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A renovação da imagem da
Grã-Bretanha: uma nova política
externa britânica para um mundo
conectado em rede
Richard House



For the first time since World War II, Great Britain is under a coalition government, this time composed by the Con-
    servative and Liberal Democrat parties. Among its challenges, it has to determine a new foreign policy for the
    country, after a full decade during which, the role of former prime-minister Tony Blair in the world has been
    decisive. What is coming out is what has been called as “a distinctly British foreign policy”, more realist and
    perhaps humbler than the one conducted by Blair. The new government promises a “virtuous circle between
    foreign policy and prosperity”, in a world where resources are limited and interdependence is determinant.




    O governo de coalizão britânico foi rá-                    Esses questionamentos periódicos podem
pido em deixar para trás uma década du-                        ser tarefas dolorosamente introspectivas,
rante a qual a reputação da Grã-Bretanha                       carregadas de dúvidas quanto ao declínio
foi parcialmente determinada pelo papel                        da influência britânica ou se o país ainda
desempenhado pelo ex-primeiro ministro                         seria capaz de manter sua posição de lide-
Tony Blair no cenário mundial.                                 rança, apesar de um orçamento militar
    Para apagar essas lembranças do passa-                     que ainda está entre os maiores do mun-
do, o governo conservador-liberal demo-                        do. Apesar de toda essa angústia, a maio-
crata, sob a liderança de David Cameron,                       ria das previsões mostra que o Reino Uni-
vem formulando uma “política externa                           do permanecerá entre as dez maiores
distintamente britânica”, dotada de priori-                    potências econômicas e militares nas pró-
dades bem diferentes, e que reconhece                          ximas duas décadas.
uma Grã-Bretanha mais realista e talvez                            Mesmo assim, o debate britânico sobre
mais humilde, que precisa ganhar a vida                        “poder duro versus poder brando” vem
em um mundo marcado por novas alian-                           ocorrendo em meio a um cenário de difi-
ças e novas potências.                                         culdades econômicas, que fazem as esco-
    O canto-coral, em lugar de árias sola-                     lhas do governo Cameron parecerem mais
das e excessivamente ambiciosas, definirá,                      limitadas do que nunca. Privado dos re-
daqui por diante, a contribuição do Reino
Unido. A cada década, aproximadamente,                         Richard House é jornalista, diretor da Celebrand e da
o equilíbrio político se altera e um novo                      Nextar Communications; foi correspondente do jornal
governo britânico se propõe a definir um                        Washington Post no Brasil e trabalhou para a BBC, The
novo papel internacional para si próprio.                      Economist e Financial Times, entre outros veículos.



                                        161     VOL 19 N o 2   SET/OUT/NOV 2010
ARTIGOS




cursos necessários para preservar o tradi-     terna, a posição e a reputação da Grã-
cional papel de grande potência que sem-       -Bretanha, sem dúvida alguma, foram
pre caracterizou o Reino Unido, o novo         prejudicadas por seu apoio incondicional
governo promete “um círculo virtuoso en-       e por vezes servil às decisões do ex-presi-
tre a política externa e a prosperidade”,      dente Bush em 2003, que acabaram levan-
calcado numa postura de política externa       do à Guerra do Iraque e a todos os aconte-
comercialista. A política externa de Came-     cimentos que se seguiram. Os serviços de
ron vem envolta numa bandeira chamada          inteligência do país ainda lutam para se
“comércio”.                                    livrar de persistentes acusações de má
    A Grã-Bretanha, então, deve fazer o        conduta em situação de guerra, ao mesmo
possível para projetar esse “poder bran-       tempo em que a Grã-Bretanha tem de re-
do” usando o comércio, suas credenciais e      conquistar a plena confiança das potên-
valores democráticos e o inegável peso         cias emergentes que se mantiveram a uma
cultural da “marca” Grã-Bretanha. Acima        distância crítica da guerra de Bush.
de tudo, o Reino Unido vem invertendo              Além disso, o fato de a Grã-Bretanha
a ideia que vigorou durante os 13 anos de      ter feito uma ardorosa propaganda do
governos trabalhistas: a de que a diplo-       laissez-faire dos serviços financeiros anglo-
macia deve se preocupar, antes de mais         -saxões em nada contribuiu para melhorar
nada, em adotar uma política externa           essa imagem após a crise bancária global
ética de “fazer o que é certo” e, apenas       de 2008. Embora o Reino Unido há déca-
secundariamente, com o “interesse nacio-       das venha alardeando as virtudes da glo-
nal esclarecido”.                              balização, do livre mercado e da desre-
    Esse interesse nacional significa recali-   gulamentação, o controle desse processo
brar cuidadosamente a “relação especial”       passou para as mãos de potências emer-
com os Estados Unidos. Escrevendo num          gentes, que não têm mais nada a aprender
jornal americano, o Wall Street Journal,       com Londres e estão firmemente empe-
antes de sua primeira visita oficial como       nhadas na construção de um setor estatal
primeiro-ministro a Washington, ocorrida       forte. Em 2009, o presidente Lula, do Bra-
em julho de 2010, Cameron afirmou: “Sou         sil, em visita a Londres, criticou polida-
pragmático e realista quanto às relações       mente seus anfitriões ao contrastar o efeito
Estados Unidos–Reino Unido. Entendo            recessivo do socorro financeiro prestado
que somos o sócio minoritário”. Descre-        pelo Estado ao setor bancário britânico
vendo a si próprio como “abertamente           com o grande surto de crescimento econô-
pró-americano”, Cameron descreve os            mico desencadeado pelos novos consumi-
pontos comuns entre sua agenda e a do          dores brasileiros beneficiados pelo progra-
presidente dos Estados Unidos, Barack          ma Bolsa Família.
Obama: Afeganistão, crescimento econô-             Em vez de continuar se aferrando a
mico, estabilidades interna e externa e lu-    uma potência mundial que já deixou para
ta contra o protecionismo. Cameron men-        trás seu apogeu, a Grã-Bretanha vem aos
cionou também “diferenças de ênfase”           poucos se afastando de uma política que,
nas questões comerciais.                       desde os dias de Winston Churchill, seu
    Para dissipar o legado de Blair, foi ne-   líder nos tempos da guerra, vinha se em-
cessária uma faxina geral numa estrutura       basando numa situação de dependência
política que ainda exalava um cheiro leve,     em relação aos Estados Unidos. Após dois
mas desagradável. Apesar das altissonan-       anos com os olhos fixos em Washington,
tes declarações de ética na política ex-       na esperança, em grande parte frustrada,


                                   162   POLÍTICA EXTERNA
UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE




de que a “relação especial” ainda tenha             cada vez menor. O G-20, inexoravelmente,
algum significado para o presidente Ba-              toma o lugar do G-8, a OTAN se amplia, O
rack Obama, os diplomatas britânicos                FMI e o Banco Mundial alteram sua estru-
vêm aprendendo a procurar novos amigos              tura de votação, os novos membros do
no Sul e no Leste.                                  Conselho de Segurança das Nações Uni-
    Portanto, embora a Aliança Atlântica            das reivindicam status permanente, e é
continue sendo sua relação mais forte,              perfeitamente possível que chegue o dia
existe hoje no Reino Unido uma tendência            em que a Grã-Bretanha não tenha mais um
a se voltar para um “mundo conectado                assento cativo naquela cobiçada mesa.
em rede”, que é multipolar por natureza.
Da mesma forma, vem mudando também
a relação por vezes esquizofrênica do Rei-          O homem da McKinsey
no Unido com seus vizinhos europeus.
Na pista de dança de Bruxelas, a Grã-                   É possível dizer que o governo de coa-
-Bretanha de hoje trocou suas constantes            lizão do Reino Unido tem dois líderes,
tentativas de se intrometer na valsa fran-          dois partidos e um pot-pourri de políticas
co-germânica por planos de passar mais              nem sempre compatíveis. Mas quando se
tempo com as nações europeias mais no-              trata de diplomacia, a nova imagem britâ-
vas, principalmente as que antes faziam             nica é obra de um só homem.
parte do bloco soviético e a Turquia, país              Dois meses após assumir o cargo, em
em rápida ascensão.                                 maio de 2010, o secretário das Relações
    A realidade é que as potências emer-            Exteriores William Hague frustrou todas
gentes que fazem parte do BRICs – princi-           as expectativas de que um governo de
palmente o Brasil – logo irão sobrepujar o          coalizão (no Reino Unido, o primeiro em
poderio econômico britânico. Cada vez               cinquenta anos, e formado por partidos
mais, a Grã-Bretanha precisa desses par-            que, antes da eleição, tinham posições im-
ceiros globais para conseguir se reinventar         placavelmente antagônicas em questões
como uma nação comercial, após sua eco-             de política externa) voltaria atrás e acaba-
nomia ter sofrido um forte golpe causado            ria por adotar soluções de compromisso
por sua excessiva dependência no setor de           assim que assumisse o poder.
serviços financeiros. Assim, as embaixa-                 Muito pelo contrário, Hague, o prin-
das britânicas passarão a promover o co-            cipal estadista conservador do governo
mércio britânico, tanto quanto os valores           Cameron, apresentou, numa sequência de
britânicos. Sem dúvida que há muito tra-            quatro discursos, o projeto de uma visão
balho pela frente. A Grã-Bretanha ainda             radicalmente nova da diplomacia bri-
exporta mais para a Irlanda, sua vizinha,           tânica, rasgando em pedaços o manual
que para a Índia, a China e a Rússia toma-          que, tradicionalmente, sempre ditou as
das em conjunto.                                    regras de política externa. Para substituir
    A nova diplomacia britânica foi plane-          as antigas regras foi proposta uma estru-
jada, particularmente, para fazer face a            tura que reflete nitidamente a história
essas angústias ainda não expressas sobre           pessoal e os talentos do secretário de Re-
o futuro, caso venha a acontecer de o Rei-          lações Exteriores.
no Unido ver seu status se reduzir ainda                Para um político de tendência pronun-
mais nos fóruns multilaterais e na arena            ciadamente atlanticista, que entre 1997 e
econômica. À medida que o mundo cresce,             2001 comandou o Partido Conservador de
a Grã-Bretanha parece ocupar um lugar               oposição ao longo de uma fase fortemente


