O documento discute a necessidade de reforma política no Brasil para fortalecer a democracia. Ele defende o financiamento público de campanhas, o voto em lista fechada e o fim das coligações proporcionais como formas de qualificar a representação política e reduzir distorções no sistema. O autor argumenta que a reforma deve priorizar a ampliação da participação cidadã e a representatividade do Congresso, sem buscar a perfeição do sistema.
Caderno de Textos do seminário “Por um Novo Marco Regulatório para as Comunic...
Reforma política no Brasil fortalece a democracia e amplia participação
1. nacional
Fábio Pozzebom/ABr
RefoRma
política
o pt há anos debate o tema e defende uma reforma política que fortaleça
a democracia, dê transparência ao sistema representativo e, sobretudo,
assegure maior agilidade e legitimidade aos mecanismos de representação
11 Teoria e Debate 91 H março/abril 2011
2. O que está em jogo
Construída por diversos setores após a ditadura militar, a democracia
brasileira tem muitas virtudes que precisam ser aprofundadas mas também
muitas fragilidades que devem ser revistas
a
ntes de debatermos as propostas Nosso sistema de eleição propor- intelectuais, lideranças de movimen-
de reforma eleitoral colocadas cional garantiu, no Congresso Nacio- tos sociais e pessoas comuns. Se um
em discussão, temos de avaliar nal, a reprodução do amplo espectro cidadão quiser participar da vida po-
nosso atual sistema político, sob o ris- ideológico da sociedade brasileira, lítica dificilmente conseguirá, pois se
co de jogarmos a criança fora junto desde a extrema esquerda até a ex- faz necessária uma arquitetura finan-
com a água do banho. Ou seja, de nos trema direita, com a representação ceira que o impossibilita de contribuir
apegarmos a soluções mágicas que, ao de diversos segmentos específicos de politicamente com nossa sociedade.
fim, aprofundarão o que há de pior em interesses. Alguns perguntarão se, diante de
nosso sistema, sem resolver seus reais Essas virtudes – representatividade tantas demandas de saúde, infraes-
problemas. de forças e participação maciça – têm trutura, educação, deveríamos aplicar
Acredito, em primeiro lugar, que de ser aprofundadas, enfrentando os dinheiro público no financiamento de
nosso atual sistema eleitoral e polí- reais problemas que temos. campanhas eleitorais. Na nossa visão,
tico tem grandes virtudes, resultado é um gasto nobre, que representaria
de vinte anos de luta popular contra Desafios e falsas soluções um investimento na qualificação de
um regime de exceção, que privou a A primeira fragilidade da demo- nossa representação política.
sociedade brasileira do direito de deci- cracia brasileira é o financiamento A segunda fragilidade da demo-
são sobre o próprio futuro. Construída privado das campanhas eleitorais, que cracia brasileira é a personificação ex-
por muitos companheiros nossos, essa torna o sistema de representação po- cessiva das representações políticas.
democracia é ampla, maciça e com lítica refém do interesse das grandes Nosso sistema é calcado em persona-
qualidade em sua representação, nos empresas instaladas no país. A esco- lidades, e não em ideias, programas e
dando um diferencial em relação a lha de dirigentes políticos por meio de compromissos programáticos. É uma
países com o mesmo grau de desen- campanhas financiadas por empresas cultura do voto na pessoa que enfra-
volvimento econômico, como China privadas rompe a isonomia do setor quece os partidos, gerando uma baixa
e Rússia. público em regular e arbitrar conflitos densidade programática.
Essa democracia possibilitou que do setor privado. A solução para essa questão é a
um operário e líder sindical chegasse O financiamento privado estabe- transição do voto uninominal para o
à Presidência da República por duas lece uma promessa de negócios com a voto no partido. Temos muitos exem-
vezes, que uma mulher assumisse o administração pública, o que tem sido plos de como implantar esse sistema
comando do governo federal e que o uma das fontes de corrupção do Esta- garantindo maior liberdade ao eleitor
Partido dos Trabalhadores tivesse a do. Uma democracia virtuosa como a na escolha do candidato. O cidadão
maior bancada da Câmara dos Depu- nossa não pode ter sua credibilidade poderá votar na hora da escolha da lis-
tados. Até o voto obrigatório, por vezes posta em xeque por denúncias suces- ta, se for filiado a um partido. Na hora
criticado por analistas políticos, tem sivas de escândalos. da eleição, poderá votar em um partido
de ser reconhecido como instrumento O poder das empresas também e também ter outro voto, alterando
essencial para a democracia brasileira, interfere na autonomia programá- a lista. Ou seja, há muitas soluções
enfraquecendo as oligarquias e in- tica dos partidos e afasta da disputa possíveis para garantir ao máximo o
teriorizando a participação popular. eleitoral possíveis candidatos, como respeito à escolha do cidadão.
