Transitou em julgado a decisão que declarou a inconstitucionalidade de artigo da Lei Orgânica do Município de Mafra que fixava o piso dos vencimentos dos servidores municipais em dois salários mínimos. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Mafra e do Centro de Apoio Operacional do Controle da Constitucionalidade (CECCON).
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Ação Direta de Incostitucionalidade - 2014.005706-4
1. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2014.005706-4, de Mafra
Relator: Des. Ricardo Fontes
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ART. 87, I, DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE MAFRA.
VENCIMENTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS.
PISO ESTIPULADO EM MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO.
VEDAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 4 DO STF.
"Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário
mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo
de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser
substituído por decisão judicial" (Súmula Vinculante 4 do STF).
ESTIPULAÇÃO QUE CONTRARIA, AINDA, O PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO MUNICIPAL PARA PROPOR LEIS QUE
TENHAM POR OBJETO REMUNERAÇÃO DE SERVIDOR
PÚBLICO.
A lei que institui vinculação de vencimentos de servidor
municipal a índice ditado pelo Presidente da República (caso do
salário mínimo), garantindo-lhe reajustamento automático
independentemente de lei específica do Município a que está
vinculado o servidor, contraria de forma flagrante a autonomia
dos Estados e Municípios e, de igual forma, o pacto federativo.
VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTS. 4º E 110, CAPUT,
DA CESC, E AOS ARTS. 7º, IV, 18, CAPUT, e 60, § 4º, I, DA
CRFB. RECONHECIMENTO.
AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 2014.005706-4, da comarca de Mafra (1ª Vara Cível), em que
são requerentes o Coordenador-Geral do Centro de Apoio Operacional do Controle de
Constitucionalidade (CECCON) e Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e
requerida Câmara de Vereadores do Município de Mafra:
O Órgão Especial decidiu, por unanimidade, acolher o pedido formulado
na inicial, declarando-se inconstitucional o inciso I do art. 87 da Lei Orgânica do
Município de Mafra. Custas legais.
2. O julgamento, realizado no dia 15 de outubro de 2014, foi presidido pelo
Excelentíssimo Senhor Desembargador Nelson Schaefer Martins, com voto, e dele
participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Salim Schead dos Santos,
Desembargador Jaime Ramos, Desembargador Alexandre d’Ivanenko,
Desembargador Lédio Rosa de Andrade, Desembargador Moacyr de Moraes Lima
Filho, Desembargadora Marli Mosimann Vargas, Desembargador Sérgio Izidoro Heil,
Desembargador João Henrique Blasi, Desembargador Jorge Luiz de Borba,
Desembargador Jânio Machado, Desembargador Paulo Roberto Camargo Costa,
Desembargador Gaspar Rubick, Desembargador Pedro Manoel Abreu,
Desembargador Eládio Torret Rocha, Desembargador Fernando Carioni,
Desembargador Rui Fortes e Desembargador Cesar Abreu.
Impedida a Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria do Rocio
Luz Santa Ritta.
Funcionou como Representante do Ministério Público a Excelentíssima
Senhora Doutora Walkyria Ruicir Danielski.
Florianópolis, 21 de outubro de 2014.
Ricardo Fontes
RELATOR
Gabinete Des. Ricardo Fontes
3. RELATÓRIO
Trata-se de ação direta deflagrada pelo Exmo. Sr. Dr. Basílio Elias de
Caro, Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de
Constitucionalidade – CECCON – do Ministério Público do Estado de Santa
Catarina e pelo 2º Promotor de Justiça da comarca de Mafra, em que se objetiva a
declaração de inconstitucionalidade material do art. 87, I, da Lei Orgânica do
Município de Mafra, que estabelece aos servidores sujeitos ao regime jurídico único
piso de vencimento correspondente ao dobro do salário mínimo nacionalmente
unificado.
Reza o dispositivo legal objeto da actio vertente:
Art. 87 - São direitos dos servidores sujeitos ao regime jurídico único, além de
outros estabelecidos em lei:
I - piso de vencimento correspondente ao dobro do salário mínimo
nacionalmente unificado;
[...] (sem destaque no original).
Às fls. 2-11, o autor da ação alegou, em suma, afronta aos arts. 7º, IV,
da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) e 4º da Constituição do
Estado de Santa Catarina (CESC), porque vedada a vinculação do salário mínimo
para qualquer fim. Salientou, ainda, a ocorrência de ofensa ao art. 110 da
Constituição Estadual, uma vez que a norma em estudo viola o pacto federativo e a
autonomia municipal, porque subtrai as prerrogativas de autogoverno e
autoadministração.
Postulou, ao final, a procedência do feito.
