Este documento resume a vida e obra de Cesário Verde. Nasceu em 1855 em Caneças e ajudou no negócio do pai, uma loja de ferragens. Publicou poemas em jornais entre 1873-1874 mas recebeu críticas desfavoráveis. Faleceu em 1886 de tuberculose. Sua obra só foi compilada em 1887 por Silva Pinto.
2. VIDA E OBRA
José Joaquim Cesário Verde nasceu em Caneças, no
concelho de Loures, a 25 de Fevereiro de 1855.
O seu pai era lavrador e comerciante, sendo proprietário de
uma quinta nas imediações de Lisboa, em Linda-a-Pastora, e
de uma loja de ferragens na baixa lisboeta, onde Cesário
Verde chegou a trabalhar.
Foi a trabalhar no negócio de seu pai que repartiu a sua vida,
fazendo do quotidiano o assunto da sua poesia.
3.
Desta forma, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela
criação literária, embora longe dos meios literários oficiais
com os quais nunca se deu bem, o que o levou, por exemplo,
a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de
Letras de Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874, e onde
travou conhecimento com figuras da vida literária como Silva
Pinto, que se tornou seu grande amigo e, após a sua morte,
compilador da sua obra.
Aquando da sua entrada para a Faculdade de Letras,
estreou-se com várias poesias nos jornais Diário de
Notícias, Diário da Tarde, A Tribuna e Renascença, acolhidos
com críticas quase sempre desfavoráveis.
Em 1874, foi
anunciada a edição de um livro de Cesário Verde, o que, no
entanto, não aconteceu. Esta falta de estímulo da crítica e um
certo mal-estar relativamente ao meio literário fizeram com
que Cesário Verde deixasse de publicar em jornais.
Julho de 1886, apesar das várias tentativas de
convalescença.
4.
Assim, a partir de 1879, Cesário Verde empenha-se cada vez
mais no auxílio nas tarefas da loja de ferragens e da
exploração da quinta. Em 1872, a sua irmã morre, seguindose, dez anos depois, o seu irmão, ambos de tuberculose. Foi
esta a doença que viria a vitimar igualmente o poeta, a 19 de
Só em 1887 foi organizada, por iniciativa de Silva Pinto, uma
compilação dos seus poemas com o título de O Livro de
Cesário Verde.
5. CORRENTES LITERÁRIAS
INFLUENTES
Cesário Verde era um realista que também utilizou algum
impressionismo nos seus poemas, já que este materializava o
abstracto, insiste na impessoalidade, utiliza paisagens e
locais para traduzir estados psicológicos e também utiliza
muito a personificação pois dá espírito a objectos.
As suas composições poéticas enquadram-se também no
Parnasianismo que defende “a arte pela arte” e que foi
iniciado em França no século XIX.
6.
Esta corrente literária procura um acabamento perfeito
através de poesias descritivas. É uma reacção contra o
Romantismo, defendendo a objectividade em detrimento do
sentimentalismo, e a perfeição formal em detrimento da
indisciplina da linguagem. É um retorno ao racionalismo e
uma busca pela impessoalidade.
Através da junção do realismo com o impressionismo e o
Parnasianismo, os poemas de Cesário Verde tornam-se
autênticas representações pictóricas da realidade devido à
utilização de uma linguagem colorida, à musicalidade e à
perfeição formal.
Desta forma, Cesário Verde preocupa-se bastante em
apresentar o quotidiano da realidade de uma forma realista,
clara, objectiva e concreta. Procura descrever o mundo com
objectividade, tentando captar os mais ínfimos pormenores de
forma a poder, depois, transmitir percepções sensoriais e
partir para uma subjectividade sóbria.
7. ANÁLISE DE UM POEMA
“ Ó áridas Messalinas ”
Ó áridas Messalinas
não entreis no santuário,
transformareis em ruínas
o meu imenso sacrário!
Oh! A deusa das doçuras,
a mulher! eu a contemplo!
Vós tendes almas impuras,
não me profaneis o templo!
8. A mulher é ser sublime,
é conjunto de carinhos,
ela não propaga o crime,
em sentimentos mesquinhos.
Vós sois umas vis afrontas,
que nos dão falsos prazeres,
não sei se sois más se tontas,
mas sei que não sois mulheres!
9. ESTRUTURA INTERNA
É conveniente, antes de tudo, esclarecer o que é uma
Messalina, já que é uma palavra bastante relevante para a
compreensão de todo o poema.
No Império Romano, existiu uma imperatriz, Valéria
Messalina, mulher do imperador Cláudio, que ficou famosa
pela sua crueldade e pela sua vida libertina, devassa e
promíscua, acabando por ser executada por ordem do
marido. Deste facto histórico, surge a palavra “messalina”,
utilizada, num sentido figurado, para referenciar alguma
mulher que leve uma vida como a de Valéria Messalina.
Muito claramente, os temas deste poema são o amor e a
sedução, tendo a mulher por objecto. O sujeito lírico faz uma
crítica às mulheres que levam uma vida devassa, pedindo
para que não o seduzam.
10.
Esta composição poética pode ser dividida em três porções
lógicas.
A primeira porção é a primeira quadra, onde o eu poético
pede às “áridas Messalinas”, ou seja, às mulheres
depravadas e desprovidas de interesse, para que não
invadam o “santuário”, referindo-se à sua vida regrada, cuja
integridade seria posta em causa caso fosse seduzido por
elas.