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3. RefoRma PolíTica
Num sistema eleitoral em que os Somos contrários à proposta do não seria um processo de amadureci-
partidos tenham mais peso, será neces- “distritão” ou do sistema distrital puro. mento de nosso país fazer um grande
sário também discutir a legislação par- Na nossa visão, essas propostas apro- debate nacional sobre todos os aspectos
tidária, para assegurar a democracia fundariam os vícios do sistema político do tema e decidi-lo nas urnas?
interna nessas instituições. São comuns atual, ampliando o personalismo, o O segundo grande desafio político
na vida partidária brasileira comissões que agrava as distorções do financia- de nossa sociedade e de nosso partido
provisórias que se tornam permanen- mento privado. Também transforma- é construir uma representação mais
tes, ou direções que se eternizam nas riam o Parlamento na soma de políticas real da sociedade brasileira dentro
legendas, sem permitir renovações. regionais, sem garantir uma unidade do Congresso Nacional e dentro dos
Em terceiro lugar temos um número programática que dê coesão às banca- partidos. Tomemos como exemplo o
excessivo de partidos, com 21 legendas das. Isso quebraria a virtude do siste- recorte de gênero. Nossa sociedade
representadas no Congresso Nacional. ma, que é proporcional em termos de é composta majoritariamente por
E não há esse espectro programático forças políticas e de ideias políticas. mulheres. São 55% de nossa popu-
tão diverso na sociedade brasileira. Não lação, mas apenas 8% de nosso Par-
defendo a cláusula de barreira, mas me- Os desafios lamento. Na questão racial, também
canismos que diminuam esse número Do ponto de vista político mais temos uma sub-representação tanto
mantendo os partidos programáticos. amplo, nossa democracia ainda tem de negros quanto das populações in-
A cláusula de barreira tinha um erro de dois grandes desafios. Um que preci- dígenas. Ou criamos mecanismos de
natureza política, pois extinguia parti- sa ser incluído entre nossas bandei- representação, ou continuaremos a
dos programáticos – que precisam ser ras no tema da reforma política, com ter um Congresso com enorme déficit
valorizados, independentemente de demanda crescente dos movimentos de representação da sociedade, o que
seu tamanho. sociais, é a intensificação e facilita- reduz sua legitimidade.
Temos de acabar com as coliga- ção dos mecanismos de democracia Essas mudanças que preconizamos
ções proporcionais ou transformá-las participativa. As grandes democra- são defendidas há anos pelo PT, com
em federação partidárias – em que a cias europeias e norte-americana o objetivo de fortalecer nossa demo-
coligação é obrigada a se manter após se habituaram a, regularmente, cracia, dar transparência ao nosso
as eleições. Muitos desses pequenos consultar a população sobre gran- sistema representativo e, sobretudo,
partidos sobrevivem à custa dos gran- des temas nacionais – inclusive na assegurar maior agilidade e legitimi-
des, se coligando em diversos estados área econômica, como a integração dade aos mecanismos de expressão de
com partidos diferentes. A coligação monetária da União Europeia, que toda a sociedade. É responsabilidade
seria com bloco nacional e sobrevi- alguns pensadores mais conserva- de todos nós, militantes e dirigentes
veria naquela legislatura. Assim, re- dores acreditam ser tema exclusivo do PT, criar um novo marco que qua-
duziríamos o número de siglas sem para especialistas. lifique nossa democracia e amplie os
afetar os partidos programáticos. O Os mecanismos de democracia espaços de participação popular. ✪
PSol, por exemplo, não se coliga e tem participativa poderiam dar densidade
três parlamentares federais. Essa me- a decisões sobre questões polêmicas,
dida atacará os partidos que chamam evitando até a judicialização de temas
de aluguel, que se oferece economi- de interesse nacional. O limite da legis-
camente e movimenta-se a partir do lação brasileira sobre a pesquisa com
tempo na televisão. células-tronco foi definido pelo Superior
Devemos enfrentar esses três de- Tribunal Federal (STF), que decidiu so-
safios da democracia representativa: bre o tema por uma margem pequena
financiamento privado, o voto uni- de votos. Esse é um assunto de interesse
Saulo Cruz
nominal e o excesso de partidos, com de toda a sociedade, pois envolve ques-
financiamento público, voto em lista tões de saúde, ciência e até religiosas.
