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1 A MISSÃO DA IGREJA, PRESSUPOSTO DA MISSÃO DO FIEL CRISTÃO E DA
MISSÃO LAICAL

        Neste capítulo, são apresentados alguns tópicos importantes no tocante à questão
da missão da Igreja como pressuposto da missão do fiel cristão e da missão laical.


        Jesus Cristo cumpriu a vontade do Pai, inaugurou na terra o Reino de Deus,
revelou-nos Seu mistério e, por Sua obediência, realizou a redenção6. “Em Jesus, Deus
recapitula toda a sua história de salvação em favor dos homens”7.


        Cristo, cumpridor da missão recebida do Pai, confiou esta também a seus
apóstolos. Para que a salvação de Deus seja conhecida por todos, faz-se necessário que
seja anunciada. Para que o homem possa amar a Deus, é preciso conhecê-lo. Para que
possa chegar a Deus, é mister ser santificado pela graça. Assim, Cristo enviou os
apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: “Ide, fazei que
todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei8”.


        Através dos apóstolos, a missão, que o Pai confiou a seu Filho Jesus Cristo,
chega à Igreja, que terá a responsabilidade de, através dos tempos, realizar a
continuidade da missão salvadora de seu fundador:


                          Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai. No momento em que por
                          sua Morte é vencedor da morte, de maneira que, ressuscitado dos
                          mortos pela Glória do Pai, dá imediatamente o Espírito Santo „soprado‟
                          sobre seus discípulos. A partir dessa Hora, a missão de Cristo e do


6
  LG 3.
7
  Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 430.
8
  Mt 28, 19-20.
9



                         Espírito passa a ser a missão da Igreja: „Como o Pai me enviou, também
                         eu vos envio‟9.


          João Paulo II lembra que a Igreja recebeu uma missão universal, sem limites,
referente à salvação em toda a sua integridade, segundo aquela plenitude de vida que
Cristo veio trazer. Ela foi „enviada para manifestar e comunicar a caridade de Deus a
todos os homens e povos‟10.


          Assim, a missão da Igreja, pressuposto da missão do fiel cristão e da missão
laical, precisa ser analisada nos seguintes aspectos: a missão da Igreja; Igreja e mundo;
realidade e limites da participação da Igreja na ação de Deus no mundo; a autonomia
das realidades terrestres; mundo: lugar de missão e de santificação; horizonte teologal e
realidade da história.

1.1 A missão da Igreja


          O Espírito Santo é quem mantém a Igreja viva e atuante. Ele é o principal
protagonista da missão, ou seja, o principal „personagem‟ da obra da evangelização.
Não se pretende, aqui, negar que os leigos e os clérigos, também protagonizam essa
missão; porém, entende-se que a parte que lhes toca é significativa, mas não a principal.
É o Espírito Santo quem guia a missão, é dele que vem a força que se necessita para o
encorajamento e o prosseguimento da evangelização. O Espírito Santo abre os caminhos
e os corações daqueles que não o conhecem, ou ainda que o rejeitam.O Papa Wojtyla
afirma:

                         Sob o impulso do Espírito, a fé cristã abre-se, decididamente, às nações
                         pagãs, e o testemunho de Cristo expande-se em direção aos centros mais
                         importantes do Mediterrâneo oriental, para chegar, depois, a Roma e ao
                         extremo Ocidente. É o Espírito que impele a ir sempre mais além, não
                         só em sentido geográfico, mas também ultrapassando barreiras étnicas e
                         religiosas, até se chegar a uma missão verdadeiramente universal11.



          A missão originária foi a de Cristo. Ele é o enviado do Pai por excelência;
portanto, a nossa missão tem origem na dele: “Sendo Cristo enviado pelo Pai a fonte e a

9
  Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 730.
10
   JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. São Paulo: Paulinas, 1991. 31.
11
   Id., ibid.,25.
10



origem de todo apostolado da Igreja, é evidente que a fecundidade do apostolado, tanto
a dos ministros ordenados como a dos leigos, depende da sua união vital com Cristo”12.

        Na reflexão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil:


                         Tem-se que anunciar Jesus Cristo, sua doutrina, o nome, a vida, as
                         promessas, o Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus. Vise
                         a inculturação da fé; comprometa a todos na comunhão e participação;
                         favoreça a colaboração entre todos os homens de boa vontade assuma a
                         encarnação como caminho da missão e se fundamente na plena inserção
                         da realidade sociocultural13.


        “A Igreja é o fruto da ação gratuita e salvadora de Deus trino, nascida do decreto
de Deus Pai, participando da vida de Deus Filho, animada pelo Espírito Santo”14.


        Na verdade, o construtor do Reino é o próprio Deus, só Deus pode construir o
Reino, e, portanto, esse Reino não pode ser o resultado exclusivo das mãos do homem.
Porém, Deus confia ao homem participar com sua colaboração,


                         para estabelecer, quanto possível, o Reino de Deus, e, portanto, para
                         sujeitar todas as coisas inferiores e tudo o mais ao Espírito de Deus. É
                         de fato esse o programa da obra de Deus, (...) e para realizar tal
                         programa o Senhor nos deu a graça de sermos Seus colaboradores.
                         Seremos reis, adaptando-nos a Seus desígnios reais, cooperando nessa
                         obra do Reino, nas condições queridas por Deus e nos diferentes planos
                         de sua realização15.


