Livro - Conselhos Sobre a Morte: e como viver uma vida melhor
Dalai Lama
De : http://minhateca.com.br/Marcelahum/Galeria/DOC/Dalai+Lama+e+Jeffrey+Hopkins+-+Conselhos+Sobre+a+Morte,67459804.doc
2. “TODO MUNDO MORRE, MAS NINGUÉM ESTÁ MORTO”. — ditado tibetano.
SUMARIO
Prefácio por Jeffrey Hopkins, Ph. D. 9
1. A Consciência da Morte 29
2. Libertandose
do Medo 40
3 Preparandose
para Morrer 54
4. Removendo Obstáculos para uma Morte Favorável 67
5. Obtendo Condições Favoráveis para o Momento da Morte 72
6. Meditando durante o Processo da Morte 78
7. A Estrutura Interna 90
8. A Clara Luz da Morte 105
9. Reagindo ao Estado Intermediário 120
10. O Renascimento Positivo 131
11. Reflexão Diária sobre o Poema 136
Apêndice: Descrição do Poema e Resumo dos Conselhos 141
Leitura Recomendada 155
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PREFÁCIO
O Tibete é conhecido pela sua vasta percepção das profundezas da mente. Um repositório dos
ensinamentos budistas, o Tibete há muito mantém tradições de prática e instruções voltadas para a
manifestação desses profundos estados mentais e para a sua utilização no progresso espiritual.
Comecei os meus estudos desses sistemas em um mosteiro tibetano e mongol em Nova Jersey no
fim de 1962. Durante os cinco anos que vivi no mosteiro aprendi a língua tibetana, meditei e estudei
um vasto leque de temas. Quando voltei ao mosteiro no verão de 1968, esse aprendizado me
possibilitou apreciar a magnífica exposição de assuntos — extensos e breves – realizada por um
monge idoso, Kensur Ngawang Lekden, que tinha sido o abade de um mosteiro tântrico em Lhasa,
a capital do Tibet, quando os comunistas chineses invadiram o país em 1959. Durante os
ensinamentos, o Lama mencionou varias vezes um livro muito importante a respeito da morte que
ele tinha em seu poder. Explicou que a obra era extremamente útil na abordagem da morte porque
descrevia em detalhe os estados mentais cada vez mais profundos pelos quais a pessoa moribunda
passa e como prepararse
para eles. Ele acrescentou que atravessamos todos os dias esses estados
quando vamos dormir ou terminamos um sonho, bem como quando desmaiamos, espirramos ou
temos um orgasmo.
Fiquei fascinado.
A partir das breves referências do Lama ao conteúdo desse livro, pude perceber que o nosso
nível de consciência habitual era superficial quando comparado a esses estados mais profundos.
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Desejoso de aprender mais, pedilhe
que me ensinasse o texto, mas ele não quis fazêlo
naquele
momento. Finalmente, em 1971, obtive uma bolsa Fullbright e fui estudar alguns meses com um dos
alunos do Lama tibetano, que estava lecionando na Universidade de Hamburgo na Alemanha. Lá,
morei no que de fato era um grande closet. Dentro dele, em cima da janela, um amigo do erudito
tibetano tinha construído uma cama estreita, á qual se tinha acesso por uma pequena escada e,
3. debaixo dela, uma pequena escrivaninha. Certa noite, quando eu estava lá há relativamente pouco
tempo, o Lama apareceu para mim em um sonho emocionante no qual ele tinha a forma reluzente
do seu eu com seis anos de idade, sem as bexigas que ele tinha no seu rosto de adulto. De pé,
sobre o meu peito, ele anunciou: “Eu voltarei.” Eu soube então que ele tinha morrido.
Viajei a seguir para a Índia, onde permaneci por mais de um ano, participando de duas séries de
ensinamentos administradas por Sua Santidade o Dalai Lama, conversando longamente com ele em
muitas audiências, recebendo ensinamentos particulares, traduzindo um texto que ele havia escrito
sobre o tema da origem dependente e o vazio, e atuando como intérprete para um grupo de
estudantes que havia solicitado uma audiência. Ao regressar aos Estados Unidos, encaminheime
diretamente ao mosteiro em Nova Jersey, decidido a examinar os haveres do Lama Kensur
Ngawang Lekden para procurar o livro a respeito da morte.
Para minha felicidade, consegui encontrálo!
Li o livro e pedi a dois lamas esclarecimentos sobre os ensinamentos que ele continha. A obra
exerceu cm mim uma profunda influência. Ela descreve com tanta clareza os níveis mentais
superficiais e os profundos, que possibilita que nos imaginemos penetrando cada vez mais na mente,
na jornada suprema de transformação. Por saber que o valor desse material seria inestimável para
um grande número de pessoas, perguntei à Sua Santidade o Dalai Lama se ele faria comentários
sobre outro texto que trata do mesmo assunto, um poema escrito no século XVII pelo Primeiro
Panchen Lama (que também contém um comentário realizado pelo autor do livro que eu lera sobre
a morte). Mencionei ao Dalai Lama que, na minha opinião, dessa maneira, com os comentários
dele, um livro mais acessível poderia ser publicado, e ele concordou.
11
Alguns dias depois, fui chamado ao gabinete interno de Sua Santidade e senteime
diante dele
com um gravador. Sua Santidade explicou o texto a partir de um vasto leque de tradições e
experiências, discutindo detalhadamente tanto a estrutura da psicologia profunda do budismo
quanto o processo da morte e do período após a morte, que antecede a vida seguinte. Ele
descreveu como os iogues competentes manifestam os níveis profundos da mente para a
transformação espiritual. Falou apaixonadamente do valor de termos consciência da morte, de
como fazer isso, de como vencer o medo tanto no momento da morte quanto no estado
intermediário entre as vidas e de como ajudar aqueles que estão morrendo. Os seus ensinamentos
formam a essência deste livro.
Vou dar uma idéia do impacto que o Dalai Lama exerceu em mim naquele dia citando algumas
notas do meu livro, Cultivating Compassion, nas quais discuto a mediação sobre a natureza da
realidade:
O Dalai Lama recomenda que meditemos dessa maneira sobre alguém ou algo que valorizemos
imensamente, para que a experiência do vazio não seja desvirtuada e interpretada como uma
desvalorização do sujeito — o valor permanecerá elevado, mas será percebido de um modo
diferente. A minha experiência foi particularmente intensa durante um período em que ele me
transmitiu ensinamentos no seu gabinete, na Índia. Certo fim de tarde em que eu estava sentado
diante da escrivaninha do Dalai Lama, avistei, através das largas janelas que se abriam atrás dele, o
sol que já descia no horizonte no vale do Kangra. O tema que discutíamos eram os estágios da
morte — uma penetrante apresentação dos estágios mais profundos da mente, nos quais apóiase
não apenas a morte como também toda a experiência consciente. O domínio da palavra que o Dalai
Lama tem em tibetano é incrível; ele fala ao mesmo tempo muito rápido e com grande clareza, e
emprega em cada tema um vasto conjunto de ensinamentos. A luz do sol no vívido céu laranja
tornava a cena brilhante, como o segundo estágio das quatro mentes sutis que experimentamos no
processo da morte.
4. 12
Eu nunca tinha me sentido tão à vontade em toda a minha vida. Ao sair do gabinete dele, fiquei
impressionado com o pico coberto de neve acima de Dharmsala. Comecei a descer para o meu
quarto situado mais abaixo na montanha, passando por um lugar onde eu também descortinava, do
outro lado, uma montanha; o espaço entre as duas montanhas estava tomado por um arcoíris
que
formava um circulo completo. Era impressionante! Dois dias depois, tive a última aula com o Dalai
Lama, pois ia voltar para os Estados Unidos. Quando a sessão terminou e comecei a me dirigir
para a porta, ele disse: Parece um sonho. Eu perguntei:
“O quê?” “Parece um sonho”, replicou ele. Até mesmo nesse período extremamente intenso e
importante da minha vida, ele me fez refletir sobre o vazio dessa valiosa experiência. O vazio não
cancela os fenômenos; pelo contrário, ele é bastante compatível com a efetividade e com o valor.
O IMPACTO DOS ENSINAMENTOS
Os ensinamentos do Dalai Lama estão repletos não apenas de detalhes sobre o verdadeiro
processo da morte como também de conselhos práticos. Obtive um grande número de
conhecimentos a respeito do colapso gradual da consciência e aprendi muitas coisas que mais tarde
se revelaram extremamente úteis.
Enquanto meus pais passavam férias na sua pequena casa de inverno na Flórida, meu pai, que
tinha 81 anos, teve um derrame. Eu estava muito longe, em Vancouver, lecionando na Universidade
de British Columbia, de modo que permaneci no Canadá enquanto meus três irmãos foram visitar
nosso pai enfermo na Flórida. Ficamos aliviados quando ele saiu do estado de coma e voltou para
casa. No entanto, quando cheguei aos Estados Unidos algumas semanas mais tarde, depois que
meus irmãos haviam partido, meu pai voltou para o hospital e, uma vez mais, entrou em coma.
Certo dia, meu pai estava deitado de costas e abriu os olhos. Ele se virou para mim e
começamos a conversar suavemente.
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Em um determinado momento, ele disse o seguinte, com um brilho divertido no olhar: “Você não
acreditaria se eu lhe contasse o que está acontecendo neste hospital.” Perguntandome
o que ele
estaria querendo dizer com aquilo, olhei por acaso para a televisão ao pé da sua cama. Ela exibia
um episódio de uma série cômicoerótica
passada em um hospital, e percebi que a equipe da clínica
tinha posto um pequeno altofalante
no seu travesseiro. Enquanto estava em coma, ele tinha
escutado todos aqueles programas! Após algum tempo, eu lhe disse de onde estavam vindo as suas
idéias e mais tarde desliguei o altofalante,
recordando o ensinamento do Dalai Lama de que
quando a morte se aproxima é extremamente importante ter por perto alguém que nos faça ter
pensamentos virtuosos.
Alguns dias depois, o quadro do meu pai piorou e ele entrou em coma profundo. Certa noite,
durante uma visita, descobri que o hospital o tinha transferido para outro quarto. Desta vez, a
televisão gritava um programa de perguntas e respostas. Tentei desligar o aparelho, mas a
enfermeira me disse que era o programa favorito do homem praticamente surdo que ocupava o
outro leito. Desconcertado, senteime
ao pé da cama do meu pai pensando no que fazer. A
televisão rugiu uma pergunta a respeito de um navio que afundara no mar, de modo que imaginei
que pelo menos eu poderia distrair o outro paciente. “Você sabe o nome do navio?”, perguntei,
gritando. Como ele não moveu um único músculo, percebi que ele também estava em coma. Mas
5. meu pai sentouse
na cama e disse: “E Andrea Doria.” Ele estava lúcido e ouvira o programa
inteiro!
Desliguei a televisão e batemos um papo muito agradável. Como de costume, ele estava
contente. Pediu biscoitos com leite e a enfermeira os providenciou de uma maneira particularmente
carinhosa. Conversamos durante algum tempo e, quando ia saindo, perguntei: “Quer que eu diga olá
para a mamãe?” “Claro”, replicou ele, animadamente.
