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TERÇA-FEIRA6
Recife, 23 de abril de 2013 TURISMO FOLHA DE PERNAMBUCO
THIAGO SOARES
“A chuva,
agora, mu-
dou de ho-
rário. Essa
coisa de
desmata-
mento, de-
sequilíbrio
ambiental,
dánisso”,disseAntônioManoel,
46, taxista que leva Vanessa
Cavalcanti, 30, do Aeroporto
Val-de-Cans até o centro de
Belém. Passa do meio-dia e
nem sinal das nuvens densas
queencobremocéudacapital
paraense depois das 15h. Hoje
é 12 de abril de 2013 e, há um
ano, Vanessa casava com Gil-
berto Moraes, 41. Dois meses
depois, ele era transferido para
Belém. Ela ficara no Recife. Ia
a cada dois meses encontrá-lo.
Passavaofinaldesemanaevol-
tava. Sempre numa espécie de
rancor por Belém ter tirado seu
marido de casa.
O táxi segue.
O apartamento dele é na
Avenida Governador José Mal-
cher,bairrodeNazaré.Elajáco-
nhece o porteiro, sobe sem
avisar. Ao chegar em casa, si-
lêncio.Abreportas.Invadequar-
tos, escritórios. O marido não
está.Cansada,rostocomaque-
la camada de suor, misto da
umidade paraense e de um
lampejo de preocupação, liga.
Quatro,cincotoquesnocelular.
Ele atende rindo: “atravesse a
rua,tônessehotelaquidafren-
te, era pra ser uma surpresa”.
O pacto seria um final de se-
mana romântico em Belém,
comemoração de um ano de
casamento. Ele reservara um
apartamentonumhotel,sairda
rotina, cama arrumada, muitos
travesseiros. Talvez Vanessa ti-
rasse um pouco aquela má
impressão: Belém poderia dei-
xar de ser apenas a cidade
quehavia“furtado”seumarido.
Passaria a ser uma cúmplice?
Juntos, rumaram para a Es-
tação das Docas. Passava das
14h, a fome apertava e Vanes-
sa, já meio sem paciência, não
queria aquelas comidas exóti-
cas, tucupi, tacacá, onomato-
peias estranhas. O marido in-
sistiu que ela provasse um
peixe de textura aveludada,
que vinha apenas grelhado: fi-
lhote. Sentaram-se numa das
mesas externas do restaurante
Lá em Casa, as águas da baía
do Guajará amarronzadas, o
ventoquepareciaanunciarela,
a chuva. As gotas caíam. Va-
nessa mastigava o veludo do
peixe.Aquelasensaçãodeágua
molhandoaterraeraalgocomo
o peixe amaciando a boca. De
repente, o jorro do suco de
bacuri adentra à garganta, sa-
tisfaçãoúmida.Vanessaparece
ceder. E não é que essa comi-
da tem algo de encantamento?
Olhando para o rio, o céu de
nuvens carregadas, era chuva
sobrerio.Águasobreágua.EVa-
nessa e Gilberto decidiram:
vamos até o Mercado Ver-o-
Peso de braços dados com a
chuva. Saíram correndo. Che-
garam ensopados.
“E desde quando ir a um
mercado é programa român-
tico?”, já brincava uma Va-
nessa mais humorada. Gil-
berto solta um “vem ver” e ca-
minhando entre os boxes,
eles são tomados por perfu-
mes naturais: o cheiro do cu-
puaçu sendo “tratado”, o
vapor da maniçoba na pane-
la destampada. Vão até perto
da sacada que dá para o rio. E
tanta mansidão de água pa-
recia dizer: “tudo que é gran-
de, é infinito”. Talvez o que
una duas pessoas seja isso. A
grandeza. O rio.
À noite, estavam provando
pirarucus defumados, farofas
texturizando pratos, no res-
taurante Remanso do Bos-
que, do chef Thiago Castanho.
E não brindaram com cham-
panhe ou espumante. “Traz
uma cachaça de jambu”,
disse Gilberto. Brindaram um
ano de casamento com um
copinho, lapada, boca dor-
mente. Beijo bom é como
morder jambu, já tinha ouvido
algum local dizer. E era.
Dia seguinte, rumaram para
a Ilha do Combu. Atravessa-
ram de barco, chegaram às
palafitas do restaurante Sal-
dosa Maloca. Ali, os prédios de
Belém ao fundo e ao longe, to-
maram banho de rio, foram le-
vados pela correnteza, se se-
guraram numa das escadas
do píer. Entardecia quando
foram tomar uma cerveja de
bacuri na Amazon Beer e se
embreagaram do magenta do
céu sentados no terraço da
Casa das Onze Janelas.
O relógio parecia apressado.
E quando Vanessa já parecia
estar cúmplice de Belém, vem
o último dia, domingo derra-
deiro, no Mangal das Garças,
essa área verde, à beira do rio
Guamá, viveiro de mais de 120
espécies de aves. No borbole-
tário, mais de 600 tipos de bor-
boletas. Daqueles dias de sol à
pino, propício a fotos em con-
traluz, Vanessa e Gilberto fize-
ram um “instagram” num dos
píers do Mangal, já avistando o
Portal da Amazônia – essa área
de lazer à beira do rio, dando
aquela ideia de que era preci-
so voltar.
Passava das seis da tarde
quando Gilberto pereceu sus-
surrar “você é meu rio” e Va-
nessa – meio tonta – quis dizer
“Belém mostrou isso a gente”.
Mas ela guardou aquilo para si.
O segredo de quem finalmen-
te aprende que “ser rio” é estar
emtrânsito.Entreumamargem
e outra. Um cidade e outra. Re-
cife e Belém.
*Relato documento-ficcional de
um casal na cidade de Belém,
com inspiração da tradição do
jornalismo literário.
Belém de rio e de amores
Um casal, uma cidade, um roteiro romântico na capital do Pará
INSCRIÇÃO afetiva nas cercanias do Mercado Ver-o-Peso
Belém a dois
Dar um beijo com a boca dormente depois de
mastigar jambu
Tomar sorvete de cupuaçu olhando a Baía de
Guajará
Fazer um passeio de barco ouvindo “Moreno”, de
Dona Onete
Andar de mãos dadas na chuva da tarde
Ver como a vida pode ser doce como uma fatia de
torta de chocolate com cupuaçu da Portinha
Thiago Soares/Cortesia
Thiago Soares/Cortesia
2304pr06:Layout 1 22/04/2013 18:17 Página 1
DOMINGO
7Recife, 28 de abril de 2013BRASILFOLHA DE PERNAMBUCO
Editora: Cynthia Morato Telefone: 34255848
NUVENS densas no final da tarde, nas proximidades do Mercado Ver-o-Peso: chuva age na dinâmica da cidade
A metrópole em que todos
oscaminhoslevamàchuva
Precipitações em Belém criam poética e ressignificam cotidiano
THIAGO SOARES
Enviado especial
BELÉM -
Chuva no
Pará tem
prelúdio.
Primeiro,
uma espé-
cie de sua-
ve ventania.
Depois, algumas rajadas mais
intensas. Até que aparece, ao
longe, um estrondo. Um tro-
vão. Um clarão: o relâmpago.
E a água vem. O que parece
ser mais que usual para os vi-
ventes da região Norte do
Brasil, soa como uma das cu-
riosidades para quem chega
pela primeira vez na capital do
Pará. Em Belém, chuva é
ponto turístico. Com direito a
interesse particular, inclusi-
ve, de turistas. “Tenho amigos
que vieram para cá para co-
nhecer a nossa chuva. Ficam
impressionados com as ca-
racterística, os horários, a in-
tensidade”, diz o estudante de
Turismo, Lauro Alves. De al-
guma forma, parafraseando as
premiações da Unesco, esta-
mos falando da chuva como
uma espécie de “Patrimônio
Imaterial Natural”. Algo real-
mente único, específico desta
região do Brasil.
De acordo com Lincoln
Muniz Alves, climatologista
do Instituto Nacional de Pes-
quisas Espaciais (INPE), o li-
toral da região Norte traz uma
característica peculiar. “A pro-
ximidade da Linha do Equa-
dor e o aquecimento das
águas oceânicas têm sido fa-
tores de acréscimo da já vasta
vocação pluviométrica da re-
gião Norte do Brasil”, observa.
Sobre as “chuvas de hora
certa”, que acontecem, em
geral, na parte da tarde, o cli-
matologista esclarece: “Com
o nascer do sol, a temperatu-
ra sobe, provocando aqueci-
mento das águas e, com isso,
a evaporação. O vapor de
água no ar se eleva, forman-
do grandes nuvens com pre-
cipitações no final do dia”.
