1. MERCADO DE CARBONO E INSTITUIÇÕES:
OPORTUNIDADES NA BUSCA POR UM NOVO
MODELO DE DESENVOLVIMENTO
Christian Luiz da Silva, Weimar Rocha Freire Jr
e Luci Inês Basseto
RESUMO
A busca de alternativas para o sistema econômico fren- análise de conteúdo nos documentos da Comissão de Valores
te as várias crises (energética, cultual, de financiamento e Mobiliarios e da Bolsa Mercantil de Valores. A base teóri-
tecnológica) resultou na configuração de um novo mercado ca sustentou-se no conceito de instituições e da nova econo-
entre os países signatários do Protocolo de Kyoto: o merca- mia institucional. Como resultado apontou-se que a despeito
do de carbono. O objetivo deste artigo foi avaliar a questão dos riscos envolvidos e problemas institucionais, o mercado
institucional do mercado de carbono no Brasil, identifican- de carbono é promissor pelas oportunidades geradas com a
do os riscos e oportunidades das características dos agen- busca de novas tecnologias e energias para alcançar e sus-
tes institucionais e das regras do jogo estabelecidas neste tentar um novo ciclo do sistema capitalista relacionado com
mercado. A metodologia de pesquisa foi a bibliográfica e a o desenvolvimento limpo.
atual crise mundial é os problemas e as soluções geradas em Assim, o objetivo des-
resultante de algumas escala mundial. Contudo, para isso te artigo é avaliar a questão institu-
inflexões que o proces- precisa-se de regras bem definidas e cional do mercado de carbono no Bra-
so de desenvolvimento do sistema capi- compreensão de quem são e qual o pa- sil, identificando os riscos e oportuni-
talista se encontra, como a crise ener- pel dos agentes neste processo. Essa dades a partir das características dos
gética e o nível de poluição; a crise base institucional vincula-se a capaci- agentes institucionais e das regras do
cultural e de consumo; a crise de finan- dade de estabelecimento de uma go- jogo estabelecidas neste mercado.
ciamento do processo de desenvolvi- vernança capaz de envolver uma estra- A metodologia de pes-
mento e a crise tecnológica. Todas es- tégia de coordenação e transparência quisa foi a bibliográfica e a análise de
sas são facetas da atual crise econômi- de ações, com objetivos e metas explí- conteúdo, nos documentos da Comis-
ca e ambiental, em que se buscam al- citas, bem como com ações bem deli- são de Valores Mobiliários e da Bolsa
ternativas, como explicitadas pelo neadas dos diferentes agentes. Esta ár- Mercantil de Valores. A partir da
Protocolo de Kyoto, que estabeleceu um dua tarefa de definição e acompanha- compreensão teórica de instituições e
novo mercado entre os países signatá- mento de um tema emergente e ao governança ambiental, avaliou-se a es-
rios: o mercado de carbono. mesmo tempo urgente traz a tona truturação e definição do mercado de
O mercado de carbono como estruturar essa governança e es- carbono brasileiro e, apoiado em ou-
é fruto deste processo e se originou tabelecer mecanismos de desenvolvi- tros estudos sobre o tema, identificou-
com o Protocolo de Kyoto, que faz mento mais adequados com a atual -se os principais riscos e oportunida-
parte da agenda global como uma for- restrição de recursos ambientais e con- des deste mercado sob a ótica institu-
ma de transacionar temporariamente dicionantes sociais. cional.
PALAVRAS-CHAVE / Brasil / Desenvolvimento / Governança Ambiental / Mercado de Carbono / Nova Economia Institucional /
Recebido: 07/11/2010. Modificado: 20/11/2011. Aceito: 22/11/2011.
Christian Luiz da Silva. Economista e Doutor em Engenharia de Produçãon, Universidade
de São Paulo, Brasil. Professor, Universidad Tecnológica Federal del Parana (UTFPR), Brasil e Pesquisador, Fundacao Arau-
cária. Endereço: Programa de Posgraduacao em Tecnologia, UTFPR. Av 7 de setembro 3165 Centro CEP 80230901, Curitiba,
Paraná, Brasil. e-mail: christiansilva@utfpr.edu.br
Weimar Rocha Freire Jr. Engenheiro e Doutor em Engenharia. Professor, Universidad Es-
tatal del Oeste de Paraná, Brasil UNIOESTE. e-mail: wrochajr2000@yahoo.com.br
Luci Ines Basseto. Contadora, Mestre em Engenharia e Doutoranda em Tecnología, UTF-
PR, Brasil. Professora, UTFPR, Brasil. e-mail: luciines@utfpr.edu.br
8 0378-1844/12/01/008-06 $ 3.00/0 JAN 2012, VOL. 37 Nº 1
2. A próxima seção con- Tabela I
ceitua instituições e governança am- Tipos e características de instituições
biental. Em seguida apresentam-se as Tipos Instituição Objetivos Cumprimento Campo
características do mercado de carbono
para, então, analisar os riscos e oportu- Formal Leis Atacar problemas Obrigatório Domínio público
nidades oriundos da sua base institucio- e regulamentos específicos e coercitivo
nal para o mercado brasileiro. Por fim, Informal Regras não escritas Códigos Voluntário Domínio privado
discutem-se as considerações finais e e convenções e valores e se cumpre
proposta de novos trabalhos. automaticamente
Fonte: Espino (1999, p. 67).