flexível e proibir as coligações ou trans- Melhor do que decidi-lo em um debate Paulo Teixeira, deputado federal e líder do
formá-las em federações nacionais. teoricamente frio, sobre a letra da lei, bancada do PT na Câmara dos Deputados
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4. Um sistema melhor,
O PT e a centro-esquerda poderão ser hegemônicos nos rumos da reforma,
mas é necessário politizar o debate e ampliar os espaços públicos de discussão
como forma de afirmar a ideia de República e aprofundar a democracia
o
debate sobre a necessidade de entre representações importantes da mos condições de maioria, para obter
uma reforma política está na opinião pública. Se isso é resultado de o ponto máximo de proximidade desse
agenda pública de nosso país uma crescente hegemonia do PT e da nosso projeto de reforma. Digo isso
desde pelo menos a promulgação da centro-esquerda sobre os destinos do porque a conjuntura e a correlação
nova Constituição, em 1988. Até agora, país, veremos no decorrer do processo. de forças no Congresso impõem às
entretanto, não foi possível constituir O importante é que é preciso politizar forças progressistas uma conduta de
uma maioria sólida capaz de efetivar esse debate, dando-lhe solidez políti- negociação para chegar a um sistema
mudanças no regramento eleitoral co-ideológica e ampliando o espaço político melhor que o atual, mas não
brasileiro, a não ser aquelas impos- público da discussão. Só assim alguma o que consideramos ideal.
tas por interesses muito conjunturais, reforma poderá, efetivamente, ocorrer.
como a extensão do mandato presi- Digo alguma porque, já está claro, Democrático e republicano
dencial, durante o governo Sarney, e a reforma política não é algo positivo O sistema político que queremos
a introdução da reeleição através de em si mesmo, podendo, por exemplo, construir deve, basicamente, afirmar
uma emenda constitucional, aprovada introduzir um sistema de representa- a ideia da República e aprofundar a
de maneira muito questionável, no ção majoritário, através dos distritos, o democracia, através da qualificação
primeiro governo de Fernando Hen- que prejudicaria significativamente a da relação entre representantes e re-
rique Cardoso. ideia que temos de representação plu- presentados. Nesse sentido, entendo
Uma das explicações para a falta de ral da sociedade. Também está claro, que devemos estabelecer como pon-
resolubilidade desse tema no âmbito creio, que não buscamos uma reforma tos focais: financiamento público de
do Congresso Nacional está relaciona- que perenize o sistema político, que campanha, voto em lista fechada, fide-
da com o paradoxo identificado por Re- instaure um sistema perfeito, imutável lidade partidária e fim das coligações
nato Janine Ribeiro em artigo sobre o e eterno. Queremos uma reforma que proporcionais.
tema do financiamento de campanha. incida sobre os principais problemas O financiamento público de cam-
Segundo o filósofo, “o paradoxo do pre- do sistema político brasileiro, melho- panha é uma necessidade fundamen-
sente debate brasileiro é que a reforma rando os instrumentos da representa- tal para democratizar nosso processo
política, aqui, não é uma questão políti- ção política, consolidando e ampliando político. O modelo do financiamento
ca”. Explica que, no Brasil, o tema nem o processo democrático e auxiliando a híbrido, com ênfase no financiamento
ganhou relevância na opinião pública, população no alcance de níveis mais privado, origina distorções relevantes
nem está relacionado com as divisões elevados de maturidade política. na representação política, facilita a
próprias dos partidos políticos.1 Esse pressuposto, imagino, deve ação do poder econômico, incenti-
É verdade que, desde a manifes- orientar nossa tática política para a vando relações de interdependência,
tação de Janine Ribeiro, o contexto definição de alguns pontos específi- e às vezes até de promiscuidade, entre
dessa discussão mudou e a ideia da cos que, alterados, contribuirão para parlamentares e determinados interes-
reforma política (que talvez devês- um sistema político mais moderno, ses privados, e cria injustiças em um
semos chamar de reforma eleitoral) representativo e democrático. A partir processo de competição que deveria
ganhou adeptos entre os partidos e daí, será necessário, então, buscar- ser baseado em regras equânimes.