A “hora certa” da chuva na
região paraense nada mais é
do que o encerramento do
diário ciclo das águas. “O pro-
cesso de aquecimento glo-
bal e de alguns fenômenos es-
pecíficos como o La Niña têm
causado alterações deste ho-
rário da chuva. No litoral do
Norte, onde se encontra
Belém, este horário tem ‘caí-
do’ para mais cedo”, observa
o climatologista. A presença
da adensada floresta equato-
rial da Amazônia cria, segun-
do o especialista, especifici-
dades, inclusive, nas nuvens
existentes nesta parte do Bra-
sil. “Locais com mais de dois
mil milímetros de precipitação
anual apresentam caracterís-
ticas distintas de nuvens. É
como se houvesse camadas
delas entre o céu e o solo. Por
isso, tamanha umidade nas ci-
dades nortistas”, atesta.
A chuva em metrópoles nor-
tistas como Belém gera uma
poética específica da ocupa-
ção urbana, conforme obser-
va a pesquisadora Lucréssia
D’Alessio Ferrara, coordena-
dora do grupo de pesquisa
“Espaço/Visualidade” na PUC-
SP. “Uma das questões cen-
trais hoje é debater as dife-
renças de vivência e ocupa-
ção do espaço urbano brasi-
leiro. No caso das metrópoles
nortistas, a chuva é um fator
de sociabilidade e de agen-
damento de fazeres cotidia-
nos”, explica.
Melancolia das águas na vivência urbana
A cantora Gaby Amaran-
tos é uma das que reconhe-
cem a beleza da chuva. Tanto
é que incluiu a faixa-título
“Chuva” em seu primeiro
álbum, “Treme”, lançado ano
passado. “No Pará, a gente
naturaliza a presença da
chuva na nossa vida. Mas é
algo que realmente define o
nosso cotidiano”, atesta, em
entrevista por telefone. O cu-
rioso é que a música “Chuva“
foi composta por duas “es-
trangeiras” paraenses: a ca-
rioca Thalma de Freitas e a
paulista Iara Rennó. “Foi o
olhar de fora das meninas
que me ajudou a perceber
algo que a gente vivia”, ob-
serva Gaby Amarantos.
Para a pesquisadora de cul-
turas urbanas Lucréssia
D’Alessio Ferrara, a chuva
traz à tona uma vocação me-
lancólica para a urbanidade.
“Chover significa se prote-
ger. A partir dessa premissa,
tem-se uma reocupação do
espaço privado, da casa, em
todas as suas subjetividades”,
pontua. Entretanto, a pesqui-
sadora comenta que em me-
trópoles como Belém, o en-
frentamento da chuva sem-
pre foi uma característica
particular. “É desta ambigui-
dade que se constrói a parti-
cularidade da vivência urba-
na em Belém: há a melan-
colia do espaço interno da
casa quando chove e a efu-
são externa do barulho da
água a cair”, comenta.
O excesso de água, seja da
chuva ou através da “man-
sidão” dos rios, criando um
espaço da melancolia, é um
dos pontos centrais para
pensar o lugar da ocupação
urbana na região Norte.
Neste sentido, Belém apre-
senta uma complexidade di-
ferenciada de Manaus, em
função de sua característica
litorânea. “Há um híbrido
da urbanidade que se pro-
jeta na cidade, do rio como
um fator de margeamento e
o clima com ecos litorâneos
e tropicais agindo sobre as
dinâmicas urbanas. É desta
união de fatores que se
constitui o viver em Belém”,
atesta Lucréssia D’Alessio
Ferrara.
Segundo a pesquisadora, o
turista que chega a Belém é
imerso num ambiente parti-
cular “que envolve além dos
sabores e da gastronomia
muito peculiares, também
uma atmosfera específica em
função do clima e do exces-
so de água”. Ela assugura: “O
ar da região Norte do Brasil
precisa ser pensado como
um patrimônio, assim como
a chuva e as águas. São agen-
tes fundamentais que nos
ajudam a pensar todo um
estilo de vida que perpassa a
urbanidade de uma metró-
pole como Belém”.
ENFRENTAMENTO da chuva é parte do dia a dia
PEIXE e a mansidão dos rios criam especificidade
Fotos: Thiago Soares/Cortesia
2804br07:Layout 1 27/4/2013 00:47 Página 1
TERÇA-FEIRA6
Recife, 30 de abril de 2013 TURISMO FOLHA DE PERNAMBUCO
AV. GUIA
GUIA DE TURISMO
COR
6X10
Onde a
rua é rio
Uma forma de
experienciar o rio
na capital do Pará
é atravessar até a
Ilha do Combu
THIAGO SOARES
BELÉM-Che-
gonaEstação
das Docas,
tomoumsor-
vete sugesti-
vamentecha-
madode“ca-
rimbó” (las-
cas inteiras
de cupuaçu, uma delícia) e
vou até à margem da Baía do
Guajará. Aquela água toda.
Vejo um casal no parapeito
metálico que divide o rio e
imagino ele dizendo “I’m the
king of the world!” e segu-
rando ela - cena de “Titanic”.
Dá vontade, então, de atra-
vessar aquela água. Quem
sabe molhar o pé, dar um
mergulho, tomar um banho.
Vejo as opções de passeios,
ali, ao lado das Docas. Minha
vontade é uma só: quero
tentar uma utopia “a la” “Ti-
tanic”, atravessar de barco,
sentar no outro lado da mar-
gem, tomar uma cerveja,
comer um peixe - um filhote
na brasa, de preferência
(esse delicioso peixe dos
rios nortistas).
Sempre acho que o melhor
de uma cidade se conhece
com os moradores. Não
tenho dúvidas: vou tentar
saber como é que os pró-
prios moradores de Belém
“usam” o rio como lazer. Há
praias fluviais próximas à ci-
dade, largas faixas de areia,
tecnobrega tocando - me
dizem. Há praias oceânicas
também. Mas, começo a gos-
tar da ideia de atravessar de
barco até a Ilha do Combu,
um bairro da capital pa-
raense, repleto de bares e
restaurantes, que fica na
margem do rio Guamá. Uns
estudantes da Universidade
Federal do Pará (UFPA) me
dizem que adoram atraves-
sar o rio num barco regional
que chamam sugestivamen-
te de “pó-pó-pó” (algo que
sugere o barulhinho do
motor da embarcação sendo
ligado). Achei poético: o rio,
o barco, a onomatopeia “pó-
pó-pó”. Quando me vi, no dia
seguinte ao de minha che-
gada a Belém, lá estava eu
no bairro de Jurunas, num
píer rumo à Ilha do Combu.
A Ilha do Combu está bem
frente a Belém, a uma dis-
tância de 1,5 quilômetro ao
sul da cidade. Fica à margem
esquerda do rio Guamá e
possui cerca de 15 quilôme-
tros quadrados. É uma forma
rápida de curtir essa coisa
“do rio como rua”, me disse
um estudante da UFPA. Gos-
tei dessa ideia do “rio como
rua”. Não tem muito mistério
para chegar até esse píer
para fazer a travessia. Todo
taxista sabe onde é. Che-
gando lá, nada de cerimônia.
O moço que vende refrige-
rantes e cervejas - tomei um
refri doce e delicioso cha-
mado “Garoto”, algo bem
particular (“O Garoto está
para Belém assim como o
guaraná Jesus, para o Mara-
nhão”, me diz uma fonte) -
avisa quando sai barco para
o Combu. É tudo muito in-
formal, a gente suando bicas,
tomando Garoto e entrando
no barco, o tal barulhinho
“pó-pó-pó“.
O barco é como uma “lo-
tação” daqui do Recife, sai
quando “lota” e paga-se R$
3,00 (cada trecho). Há bares
e restaurantes que funcio-
nam como uma espécie de
“day use” na Ilha do Combu.
Muitas indicações para a Ma-
loca do Pedro e para o Sal-
dosa Maloca (sim, com “l”
mesmo). Com ajuda do blo-
gueiro paulista Marcelo Kat-
suki - que estava também
atravessando para um dia
por lá - escolhemos o Saldo-
sa. O rio “alto”, correnteza,
aquela coisa. O clima é meio
praia, gente nas mesinhas
nas palafitas. Um peixe à
mesa - não o filhote, mas
uma pescada inteira, assada
- um deleite para os olhos.
Uma cerveja. E o rio para se
banhar. Vamos até uma das
sacadas, há uma escada que
nos “leva” até às águas e
aquele jorro de correnteza
como uma energia que nos
toma. Os barcos não param
de chegar e sair, levando e
trazendo mais pessoas.
Ouvimos as conversas nas
mesas vizinhas. Pessoas de
Belém trazendo amigos para
“turistar”, casais vindo passar
um dia “diferente”. Esse co-
tidiano (re)inventado de
gente que vai e vem pela cor-
renteza do rio. Belém está ao
longe. O “skyline” de prédios
nos dá a impressão de que
estamos bem mais distantes.
Na verdade, é apenas 1,5
quilômetro. “Mas o rio pare-
ce fazer uma barreira entre
aqui e lá”, me diz uma pes-
soa, sobre esse estigma do
rio que é rua - com os zum-
bidos dos barcos e um jet ski
ao longe. Até que venta, vem
uma nuvem e chove. Água
sobre água. E lembro de uma
cantora a dizer que “dentro
do mar tem rio”. Quando
chove no Combu, a gente
tem a impressão de que den-
tro do rio tem rio. E é tarde.
Hora de voltar.