                               163   VOL 19 N o 2   SET/OUT/NOV 2010
ARTIGOS




eurocética, Hague, ao definir essa versão       empresarial, calcado em pensamento rigo-
não tradicional e voltada para o futuro, fez   rosamente empírico. A visão cedeu lugar
mais do que se poderia esperar para con-       ao pragmatismo, que se sente mais à von-
tentar seus parceiros liberal-democratas.      tade numa reunião de negócios que numa
    Ficou para trás a teoria, predominante     chancelaria. Metas, objetivos e indicado-
após o fim da Guerra Fria, dos blocos do-       res de desempenho terão seu papel em um
minantes – os Estados Unidos, a União          Ministério das Relações Exteriores que,
Europeia e o Oriente Médio. Terminaram         segundo Hague, “não foi incentivado a ser
também os últimos vestígios do prazer          ambicioso o suficiente na articulação e na
levemente sádico com que os britânicos         liderança da condução da política externa
encaravam as dificuldades econômicas            britânica”.
enfrentadas pelo bloco europeu. E tam-             Hague (que também é formado na
bém ficou para trás o sentimento de que o       INSEAD, a famosa escola internacional de
destino pós-imperial da Grã-Bretanha se-       estudos avançados de Administração),
ria o de policiar os pontos de conflito em      sem dúvida alguma, espera um desempe-
todo o mundo.                                  nho melhor. “O mundo mudou e, se não
    A atitude rotineira com relação aos fó-    mudarmos também, o papel da Grã-Breta-
runs tradicionais de negociação interna-       nha estará fadado ao declínio, com todas
cional também é coisa do passado. Daqui        as consequências previsíveis para nossa
por diante, espera-se que os embaixa-          influência nas questões mundiais, nossa
dores espalhados pelo “mundo conectado         segurança nacional e nossa economia”,
em rede” usem o Twitter e outros canais        advertiu ele.
da internet para levar seus pontos de              Em termos mais simples, a visão de
vista até à opinião pública. As embai-         uma boa diplomacia proposta por Hague
xadas foram instruídas a dar prioridade        não difere muito do espetáculo das corri-
aos negócios, e não mais a análises políti-    das automobilísticas de Fórmula 1. Os pi-
cas abstratas.                                 lotos, que são celebridades internacionais,
    O lugar das velhas ideias é ocupado        exibem seus troféus e colhem os louros de
agora por uma visão equilibrada e sur-         seus grandes prêmios, mas nada disso se-
preendentemente liberal. É certo que Ha-       ria possível se, nos bastidores, não existis-
gue iniciou sua carreira em 1977, aos 16       se a discreta competência dos engenhei-
anos de idade, falando para a convenção        ros, projetistas, marqueteiros e gerentes
do Partido Conservador de Margaret             britânicos, que formulam as regras, admi-
Thatcher. A política formulada por ele, en-    nistram os negócios e angariam os recur-
tretanto, é genuinamente bipartidária. Os      sos financeiros, embora não a glória.
simpatizantes do Partido Conservador               Uma outra comparação válida seria o
que esperavam uma visão nostálgica das         estilo britânico dos preparativos para as
glórias passadas sofreram uma amarga           Olimpíadas de Londres de 2012. Espremi-
decepção.                                      da entre a grandiosa encenação produzida
    Antes de entrar na política, Hague tra-    em Pequim pelos chineses, em 2008, e os
balhou como consultor em administração         planos brasileiros, apenas ligeiramente
na McKinsey & Company, uma empresa             mais modestos, para as Olimpíadas do
de consultoria internacional que presta        Rio, em 2016, a Grã-Bretanha vem plane-
assessoria a grandes empresas e organiza-      jando um evento “menos é mais”, onde o
ções, e a nova estrutura política proposta     estilo, a espirituosidade e o savoir-faire
por ele traz todas as marcas de um plano       britânicos terão de compensar os gastos


                                   164   POLÍTICA EXTERNA
UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE




menores com espetaculosidade cênica e                ção do prisioneiro e as atividades lobistas
arquitetônica.                                       da British Petroleum, que àquela época
    Hague talvez esteja sinalizando um su-           pleiteava direitos de escavação em territó-
til distanciamento com relação aos Esta-             rio líbio. Essa obrigação de aplainar os
dos Unidos, mas continua um atlanticista             mal-entendidos que tiveram origem no
convicto, sendo, em muitos sentidos, a               governo anterior do ex-dirigente traba-
contraparte ideal para a secretária de Esta-         lhista Gordon Brown sem dúvida pôs à
do Hillary Clinton, com quem se encon-               prova a paciência de Hague, conhecido
trou em Washington menos de 48 horas                 pela fala direta de seu Yorkshire natal.
após ter assumido seu cargo no gabinete.                 O pragmatismo mais liberal de Hague
    Tal como ela, Hague é um político do             se estende às relações com a Europa. Em-
primeiro escalão do governo. Da mesma                bora Hague, quando líder do partido, há
forma que ela, ele jamais conseguiu che-             uma década, citasse constantemente os
gar ao cargo máximo (a eleição de Blair,             efeitos da filiação à União Europeia para a
em 1997, pôs fim às esperanças de Hague,              soberania da Grã-Bretanha, o Hague de
assim como a escolha do presidente Oba-              agora promete dar um peso muito maior
ma na convenção democrata eclipsou as                que o governo trabalhista anterior à im-
chances da sra. Clinton). Ambos, então,              portância da participação britânica na
voltaram-se para a alta diplomacia. Hague            União Europeia. Embora o Reino Unido
acredita na “inquebrantável aliança com              tenha 12% da população da União Euro-
os Estados Unidos, que são e continuarão             peia, apenas 1,8% do pessoal da Comissão
sendo nosso principal relacionamento”.               Europeia é de nacionalidade britânica, e o
    No entanto, as autoridades britânicas            número de funcionários britânicos de pri-
sentiram-se profundamente ofendidas com              meiro escalão na Comissão diminuiu em
as severas críticas feitas pelo governo dos          cerca de um terço nos últimos quatro anos.
Estados Unidos à British Petroleum, logo             Afinal, a União Europeia continua sendo o
após o vazamento ocorrido na Louisiana,              maior mercado da Grã-Bretanha.
em abril de 2010. Ao contrário de acalmar
as águas turbulentas das relações diplomá-
ticas Estados Unidos–Reino Unido, o pe-              Ética versus Realpolitik
tróleo só fez piorar as coisas.
    A British Petroleum também está liga-                A chegada de Hague a Whitehall com-
da a um outro agravante que perturbou a              pleta um ciclo que teve início em 1997,
relação entre os dois países. A decisão,             na Grã-Bretanha. Naquele ano, o primeiro
datada de agosto de 2009, de libertar da             secretário de Relações Exteriores de Tony
custódia britânica o terrorista líbio Abdel          Blair, Robin Cook, lançou sua controver-
Basset ali Mohmed al-Megrahi (condena-               tida “política externa ética”, cujos objeti-
do por ter abatido um avião que voava                vos, pode-se afirmar, eram mais elevados
sobre Lockerbie, na Escócia, causando 270            que sua capacidade de realização. Sua
mortes) indignou os juristas americanos.             transferência da pasta das Relações Exte-
Embora a soltura de al-Megrahi tenha                 riores, sua renúncia com base em questões
ocorrido muito antes da posse de Came-               de princípios com relação à guerra do Ira-
ron, tendo também sido sancionada pelo               que, em 2003, e sua morte prematura, em
governo regional escocês, foi Cameron                2005, deixaram um vazio que o governo
quem teve de explicar que não existia                trabalhista jamais conseguiu preencher. É
qualquer relação entre a generosa liberta-           possível afirmar que as tensões internas