O hospital telefonou para a minha mãe bem cedo no dia seguinte para dizer que o meu pai tinha
morrido durante a noite. Senti um enorme alívio porque, antes de morrer, ele recobrara a
consciência com o espírito renovado. E também porque a televisão estava desligada.
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O hospital tinha deixado o corpo do meu pai sozinho no quarto. Fui até lá e, lembrandome
que
não deveria perturbar o corpo, senteime
e fiquei em silêncio por não conhecer o vocabulário
particular da sua religião. Senti que pelo simples fato de estar presente eu poderia apoiálo
na sua
jornada.
Um ano depois, minha mãe sofreu o que foi provavelmente um derrame. Ela ligou para a casa do
meu irmão Jack. Ele não estava, e Judy, a mulher dele, atendeu o telefone. Mamãe disse que estava
se sentindo muito mal, que estava com dor de cabeça e falava de um modo desconexo. Ela disse
também que estava se sentindo fraca e que talvez fosse vomitar. A seguir a sua voz sumiu. Como a
minha mãe não tinha desligado o telefone, Judy correu para a casa vizinha e telefonou para a equipe
de socorro. Posteriormente, por três vezes, o hospital a trouxe de volta do portal da morte, e em
todas elas a minha mãe ficou tentando se comunicar. Ao perceber o seu esforço desconexo,
lembreime
de que o Dalai Lama tinha mencionado a necessidade do conselho amigo capaz de
evocar uma atitude virtuosa e aproximeime
da cama onde ela estava deitada. Eu sabia que a
palavra especial da minha mãe era “espírito”, de modo que eu disse: “Mamãe, é o jeff. Chegou a
hora do espírito:” Ela imediatamente se acalmou e parou de lutar. Repeti suavemente: “Chegou a
hora do espírito:” Alguns dias depois, ela morreu em paz.
Quando o meu primo Bobby foi diagnosticado com câncer no cérebro, ele conversou
longamente sobre a doença com o meu irmão Jack, que lhe perguntou se havia algo que ele gostaria
de fazer enquanto estivesse em atividade. “Gostaria que os primos se reunissem e contassem
histórias sobre o vovô”, disse ele. Meu avô paterno era um homem poderoso que protegia a família,
a fazenda, a igreja, e todos os seus negócios e interesses de um jeito vigoroso e até mesmo
engraçado. Assim sendo, Jack nos reuniu; éramos 14 ao todo. Sabíamos que Bobby ia morrer e
não fingimos pensar de um modo diferente, mas tampouco exibimos um comportamento sombrio.
Quase todos tínhamos histórias hilariantes para contar, e eu as gravei em vídeo.
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Nancy, a irmã de Bobby, telefonoume
e pediu conselhos sobre o que fazer quando a hora da
morte se aproximasse. “Tome providências para que ninguém chore ou se lamente ao redor dele”,
disse eu. “Simplifique as coisas”. Desligue a televisão. Faça com que as pessoas venham se
despedir antes de o fim começar.
Na véspera do último dia de vida de Bobby, a família assistiu ao vídeo da reunião dos primos e
a seguir o guardou. No dia seguinte, tudo foi mantido muito simples e tranqüilo, e ele morreu.
O Dalai Lama aconselha que quando nos aproximamos do fim, é preciso que nos lembremos da
nossa prática, independentemente de qual ela for. Não podemos impor aos outros as nossas
opiniões nem um nível mais elevado de prática do que aquele com o qual eles conseguem lidar.
Quando meu amigo Raymond soube que ia morrer de AIDS, ele e o seu parceiro me perguntaram
6. o que deveriam fazer. Recordando a morte dos meus pais e a paralisia que tomou conta de mim por
eu ter contraído a doença de Lyme e que quase me levou à morte, eu tinha conhecimento de que
muito tempo depois de ficarmos impossibilitados de interagir com os outros, podemos ter uma vida
interior intensa e lúcida. Durante minha grave doença, repeti interiormente um mantra que eu recitara
por quase trinta anos. Descobri que apesar de ser incapaz de me comunicar com os outros, eu
conseguia repetir o mantra com uma lucidez incomum. De vez em quando, eu tentava falar, porém
sem sucesso. Apesar disso, eu não ficava preocupado. Isso teria sido um grande erro. Apenas
continuava a repetir o mantra, o que me deixava tranqüilo.
Pensando nessa experiência, sugeri a Raymond que escolhesse um ditado que pudesse repetir
continuamente. Ele escolheu uma estrofe de Joseph Goldstein:
“Que eu seja permeado pela bondadeamorosa”.
Que eu fique bem.
Que eu me sinta tranqüilo e em paz.
Que eu seja feliz.
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Achei que a escolha pudesse ser longa demais, mas sabia que era a opção correta para
Raymond, pois era a que ele queria.
Raymond praticou o mantra. O seu parceiro o colocou em uma moldura de plástico ao lado da
cama de Raymond, para que este o visse quando virasse a cabeça e se lembrasse de repetilo.
Mais tarde, quando Raymond saiu do hospital e voltou para casa para morrer, pouco a pouco ele
foi se recolhendo, perdendo a faculdade de falar, depois a de apontar com o dedo, até que ficou
completamente impossibilitado de se mover. No entanto, quando eu entrava no seu quarto,
sentavame
no chão e dizia suavemente: “Que eu seja permeado pela bondade amorosa”, seu rosto
se iluminava e seus olhos se moviam debaixo das pálpebras cerradas. Tinha funcionado!
O PRIMEIRO PANCHEN LAMA
Neste livro, Sua Santidade o Dalai Lama recorre a uma vasta coleção de tradições textuais e
orais da Índia e do Tibete para explicar um poema de 17 estrofes de autoria do Primeiro Panchen
Lama. O Dalai Lama revela, um por um, o significado das estrofes, fornecendo uma apresentação
detalhada dos estágios da morte, do estado intermediário entre as vidas e do renascimento, ao
mesmo tempo em que descreve sua aplicação prática de uma forma comovente.
O poema que serve de base para este estudo foi escrito no século XVII. Sua importância e
relevância têm sido transmitidas por monges e leigos no Tibete, e agora em todo o mundo. No
entanto, ter como certa a habilidade de estudar e praticar significa desconhecer o atual estado da
religião no Tibete, a situação do Panchen Lama e a tensão constante entre o Tibete e a China.
Por conseguinte, gostaria de discutir a história dos títulos Dalai Lama e Panchen Lama, bem
como a linhagem de encarnações do autor do poema, o Primeiro Panchen Lama. Desejo também
esclarecer vários equívocos sobre a situação do Tibete e discutir a encarnação atual do Panchen
Lama, que está preso na China.
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Em meados do século XIII e no início do século XIV, Tsongkhapa Losang Drakpa fundou uma
tradição espiritual no Tibete chamada Geluk, também conhecida como a Escola do Chapéu
Amarelo. Cerca de 1445, um aluno de Tsongkhapa, Gendun Drup, construiu um grande mosteiro,
chamado Tashi Lhunpo (Montanha da Sorte), em Shigatse, uma província a oeste de Lhasa, a
7. capital do Tibete. Gendun Drup veio retroativamente a ser chamado o Primeiro Dalai Lama quando
a terceira encarnação da sua linhagem, Sonam Gyatso (15431588),
recebeu o nome “Dalai” (uma
tradução mongol de Gyatsø, que significa “oceano”) do seu patrono e seguidor mongol, Altan
Khan, em 1578.
Gendun Drup também recebeu o nome “Panchen” de um erudito tibetano contemporâneo,
Bodong Choklay Namgyel, quando respondeu a todas as perguntas deste último. “Panchen”
significa “grande erudito”, e deriva da palavra sanscrítica pan diíd,
que significa “erudito”, e da
palavra tibetana chen po, que sigmiica “grande”. Sucessivos abades do mosteiro Tashi Lhunpu que
foram eleitos e exerceram o cargo por períodos limitados, também eram chamados de “Panchen”.
No século XVII, o Quinto Dalai Lama deu o mosteiro Tashi Lhunpo para o seu mestre, Losang
Chokyi Gyeltsen (15671662),
o décimo quinto abade do mosteiro. Nessa última condição, ele foi
chamado “Panchen”. No entanto, quando Losang Chokyi Gyeltsen morreu, o Quinto Dalai Lama
anunciou que o seu mestre iria reaparecer como uma criançasucessora
reconhecível, de modo que
sua linhagem de encarnações reteve o título “Panchen Lama” e seus membros tornaramse
os
abades do mosteiro Tashi Lhunpo. O título “Panchen Lama” deixou de se aplicar a uma pessoa
eleita por um período determinado e passou a referirse
a uma linhagem de reencarnações.
Desde aquela época, tornouse
uma convenção no Tibete o Dalai Lama e o Panchen Lama
envolveremse
em graus variados no reconhecimento dos seus respectivos sucessores. O Dalai
Lama é o líder espiritual e temporal do Tibete como um todo, ao passo que o Panchen Lama é o
líder da região particular ao redor de Shigatse.
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A história de como o Dalai Lama e o Panchen Lama receberam seus nomes frustra as
afirmações absurdas feitas pelo atual governo da China de que de algum modo esses títulos indicam
a subserviência à autoridade chinesa. A origem dos títulos é completamente local. Para amparar
ainda mais as suas alegações de legitimidade, Pequim aponta para o fato de que o Panchen Lama
se chama “Erdini”. No entanto, esta é uma palavra mongol que significa “jóia preciosa” e é um título
de cortesia compartilhado com muitos lamas mongóis. No caso do Panchen Lama, o título lhe foi
conferido em 1731 pelo imperador Kiangshi,
um manchu que na época controlava a China.
Precisamos ter em mente que, em diferentes períodos da sua história, a China foi governada por
forasteiros mongóis e manchus, bem como pelos chineses da dinastia Han. No início do século XX,
o Dr. Sun Yatsen,
o pai da China moderna, promoveu a criação de um Reino do Meio que
abrangia a Manchúria, a Mongólia, o Turquestão Oriental, o Tibete e a China. No entanto, em
1911, até mesmo ele declarou que quando a revolução nacionalista derrotou a dinastia Manchu, a
China tinha sido ocupada duas vezes por potências estrangeiras — primeiro pelos mongóis e depois
pelos manchus. Os mongóis, os manchus e os chineses da dinastia Han consideravam o Tibete uma
terra estrangeira quando, na qualidade de um vizinho poderoso, seus impérios ocasionalmente
interferiam no Tibete. Também precisamos estar conscientes de que no século VIII o Império
tibetano chegou inclusive à capital da China, Ch’angan,
conhecida hoje como Xian. Assim, se
incursões eventuais em um país significam que o agressor é dono desse pais, poderíamos
argumentar que o Tibete é dono da China.
Pequim procura legitimar o seu domínio no Tibete demonstrando que desempenha um papel
crucial na identificação dos lamas importantes da região, dos quais os mais proeminentes são o
Dalai Lama e o Panchen Lama. As tentativas desesperadas de Pequim de aparentar ser relevante
nos assuntos religiosos do Tibete se refletem na série de eventos que cercam a recente identificação
do Décimo Primeiro Panchen Lama.