Enviado especial
Em 1997, a Ilha do
Combu foi transformada
em Área de Proteção
Ambiental (APA), através
da lei nº 6083. A lei diz
que, em respeito ao ma-
nejo, implantação e fun-
cionamento, podem ser
utilizados instrumentos
legais para incentivos fi-
nanceiros governamen-
tais a fim de proteger o
uso racional dos recur-
sos naturais, impedir ati-
vidades causadoras de
sensível degradação da
qualidade de vida ambi-
ental, principalmente der-
rubada de açaizeiro, para
comércio do palmito.
SAIBA MAIS
EMBARCAÇÃO regional chamada de “pó-pó-
pó” (foto maior) entre as mansidões das águas
e do céu paranse leva turistas para passar o dia
na Ilha do Combu. Textura das águas e o grafis-
mo do barco (acima). Vista da embarcação (ao
lado) dá uma noção da distância que se atra-
vessa para usufruir um pouco do rio que é rua
na capital do Pará
Thiago Soares/Cortesia
Vanessa Lins/Cortesia Mariana Lins/Cortesia
LISTA
Ranking dos 50 melhores restaurantes é liderado
pelos espanhóis Roca
PÁGINA 6
SABORESEditora: Vanessa Lins e-mail: saborespe@gmail.com Telefone: 34255861
SEXTA-FEIRA
Recife, 3 a 9 de maio de 2013
Paisagem
Bacuri, tucupi, tacacá, jambu. Para os paraenses, ingredientes corriqueiros na cozinha do dia a
dia. Já para a maioria dos brasileiros, são apenas nomes sem formas correlatas nem gostos
familiares. Puro exotismo. Surpreendentemente, o contraponto a essa desinformação a respeito
da comida nortista e, por que não (?), sua cultura de modo geral, uma das únicas referências
que se tem é o Ver-o-Peso, mercado municipal na cidade de Belém.
Não por acaso. É ele que reúne todos os principais produtos que vão para as panelas e cuias da
capital do Pará. É onde o açaí que abastece a cidade é desembarcado, bem como os peixes
amazônicos capturados nos rios que margeiam municípios ribeirinhos. É onde se vendem porções
mágicas e banhos de ervas que prometem pedidos atendidos, basta seguir as instruções das
“cheirosas” e ter fé. Mas o Ver-o-Peso é mais que um espaço para o estabelecimento de relações
comerciais, de compra e venda. Ele é o registro emoldurado, e dinâmico, por prédios antigos e
tendas modernas, do modo de viver do povo belenense. A ele, hoje, nossa reverência.
Páginas 2 e 3
comestível
Foto:JeanBarbosa/Divulgação
SEXTA-FEIRA2
Recife, 3 a 9 de maio de 2013 SABORES FOLHA DE PERNAMBUCO
BELÉM (PA) -
Certavez,alguém
falou que “só é
possível saber da
essência de um
lugar quando se
conhece o seu
mercado públi-
co”.Afrasepareceuplausíveldeime-
diato, mas só ganhou sentido com-
pleto quando colocamos os pés em
Belém, capital do Pará. Emoldurado
pelo principal elemento geográfico
do Estado, o rio (precisamente às
margens da Baía do Guajará), o Ver-
o-Pesoéatraduçãoliteral,noâmbito
sociológico, de um dos fragmentos
mais importantes da cultura local: a
comida e a relação que o paraense
tem com ela. O espaço, na verdade
umcomplexode12minipavilhõesdi-
vididos por tipos de produtos (horti-
frutigranjeiros, industrializados, lan-
ches,refeição,polpas,mercearia,fa-
rinha, artesanato, plantas ornamen-
tais, ervas medicinais, artigos para
pássaros e camarão seco) ao ar
livre e também sob construções an-
tigas, encapsula tudo o que for co-
mestível,sobretudo,napaisagemdo
estado. Mas não só. Não há exagero
algum em afirmar que o Ver-o-Peso
é o ethos de Belém no to-
cante aos seus ritos e
modos corriqueiros.
O exotismo da quase
misteriosa paleta de sa-
bores nortistas já seria
argumento suficiente
para tornar a visita
numa experiência re-
veladora. Mas essa
tipicidade compos-
ta por açaís fres-
cos,pupunhasem
cacho, cupuaçu,
bacuri, jambu, fa-
rinhasd´água,de
tapioca ou suruí, tucupis, manivas,
vistosos peixes amazônicos e tabu-
leiros de camarão seco, que é o que
dá a “liga” do espaço, entretanto,
ganha o reforço dos fazeres exerci-
tados nas entranhas da grande feira.
“Os mercados públicos expressam
os hábitos do cotidiano na comuni-
dade e, ao mesmo tempo, é a liga-
dura que atrai pluralidade entre os
seus frequentadores, enfatizando
de forma singela as relações huma-
nas, por meio do encontro entre co-
nhecidos e desconhecidos, unindo
partes ao todo, congregando con-
fiança e movimento nesses am-
bientes”,concluiAnaCláudiaFrazão,
pesquisadoraeprodutoraculturalda
Comedoria Popular.
Que não há porquê discordar da
teórica pernambucana, já que ao
adentrarnaquelescorredores,parece
que o viver do paraense se descor-
tina sem pudor. Seja no já citado re-
pertório de ingredientes nativos
pouco conhecidos no restante do
País, seja no jeito peculiar, um misto
de abordagem íntima e permissiva,
de os vendedores barganharem fre-
guesia, seja ainda nos boxes de ali-
mentação. Aliás, é neles que a vida
real se faz mais real. Achar um es-
tandequevendapãonachapaecafé
com leite não é exatamente a tare-
fa mais simples. Mas busque um
peixe frito com farinha e creme na-
tural de açaí, a coisa muda de figu-
ra. A tríade é servida amplamente a
qualquer horário do dia. Presta-se
como refeição principal no café da
manhã,noalmoçoenamerendada
tardinha, podendo ganhar compa-
nhia de suco natural de bacuri, cu-
puaçu,maracujá,taperebá,cacauou
de qualquer outra fruta nativa, tam-
bémvendidasinteirasenaformade
polpa fresca. Ou mesmo cerveja
em garrafa de 600ml, e sem esque-
cer também o Guaraná Garoto, fa-
bricadoemAnanindeua,pertinhode
Belém,umconcorrentedemarcafa-
mosaderefrigerante.Bastapuxarum
banquinho, sentar e esperar seu pe-
dido. Comer, assuntar com a cozi-
nheira, esperar a pontual chuva da
tarde passar. Comer e experienciar
osritossocioculináriosformamuma
outra face do VOP, agregando um
valor atualmente tido em alta conta
dos profissionais de gastronomia.
“Os mercados públicos estão final-
menteseagrupandoaocenáriogas-
tronômico,conferindoaperspectiva
de se conhecer e reconhecer a cu-
linária tradicional como referência
cultural e genuína. Os mercados
estão de volta ao mercado”, conclui
Frazão, em tom positivo.
Matar a curiosidade a respeito dos
gostos locais e descobrir os tipos de
farinha tradicionais são o fio condu-
tor de um roteiro clássico pelo mer-
cado, todavia, se o apetite por co-
nhecimento for maior, não titubeie
em acompanhar a chegada dos pei-
xes frescos capturados nos rios pró-
ximos e de todo o açaí que abaste-
ce a cidade, vindo de municípios ri-
beirinhos, em barcos que descarre-
gam na boca do Ver-o-Peso. É uma
rotina diária, repetida por volta das
quatro horas da manhã, e respon-
sável pela única movimentação
nesse horário por lá. Em tempo.
Cada desembarque traz 51 mil qui-
los do fruto roxo e quatro mil quilos
de pescados.
RAIO X
Vinculado à Secretaria Municipal
de Economia, o mercadonasceuna
segunda metade do século 16, por
solicitação da Câmara de Belém
aos portugueses para o estabele-
cimento de controle alfandegário rí-
gido na Amazônia. Foi, então, cria-
do um posto de fiscalização e tri-
butos com objetivos fiscais, trans-
formando o porto do Piri, que pas-
sou a ser conhecido como Haver-
o-Peso. Atualmente, a feira ao ar
livre integra um complexo arqui-
tetônico formado pelos Mercados
de Ferro (em reforma) e de Carne,
pelas Praças do Relógio e do Pes-
cador, pelo Solar da Beira e pela
Feira do Açaí, resultando na ocu-
pação de 26,5 mil metros qua-
drados. Diariamente, passam
2.500 pessoas pelos pavilhões, a
maioria belenenses. Entre permis-
sionários prepostos, ajudantes, car-
regadores e ambulantes, estima-se
que são mais de 3.500 traba-
lhadores.
Longe das panelas e cuias
de açaí, as vendedoras das
ervas de cheiro e porções
“mágicas”, conhecidas
como cheirosas, são um
capítulo à parte. Invista
tempo na exploração
das dezenas de gar-
rafinhas multicolo-
ridas anunciando
milagres, aguçan-
do a curiosidade
do freguês es-
perançoso em resolver pendengas
da vida prática: sexo da bota, de-
satrapalha, viagra natural, pega e
não me larga, mil homens, laço de
amor, chama dinheiro, perfume
agarradinho atrativos, banho con-
quistador, banho de sumiço, água
de jiboia. É comprar para com-
provar.
