos, bem como  entrar  na  intimidade  das  casas  senhoriais,  sendo  essas  características  mais  apropriadas  a  atuação feminina  do  que  a masculina.  A  preceptoria, portanto,  era  uma  prática  constantemente  exercida por mulheres, tendência que perdurará por todo o período, estando ainda presente no  limiar da República.  2  Cf. Jornal do Comércio, 18/01/1839, p. 4.  3  Cf. Jornal do Comércio, 16/01/1849, p. 3. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 20. 20  Vozes femininas do oitocentos – o papel das preceptoras nas casas brasileiras  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  As  funções  e  atribuições  dessas  personagens  tão  comuns  no  oitocentos  também  se  confundem  com  o  cotidiano  de  mulheres  letradas,  especialmente  estrangeiras,  que  eram  majoritárias no desempenho de tais ocupações.  2. A preceptoria como uma ocupação feminina  As  características  da  educação  doméstica  praticada  pelas  elites  e  constatadas  em  inúmeras  fontes,  autorizam  a  afirmação  de  que  era  comum  a  contratação  de  mulheres  como  preceptoras.  Mais  do  que  isso,  a  atuação  de  mulheres  na  preceptoria  é  bastante  significativa,  sendo  uma  das  poucas  ocupações  aceitas  e  admitidas  para  aquelas  que  não  tinham  quem  provesse o seu sustento e precisavam de um trabalho fora de suas casas. Mesmo assim, apenas  as mulheres que haviam recebido algum tipo de educação é que podiam candidatar­se a esses  fazeres,  pois  eram  exigidos  inúmeros  conhecimentos pelos  pais  ávidos  de  educar  seus  filhos  à  semelhança  da  nobreza  e  da  aristocracia.  Nesse  sentido,  abre­se  um  campo  de  atuação  privilegiado  para  mulheres  estrangeiras  ou  brasileiras  que  acabavam  de  chegar  ou  voltar  da  Europa,  pois  o  simples  fato  de  ser  estrangeira  ou  ter  vivido  na  Europa  parecia  ser  condição  suficiente para se tornar preceptora, mais ainda, analisando­se os critérios estabelecidos para a  oferta dos  serviços, constata­se  ser um diferencial de qualidade ter uma preceptora estrangeira  ou  fluente  nos  idiomas  mais  apreciados  na  sociedade  oitocentista.  Há  registros,  portanto,  de  muitas  mulheres  estrangeiras,  cujo  sustento  no  Brasil  provinha  unicamente  da  ocupação  como  preceptoras.  Quanto  à  nacionalidade  das  preceptoras,  parece  não  ser  importante  informar  o  país  de  origem,  pois  a  condição  de  estrangeiras  já  era  suficiente,  localizando­se  diversos  anúncios  do  4  tipo  “uma  senhora  estrangeira,  com  habilitações  dispondo  ainda  de  algumas  horas”  ,  “uma  5  senhora  estrangeira  recentemente  chegada  da  Europa”  ,  “uma  senhora  estrangeira  com  muita  6  prática  para  ensinar”  .  Ainda  assim,  entre  as  candidatas  que  se  oferecem  como  preceptoras,  registram­se, no período analisado, alemãs, francesas e suíças.  Ao contrário da nacionalidade que não era totalmente explícita, é muito observada nessa  época  a  conduta  moral  das  preceptoras,  provavelmente  por  se  tratar  de  uma  das  poucas  profissões  aceita  para  mulheres  e  por  colocá­las  em  contato  íntimo  com  a  família  contratante.  Dessa forma, são solicitadas informações relativas à condição moral e social da pretendente ao  cargo  de  preceptora  como  que  “dê  abono  de  sua  capacidade  moral”  ou  “exige­se  as  melhores  recomendações”.  As  preceptoras  intitulavam­se  professoras  e  algumas,  já  nas  últimas  décadas  do  oitocentos,  ao  oferecerem  seus  préstimos  pelos  jornais,  apresentam  as  suas  habilitações  que  vão  desde  uma  “professora  aprovada  pelo  conselho  de  instrução  pública  e  pela  academia  de  7  8  Belas­Artes”  ,  “professora  aprovada  pela  instrução  pública  e  pelo  conservatório  de  música”  ,  e  4  Cf. Jornal do Comércio, 04/01/1869, p. 2.  5  Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 3.  