O Exmo. Sr. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, em despacho de fl. 57,
determinou a notificação do Presidente da Câmara de Vereadores do Município em
questão para prestar as informações, com alicerce no art. 10, caput, da Lei Estadual
(LE) n. 12.069, de 27-12-2001; e após, a intimação do Procurador-Geral do Município
e do Procurador-Geral de Justiça.
A Câmara de Vereadores prestou informações à fl. 60, ocasião em que
sustentou concordar com o reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo
legal em questão.
O Procurador-Geral do Município defendeu a norma combatida às fls.
70-75.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Dr. Basílio
Elias de Caro, manifestou-se pela procedência do pedido inicial (fls. 79-85).
Gabinete Des. Ricardo Fontes
4. VOTO
Na medida em que não arguidas preliminares, passa-se ao estudo do
mérito da quaestio.
O art. 87, I, da Lei Orgânica do Município de Mafra, com efeito, assim
dispõe:
Art. 87 - São direitos dos servidores sujeitos ao regime jurídico único, além de
outros estabelecidos em lei:
I - piso de vencimento correspondente ao dobro do salário mínimo
nacionalmente unificado;
[...] (sem destaque no original).
A questão relativa à vedação de vinculação do salário mínimo para
qualquer fim está expressamente consignada no inciso IV do art. 7º da CRFB, in
Gabinete Des. Ricardo Fontes
5. verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
[...]
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender
a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim [...] (sem destaque no original).
A Constituição Estadual, por seu turno, abarca tal previsão constitucional
em seu art. 4º, ao mencionar que
O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu
território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e
coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição,
ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os
constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte [...].
Aqui cumpre asseverar que a remissão à Constituição Federal realizada
no artigo acima transcrito não impede o controle abstrato de constitucionalidade por
esta Corte de Justiça, uma vez que plenamente válida a técnica de remissão
normativa constitucional.
A respeito, já decidiu este Órgão Especial:
É importante anotar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal confere
validade à técnica de remissão normativa constitucional e, assim, apresenta
entendimento pacífico quanto à possibilidade de se invocar, como referência
paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis
ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo,
que, inscrita na Constituição Estadual, remete, diretamente, às regras
normativas constantes da própria Constituição Federal, assim
incorporando-as, formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano
do ordenamento constitucional do Estado-membro. - Com a técnica de remissão
normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora
constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da
expressa referência a elas feita, o "corpus" constitucional dessa unidade política da
Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os fins
a que se refere o art. 125, § 2º da Constituição da República, a própria norma
constitucional estadual de conteúdo remissivo. Doutrina. Precedentes (STF, Rcl n.
10500 AgR/SP, rel. Ministro Celso De Mello, DJe de 28-9-2011) (ADI n.
2010.070164-6, da Capital, Rel. Des. Salim Schead dos Santos, DJe de 19-8-2013)
(sem destaque no original).
Pois bem.
O Supremo Tribunal Federal já firmou orientação jurisprudencial no
Gabinete Des. Ricardo Fontes
6. sentido de que a vinculação do piso salarial de servidor público ao salário mínimo,
com efeito, afronta a Constituição Federal.
O entendimento acima referendado culminou com a edição da Súmula
Vinculante 4, que apresenta o seguinte teor:
"Salvo os casos previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não
pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público
ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial".
E, neste ponto, não prospera a alegação firmada no parecer da
Procuradoria-Geral do Município (fl. 72) no sentido de que, quando não ocorre
indexação, mas tão somente a utilização do salário mínimo como correspondente ou
base, não há falar em inconstitucionalidade da norma. Isso porque o STF já decidiu à
exaustão pela impossibilidade de qualquer tipo de vinculação de salário profissional a
múltiplos de salário mínimo.
À exemplo, extraem-se os seguintes precedentes:
CONSTITUCIONAL. TRABALHO. REMUNERAÇÃO. LEI 4.950-A/1966. PISO
SALARIAL. MÚLTIPLOS DO SALÁRIO-MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO
ART. 7º, IV, DA CF. SÚMULA VINCULANTE 4. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE
NEGA PROVIMENTO.
I – A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que a fixação do piso
salarial em múltiplos do salário-mínimo ofende o art. 7º, IV, da Constituição.
Precedentes.
II – O entendimento desta Corte, consubstanciado na Súmula Vinculante 4, é
de que, salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser
usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de
empregado, nem ser substituído por decisão judicial;
III – Agravo regimental a que se nega provimento (STF, AgReg no Recurso
Extraordinário com Agravo n. 689.583/RO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de
5-6-2014).
Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Equiparação de
vencimentos. Súmula 339 do STF. Vinculação ao salário mínimo. Impossibilidade.
Precedentes. 1. Pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de
que não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar
vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia. 2. Impossibilidade
de vinculação de piso salarial a múltiplos do salário mínimo. 3. Agravo regimental
não provido (STF, RE n. 431.427, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 11-3-2011).