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8. Para que tudo seja compreendido com a maior clareza, vou apresentar uma explicação breve do
processo da busca de uma reencarnação elevada.
1 É
feita uma investigação em todo o país que visa descobrir sinais especiais ocorridos no
nascimento das crianças, mães que tiveram sonhos fora do comum e crianças que possuem um
conhecimento especial que não lhes tenha sido diretamente transmitido.
2 Presságios
são analisados. Por exemplo, quando o Dalai Lama anterior morreu, um arcoíris
apontou para o leste, indicando o renascimento na região oriental do país. Depois, dois objetos
semelhantes a presas surgiram no lado oriental do relicário do falecido Dalai Lama. Quando uma
equipe de busca encontrou a encarnação seguinte, flores medraram no inverno em um anfiteatro ao
ar livre onde o Dalai Lama fazia preleções, e a população de Lhasa começou espontaneamente a
cantar uma música que continha o nome dos pais dele. (Muitos presságios têm lugar sem serem
percebidos na ocasião e só mais tarde são compreendidos.).
3 Fontes
supranormais de conhecimento são consultadas. Um grupo é enviado a um lago
situado no sudeste de Lhasa que evoca visões proféticas. No caso do atual Dalai Lama, o grupo viu
no lago imagens do mosteiro próximo ao local onde ele nasceu e da casa onde ele morava.
Também viram as letras “A, Ka, Ma”, que indicavam a província (“A” equivalia à província Amdo),
o mosteiro (“Ka” representava o mosteiro Kumbum) e o nome do Dalai Lama (“Ma”, que
significava “mulher”, pois o Dalai Lama, quando criança, tinha um nome feminino, Deusa da Longa
Vida).
4 – Realizase
uma adivinhação fazendose
girar uma tigela com bolas de massa contendo o
nome dos candidatos finais até que uma delas salta para fora.
5 Equipes
de busca disfarçadas são enviadas para testar os conhecimentos especiais dos
candidatos e para verificar se eles conseguem identificar objetos que pertenceram ao lama anterior.
No caso do atual Dalai Lama, ele identificou um funcionário monástico e um monge do mosteiro
bem disfarçados entre os membros da equipe. Os objetos entre os quais ele teve de escolher foram
dois rosários, dois pequenos tambores rituais e duas bengalas.
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A idéia de um governo comunista materialista envolverse
nesse processo religioso é cômica,
mas foi exatamente o que aconteceu como indicam os seguintes eventos relacionados com a
identificação do atual Panchen Lama.
CRONOLOGIA DA IDENTIFICAÇÃO DO DÉCIMO PRIMEIRO PANCHEN LAMA
1984: O governo comunista chinês, que invadiu o Tibete Oriental em 1950 e completou a
ocupação de todas as seções em 1959, anuncia que permitirá que os tibetanos procurem as
encarnações dos lamas elevados.
1987: O governo chinês estabelece uma escola especial em Pequim para lamas reencarnados
com o objetivo de produzir “lamas patriotas, que cultivem a unidade da terra natal”.
28 de janeiro de 1989: O Décimo Panchen Lama morre aos 51 anos de idade no mosteiro Tashi
Lhunpo em Shigatse, no Tibete, quatro dias depois de transmitir uma mensagem criticando o
governo chinês na qual ele diz: “O custo do domínio chinês no Tibete foi mais elevado do que os
seus benefícios.” Ele permanecera no Tibete depois de o Dalai Lama ter fugido do país em março
de 1959 e fora preso e torturado por nove anos e oito meses durante a Revolução Cultural, depois
de ter elaborado um relatório no qual criticara fortemente a política chinesa no Tibete, (Depois da
sua morte correram rumores repetidos e persistentes de que ele teria sido envenenado.) No mesmo
9. dia, o Dalai Lama propõe enviar uma delegação com dez religiosos ao Tibete para dizer orações no
mosteiro do Panchen Lama.
21
Fevereiro de 1989: Li Peng, primeiroministro
da China anuncia que não seria permitido que
forasteiros, querendo referirse
a tibetanos no exílio, “interferissem no processo de seleção”.
Agosto de 1989: O governo chinês anuncia um plano de cinco pontos para a busca, a seleção e
o reconhecimento do Panchen Lama. O plano é um compromisso com as autoridades do mosteiro
do Panchen Lama e inclui a insistência do governo chinês de que uma loteria seja incluída no
processo, e que eles organizem a confirmação pública final. Uma comissão de busca é nomeada
por Pequim, dirigida por Chadrel Rinpochav, abade do mosteiro do Panchen Lama, que
reconhecidamente coopera com os chineses.
21 de março de 1991: O Dalai Lama informa ao governo chinês, por intermédio da sua
embaixada em Nova Déli que deseja tomar parte na busca da reencarnação do Panchen Lama,
enviando uma delegação ao lago de visões proféticas, situado ao sudeste de Lhasa.
Junho de 1991: Três meses depois o governo chinês responde que a interferência não é
necessária.
17 de julho de 1993: O chefe da equipe constituída pelo governo chinês, Chadrel Rinpochay,
envia oferendas e uma carta ao Dalai Lama relacionada com a reencarnação do Panchen Lama. Ele
explica que um grupo visitou dois lagos e recebeu a confirmação de que o Panchen Lama
reencarnou.
5 de agosto de 1993: O Dalai Lama envia uma resposta a Chadrel Rinpochay por intermédio da
embaixada da China em Nova Déli convidando a delegação a visitálo
na Índia para discutir a
busca de uma reencarnação. Não há resposta.
17 e 18 de outubro de 1994: O Dalai Lama, em um encontro privado com um chinês que tem
vínculos estreitos com o governo chinês, diz que está aguardando uma resposta à carta que enviou a
Chadrel Rinpochay em 5 de agosto de 1993. Ele enfatiza a importância de que a busca da
reencarnação siga os procedimentos religiosos tradicionais.
22
Janeiro de 1995: Esse chinês é procurado mais duas vezes sobre o mesmo assunto.
Abril de 1995: O governo chinês anuncia que implementou uma nova legislação relacionada com
a busca, a seleção e a aprovação das encarnações de lamas elevados.
14 de maio de 1995: Depois de analisar extensamente mais de trinta crianças, receber quatro
profecias de oráculos e realizar cinco adivinhações, inclusive o ritual da bola de massa, o Dalai
Lama reconhece formalmente um menino de seis anos, Gedhun Choekyi Nyima, nascido em 25 de
abril de 1989, no distrito de Nagchu em Lhari, no Tibete, como o Décimo Primeiro Panchen Lama.
A ocasião corresponde a uma data auspiciosa no calendário dos ensinamentos da Roda do Tempo
que têm uma ligação especial com o Panchen Lama. O Dalai Lama e a delegação de Chadrel
Rinpochay (indicado por Pequim) estão de acordo.
15 de maio de 1995: Uma agência oficial de notícias chinesa ataca a declaração do Dalai Lama.
17 de maio de 1995: O governo de Pequim mantém incomunicáveis em Chengdu, durante 12
dias, Chadrel Rinpochay e Jampa, seu secretário de cinqüenta anos. O lama menino é detido pelas
autoridades chinesas. Aos seis anos de idade, ele é o mais jovem prisioneiro político do mundo.
19 de maio de 1995: Cartazes começam a aparecer nas cidades tibetanas condenando a
interferência do governo chinês na seleção do Panchen Lama.
10. 21 de maio de 1995: As autoridades chinesas no Tibete convocam reuniões em Lhasa, Shigatse
e Nagchu para anunciar que reuniões de mais de três pessoas, bem como a discussão em público
da reencarnação do Panchen Lama, estão proibidas. Funcionários qualificados do partido
instalamse
no mosteiro Tashi Lhunpo para conduzir sessões de reeducação, quando monges são
convidados a criticar Chadrel Rinpochay. O Lama menino e a sua família, bem como duas outras
crianças que estavam entre os principais candidatos, desaparecem, e consta que foram levados
para Pequim.
23
Em Lhasa, é ordenado a todas as principais figuras do governo e da hierarquia religiosa que
participem de reuniões destinadas a condenar a declaração do Dalai Lama.
24 de maio de 1995: Uma sessão de emergência de três dias da Conferência Consultiva Política
do Povo Chinês publica um documento que descreve a declaração do Dalai Lama como “ilegal e
inválida”.
Maio de 1995: O principal dissidente do Tibete e exprisioneiro
político, Yulu Dawa Tsering,
recebe ordens de se apresentar à polícia em dias alternados.
11 de junho de 1995: O administrador dos negócios de Chadrel Rinpochay, Gyara Tsenring
Samdrup, é detido pelas autoridades chinesas sob suspeita de se comunicar com o Dalai Lama.
1213
de julho de 1995: Turistas estrangeiros são expulsos de Shigatse, a sede do mosteiro do
Panchen Lama, para que não possam assistir a demonstrações. Os tibetanos são impedidos de
executar atividades religiosas no mosteiro do Panchen Lama e até mesmo de circundar os templos e
os locais religiosos.
Até hoje não se conhece o paradeiro do menino reconhecido como o Panchen Lama pela
equipe de busca do seu mosteiro e pelo Dalai Lama. Em 2002, ele e os seus pais já estavam presos
havia sete anos pelo governo chinês, que se recusa a permitir que observadores internacionais
tenham acesso ao menino para avaliar o seu bemestar.
O chefe da equipe de busca, Chadrel
Rinpochay, foi libertado em 2002 após passar sete anos na prisão.
No que só pode ser considerado uma ocorrência surrealista, o governo comunista chinês central
nomeou o seu próprio grupo de busca e declarou ter encontrado o verdadeiro Panchen Lama.
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O presidente da China, Jiang Zemin, demonstrou um profundo interesse pelo processo. O
substituto aprovado pelo governo, hoje com 13 anos de idade, tem aparecido com destaque nos
jornais chineses como um patriota erudito capaz de inspirar devoção. Em 2001, em uma turnê pelo
próspero litoral oriental, o pseudo Panchen Lama que tem o apoio de Pequim fez o seguinte
pronunciamento: “Compreendo hoje, profundamente, a grandeza do Partido Comunista da China e
sinto o calor da família socialista sob a gloriosa política do Partido Comunista Chinês.”.
SUGESTÕES
Por que o governo comunista de Pequim está tão interessado nessa questão? Ele está tentando
legitimar a invasão do Tibete, mostrando ao mundo que desempenha um papel vital na vida
espiritual da nação. Talvez esteja também procurando anunciar a descoberta do novo Panchen
Lama exatamente 13 anos depois de a China ter chamado de “Região Autônoma Tibetana” o que
na verdade é parte do Tibete. No entanto, o Dalai Lama e a delegação do mosteiro do Panchen
Lama que foi originalmente nomeada por Pequim chegaram a um acordo com relação ao mesmo
11. candidato, e o Dalai Lama anunciou a identificação, sem dúvida para anteciparse
à intervenção
chinesa.