6  Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 2.  7  Cf. Jornal do Comércio, 01/01/1879, p. 6.  8  Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1879, p. 6. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 21. Maria Celi Chaves Vasconcelos  21  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  9  “com carta da instrução publica para lecionar”  , até “um com longa prática de ensino, tendo feito  10  seus estudos em Paris”  .  Apesar da recorrente nomenclatura de professoras, a maioria não informa como ou onde  esse  título foi  conseguido,  parecendo  que  o  mesmo  é  atribuído  a  todas  aquelas  que  atuam  na  educação de crianças e jovens.  Outro diferencial para a contratação de preceptoras era a posição social e a fortuna que  possuíam os patrões para os quais já houvessem trabalhado. Portanto, era contada como uma  excelente  referência  “uma  professora  com  diploma  para  ensinar  e  de  habilidade,  ensina  o  francês, inglês, português, piano e outras matérias de educação, a mesma durante alguns anos  11  esteve  como  professora  em  casa  de  uma  respeitável  família  brasileira”  ,  ou  ainda,  “uma  professora aprovada pelo conselho de instrução pública, tendo lecionado nos primeiros colégios  12  e  casas  de  família  importantes,  tendo  horas  vagas  aceita  discípulas”  ,  e  “uma  professora  estrangeira,  que  educou  por  espaço  de  quatro  anos  as  filhas  de  uma  família  distinta,  que  se  retirou  para  a  Europa,  deseja  ser  empregada  como  governante  em  uma  casa  de  família  de  13  tratamento nesta corte ou no interior”  .  O tempo na função de preceptora também parece ter sido mais um atrativo para os que  buscavam  esses  serviços,  pois,  sucedem­se  anúncios  que  informam  a  idade  das  pretendentes  ao  cargo  de  professoras  particulares  ou  preceptoras  das  famílias,  demonstrando  que,  quanto  maior a idade, mais adequadas estavam as candidatas ao exercício dessas funções, levando­se  em conta, que a faixa etária a partir dos 30 anos já era vista como de “meia­idade”. Oferecem­se,  nessa perspectiva, “uma senhora que leciona, há muito tempo”, “com muita prática do ensino”,  14  “ocupação que a mesma senhora exerce desde muitos anos”  .  A preferência por mulheres estrangeiras também estava relacionada a questões étnicas e,  portanto, nem todas as candidatas que se ofereciam para tal cargo poderiam ser consideradas  aptas a educar os filhos das famílias abastadas, como pode ser observado em dois anúncios que  estabelecem como predicados às candidatas ao lugar de preceptoras o fato de serem brancas:  15  “qualquer Sr. viúvo com filhos, que precisar de uma Sra. Branca viúva, muito capaz”  e “quem  precisar  de  uma  Sra.  Branca,  para  ensinar  algumas  meninas  a  ler,  escrever,  contar,  coser,  16  bordar,  marcar,  e  cortar,  ou  mesmo  para  tomar  conta  de  alguma  casa  de  pouca  família”  .  Chama atenção ainda, em outro anúncio do período, ser solicitada uma “senhora inglesa” para  “tomar  conta  e  passear  com  uma  criança  de  um  ano”,  tarefas  essas  que  normalmente  eram  17  referidas na compra e venda de negras escravas  .  9  Cf. Jornal do Comércio, 09/01/1879, p. 4.  10  Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1879, p. 7.  11  Cf. Jornal do Comércio, 06/01/1869, p. 3.  12  Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1879, p. 6.  13  Cf. A instrucção publica, 27/08/1887, n. 3, p. 8.  14  Cf. Jornal do Comércio, 04/01/1869, p. 3.  15  Cf. Jornal do Comércio, 22/01/1839, p. 4.  16  Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1839, p. 4.  17  Cf. Jornal do Comércio, 10/01/1839, p. 4. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 22. 