                                165   VOL 19 N o 2   SET/OUT/NOV 2010
ARTIGOS




entre a política externa ética de Cook e a    Obstáculos e ciladas
experiência da Guerra do Iraque que se
seguiu lançaram as sementes que acaba-            Todos os governos recém-empossados
ram por provocar o fim do mandato de           estabelecem uma estrutura de política ex-
Tony Blair e a posterior derrocada do Par-    terna para orientar seus diplomatas a agi-
tido Trabalhista.                             rem da forma certa quando chega a hora.
    Diferentemente dos governos traba-        Mas é o modo como os políticos lidam
lhistas dos 13 anos anteriores, o governo     com o fluxo dos acontecimentos no aqui e
conservador liberal-democrata talvez não      agora que virá a determinar seu sucesso.
esteja tão empenhado em professar suas        Estudos indicam que, logo abaixo da su-
credenciais éticas, ou mesmo de sustenta-     perfície, espreitam profundas divisões. A
bilidade. O que não significa que o gover-     Grã-Bretanha enfrenta um conjunto de
no Cameron defenda uma realpolitik desti-     desafios, antigos e novos, que severamen-
tuída de princípios.                          te porá à prova a determinação da coali-
    Hague defende uma política externa        zão governante.
que “seja inspirada em nossos valores de          As dificuldades econômicas significam
liberdade política e de liberalismo econô-    que as próprias embaixadas incumbidas
mico, e tente inspirar esses valores em       de reanimar o comércio internacional bri-
outros países, que seja resoluta em seu       tânico estarão sujeitas a grandes cortes or-
apoio a todos os que, em todo o mundo,        çamentários, com o objetivo de reduzir
tentem se livrar da pobreza e dos grilhões    pela metade o déficit orçamentário do país,
políticos, por esforço próprio “.             de 10% para 5% do PIB, implicando cortes
    O caráter nacional britânico não permi-   de 80 bilhões de libras esterlinas no atual
tiria que o país seguisse uma política ex-    nível de gastos. Embora dois dos quatro
terna sem consciência, ou repudiasse suas     ministérios (ajuda externa e defesa) este-
obrigações para com os menos afortuna-        jam protegidos desses cortes, que podem
dos, prometeu Hague – um historiador          chegar a 25%, e possuam alavancas de
reconhecido que escreveu uma competen-        política externa, os diplomatas terão de
te biografia de William Wilberforce, um        realizar mais com menos recursos.
militante britânico que lutou pela abolição       O orçamento britânico para o desen-
da escravatura.                               volvimento exterior (de cerca de 5,8 bi-
    Talvez a melhor indicação dessa alian-    lhões de libras) fornece ajuda aos países
ça entre o novo atlanticismo e o rigor in-    mais pobres. Atendendo a um dos princi-
telectual de estilo McKinsey, situada no      pais pontos da agenda preventiva da Coa-
cerne da nova coalizão que assumiu o          lizão de Cameron, cujo objetivo é dar sus-
governo britânico, tenha sido a criação de    tentação a Estados potencialmente falidos,
um Conselho de Segurança Nacional em          o ministro do Desenvolvimento Exterior,
moldes norte-americanos. Seu papel será       Andrew Mitchell, vem concentrando essa
o de centralizar as decisões estratégicas     ajuda no Paquistão, Afeganistão, Haiti e
sobre questões externas, segurança, defesa    em outros Estados frágeis, que podem vir
e desenvolvimento exterior. Paralelamen-      a servir ou já servem de abrigo a piratas,
te ao Conselho, funcionará a SDSR (Stra-      terroristas, traficantes de drogas e outros
tegic Defence and Security Review), uma       desordeiros. Ao mesmo tempo, a ajuda
comissão de acompanhamento liderada           a países mais ricos e com capacidade nu-
pelo dr. Liam Fox, ministro da Defesa do      clear, como a China e a Índia, vem sendo
Reino Unido.                                  progressivamente retirada.


                                  166   POLÍTICA EXTERNA
UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE




   Essa pregação de um “novo comercia-               Unidos, e de se retirar da guerra antes de
lismo” é essencial para as perspectivas              seu fim, uma vez que a opinião pública
comerciais britânicas. Alguns parceiros,             esmorece diante das sucessivas baixas.
entretanto, não esqueceram o tempo em                    A futura retirada do Afeganistão enfa-
que os economistas britânicos evangeliza-            tiza as tensões que atingem o cerne da
vam sobre a necessidade de privatização,             tentativa britânica de forjar uma nova e
desregulamentação e laissez-faire com rela-          mais harmoniosa imagem para o país. Um
ção ao sistema bancário. Segundo Robin               levantamento realizado pela empresa de
Niblett, diretor do prestigiado Royal Insti-         pesquisa de opinião YouGov, encomenda-
tute of International Affairs (Clatham               do pela Chatham House, mostra uma am-
House), a promoção da abertura de mer-               pla divergência entre os partidários dos
cados, hoje em dia, talvez venha a levan-            dois parceiros da coalizão. Verifica-se tam-
tar perguntas céticas devido às “falhas              bém um vasto hiato entre as opiniões dos
percebidas no modelo econômico anglo-                2.500 cidadãos comuns entrevistados e as
saxão após a crise financeira global”. Mes-           dos 900 formadores de opinião de elite. Os
mo assim, a promoção dos mercados                    próprios britânicos não conseguem se de-
abertos deve continuar como um elemen-               cidir quanto ao futuro de seu país.
to-chave da visão de futuro britânica,                   Enquanto 62% dos “cidadãos britâni-
principalmente porque o Reino Unido é o              cos comuns” são a favor de o Reino Unido
país que mais tem a ganhar com uma eco-              manter uma postura de “grande potên-
nomia global aberta.                                 cia”, empregando um contingente de for-
   O primeiro e pior desses grandes de-              ças significativo, 41% dos formadores de
safios é o Afeganistão. Cameron compro-               opinião pensam que o país tem de aceitar
meteu-se a retirar as tropas britânicas até          que não é mais uma grande potência e
2015, no mais tardar. Um acordo aliado               reduzir suas Forças Armadas. A divergên-
sobre o processo de Cabul, firmado em                 cia entre os parceiros de coalizão é ainda
julho de 2010, cujo objetivo é o de acelerar         mais nítida: enquanto 73% dos entrevista-
a capacidade afegã de autogoverno, avan-             dos que votam no Partido Conservador
çou significativamente essa agenda. Em                responderam a favor da postura de gran-
2014, as forças de segurança afegãs de-              de potência, 34% dos entrevistados libe-
verão assumir o comando da segurança                 ral-democratas acreditam que o Reino
em todo o país. Um conselho da OTAN                  Unido deva desistir de todas as aspira-
sobre o Afeganistão definirá quando cada              ções ao “poder duro”.
província estará pronta a iniciar o proces-              Uma outra sombra pairando sobre a
so de transição. O Reino Unido e outros              futuro status do Reino Unido é a leve, mas
doadores darão apoio financeiro ao Pro-               ameaçadora possibilidade de o país não
cesso de Cabul.                                      vir a ter capacidade ou disposição de
   Desse modo, seja por habilidade di-               despender uma quantia superior a 20 bi-
plomática ou por um timing propício, o               lhões de libras na reposição de seu meca-
governo Cameron, já nos primeiros meses              nismo de dissuasão nuclear com base em
de seu mandato, parece ter assegurado “o             submarinos, empregado no contexto da
começo do fim” do mais doloroso dos                   OTAN, quando este se tornar obsoleto,
compromissos britânicos. Da mesma for-               por volta de 2020. O levantamento da Yo-
ma como ocorreu no Iraque, o Reino Uni-              -Gov mostra divergências similares quan-
do ainda necessita urgentemente de uma               to à questão das armas nucleares. Entre os
“paz honrosa” avalizada pelos Estados                britânicos “comuns”, 29% são a favor da