Instituições e Governança Ambiental
Governança em ações
públicas, como a questão ambiental, en- sistema. No contexto institucional, para as interações humanas em todos os
volve a noção de um processo político quando ocorre interação entre regras e aspectos, e para North (2002), a parte
eficiente e justo (Fonseca e Bursztyn, atores, ocorre a governança, momento fundamental para o seu funcionamento
2009). A complexidade disso, contudo, que se tomam decisões de política e se é o custo pelo não cumprimento das
envolve uma série de premissas, como criam novas organizações: empresas, violações e severidade na penalização.
ressalta Grindle (2004), e que são cons- agências reguladoras independentes, no- As instituições informais referem-se ao
tituídas ao longo do tempo pela forma- vos ministérios, empresas públicas e caminho os quais os humanos têm es-
ção cultural e democrática da própria privadas. Para North (2002) estas trocas trutura para a interação humana e esta
sociedade, bem como da sua interação são mais rápidas do que as trocas no diretamente ligada à cultura local (con-
com o Estado. Demanda-se uma distri- contexto institucional. vicções, crenças, tradições). É por meio
buição de poder entre instituições de Neste contexto, North da cultura que são repassados os valo-
governo, com legitimidade e autoridade (2002) define instituições como as re- res morais, sociais e culturais pelos
destas instituições. Para isso são neces- gras do jogo, que são constituídas pela grupos, de geração para geração e pelos
sárias regras e normas que determinam interação humana, com objetivo de re- costumes locais repassados ao longo do
quem detém poder e como são tomadas duzir as incertezas inerentes ao proces- tempo.
as decisões sobre o exercício da autori- so de transação econômica: “Institutions As formais são “...as
dade, assim como as relações de res- are the rules of the game in a society regras escritas nas leis e regulamentos,
ponsabilização entre representantes, ci- or, more formally, are the humanly de- e construções expressamente criadas
dadãos e agências do Estado. Neste vised constraints that shape human in- pelos indivíduos para encarar problemas
sentido, demanda-se uma habilidade do teraction. In consequence they structure específicos de coordenação econômica,
governo em fazer políticas, gerir os as- incentives in human exchange, whether social e política. Já as informais são as
suntos administrativos e fiscais do Es- political, social, or economic. Institu- não escritas, que vão se acumulando
tado, e prover bens e serviços. Esse ar- tions reduce uncertainty by providing a durante o tempo e ficam registradas
cabouço constituindo do processo de structure to everyday life. They are a nos usos e costumes.” (Espino, 1999,
governança conforma as instituições, guide to human interaction”. (North, p.66).
que tem um impacto sobre o bem-estar 2002, p. 3) Ambas (Tabela I) se
público (Grindle, 2004). A partir do conceito de complementam na consolidação das re-
Assim, o processo de instituições como as regras do jogo, po- gras do jogo e no estabelecimento de
governança dependerá muito estruturas dem-se abordá-las de três formas: como elementos para condução das relações e
de interações pelas quais eles agem, as próprias regras (leis); como entida- interações sociais no decorrer do tem-
quem interage com quem, de acordo des com poder para promulgar as leis po. Enquanto as formais são forças exó-
com quais regras. Essas estruturas são ou como construções socialmente legiti- genas, com poder coercitivo, para que
constituídas histórica e culturalmente, mizadas que estabelecem regras aceitas determinadas regras sejam estabelecidas
como ressaltam Arthur et al. (1997), em e pelas quais os agentes agem. e cumpridas, as instituições informais
um ambiente econômico, tendo prelimi- Independente do senso só se cumprem automaticamente porque
narmente um caráter social. Os agentes utilizado para o conceito de instituição, se referem ao código de conduta e sua
aprendem com os outros e seus valores ela permite reduzir as incertezas pela evolução (padrão moral da sociedade).