Pequim também faz a afirmação completamente infundada de que o governo chinês anterior, o
Guornintang, esteve envolvido na identificação do atual Dalai Lama, No entanto, essa declaração
contraria uma ampla evidência histórica. Quando o Dalai Lama foi entronizado no dia 22 de
fevereiro de 1940, o emissário chinês, Wu Zhongxin, foi tratado como os outros enviados de
Bhutan, Sikkim, do Nepal e da Índia britânica, não tendo desempenhado nenhum papel especial. O
Guomintang fez declarações absurdas, dizendo que o menino curvouse
diante de Pequim e que o
emissário chinês colocou o menino no trono. Até mesmo um funcionário tibetano, Ngabo Nawang
Jigme, vicepresidente
da Comissão Permanente do Congresso do Povo, que esteve presente à
cerimônia e que havia cooperado com o governo chinês, declarou em 31 de julho de 1989: “Nós, o
Partido Comunista, não precisamos contar mentiras baseadas nas inverdades do Guomintang”.
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Naquela época, o camarada Chang Feng do Ministério da Frente Unida disse o seguinte: “No
futuro, não diremos que Wu Zhongxin presidiu a entronização do Décimo Quarto Dalai Lama.”
Hoje, desesperado, o governo de Pequim reverteu à maquinação do Guomintang. É notável que
apesar do fato de o Tibete possuir grandes universidades monásticas que investigam todos os tipos
de questões filosóficas, nunca houve uma palavra na língua tibetana para um país que abranja o
Tibete e a China.
A política do atual governo chinês com relação ao Tibete baseiase
na desconsideração e
negligência das necessidades e desejos do povo tibetano. O mundo precisa reverter essa atitude
indicando claramente a Pequim que leva esse assunto a serio. Organizações governamentais e
nãogovernamentais
devem instar com as autoridades chinesas para que libertem o Panchen Lama e
as pessoas relacionadas com a sua descoberta, para que ele possa ser educado no seu mosteiro e
viajar livremente. As Nações Unidas devem amparar os esforços do Dalai Lama de negociar um
acordo concernente à condição do Tibete.
A cultura tibetana se estende bem além do Tibete, alastrandose
a partir das regiões Kaimuck
da Mongólia perto do rio Volga (na Europa, onde o Volga deságua no mar Cáspio), da Mongólia
exterior e da interior, da República Buriat da Sibéria, de Bhutan, Sikkim, Ladakh e partes do
Nepal. Em todas essas áreas, o ritual budista e estudos escolásticos são realizados em tibetano.
Jovens oriundos dessas vastas regiões vinham estudar no Tibete, especialmente na capital, Lhasa, e
nas suas cercanias, regressando em gera à sua terra natal após concluir os estudos (até que os
comunistas tomaram o poder em muitos desses países). Desse modo, a cultura tibetana é crucial
para uma vasta região da Ásia Central, e o seu desaparecimento tem implicações muito
importantes.
Este livro deve nos fazer lembrar os tesouros do Tibete.
JEFFREY H0PKIN5, Ph D. Professor
de Estudos Tibetanos Universidade
de Virginia.
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CONSELHOSSOBRE A MORTE
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12. 1 A
Consciência da morte.
“A vida dos seres humanos é como o processo de tecedura. Terminamos o trabalho com
delicados fios tecidos do início ao fim”.
BUDA
É fundamental ficar atento à morte, refletir no fato de que não permaneceremos um longo tempo
nesta vida. Se vocês não estiverem conscientes da morte, deixarão de tirar proveito desta vida
humana especial que já alcançaram. Ela é significativa porque, baseados nela, efeitos importantes
podem ser obtidos.
Não analisamos a morte para sentir medo e sim para apreciar esta vida preciosa durante a qual
podemos realizar muitas práticas importantes. Em vez de ficarem assustados vocês precisam refletir
que, quando a morte chegar, perderão esta oportunidade de praticar. Dessa maneira, a
contemplação da morte inserirá mais energia na sua prática.
Vocês precisam aceitar a idéia de que a morte tem lugar no decurso natural da vida. Buda disse
o seguinte:
“Não existe o lugar intocado pela morte.
Ele não está contido no espaço, não está contido no oceano.
Vocês não irão encontrálo
nem mesmo no meio de uma montanha”.
Se aceitarem que a morte é parte da vida, quando ela efetivamente chegar poderão enfrentála
com mais facilidade.
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A atitude de algumas pessoas que sabem bem no fundo que a morte chegará, mas
deliberadamente evitam pensar nela, não se encaixa na situação e é contraproducente. Igualmente é
verdade quando a velhice não é aceita como parte da vida, é considerada indesejável e os
pensamentos a respeito dela são propositadamente evadidos. Esse comportamento torna a pessoa
despreparada e as coisas ficam muito difíceis quando a velhice inevitavelmente chega.
Muitas pessoas são fisicamente idosas, mas fingem ser jovens. Às vezes, quando encontro
amigos antigos, como certos senadores em países como os Estados Unidos, cumprimentoos
com a
saudação: “Meu velho amigo”, querendo dizer que nos conhecemos há muito tempo e não que ele
esteja fisicamente velho. No entanto, quando enuncio essas palavras, alguns deles me corrigem
enfaticamente, dizendo: “Não somos velhos! Somos amigos há muito tempo.” De fato, eles são
efetivamente velhos – têm pelos nas orelhas o que é um indício da velhice – mas não se sentem à
vontade com a idéia de serem idosos. Isso é uma bobagem.
Penso geralmente na duração máxima da vida humana como sendo de cem anos, o que é um
período muito curto, quando comparado ao tempo de vida do planeta. Essa breve existência deve
ser usada de uma maneira que não cause dor aos outros. Ela deve ser dedicada a atividades
construtivas e não a um trabalho destrutivo, como fazer mal aos outros ou criar problemas para
eles. Se adotarmos esse comportamento, o breve período que passamos como turista neste planeta
será significativo. É tolo da parte de um turista visitar um determinado lugar por um curto período e
criar mais problemas. No entanto, vocês agem com sabedoria se, como turistas, fazem outras
pessoas felizes durante a sua curta permanência; e quando vão embora, sentemse
felizes. Se
criarem problemas, mesmo que não tenham dificuldades durante a sua estada, vocês se perguntarão
qual terá sido o beneficio da sua visita.
13. Passamos a primeira parte dos cem anos da vida como crianças e a parte final como idosos,
muitas vezes como um animal que só se alimenta e dorme. No intervalo, talvez haja sessenta ou
setenta anos que podem ser usados de um modo significativo.
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Buda disse as seguintes palavras: Gastamos a metade da vida dormindo. Passamos dez anos
na infância. Perdemos vinte anos na velhice. Dos vinte anos restantes, a tristeza, as queixas,
a dor e a agitação eliminam muito tempo, e centenas de doenças físicas destroem muito mais.
Para que a vida se torne significativa, é fundamental aceitar a velhice e a morte como parte da
nossa existência. Sentir que a morte é quase impossível só cria mais ganância e problemas,
causando até mesmo, às vezes, um mal deliberado aos outros. Quando damos uma boa olhada na
maneira como personagens supostamente ilustres, como imperadores, monarcas e outros,
construíam grandes residências e muros, percebemos que bem no fundo da mente deles jazia a idéia
de que poderiam permanecer para sempre nesta vida. Para muitas pessoas, esse autoengano
resulta em mais dor e problemas.
Até mesmo no caso daqueles que não acreditam em vidas futuras, contemplar a realidade é
produtivo, útil e científico. Como as pessoas, as mentes e todos os outros fenômenos que têm uma
causa mudam a cada momento, essa contemplação abre a possibilidade de um posterior
desenvolvimento positivo. Se as situações não sofressem uma transformação, elas reteriam para
sempre a natureza do sofrimento. Quando sabemos que as coisas estão sempre se modificando,
mesmo que estejamos passando por um período difícil, podemos encontrar consolo no
conhecimento de que a situação não permanecerá como está para sempre. Por conseguinte, não há
por que sentir frustração.
A sorte também não é permanente, de modo que não é proveitoso nos apegarmos às coisas
quando elas estiverem indo bem. A perspectiva de permanência nos destrói: mesmo que vocês
aceitem a existência de vidas futuras, o presente tornase
sua preocupação e o futuro deixa de ser
importante. Essa atitude arruina uma boa oportunidade quando sua vida é contemplada com o
tempo disponível e os recursos necessários para que vocês se dediquem a práticas produtivas. Uma
perspectiva de impermanência é bastante proveitosa.
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A consciência da impermanência exige disciplina — o domínio da mente —, mas não significa
punição ou controle externo. Disciplina tampouco quer dizer proibição; na verdade, significa que,
quando existe uma contradição entre os interesses a longo e a curto prazo, sacrificamos a
gratificação imediata em prol de um beneficio futuro. Isso se chama autodisciplina, que deriva de
determinar a causa e o efeito do carma. Por exemplo, com o objetivo de fazer meu estômago voltar
ao normal depois de uma doença recente, estou evitando alimentos ácidos e bebidas geladas que,
de outra maneira, parecem saborosos e apetitosos. Esse tipo de disciplina significa proteção.
Analogamente, refletir sobre a morte não requer punição e sim autodisciplina e autoproteção.
Os seres humanos possuem o potencial completo para criar boas coisas, mas a sua utilização
plena exige liberdade. O totalitarismo sufoca esse crescimento. De uma forma complementar,
individualismo não significa que vocês não esperem nada que venha de fora ou que estejam
esperando ordens; em vez disso, são vocês que criam a iniciativa. Por conseguinte, Buda
freqüentemente exigia a “libertação individual”, querendo se referir à autolibertação e não àquela
que tem lugar através de uma organização. Cada pessoa precisa criar o seu futuro positivo. A
liberdade e o individualismo requerem autodisciplina. Se forem explorados por causa de emoções
14. perturbadoras, conseqüências negativas terão lugar. A liberdade e a autodisciplina precisam
trabalhar juntas.
AMPLIANDO SUA PERSPECTIVA
A partir de uma perspectiva budista, a mais elevada das metas é alcançar o estado de Buda para
ser capaz de ajudar um grande número de seres sencientes; no entanto, um nível médio de
realização pode libertálo
do doloroso ciclo de nascimento, velhice, doença e morte; um nível de
realização mais baixo, mas mesmo assim valioso, é o aperfeiçoamento das vidas futuras. A partir da
melhora gradual das suas vidas, vocês podem alcançar a libertação e, apoiados nesse
aperfeiçoamento, finalmente atingir o Estado de Buda.
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Primeiro, sua perspectiva se expande e passa a incluir vidas futuras; a seguir, quando vocês
compreendem totalmente sua situação difícil, sua perspectiva se aprofunda e passa a abranger a
totalidade do ciclo de sofrimento de uma vida para outra, denominado existência cíclica ou samsara.
Finalmente, essa percepção pode ser expandida para outros, por meio do desejo compassivo de
que todos os seres sencientes se libertem de sofrimento e das causas desse sofrimento. Essa
compaixão leva vocês a se elevarem ao estado de Buda.