        As questões temporais também fazem parte da missão, pois o mundo é o lugar
do acontecimento da mesma missão. “O batismo e a confirmação incorporam a Cristo e
o tornam membros da Igreja”16 e pede ao leigo que se envolva com a vocação da Igreja
que está no mundo e com as coisas do mundo.


1.2 Igreja e Mundo



12
   Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 864.
13
   Igreja: comunhão e missão na evangelização dos povos. Doc. 40. CNBB. 122.
14
   Cf. ILLANES, José Luis. Laicado y sacerdocio. Pamplona: Universidad de Navarra, 2000, p. 99.
15
   CONGAR, Yves. Os leigos na Igreja. São Paulo: Herder, 1966, p. 335.
16
   DP 786.
11



        Acerca da questão sobre Igreja e mundo, João Paulo II lembra que “são
numerosos os textos evangélicos que provam a atitude de clemência e misericórdia que
Jesus tem com respeito ao mundo, enquanto é seu salvador17”. “Partindo desse
pressuposto, os leigos a serviço da Igreja no mundo estão chamados a trabalhar pela sua
santificação”18.

        O Vaticano II, sobretudo na Lumen Gentium e na Gaudium et Spes, propõe uma
Igreja encarnada no mundo, no diálogo com o mundo e ao serviço do mundo, mas não
sujeita ao mundo. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens
do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias
e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”19. Devem os fiéis
viver em estreita união com os outros homens do seu tempo e se esforçar por
compreender a fundo os seus modos de pensar e de sentir, expressos na cultura. Eis a
reflexão do Vaticano II:


                         Que conciliem os conhecimentos das novas ciências e teorias e das mais
                         recentes invenções com os costumes e o ensinamento da doutrina cristã,
                         para que o sentimento religioso e a retidão moral avancem neles a par
                         do conhecimento científico e dos progressos diários da técnica; assim
                         poderão apreciar e interpretar todas as coisas com uma sensibilidade
                         autenticamente cristã 20.



        A verdade de Deus está semeada no coração de todos os seres humanos e
encontrou seu eco no mundo. Pertencem ao elo da grande corrente humana que se vai
sucedendo no tempo, e permanecendo no mundo, como afirma Illanes: “A Igreja que
está no mundo, comunidade de salvação que se vai formando na história até alcançar
sua plenitude no momento da consumação escatológica, antecipa e anuncia o fim e o
destino até que tudo tenha a virtude do qual tudo se explica”21.


        É importante que se tenha clareza sobre a relação entre a Igreja e o mundo, pois
todos os batizados pertencem à Igreja que cresce no mundo, diante de todos os desafios
que a humanidade conhece. O mundo em si é de natureza boa, pois é obra de Deus, que
17
   JOÃO PAULO II. Creo en la Iglesia – Catequesis sobre el credo. Madrid: Palabra, 1997, p. 408.
18
   Id., ibid., p. 409.
19
   GS 1.
20
   Id., ibid., 62.
21
   ILLANES, op. cit., p.126.
12



é só bondade. Porém, o mundo pode tornar-se decadente, devido a sua natureza de
contingência. “O mundo foi criado bom, tem sua origem na sabedoria e no amor de
Deus: na eficiência amorosa de Deus Pai, que o fez por meio de suas mãos, o Verbo e o
Espírito Santo”22.


           O mundo sofre constantes mudanças. Essas mudanças trazem novos desafios ao
homem, que o fazem tomar novas atitudes diante do desconhecido. A sociedade recebe
as mudanças, e, para absorvê-las, necessita da capacidade do homem de dar uma
resposta.


           Todos os acontecimentos do mundo influenciam direta ou indiretamente a vida
dos homens e, com isso, também as suas realidades e acontecimentos da história. O
modo de viver de uma sociedade acaba por mudar também os direcionamentos de tudo
aquilo que dela depende. Aqui se quer aludir à relação da Igreja com o mundo. M.
Santos afirma:


                            Dado que a Igreja está no mundo e na história, a relação da Igreja com o
                            mundo estará sempre temporalmente condicionada e será sempre a
                            história da salvação de uma Igreja peregrina. Desde o início do
                            cristianismo, e até ao fim dos tempos, foi, é e será ponto fulcral de
                            debates de todo o tipo. Das perseguições do Império Romano ao atual
                            secularismo, passando pelo cesaropapismo, a questão das investiduras
                            (...) 23.


           É necessário elucidar a relação existente entre Igreja e mundo, portanto a relação
de suas realidades. Estar no mundo é deliberadamente sujeitar-se e condicionar-se às
suas exigências, ou esforçar-se para melhorá-lo. Surge daí a possibilidade e a
necessidade de a Igreja aparecer sempre missionária.