                                167   VOL 19 N o 2   SET/OUT/NOV 2010
ARTIGOS




substituição da atual frota de submarinos     Internacional”. Não é impossível que o
Trident, ao passo que a mesma proporção       Brasil, que vem pleiteando um assento
– 29% dos formadores de opinião querem        permanente no Conselho de Segurança,
que o Reino Unido elimine por completo        venha um dia a ocupar a cadeira que an-
as armas nucleares. As divisões políticas     tes era da Grã-Bretanha.
também estão traçadas com clareza: en-            Paralelamente, os especialistas em as-
quanto 40% dos conservadores entrevista-      suntos de defesa devem se concentrar nas
dos querem novas armas nucleares, 35%         “ameaças assimétricas” provenientes de
dos liberal-democratas pesquisados res-       organizações terroristas não estatais. Até
ponderam que desejam ver as armas nu-         que a Análise da Defesa seja concluída,
cleares banidas para sempre. Assim, longe     não se terá clareza quanto a como o Reino
de estar no centro do processo decisório      Unido poderá manter uma capacidade bé-
sobre a segurança global, futuramente, a      lica tradicional, de nação contra nação e,
Grã-Bretanha pode se ver na situação de       simultaneamente, enfrentar também esses
ter que disputar espaço num mundo novo,       novos desafios. No entanto, a verdade é
onde suas antigas colônias hoje são potên-    que a maioria dos militantes islâmicos
cias nucleares, enquanto ela não o é.         responsáveis pelos incidentes de terroris-
    No contexto dos pontos de conflito do      mo interno são de nacionalidade britâni-
Oriente Médio, o Reino Unido vem con-         ca, embora de ascendência paquistanesa.
fiando firmemente nas soluções multilate-           A política britânica declarada de corte-
rais e na principal lição aprendida com a     jar os países BRIC e outras potências não
Guerra Fria: com o tempo, os sistemas         europeias em ascensão talvez venha a se
normatizadores multilaterais sempre aca-      chocar com a política interna. Enquanto os
barão por se sair vitoriosos. Quer se trate   formuladores da política externa projetam
das ambições nucleares do Irã, do reforço     um país voltado para fora, há sinais de que
do Tratado de Não Proliferação Nuclear        a Grã-Bretanha esteja atingindo os limites
ou da solução do conflito israelo-palesti-     extremos da tolerância multiculturalista.
no, o governo de coalizão resistirá às ve-    Pela primeira vez em uma geração, a secre-
lhas tentações de tentar ocupar um lugar      tária do Interior impôs limites à imigração.
de destaque em Camp David, como ocor-         E apesar de todo o discurso sobre o Reino
reu na era Blair.                             Unido precisar abrir caminho em um mun-
    Por mais importante que seja, a parti-    do onde o BRIC assume liderança cada vez
cipação na União Europeia, no Conselho        maior, a pesquisa do YouGov mostrou que
de Segurança das Nações Unidas, OTAN          os entrevistados têm atitudes negativas ou
no Fundo Monetário Internacional, no G-8,     pouco interesse por vários desses países.
no G-20 e na Commonwealth, por si só,         Embora o Brasil e o Japão sejam vistos de
não é suficiente. O poder está escoando        forma positiva, tal como as nações angló-
para as instituições “Sul-Sul”, tais como a   fonas e europeias, os entrevistados expres-
Organização de Cooperação de Xangai,          saram opiniões fortemente negativas com
ou BASIC (o BRIC mais a África do Sul), e     relação à China, Rússia e Turquia – países
também para as organizações regionais.        escolhidos para tratamento especial pelo
E, como Niblett, da Clatham House ad-         secretário do Exterior Hague. Em outras
verte: “É possível afirmar que a criação do    palavras, o governo de coalizão está apos-
G-20 (...) coloca em xeque a posição privi-   tando numa expansão do comércio inter-
legiada do Reino Unido no Conselho de         nacional, enquanto os britânicos parecem
Segurança da ONU e no Fundo Monetário         se tornar cada vez mais insulares.


                                  168   POLÍTICA EXTERNA
UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE




   Com tanta ansiedade latente sobre as               das políticas britânicas terão conquistado
questões de segurança, não é de admirar               uma audiência mais ampla.
que o Reino Unido esteja se concentrando                  No entanto, de que forma o Reino Uni-
nas arenas mais propícias do “poder bran-             do, um país médio em um mundo de
do”, em que a história, a cultura e a tradi-          gigantes emergentes, tornará a sua voz
ção podem contribuir para adoçar a pro-               ouvida em um mundo conectado em re-
moção dos interesses comerciais britânicos.           de? A Grã-Bretanha espera conquistar um
   Diferentemente do plano semioficial                 novo lugar apoiando as organizações mul-
de 1997 do então governo trabalhista, de              tilaterais normatizadoras, tanto novas
reformular a imagem do país como a Cool               quanto tradicionais, voltadas à governan-
Britannia e capital da cultura jovem, o go-           ça global, promovendo sistemas econômi-
verno de coalizão vem adotando uma ati-               cos abertos e concentrando seu próprio e
tude mais sóbria. Os diplomatas preferem              limitado “poder brando” onde ele possa
agora exibir o setor de educação superior             surtir maior efeito. Acima de tudo, um
e as universidades, que atendem anual-                enfoque empresarial na promoção dos
mente a 400 mil estudantes estrangeiros. A            grandes interesses nacionais dá o tom pa-
língua inglesa, a BBC, as principais ONGs             ra os próximos anos.
e organizações voluntárias, a tecnologia e                No final das contas, o Reino Unido está
os setores criativos, bem como os Jogos               confiando numa ideia abstrata e muito
Olímpicos de 2012 vêm sendo usados co-                cara aos acadêmicos e consultores, mas
mo elementos decorativos para as políti-              difícil de categorizar no mundo duro e
cas da Coalizão.                                      mensurável do comércio global: promover
                                                      seu “poder brando”, suas ondas cerebrais
                                                      e não seus músculos, como a contribuição
Conclusão                                             britânica às questões mundiais nos próxi-
                                                      mos anos.
    Agindo como todos os governos de-                     Essa ideia abstrata é a “liderança de
vem agir, o governo de coalizão atrelou o             pensamento”: a noção de que a Grã-Breta-
vagão de sua política externa à locomotiva            nha terá o papel de um poderoso canal de
econômica. Sem uma retomada do cresci-                ideias e um facilitador de soluções positi-
mento econômico, o Reino Unido perderia               vas para os problemas do mundo. Ideias
credibilidade num mundo em evolução                   originais irão compensar a falta de poder
acelerada. Um desempenho econômico                    de fogo financeiro e militar, e manter en-
fraco traria o risco de um vertiginoso declí-         gajada a atenção do mundo.
nio no status e na influência global do país.              O governo britânico anterior, sem dúvi-
    Assim, a prioridade do governo Came-              da, deu partida a esse processo ao defen-
ron é provar a correção de sua política de            der a cooperação global para a redução das
rejeição ideológica ao “consenso pós-                 mudanças climáticas e o alívio da dívida
-keynesiano” de Gordon Brown, forjado                 dos países mais pobres. Não é certo que o
nas Cúpulas do G-8 e do G-20 de 2008 e                governo Cameron venha a ser capaz de
2009, que pretendia aumentar o déficit                 continuar criando novas ideias a serem
público. Quando – e se – a dor de engolir             assumidas pelo mundo como um todo.
o forte remédio fiscal destinado a reduzir                 Ironicamente, o declínio das circuns-
o déficit orçamentário britânico for substi-           tâncias econômicas da Grã-Bretanha talvez
tuída por um crescimento econômico sus-               seja sua maior esperança de preservar seu
tentável, em fins de 2011, os formuladores             status internacional. A inovação e a criati-


                                169    VOL 19 N o 2   SET/OUT/NOV 2010
ARTIGOS




vidade florescem em períodos de austeri-                   ciedades emergentes buscam uma maior
dade, e foram muitos os “saltos adiante”                  participação de seus cidadãos, essas ideias
que, no Reino Unido, nasceram de crises                   são a moeda do “poder brando”.
bem piores do que a que vem atualmente                       Por fim, a renovação da imagem da
castigando a economia britânica.                          política externa britânica, em si, diz mais
    A agenda doméstica de Cameron, de                     sobre a autoimagem do país do que qual-
uma “Grande Sociedade” – onde voluntá-                    quer prova empírica do encolhimento de
rios da comunidade são incentivados a                     seu status mundial. Ao longo de todo o
agir proativamente para, pouco a pouco,                   ano de 2010, os formuladores dessa políti-
recuperar o controle sobre áreas de polí-                 ca externa viram-se desconcertados pela
tica social antes dominadas pelo Estado –                 novidade do governo de coalizão, pela
talvez venha a se mostrar altamente ex-                   nova era de austeridade econômica, pelo
portável para um mundo cansado das                        esfriamento da “relação especial” com os
privatizações que visam apenas ao lucro,                  Estados Unidos e pela conclusão nada
mas ávidos por uma maior participação                     bem-vinda de que, no Afeganistão, as
popular como mecanismo de coesão                          chances de sucesso militar eram tão baixas
social. Cameron talvez esteja clonando o                  quanto no Iraque. A atmosfera estava
“governo do povo, pelo povo e para o                      carregada de nervosismo, mas o Reino
povo” de Abraham Lincoln como uma                         Unido, na verdade, não estava encolhen-
alternativa de baixo custo para fazer com                 do, mas apenas pensando.
que cidadãos voluntários cubram os rom-                      E a história mostra que o buldogue bri-
bos e as carências causados pelos cortes                  tânico nunca é tão adaptável e inovador
orçamentários nos serviços públicos. No                   como quando ele se vê contra a parede.
entanto, numa época em que todas as so-
                                                                                 Tradução Patricia Zimbres



Bibliografia
William Hague (secretário das Relações Exteriores do      Dr. Robin Niblett. Playing to its Strengths: Rethinking
Reino Unido): “Britain’s Foreign Policy in a Networked    the Uk’s Role in a Changing World.
World” (1º jul. 2010).                                    Alex Evans e David Steven. Organising for Influence: Uk
William Hague “Britain’s Prosperity in a Networked        Foreign Policy in an Age of Uncertainty.
World“ (15 jul. 2010).                                    Pesquisa de opinião da YouGov. British Attitudes To-
Dr. Liam Fox (secretário de Estado para a Defesa do       wards the Uk’s International Priorities.
Reino Unido): “Deterrence in the 21st Century” (13 jul.
                                                          Jim Rollo e Vanessa Rossi: Aiming for new Vigour: the
2010).
                                                          UK in the Global economy.
Royal Institute of International Affairs (Chatham
                                                          Economist: “Bagehot”, 10 jul. 2010.
House): UK Foreign Policy Conference July 13-14th,
2010. Documentos.