Vocês têm que estar preocupados com os aspetactos mais profundos da vida que afetam as
vidas futuras, antes da percepção da totalidade da natureza do sofrimento e do ciclo da existência.
Essa percepção do sofrimento, por sua vez, é necessária para o pleno desenvolvimento da
compaixão. Analogamente, nós, tibetanos, estamos procurando alcançar certo grau de autonomia
no Tibet para podermos ser úteis às pessoas na nossa terra natal, mas também estamos nos
esforçando para consolidar nossa posição de refugiados na Índia. A consecução da primeira meta,
que é o propósito principal, depende da realização do segundo objetivo, que é temporário.
AS DESVANTAGENS DE NÃO ESTAR ATENTO À MORTE
É vantajoso ter consciência de que vocês vão morrer. Por quê? Se não estiverem conscientes da
morte, não ficarão atentos à sua prática e levarão uma vida inexpressiva, sem examinar que tipos de
atitude e ação perpetuam o sofrimento e quais trazem a felicidade.
Se não tiverem consciência de que poderão morrer em breve, serão dominados por uma falsa
sensação de permanência que lhes diz: “Vou morrer um dia, mais tarde”. Então, quando chega a
hora, mesmo que tentem realizar algo meritório, não terão a energia necessária. Muitos tibetanos
entram muito jovens para um mosteiro e estudam textos sobre a prática espiritual, mas quando
chega o momento de realmente praticar carecem da capacidade de efetivamente fazêlo.
Isso
acontece porque eles não entendem realmente o que é a impermanência.
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Se, depois de refletir, vocês chegarem à conclusão de que para praticar é absolutamente
necessário que se recolham durante vários meses ou até mesmo muitos anos, terão tomado essa
decisão motivados pelo seu conhecimento da impermanência. No entanto, se essa necessidade não
for sustentada por meio da repetida contemplação dos conflitos da impermanência, sua prática
pouco a pouco se extinguirá. É por esse motivo que algumas pessoas fazem retiro durante anos,
mas não sentem posteriormente que esse período tenha influenciado sua vida. Contemplar a
impermanência não apenas motiva a prática como também a alimenta.
15. Se tiverem um forte sentimento da certeza da morte e da incerteza da chegada dela, estarão
motivados a partir do interior. Será como se um amigo lhes estivesse avisando: “Cuidado, fique
atento, outro dia está passando.”.
Vocês poderiam até sair de casa e dedicarse
à vida monástica. Se fizessem isso, receberiam
outro nome e novas roupas. Suas atividades seriam menos movimentadas e vocês precisariam
mudar de atitude, voltando a atenção para objetivos mais profundos. No entanto, ao sair do
mosteiro, se continuassem a se envolver com os assuntos superficiais do momento — alimentos
saborosos, roupas de qualidade, uma casa melhor, conversas agradáveis, muitos amigos e
conhecidos, tornandose
inimigos de uma pessoa que os contrariasse e chegando até a discutir e
brigar com ela —, estariam talvez em pior situação do que estavam antes de entrar para o mosteiro.
Lembremse
de que não basta afastarse
dessas atividades superficiais por constrangimento ou
medo do que possam pensar os seus amigos que também estão no caminho; a mudança precisa vir
de dentro. Esse fato é verdadeiro tanto para os monges quanto para os leigos que se dedicam à
prática.
Talvez vocês estejam atormentados por um sentimento de permanência, achando que não vão
morrer em breve e que enquanto estiverem vivos precisam de alimentos, roupas e conversas da
mais alta qualidade.
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Devido ao desejo de possuir os maravilhosos objetos do presente, mesmo que eles pouco
signifiquem a longo prazo, vocês estão prontos a empregar os mais diversos tipos de exageros e
estratagemas desavergonhados para conseguir o que querem — contratando empréstimos a juros
elevados, menosprezando os amigos e entrando com ações na justiça —, tudo para obter provisões
mais do que adequadas.
Como vocês dedicaram a vida a essas atividades, o dinheiro tornase
mais atraente do que o
estudo, e mesmo que tentem praticar, não prestarão muita atenção ao que estão fazendo. Se uma
página se soltar de um livro, talvez hesitem em pegála,
mas se algum dinheiro cair no chão, não
vacilarão em se abaixar. Se encontrarem pessoas que realmente dedicaram a vida a investigações
mais profundas, talvez admirem essa dedicação, mas isso é tudo, ao passo que se virem alguém
vestindo trajes finos, exibindo a riqueza que possui, vocês a desejarão, cobiçarão, terão a
esperança de obtêla,
com um apego cada vez maior. Enfim, farão tudo para conseguila.
Quando vocês estão decididos a obter as coisas boas desta vida, suas emoções perturbadoras
se intensificam, o que por sua vez necessariamente acarreta mais ações nocivas. Essas emoções
contraproducentes só causam problemas, fazendo com que vocês e os que os cercam sintamse
pouco à vontade. Mesmo que aprendam momentaneamente a praticar os estágios do caminho para
a iluminação, vocês adquirem um número cada vez maior de coisas materiais e se envolvem com um
número crescente de pessoas até o ponto em que vocês, por assim dizer, praticam as
superficialidades desta vida, cultivam meditativamente o desejo de ter amigos e o ódio pelos
inimigos, e tentam imaginar maneiras de satisfazer essas emoções perturbadoras. Nesse ponto,
mesmo que ouçam falar na prática verdadeira e benéfica, terão a tendência de sentir: “É verdade, as
coisas são assim, mas...” Um “mas” depois do outro. Na verdade, vocês se acostumaram as
emoções perturbadoras no decorrer da sua existência cíclica imemorial, mas agora acrescentaram a
prática da superficialidade, o que torna a situação ainda pior, afastandoos
do que realmente
poderá ajudálos.
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16. Impelidos pela cobiça, não encontrarão conforto. Vocês não estão fazendo os outros felizes e
certamente não estão causando a própria felicidade. À medida que se tornam mais egocêntricos,
dizendo “meu isso, meu aquilo”, “meu corpo, minha saúde” qualquer pessoa que possa interferir na
sua vida tornase
imediatamente objeto da sua raiva. Embora vocês tratem muito bem “meus
amigos” e meus parentes, eles não podem ajudálos
quando vocês nascem e quando morrem;
vocês chegam sozinhos à Terra e têm de partir sozinhos. Se no dia de sua morte um amigo pudesse
acompanhálos,
o apego seria proveitoso, mas isso não é possível. Se o seu amigo da vida anterior
pudesse lhes ser útil de alguma forma quando vocês renascem em uma situação totalmente
desconhecida, o apego a ele também seria algo a ser considerado, mas essa possibilidade também
é inexistente. No entanto, no intervalo entre o nascimento e a morte, durante várias décadas, vocês
dizem “meu amigo” e “meu irmão”. Essa ênfase inadequada não é nem um pouco útil e só serve
para criar mais confusão, cobiça e ódio.
Quando os amigos são excessivamente enfatizados, os inimigos também são. Quando vocês
nascem, não conhecem ninguém e ninguém os conhece. Embora todas as pessoas desejem
igualmente ser felizes e evitar o sofrimento, vocês gostam do rosto de algumas delas e pensam:
“Estes são meus amigos”, e não gostam da face de outras e pensam: “Estes são meus inimigos”.
Associam a elas identidades e apelidos, e acabam gerando o desejo pelas primeiras e o ódio pelas
últimas. Que valor isso tem? Nenhum. O problema é que uma grande quantidade de energia está
sendo despendida em preocupações com um nível que não vai além das questões superficiais desta
vida. O profundo perde para o trivial.
Se não tiverem praticado e no dia de sua morte se virem cercados por amigos chorosos e outras
pessoas envolvidas nos seus assuntos, em vez de ter perto de si alguém que os faça lembrar da
prática virtuosa, surgirão problemas que vocês mesmos terão causado. Onde está o erro? No fato
de vocês não estarem conscientes da impermanência.
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AS VANTAGENS DE ESTAR CONSCIENTE DA IMPERMANÊNCIA
No entanto, se vocês não esperarem até a última hora para assimilar o conhecimento de que vão
morrer e avaliarem realisticamente a sua situação agora, não se deixarão dominar por propósitos
superficiais e temporários. Não descuidarão do que importa a longo prazo. É melhor determinar
desde o início que vocês vão morrer e investigar o que vale a pena. Se tiverem em mente a rapidez
com que a vida desaparece, darão valor ao seu tempo e farão o que é importante. Ao ter um forte
sentimento da iminência da morte, sentirão a necessidade de se envolver na prática espiritual, de
aperfeiçoar a mente, e não desperdiçarão o tempo com distrações como comer, beber, conversar
extensamente sobre a guerra, ler romances e fazer fofoca.
Todos os seres desejam a felicidade e não querem o sofrimento. Utilizamos muitos níveis de
técnicas para remover o sofrimento indesejável nas suas formas superficiais e profundas, mas são
principalmente os seres humanos que se dedicam a técnicas na primeira parte da vida para evitar
um sofrimento posterior. Tanto os que praticam quanto os que não praticam a religião procuram, no
decorrer da vida, reduzir alguns tipos de sofrimento e eliminar outros, às vezes até aceitando a dor
como uma maneira de superar um sofrimento maior e alcançar certo grau de felicidade.
Todo mundo tenta remover a dor superficial, mas existe outra classe de técnicas que diz respeito
a eliminar o sofrimento em um nível mais profundo e que visa, na pior das hipóteses, diminuir o
sofrimento nas vidas futuras e, além disso, eliminar todas as formas de sofrimento não apenas para a
própria pessoa, como também para todos os seres. A prática espiritual é desse tipo mais profundo.
Essas técnicas envolvem um ajuste de atitude; desse modo, a prática espiritual significa
basicamente acomodar bem o pensamento. Em sânscrito, isso se chama dharma, que quer dizer
17. “aquilo que afasta”. Significa que, ao ajustarmos atitudes contraproducentes, somos libertados de
um nível de sofrimento e, portanto, mantidos afastados desse sofrimento particular. A prática
espiritual protege, ou afasta, a nós e às outras pessoas da dor e da aflição.
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Primeiro vocês compreendem sua situação na existência cíclica e buscam manterse
afastados
do sofrimento; posteriormente, estendem essa realização a outros seres e desenvolvem a
compaixão, o que significa que vocês se dedicam a manter outros seres afastados do sofrimento.
Faz sentido que, individualmente, escolham tomar conta de muitos, mas também serão mais felizes
ao se concentrarem no bemestar
dos outros. A compaixão diminui o medo da dor pessoal e
aumenta a força interior. Ela confere uma sensação de poder, de sermos capazes de concluir nossas
tarefas. Ela empresta coragem.