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5. RefoRma PolíTica
mas longe do ideal
Como sabemos, os partidos e os in- ção e penalidades rigorosas para quem por exemplo, cada um representando
divíduos têm acesso diferenciado aos burlar a legislação, com captação ilegal um partido, o A pode fazer 35%, o B,
recursos privados. Em tese, os setores de recursos públicos ou privados. O 33% e o C, 32%. Nesse caso, 65% da
sociais mais abastados tendem a privi- fato é que teríamos uma campanha população não estaria representada
legiar as ideias políticas e os projetos eleitoral mais igualitária, mais barata, no Parlamento, pois em cada distrito
de governo que salvaguardem seus que tenderia a valorizar os aspectos ra- são considerados apenas os votos do
interesses. Isso não é ilegítimo. O pro- cionais da disputa, em vez de investir candidato vencedor. Os demais se-
blema é que, em um sistema político em técnicas caríssimas de marketing riam perdidos. Essa distorção causada
em que o voto é nominal e aberto, essa eleitoral. pelo voto majoritário pode ser vista
relação “interessada” tende a se sobre- no sistema inglês, em que o Partido
por aos aspectos políticos e ideológicos Fortalecimento dos partidos Liberal, nos últimos cinquenta anos,
da representação e o parlamentar pode A ideia do voto em lista põe em dis- tem recebido em torno de 15% a 25%
se transformar em um delegado de cussão, na verdade, dois temas que dos votos e oscila entre 4% e 5% das
determinados interesses muito especí- relacionados: a oposição entre voto cadeiras do Parlamento.
ficos no Parlamento. A tendência à des- proporcional e majoritário e a questão Além disso, com a instituição do
politização desse mecanismo é clara, da lista preordenada pelos partidos sistema distrital, o Brasil seria reta-
o que acaba por impor uma lógica que ou da lista aberta. Existem experiên- lhado em 513 pedaços e cada um deles
corroi a própria ideia da representação, cias de democracias modernas que elegeria um representante. Isso geraria
e, portanto, a democracia. funcionam com os dois sistemas. No uma tendência de ação dos parlamen-
Mas não é só isso. O financiamen- Brasil o voto é proporcional e unino- tares muito focada nas questões dos
to público evitará que, por meio de minal, quer dizer, o eleitor vota em distritos, e não nos grandes temas de
mecanismos de contrapartida à con- um candidato que compõe uma lista interesse nacional. É o fenômeno ape-
quista de grandes contratos, o governo apresentada pelo partido e seu voto lidado de paroquialização da política.
possa exercer qualquer pressão sobre conta para a composição do espaço Mas, se é verdade que o sistema
empresas para que contribuam com que o partido vai conquistar com a proporcional é imprescindível para
os candidatos por ele escolhidos – o soma total de seus votos. garantir uma democracia plural, o voto
que, obviamente, favorece aqueles Esse sistema é positivo por um lado, em lista é decisivo para fortalecer os
que estão no exercício do poder e os ao garantir a pluralidade de pensa- partidos e construir uma nova política
partidos. Assim, tornará mais equili- mentos políticos no Parlamento, pelo no Brasil, baseada na disputa de ideias
brado o jogo eleitoral, estabelecendo critério de composição proporcional da
condições mínimas de participação e representação2. E negativo por outro, 1 Ribeiro, Renato Janine. 2006. “Financiamen-
um teto de recursos a serem investidos já que o voto uninominal personali- to de campanha (público versus privado)”,
nos partidos, de acordo com sua real za a escolha e, portanto, não ajuda a in Reforma Política no Brasil, Editora UFMG,
Belo Horizonte.
representação. Um dos efeitos secun- consolidar a relação do eleitor com o
2 Conforme Antônio Otávio Cintra, “Como
dários, mas de extrema importância, partido, que é o instrumento próprio de princípio de representação, o sistema pro-
será o barateamento das campanhas, mediação entre o cidadão e o Estado. porcional considera que as eleições visam
representar no Parlamento, na medida do
já que serão regradas por tetos que A proporcionalidade na eleição dos
possível, todas as forças sociais e grupos po-
diminuirão muito a competição de parlamentares é um elemento-chave líticos existentes na sociedade, na mesma
caráter puramente financeiro. para a democracia. O voto distrital proporção de seu respectivo apoio eleitoral.
O Parlamento deve ser um mapa acurado das
Obviamente, o funcionamento deixa, muitas vezes, fora da represen-
divisões e tendências da sociedade, repro-
desse sistema exigirá mecanismos tação a maioria da população. Nesse duzindo-as em seus tamanhos relativos”.
sólidos de transparência e fiscaliza- sistema, se concorrem três candidatos, “Sistema eleitoral”, in op. cit., p. 128.