                                            170     POLÍTICA EXTERNA

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Richard house - Política Externa

  • 1. A renovação da imagem da Grã-Bretanha: uma nova política externa britânica para um mundo conectado em rede Richard House For the first time since World War II, Great Britain is under a coalition government, this time composed by the Con- servative and Liberal Democrat parties. Among its challenges, it has to determine a new foreign policy for the country, after a full decade during which, the role of former prime-minister Tony Blair in the world has been decisive. What is coming out is what has been called as “a distinctly British foreign policy”, more realist and perhaps humbler than the one conducted by Blair. The new government promises a “virtuous circle between foreign policy and prosperity”, in a world where resources are limited and interdependence is determinant. O governo de coalizão britânico foi rá- Esses questionamentos periódicos podem pido em deixar para trás uma década du- ser tarefas dolorosamente introspectivas, rante a qual a reputação da Grã-Bretanha carregadas de dúvidas quanto ao declínio foi parcialmente determinada pelo papel da influência britânica ou se o país ainda desempenhado pelo ex-primeiro ministro seria capaz de manter sua posição de lide- Tony Blair no cenário mundial. rança, apesar de um orçamento militar Para apagar essas lembranças do passa- que ainda está entre os maiores do mun- do, o governo conservador-liberal demo- do. Apesar de toda essa angústia, a maio- crata, sob a liderança de David Cameron, ria das previsões mostra que o Reino Uni- vem formulando uma “política externa do permanecerá entre as dez maiores distintamente britânica”, dotada de priori- potências econômicas e militares nas pró- dades bem diferentes, e que reconhece ximas duas décadas. uma Grã-Bretanha mais realista e talvez Mesmo assim, o debate britânico sobre mais humilde, que precisa ganhar a vida “poder duro versus poder brando” vem em um mundo marcado por novas alian- ocorrendo em meio a um cenário de difi- ças e novas potências. culdades econômicas, que fazem as esco- O canto-coral, em lugar de árias sola- lhas do governo Cameron parecerem mais das e excessivamente ambiciosas, definirá, limitadas do que nunca. Privado dos re- daqui por diante, a contribuição do Reino Unido. A cada década, aproximadamente, Richard House é jornalista, diretor da Celebrand e da o equilíbrio político se altera e um novo Nextar Communications; foi correspondente do jornal governo britânico se propõe a definir um Washington Post no Brasil e trabalhou para a BBC, The novo papel internacional para si próprio. Economist e Financial Times, entre outros veículos. 161 VOL 19 N o 2 SET/OUT/NOV 2010
  • 2. ARTIGOS cursos necessários para preservar o tradi- terna, a posição e a reputação da Grã- cional papel de grande potência que sem- -Bretanha, sem dúvida alguma, foram pre caracterizou o Reino Unido, o novo prejudicadas por seu apoio incondicional governo promete “um círculo virtuoso en- e por vezes servil às decisões do ex-presi- tre a política externa e a prosperidade”, dente Bush em 2003, que acabaram levan- calcado numa postura de política externa do à Guerra do Iraque e a todos os aconte- comercialista. A política externa de Came- cimentos que se seguiram. Os serviços de ron vem envolta numa bandeira chamada inteligência do país ainda lutam para se “comércio”. livrar de persistentes acusações de má A Grã-Bretanha, então, deve fazer o conduta em situação de guerra, ao mesmo possível para projetar esse “poder bran- tempo em que a Grã-Bretanha tem de re- do” usando o comércio, suas credenciais e conquistar a plena confiança das potên- valores democráticos e o inegável peso cias emergentes que se mantiveram a uma cultural da “marca” Grã-Bretanha. Acima distância crítica da guerra de Bush. de tudo, o Reino Unido vem invertendo Além disso, o fato de a Grã-Bretanha a ideia que vigorou durante os 13 anos de ter feito uma ardorosa propaganda do governos trabalhistas: a de que a diplo- laissez-faire dos serviços financeiros anglo- macia deve se preocupar, antes de mais -saxões em nada contribuiu para melhorar nada, em adotar uma política externa essa imagem após a crise bancária global ética de “fazer o que é certo” e, apenas de 2008. Embora o Reino Unido há déca- secundariamente, com o “interesse nacio- das venha alardeando as virtudes da glo- nal esclarecido”. balização, do livre mercado e da desre- Esse interesse nacional significa recali- gulamentação, o controle desse processo brar cuidadosamente a “relação especial” passou para as mãos de potências emer- com os Estados Unidos. Escrevendo num gentes, que não têm mais nada a aprender jornal americano, o Wall Street Journal, com Londres e estão firmemente empe- antes de sua primeira visita oficial como nhadas na construção de um setor estatal primeiro-ministro a Washington, ocorrida forte. Em 2009, o presidente Lula, do Bra- em julho de 2010, Cameron afirmou: “Sou sil, em visita a Londres, criticou polida- pragmático e realista quanto às relações mente seus anfitriões ao contrastar o efeito Estados Unidos–Reino Unido. Entendo recessivo do socorro financeiro prestado que somos o sócio minoritário”. Descre- pelo Estado ao setor bancário britânico vendo a si próprio como “abertamente com o grande surto de crescimento econô- pró-americano”, Cameron descreve os mico desencadeado pelos novos consumi- pontos comuns entre sua agenda e a do dores brasileiros beneficiados pelo progra- presidente dos Estados Unidos, Barack ma Bolsa Família. Obama: Afeganistão, crescimento econô- Em vez de continuar se aferrando a mico, estabilidades interna e externa e lu- uma potência mundial que já deixou para ta contra o protecionismo. Cameron men- trás seu apogeu, a Grã-Bretanha vem aos cionou também “diferenças de ênfase” poucos se afastando de uma política que, nas questões comerciais. desde os dias de Winston Churchill, seu Para dissipar o legado de Blair, foi ne- líder nos tempos da guerra, vinha se em- cessária uma faxina geral numa estrutura basando numa situação de dependência política que ainda exalava um cheiro leve, em relação aos Estados Unidos. Após dois mas desagradável. Apesar das altissonan- anos com os olhos fixos em Washington, tes declarações de ética na política ex- na esperança, em grande parte frustrada, 162 POLÍTICA EXTERNA
  • 3. UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE de que a “relação especial” ainda tenha cada vez menor. O G-20, inexoravelmente, algum significado para o presidente Ba- toma o lugar do G-8, a OTAN se amplia, O rack Obama, os diplomatas britânicos FMI e o Banco Mundial alteram sua estru- vêm aprendendo a procurar novos amigos tura de votação, os novos membros do no Sul e no Leste. Conselho de Segurança das Nações Uni- Portanto, embora a Aliança Atlântica das reivindicam status permanente, e é continue sendo sua relação mais forte, perfeitamente possível que chegue o dia existe hoje no Reino Unido uma tendência em que a Grã-Bretanha não tenha mais um a se voltar para um “mundo conectado assento cativo naquela cobiçada mesa. em rede”, que é multipolar por natureza. Da mesma forma, vem mudando também a relação por vezes esquizofrênica do Rei- O homem da McKinsey no Unido com seus vizinhos europeus. Na pista de dança de Bruxelas, a Grã- É possível dizer que o governo de coa- -Bretanha de hoje trocou suas constantes lizão do Reino Unido tem dois líderes, tentativas de se intrometer na valsa fran- dois partidos e um pot-pourri de políticas co-germânica por planos de passar mais nem sempre compatíveis. Mas quando se tempo com as nações europeias mais no- trata de diplomacia, a nova imagem britâ- vas, principalmente as que antes faziam nica é obra de um só homem. parte do bloco soviético e a Turquia, país Dois meses após assumir o cargo, em em rápida ascensão. maio de 2010, o secretário das Relações A realidade é que as potências emer- Exteriores William Hague frustrou todas gentes que fazem parte do BRICs – princi- as expectativas de que um governo de palmente o Brasil – logo irão sobrepujar o coalizão (no Reino Unido, o primeiro em poderio econômico britânico. Cada vez cinquenta anos, e formado por partidos mais, a Grã-Bretanha precisa desses par- que, antes da eleição, tinham posições im- ceiros globais para conseguir se reinventar placavelmente antagônicas em questões como uma nação comercial, após sua eco- de política externa) voltaria atrás e acaba- nomia ter sofrido um forte golpe causado ria por adotar soluções de compromisso