podem ser influenciados pelas ações e provisão de uma estrutura relativamente Essas instituições in-
valores dos outros. A governança am- estável, apesar de em meio a um am- fluenciam no processo de desenvolvi-
biental é um desses processos de apren- biente instável. As mudanças institucio- mento, como destacam Somanthan e
dizagem que depende da capacidade de nais também ocorrem, porém, a forte Sterner (2006). Estes autores avaliam a
organização das instituições e da sua estrutura institucional vinculada ao pas- relação entre instituições e o processo
capacidade de disseminação e integra- sado ( path dependence) é uma barreira de desenvolvimento em países emergen-
ção dos indivíduos neste problema glo- para mudanças bruscas na sociedade tes e relacionam a limitação desse pro-
bal. Trata-se, portanto, de uma dimen- (Silva, 2005). cesso com a ineficácia das instituições.
são cognitiva, pela qual o nível agrega- Nesse sentido, cabe ob- Isso, para Somanthan e Sterner (2006),
do do sistema de crenças (regras), que servar que existem dois tipos de insti- gera um ambiente de maior incerteza e
os sustenta, determina as direções nas tuições: formais e informais. As for- de resultados mais pífios para o país;
quais se alteram. mais são os papeis e as funções defini- eles justificam essa ambiente institucio-
Destarte, estabelecem- dos pela sociedade e as informais são nal fraco a partir da constatação da não
-se instituições que permeiam as inter- as convenções e códigos para isto. As- aplicabilidade dos instrumentos públi-
-relações dos agentes e que são deter- sim sendo, as instituições, representam cos, pela falta de um corpo público e
minantes para o desenvolvimento do os limites estabelecidos pelo homem um processo democrático consolidado,
JAN 2012, VOL. 37 Nº 1 9
3. fator sempre discutido em termos de ocorram melhorias no mercado, é im- I requerem altos custos e novos investi-
corrupção, porém acredita-se serem ou- portante a definição e institucionaliza- mentos, o que pode inviabilizar esse
tros aspectos, como exemplo: a excessi- ção das regras de trocas e estabelecer projeto. Flexibilizou-se então, que redu-
va concentração de poder no sistema de direitos de propriedade. O mercado de ções poderiam ocorrer fora de seus ter-
governo central, o qual provoca uma carbono se insere neste contexto de go- ritórios, pois como os gases se mistu-
deficiente democracia e corrupção, fato- vernança ambiental mundial, em que se ram no ar sua redução não precisa ne-
res que não garantem a gestão local demanda um processo de organização e cessariamente ocorrer no ponto de gera-
sustentável. definição de instituições que não podem ção (Pereira e May, 2003).
Contudo, a fragilidade ser simplesmente averbado, mas depen- Assim, o conjunto de-
dessas instituições pode mudar e, por dem de um amadurecimento do desen- veria atingir a meta global, e, para
conseqüência, alterar também o padrão volvimento cultura dos agentes para li- aqueles países que se comprometem
de desenvolvimento dos países. Mas, dar com esse problema emergente e ur- com formas de reduções, esse contexto
para entender o motivo pelo qual ocor- gente da sociedade contemporânea. A é tratado como forma de incentivo ou
rem as mudanças institucionais, é im- próxima seção apresenta as característi- compensação ao crescimento econômi-
portantes analisar o contexto histórico, cas do mercado de carbono para na pró- co, melhorias sociais e melhor qualida-
quando as diferentes tribos e bandos se xima seção tratar dos principais riscos e de do meio ambiente. Identificada como
confrontaram com diferentes problemas, oportunidades sob a ótica institucional. mercado de carbono, essa compensação
em diferentes capacidades e diferentes transforma-se numa moeda que pode
climas. Para isso adotaram diferentes A Inserção do Crédito de Carbono no ser negociada, por entidades, de qual-
soluções para sobreviver, além de pos- Mercado de Capitais quer parte do mundo em mercado de
suírem diferentes línguas, costumes, capitais (Gazzoni, 2009).
tradições e tabus. Portanto as soluções O marco inicial do Para o alcance das me-
não foram similares. Passado muitos mercado de carbono surgiu com o Pro- tas de redução, pelos países signatários,
anos da civilização, confrontando estas tocolo de Kyoto, implementado em o Protocolo inclui três modalidades de
diferenças, se notaram as implicações 1997, objetivando tanto o combate à flexibilização (Bertucci, 2006): Imple-
do modelo internacional neoclássico, o mudança global do clima como também mentação Conjunta (Joint Implementa-
qual se mostra com enormes contrastes uma nova relação entre desenvolvimen- tion; JI), Comércio de Emissões (Emis-
entre as economias mundiais (North, to e proteção ao meio ambiente. Trata- sions Trade; ET), e Mecanismo de De-
2002). Ou seja, essas transformações -se de um acordo internacional para senvolvimento Limpo - MDL (Clean
ocorrem de forma lenta e de um pro- uma medida concreta de combate à mu- Development Mechanism; CDM).