15 Teoria e Debate 91 H março/abril 2011
6. e fundada na adesão a programas po- tuída através de voto secreto de todos as forças políticas da sociedade em
líticos. Hoje, mais de 80% dos eleitores os filiados, em prévias que garantam um pleito eleitoral. Quando ocorre
esquecem em quem votaram poucos a proporcionalidade qualificada de to- coligação entre partidos no âmbito
meses depois. Ocorre que o sistema das as correntes internas em sua com- proporcional, ou seja, na eleição dos
de votos uninominal engendra uma posição. A adoção de um mecanismo parlamentares, essa representação fica
relação pouco orgânica entre o eleitor como esse só reforçará as estruturas enviesada, criando problemas para
e o candidato, o que gera uma verda- partidárias, agregando filiados inte- a própria democracia. Muitas vezes,
deira alienação do eleitor. Como não ressados em participar da composição candidatos com características polí-
sabe em quem depositou seu voto, não das listas eleitorais e permitindo aos ticas e ideológicas muito diferentes se
saberá de quem cobrar a representa- eleitores uma clara diferenciação polí- elegem por conta da performance de
ção. Esta fica diluída em uma relação tica e ideológica para seu voto, além de, outros candidatos individualmente.
personalista e individual, que não claro, permitir uma relação colabora- Para garantir a manutenção de pe-
permite a constituição de formas de tiva entre os candidatos de um mesmo quenos partidos ideológicos, existe a
incidência do cidadão na própria re- partido, o oposto do que ocorre hoje, ideia das Federações de Partidos, que,
presentação. O efeito secundário disso em que há uma competição interna entretanto, precisam estar compro-
é um afastamento do eleitor do Poder para ver quem será o mais votado e, metidas com um tempo mínimo de
Legislativo, pois ele não se reconhece com isso, garantir sua eleição. funcionamento para não se transfor-
ali, enxergando os políticos longe dos Por último, rápidos argumentos a mar em um mecanismo oportunista.
interesses reais da população. favor da fidelidade partidária e do fim Já a fidelidade partidária é um
A ideia de que os partidos tendem das coligações proporcionais. Como princípio fundamental da regra de-
a se oligarquizar com a instituição do fica evidente, trata-se de duas regras mocrática, uma vez que o partido,
voto em lista não se comprovou fatica- que estão totalmente relacionadas com nesse contexto, é o depositário da
mente. Nos países em que ele existe, o a adoção do voto em lista e proporcio- representação, e não o parlamentar,
nível de democracia dentro dos parti- nal. Senão, vejamos: individualmente. Esse debate é com-
dos é igual ou superior ao brasileiro. E A ideia da proporcionalidade é ga- plexo e vem de longe. Está em jogo,
a lista que sugerimos deve ser consti- rantir a representação real de todas nesse caso, a ideia de uma delegação
ampla e aberta ou de uma delegação
específica, que permite um controle
rigoroso dos eleitores – senão de todos,
pelo menos de uma gama de eleitores
politizados, que participaram interna-
mente da definição da lista.
O princípio da fidelidade partidária
fortalece o partido como o instrumen-
to de mediação com a política e com
o Estado e, ao mesmo tempo, garante
aos eleitores mecanismos de controle
da delegação do mandatário. Ao apro-
ximar o eleitor do eleito, através do
partido, cujo objetivo é sempre am-
pliar sua representação e seus filiados,
a obrigação da fidelidade estabelece
vínculos orgânicos entre os deputados
e os eleitores, sejam eles filiados ao
Leonardo Prado
partido ou não. ✪
Henrique fontana, deputado federal (PT-RS),
relator da Comissão Especial da Reforma Política
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7. RefoRma PolíTica
Por que voto em
lista preordenada
Esse sistema, como garante a proporcionalidade, ajuda a preservar os direitos das
minorias, evita as deformações na representação e é essencial para a introdução
do financiamento público exclusivo de campanha
a
o debater na Comissão Especial dição essencial para a introdução do sagens individualistas e desconexas.