...Encantar-se: Entre as “cheirosas”, Bete Cheirosinha, Dona Coló e
Cecília angariam clientela com atendimento simpático, quase íntimo
até, na hora de oferecer as porções de mandinga que, junto às divin-
dades, operam em prol de toda a sorte de quereres: conquistar o ser
amado, atrair dinheiro, “prender” o parceiro, deixar os momentos de in-
timidade do casal mais quentes, afastar gente que atrapalha a vida. As
instruções para cada uso são o ponto alto dessa ala, ditas quase ao
pé do ouvido, em tom de segredo
...Provar: Carmelita é a mais antiga vendedora de frutas do complexo
- está lá há nada menos que 30 anos. Especializada em frutas típicas
- oferece bacuri, cupuaçu, taperebá, pupunha em cacho, etc - a “rai-
nha das frutas” também surpreende com ingredientes desconhecidos
dos próprios belenenses. Difícil é sair sem um “carregamento”
...Entender: Atende pela alcunha de Cavalo o feirante peixeiro que,
além de vender na banca, também fornece pescados do dia para res-
taurantes. Um de seus principais clientes, aliás, diz que ele é um dos
mais honestos sobre os produtos: desfaz, inclusive, o equívoco de que
há filhotes com mais de 80 quilos - se passar disso, vira animal adul-
to, chamado piraíba, com carne mais fibrosa, portanto, menos cobiça-
do. Vende também tambaqui, tucunaré e pirarucu, além do próprio fi-
lhote vindo da região do Mosqueiro, o melhor daquelas bandas
...Comer: Dona Conceição é uma das cozinheiras mais famosas do
Ver-o-Peso e prepara um dos pratos mais típicos da cidade - o peixe
frito obrigatoriamente escoltado por farinha artesanal e açaí. Não dis-
pense o ritual de misturar os três ingredientes, por mais esquisito que
lhe pareça, pois ele sintetiza como nada mais a leitura absolutamente
distinta que o povo dali tem dessas comidas
Mercado
municipal é
síntese do povo
belenense e
seus hábitos
cotidianos
Ver-o-Peso
VANESSA LINS
Enviada especial
NNããoo ddeeiixxee ddee......
Continua na página 3
eaculturadanormalidade
VanessaLins/Cortesia
ESPAÇO é dividido em 12 minipavilhões segmentados de acordo com o tipo de produto
SEXTA-FEIRA
3Recife, 3 a 9 de maio de 2013SABORESFOLHA DE PERNAMBUCO
BELÉM (PA) - É
algo como um
“tóco, tóco, tó-
co” a onomato-
peia dos golpes
apressados da
faca afiada de
dona Vera, 62
anos, responsável por romper a tão
resistente, quanto assimétrica,
casca da castanha-do-pará, que
guarda a cobiçada semente. Tare-
fa bastante temerária, diga-se de
passagem, já que para garantir o
bem-estar físico da operante, a
pancada do gume precisa ser cer-
teira na carapaça de um dos gen-
tílicos comestíveis de Belém.
O gesto é repetido à exaustão
dentro do Ver-o-Peso, e não apenas
por dona Vera. Quebrar castanhas
no mercado é um dos rituais coti-
dianos mais recorrentes entre ho-
mens e mulheres. Basta um olhar
mais cuidadoso para perceber essa
individualização dos fazeres como
o embrião de linguagens, símbolos
e tradições. Esse tripé responsável
por constituir a cultura local. Não é
demasiado, portanto, creditar ao ta-
lento e à criatividade do homem
comum o poder de transformação
do espaço público ordinário em um
ambiente particular.
No Ver-o-Peso, as tarefas coti-
dianas que movem o cen-
tro de compras estão por
toda a parte. Na extra-
ção instantânea da polpa
das frutas, na recepção
do açaí e dos peixes
ainda na madrugada e
no tratamento do cu-
puaçu, só para falar
de algumas fun-
ções. Atividades
aparentemente
simples e inadiá-
veis que, no en-
tanto, singularizam aquele espaço.
No caso de Dona Vera, são cerca de
dez horas diárias dedicadas à pe-
rigosa labuta onomatopéica. De
golpe em golpe, grão por grão, até
encher os saquinhos de 250 gramas
vendidos por R$ 10.
Estamos falando da castanha
em seu estado mais natural, fresca,
cor de leite, aromática e detentora
de algum líquido branco e viscoso.
Essa não passa por etapas de se-
cagem que vão propiciar maior
durabilidade e deixá-la com o gosto
e textura que grande parte das
pessoas conhece. Há mais de 15
anos com sua barraca, Dona Vera
percebe o interesse metonímico
dos transeuntes no movimento de
sua faca, consequentemente, em
suas castanhas, e sugere: “Prova!
Crua é outra coisa”.
Oferece a cortesia com a saga-
cidade de quem sabe que casta-
nha-do-pará é só para quem este-
ve lá. O sabor se assemelha à
parte branca do coco seco e, bem
como o fruto do coqueiro, pode-se
comer em nacos, no melhor estilo
divertimento de boca. Mas é depois
de liquidificá-la com um pouco
de água morna que a versão mais
sedutora é revelada. Surge um
leite espesso que serve como in-
grediente base para várias receitas
daquelas paragens.
E falando da região Norte, é ma-
joritariamente nela, aliás, que está
concentrada a produção da igua-
ria. Só para registrar: a castanha-
do-pará é a semente da casta-
nheira do Pará, uma das árvores
botânicas mais altas de que se
têm notícias, chegando a 45 me-
tros de altura. As castanhas nas-
cem em frutos esféricos, conhe-
cidos como ouriços; quando esses
caem no chão, e quebram, pode-
se ver os grãos meticulosamente
encaixados no compartimento
circular. A cata, como se pode
notar, é para sempre apenas a pri-
meira das etapas. Ritual berço
de tantos outros.
UM INDISCRETO AO AR LIVRE
É como subir no cupuaçuzeiro
para fazer a colheita do seu fruto.
Dono de um perfume agridoce in-
doutrinável, é sui generis no quesito
aroma. Se castanha fresca é para
quem esteve lá, cupuaçu é para
quem pode estar. Mesmo fechado
(temumacarapaçaquelembraado
coco seco) incensa qualquer am-
biente. Poucos lugares no mundo
têm um cheiro particular - o Pelou-
rinho, em Salvador, cheira a dendê.
Graças a proliferação dos povos do
Oriente, as ruas de Nova York têm
umquêdecurrycommasala.EmIs-
tambul, na Turquia, os mercados
exalam maçã com canela, oriundo
dos chás, gentileza de primeira
ordem entre os comerciantes da-
quelas bandas.
O Ver-o-Peso é um grande frasco
noqualocupuaçuéoperfume.Ena
horaemqueeleéquebrado,tem-se
um barulho olfativo. Pobres gomos
de jaca, são inocentes ao seu lado.
E quando todo o cheiro parece al-
cançar o seu ápice de intensidade,
eis que surge o ritual seguinte ao da
quebra. O do corte na tesoura, que
o deixa mais indiscreto. Sim, cu-
puaçu não aceita peixeiras afiadas e
seus golpes macabros. Requer ini-
ciação prática. E com a força dos
dedos encaixados no apoio, as lâ-
minas em movimento diagonal vão
separando a polpa da semente.
A primeira segue para os sacos
plásticos.Daliserãotransformadas
em sucos, sorvetes, vitaminas, li-
cores, geleias, compotas e toda
a sorte de doces. A segunda
não é desprezada. Segue
para plantio, ser sustentável
também faz parte do ritual.
Afinal, só existem cerimô-
nias quando outras
permitem. O Ver-o-
Peso é um celeiro
delas, basta sentir.
Agradecimento a Joanna Martins (or-
ganizadora do Festival Ver-o-Peso de
Cozinha Paraense), à Secretaria de
Economia de Belém e à Companhia
Paraense de Turismo.
SERVIÇO
Ver-o-Peso - Boulevard
Castilhos França, 208,
Campina, Belém - PA
Quem pouco está se importando com as diferenças de textura e gosto entre
o grão no seu estado cru ou assado são os pesquisadores da Universidade
de Otago, na Nova Zelândia, que em estudo recente, atestaram que a in-
gestão diária de duas castanhas-do-pará eleva em 65% o grau de selê-
nio no sangue. Ou seja, a pequena oleaginosa repõe a quantidade do nu-
triente necessária para combater o envelhecimento celular causado pelos
radicais livres. Na ausência do mineral, as enzimas antioxidantes ficam sem
atividade e, então, deixam de combater os radicais e ainda desguarnecem
as defesas do organismo.