cesso de interação contínua e transfor- dança climática causada pelas emissões O MDL é o único ins-
madora da sociedade. antrópicas de gases de efeito estufa trumento que envolve países em desen-
Assim, North (2002) ar- (MDIC, 2006). volvimento, não inclusos no Anexo I. A
gumenta que a mudança institucional é Mais especificamente, idéia do MDL resume-se na constatação
um processo complicado e ocorre usu- em seu artigo 12 o Protocolo inseriu o de que a redução ou “seqüestro” de
almente de forma marginal, não haven- Mecanismo de Desenvolvimento Limpo uma unidade de gases de efeito estufa
do uma descontinuidade completa das (MDL) criado com o objetivo de fomen- (GEEs), emitida em decorrência de al-
instituições, na medida em que esteja tar o desenvolvimento sustentável des- gum processo industrial nos países do
vinculada ao processo de transforma- ses países mediante a transferência de Anexo I seja operacionalizada por uma
ção, resultante de um passado que o tecnologia e o incentivo a um novo pa- empresa situada em um país em desen-
originou. Ou seja, o motivo que levou à drão de expansão baseado na concilia- volvimento.
mudança está presente na nova estrutu- ção entre o crescimento econômico, in- Essa redução ou se-
ra institucional pela vinculação existen- clusão social e o respeito ao meio am- qüestro resulta numa negociação no
te com o passado. As restrições cultu- biente (MDIC, 2006). mercado mundial com países industria-
rais (costumes, tradições e códigos de O (MDL) tem por fun- lizados (ou empresas neles situadas) que
conduta) não somente conectam o pas- ção assistir aos países do Anexo I no precisam desses ‘créditos’ para cumprir
sado com o presente e o futuro, como que se refere ao cumprimento de com- suas metas de redução de emissão de
provém uma chave para explicar o ca- promissos quantificados de limitação e gases junto ao Protocolo de Kyoto
minho da mudança histórica (North, redução dos gases do efeito estufa (BM&F, 2009).
2002). (MCT, 2006). Assim, por intermédio
De acordo com Teixeira Esses países devem, desse mecanismo de flexibilização, o
e Braga (2007) as instituições mudam conjuntamente, reduzir as emissões to- MDL contribuir para a sustentabilidade
vagarosamente porque não podem ser tais dos gases em pelo menos 5% abai- de países em desenvolvimento, como é
copiadas dos países mais desenvolvidos, xo dos níveis de 1990 no período com- o caso do Brasil, pelo uso de recursos
e a modernização e adequação das insti- preendido entre 2008 e 2012. Fazem financeiros e da adoção gradativa de
tuições influenciam diretamente ao de- parte do Anexo I os países considera- ‘tecnologias limpas’ transferidos pelos
senvolvimento econômico. As institui- dos economicamente desenvolvidos. As países do Anexo I (Bertucci, 2009).
ções, as regras, os contratos, e os regu- nações do referido Anexo deveriam se
lamentos em geral do governo são indis- responsabilizar pela redução, neste pri- Estruturação do mercado de carbono
pensáveis para entender o meiro período de compromisso. Para os
funcionamento dos mercados (Espino, próximos qüinqüênios, outras nações O Protocolo de Kyoto
1999). É por meio da estrutura do con- não incluídas no Anexo I e outros com- concebe uma estrutura aos agentes eco-
trato que se permite a distribuição entre promissos devem ser considerados nômicos dos países desenvolvidos os
os mesmos e as condições de uso dos (MCT, 2006). quais podem atingir suas metas de pre-
recursos, devendo ser claro e simples A reestruturação nos servação do meio ambiente por meio de
para que possam ser efetivos. Para que setores produtivos nos países do Anexo Certificações de Emissões Reduzidas
10 JAN 2012, VOL. 37 Nº 1
4. (CERs), que devem ser emitidas por um conhecido como projeto NovaGerar As operações são reali-
Conselho Executivo, o Executive Board. (Bassetto et al., 2006). zadas por meio de leilões eletrônicos,
via web, e agendados pela BM&F a pe-
a) O Conselho Executivo é o Órgão da
Estruturação e implantação do dido de entidades, públicas ou privadas,
Convenção-Quadro das Nações Unidas
mercado brasileiro de reduções de que desejem ofertar seus créditos de
que supervisiona o funcionamento do
emissões carbono no mercado. Atualmente, o
MDL. Formado por membros represen-
mercado de carbono na BM&F possibi-
tantes dos países integrantes do Proto- O Mercado Brasileiro lita a negociação de créditos no merca-
colo, credencia as Entidades Operacio- de Reduções de Emissões (MBRE) deu- do a vista. Também está prevista a cria-
nais Designadas e emite os certificados -se por uma iniciativa conjunta entre a ção de módulo específico para negocia-
para os projetos que cumprem todas as Bolsa Mercantil e de Futuros (BM&F) e ção a termo de créditos que ainda este-
etapas previstas no MDL. o Ministério do Desenvolvimento, In- jam em processo de geração e
As CERs são credita- dústria e Comércio Exterior (MDIC) – certificação (BM&F, 2009).