           A história da salvação, da qual a Igreja faz parte, é sem dúvida uma história
conturbada. Sempre foi cercada por dificuldades. Mas a Igreja resiste sempre e fazer-se
presente e atuante no mundo faz parte de sua índole. A realidade da Igreja passa pela




22
     SANTOS, M. Igreja x Mundo. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 32, n. 137, p. 488, set. 2002.
23
     Id., ibid., p. 485.
13



provação das mesmas conseqüências a que está sujeita toda a humanidade, pois ela está
no mundo e convive dia a dia com as coisas que ele lhe impõe. Segundo M. Santos,


                           com o pecado, a criação ficou também ferida. Mas a situação da
                           humanidade no mundo foi distorcida pelo pecado, e o mundo se
                           converteu em instrumento da ira e do castigo de Deus: o trabalho deixa
                           de ser um prazer; a terra seria uma maldição para os que desobedecem a
                           Deus. Nenhuma das ajudas oferecidas por Deus, através dos juízes, reis
                           e profetas, bastaria. Por isso chega à fase final do plano de Deus: „Deus
                           tanto amou o mundo (tòn kósmon) que enviou o seu Filho único‟24.



            Por causa do pecado da humanidade, pela dureza de coração do homem, foi
necessário que Deus interviesse na história do mundo e aqui deixasse seu sinal, sua
Igreja, fundada por seu Filho, e fizesse dos filhos de Deu missionários para engajar-se
contra o pecado, contra as injustiças e dificuldades que o próprio homem cria em nome
do progresso e do egoísmo.


1.3 Realidade e limites da participação da Igreja na ação de Deus no mundo



            Afirma João Paulo II: “Ao anunciar e ao acolher o Evangelho na força do
Espírito, a Igreja torna-se comunidade evangelizada e evangelizadora e, precisamente
por isso, faz-se serva dos homens” 25.


            O cristão pode afirmar a mais decidida autonomia das realidades temporais,
porque o mundo é obra de Deus, a realidade temporal tem sua verdade própria, suas leis
próprias, naturais.


            Consoante oVaticano II, na Gaudium et Spes,


                           se por autonomia das realidades terrestres entendemos que as coisas
                           criadas e as próprias sociedades gozam de leis e valores próprios, a
                           serem conhecidos, usados e ordenados gradativamente pelo homem, é
                           absolutamente necessário exigi-la. Isto não é só reivindicado pelos



24
     Id., ibid., p. 489.
25
     CfL 36.
14



                          homens de nosso tempo, mas está também de acordo com a vontade do
                          criador26.


        É necessário respeitar a autonomia das realidades temporais. Importante é
reconhecer que todas as realidades têm em si suas próprias características que as tornam
o que são. Com isso, não fica difícil de se perceber que, em se tratando das realidades
terrestres, há de se reconhecer que toda a sua autonomia é originada em seu criador,
que é Deus, a quem tudo pertence. Por isso, o Concílio Vaticano II adverte: “Porém, se
pelas palavras „autonomia das realidades temporais‟ se entende que as coisas criadas
não dependem de Deus, e o homem as pode usar sem referência ao criador, todo aquele
que admite Deus percebe o quanto sejam falsas tais máximas”27.

        Todos somos chamados a viver a fé cristã na sociedade, junto com os outros,
junto com os diversos problemas existentes no mundo. Não se pode ignorar que a
missão exige dedicação, empenho na caridade, trabalho. Diante das necessidades, das
imperfeições do mundo, urge que os batizados se lancem à missão. Quando nos
referimos aos batizados, queremos incluir os clérigos, os leigos e os consagrados.

        É preciso entender as conseqüências da missão e ver no mundo o lugar das
realizações. Por isso, o campo de trabalho se torna amplo.


        A realidade da participação da Igreja na ação de Deus no mundo é vontade do
próprio Deus. É ele quem quer que a humanidade seja engajada no serviço, na missão
do mundo. Illanes afirma:


                          Dado que a missão da Igreja participa, mediante a graça e a vocação de
                          Deus, na constante obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo, se deve
                          concluir que nosso serviço leva o selo daquele que atribuímos às
                          pessoas divinas, a saber, sua obra, ora na criação, ora na redenção, ora
                          na santificação28.


        Há realidades que limitam a participação da Igreja na ação de Deus, no mundo,
segundo Illanes:


26
   GS 36.
27
   Id., ibid., 36.
28
   ILLANES, op. cit., p. 77.
15




                          Em primeiro lugar, proclama-se, de uma parte, que a Igreja participa na
                          ação de Deus no mundo. De outra, que esta participação tem dois
                          limites: primeiro limite, a ação de Deus no mundo não está reduzida à
                          que exerce através das estruturas e realidades eclesiais e, além disso, o
                          segundo limite, porque há uma atuação do cristão que se situa também
                          além dos confins eclesiais29.


        Afirma a CNBB:


                          o cristão olha para o mundo com realismo e com esperança. Procura
                          reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que
                          apontam para o Reino, assim como distinguir os obstáculos e as forças
                          do mal que impedem a sociedade humana de avançar na direção da
                          justiça, da paz e da fraternidade30.



        Há que reconhecer uma certa autonomia de todas as realidades terrestres. Sabe-
se que Deus é o criador de todas as coisas e quem constitui seu povo santo. Ele dá a
liberdade para as realizações do homem neste mundo. Segundo Illanes,


                          o conhecimento de que o criador proveua todas suas criaturas de uma
                          peculiar forma de ser e desenrolar internamente, com estruturas, valores
                          e modos de fazer próprios. Portanto, os homens têm direito a investigar
                          a criação, mediante a experiência, o estudo e a reflexão racional dessa
                          realidade31.