GGuuaarrddiiãã ddoo sseellêênniioo
Maniva - Folha da mandioca brava moída e cozida por sete dias até dei-
xar de ser tóxica. É o principal ingrediente de um dos pratos mais famosos
do Pará, a maniçoba
Taperebá – Fruta semelhante ao cajá
Pupunha - Coquinhos da palmeira da qual é extraído o palmito. Tem sabor
que mescla milho cozido com batata-doce
Bacuri - Fruta de casca dura e resinosa com polpa branca. O sabor lem-
bra graviola
Tucupi – Caldo extraído da raiz da mandioca. Tem cor amarela e é utiliza-
do como tempero em algumas das receitas nortistas, como pato no tucupi e
tacacá
Filhote - Trata-se do peixe piraíba quando pescado com até 80kg. A es-
pécie, de água doce, pode chegar até 300kg
Jambu - Conhecido como o agrião-da-amazônia, é uma erva típica da re-
gião que causa dormência na boca
NNoo VVeerr--oo--PPeessoo vvooccêê vvaaii ssee ddeeppaarraarr ccoomm::
EDUARDO SENA
Enviado especial
Continuação da página 2
Fazeres cotidianos
ressignificamoespaçopúblico
EduardoSena/Cortesia
MarianaLins/Cortesia
A coluna Vida Saudável retorna na próxima semana.
ATIVIDADES
manuais são
cometidas por
todos os lados,
conferindo ao
ambiente um
tom cultural
peculiar
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Belém, onde todos os caminhos levam à chuva

  • 1. TERÇA-FEIRA6 Recife, 23 de abril de 2013 TURISMO FOLHA DE PERNAMBUCO THIAGO SOARES “A chuva, agora, mu- dou de ho- rário. Essa coisa de desmata- mento, de- sequilíbrio ambiental, dánisso”,disseAntônioManoel, 46, taxista que leva Vanessa Cavalcanti, 30, do Aeroporto Val-de-Cans até o centro de Belém. Passa do meio-dia e nem sinal das nuvens densas queencobremocéudacapital paraense depois das 15h. Hoje é 12 de abril de 2013 e, há um ano, Vanessa casava com Gil- berto Moraes, 41. Dois meses depois, ele era transferido para Belém. Ela ficara no Recife. Ia a cada dois meses encontrá-lo. Passavaofinaldesemanaevol- tava. Sempre numa espécie de rancor por Belém ter tirado seu marido de casa. O táxi segue. O apartamento dele é na Avenida Governador José Mal- cher,bairrodeNazaré.Elajáco- nhece o porteiro, sobe sem avisar. Ao chegar em casa, si- lêncio.Abreportas.Invadequar- tos, escritórios. O marido não está.Cansada,rostocomaque- la camada de suor, misto da umidade paraense e de um lampejo de preocupação, liga. Quatro,cincotoquesnocelular. Ele atende rindo: “atravesse a rua,tônessehotelaquidafren- te, era pra ser uma surpresa”. O pacto seria um final de se- mana romântico em Belém, comemoração de um ano de casamento. Ele reservara um apartamentonumhotel,sairda rotina, cama arrumada, muitos travesseiros. Talvez Vanessa ti- rasse um pouco aquela má impressão: Belém poderia dei- xar de ser apenas a cidade quehavia“furtado”seumarido. Passaria a ser uma cúmplice? Juntos, rumaram para a Es- tação das Docas. Passava das 14h, a fome apertava e Vanes- sa, já meio sem paciência, não queria aquelas comidas exóti- cas, tucupi, tacacá, onomato- peias estranhas. O marido in- sistiu que ela provasse um peixe de textura aveludada, que vinha apenas grelhado: fi- lhote. Sentaram-se numa das mesas externas do restaurante Lá em Casa, as águas da baía do Guajará amarronzadas, o ventoquepareciaanunciarela, a chuva. As gotas caíam. Va- nessa mastigava o veludo do peixe.Aquelasensaçãodeágua molhandoaterraeraalgocomo o peixe amaciando a boca. De repente, o jorro do suco de bacuri adentra à garganta, sa- tisfaçãoúmida.Vanessaparece ceder. E não é que essa comi- da tem algo de encantamento? Olhando para o rio, o céu de nuvens carregadas, era chuva sobrerio.Águasobreágua.EVa- nessa e Gilberto decidiram: vamos até o Mercado Ver-o- Peso de braços dados com a chuva. Saíram correndo. Che- garam ensopados. “E desde quando ir a um mercado é programa român- tico?”, já brincava uma Va- nessa mais humorada. Gil- berto solta um “vem ver” e ca- minhando entre os boxes, eles são tomados por perfu- mes naturais: o cheiro do cu- puaçu sendo “tratado”, o vapor da maniçoba na pane- la destampada. Vão até perto da sacada que dá para o rio. E tanta mansidão de água pa- recia dizer: “tudo que é gran- de, é infinito”. Talvez o que una duas pessoas seja isso. A grandeza. O rio. À noite, estavam provando pirarucus defumados, farofas texturizando pratos, no res- taurante Remanso do Bos- que, do chef Thiago Castanho. E não brindaram com cham- panhe ou espumante. “Traz uma cachaça de jambu”, disse Gilberto. Brindaram um ano de casamento com um copinho, lapada, boca dor- mente. Beijo bom é como morder jambu, já tinha ouvido algum local dizer. E era. Dia seguinte, rumaram para a Ilha do Combu. Atravessa- ram de barco, chegaram às palafitas do restaurante Sal- dosa Maloca. Ali, os prédios de Belém ao fundo e ao longe, to- maram banho de rio, foram le- vados pela correnteza, se se- guraram numa das escadas do píer. Entardecia quando foram tomar uma cerveja de bacuri na Amazon Beer e se embreagaram do magenta do céu sentados no terraço da Casa das Onze Janelas. O relógio parecia apressado. E quando Vanessa já parecia estar cúmplice de Belém, vem o último dia, domingo derra- deiro, no Mangal das Garças, essa área verde, à beira do rio Guamá, viveiro de mais de 120 espécies de aves. No borbole- tário, mais de 600 tipos de bor- boletas. Daqueles dias de sol à pino, propício a fotos em con- traluz, Vanessa e Gilberto fize- ram um “instagram” num dos píers do Mangal, já avistando o Portal da Amazônia – essa área de lazer à beira do rio, dando aquela ideia de que era preci- so voltar. Passava das seis da tarde quando Gilberto pereceu sus- surrar “você é meu rio” e Va- nessa – meio tonta – quis dizer “Belém mostrou isso a gente”. Mas ela guardou aquilo para si. O segredo de quem finalmen- te aprende que “ser rio” é estar emtrânsito.Entreumamargem e outra. Um cidade e outra. Re- cife e Belém. *Relato documento-ficcional de um casal na cidade de Belém, com inspiração da tradição do jornalismo literário. Belém de rio e de amores Um casal, uma cidade, um roteiro romântico na capital do Pará INSCRIÇÃO afetiva nas cercanias do Mercado Ver-o-Peso Belém a dois Dar um beijo com a boca dormente depois de mastigar jambu Tomar sorvete de cupuaçu olhando a Baía de Guajará Fazer um passeio de barco ouvindo “Moreno”, de Dona Onete Andar de mãos dadas na chuva da tarde Ver como a vida pode ser doce como uma fatia de torta de chocolate com cupuaçu da Portinha Thiago Soares/Cortesia Thiago Soares/Cortesia 2304pr06:Layout 1 22/04/2013 18:17 Página 1
  • 2. DOMINGO 7Recife, 28 de abril de 2013BRASILFOLHA DE PERNAMBUCO Editora: Cynthia Morato Telefone: 34255848 NUVENS densas no final da tarde, nas proximidades do Mercado Ver-o-Peso: chuva age na dinâmica da cidade A metrópole em que todos oscaminhoslevamàchuva Precipitações em Belém criam poética e ressignificam cotidiano THIAGO SOARES Enviado especial BELÉM - Chuva no Pará tem prelúdio. Primeiro, uma espé- cie de sua- ve ventania. Depois, algumas rajadas mais intensas. Até que aparece, ao longe, um estrondo. Um tro- vão. Um clarão: o relâmpago. E a água vem. O que parece ser mais que usual para os vi- ventes da região Norte do Brasil, soa como uma das cu- riosidades para quem chega pela primeira vez na capital do Pará. Em Belém, chuva é ponto turístico. Com direito a interesse particular, inclusi- ve, de turistas. “Tenho amigos que vieram para cá para co- nhecer a nossa chuva. Ficam impressionados com as ca- racterística, os horários, a in- tensidade”, diz o estudante de Turismo, Lauro Alves. De al- guma forma, parafraseando as premiações da Unesco, esta- mos falando da chuva como uma espécie de “Patrimônio Imaterial Natural”. Algo real- mente único, específico desta região do Brasil. De acordo com Lincoln Muniz Alves, climatologista do Instituto Nacional de Pes- quisas Espaciais (INPE), o li- toral da região Norte traz uma característica peculiar. “A pro- ximidade da Linha do Equa- dor e o aquecimento das águas oceânicas têm sido fa- tores de acréscimo da já vasta vocação pluviométrica da re- gião Norte do Brasil”, observa. Sobre as “chuvas de hora certa”, que acontecem, em geral, na parte da tarde, o cli- matologista esclarece: “Com o nascer do sol, a temperatu- ra sobe, provocando aqueci- mento das águas e, com isso, a evaporação. O vapor