Vou dar um pequeno exemplo. Recentemente, quando eu estava em Bodh Gaya, contraí uma
infecção intestinal crônica. A caminho do hospital, a dor do meu abdômen era muito intensa e eu
estava suando muito. O carro estava passando pela área do pico do Abutre (Buda pregou nesse
local), onde os habitantes são extremamente pobres. O estado de Bihar é uma região carente, mas
essa área particular o é ainda mais. Nem mesmo vi crianças indo ou voltando da escola. Só avistei a
pobreza. E a doença. Lembrome
claramente de um menino com poliomielite, que usava nas pernas
um aparelho enferrujado e muletas de metal nas quais ele apoiava as axilas. Era óbvio que não havia
ninguém para tomar conta dele. Fiquei muito comovido. Mais adiante, em um ponto de chá, um
velho que vestia apenas uma peça suja de roupa estava caído no chão sem que ninguém se
importasse com ele.
Mais tarde, no hospital, meus pensamentos não paravam de girar em torno do que eu vira e
fiquei refletindo em como era triste eu ter quem cuidasse de mim enquanto aquelas pobres pessoas
não tinham ninguém que olhasse por elas. Fiquei pensando nessas coisas em vez de me concentrar
no meu sofrimento. Embora o suor brotasse do meu corpo, minha preocupação estava em outro
lugar.
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Desse modo, apesar de o meu corpo estar sentindo uma imensa dor (um buraco tinha se aberto
na minha parede intestinal) que me impedia de dormir, a minha mente não estava sofrendo nem
medo nem desconforto. A situação só teria piorado se eu tivesse me concentrado nos meus
problemas. Este é um exemplo extraído da minha exígua experiência de como uma atitude de
compaixão pode ajudar até a própria pessoa, eliminando um pouco da dor física e mantendo
afastado o sofrimento mental, apesar do fato de que outras pessoas talvez não estejam sendo
diretamente ajudadas.
A compaixão fortalece sua perspectiva e com essa coragem vocês ficam mais relaxados.
Quando seu ponto de vista inclui o sofrimento de um número ilimitado de seres, seu sofrimento
parece pequeno comparado com o deles.
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2 Libertandose
do Medo
“Sua vida subsiste entre as causas da morte como uma lâmpada que se ergue em uma
forte brisa”.
— PRECIOUS GARLAND (grinalda preciosa) de NAGARJUNA
18. O Primeiro Panchen Lama escreveu um poema de 17 estrofes que muitos tibetanos usam para
concentrar suas reflexões diárias sobre a morte. O titulo do poema é: Wishes for Release from the
Perilous Straits of the Intermediate State, Hero Releasing from Fright (Desejos para
libertarse
das situações difíceis e perigosas do estado intermediário, o herói livrandose
do medo).
A fim de ficar livre das situações amedrontadoras, como ser atacado por ladrões, bandidos e
ammais selvagens, vocês precisam ser salvos por um guia heroico e capaz. Analogamente, para
libertarse
do horror das aparições ilusórias no processo da morte e durante o estado intermediário
entre as vidas, precisam praticar o conselho oferecido nesse poema, que fornece técnicas profundas
para que vocês se livrem desses temores. Ao refletir sobre o poema, vocês aprendem como a
morte ocorre, e esse conhecimento lhes será útil quando o verdadeiro processo acontecer. A hora
da morte é uma ocasião em que os níveis mais profundos da mente se manifestam; a reflexão diária
também abre a porta para esses estados.
O poema contém uma série de desejos que podem ser usados por qualquer um de nós para que
a mente reaja de um modo virtuoso quando a morte chegar Algumas pessoas procuram gerar uma
poderosa motivação virtuosa na hora da morte, para fortalecer e ativar predisposições virtuosas, o
que as conduz a um renascimento favorável. A meta delas é realizar uma transmigração para a vida
seguinte a fim de dar seguimento à prática religiosa. Outras, como veremos, procuram utilizar os
níveis mentais mais profundos que se manifestam quando a pessoa está morrendo, para alcançar
estados espirituais mais avançados.
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Todos os praticantes visam ser úteis aos outros.
O poema do Primeiro Panchen Lama descreve três níveis de prática espiritual — para as
pessoas altamente treinadas, para as de padrão médio e para as pouco experientes —, sob a forma
de desejar permanecer consciente durante o processo da morte, o estado entre as vidas e o
renascimento. Ele descreve detalhadamente o que se deve fazer em cada estágio.
Vocês precisam adotar um nível apropriado de prática no restante da vida para que, na hora da
morte, possam vencer com sucesso cada estágio.
Quando a morte efetivamente chegar, se vocês não estiverem acostumados a essa prática, será
muito difícil realizar com êxito qualquer reflexão proveitosa. Por conseguinte, agora e o momento de
praticar e prepararse
enquanto ainda estão felizes e as circunstâncias de sua vida são favoráveis.
Se fizerem isso, na ocasião de verdadeira necessidade e pressão, não haverá preocupações. Se não
se prepararem quando tiverem tempo para ouvir, pensar, meditar e fazer perguntas, não terão
tempo no último dia e se verão sem um protetor ou refúgio, restandolhes
apenas o arrependimento.
É melhor que muito antes desse momento comecem a se dedicar à prática contínua da reflexão
sobre o processo da morte e do estado intermediário entre as vidas, imaginando as etapas para que
elas se tornem familiares. Essa atitude é muito importante, porque assim vocês poderão alcançar o
sucesso compatível com sua maior capacidade.
Não basta apenas conhecer o processo da morte e as praticas ligadas a ele; é preciso
familiarizarse
mais com eles ao longo dos meses e dos anos. Se agora, quando seus sentidos ainda
estão claros e a consciência não degenerou, sua mente não se tornar proveitosa para o caminho da
virtude e não se acostumar com ele, ela terá dificuldade, na hora da morte, em avançar por vontade
própria em uma trajetória desconhecida. Na ocasião da morte, vocês podem estar fisicamente
fracos por causa da doença e mentalmente deprimidos devido a um medo terrível.
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19. Portanto, é fundamental que adquiram intimidade com as práticas relacionadas com o processo
da morte. Não há nenhum substituto para isso. Não há nenhuma pílula que vocês possam tomar.
O esforço necessário para assimilar essas práticas depende da motivação interior decorrente da
convicção de que as experiências de prazer e de dor correspondem, diretamente, às suas ações
virtuosas e não virtuosas. Assim sendo, no início é importante aperfeiçoar a idéia das ações de
causa e efeito, ou carma, com base no conhecimento de que as boas ações derivam da mente
domada e as más ações, da mente indomada. Embora ações virtuosas e não virtuosas sejam
praticadas pelo corpo, pela palavra e pela mente, esta última é a mais importante, de modo que a
base do budismo é a transformação da mente. A ênfase do ensinamento budista é na mente
domada, cujo alicerce é a percepção de que vocês são os criadores do seu prazer e da sua dor
Buda disse as seguintes palavras:
“Os budas não lavam as más ações com água. Não removem com as mãos o sofrimento
dos seres que transmigram. Nem transferem suas realizações para outros. Os seres são
libertados através dos ensinamentos da verdade, da natureza das coisas”.
Vocês são os seus próprios protetores; o conforto e o desconforto estão em suas mãos.
O STATUS DA LINHAGEM DOS PANCHEN LAMAS
O Primeiro Panchen Lama, cujo nome era Losang Chokyi Gyeltsen, foi um dos mentores do
Quinto Dalai Lama no século XVII. Antes dessa época, embora ele fosse um monge comum, as
pessoas do local e seu próprio mestre o consideravam uma encarnação de um grande ioga tibetano,
Ensaba. Ele talvez não tenha sido um grande erudito, mas era um praticante magnífico. Como o seu
mestre Sangyay Yeshay, ele nutria um respeito genuíno pelas outras linhagens da prática budista.
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Nas obras completas do seu mestre, encontramos um vocabulário religioso de outras tradições e
essa abertura pode ter influenciado a prática de Panchen Losang Chokyi Cyeltsen. Ele sem dúvida
contribuiu muito para o respeito mútuo e a harmonia entre as escolas tibetanas do budismo.
O Panchen Lama anterior, Lobsang Trinley Lhundrup Choekyi Gyeltsen, o décimo na linha de
reencarnações, morreu em 1989. Ele e eu nascemos em uma província situada na região nordeste
do Tibet chamada Amdo. Houve uma pequena controvérsia quando ele foi escolhido como a
reencarnação do seu predecessor. Os funcionários do seu mosteiro em Shigatse, situado na região
ocidental do Tibet, estavam na província de Amdo em uma área sob a influência de um líder militar
muçulmano. Eles chegaram à conclusão de que Lobsang Trinlev Lhundrup Choekyi Gyeltsen era a
verdadeira reencarnação do Nono Panchen Lama. No Acordo de Dezessete Pontos que o governo
chinês promoveu como uma maneira de estabelecer um relacionamento com o Tibet, os chineses
indicaram, ou talvez tenham insistido, que o governo tibetano reconhecesse um menino que já
estava nas mãos deles, como o Décimo Panchen Lama. Desse modo, seu reconhecimento foi um
pouco controverso, mas ele demonstrou ser corajoso e um grande herói, a serviço do budismo e do
povo tibetano. Não há dúvida quanto à sua autenticidade.
Quando o conheci, por volta de 1952, ele era muito inocente, sincero e inteligente. Em 1954, no
ano em que ambos fomos à China, ele veio do Tibet ocidental para unirse
a mim em Lhasa, a
capital, por alguns dias. A seguir, foi para a China através da província Amdo e eu fui através de
Kongpo. Talvez devido ao descontentamento de alguns dos seus funcionários, a sua atitude mudou
um pouco.
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20. Em 1956, quando ambos estávamos na Índia durante a celebração do aniversário de 2.500 anos
do Buda, as indicações dessa mudança ainda eram pequenas. No entanto, como eventos muito
tristes — batalhas com tropas chinesas — tiveram lugar em 1957 e 1958 nas duas províncias
orientais, Amdo e Kham, informações sobre as atrocidades cometidas pelo exército chinês
finalmente o alcançaram. Ele então compreendeu plenamente, talvez tarde demais, que todo o Tibet
deveria se unir para enfrentar essa nova ameaça. No meu exame escolástico final, ele enviou um
funcionário monástico de sua confiança, que me explicou que o modo de pensar do Panchen Lama
tinha mudado bastante devido às recentes notícias recebidas da região onde ele nascem. Sob essa
nova ameaça, ele tomara a firme decisão de que seu mosteiro em Shigatse iria trabalhar em
conjunto com o governo tibetano.
Depois que fugi para a Índia em 1959, o Panchen Lama me substituiu como o líder dentro do
Tibet e, durante vários anos, teve um comportamento maravilhoso. Finalmente, foi colocado em
prisão domiciliar e feito prisioneiro. Depois que foi libertado, usou sabiamente a oportunidade,
esforçandose
ao máximo para melhorar a situação da religião budista e da cultura tibetana.
Quando uso a palavra “sabiamente” quero dizer que ele não abordou questões sensíveis como a
independência do Tibet, empregando toda a sua energia na preservação do budismo e da cultura
tibetana. Houve até mesmo ocasiões em que ele repreendeu publicamente os tibetanos que só
usavam roupas no estilo chinês e só falavam chinês. Esses tibetanos foram pressionados a usar
trajes tibetanos e a expressaremse
no idioma tibetano. Ele demonstrou sua sinceridade por meio
dessas ações.