        Naturalmente, para um cristão, o mundo é criação de Deus e obra de sua
inteligência. Portanto, conhecer o mundo é conhecer sinais de Deus. Cada criatura, por
provir de Deus, participa do ser de Deus.


1.4 Mundo e história: lugar de missão e de santificação

     Deus quis que as mudanças se dessem também com a ação dos homens. João Paulo
II lembra que




29
   Id., ibid., p. 81.
30
   Missão e ministério dos cristãos leigos e leigas – CNBB – Doc. 62. n. 10.
31
   ILLANES, op. cit., p. 88.
16



                        a missão da Igreja, tal como a de Jesus, é obra de Deus, ou, usando uma
                        expressão freqüente em São Lucas, é obra do Espírito Santo. Depois da
                        ressurreição e ascensão de Jesus, os apóstolos viveram uma intensa
                        experiência que os transformou: o Pentecostes. A vinda do Espírito
                        Santo fez deles testemunhas e profetas32.



        Abraçar a tarefa missionária da Igreja é estar em conformidade e unido a Cristo,
pois esta é, verdadeiramente, a atitude de um batizado. E cada um tem um espaço onde
possa ser útil. Cada testemunho é importante na comunidade, na Igreja e no mundo: “A
participação na missão universal, portanto, não se reduz a algumas atividades isoladas,
mas é o sinal da maturidade da fé e de uma vida cristã que dá fruto”33.


                         O cristão olha para o mundo com realismo e com esperança. Procura
                         reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que
                         apontam para o reino, assim como distinguir os obstáculos e as forças
                         do mal que impedem a sociedade humana de avançar na direção da
                         justiça, da paz e da fraternidade34.


        É preciso que haja um engajamento consciente das pessoas na construção do
Reino, uma verdadeira resposta ao amor de Deus. Esse trabalho não é temporário, é
contínuo e urgente.

        Tanto na Igreja como no mundo encontramos ambiente próprio de missão e de
salvação, que se dá por meio da santificação, a qual é própria da ação de Deus. Antes da
divisão entre clérigo e laicado, está o fim último da missão: “a conversão dos homens a
Cristo e, como conseqüência, transformar a sociedade humana numa sociedade mais
justa e fraterna”35.


        Todos os fiéis são chamados à santidade, e esta é oferecida como possibilidade
de realização no mundo com suas realidades temporais. É preciso lembrar que não é
somente do aspecto das realizações terrenas que surge a possibilidade de santificação, é




32
   JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. São Paulo: Paulinas, 1991. 24
33
   Id., ibid.,77.
34
   Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Doc 62. CNBB. 10.
35
   ZILLES, U. Quem é o leigo na Igreja? qual sua missão? Teocomunicação, Porto Alegre, n. 72, p. 18,
1986/1.
17



também necessária a espiritualidade, um envolvimento consciente de busca do amor e
proteção de Deus do qual procedem todas as coisas.


           Lançe-se um olhar sobre a história, na perspectiva da compreensão das
realidades que ocorrem em todos os campos da vida humana, e hão de encontrar-se
elementos que respondem a perguntas pertinentes a cada realidade vivida pelos homens.
No horizonte teologal, também se passa por várias realidades, ou seja, na história
encontram variados tipos de acontecimentos. O que se pretende aqui é estabelecer uma
relação de compreensão entre secularidade da Igreja e secularidade do leigo. São duas
realidades diferentes, contudo, pertencentes à mesma realidade histórica.


          A realidade da história é a realidade dos homens; portanto, tudo o que nela
acontece é referente à humanidade. Deus revela-se e intervém na história em favor dos
homens, confirmando sua presença desde o princípio como criador e ordenador de tudo.
“Cristo como entrega decisiva de Deus ao homem é a realidade suprema e primordial, o
centro do qual depende e meta que tudo ordena, o ponto de referência que dá unidade à
criação e à história desde seu início até à sua consumação”36.


          As realizações humanas devem servir como instrumento de vida. Illanes afirma
que “as atividades levadas a cabo hoje, no presente da história, e as realizações que
delas derivam se apresentam como realidades não últimas, mas abertas a uma realização
e de sentido, e por tanto como antecipação da plenitude de vida que se alcançará na
escatologia”37.       “Nada é irrelevante ou fútil na história que tem por protagonista
Deus”38.


          Na perspectiva de traçar no horizonte da história uma compreensão teológica dos
acontecimentos, deve-se ter presente, que a ação de Deus, diante das realidades, tem
sempre uma utilidade, há sempre uma importância relacionada ao homem, ou seja, é por
causa da humanidade que Deus age na história. “Assim sendo, os homens como Igreja,
e agentes da Igreja, devem compreender que sua responsabilidade e missão no mundo
tem como fim manifestar aos homens a dimensão profunda e o valor radical

36
     ILLANES, op. cit., p. 131.
37
     Id., ibid., p. 131.
38
     Id., ibid., p. 132.
18



escatológico da existência”39, isto é, todo o sentido da vida humana culmina e caminha
para a salvação.