de água no ar se eleva, forman- do grandes nuvens com pre- cipitações no final do dia”. A “hora certa” da chuva na região paraense nada mais é do que o encerramento do diário ciclo das águas. “O pro- cesso de aquecimento glo- bal e de alguns fenômenos es- pecíficos como o La Niña têm causado alterações deste ho- rário da chuva. No litoral do Norte, onde se encontra Belém, este horário tem ‘caí- do’ para mais cedo”, observa o climatologista. A presença da adensada floresta equato- rial da Amazônia cria, segun- do o especialista, especifici- dades, inclusive, nas nuvens existentes nesta parte do Bra- sil. “Locais com mais de dois mil milímetros de precipitação anual apresentam caracterís- ticas distintas de nuvens. É como se houvesse camadas delas entre o céu e o solo. Por isso, tamanha umidade nas ci- dades nortistas”, atesta. A chuva em metrópoles nor- tistas como Belém gera uma poética específica da ocupa- ção urbana, conforme obser- va a pesquisadora Lucréssia D’Alessio Ferrara, coordena- dora do grupo de pesquisa “Espaço/Visualidade” na PUC- SP. “Uma das questões cen- trais hoje é debater as dife- renças de vivência e ocupa- ção do espaço urbano brasi- leiro. No caso das metrópoles nortistas, a chuva é um fator de sociabilidade e de agen- damento de fazeres cotidia- nos”, explica. Melancolia das águas na vivência urbana A cantora Gaby Amaran- tos é uma das que reconhe- cem a beleza da chuva. Tanto é que incluiu a faixa-título “Chuva” em seu primeiro álbum, “Treme”, lançado ano passado. “No Pará, a gente naturaliza a presença da chuva na nossa vida. Mas é algo que realmente define o nosso cotidiano”, atesta, em entrevista por telefone. O cu- rioso é que a música “Chuva“ foi composta por duas “es- trangeiras” paraenses: a ca- rioca Thalma de Freitas e a paulista Iara Rennó. “Foi o olhar de fora das meninas que me ajudou a perceber algo que a gente vivia”, ob- serva Gaby Amarantos. Para a pesquisadora de cul- turas urbanas Lucréssia D’Alessio Ferrara, a chuva traz à tona uma vocação me- lancólica para a urbanidade. “Chover significa se prote- ger. A partir dessa premissa, tem-se uma reocupação do espaço privado, da casa, em todas as suas subjetividades”, pontua. Entretanto, a pesqui- sadora comenta que em me- trópoles como Belém, o en- frentamento da chuva sem- pre foi uma característica particular. “É desta ambigui- dade que se constrói a parti- cularidade da vivência urba- na em Belém: há a melan- colia do espaço interno da casa quando chove e a efu- são externa do barulho da água a cair”, comenta. O excesso de água, seja da chuva ou através da “man- sidão” dos rios, criando um espaço da melancolia, é um dos pontos centrais para pensar o lugar da ocupação urbana na região Norte. Neste sentido, Belém apre- senta uma complexidade di- ferenciada de Manaus, em função de sua característica litorânea. “Há um híbrido da urbanidade que se pro- jeta na cidade, do rio como um fator de margeamento e o clima com ecos litorâneos e tropicais agindo sobre as dinâmicas urbanas. É desta união de fatores que se constitui o viver em Belém”, atesta Lucréssia D’Alessio Ferrara. Segundo a pesquisadora, o turista que chega a Belém é imerso num ambiente parti- cular “que envolve além dos sabores e da gastronomia muito peculiares, também uma atmosfera específica em função do clima e do exces- so de água”. Ela assugura: “O ar da região Norte do Brasil precisa ser pensado como um patrimônio, assim como a chuva e as águas. São agen- tes fundamentais que nos ajudam a pensar todo um estilo de vida que perpassa a urbanidade de uma metró- pole como Belém”. ENFRENTAMENTO da chuva é parte do dia a dia PEIXE e a mansidão dos rios criam especificidade Fotos: Thiago Soares/Cortesia 2804br07:Layout 1 27/4/2013 00:47 Página 1
  • 3. TERÇA-FEIRA6 Recife, 30 de abril de 2013 TURISMO FOLHA DE PERNAMBUCO AV. GUIA GUIA DE TURISMO COR 6X10 Onde a rua é rio Uma forma de experienciar o rio na capital do Pará é atravessar até a Ilha do Combu THIAGO SOARES BELÉM-Che- gonaEstação das Docas, tomoumsor- vete sugesti- vamentecha- madode“ca- rimbó” (las- cas inteiras de cupuaçu, uma delícia) e vou até à margem da Baía do Guajará. Aquela água toda. Vejo um casal no parapeito metálico que divide o rio e imagino ele dizendo “I’m the king of the world!” e segu- rando ela - cena de “Titanic”. Dá vontade, então, de atra- vessar aquela água. Quem sabe molhar o pé, dar um mergulho, tomar um banho. Vejo as opções de passeios, ali, ao lado das Docas. Minha vontade é uma só: quero tentar uma utopia “a la” “Ti- tanic”, atravessar de barco, sentar no outro lado da mar- gem, tomar uma cerveja, comer um peixe - um filhote na brasa, de preferência (esse delicioso peixe dos rios nortistas). Sempre acho que o melhor de uma cidade se conhece com os moradores. Não tenho dúvidas: vou tentar saber como é que os pró- prios moradores de Belém “usam” o rio como lazer. Há praias fluviais próximas à ci- dade, largas faixas de areia, tecnobrega tocando - me dizem. Há praias oceânicas também. Mas, começo a gos- tar da ideia de atravessar de barco até a Ilha do Combu, um bairro da capital pa- raense, repleto de bares e restaurantes, que fica na margem do rio Guamá. Uns estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) me dizem que adoram atraves- sar o rio num barco regional que chamam sugestivamen- te de “pó-pó-pó” (algo que sugere o barulhinho do motor da embarcação sendo ligado). Achei poético: o rio, o barco, a onomatopeia “pó- pó-pó”. Quando me vi, no dia seguinte ao de minha che- gada a Belém, lá estava eu no bairro de Jurunas, num píer rumo à Ilha do Combu. A Ilha do Combu está bem frente a Belém, a uma dis- tância de 1,5 quilômetro ao sul da cidade. Fica à margem esquerda do rio Guamá e possui cerca de 15 quilôme- tros quadrados. É uma forma rápida de curtir essa coisa “do rio como rua”, me disse um estudante da UFPA. Gos- tei dessa ideia do “rio como rua”. Não tem muito mistério para chegar até esse píer para fazer a travessia. Todo taxista sabe onde é. Che- gando lá, nada de cerimônia. O moço que vende refrige- rantes e cervejas - tomei um refri doce e delicioso cha- mado “Garoto”, algo bem particular (“O Garoto está para Belém assim como o guaraná Jesus, para o Mara- nhão”, me diz uma fonte) - avisa quando sai barco para o Combu. É tudo muito in- formal, a gente suando bicas, tomando Garoto e entrando no barco, o tal barulhinho “pó-pó-pó“. O barco é como uma “lo- tação” daqui do Recife, sai quando “lota” e paga-se R$ 3,00 (cada trecho). Há bares e restaurantes que funcio- nam como uma espécie de “day use” na Ilha do Combu. Muitas indicações para a Ma- loca do Pedro e para o Sal- dosa Maloca (sim, com “l” mesmo). Com ajuda do blo- gueiro paulista Marcelo Kat- suki - que estava também atravessando para um dia por lá - escolhemos o Saldo- sa. O rio “alto”, correnteza, aquela coisa. O clima é meio praia, gente nas mesinhas nas palafitas. Um peixe à mesa - não o filhote, mas uma pescada inteira, assada - um deleite para os olhos. Uma cerveja. E o rio para se banhar. Vamos até uma das sacadas, há uma escada que nos “leva” até às águas e aquele jorro de correnteza como uma energia que nos toma. Os barcos não param de chegar e sair, levando e trazendo mais pessoas. Ouvimos as conversas nas mesas vizinhas. Pessoas de Belém trazendo amigos para “turistar”, casais vindo passar um dia “diferente”. Esse co- tidiano (re)inventado de gente que vai e vem pela cor- renteza do rio. Belém está ao longe. O “skyline” de prédios nos dá a impressão de que estamos bem mais distantes. Na verdade, é apenas 1,5 quilômetro. “Mas o rio pare- ce fazer uma barreira entre aqui e lá”, me diz uma pes- soa, sobre esse estigma do rio que é rua - com os zum- bidos dos barcos e um jet ski ao longe. Até que venta, vem uma nuvem e chove. Água sobre água. E lembro de uma cantora a dizer que “dentro do mar tem rio”. Quando chove no Combu, a gente tem a impressão de que den- tro do rio tem rio. E é tarde. Hora de voltar. Enviado especial Em 1997, a Ilha do Combu foi transformada em Área de Proteção Ambiental (APA), através da lei nº 6083. A lei diz que, em respeito ao ma- nejo, implantação e fun- cionamento, podem ser utilizados instrumentos legais para incentivos fi- nanceiros governamen- tais a fim de proteger o uso racional dos recur- sos naturais, impedir ati- vidades causadoras de sensível degradação da qualidade de vida ambi- ental, principalmente der- rubada de açaizeiro, para comércio do palmito. SAIBA MAIS EMBARCAÇÃO regional chamada de “pó-pó- pó” (foto maior) entre as mansidões das águas e do céu paranse leva turistas para passar o dia na Ilha do Combu. Textura das águas e o grafis- mo do barco (acima). Vista da embarcação (ao lado) dá uma noção da distância que se atra- vessa para usufruir um pouco do rio que é rua na capital do Pará Thiago Soares/Cortesia Vanessa Lins/Cortesia Mariana Lins/Cortesia