por sua excessiva dependência no setor de assim que assumisse o poder. serviços financeiros. Assim, as embaixa- Muito pelo contrário, Hague, o prin- das britânicas passarão a promover o co- cipal estadista conservador do governo mércio britânico, tanto quanto os valores Cameron, apresentou, numa sequência de britânicos. Sem dúvida que há muito tra- quatro discursos, o projeto de uma visão balho pela frente. A Grã-Bretanha ainda radicalmente nova da diplomacia bri- exporta mais para a Irlanda, sua vizinha, tânica, rasgando em pedaços o manual que para a Índia, a China e a Rússia toma- que, tradicionalmente, sempre ditou as das em conjunto. regras de política externa. Para substituir A nova diplomacia britânica foi plane- as antigas regras foi proposta uma estru- jada, particularmente, para fazer face a tura que reflete nitidamente a história essas angústias ainda não expressas sobre pessoal e os talentos do secretário de Re- o futuro, caso venha a acontecer de o Rei- lações Exteriores. no Unido ver seu status se reduzir ainda Para um político de tendência pronun- mais nos fóruns multilaterais e na arena ciadamente atlanticista, que entre 1997 e econômica. À medida que o mundo cresce, 2001 comandou o Partido Conservador de a Grã-Bretanha parece ocupar um lugar oposição ao longo de uma fase fortemente 163 VOL 19 N o 2 SET/OUT/NOV 2010
  • 4. ARTIGOS eurocética, Hague, ao definir essa versão empresarial, calcado em pensamento rigo- não tradicional e voltada para o futuro, fez rosamente empírico. A visão cedeu lugar mais do que se poderia esperar para con- ao pragmatismo, que se sente mais à von- tentar seus parceiros liberal-democratas. tade numa reunião de negócios que numa Ficou para trás a teoria, predominante chancelaria. Metas, objetivos e indicado- após o fim da Guerra Fria, dos blocos do- res de desempenho terão seu papel em um minantes – os Estados Unidos, a União Ministério das Relações Exteriores que, Europeia e o Oriente Médio. Terminaram segundo Hague, “não foi incentivado a ser também os últimos vestígios do prazer ambicioso o suficiente na articulação e na levemente sádico com que os britânicos liderança da condução da política externa encaravam as dificuldades econômicas britânica”. enfrentadas pelo bloco europeu. E tam- Hague (que também é formado na bém ficou para trás o sentimento de que o INSEAD, a famosa escola internacional de destino pós-imperial da Grã-Bretanha se- estudos avançados de Administração), ria o de policiar os pontos de conflito em sem dúvida alguma, espera um desempe- todo o mundo. nho melhor. “O mundo mudou e, se não A atitude rotineira com relação aos fó- mudarmos também, o papel da Grã-Breta- runs tradicionais de negociação interna- nha estará fadado ao declínio, com todas cional também é coisa do passado. Daqui as consequências previsíveis para nossa por diante, espera-se que os embaixa- influência nas questões mundiais, nossa dores espalhados pelo “mundo conectado segurança nacional e nossa economia”, em rede” usem o Twitter e outros canais advertiu ele. da internet para levar seus pontos de Em termos mais simples, a visão de vista até à opinião pública. As embai- uma boa diplomacia proposta por Hague xadas foram instruídas a dar prioridade não difere muito do espetáculo das corri- aos negócios, e não mais a análises políti- das automobilísticas de Fórmula 1. Os pi- cas abstratas. lotos, que são celebridades internacionais, O lugar das velhas ideias é ocupado exibem seus troféus e colhem os louros de agora por uma visão equilibrada e sur- seus grandes prêmios, mas nada disso se- preendentemente liberal. É certo que Ha- ria possível se, nos bastidores, não existis- gue iniciou sua carreira em 1977, aos 16 se a discreta competência dos engenhei- anos de idade, falando para a convenção ros, projetistas, marqueteiros e gerentes do Partido Conservador de Margaret britânicos, que formulam as regras, admi- Thatcher. A política formulada por ele, en- nistram os negócios e angariam os recur- tretanto, é genuinamente bipartidária. Os sos financeiros, embora não a glória. simpatizantes do Partido Conservador Uma outra comparação válida seria o que esperavam uma visão nostálgica das estilo britânico dos preparativos para as glórias passadas sofreram uma amarga Olimpíadas de Londres de 2012. Espremi- decepção. da entre a grandiosa encenação produzida Antes de entrar na política, Hague tra- em Pequim pelos chineses, em 2008, e os balhou como consultor em administração planos brasileiros, apenas ligeiramente na McKinsey & Company, uma empresa mais modestos, para as Olimpíadas do de consultoria internacional que presta Rio, em 2016, a Grã-Bretanha vem plane- assessoria a grandes empresas e organiza- jando um evento “menos é mais”, onde o ções, e a nova estrutura política proposta estilo, a espirituosidade e o savoir-faire por ele traz todas as marcas de um plano britânicos terão de compensar os gastos 164 POLÍTICA EXTERNA
  • 5. UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE menores com espetaculosidade cênica e ção do prisioneiro e as atividades lobistas arquitetônica. da British Petroleum, que àquela época Hague talvez esteja sinalizando um su- pleiteava direitos de escavação em territó- til distanciamento com relação aos Esta- rio líbio. Essa obrigação de aplainar os dos Unidos, mas continua um atlanticista mal-entendidos que tiveram origem no convicto, sendo, em muitos sentidos, a governo anterior do ex-dirigente traba- contraparte ideal para a secretária de Esta- lhista Gordon Brown sem dúvida pôs à do Hillary Clinton, com quem se encon- prova a paciência de Hague, conhecido trou em Washington menos de 48 horas pela fala direta de seu Yorkshire natal. após ter assumido seu cargo no gabinete. O pragmatismo mais liberal de Hague Tal como ela, Hague é um político do se estende às relações com a Europa. Em- primeiro escalão do governo. Da mesma bora Hague, quando líder do partido, há forma que ela, ele jamais conseguiu che- uma década, citasse constantemente os gar ao cargo máximo (a eleição de Blair, efeitos da filiação à União Europeia para a em 1997, pôs fim às esperanças de Hague, soberania da Grã-Bretanha, o Hague de assim como a escolha do presidente Oba- agora promete dar um peso muito maior ma na convenção democrata eclipsou as que o governo trabalhista anterior à im- chances da sra. Clinton). Ambos, então, portância da participação britânica na voltaram-se para a alta diplomacia. Hague União Europeia. Embora o Reino Unido acredita na “inquebrantável aliança com tenha 12% da população da União Euro- os Estados Unidos, que são e continuarão peia, apenas 1,8% do pessoal da Comissão sendo nosso principal relacionamento”. Europeia é de nacionalidade britânica, e o No entanto, as autoridades britânicas número de funcionários britânicos de pri- sentiram-se profundamente ofendidas com meiro escalão na Comissão diminuiu em as severas críticas feitas pelo governo dos cerca de um terço nos últimos quatro anos. Estados Unidos à British Petroleum, logo Afinal, a União Europeia continua sendo o após o vazamento ocorrido na Louisiana, maior mercado da Grã-Bretanha. em abril de 2010. Ao contrário de acalmar as águas turbulentas das relações diplomá- ticas Estados Unidos–Reino Unido, o pe- Ética versus Realpolitik tróleo só fez piorar as coisas. A British Petroleum também está liga- A chegada de Hague a Whitehall com- da a um outro agravante que perturbou a pleta um ciclo que teve início em 1997, relação entre os dois países. A decisão, na Grã-Bretanha. Naquele ano, o primeiro datada de agosto de 2009, de libertar da secretário de Relações Exteriores de Tony custódia britânica o terrorista líbio Abdel Blair, Robin Cook, lançou sua controver- Basset ali Mohmed al-Megrahi (condena- tida “política externa ética”, cujos objeti- do por ter abatido um avião que voava vos, pode-se afirmar, eram mais elevados sobre Lockerbie, na Escócia, causando 270 que sua capacidade de realização. Sua mortes) indignou os juristas americanos. transferência da pasta das Relações Exte- Embora a soltura de al-Megrahi tenha riores, sua renúncia com base em questões ocorrido muito antes da posse de Came- de princípios com relação à guerra do Ira- ron, tendo também sido sancionada pelo que, em 2003, e sua morte prematura, em governo regional escocês, foi Cameron 2005, deixaram um vazio que o governo quem teve de explicar que não existia trabalhista jamais conseguiu preencher. É qualquer relação entre a generosa liberta- possível afirmar que as tensões internas 165 VOL 19 N o 2 SET/OUT/NOV 2010