Ainda: STF, AI n. 494.253, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de
1º-2-2010.
Segundo se infere do corpo do voto proferido pela Mina. Carmen Lúcia
no bojo do RE n. 565.714-1/SP (DJe de 7-11-2008), no julgado que acabou por dar
ensejo à Súmula Vinculante antes referida, a vedação constante da parte final do
inciso IV do art. 7º da CRFB tem por escopo impedir que a utilização do salário
mínimo como formação de base de cálculo de qualquer parcela remuneratória acabe
por gerar, ainda que de forma indireta, peso maior do que aquele decorrente do
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7. acréscimo. Isso porque, em virtude da cadeia de aumentos que esta vinculação
ocasionaria, haveria uma pressão para que o salário mínimo não sofresse reajustes, o
que, por óbvio, implicaria na obstaculização da implementação da política salarial
almejada pelo dispositivo constitucional em análise.
Não bastasse o exposto, deve-se levar em conta, ainda, que a fixação
do salário profissional de servidor público em múltiplos de salário mínimo contraria o
princípio constitucional de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo municipal
para propor leis que tenham por objeto remuneração de servidor público.
O art. 110, caput, da CESC, o qual reprisa o art. 18, caput, da CRFB,
assim dispõe:
"O Município é parte integrante do Estado, com autonomia política,
administrativa e financeira, nos termos da Constituição Federal e desta Constituição".
Deste modo, a lei que institui vinculação de vencimentos de servidor
municipal a índice ditado pelo Presidente da República (caso do salário mínimo),
garantindo-lhe reajustamento automático independentemente de lei específica do
Município a que está vinculado o servidor, contraria de forma flagrante a autonomia
dos Estados e Municípios e, de igual forma, o pacto federativo (art. 60, § 4º, I, da
CRFB).
Nesse sentido:
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. EC Nº 1/93 QUE ACRESCENTOU
PARÁGRAFO ÚNICO AO ART. 35 DA CARTA ESTADUAL, INSTITUINDO SALÁRIO
MÍNIMO PROFISSIONAL PARA ENGENHEIROS, QUÍMICOS, ARQUITETOS,
AGRÔNOMOS E MÉDICOS VETERINÁRIOS. Manifesta ofensa ao princípio
constitucional da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para leis que têm
por objeto remuneração de servidores. Norma que, de outra parte, institui vinculação
de vencimentos de servidores estaduais a índice ditado pelo Governo Federal,
garantindo-lhes reajustamento automático, independentemente de lei específica do
Estado, contrariando a norma do art. 37, XIII, da CF e ofendendo a autonomia do
Estado-membro. Procedência da ação, com declaração de inconstitucionalidade do
texto indicado" (STF, ADI 1.064/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 26-9-1997).
Arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada com o
objetivo de impugnar o art. 34 do Regulamento de Pessoal do Instituto de
Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (IDESP), sob o fundamento de
ofensa ao princípio federativo, no que diz respeito à autonomia dos estados e
Municípios (art. 60, § 4º, CF/88) e à vedação constitucional de vinculação do
salário mínimo para qualquer fim (art. 7º, IV, CF/88). [...] Norma impugnada
que trata da remuneração do pessoal de autarquia estadual, vinculando o
quadro de salários ao salário mínimo. [...] Arguição de descumprimento de
preceito fundamental julgada procedente para declarar a ilegitimidade
(não-recepção) do Regulamento de Pessoal do extinto IDESP em face do
princípio federativo e da proibição de vinculação de salários a múltiplos do
salário mínimo (art. 60, § 4º, I, c/c art. 7º, inciso IV, in fine, da Constituição
Federal (STF, ADPF 33, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 27-10-2006).
Gabinete Des. Ricardo Fontes
8. Pelo exposto, percebe-se que há, de fato, violação ao conteúdo dos arts.
4º e 110, caput, da CESC (arts. 7º, IV, 18, caput, e 60, § 4º, I, da CRFB), motivo pelo
qual é de se acolher o pedido inicial a fim de declarar a inconstitucionalidade do inciso
I do art. 87 da Lei Orgânica do Município de Mafra.
Esclarece-se, de outro lado, que a já aludida Súmula Vinculante 4 veda,
em sua parte final, que o Judiciário – pela impossibilidade de atuar como legislador
positivo – proceda à substituição do índice por decisão judicial, motivo pelo qual o
critério estabelecido na lei em comento deve continuar sendo aplicado até que lei
posterior estabeleça nova base de cálculo (STF, AI n. 700.945 AgR, Rela. Mina.
Carmen Lúcia, DJe de 2-3-2011; e STF, RE n. 700.063, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de
5-5-2014).
Gabinete Des. Ricardo Fontes