  • 4. LISTA Ranking dos 50 melhores restaurantes é liderado pelos espanhóis Roca PÁGINA 6 SABORESEditora: Vanessa Lins e-mail: saborespe@gmail.com Telefone: 34255861 SEXTA-FEIRA Recife, 3 a 9 de maio de 2013 Paisagem Bacuri, tucupi, tacacá, jambu. Para os paraenses, ingredientes corriqueiros na cozinha do dia a dia. Já para a maioria dos brasileiros, são apenas nomes sem formas correlatas nem gostos familiares. Puro exotismo. Surpreendentemente, o contraponto a essa desinformação a respeito da comida nortista e, por que não (?), sua cultura de modo geral, uma das únicas referências que se tem é o Ver-o-Peso, mercado municipal na cidade de Belém. Não por acaso. É ele que reúne todos os principais produtos que vão para as panelas e cuias da capital do Pará. É onde o açaí que abastece a cidade é desembarcado, bem como os peixes amazônicos capturados nos rios que margeiam municípios ribeirinhos. É onde se vendem porções mágicas e banhos de ervas que prometem pedidos atendidos, basta seguir as instruções das “cheirosas” e ter fé. Mas o Ver-o-Peso é mais que um espaço para o estabelecimento de relações comerciais, de compra e venda. Ele é o registro emoldurado, e dinâmico, por prédios antigos e tendas modernas, do modo de viver do povo belenense. A ele, hoje, nossa reverência. Páginas 2 e 3 comestível Foto:JeanBarbosa/Divulgação
  • 5. SEXTA-FEIRA2 Recife, 3 a 9 de maio de 2013 SABORES FOLHA DE PERNAMBUCO BELÉM (PA) - Certavez,alguém falou que “só é possível saber da essência de um lugar quando se conhece o seu mercado públi- co”.Afrasepareceuplausíveldeime- diato, mas só ganhou sentido com- pleto quando colocamos os pés em Belém, capital do Pará. Emoldurado pelo principal elemento geográfico do Estado, o rio (precisamente às margens da Baía do Guajará), o Ver- o-Pesoéatraduçãoliteral,noâmbito sociológico, de um dos fragmentos mais importantes da cultura local: a comida e a relação que o paraense tem com ela. O espaço, na verdade umcomplexode12minipavilhõesdi- vididos por tipos de produtos (horti- frutigranjeiros, industrializados, lan- ches,refeição,polpas,mercearia,fa- rinha, artesanato, plantas ornamen- tais, ervas medicinais, artigos para pássaros e camarão seco) ao ar livre e também sob construções an- tigas, encapsula tudo o que for co- mestível,sobretudo,napaisagemdo estado. Mas não só. Não há exagero algum em afirmar que o Ver-o-Peso é o ethos de Belém no to- cante aos seus ritos e modos corriqueiros. O exotismo da quase misteriosa paleta de sa- bores nortistas já seria argumento suficiente para tornar a visita numa experiência re- veladora. Mas essa tipicidade compos- ta por açaís fres- cos,pupunhasem cacho, cupuaçu, bacuri, jambu, fa- rinhasd´água,de tapioca ou suruí, tucupis, manivas, vistosos peixes amazônicos e tabu- leiros de camarão seco, que é o que dá a “liga” do espaço, entretanto, ganha o reforço dos fazeres exerci- tados nas entranhas da grande feira. “Os mercados públicos expressam os hábitos do cotidiano na comuni- dade e, ao mesmo tempo, é a liga- dura que atrai pluralidade entre os seus frequentadores, enfatizando de forma singela as relações huma- nas, por meio do encontro entre co- nhecidos e desconhecidos, unindo partes ao todo, congregando con- fiança e movimento nesses am- bientes”,concluiAnaCláudiaFrazão, pesquisadoraeprodutoraculturalda Comedoria Popular. Que não há porquê discordar da teórica pernambucana, já que ao adentrarnaquelescorredores,parece que o viver do paraense se descor- tina sem pudor. Seja no já citado re- pertório de ingredientes nativos pouco conhecidos no restante do País, seja no jeito peculiar, um misto de abordagem íntima e permissiva, de os vendedores barganharem fre- guesia, seja ainda nos boxes de ali- mentação. Aliás, é neles que a vida real se faz mais real. Achar um es- tandequevendapãonachapaecafé com leite não é exatamente a tare- fa mais simples. Mas busque um peixe frito com farinha e creme na- tural de açaí, a coisa muda de figu- ra. A tríade é servida amplamente a qualquer horário do dia. Presta-se como refeição principal no café da manhã,noalmoçoenamerendada tardinha, podendo ganhar compa- nhia de suco natural de bacuri, cu- puaçu,maracujá,taperebá,cacauou de qualquer outra fruta nativa, tam- bémvendidasinteirasenaformade polpa fresca. Ou mesmo cerveja em garrafa de 600ml, e sem esque- cer também o Guaraná Garoto, fa- bricadoemAnanindeua,pertinhode Belém,umconcorrentedemarcafa- mosaderefrigerante.Bastapuxarum banquinho, sentar e esperar seu pe- dido. Comer, assuntar com a cozi- nheira, esperar a pontual chuva da tarde passar. Comer e experienciar osritossocioculináriosformamuma outra face do VOP, agregando um valor atualmente tido em alta conta dos profissionais de gastronomia. “Os mercados públicos estão final- menteseagrupandoaocenáriogas- tronômico,conferindoaperspectiva de se conhecer e reconhecer a cu- linária tradicional como referência cultural e genuína. Os mercados estão de volta ao mercado”, conclui Frazão, em tom positivo. Matar a curiosidade a respeito dos gostos locais e descobrir os tipos de farinha tradicionais são o fio condu- tor de um roteiro clássico pelo mer- cado, todavia, se o apetite por co- nhecimento for maior, não titubeie em acompanhar a chegada dos pei- xes frescos capturados nos rios pró- ximos e de todo o açaí que abaste- ce a cidade, vindo de municípios ri- beirinhos, em barcos que descarre- gam na boca do Ver-o-Peso. É uma rotina diária, repetida por volta das quatro horas da manhã, e respon- sável pela única movimentação nesse horário por lá. Em tempo. Cada desembarque traz 51 mil qui- los do fruto roxo e quatro mil quilos de pescados. RAIO X Vinculado à Secretaria Municipal de Economia, o mercadonasceuna segunda metade do século 16, por solicitação da Câmara de Belém aos portugueses para o estabele- cimento de controle alfandegário rí- gido na Amazônia. Foi, então, cria- do um posto de fiscalização e tri- butos com objetivos fiscais, trans- formando o porto do Piri, que pas- sou a ser conhecido como Haver- o-Peso. Atualmente, a feira ao ar livre integra um complexo arqui- tetônico formado pelos Mercados de Ferro (em reforma) e de Carne, pelas Praças do Relógio e do Pes- cador, pelo Solar da Beira e pela Feira do Açaí, resultando na ocu- pação de 26,5 mil metros qua- drados. Diariamente, passam 2.500 pessoas pelos pavilhões, a maioria belenenses. Entre permis- sionários prepostos, ajudantes, car- regadores e ambulantes, estima-se que são mais de 3.500 traba- lhadores. Longe das panelas e cuias de açaí, as vendedoras das ervas de cheiro e porções “mágicas”, conhecidas como cheirosas, são um capítulo à parte. Invista tempo na exploração das dezenas de gar- rafinhas multicolo- ridas anunciando milagres, aguçan- do a curiosidade do freguês es- perançoso em resolver pendengas da vida prática: sexo da bota, de- satrapalha, viagra natural, pega e não me larga, mil homens, laço de amor, chama dinheiro, perfume agarradinho atrativos, banho con- quistador, banho de sumiço, água de jiboia. É comprar para com- provar. ...Encantar-se: Entre as “cheirosas”, Bete Cheirosinha, Dona Coló e Cecília angariam clientela com atendimento simpático, quase íntimo até, na hora de oferecer as porções de mandinga que, junto às divin- dades, operam em prol de toda a sorte de quereres: conquistar o ser amado, atrair dinheiro, “prender” o parceiro, deixar os momentos de in- timidade do casal mais quentes, afastar gente que atrapalha a vida. As instruções para cada uso são o ponto alto dessa ala, ditas quase ao pé do ouvido, em tom