das aos participantes da correspondente (BM&F, 2009). As regras de negocia-
atividade, após a constatação de que, O objetivo dessa inicia- ção adotadas em cada leilão são divul-
efetivamente, absorveu gás carbônico e/ tiva, segundo BM&F (2009) e MDIC gadas ao mercado por meio de anúncios
ou reduziu o nível de emissão de gases (2006), é desenvolver um sistema efi- públicos (ou editais), disponíveis na pá-
de efeito estufa (MDIC, 2006). ciente de negociação de certificados gina da BM&F na internet. Os leilões
b) Entidade Operacional Designada ambientais, alinhados aos do Protocolo também são divulgados por intermédio
(EOD) - Entidade qualificada pela Con- de Kyoto no sentido de criar no Brasil dos principais vendors internacionais
ferência das Partes, por recomendação as bases de ativo mercado de créditos conveniados à BM&F.
do Conselho Executivo do MDL, para de carbono que venha a constituir refe- A BM&F oferece aos
validar projetos de MDL propostos ou rência para os participantes em todo o participantes do mercado a possibilida-
verificar e certificar reduções de GEEs mundo. de de se realizarem leilões públicos, em
resultantes do projeto. Como esclarece a BM&F que a sessão de negociação e os deta-
(2009), há dois tipos de mercados volta- lhes do negócio fechado são divulgados
c) Autoridade Nacional Designada dos à negociação de créditos de carbo- ao público externo, ou leilões privados,
(AND) - Entidade governamental, reco- no: mercados em linha com o Protoco- em que todas as informações relativas a
nhecida pelo Conselho Executivo do lo de Kyoto; e mercados ‘voluntários’ ofertas registradas e negócios fechados
MDL, que representa um país (parte), (ou ‘Não-Kyoto’). No primeiro caso, são mantidas sob o anonimato das par-
no âmbito do MDL. É a AND a insti- os créditos são negociados com o ob- tes envolvidas (BM&F, 2009).
tuição que autoriza as entidades estabe- jetivo principal de facilitar o abati-
lecidas em seu país a participar e rece- mento das metas de redução de emis- Riscos e Oportunidades do Mercado
ber créditos de um projeto de MDL. No sões, estabelecidas no âmbito do refe- de Carbono
caso de países que não estejam listados rido Protocolo. No segundo tipo de
no Anexo B, como o Brasil, a AND de- mercado, a negociação relaciona-se O mercado de carbono
verá revisar e conferir a aprovação na- fundamentalmente ao abatimento de ainda é bastante recente e demanda um
cional dos projetos propostos em seu metas estabelecidas voluntariamente processo de aculturamento para sociali-
território, no âmbito do MDL. por empresas ou governos locais, fora zação e democratização da transação
No Brasil, a AND é a do Protocolo. desse bem intangível. Como demonstra-
Comissão Interministerial de Mudanças A implantação do mer- do na seção anterior, o processo de cer-
Globais do Clima, constituída por re- cado de créditos de carbono ocorreu em tificação do crédito de carbono, justa-
presentantes dos seguintes ministérios: duas etapas: A primeira em setembro mente por se tratar de um bem intangí-
Ciência e Tecnologia (coordenador da de 2005, com a implementação do Ban- vel, é relativamente burocrático e de-
Comissão); Relações Exteriores; Agri- co de Projetos BM&F cuja função é manda certificações internacionais
cultura, Pecuária e Abastecimento; acolher, para registro, projetos valida- onerosas. Alves (2009) ressalta isso ao
Transportes; Minas e Energia; Planeja- dos por Entidades Operacionais Desig- estudar o caso dos MDLs a partir de
mento, Orçamento e Gestão; Meio Am- nadas (certificadoras credenciadas pela biodigestores e afirma a dificuldade de
biente; Desenvolvimento, Indústria e ONU) que deverão gerar Reduções Cer- pequenos produtores se inserirem neste
Comércio Exterior; Cidades; Fazenda; e tificadas de Emissão (CRE) no futuro. mercado por falta de informação con-
Casa Civil da Presidência da República. O Centro de Negocia- sistente e alto custo burocrático envol-
Contribui, também, pa ção de Créditos de Carbono, nos merca- vido neste processo.