22  Vozes femininas do oitocentos – o papel das preceptoras nas casas brasileiras  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  A partir do final da primeira metade do século XIX, vão progressivamente multiplicando­se  os  anúncios  de  educação  doméstica  e,  conseqüentemente,  tornando­se  essa  prática  mais  acessível  não  apenas  às  elites  que  dela  já  faziam  uso,  mas  às  classes  intermediárias  que  também podiam dispor desses serviços. No entanto, a educação doméstica parece ter sido uma  prática  imprescindível  à  elite.  Nesse  período,  considerava­se  um  diferencial  social  a  educação  passar  pela  Casa.  Dessa  forma,  mesmo  aqueles  cujos  filhos  freqüentavam  algum  colégio,  ou  aqueles que os educavam eles próprios, em determinado momento necessitavam dos serviços  de uma preceptora. É o que atesta o anúncio de 25 de janeiro de 1849, no qual é solicitada “uma  senhora estrangeira, capaz, em estado de ensinar inglês, francês, piano, canto e desenho, para  18  concluir a educação de uma menina em uma das fazendas desta província”  .  Empregando­se  para  “educar”  meninas  e  meninos,  dominando  os  diversificados  conhecimentos exigidos para tal e ocupando um cargo ambicionado por estrangeiros que vinham  para  o  Brasil,  as  preceptoras  não  poderiam  ser  desprovidas  de  um  lugar  representado  como  privilegiado  nas  estruturas  sociais  existentes.  Entretanto,  havia  um  limiar  muito  tênue  entre  o  respeito e reconhecimento à sua posição social e à condição de empregadas das elites, tratadas  como  tal.  Nesse  sentido,  podem  ser  observadas  preocupações  por  parte  das  preceptoras,  levando­as  a  certificar­se  do  lugar  que  ocupariam  na  casa  e  do  tratamento  que  receberiam  de  seus  senhores.  É  o  que  se  observa  no  seguinte  anúncio:  “uma  professora  viúva,  de  exemplar  conduta,  deseja  ir  para  algum  colégio  ou  fazenda  perto  da  corte,  ou  para  casa  de  algum  brasileiro viúvo de probidade, pouca família e de algum tratamento, como governante: só exige  19  ser tratada com distinção.”  E ainda, na solicitação registrada: “precisa­se para uma fazenda do  município de Parahyba do Sul, de uma senhora habilitada a ensinar meninas, que saiba piano e  20  canto e todos os trabalhos de agulha e afiança­se o bom tratamento”  .  Em  relação  aos  conhecimentos  ensinados  pelas  preceptoras,  os  mesmos  deveriam  atender  aos  desejos  da  família  que  as  contratava,  o que  fazia  com  que  as  candidatas  a  essas  funções devessem possuir um leque variado de conhecimentos e habilidades, a fim de satisfazer  as  aspirações  de  educação  das  elites.  Eram  os  pais  que  escolhiam,  entre  as  matérias  consideradas  de  educação,  aquelas  mais  adequadas  aos  seus  interesses  para  que  fossem  ministradas  aos  seus  filhos.  Dessa  forma,  em  todos  os  anúncios  observados  ao  longo  das  décadas  do  oitocentos,  apenas  em  alguns  casos  há  coincidência  de  matérias  lecionadas  pelas  preceptoras,  pois  as  combinações  são  as  mais  diversas  e  relativas  às  habilidades  de  quem  as  ensinava.  Excetuando­se  o  português  e  o  francês,  que  quase  sempre  estavam  presentes  nas  lições  oferecidas,  os  demais  conhecimentos  ensinados  variavam  entre  as  áreas  consideradas  como  importantes  à  formação  de  meninos  e  meninas,  resguardadas,  sem  dúvida,  as  especificidades de cada gênero.  São  oferecidos  indistintamente  para  a  educação  doméstica,  nas  mais  diversas  combinações,  desde  1839  até  1889,  além  de  “primeiras  letras”  e  “instrução  primária”,  –  caracterizadas  como  o  ensino  da  escrita,  leitura  e  contas  –,  ensinamentos  de  português  e  francês  prioritariamente,  seguidos  de  latim,  inglês,  alemão,  italiano,  espanhol,  caligrafia,  literatura,  composição,  religião,  música,  piano,  solfejo,  canto,  rabeca,  gramática  portuguesa,  latina,  francesa  e  inglesa,  lógica,  matemática,  geometria,  aritmética,  álgebra,  contabilidade,  escrituração mercantil, física, botânica, história universal, história do Brasil, geografia, desenho,  pintura e aquarela.  18  Cf. Jornal do Comércio, 25/01/1849, p. 4 – grifo meu.  19  Cf. Jornal do Comércio, 03/01/1869, p. 3.  20  Cf. Jornal do Comércio, 14/01/1869, p. 3. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação 