de Reforma Política a adoção financiamento público exclusivo de Esse método fortalece as institui-
do voto em lista preordenada, campanha, já que o financiamento ções partidárias, coíbe a existência de
defendi um sistema largamente uti- público de milhares de campanhas in- partidos de aluguel – ajuntamentos
lizado no mundo. Esse modelo ga- dividuais seria inexequível e o controle circunstanciais, sem elaboração nem
rante a proporcionalidade, facilita o dos gastos de realização, impossível. programa, que servem apenas no epi-
financiamento público exclusivo das Continuaríamos na situação atual, em sódio eleitoral para prestar um serviço
campanhas, cria as condições para que o candidato finge prestar contas e eventual a certas personalidades. Esse
um debate eleitoral racional em torno os tribunais fingem que as examinam. tipo de político que não tem compro-
de programas e propostas, fortalece e Situação diferente seria um tribunal missos programáticos ou ideológicos
democratiza os partidos e faz com que verificar as contas de um pequeno e, por isso mesmo, migra de partido
o voto não seja tão personalizado, des- número de listas partidárias. Assim com grande desenvoltura.
politizado e apartidário, como é hoje. criaríamos os instrumentos legais para O voto em lista pressupõe o fim
O voto em lista preordenada con- um maior controle dos gastos de cam- das coligações proporcionais. Isso
siste no seguinte: no ano da eleição, panha, contribuindo para barateá-las. serve para explicitar a força própria
cada partido reúne-se em convenção Atualmente, o debate nas eleições de cada partido, o que é um fator de
e prepara sua lista de candidatos aos legislativas é desordenado, quase in- governabilidade. A sociedade ficaria
cargos legislativos em disputa. compreensível, nada pedagógico. São sabendo com precisão quem é quem
Durante a campanha eleitoral, milhares de vozes individuais veicu- na composição das bancadas nas di-
cada partido pede votos para sua lando propostas muito particulares, ferentes casas legistativas.
lista. As vagas, dentro do partido, se- às vezes dispensando pouca atenção Contra o sistema de votação em lis-
rão repartidas segundo a ordem pre- à área de competência da esfera de ta, alegam alguns que ele favoreceria
viamente estabelecida. Se o partido poder em disputa e constantemente o caciquismo e a oligarquização das
conquistou uma vaga, será declarado despreocupadas com sua exequibili- direções partidárias. Temem que na
eleito o primeiro da lista, se conquis- dade e legalidade. No sistema de lista, hora da formação da lista partidária
tou duas, o primeiro e o segundo, e cada partido apresentaria seu progra- imponha-se a vontade dos caciques,
assim sucessivamente. ma e suas propostas, estabelecendo em detrimento da vontade das bases.
Esse sistema, na medida em que com os demais um debate racional. Esse risco existe. Vale, no entanto, res-
garante a proporcionalidade, preser- A sociedade tomaria conhecimento saltar que não é exclusivo do sistema
va os direitos das minorias, evita as de algumas propostas coletivas e as de lista. Todos sabemos que no atual
deformações na representação cau- discutiria, em vez de ficar aturdida, sistema muitos partidos são domina-
sadas pelo sistema distrital e é con- bombardeada por milhares de men- dos por oligarquias e caciques.
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8. A solução, portanto, não está em
vetar o sistema de lista, portador de
muitas virtudes. Está, sim, em apostar
numa legislação que estabeleça crité-
rios democráticos para a formação das
Democracia
listas, em lutar pelo funcionamento
permanente e democrático dos par- A participação de Lula A comissão tem até o final de maio
tidos e em desenvolver a consciência para transformar suas conclusões em
de que, no sistema de voto em lista, o
no processo em disputa Projetos de Lei e Propostas de Emenda
partido que adotar métodos autoritá- pela reforma política Constitucional, para apreciação do
rios para a formação de sua chapa será será fundamental conjunto dos senadores.
rechaçado pelos eleitores. O PT teve intensa participação
Estou seguro de que a introdução
para levar adiante nos debates, com a presença de qua-
desse sistema vai fortalecer e demo- temas caros ao Partido tro senadores – além de mim, inte-
cratizar as instituições partidárias e dos Trabalhadores: gram a comissão os petistas Jorge
tirar espaços das siglas de aluguel. As Viana (AC), Ana Rita (ES) e Wellington
campanhas também ficarão mais ba-
financiamento público Dias (PI).
ratas, o que contribuirá para reduzir as de campanha, voto Mais do que intensa, porém, a pre-
brechas para corrupção e dar trans- proporcional em lista sença do PT na Comissão de Reforma
parência e respeitabilidade à atividade Política foi altamente produtiva, tra-
política, ampliando a democracia em
fechada e fidelidade zendo para o centro do debate questões
nosso país. ✪ partidária fundamentais e arejando um processo
que corria sério risco de limitar-se aos
a
temas periféricos.
reforma política entra mais Graças à representação petista na
uma vez na pauta de debates comissão, pela primeira vez estarão
do Congresso Nacional, mas em pauta, fora dos limites dos parti-
agora com um componente novo e dos de esquerda, temas fundamen-
animador para quem espera mudan- tais como o financiamento público de
ças reais no sistema político-eleitoral campanha e a votação proporcional
brasileiro. em lista fechada.