ra o fortalecimento do próprio mercado dos de opções, a termo e a vista, foi a As etapas entre a defi-
de capitais, do sistema de emissão, de segunda etapa, implementada gradual- nição do potencial de crédito de carbo-
distribuição e de negociação de títulos mente, a partir do final de 2005. no e a sua definição para comercializa-
e valores mobiliários, subsistema do ção envolvem as etapas detalhadas no
mercado financeiro. Nesse mercado são O sistema de negociação da BM&F ‘Manual do Mecanismo de Desenvolvi-
comercializados os Créditos de Carbo- mento Limpo para Desenvolvedores de
no, que são certificados que autorizam O mercado de carbono Projetos e Formuladores de Políticas
o direito de poluir (Souza, 2003 apud na BM&F é um ambiente eletrônico de Públicas’ (MCT, 2006). Todo projeto
MDIC, 2006). negociação desenvolvido para viabilizar, inicia-se com a elaboração de um Do-
O Brasil foi o primeiro de forma ágil, segura e transparente, o cumento de Concepção do Projeto
país no mundo a elaborar, desenvolver e fechamento de negócios com Reduções (DCP). Neste identifica-se quem são os
registrar um projeto de MDL voltado ao Certificadas de Emissão (RCEs), gera- participantes e a localização do projeto,
aproveitamento de biogás oriundo de das por projetos de Mecanismo de De- a metodologia adotada para redução de
aterro sanitário. Foi no Rio de Janeiro senvolvimento Limpo (MDL). emissões, se é uma metodologia já
JAN 2012, VOL. 37 Nº 1 11
5. Tabela II
Riscos e oportunidades do ambiente institucional do mercado de crédito de carbono
Característica
institucional Risco Oportunidade
Agentes Assimetria de informação – não há um conhecimento Manual de MDL define algumas etapas que tornam essas
homogêneo das atribuições de cada agente e como da um informações mais claras, apesar de ainda não serem
interage neste mercado. disseminadas.
Regras do jogo As definições são muito genéricas e mudam O processo de amadurecimento destas regras permitiria o
constantemente, em razão do amadurecimento do desenvolvimento de outros mercados similares ao de
processo institucional. carbono.
Custo de transação Alto – existem incertezas sobre como definir o valor do Pode ser reduzido a medida que houver estudos e
crédito de carbono, pois depende de metodologias de aplicações do cálculo do crédito de carbono específico
cálculo. Há um alto custo para certificação do projeto. para realidade de cada país, mantendo-se premissas
básicas internacionais
Informação Não há uma disseminação de informação sobre os O amadurecimento da governança global permitirá essa
projetos em vigor e incentivo de outros “produtores” de disseminação e tornará não apenas a inserção no mercado
entrarem neste mercado mais evidente, como também o problema ao qual ele está
vinculado e o comprometimento com a solução.
aprovada ou uma nova, qual o período um produto intangível (crédito de car- Protocolo de Kyoto, e que buscou trans-
pretendido para obtenção dos créditos, bono) a partir de um processo complexo formar um problema tangível, o am-
a metodologia e o plano de monitora- e que envolve várias etapas e altos cus- biental, em um mercado de um produto
mento proposto, o cálculo das emissões tos para minimizar as incertezas envol- intangível, de crédito de carbono.
de linha de base e a duração do projeto. vidas no processo. Um novo mercado en-
Isso já demanda informações que atual- A Tabela II salienta al- volve diferentes agentes envolvidos na-
mente não estão disseminadas e à dis- gumas características institucionais des- quela transação, e, portanto, regras, for-
posição de todos, tratando-se de um se mercado a partir da base teórica de- mais e informais, específicos que nor-
custo de transação, ou envolvido pela finida. Aponta-se, principalmente, que teiam aquele ambiente institucional. O
falta de regras formais ou informais há uma definição dos agentes, mas as mercado de carbono vem se consolidan-
bem definidas. regras ainda são complexas e dependem do como uma alternativa econômica para
O projeto deve ser de um alto conhecimento o que dificul- projetos em países em desenvolvimento,
apresentado e aprovado por uma entida- ta o processo de governança pautada como o Brasil, e com transações de cré-
de operacional designada (EOD), que nas premissas de democratização, com ditos na Bolsa Mercantil de Valores Fu-
são agências reconhecidas internacio- um processo político eficiente e justo. turos, o que já conota a existência de
nalmente e que farão avaliação, verifi- A intangibilidade do bem e os critérios um mercado em potencial. Contudo, ain-
cação e certificação, como se fosse uma de definição do valor do crédito ressal- da está em desenvolvimento porque de-
instituição certificadora da qualidade. tam as incertezas presentes neste mer- pende da formação dessa base institucio-
O ‘Manual do Mecanismo de Desenvol- cado e que se tornam em um risco ele- nal e da redução das incertezas pertinen-
vimento Limpo para Desenvolvedores vado para sua continuidade e alcance tes a transação desse bem intangível.