de segredo ...Provar: Carmelita é a mais antiga vendedora de frutas do complexo - está lá há nada menos que 30 anos. Especializada em frutas típicas - oferece bacuri, cupuaçu, taperebá, pupunha em cacho, etc - a “rai- nha das frutas” também surpreende com ingredientes desconhecidos dos próprios belenenses. Difícil é sair sem um “carregamento” ...Entender: Atende pela alcunha de Cavalo o feirante peixeiro que, além de vender na banca, também fornece pescados do dia para res- taurantes. Um de seus principais clientes, aliás, diz que ele é um dos mais honestos sobre os produtos: desfaz, inclusive, o equívoco de que há filhotes com mais de 80 quilos - se passar disso, vira animal adul- to, chamado piraíba, com carne mais fibrosa, portanto, menos cobiça- do. Vende também tambaqui, tucunaré e pirarucu, além do próprio fi- lhote vindo da região do Mosqueiro, o melhor daquelas bandas ...Comer: Dona Conceição é uma das cozinheiras mais famosas do Ver-o-Peso e prepara um dos pratos mais típicos da cidade - o peixe frito obrigatoriamente escoltado por farinha artesanal e açaí. Não dis- pense o ritual de misturar os três ingredientes, por mais esquisito que lhe pareça, pois ele sintetiza como nada mais a leitura absolutamente distinta que o povo dali tem dessas comidas Mercado municipal é síntese do povo belenense e seus hábitos cotidianos Ver-o-Peso VANESSA LINS Enviada especial NNããoo ddeeiixxee ddee...... Continua na página 3 eaculturadanormalidade VanessaLins/Cortesia ESPAÇO é dividido em 12 minipavilhões segmentados de acordo com o tipo de produto
  • 6. SEXTA-FEIRA 3Recife, 3 a 9 de maio de 2013SABORESFOLHA DE PERNAMBUCO BELÉM (PA) - É algo como um “tóco, tóco, tó- co” a onomato- peia dos golpes apressados da faca afiada de dona Vera, 62 anos, responsável por romper a tão resistente, quanto assimétrica, casca da castanha-do-pará, que guarda a cobiçada semente. Tare- fa bastante temerária, diga-se de passagem, já que para garantir o bem-estar físico da operante, a pancada do gume precisa ser cer- teira na carapaça de um dos gen- tílicos comestíveis de Belém. O gesto é repetido à exaustão dentro do Ver-o-Peso, e não apenas por dona Vera. Quebrar castanhas no mercado é um dos rituais coti- dianos mais recorrentes entre ho- mens e mulheres. Basta um olhar mais cuidadoso para perceber essa individualização dos fazeres como o embrião de linguagens, símbolos e tradições. Esse tripé responsável por constituir a cultura local. Não é demasiado, portanto, creditar ao ta- lento e à criatividade do homem comum o poder de transformação do espaço público ordinário em um ambiente particular. No Ver-o-Peso, as tarefas coti- dianas que movem o cen- tro de compras estão por toda a parte. Na extra- ção instantânea da polpa das frutas, na recepção do açaí e dos peixes ainda na madrugada e no tratamento do cu- puaçu, só para falar de algumas fun- ções. Atividades aparentemente simples e inadiá- veis que, no en- tanto, singularizam aquele espaço. No caso de Dona Vera, são cerca de dez horas diárias dedicadas à pe- rigosa labuta onomatopéica. De golpe em golpe, grão por grão, até encher os saquinhos de 250 gramas vendidos por R$ 10. Estamos falando da castanha em seu estado mais natural, fresca, cor de leite, aromática e detentora de algum líquido branco e viscoso. Essa não passa por etapas de se- cagem que vão propiciar maior durabilidade e deixá-la com o gosto e textura que grande parte das pessoas conhece. Há mais de 15 anos com sua barraca, Dona Vera percebe o interesse metonímico dos transeuntes no movimento de sua faca, consequentemente, em suas castanhas, e sugere: “Prova! Crua é outra coisa”. Oferece a cortesia com a saga- cidade de quem sabe que casta- nha-do-pará é só para quem este- ve lá. O sabor se assemelha à parte branca do coco seco e, bem como o fruto do coqueiro, pode-se comer em nacos, no melhor estilo divertimento de boca. Mas é depois de liquidificá-la com um pouco de água morna que a versão mais sedutora é revelada. Surge um leite espesso que serve como in- grediente base para várias receitas daquelas paragens. E falando da região Norte, é ma- joritariamente nela, aliás, que está concentrada a produção da igua- ria. Só para registrar: a castanha- do-pará é a semente da casta- nheira do Pará, uma das árvores botânicas mais altas de que se têm notícias, chegando a 45 me- tros de altura. As castanhas nas- cem em frutos esféricos, conhe- cidos como ouriços; quando esses caem no chão, e quebram, pode- se ver os grãos meticulosamente encaixados no compartimento circular. A cata, como se pode notar, é para sempre apenas a pri- meira das etapas. Ritual berço de tantos outros. UM INDISCRETO AO AR LIVRE É como subir no cupuaçuzeiro para fazer a colheita do seu fruto. Dono de um perfume agridoce in- doutrinável, é sui generis no quesito aroma. Se castanha fresca é para quem esteve lá, cupuaçu é para quem pode estar. Mesmo fechado (temumacarapaçaquelembraado coco seco) incensa qualquer am- biente. Poucos lugares no mundo têm um cheiro particular - o Pelou- rinho, em Salvador, cheira a dendê. Graças a proliferação dos povos do Oriente, as ruas de Nova York têm umquêdecurrycommasala.EmIs- tambul, na Turquia, os mercados exalam maçã com canela, oriundo dos chás, gentileza de primeira ordem entre os comerciantes da- quelas bandas. O Ver-o-Peso é um grande frasco noqualocupuaçuéoperfume.Ena horaemqueeleéquebrado,tem-se um barulho olfativo. Pobres gomos de jaca, são inocentes ao seu lado. E quando todo o cheiro parece al- cançar o seu ápice de intensidade, eis que surge o ritual seguinte ao da quebra. O do corte na tesoura, que o deixa mais indiscreto. Sim, cu- puaçu não aceita peixeiras afiadas e seus golpes macabros. Requer ini- ciação prática. E com a força dos dedos encaixados no apoio, as lâ- minas em movimento diagonal vão separando a polpa da semente. A primeira segue para os sacos plásticos.Daliserãotransformadas em sucos, sorvetes, vitaminas, li- cores, geleias, compotas e toda a sorte de doces. A segunda não é desprezada. Segue para plantio, ser sustentável também faz parte do ritual. Afinal, só existem cerimô- nias quando outras permitem. O Ver-o- Peso é um celeiro delas, basta sentir. Agradecimento a Joanna Martins (or- ganizadora do Festival Ver-o-Peso de Cozinha Paraense), à Secretaria de Economia de Belém e à Companhia Paraense de Turismo. SERVIÇO Ver-o-Peso - Boulevard Castilhos França, 208, Campina, Belém - PA Quem pouco está se importando com as diferenças de textura e gosto entre o grão no seu estado cru ou assado são os pesquisadores da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, que em estudo recente, atestaram que a in- gestão diária de duas castanhas-do-pará eleva em 65% o grau de selê- nio no sangue. Ou seja, a pequena oleaginosa repõe a quantidade do nu- triente necessária para combater o envelhecimento celular causado pelos radicais livres. Na ausência do mineral, as enzimas antioxidantes ficam sem atividade e, então, deixam de combater os radicais e ainda desguarnecem as defesas do organismo. GGuuaarrddiiãã ddoo sseellêênniioo Maniva - Folha da mandioca brava moída e cozida por sete dias até dei- xar de ser tóxica. É o principal ingrediente de um dos pratos mais famosos do Pará, a maniçoba Taperebá – Fruta semelhante ao cajá Pupunha - Coquinhos da palmeira da qual é extraído o palmito. Tem sabor que mescla milho cozido com batata-doce Bacuri - Fruta de casca dura e resinosa com polpa branca. O sabor lem- bra graviola Tucupi – Caldo extraído da raiz da mandioca. Tem cor amarela e é utiliza- do como tempero em algumas das receitas nortistas, como pato no tucupi e tacacá Filhote - Trata-se do peixe piraíba quando pescado com até 80kg. A es- pécie, de água doce, pode chegar até 300kg Jambu - Conhecido como o agrião-da-amazônia, é uma erva típica da re- gião que causa dormência na boca NNoo VVeerr--oo--PPeessoo vvooccêê vvaaii ssee ddeeppaarraarr ccoomm:: EDUARDO SENA Enviado especial Continuação da página 2 Fazeres cotidianos ressignificamoespaçopúblico EduardoSena/Cortesia MarianaLins/Cortesia A coluna Vida Saudável retorna na próxima semana. ATIVIDADES manuais são cometidas por todos os lados, conferindo ao ambiente um tom cultural peculiar