A nov idade é que bandeiras Esses dois pontos, aliados à fide-
desde sempre defendidas pelo PT, e lidade partidária, representam mais
muitas vezes satanizadas pelo senso que simples mudanças no sistema
comum, saíram do limbo das utopias político-eleitoral. Representam uma
e ganharam protagonismo no deba- ruptura com práticas políticas tão an-
te. Entre elas, os pilares da proposta tigas quanto arraigadas.
do partido para o sistema político- Nosso sistema político-eleitoral foi
eleitoral brasileiro: financiamento construído e moldado para atender
público de campanha, voto propor- aos interesses do poder econômico,
cional em lista fechada e fidelidade amalgamando uma cultura política
Arquivo/Decom
partidária. baseada na centralização, no coro-
Essas foram algumas das propo- nelismo, no assistencialismo e no
sições encampadas pela Comissão fisiologismo.
Rubens otoni, deputado federal (PT-GO) e sub-
de Reforma Política criada no Sena- Romper com isso significa apro-
relator da Comissão Especial de Reforma Política do Federal, que concluiu a primeira fundar a democracia, ampliar a par-
na Câmara etapa dos trabalhos no dia 13 de abril. ticipação popular e promover mu-
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9. RefoRma PolíTica
com D maiúsculo
danças efetivas nas regras do jogo, Outro ponto fundamental é a O financiamento público, além de
de forma a criar condições de igualda- existência de condições iguais para a diminuir o risco de corrupção, é mais
de na disputa eleitoral e permitir que disputa. Por que os bem intenciona- barato para o Estado. Reduz o número
maiorias e minorias sejam legitima- dos que defendem o financiamento de candidatos, torna as campanhas
mente representadas nas instâncias privado não querem o financiamento menos onerosas e elimina a relação
de poder. público? Porque estão identificados promíscua do representante eleito com
Foi com essa perspectiva que cria- com interesses e posições de um seg- o doador.
mos o PT. Porque entendemos que o mento importante das elites. E, se as Essa é uma questão-chave para o
partido é o instrumento de representa- elites econômicas decidem apostar PT. E o sistema eleitoral que melhor
ção política e ideológica de um grupo naqueles que defendem seus interes- viabiliza o financiamento público é a
social. E que uma democracia forte ses, a esquerda está fora da disputa. votação proporcional em lista fecha-
pressupõe a existência de partidos for- Hoje o PT obtém apoio financei- da, por isso optamos por esse sistema.
tes e de um sistema político no qual o ro porque está no poder. Mais do que Com a lista fechada, a campanha é do
que tem peso são as ideias. amar as ideias, as elites amam o poder, partido, não do candidato. Elimina-se
Eu resumiria em quatro pontos os principalmente as que dependem da a disputa entre os candidatos.
fundamentos da proposta do PT: relação com o Estado para sobreviver. Se por um lado há o risco de o
Partidos fortes, para que a popula- O PT, por sua vez, tem um com- sistema de lista fechada fortalecer
ção possa escolher entre propostas promisso histórico com as classes o caciquismo partidário, por outro
para a sociedade e para que maiorias populares. Para que ideias distintas é perfeitamente possível evitar que
e minorias possam se fazer repre- possam ser disputadas em condições isso aconteça. Por exemplo, com uma
sentar; de igualdade na sociedade, fortalecen- legislação que defina claramente como
Um sistema eleitoral fundamentado do o conceito de democracia, o finan- se dá o processo de escolha dos candi-
no voto proporcional para as casas ciamento público é o único caminho. datos dentro dos partidos. Com meca-
legislativas, porque isso permite a No sistema atual, quem não tem nismos que garantam a representação
representação das maiorias e das dinheiro, mesmo com um trabalho de maiorias e minorias.