de Projetos e Formuladores de Políticas dos objetivos fins, relacionados a mini- O risco é a demora des-
Públicas’ apresenta na figura 2-3 o pro- mização do problema ambiental. sas definições, natural da formação de
cesso de avaliação por meio da EOD e Contudo, pode-se res- qualquer ambiente institucional, que
identifica como se procede com os en- salta que a existência desse processo de pode gerar no descrédito deste mercado.
caminhamentos após avaliação (MCT, discussão é um primeiro passo para o Mas se conseguir se consolidar, pode
2006). amadurecimento deste novo ambiente dar respostas a outras iniciativas que
O registro acontece institucional, que depende desse proces- possibilitem concretizar soluções para
pelo Conselho Executivo do MDL das so de desenvolvimento para o acultura- problemas ambientais ainda sem uma
Nações Unidas (CEMDL), que é a últi- mento dos agentes e de suas interações. resposta. Desta forma, os resultados
ma instância de aprovação de um MDL. Caso essas limitações e restrições se- mostraram que a despeito dos riscos en-
Ele irá aceitar ou não, formalmente, o jam minimizadas, abre-se espaço para volvidos, o mercado de carbono é pro-
projeto de MDL. Para tomar a decisão governança ambiental de outros proble- missor pelas oportunidades possíveis
de aprovação ou não do projeto, o CE- mas, de origem intangível, mas deman- com a descoberta de novas tecnologias e
MDL utilizará como base os seguintes dam soluções tangíveis. energias para alcançar e sustentar um
documentos: DCP do projeto, o relató- novo ciclo do sistema econômico susten-
rio de validação da EOD e carta de Considerações Finais tado no desenvolvimento limpo.
aprovação da Autoridade Nacional De- Propõe-se como novo
signada do país sede. O processo de gover- trabalho a aplicação da metodologia em
Por fim, acontece o nança ambiental global é relativamente uma unidade geradora do crédito de
processo de monitoramente e certifica- recente, pois origina-se da década de carbono com intuito de customizar e
ção da emissão. Pode-se observar que 1970, mas já vem amadurecendo nestas avaliar pontualmente os gargalos exis-
se trata de um processo complexo e de- quase quatro décadas com, inclusive, a tentes neste processo de certificação e
morado, até se ter o ‘produto’ negociá- criação de novos mercados. O mercado comercialização desse bem intangível,
vel. Ou seja, transformou-se um proble- de carbono é uma dessas inovações, com intuito de buscar minimizar os ris-
ma tangível (problemas ambientais) em originária da década de 1990, com o cos envolvidos neste mercado.
12 JAN 2012, VOL. 37 Nº 1
6. AGRADECEMENTOS de Futuros. www.bmf.com.br/portal/pages/ mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1204751476.pdf
gts/gts.asp (Acesso 09/09/2009). (Acesso 12/09/2009).
Os autores agradecem Espino JÁ (1999) Instituciones y Economia: North D (2002) Institutions, Institutional
ao CNPq pelo suporte financeiro ao pro- Una Introducción al Neoinstitucionalismo Change and Economic Performance. USA:
jeto ‘Instituições, Políticas Públicas e De- Económico. Fondo de Cultura Económica. Cambridge University Press. Cambridge,
México. 397 pp. MA, EEUU. 152 pp.
senvolvimento’ executado por UTFPR,
Fonseca IF da, Bursztyn M (2009) A banaliza- Pereira AS, May PH (Orgs.) (2003) Economia
UNIFAE, Unioeste e PUCPR, Brasil. ção da sustentabilidade: ref lexões sobre do Meio Ambiente: Teoria e Prática. Eco-
governança ambiental em escala local. nomia do Aquecimento Global. Rio de Ja-
Soc. Estado 24: 17-46. neiro, Brasil.