  • 6. ARTIGOS entre a política externa ética de Cook e a Obstáculos e ciladas experiência da Guerra do Iraque que se seguiu lançaram as sementes que acaba- Todos os governos recém-empossados ram por provocar o fim do mandato de estabelecem uma estrutura de política ex- Tony Blair e a posterior derrocada do Par- terna para orientar seus diplomatas a agi- tido Trabalhista. rem da forma certa quando chega a hora. Diferentemente dos governos traba- Mas é o modo como os políticos lidam lhistas dos 13 anos anteriores, o governo com o fluxo dos acontecimentos no aqui e conservador liberal-democrata talvez não agora que virá a determinar seu sucesso. esteja tão empenhado em professar suas Estudos indicam que, logo abaixo da su- credenciais éticas, ou mesmo de sustenta- perfície, espreitam profundas divisões. A bilidade. O que não significa que o gover- Grã-Bretanha enfrenta um conjunto de no Cameron defenda uma realpolitik desti- desafios, antigos e novos, que severamen- tuída de princípios. te porá à prova a determinação da coali- Hague defende uma política externa zão governante. que “seja inspirada em nossos valores de As dificuldades econômicas significam liberdade política e de liberalismo econô- que as próprias embaixadas incumbidas mico, e tente inspirar esses valores em de reanimar o comércio internacional bri- outros países, que seja resoluta em seu tânico estarão sujeitas a grandes cortes or- apoio a todos os que, em todo o mundo, çamentários, com o objetivo de reduzir tentem se livrar da pobreza e dos grilhões pela metade o déficit orçamentário do país, políticos, por esforço próprio “. de 10% para 5% do PIB, implicando cortes O caráter nacional britânico não permi- de 80 bilhões de libras esterlinas no atual tiria que o país seguisse uma política ex- nível de gastos. Embora dois dos quatro terna sem consciência, ou repudiasse suas ministérios (ajuda externa e defesa) este- obrigações para com os menos afortuna- jam protegidos desses cortes, que podem dos, prometeu Hague – um historiador chegar a 25%, e possuam alavancas de reconhecido que escreveu uma competen- política externa, os diplomatas terão de te biografia de William Wilberforce, um realizar mais com menos recursos. militante britânico que lutou pela abolição O orçamento britânico para o desen- da escravatura. volvimento exterior (de cerca de 5,8 bi- Talvez a melhor indicação dessa alian- lhões de libras) fornece ajuda aos países ça entre o novo atlanticismo e o rigor in- mais pobres. Atendendo a um dos princi- telectual de estilo McKinsey, situada no pais pontos da agenda preventiva da Coa- cerne da nova coalizão que assumiu o lizão de Cameron, cujo objetivo é dar sus- governo britânico, tenha sido a criação de tentação a Estados potencialmente falidos, um Conselho de Segurança Nacional em o ministro do Desenvolvimento Exterior, moldes norte-americanos. Seu papel será Andrew Mitchell, vem concentrando essa o de centralizar as decisões estratégicas ajuda no Paquistão, Afeganistão, Haiti e sobre questões externas, segurança, defesa em outros Estados frágeis, que podem vir e desenvolvimento exterior. Paralelamen- a servir ou já servem de abrigo a piratas, te ao Conselho, funcionará a SDSR (Stra- terroristas, traficantes de drogas e outros tegic Defence and Security Review), uma desordeiros. Ao mesmo tempo, a ajuda comissão de acompanhamento liderada a países mais ricos e com capacidade nu- pelo dr. Liam Fox, ministro da Defesa do clear, como a China e a Índia, vem sendo Reino Unido. progressivamente retirada. 166 POLÍTICA EXTERNA
  • 7. UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE Essa pregação de um “novo comercia- Unidos, e de se retirar da guerra antes de lismo” é essencial para as perspectivas seu fim, uma vez que a opinião pública comerciais britânicas. Alguns parceiros, esmorece diante das sucessivas baixas. entretanto, não esqueceram o tempo em A futura retirada do Afeganistão enfa- que os economistas britânicos evangeliza- tiza as tensões que atingem o cerne da vam sobre a necessidade de privatização, tentativa britânica de forjar uma nova e desregulamentação e laissez-faire com rela- mais harmoniosa imagem para o país. Um ção ao sistema bancário. Segundo Robin levantamento realizado pela empresa de Niblett, diretor do prestigiado Royal Insti- pesquisa de opinião YouGov, encomenda- tute of International Affairs (Clatham do pela Chatham House, mostra uma am- House), a promoção da abertura de mer- pla divergência entre os partidários dos cados, hoje em dia, talvez venha a levan- dois parceiros da coalizão. Verifica-se tam- tar perguntas céticas devido às “falhas bém um vasto hiato entre as opiniões dos percebidas no modelo econômico anglo- 2.500 cidadãos comuns entrevistados e as saxão após a crise financeira global”. Mes- dos 900 formadores de opinião de elite. Os mo assim, a promoção dos mercados próprios britânicos não conseguem se de- abertos deve continuar como um elemen- cidir quanto ao futuro de seu país. to-chave da visão de futuro britânica, Enquanto 62% dos “cidadãos britâni- principalmente porque o Reino Unido é o cos comuns” são a favor de o Reino Unido país que mais tem a ganhar com uma eco- manter uma postura de “grande potên- nomia global aberta. cia”, empregando um contingente de for- O primeiro e pior desses grandes de- ças significativo, 41% dos formadores de safios é o Afeganistão. Cameron compro- opinião pensam que o país tem de aceitar meteu-se a retirar as tropas britânicas até que não é mais uma grande potência e 2015, no mais tardar. Um acordo aliado reduzir suas Forças Armadas. A divergên- sobre o processo de Cabul, firmado em cia entre os parceiros de coalizão é ainda julho de 2010, cujo objetivo é o de acelerar mais nítida: enquanto 73% dos entrevista- a capacidade afegã de autogoverno, avan- dos que votam no Partido Conservador çou significativamente essa agenda. Em responderam a favor da postura de gran- 2014, as forças de segurança afegãs de- de potência, 34% dos entrevistados libe- verão assumir o comando da segurança ral-democratas acreditam que o Reino em todo o país. Um conselho da OTAN Unido deva desistir de todas as aspira- sobre o Afeganistão definirá quando cada ções ao “poder duro”. província estará pronta a iniciar o proces- Uma outra sombra pairando sobre a so de transição. O Reino Unido e outros futuro status do Reino Unido é a leve, mas doadores darão apoio financeiro ao Pro- ameaçadora possibilidade de o país não cesso de Cabul. vir a ter capacidade ou disposição de Desse modo, seja por habilidade di- despender uma quantia superior a 20 bi- plomática ou por um timing propício, o lhões de libras na reposição de seu meca- governo Cameron, já nos primeiros meses nismo de dissuasão nuclear com base em de seu mandato, parece ter assegurado “o submarinos, empregado no contexto da começo do fim” do mais doloroso dos OTAN, quando este se tornar obsoleto, compromissos britânicos. Da mesma for- por volta de 2020. O levantamento da Yo- ma como ocorreu no Iraque, o Reino Uni- -Gov mostra divergências similares quan- do ainda necessita urgentemente de uma to à questão das armas nucleares. Entre os “paz honrosa” avalizada pelos Estados britânicos “comuns”, 29% são a favor da 167 VOL 19 N o 2 SET/OUT/NOV 2010
  • 8. ARTIGOS substituição da atual frota de submarinos Internacional”. Não é impossível que o Trident, ao passo que a mesma proporção Brasil, que vem pleiteando um assento – 29% dos formadores de opinião querem permanente no Conselho de Segurança, que o Reino Unido elimine por completo venha um dia a ocupar a cadeira que an- as armas nucleares. As divisões políticas tes era da Grã-Bretanha. também estão traçadas com clareza: en- Paralelamente, os especialistas em as- quanto 40% dos conservadores entrevista- suntos de defesa devem se concentrar nas dos querem novas armas nucleares, 35% “ameaças assimétricas” provenientes de dos liberal-democratas pesquisados res- organizações terroristas não estatais. Até ponderam que desejam ver as armas nu- que a Análise da Defesa seja concluída, cleares banidas para sempre. Assim, longe não se terá clareza quanto a como o Reino de estar no centro do processo decisório Unido poderá manter uma capacidade bé- sobre a segurança global, futuramente, a lica tradicional, de nação contra nação e, Grã-Bretanha pode se ver na situação de simultaneamente, enfrentar também esses ter que disputar espaço num mundo novo, novos desafios. No entanto, a verdade é onde suas antigas colônias hoje são potên- que a maioria dos militantes islâmicos cias nucleares, enquanto ela não o é. responsáveis pelos incidentes de terroris- No contexto dos pontos de conflito do mo interno são de