A segunda parte lógica do poema são a segunda e terceira
estrofe onde o sujeito poético solta frases de veneração e
descreve o seu conceito de mulher. Assim, para ele, a mulher
seria um ser puro, “sublime”, que não transforma o amor num
sentimento desprezível.
Na terceira parte do poema, ou seja, na quarta e última
estrofe, o sujeito poético utiliza a definição de mulher que
apresentou na segunda parte do poema para a comparar com
as Messalinas, dizendo que estas, ao contrário das
“mulheres”, são falsas, impuras, e que, portanto, não podem
ser consideradas mulheres, apesar de o eu poético não saber
se a vida que levam se deve à sua falta de juízo ou à sua
crueldade.
11.
As temáticas de Cesário Verde mais evidentes neste poema
são o símbolo da mulher e a humilhação sentimental.
É apresentada a Messalina, a mulher fatal que desperta o
desejo do eu lírico mas que o arrasta também para a morte,
num sentido figurado (“…transformareis em ruínas / o meu
imenso sacrário!”). Esta faz parte de um dos principais
contrastes que Cesário faz ao longo de toda a sua obra, o
“mulher fatal / mulher angélica”, estando, normalmente, a
primeira estreitamente relacionada com a cidade, e a
segunda com o campo. Assim, as mulheres citadinas, como
as Messalinas, eram frias, opressoras e artificiais, símbolo do
desenvolvimento urbano. Além disso, também surge a mulher
objecto, vista enquanto estímulo dos sentidos carnais,
sensuais, como impulso erótico.
12.
Também neste poema é tratada a humilhação afectiva visto
que a mulher fatal, bela, artificial, poderosa e desumana faz
com que o sujeito poético a deseje e a receie, levando a que
este se sinta humilhado e seja compelido a controlar os seus
impulsos amorosos.
A nível de correntes literárias influentes, percebe-se que mais
uma vez está presente o Parnasianismo visto que este poema
não tem muito de subjectivo, é muito directo e os termos
utilizados são bastante fáceis de entender, recorrendo
somente à transfiguração da realidade. Não são
apresentados quaisquer ideais, mas coisas que são
observadas a cada instante, o que é exemplo do carácter
impessoal das composições parnasianas.
13.
Este poema foi escrito em 1873, período em que Cesário
Verde elaborou bastantes poemas que têm o amor e a mulher
por temas. Nesta altura, Cesário Verde era ainda um
adolescente, tinha 18 anos, mas a cidade e o campo
constituíam já duas facetas da sua vida.
Assim, Cesário Verde produziu poemas que falavam do
campo como representante de um amor vivido no passado
(como em “Flores Velhas”) ou de um amor idílico, e que
falavam da cidade como símbolo do erotismo e da sedução,
que, como já foi analisado neste poema, o eu poético não
considera sinónimos de verdadeiro amor, mas antes
“sentimentos mesquinhos”. Neste poema, particularmente, é
feita, em tom jocoso, uma dessacralização da mulher da
cidade, pela qual terá tido alguns amores durante a sua
adolescência.
14. UNIDADE FORMA – CONTEÚDO
Nesta composição poética o vocabulário é
predominantemente concreto e relaciona-se sobretudo com a
religião (”templo”, “sacrário”, “santuário”, “deusa”).
São utilizados bastantes pontos de exclamação ao longo do
poema que são usados em frases imperativas (“…não me
profaneis o templo!”), em conjunto com interjeições (“Oh!”) e
também para exprimir admiração, respeito, devoção (neste
caso, à mulher pura, “Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu
a contemplo!”) e aversão (“…mas sei que não sois
mulheres!”).
15.
Pode encontrar-se um único ponto final, no final da terceira
quadra, já que esta é a estrofe em que se procede à
descrição da mulher angélica.
Neste poema, os recursos estético-estilísticos existentes são:
- a apóstrofe (“Ó áridas Messalinas…”);
- a metáfora (“…o meu imenso sacrário!”);
- a aliteração, (“…não sei se sois más se tontas, / mas sei que
não sois mulheres!”);
- o hipérbato (“Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a
contemplo!”);
- a hipérbole (“…transformareis em ruínas…);
- a sinédoque (“A mulher… é conjunto de carinhos…”);
- a exclamação (…não me profaneis o templo!”, “…mas sei
que não sois mulheres!”), que serve para intensificar a emoção.
16. ESTRUTURA EXTERNA
A composição poética é constituída por quatro estrofes
(quadras), sendo estas constituídas por versos de sete
sílabas, como se verifica pela seguinte análise de versos:
“A / mu / lher / é / ser / su / bli / me,
1 2
3 4 5
6 7
é / con / jun / to / de / ca / ri / nhos,
1 2
3
4 5 6 7
e / la / não / pro / pa / ga o / cri / me,
1 2 3
4
5 6
7
em / sen / ti / men / tos / mes / qui / nhos”
1
2 3
4
5
6
7
17.
O esquema rimático é //ABAB/CDCD/EFEF/GHGH//, sendo a
rima cruzada.
As rimas pobres (Messalinas / ruínas, santuário / sacrário,
afrontas / tontas, prazeres / mulheres) e as rimas ricas
(doçuras / impuras, contemplo / templo, sublime / crime,
carinhos / mesquinhos) existem em igual quantidade. Verificase que as rimas pobres se encontram na primeira e na última
estrofe e as rimas ricas se encontram nas outras duas
estrofes.
As rimas são todas consoantes, à excepção de prazeres /
mulheres.