REFERENCIAS Gazzoni DL (2009) Crédito de Carbono e o Rocha MT (2003) Aquecimento Global e o Mer-
Agronegócio. www.uniquimica.com/ima- cado de Carbono: uma Aplicação do Modelo
Alves YB (2009) Mecanismo Limpo: O Caso ges/noticias/.pdf (Acesso 13/09/2009). CERT. Tese Escola Superior de Agricultura
da Suinocultura. Tese. Universidade Esta- Grindle M (2004) Good enough governance: Luiz de Queiróz. Piracicaba, Brasil. 196 pp.
dual do Oeste do Paraná. Brasil. 138 pp. poverty reduction and reform in develop- Silva CL (2005) Desenvolvimento sustentável:
Arthur WB, Durlauf SN, Lane DA (1997) ing countries. Governance: Int. J. Policy, um conceito multidisciplinar. Em Silva
The Economy as an Evolving Complex Admin. Instit. 17: 525-548. CL, Mendes JTG. Reflexões sobre o De-
System II. Perseus. Cambridge, MA, senvolvimento Sustentável. Agentes e Inte-
MCT (2006) Manual do MDL para Desenvol-
EEUU. 583 pp. rações sob a Ótica Multidisciplinar. Voz-
vedores de Projetos e Formuladores de
Bassetto LI, Guelbert TF, Kovaleski JL, Políticas. Fundação do Centro Global para es. Petrópolis, Brasil. p. 11-40.
Leszczynski SAC, Lima IA (2006) Crédito o Meio Ambiente. Ministério do Meio Somanathan E, Sterner T (2006) Environmen-
de carbono: uma moeda ambiental como Ambiente. Japón. Trad. Anexandra de Ávi- tal policy instruments and institutions in
fator de motivação econômica. Annais En- la Ribeiro. www.mct.gov.br/upd_blob/0024/ developing countries. Em López, R.; To-
contro Nacional de Engenharia de Produ- 24662.pdf. (Acesso 07/09/2008). man, M. Economic Development and Envi-
ção. ABEPRO. Fortaleza, Brasil. ronmental Sustainability: New Policy Op-
MDIC (2006) Projetos de Mecanismo de De-
Bertucci ACO (2006) Protocolo de Kyoto e o senvolvimento Limpo no Brasil. Um levan- tions. Oxford University Press. Nova Ior-
Mercado de Carbono. Apostila CMA. tamento de perspectivas com o setor pro- que, EEUU. pp. 217-244.
Curitiba, Brasil. 70 pp. dutivo. Pricewaterhouse Coopers / Minis- Teixeira EC, Braga MJ (2007) Instituições e
BM&F (2009) O Mercado Brasileiro de Redu- terio do Desenvolvimento da Indústria e Desenvolvimento Econômico. Os Editores.
ções de Emissões. Bolsa de Mercadorias e Comercio Exterior. Brasil. 47 pp. www. Viçosa, Brasil. 350 pp.
carbon market and institutions: opportunities in the search of a new model fOR
development
Christian Luiz da Silva, Weimar Rocha Freire Jr and Luci Inês Basseto
SUMMARY
Seeking alternatives for the economic system to face the sev- mission of Brazil (Comissão de Valores Mobiliarios and Bolsa
eral crises it has gone through lately (electrical power, cul- Mercantil de Valores) contents. Its theoretical basis rests on
tural, financing and technological) brought about a new market concepts of the institution and the new institutional economy.
involving the Kyoto Protocol signatory countries: the carbon The results show that in spite of the risks and institutional
market. The present article aims at assessing the carbon market problems it involves, the carbon market is promising due to the
institutional issue in Brazil by identifying the risks and oppor- opportunities create by new technologies and energies devel-
tunities inherent to the institutional agent characteristics and to oped to achieve and sustain the capitalist system new cycle, ad-
that market rules. The research methodology was bibliographic dressed to produce a clean development.
and based on the analysis of the Securities and Exchange Com-
MERCADO DE CARBÓN E INSTITUCIONES: OPORTUNIDADES EN LA BÚSQUEDA DE UN NUEVO MODELO DE
DESARROLLO
Christian Luiz da Silva, Weimar Rocha Freire Jr y Luci Inês Basseto
RESUMEN
La búsqueda de alternativas para el sistema económico fren- bliográfica y de análisis de los contenidos de los documentos
te a las varias crisis que ha atravesado recientemente (ener- de la Comisión de Valores y de la Bolsa Mercantil de Valores.
gética, cultural, financiera y tecnológica) ha resultado en la Las bases teóricas se apoyan en los conceptos de institución y
configuración de un nuevo mercado entre los países signatarios de la nueva economía institucional. Los resultados revelan que
del Protocolo de Kyoto: el mercado de carbón. El presente tra- a pesar de los riesgos involucrados y problemas instituciona-
bajo persigue evaluar los aspectos institucionales del mercado les, el mercado de carbón es promisorio por las oportunidades
de carbón en Brasil, identificando los riesgos y oportunidades creadas a través de la búsqueda de nuevas tecnologías y desa-
inherentes a los agentes institucionales y las reglas de juego rrollos energéticos para alcanzar y sustentar un nuevo ciclo del
establecidas en ese mercado. La metodología de trabajo fue bi- sistema capitalista tendiente a un desarrollo limpio.
JAN 2012, VOL. 37 Nº 1 13