Sua morte foi muito repentina e prematura, e me entristeceu muito. Quando ele estava vivo,
havia um líder tibetano que falava no país em nome do povo, enquanto no exterior eu procurava ser
útil no maior número de maneiras possíveis. Agora que se foi, não há mais ninguém no Tibet capaz
de fazer o que ele fazia. As pessoas estão velhas demais ou excessivamente assustadas. Sua morte
foi uma grande perda.
45
Assim que ele faleceu, mandei uma mensagem para o governo chinês dizendo que gostaria de
enviar uma delegação espiritual para fazer algumas oferendas no mosteiro do Panchen Lama, mas
meu pedido foi rejeitado. Alguns anos depois, pedi ao governo chinês que permitisse que uma
delegação espiritual partisse em busca da reencarnação do Panchen Lama, mas uma vez mais
negaram minha solicitação.
Obviamente, o ponto importante era que a reencarnação do Panchen Lama fosse autêntica.
Naquela época, alguns tibetanos insistiram em que a reencarnação do Panchen Lama teria de ser
procurada fora do Tibet ocupado, mas fui de opinião que o motivo deles era político. O que
realmente importava era encontrar a reencarnação genuína, quer dentro, quer fora do Tibet. Se a
reencarnação do Panchen Lama estivesse no Tibet, eu sabia que seria necessário discutir o assunto
com o governo chinês, de modo que pedi para enviar uma delegação espiritual a fim de procurar
essa reencarnação.
O pedido foi recusado, mas nesse ínterim, através de um canal informal privado, mantive contato
com um Lama, Chadrel Rinpochay, que me enviou uma relação de 25 candidatos e várias
fotografias. Assim que vi a foto de Gedhun Choekvi Nyima, tive uma sensação de afinidade e de
intimidade. Fiz algumas adivinhações, que foram muito positivas para ele. Finalmente, realizei uma
adivinhação fazendo girar uma tigela com bolas de massa contendo o nome dos candidatos finais
em tiras de papel enroladas dentro delas. Foi como se a bola com o nome dele tivesse voado para
fora da tigela. Esses passos me conferiram a certeza de que ele é a reencarnação do Décimo
Panchen Lama.
21. No entanto, não fiz a proclamação. À medida que o tempo ia passando, um número cada vez
maior de tibetanos, especialmente os que moravam no Tibet, insistiam em que eu tomasse a
decisão. Continuei a tentar comunicarme
com o governo chinês, mas não tive êxito. Finalmente
achei que seria apropriado fazer a proclamação na data em que Buda ministrou pela primeira vez
ensinamentos sobre Kalachakra, ou a Roda do Tempo, com a qual o Panchen Lama tem uma
conexão especial. Fiz outra adivinhação através das bolas de massa para verificar se deveria ou não
fazer a proclamação e obtive uma resposta positiva.
46
Anunciei então o nome do novo Panchen Lama e, no dia seguinte, fui seriamente censurado pelo
nosso amo e senhor, o governo chinês. Mas realmente assustador foi o fato de que poucos dias
depois, o jovem Lama reencarnado e seus pais foram retirados do seu lugar de origem, levados
para Lhasa e depois para a China, e a partir de então nunca mais se teve noticias dele. O ocorrido
me deixou muito triste, porque a criança teve de sofrer os efeitos das minhas atividades,
consideradas ilegais pelo governo chinês.
Os chineses acreditam que devem ter a palavra final. Isso de fato aconteceu algumas vezes na
história tibetana, quando houve uma divergência interna entre grupos na comunidade tibetana, sobre
uma escolha restrita de candidatos. Eles se voltaram para o imperador da China, que era ao mesmo
tempo budista e patrono do budismo tibetano, para que ele tomasse a decisão final diante de uma
imagem do Buda Shakyamuni usando um recipiente dourado, do qual era retirada uma vareta onde
estava gravado um nome. Esses foram casos em que os tibetanos eliminaram a discussão
eclesiástica de uma maneira religiosa.
Meu predecessor, o Décimo Terceiro Dalai Lama, foi escolhido por unanimidade pelo governo
tibetano após os procedimentos internos habituais sem nenhuma consulta externa Quando lhe
pediram que opinasse sobre o Nono Panchen Lama, ele declarou sua escolha entre os candidatos,
mas era jovem demais para que sua autoridade fosse completa. Como os tibetanos se inclinam para
o caminho mais fácil, eles se voltaram para a consulta externa do recipiente dourado, que foi
realizada pelo embaixador da China. Ainda assim, o nome que o Décimo Terceiro Dalai Lama
fortemente recomendara foi o extraído do recipiente dourado.
Como os tibetanos confiavam no imperador chinês, é natural que envolvessem o seu patrono e
defensor em certas atividades religiosas importantes. Esse tipo de situação modificouse
completamente hoje em dia com o governo chinês atual, cujo interesse primordial é o controle. Para
fazer sua escolha pessoal do atual Panchen Lama, os chineses fizeram uma adivinhação com o
recipiente dourado, mas ela foi predeterminada; ele e os seus pais já aguardavam no templo a
proclamação.
47
O governo chinês colocou então em prisão domiciliar o monge que, atuando como o líder do
budismo tibetano, “escolheu” a vareta. Tratase
certamente de um governo totalitário.
Não obstante, em duas ou três ocasiões assisti a vídeos do Panchen Lama oficial do governo
chinês, Cyaltsen Norbu, e ele parece competente. Em um dos vídeos, ele estava transmitindo um
ensinamento relacionado com um ritual de longa vida. Ele sabia de cor a cerimônia e explicou muito
bem o significado do ritual.
SINOPSE DO POEMA
22. O poema de 17 estrofes do Primeiro Panchen Lama é um guia para técnicas budistas
específicas, destinadas a fazer com que a pessoa supere o medo da morte e possivelmente utilize os
estágios da morte para o progresso espiritual. Espeto que essa descrição das experiências
psicológicas interiores e das mudanças físicas proporcione uma reflexão produtiva para os que se
interessam pela morte e pelos níveis mais profundos da mente e também que sirva como fonte de
informações para cientistas que têm interesse em trabalhar com budistas eruditos e iogues sobre
assuntos relacionados com a morte. Embora as pessoas ligadas às ciências tenham em geral
encarado a mente como um produto do corpo, alguns especialistas estão começando a pensar nela
como uma entidade mais independente, capaz de afetar o corpo. É evidente que emoções fortes,
como o ódio, podem afetar o corpo, mas estão sendo realizadas experiências relacionadas com
práticas específicas nas quais a mente é deliberadamente treinada, como o desenvolvimento da fé,
da compaixão, da concentração unidirecional, da reflexão sobre o vazio ou meditações especiais da
tradição Nyingma do budismo tibetano. Essas experiências demonstram que o treinamento mental
pode ter uma função autônoma, influenciando o corpo e até mesmo dessensibiizandoo.
Creio que
uma consulta a enfermeiros, especialmente nas clínicas para pacientes com doenças terminais, sobre
os sinais iminentes da morte também seria proveitosa.
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As primeiras sete estrofes do poema do Panchen Lama explicam como abordar a morte. Após
uma estrofe inicial que fala sobre buscar refúgio em Buda, na sua doutrina e na comunidade
espiritual (detalhados neste capítulo), as duas estrofes seguintes (Capítulo 3) tratam da importância
de dar valor à vida atual e considerála
uma oportunidade para a prática espiritual. Elas descrevem
como usar essa preciosa situação refletindo sobre a impermanência do presente a fim de debilitar
nosso apego excessivo às experiências transitórias. A quarta e a quinta estrofes (Capitulo 4)
mencionam a adoção de uma perspectiva capaz de lidar tanto com o intenso sofrimento que pode
acompanhar os momentos que cercam a morte quanto com as ilusões que aparecem quando
estamos morrendo. A sétima e a oitava estrofes (Capitulo 5) estipulam como alcançar as condições
mais favoráveis para a morte lembrando o que praticar e permanecendo alegre.
As três estrofes seguintes (Capitulo 6) descrevem detalhadamente as aparições que ocorrem
durante as quatro primeiras fases do processo da morte e como meditar no decorrer delas. Essa
seção valese
do nosso conhecimento sobre o colapso dos elementos que sustentam a consciência
e as experiências correspondentes. Essas abrem gradualmente o caminho para que três mentes
sutis, mais profundas, se manifestem como é descrito na estrofe seguinte (Capítulo 7). Esse capitulo
expõe a estrutura da mente e do corpo segundo o tantra ioga superior. A décima segunda e a
décima terceira estrofes (Capítulo 8) abordam a experiência culminante da mente inata fundamental
de clara luz. Esse nível mais profundo da mente é a base de toda a vida consciente.
As quatro últimas estrofes (Capítulos 9 e 10) descrevem o estado intermediário (após a morte e
antes da vida seguinte) e mostram como reagir aos eventos com freqüência horríveis que podem
ocorrer durante esse estado. Elas detalham como vários níveis de praticantes podem procurar
direcionar seu renascimento seguinte.
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Em conjunto, essas 17 estrofes apresentam a amplitude total da preparação para a morte na
qual eliminamos as condições desfavoráveis, obtemos condições favoráveis, aprendemos a nos
engajar na prática espiritual durante o processo da morte, tornamonos
aptos a lidar com o estado
intermediário entre as vidas e influenciar o renascimento subseqüente.
23. O Início do Poema: A Obediência a Manjushri
Antes de o poema começar, O Primeiro Panchen Lama expressa devoção e obediência à
Manjushri, a manifestação física da sabedoria de todos os Budas. O autor considera Manjushri
indiferençável do seu Lama, ou mestre. A razão pela qual ele oferece obediência à Manjushri é a
seguinte.
A base de uma boa morte e de um estado intermediário satisfatório entre as vidas, e até mesmo
da obtenção do estado de Buda em uma progressão de vidas, é a prática bem sucedida da clara luz
da morte. Existem duas classes de prática: a da compaixão e a da sabedoria. A prática da clara luz
durante a morte está incluída na prática da sabedoria; por conseguinte, está contida nos estágios do
ensinamento da visão profunda da compatibilidade da aparição com o vazio da existência inerente,
cuja transmissão deriva do nosso amável mestre Buda Shakyamuni através de Manjushri. (Os
estágios dos ensinamentos sobre vastas motivações e ações compassivas foram analogamente
transmitidos pelo Buda Shakyamuni, porém através de Maitreya e Avalokiteshvara.) Desse modo,
como a prática bemsucedida
da morte e do estado intermediário entre as vidas diz respeito
principalmente ao fator da sabedoria, o Primeiro Panchen Lama expressa devoção a Manjushri.
Obediência ao Guru Manjushri.
Após prestar obediência à manifestação da sabedoria, ele inicia o poema propriamente dito.
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Primeira Estrofe
Eu e todos os seres através do espaço, sem exceção,
Buscamos refúgio até a suprema iluminação
Nos Budas do passado, do presente e do futuro, na doutrina e na comunidade espiritual.
Que sejamos libertados dos temores desta vida, do estado intermediário e do seguinte.