            Assim, as realidades temporais não são alheias a Deus, ou seja, as realizações do
mundo e das diversas ordens terrenas não acontecem à margem do conhecimento e
atuação de Deus. “A vida comunicada por Deus dá sentido à existência do homem, e,
por tanto, sua fé em Jesus Cristo, a esperança da salvação, recobra seu significado,
radica dentro da história”40.




39
      Id., ibid., p. 132.
40
     Id., ibid., p. 131.

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A MISSÃO DA IGREJA, PRESSUPOSTO DA MISSÃO DO FIEL CRISTÃO E DA MISSÃO LAICAL

  • 1. 1 A MISSÃO DA IGREJA, PRESSUPOSTO DA MISSÃO DO FIEL CRISTÃO E DA MISSÃO LAICAL Neste capítulo, são apresentados alguns tópicos importantes no tocante à questão da missão da Igreja como pressuposto da missão do fiel cristão e da missão laical. Jesus Cristo cumpriu a vontade do Pai, inaugurou na terra o Reino de Deus, revelou-nos Seu mistério e, por Sua obediência, realizou a redenção6. “Em Jesus, Deus recapitula toda a sua história de salvação em favor dos homens”7. Cristo, cumpridor da missão recebida do Pai, confiou esta também a seus apóstolos. Para que a salvação de Deus seja conhecida por todos, faz-se necessário que seja anunciada. Para que o homem possa amar a Deus, é preciso conhecê-lo. Para que possa chegar a Deus, é mister ser santificado pela graça. Assim, Cristo enviou os apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: “Ide, fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei8”. Através dos apóstolos, a missão, que o Pai confiou a seu Filho Jesus Cristo, chega à Igreja, que terá a responsabilidade de, através dos tempos, realizar a continuidade da missão salvadora de seu fundador: Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai. No momento em que por sua Morte é vencedor da morte, de maneira que, ressuscitado dos mortos pela Glória do Pai, dá imediatamente o Espírito Santo „soprado‟ sobre seus discípulos. A partir dessa Hora, a missão de Cristo e do 6 LG 3. 7 Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 430. 8 Mt 28, 19-20.
  • 2. 9 Espírito passa a ser a missão da Igreja: „Como o Pai me enviou, também eu vos envio‟9. João Paulo II lembra que a Igreja recebeu uma missão universal, sem limites, referente à salvação em toda a sua integridade, segundo aquela plenitude de vida que Cristo veio trazer. Ela foi „enviada para manifestar e comunicar a caridade de Deus a todos os homens e povos‟10. Assim, a missão da Igreja, pressuposto da missão do fiel cristão e da missão laical, precisa ser analisada nos seguintes aspectos: a missão da Igreja; Igreja e mundo; realidade e limites da participação da Igreja na ação de Deus no mundo; a autonomia das realidades terrestres; mundo: lugar de missão e de santificação; horizonte teologal e realidade da história. 1.1 A missão da Igreja O Espírito Santo é quem mantém a Igreja viva e atuante. Ele é o principal protagonista da missão, ou seja, o principal „personagem‟ da obra da evangelização. Não se pretende, aqui, negar que os leigos e os clérigos, também protagonizam essa missão; porém, entende-se que a parte que lhes toca é significativa, mas não a principal. É o Espírito Santo quem guia a missão, é dele que vem a força que se necessita para o encorajamento e o prosseguimento da evangelização. O Espírito Santo abre os caminhos e os corações daqueles que não o conhecem, ou ainda que o rejeitam.O Papa Wojtyla afirma: Sob o impulso do Espírito, a fé cristã abre-se, decididamente, às nações pagãs, e o testemunho de Cristo expande-se em direção aos centros mais importantes do Mediterrâneo oriental, para chegar, depois, a Roma e ao extremo Ocidente. É o Espírito que impele a ir sempre mais além, não só em sentido geográfico, mas também ultrapassando barreiras étnicas e religiosas, até se chegar a uma missão verdadeiramente universal11. A missão originária foi a de Cristo. Ele é o enviado do Pai por excelência; portanto, a nossa missão tem origem na dele: “Sendo Cristo enviado pelo Pai a fonte e a 9 Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 730. 10 JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. São Paulo: Paulinas, 1991. 31. 11 Id., ibid.,25.
  • 3. 10 origem de todo apostolado da Igreja, é evidente que a fecundidade do apostolado, tanto a dos ministros ordenados como a dos leigos, depende da sua união vital com Cristo”12. Na reflexão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil: Tem-se que anunciar Jesus Cristo, sua doutrina, o nome, a vida, as promessas, o Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus. Vise a inculturação da fé; comprometa a todos na comunhão e participação; favoreça a colaboração entre todos os homens de boa vontade assuma a encarnação como caminho da missão e se fundamente na plena inserção da realidade sociocultural13. “A Igreja é o fruto da ação gratuita e salvadora de Deus trino, nascida do decreto de Deus Pai, participando da vida de Deus Filho, animada pelo Espírito Santo”14. Na verdade, o construtor do Reino é o próprio Deus, só Deus pode construir o Reino, e, portanto, esse Reino não pode ser o resultado exclusivo das mãos do