minorias, ao contrário do “distri- relevante para a sociedade, não tem No entanto, a defesa do sistema
tão” e do voto distrital puro, que como ocupar espaço, enquanto ou- proporcional com lista fechada não
consolidam a representação das tros, sem trabalho, sem relevância, pode ser uma obsessão para o PT. Se
elites; sem construção social alguma, con- for possível construir uma alternativa
O voto no partido e em seu ideá- seguem mandatos para legislar em de sistema que preserve a representa-
rio, em vez do voto no candidato, nome da sociedade. ção das minorias e, ao mesmo tempo,
por meio de um sistema de lista Não é preciso ir muito longe para seja compatível com o financiamento
fechada – o que também contribui entender isso. Basta analisar o perfil público, defendo o debate dessa pro-
para a governabilidade, evitando o dos doadores de campanha. O doador posta dentro do partido.
paradoxo do sistema atual: vencer mais comum não é o cidadão, mas a Nas próximas semanas, além das
uma eleição majoritária sem obter empresa que tem algum tipo de in- proposições aprovadas pela Comissão
maioria no Legislativo. teresse em relação ao Estado, desde de Reforma Política do Senado, outras
A fidelidade partidária, fundamental gozar do prestígio de conhecer o go- certamente serão apresentadas pelos
para que o partido, que é o instru- vernante até mesmo de querer trata- partidos e discutidas pelo conjunto
mento de efetivação da democracia, mento diferenciado, ilegal, ilícito para dos senadores, para, em seguida, ser
detenha a posse do mandato. obter vantagens nessa relação. submetidas à votação.
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10. Ao lado da fidelidade partidária, do permissão para as eleições majo- mínimo, três representantes de di-
voto proporcional em lista fechada e ritárias. ferentes estados.
do financiamento público de campa- Fixação de teto para os gastos de Cota de 50% de mulheres e 50% de
nha, a comissão levará ao plenário do campanhas eleitorais efetuados homens nas listas fechadas.
Senado as seguintes propostas: pelos partidos. Realização de consulta pública sobre
Redução no número de suplentes de Candidatura avulsa (o que considero o sistema eleitoral.
senador, de dois para um; em caso a grande contradição da proposta, No caso dos suplentes, pretendo
de afastamento, o suplente assume porque é incompatível com o siste- apresentar uma emenda que permita
o cargo mas não sucede o titular, só ma de lista fechada). o afastamento do cargo de um sena-
com uma nova eleição; proibição Manutenção do prazo mínimo de dor apenas para ocupar, no Execu-
de suplente que tenha parentesco um ano para filiação partidária. tivo, posto do mesmo nível, ou seja,
com o titular. Proibição de que prefeitos e vice- de ministro. Além disso, a ausência
Nova data de posse: governadores prefeitos mudem de domicílio du- temporária só seria permitida por pe-
e prefeitos em 10 de janeiro e presi- rante o mandato, para evitar que, ríodo correspondente a um mandato
dente da República em 15 de janeiro. após a eleição, possam se candida- do Executivo – se o afastamento for
Manutenção do voto obrigatório. tar em outro município. maior que isso, o senador deve re-
Fim da reeleição e aumento de Manutenção da cláusula de desem- nunciar.
quatro para cinco anos no prazo penho com os critérios atuais, ou No tocante à fidelidade partidá-
do mandato de presidente da Re- seja, têm direito ao funcionamento ria, talvez seja conveniente agregar
pública, governadores e prefeitos. parlamentar na Câmara dos Deputa- uma emenda que exija tempo mí-
Fim das coligações nas eleições dos apenas os partidos que tenham nimo para a fusão de partidos no-
proporcionais, mantendo-se a elegido e mantenham filiados, no vos com outros já existentes, para
impedir que novas legendas sejam
Mario Agra
criadas apenas como “janelas” para
a migração de parlamentares de um
partido para outro.
Tudo isso ainda será objeto de dis-
cussão e aperfeiçoamento dentro e fora
dos partidos, e é fundamental que a
sociedade entre no debate, inclusive
pressionando para que esses esfor-
ços não morram na praia. Nenhuma
reforma política será aprovada pelo
Congresso sem que haja pressão da
sociedade.
Para isso, contamos com um ator
importante no processo, que tem
condições de ajudar a mobilizar a
sociedade em torno do tema, por sua
credibilidade e por sua capacidade
de ser ouvido: o ex-presidente Lula.
Ele já está a postos para se engajar em
mais esta etapa da luta do PT por uma
democracia forte e verdadeira, uma
democracia com D maiúsculo. ✪
Humberto costa, senador da República (PT-PE)
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