  • 23. Maria Celi Chaves Vasconcelos  23  Mesa coordenada: Educação, género e história  Coordenada por: Lia Faria  Para  as  meninas,  havia  conhecimentos  específicos  a  serem  aprendidos  como  bordar,  coser, marcar, cortar, dançar, trabalhos de agulha, caia a ouro, prata, matiz e escama de peixe,  tricot, filot, flores, obras de fantasia, recortar estofos, veludos e outros trabalhos manuais.  Quanto  às  especificidades  de  ensinamentos  dados  a  meninos  e  meninas,  o  editorial  do  21  periódico intitulado A instrução publica  , publicado em 1875, fazia críticas à educação feminina,  principalmente àquela dada na casa, que na visão do autor era insuficiente para as necessidades  da mulher, como já o era para os homens. Além disso, o editor chamava a atenção para o fato de  que  as  mulheres  deveriam  educar  as  mulheres,  bem  como  os  homens  deveriam  ser  educados  por homens:  E  a  mulher  deve  ser  educada  pela  mulher,  assim  como  o  homem  deve  ser  educado  pelo  homem;  porque  o  exigem  as  leis  da  natureza,  porque  o  exigem  certas  afinidades  de  sexo,  digamo­lo  assim,  em  virtude  das  quais  o  ente  que  em  sua  maneira  geral  de  sentir,  de  conhecer  e  de  querer,  mais  conforma  com  outro,  a  este  melhor  transmite suas idéias e doutrinas, melhor o instrui e o educa. (p. 138).  22  O  editor  faz  ainda  críticas  às  professoras,  preceptoras  e  governantas  estrangeiras,  afirmando  que  a  “mulher  brasileira  deve  ser  educada  pela  mulher  brasileira”,  pois  os  povos  teriam uma individualidade própria que não se podia esquecer e contrariar “sem contrafazer­lhes  o  gênio,  a  índole  e  o  caráter”.  A  esse  respeito,  cita  um  “escritor  moderno”,  o  qual  condena  a  utilização  de  preceptoras  estrangeiras,  não  só  pelas  diferenças  culturais  e  lingüísticas,  mas  também  por  ser  esta  prática,  uma  dentre  tantas,  “do  excessivo  hábito  brasileiro  de  copiar  a  França”. Some­se a essas críticas o fato de que não havia compêndios brasileiros, pois “são todos  23  os  compêndios  em  língua  estrangeira”  ,  o  que  fazia  com  que  o  “aluno  que  não  está  bem  24  corrente nessa língua, ou mesmo pouco sabe dela, não compreenda o que estuda”  .  O  contrato  realizado  entre  os  pais  e  as  preceptoras  era  informal,  baseado  no  acordo  estabelecido na maioria das vezes verbalmente. Dessa forma, era muito comum tanto a dispensa  dos serviços a qualquer tempo, como também as mestras declinarem da função. Para garantir a  permanência nas casas até a finalização dos ensinamentos, por vezes esse acordo já tinha que  ser definido no anúncio da solicitação, como no exemplo a seguir:  PROFESSORA.  Precisa­se  de  uma  professora  que  esteja  disposta  a  ir  para  fora  da  corte,  fazendo  um  contrato  por  longo  tempo:  exige­se  que  a  professora  conheça  bem  a  língua  portuguesa;  trata­se  na  rua  do  Hospício  n.  49,  ao  meio­dia.  (Jornal  do  Comércio, 29/01/1879, p. 4 – grifo meu).  A rotatividade e descontinuidade dos  serviços de educação, na casa, também podem ser  comprovadas no relato da preceptora Ina Von Binzer (1994):  É  uma  verdadeira  sorte  não  se  firmarem  contratos  aqui,  nem  se  multarem  as  rescisões.  Mesmo  constantemente  ameaçadas  de  ser  dispensadas  mais  dia  menos  dia,  podemos pelo menos fazer nossa trouxa quando julgamos que é demais. (p. 90).  21  Editorial de Alambary Luz em A instrução publica, 1875, ano IV, n. 19.  22  Idem, ibidem.  23  Ibidem.  24  Ibidem. VII Congresso LUSO­BRASILEIRO de História da Educação