homem. Porém, Deus confia ao homem participar com sua colaboração, para estabelecer, quanto possível, o Reino de Deus, e, portanto, para sujeitar todas as coisas inferiores e tudo o mais ao Espírito de Deus. É de fato esse o programa da obra de Deus, (...) e para realizar tal programa o Senhor nos deu a graça de sermos Seus colaboradores. Seremos reis, adaptando-nos a Seus desígnios reais, cooperando nessa obra do Reino, nas condições queridas por Deus e nos diferentes planos de sua realização15. As questões temporais também fazem parte da missão, pois o mundo é o lugar do acontecimento da mesma missão. “O batismo e a confirmação incorporam a Cristo e o tornam membros da Igreja”16 e pede ao leigo que se envolva com a vocação da Igreja que está no mundo e com as coisas do mundo. 1.2 Igreja e Mundo 12 Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 864. 13 Igreja: comunhão e missão na evangelização dos povos. Doc. 40. CNBB. 122. 14 Cf. ILLANES, José Luis. Laicado y sacerdocio. Pamplona: Universidad de Navarra, 2000, p. 99. 15 CONGAR, Yves. Os leigos na Igreja. São Paulo: Herder, 1966, p. 335. 16 DP 786.
  • 4. 11 Acerca da questão sobre Igreja e mundo, João Paulo II lembra que “são numerosos os textos evangélicos que provam a atitude de clemência e misericórdia que Jesus tem com respeito ao mundo, enquanto é seu salvador17”. “Partindo desse pressuposto, os leigos a serviço da Igreja no mundo estão chamados a trabalhar pela sua santificação”18. O Vaticano II, sobretudo na Lumen Gentium e na Gaudium et Spes, propõe uma Igreja encarnada no mundo, no diálogo com o mundo e ao serviço do mundo, mas não sujeita ao mundo. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”19. Devem os fiéis viver em estreita união com os outros homens do seu tempo e se esforçar por compreender a fundo os seus modos de pensar e de sentir, expressos na cultura. Eis a reflexão do Vaticano II: Que conciliem os conhecimentos das novas ciências e teorias e das mais recentes invenções com os costumes e o ensinamento da doutrina cristã, para que o sentimento religioso e a retidão moral avancem neles a par do conhecimento científico e dos progressos diários da técnica; assim poderão apreciar e interpretar todas as coisas com uma sensibilidade autenticamente cristã 20. A verdade de Deus está semeada no coração de todos os seres humanos e encontrou seu eco no mundo. Pertencem ao elo da grande corrente humana que se vai sucedendo no tempo, e permanecendo no mundo, como afirma Illanes: “A Igreja que está no mundo, comunidade de salvação que se vai formando na história até alcançar sua plenitude no momento da consumação escatológica, antecipa e anuncia o fim e o destino até que tudo tenha a virtude do qual tudo se explica”21. É importante que se tenha clareza sobre a relação entre a Igreja e o mundo, pois todos os batizados pertencem à Igreja que cresce no mundo, diante de todos os desafios que a humanidade conhece. O mundo em si é de natureza boa, pois é obra de Deus, que 17 JOÃO PAULO II. Creo en la Iglesia – Catequesis sobre el credo. Madrid: Palabra, 1997, p. 408. 18 Id., ibid., p. 409. 19 GS 1. 20 Id., ibid., 62. 21 ILLANES, op. cit., p.126.
  • 5. 12 é só bondade. Porém, o mundo pode tornar-se decadente, devido a sua natureza de contingência. “O mundo foi criado bom, tem sua origem na sabedoria e no amor de Deus: na eficiência amorosa de Deus Pai, que o fez por meio de suas mãos, o Verbo e o Espírito Santo”22. O mundo sofre constantes mudanças. Essas mudanças trazem novos desafios ao homem, que o fazem tomar novas atitudes diante do desconhecido. A sociedade recebe as mudanças, e, para absorvê-las, necessita da capacidade do homem de dar uma resposta. Todos os acontecimentos do mundo influenciam direta ou indiretamente a vida dos homens e, com isso, também as suas realidades e acontecimentos da história. O modo de viver de uma sociedade acaba por mudar também os direcionamentos de tudo aquilo que dela depende. Aqui se quer aludir à relação da Igreja com o mundo. M. Santos afirma: Dado que a Igreja está no mundo e na história, a relação da Igreja com o mundo estará sempre temporalmente condicionada e será sempre a história da salvação de uma Igreja peregrina. Desde o início do cristianismo, e até ao fim dos tempos, foi, é e será ponto fulcral de debates de todo o tipo. Das perseguições do Império Romano ao atual secularismo, passando pelo cesaropapismo, a questão das investiduras (...) 23. É necessário elucidar a relação existente entre Igreja e mundo, portanto a relação de suas realidades. Estar no mundo é deliberadamente sujeitar-se e condicionar-se às suas exigências, ou esforçar-se para melhorá-lo. Surge daí a possibilidade e a necessidade de a Igreja aparecer sempre missionária. A história da salvação, da qual a Igreja faz parte, é sem dúvida uma história conturbada. Sempre foi cercada por dificuldades. Mas a Igreja resiste sempre e fazer-se presente e atuante no mundo faz parte de sua índole. A realidade da Igreja passa pela 22 SANTOS, M. Igreja x Mundo. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 32, n. 137, p. 488, set. 2002. 23 Id., ibid., p. 485.