nacionalidade britâni- Oriente Médio, o Reino Unido vem con- ca, embora de ascendência paquistanesa. fiando firmemente nas soluções multilate- A política britânica declarada de corte- rais e na principal lição aprendida com a jar os países BRIC e outras potências não Guerra Fria: com o tempo, os sistemas europeias em ascensão talvez venha a se normatizadores multilaterais sempre aca- chocar com a política interna. Enquanto os barão por se sair vitoriosos. Quer se trate formuladores da política externa projetam das ambições nucleares do Irã, do reforço um país voltado para fora, há sinais de que do Tratado de Não Proliferação Nuclear a Grã-Bretanha esteja atingindo os limites ou da solução do conflito israelo-palesti- extremos da tolerância multiculturalista. no, o governo de coalizão resistirá às ve- Pela primeira vez em uma geração, a secre- lhas tentações de tentar ocupar um lugar tária do Interior impôs limites à imigração. de destaque em Camp David, como ocor- E apesar de todo o discurso sobre o Reino reu na era Blair. Unido precisar abrir caminho em um mun- Por mais importante que seja, a parti- do onde o BRIC assume liderança cada vez cipação na União Europeia, no Conselho maior, a pesquisa do YouGov mostrou que de Segurança das Nações Unidas, OTAN os entrevistados têm atitudes negativas ou no Fundo Monetário Internacional, no G-8, pouco interesse por vários desses países. no G-20 e na Commonwealth, por si só, Embora o Brasil e o Japão sejam vistos de não é suficiente. O poder está escoando forma positiva, tal como as nações angló- para as instituições “Sul-Sul”, tais como a fonas e europeias, os entrevistados expres- Organização de Cooperação de Xangai, saram opiniões fortemente negativas com ou BASIC (o BRIC mais a África do Sul), e relação à China, Rússia e Turquia – países também para as organizações regionais. escolhidos para tratamento especial pelo E, como Niblett, da Clatham House ad- secretário do Exterior Hague. Em outras verte: “É possível afirmar que a criação do palavras, o governo de coalizão está apos- G-20 (...) coloca em xeque a posição privi- tando numa expansão do comércio inter- legiada do Reino Unido no Conselho de nacional, enquanto os britânicos parecem Segurança da ONU e no Fundo Monetário se tornar cada vez mais insulares. 168 POLÍTICA EXTERNA
  • 9. UMA NOVA POLÍTICA EXTERNA BRITÂNICA PARA UM MUNDO CONECTADO EM REDE Com tanta ansiedade latente sobre as das políticas britânicas terão conquistado questões de segurança, não é de admirar uma audiência mais ampla. que o Reino Unido esteja se concentrando No entanto, de que forma o Reino Uni- nas arenas mais propícias do “poder bran- do, um país médio em um mundo de do”, em que a história, a cultura e a tradi- gigantes emergentes, tornará a sua voz ção podem contribuir para adoçar a pro- ouvida em um mundo conectado em re- moção dos interesses comerciais britânicos. de? A Grã-Bretanha espera conquistar um Diferentemente do plano semioficial novo lugar apoiando as organizações mul- de 1997 do então governo trabalhista, de tilaterais normatizadoras, tanto novas reformular a imagem do país como a Cool quanto tradicionais, voltadas à governan- Britannia e capital da cultura jovem, o go- ça global, promovendo sistemas econômi- verno de coalizão vem adotando uma ati- cos abertos e concentrando seu próprio e tude mais sóbria. Os diplomatas preferem limitado “poder brando” onde ele possa agora exibir o setor de educação superior surtir maior efeito. Acima de tudo, um e as universidades, que atendem anual- enfoque empresarial na promoção dos mente a 400 mil estudantes estrangeiros. A grandes interesses nacionais dá o tom pa- língua inglesa, a BBC, as principais ONGs ra os próximos anos. e organizações voluntárias, a tecnologia e No final das contas, o Reino Unido está os setores criativos, bem como os Jogos confiando numa ideia abstrata e muito Olímpicos de 2012 vêm sendo usados co- cara aos acadêmicos e consultores, mas mo elementos decorativos para as políti- difícil de categorizar no mundo duro e cas da Coalizão. mensurável do comércio global: promover seu “poder brando”, suas ondas cerebrais e não seus músculos, como a contribuição Conclusão britânica às questões mundiais nos próxi- mos anos. Agindo como todos os governos de- Essa ideia abstrata é a “liderança de vem agir, o governo de coalizão atrelou o pensamento”: a noção de que a Grã-Breta- vagão de sua política externa à locomotiva nha terá o papel de um poderoso canal de econômica. Sem uma retomada do cresci- ideias e um facilitador de soluções positi- mento econômico, o Reino Unido perderia vas para os problemas do mundo. Ideias credibilidade num mundo em evolução originais irão compensar a falta de poder acelerada. Um desempenho econômico de fogo financeiro e militar, e manter en- fraco traria o risco de um vertiginoso declí- gajada a atenção do mundo. nio no status e na influência global do país. O governo britânico anterior, sem dúvi- Assim, a prioridade do governo Came- da, deu partida a esse processo ao defen- ron é provar a correção de sua política de der a cooperação global para a redução das rejeição ideológica ao “consenso pós- mudanças climáticas e o alívio da dívida -keynesiano” de Gordon Brown, forjado dos países mais pobres. Não é certo que o nas Cúpulas do G-8 e do G-20 de 2008 e governo Cameron venha a ser capaz de 2009, que pretendia aumentar o déficit continuar criando novas ideias a serem público. Quando – e se – a dor de engolir assumidas pelo mundo como um todo. o forte remédio fiscal destinado a reduzir Ironicamente, o declínio das circuns- o déficit orçamentário britânico for substi- tâncias econômicas da Grã-Bretanha talvez tuída por um crescimento econômico sus- seja sua maior esperança de preservar seu tentável, em fins de 2011, os formuladores status internacional. A inovação e a criati- 169 VOL 19 N o 2 SET/OUT/NOV 2010
  • 10. ARTIGOS vidade florescem em períodos de austeri- ciedades emergentes buscam uma maior dade, e foram muitos os “saltos adiante” participação de seus cidadãos, essas ideias que, no Reino Unido, nasceram de crises são a moeda do “poder brando”. bem piores do que a que vem atualmente Por fim, a renovação da imagem da castigando a economia britânica. política externa britânica, em si, diz mais A agenda doméstica de Cameron, de sobre a autoimagem do país do que qual- uma “Grande Sociedade” – onde voluntá- quer prova empírica do encolhimento de rios da comunidade são incentivados a seu status mundial. Ao longo de todo o agir proativamente para, pouco a pouco, ano de 2010, os formuladores dessa políti- recuperar o controle sobre áreas de polí- ca externa viram-se desconcertados pela tica social antes dominadas pelo Estado – novidade do governo de coalizão, pela talvez venha a se mostrar altamente ex- nova era de austeridade econômica, pelo portável para um mundo cansado das esfriamento da “relação especial” com os privatizações que visam apenas ao lucro, Estados Unidos e pela conclusão nada mas ávidos por uma maior participação bem-vinda de que, no Afeganistão, as popular como mecanismo de coesão chances de sucesso militar eram tão baixas social. Cameron talvez esteja clonando o quanto no Iraque. A atmosfera estava “governo do povo, pelo povo e para o carregada de nervosismo, mas o Reino povo” de Abraham Lincoln como uma Unido, na verdade, não estava encolhen- alternativa de baixo custo para fazer com do, mas apenas pensando. que cidadãos voluntários cubram os rom- E a história mostra que o buldogue bri- bos e as carências causados pelos cortes tânico nunca é tão adaptável e inovador orçamentários nos serviços públicos. No como quando ele se vê contra a parede. entanto, numa época em que todas as so- Tradução Patricia Zimbres Bibliografia William Hague (secretário das Relações Exteriores do Dr. Robin Niblett. Playing to its Strengths: Rethinking Reino Unido): “Britain’s Foreign Policy in a Networked the Uk’s Role in a Changing World. World” (1º jul. 2010). Alex Evans e David Steven. Organising for Influence: Uk William Hague “Britain’s Prosperity in a Networked Foreign Policy in an Age of Uncertainty. World“ (15 jul. 2010). Pesquisa de opinião da YouGov. British Attitudes To- Dr. Liam Fox (secretário de Estado para a Defesa do wards the Uk’s International Priorities. Reino Unido): “Deterrence in the 21st Century” (13 jul. Jim Rollo e Vanessa Rossi: Aiming for new Vigour: the 2010). UK in the Global economy. Royal Institute of International Affairs (Chatham Economist: “Bagehot”, 10 jul. 2010. House): UK Foreign Policy Conference July 13-14th, 2010. Documentos. 170 POLÍTICA EXTERNA