  • 6. 13 provação das mesmas conseqüências a que está sujeita toda a humanidade, pois ela está no mundo e convive dia a dia com as coisas que ele lhe impõe. Segundo M. Santos, com o pecado, a criação ficou também ferida. Mas a situação da humanidade no mundo foi distorcida pelo pecado, e o mundo se converteu em instrumento da ira e do castigo de Deus: o trabalho deixa de ser um prazer; a terra seria uma maldição para os que desobedecem a Deus. Nenhuma das ajudas oferecidas por Deus, através dos juízes, reis e profetas, bastaria. Por isso chega à fase final do plano de Deus: „Deus tanto amou o mundo (tòn kósmon) que enviou o seu Filho único‟24. Por causa do pecado da humanidade, pela dureza de coração do homem, foi necessário que Deus interviesse na história do mundo e aqui deixasse seu sinal, sua Igreja, fundada por seu Filho, e fizesse dos filhos de Deu missionários para engajar-se contra o pecado, contra as injustiças e dificuldades que o próprio homem cria em nome do progresso e do egoísmo. 1.3 Realidade e limites da participação da Igreja na ação de Deus no mundo Afirma João Paulo II: “Ao anunciar e ao acolher o Evangelho na força do Espírito, a Igreja torna-se comunidade evangelizada e evangelizadora e, precisamente por isso, faz-se serva dos homens” 25. O cristão pode afirmar a mais decidida autonomia das realidades temporais, porque o mundo é obra de Deus, a realidade temporal tem sua verdade própria, suas leis próprias, naturais. Consoante oVaticano II, na Gaudium et Spes, se por autonomia das realidades terrestres entendemos que as coisas criadas e as próprias sociedades gozam de leis e valores próprios, a serem conhecidos, usados e ordenados gradativamente pelo homem, é absolutamente necessário exigi-la. Isto não é só reivindicado pelos 24 Id., ibid., p. 489. 25 CfL 36.
  • 7. 14 homens de nosso tempo, mas está também de acordo com a vontade do criador26. É necessário respeitar a autonomia das realidades temporais. Importante é reconhecer que todas as realidades têm em si suas próprias características que as tornam o que são. Com isso, não fica difícil de se perceber que, em se tratando das realidades terrestres, há de se reconhecer que toda a sua autonomia é originada em seu criador, que é Deus, a quem tudo pertence. Por isso, o Concílio Vaticano II adverte: “Porém, se pelas palavras „autonomia das realidades temporais‟ se entende que as coisas criadas não dependem de Deus, e o homem as pode usar sem referência ao criador, todo aquele que admite Deus percebe o quanto sejam falsas tais máximas”27. Todos somos chamados a viver a fé cristã na sociedade, junto com os outros, junto com os diversos problemas existentes no mundo. Não se pode ignorar que a missão exige dedicação, empenho na caridade, trabalho. Diante das necessidades, das imperfeições do mundo, urge que os batizados se lancem à missão. Quando nos referimos aos batizados, queremos incluir os clérigos, os leigos e os consagrados. É preciso entender as conseqüências da missão e ver no mundo o lugar das realizações. Por isso, o campo de trabalho se torna amplo. A realidade da participação da Igreja na ação de Deus no mundo é vontade do próprio Deus. É ele quem quer que a humanidade seja engajada no serviço, na missão do mundo. Illanes afirma: Dado que a missão da Igreja participa, mediante a graça e a vocação de Deus, na constante obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo, se deve concluir que nosso serviço leva o selo daquele que atribuímos às pessoas divinas, a saber, sua obra, ora na criação, ora na redenção, ora na santificação28. Há realidades que limitam a participação da Igreja na ação de Deus, no mundo, segundo Illanes: 26 GS 36. 27 Id., ibid., 36. 28 ILLANES, op. cit., p. 77.
  • 8. 15 Em primeiro lugar, proclama-se, de uma parte, que a Igreja participa na ação de Deus no mundo. De outra, que esta participação tem dois limites: primeiro limite, a ação de Deus no mundo não está reduzida à que exerce através das estruturas e realidades eclesiais e, além disso, o segundo limite, porque há uma atuação do cristão que se situa também além dos confins eclesiais29. Afirma a CNBB: o cristão olha para o mundo com realismo e com esperança. Procura reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que apontam para o Reino, assim como distinguir os obstáculos e as forças do mal que impedem a sociedade humana de avançar na direção da justiça, da paz e da fraternidade30. Há que reconhecer uma certa autonomia de todas as realidades terrestres. Sabe- se que Deus é o criador de todas as coisas e quem constitui seu povo santo. Ele dá a liberdade para as realizações do homem neste mundo. Segundo Illanes, o conhecimento de que o criador proveua todas suas criaturas de uma peculiar forma de ser e desenrolar internamente, com estruturas, valores e modos de fazer próprios. Portanto, os homens têm direito a investigar a criação, mediante a experiência, o estudo e a reflexão racional dessa realidade31. Naturalmente, para um cristão, o mundo é criação de Deus e obra de sua inteligência. Portanto, conhecer o mundo é conhecer sinais de Deus. Cada criatura, por provir de Deus, participa do ser de Deus. 1.4 Mundo e história: lugar de missão e de santificação Deus quis que as mudanças se dessem também com a ação dos homens. João Paulo II lembra que 29 Id., ibid., p. 81. 30 Missão e ministério dos cristãos leigos e leigas – CNBB – Doc. 62. n. 10. 31 ILLANES, op. cit., p. 88.
  • 9. 16 a missão da Igreja, tal como a de Jesus, é obra de Deus, ou, usando uma expressão freqüente em São Lucas, é obra do Espírito Santo. Depois da ressurreição e ascensão de Jesus, os apóstolos viveram uma intensa experiência que os transformou: o Pentecostes. A vinda do Espírito Santo fez deles testemunhas e profetas32. Abraçar a tarefa missionária da Igreja é estar em conformidade e unido a Cristo, pois esta é, verdadeiramente, a atitude de um batizado. E cada um tem um espaço onde possa ser útil. Cada testemunho é importante na comunidade, na Igreja e no mundo: “A participação na missão universal, portanto, não se reduz a algumas atividades isoladas, mas é o sinal da maturidade da fé e de uma vida cristã que dá fruto”33. O cristão olha para o mundo com realismo e com esperança. Procura reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que apontam para o reino, assim como distinguir os obstáculos e as forças do mal que impedem a sociedade humana de avançar na direção da justiça, da paz e da fraternidade34. É preciso que haja um engajamento consciente das pessoas na construção do Reino, uma verdadeira resposta ao amor de Deus. Esse trabalho não é temporário, é contínuo e urgente. Tanto na Igreja como no mundo encontramos ambiente próprio de missão e de salvação, que se dá por meio da santificação, a qual é própria da ação de Deus. Antes da divisão entre clérigo e laicado, está o fim último da missão: “a conversão dos homens a Cristo e, como conseqüência, transformar a sociedade humana numa sociedade mais justa e fraterna”35. Todos os fiéis são chamados à santidade, e esta é oferecida como possibilidade de realização no mundo com suas realidades temporais. É preciso lembrar que não é somente do aspecto das realizações terrenas que surge a possibilidade de santificação, é 32 JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. São Paulo: Paulinas, 1991. 24 33 Id., ibid.,77. 34 Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Doc 62. CNBB. 10. 35 ZILLES, U. Quem é o leigo na Igreja? qual sua missão? Teocomunicação, Porto Alegre, n. 72, p. 18, 1986/1.
  • 10. 17 também necessária a espiritualidade, um envolvimento consciente de busca do amor e proteção de Deus do qual procedem todas as coisas. Lançe-se um olhar sobre a história, na perspectiva da compreensão das realidades que ocorrem em todos os campos da vida humana, e hão de encontrar-se elementos que respondem a perguntas pertinentes a cada realidade vivida pelos homens. No horizonte teologal, também se passa por várias realidades, ou seja, na história encontram variados tipos de acontecimentos. O que se pretende aqui é estabelecer uma relação de compreensão entre secularidade da Igreja e secularidade do leigo. São duas realidades diferentes, contudo, pertencentes à mesma realidade histórica. A realidade da história é a realidade dos homens; portanto, tudo o que nela acontece é referente à humanidade. Deus revela-se e intervém na história em favor dos homens, confirmando sua presença desde o princípio como criador e ordenador de tudo. “Cristo como entrega decisiva de Deus ao homem é a realidade suprema e primordial, o centro do qual depende e meta que tudo ordena, o ponto de referência que dá unidade à criação e à história desde seu início até à sua consumação”36. As realizações humanas devem servir como instrumento de vida. Illanes afirma que “as atividades levadas a cabo hoje, no presente da história, e as realizações que delas derivam se apresentam como realidades não últimas, mas abertas a uma realização e de sentido, e por tanto como antecipação da plenitude de vida que se alcançará na escatologia”37. “Nada é irrelevante ou fútil na história que tem por protagonista Deus”38. Na perspectiva de traçar no horizonte da história uma compreensão teológica dos acontecimentos, deve-se ter presente, que a ação de Deus, diante das realidades, tem sempre uma utilidade, há sempre uma importância relacionada ao homem, ou seja, é por causa da humanidade que Deus age na história. “Assim sendo, os homens como Igreja, e agentes da Igreja, devem compreender que sua responsabilidade e missão no mundo tem como fim manifestar aos homens a dimensão profunda e o valor radical 36 ILLANES, op. cit., p. 131. 37 Id., ibid., p. 131. 38 Id., ibid., p. 132.
  • 11. 18 escatológico da existência”39, isto é, todo o sentido da vida humana culmina e caminha para a salvação. Assim, as realidades temporais não são alheias a Deus, ou seja, as realizações do mundo e das diversas ordens terrenas não acontecem à margem do conhecimento e atuação de Deus. “A vida comunicada por Deus dá sentido à existência do homem, e, por tanto, sua fé em Jesus Cristo, a esperança da salvação, recobra seu significado, radica dentro da história”40. 39 Id., ibid., p. 132. 40 Id., ibid., p. 131.