Com uma atitude de autoajuda,
os budistas buscam refúgio no Buda como mestre, na doutrina
de Buda (estados de realização e ensinamentos sobre eles) como um refúgio efetivo e na
comunidade espiritual como guia para esse refúgio. Eles desenvolvem a convicção de que a
interiorização da doutrina pode oferecer proteção contra o sofrimento. Eles consideram essas Três
jóias (Buda, sua doutrina e a comunidade espiritual) como o refúgio final.
Buscar refugio apenas para aliviar o próprio sofrimento e libertarse
da existência cíclica não
satisfaz às qualificações do refugio altruísta. Sua perspectiva não seria ampla. Sua atitude ao buscar
refúgio deve estar voltada para o beneficio de todos os seres sencientes, deve almejar que eles se
libertem do sofrimento e alcancem o estado de Buda. Vocês devem buscar a onisciência do estado
de Buda, a fim de satisfazer o objetivo primordial: ajudar os outros.
Vocês devem pensar em todos os seres sencientes por todo o espaço e procurar alcançar a
suprema iluminação, que supera a dos praticantes de concentração mais estreita porque envolve a
eliminação das obstruções, tendo em vista não apenas libertarse
da existência cíclica como
também atingir a onisciência. Essa iluminação superior, ou supremo nirvana, está além dos extremos
das tendências, quer na direção de ser apanhado na existência cíclica do ciclo repetitivo do
nascimento, velhice, doença e morte (denominado samsara), quer na direção da paz inativa, um
estado no qual a pessoa se liberta do ciclo de sofrimento sem possuir a capacidade plena de ajudar
os outros.
24. 51
O Primeiro Panchen Lama aconselha a seus leitores que busquem refúgio no Buda, na sua
doutrina e na comunidade espiritual a fim de alcançar a mais elevada iluminação em beneficio de
outros seres sencientes. Esse refúgio chamase
causal; vocês estão se refugiando nas Três Jóias que
estão inculcadas nas seqüências mentais dos outros, colocando sua confiança especialmente na
cessação do sofrimento e nos estados espirituais que eles efetivaram, para superar o sofrimento.
Suplicar àqueles que possuem as Três Jóias evoca a compaixão deles, não por gerála
neles e sim
porque vocês se abrem a esse sentimento.
Ao tomar o refúgio causal, vocês estão praticando as doutrinas ensinadas pelo Mestre Buda
tendo como modelo a comunidade espiritual de elevada realização; estão efetivando caminhos
espirituais e muitos níveis da cessação do sofrimento. Desse modo, se tornam membros da
comunidade espiritual de elevada realização e removem pouco a pouco todas as obstruções que os
impedem de libertaremse
da existência cíclica, bem como os obstáculos à onisciência, tornandose
então um Buda. Vocês se libertam de todos os temores e alcançam a onisciência, de modo que
conhecem a disposição das outras pessoas e sabem que técnicas irão ajudálas.
No interesse de
alcançar esse refúgio extremamente produtivo, essa estrofe suplica às três fontes causais de refúgio
que invoquem a compaixão delas.
Como o refúgio é o início da prática budista, o primeiro desejo do texto do Primeiro Panchen
Lama está relacionado com ele. Sem o refúgio, é difícil que outras práticas sejam bem sucedidas.
No entanto, uma atitude de total confiança nas Três Jóias não é suficiente. Buda disse o seguinte:
“Ensino a vocês o caminho da libertação. Saibam que a libertação depende de vocês. Ele não
oferece a realização como um presente; vocês precisam praticar a moralidade, a meditação
concentrada e a sabedoria".
Considerem, por exemplo, a recitação do mantra om mani padme hum, que é praticada com a
intenção de invocar dentro de vocês a compaixão por todos os tipos de seres sencientes. Ao
encerrar uma sessão de repetição — 21, 108 ou mais vezes —, o valor da prática é dedicado
através da recitação de uma oração relacionada com Avalokiteshvara, pois ele é a manifestação
física da compaixão de todos os Budas.
52
Através das virtudes desta prática,
Que eu possa rapidamente atingir um estado
Idêntico ao de Avalokiteshvara
Para ajudar todos os seres sencientes a alcançar o mesmo estado.
Não existe a menor possibilidade de vocês atingirem o estado de Buda através da mera
recitação de om mani padme hum, mas, se sua prática for associada ao verdadeiro altruísmo, ela
pode funcionar como uma causa para a obtenção do estado de Buda. Analogamente, o fato de
vocês tocarem, verem ou ouvirem um guru qualificado pode exercer um impacto positivo capaz de
favorecer o desenvolvimento de uma experiência espiritual mais profunda. Quando meu mentor
mais antigo, Ling Rinpochay, e eu tocávamos a testa um do outro no início de um encontro mais
formal ou, em outras ocasiões, quando eu pegava a mão dele e a levava até a minha testa, o gesto
me conferia emocionalmente um forte sentimento de intimidade, relacionado com uma fé e uma
confiança mais intensas. Na época de Buda, quando alguém que realmente o respeitava e amava
tocava o pé dele, esse contato certamente produzia algum beneficio. No entanto, se uma pessoa
que não tinha nem fé nem respeito por Buda agarrasse a perna dele e pressionasse a cabeça contra
25. ela, provavelmente nenhuma bênção seria gerada. Embora algo seja exigido da parte do guru, muito
mais é requerido do discípulo.
Quando pediam a um maravilhoso Lama da província Amdo no Tibet que concedesse uma
bênção colocando a mão sobre a cabeça do praticante, ele dizia o seguinte: “Não sou um Lama
capaz de conferir a libertação pondo uma das mãos, que possui a mesma natureza do sofrimento,
sobre a cabeça de uma pessoa”.
RESUMO DOS CONSELHOS
1 A
motivação da prática deve ser o beneficio de todos os seres vivos a
vontade de que eles
se libertem do sofrimento e alcancem a perfeição. Ajustem sempre sua motivação para querer
ajudar o mais possível os outros. Tentem, pelo menos, não fazer mal a eles.
53
2 Os
Budas são mestres do caminho espiritual; não oferecem a realização como um presente.
Vocês precisam praticar todos os dias a moralidade, a meditação concentrada e a sabedoria.
54
3 Preparandose
para Morrer
“Sem saber que preciso deixar tudo para trás e partir, pratiquei várias ações nocivas em
atenção a amigos e Inimigos”. BUDA
Segunda Estrofe:
Que possamos extrair a essência significativa da sustentação desta vida
Sem sermos distraídos pelas questões insensatas da vida,
Pois esta boa base, difícil de obter e fácil de se desintegrar,
Apresenta a oportunidade de escolha entre o lucro e a perda, o conforto e a miséria.
A consumação da prática bemsucedida
requer condições internas e externas favoráveis, as
quais vocês já têm. Por exemplo, na condição de seres humanos, temos um corpo e uma mente que
nos permitem entender os ensinamentos. Assim sendo, satisfazemos as condições internas mais
importantes. Externamente, é preciso que as práticas sejam transmitidas e se tenha liberdade para
praticar. Na presença dessas circunstâncias, se vocês se esforçarem, o sucesso está garantido. No
entanto, se não se empenharem, o desperdício será enorme. É necessário que valorizem essas
condições, pois quando elas não estão presentes, vocês nem mesmo têm uma oportunidade. Vocês
devem dar valor às possibilidades atuais.
55
Como vocês obtiveram tanto um corpo humano quanto as condições externas corretas, por
meio do desejo de praticar, podem fazer sua vida valer a pena. Vocês precisam fazer isso. É
chegada a hora de fazêlo.
Se usarem essa oportunidade para trabalhar em causas construtivas,
poderão realizar feitos muito poderosos; se forem motivados pelos três venenos da cobiça, do ódio
e da ignorância, vocês podem igualmente praticar, de várias maneiras, ações nocivas e muito
poderosas.
26. É muito difícil para outros seres, como os animais, que não possuem nossa excelente base
humana, alcançar virtudes por meio do poder individual. Temos conhecimento de raros casos em
que fizeram coisas virtuosas na presença de condições externas adequadas, mas eles têm
dificuldade em pensar. Quando os animais agem com cupidez ou ódio, eles o fazem de uma forma
temporária ou superficial; são incapazes de praticar ações nocivas físicas ou verbais muito
poderosas ou em grande quantidade. No entanto, os seres humanos podem pensar a partir de
numerosos pontos de vista. Como a nossa inteligência é mais eficaz, podemos atingir o bem e o mal
em grande escala.
Esse dom humano, quando usado para o bem, pode ser muito eficaz. Se vocês forem
cuidadosos e procurarem praticar boas ações, os objetivos desta vida e os das vidas futuras
poderão ser alcançados. Se não tomarem cuidado, as suas más ações poderão gerar um tremendo
sofrimento. É por esse motivo que, embora muitos tipos de seres tenham evoluído neste planeta
desde a sua formação, foram os humanos que realizaram os maiores progressos, mas também
foram eles que aprenderam a produzir mais medo, sofrimento e outros problemas, ameaçando
inclusive destruir o planeta. Tanto o melhor quanto o pior estão sendo feitos por seres humanos.
Como vocês possuem os dotes físicos necessários para alcançar os benefícios e a perda, o
conforto e a miséria, precisam saber como usálos
de um modo infalível.
Se soubessem que teriam o dom dessa escolha no decorrer de uma longa seqüência de vidas,
talvez fosse aceitável não usálo
sabiamente nesta vida. No entanto, este não é o caso. A
mutabilidade de qualquer fenômeno é um indício de que ele depende de causas, de modo que a
instabilidade do nosso corpo é um sinal de que ele também depende de causas. Elementos do seu
pai e da sua mãe estão envolvidos como causas e condições do seu corpo, mas para que o óvulo
da sua mãe e o espermatozóide do seu pai se unam, ainda outras causas se fazem necessárias.
56
Estas dependem, por exemplo, do óvulo e do espermatozóide dos pais dos seus pais e assim
por diante, recuando ao óvulo e ao espermatozóide de alguns seres sencientes após a formação do
mundo. Ainda assim, se a criação deste corpo humano dependesse apenas do óvulo e do
espermatozóide, como eles não estavam presentes na época da formação deste sistema de mundo
e como não surgiram desprovidos de uma causa (considerandose
a conseqüência de que teriam
então que aparecer em todos os lugares o tempo todo ou nunca), isso significa que também existem
outros fatores, ou seja, o carma.
Cada sistema de mundo possui eras de formação, continuação, desintegração e, finalmente, um
período de vazio. Após essa seqüência quádruplo, um novo sistema de mundo se forma a partir da
circulação dos ventos, ou energias, e a partir do subseqüente desenvolvimento de outros elementos.
Quer esse processo seja explicado de acordo com as opiniões científicas de hoje, quer consoante a
filosofia budista, existe um momento em que um sistema de mundo específico é inexistente. O início
do processo de formação de um sistema de mundo depende de muitas causas e condições, as
quais, por sua vez, são fenômenos causados. Estes precisam ser formados por uma divindade
criadora ou pela força do carma (ações anteriores) das pessoas que nascerão lá e usarão aquele
ambiente. A partir de uma perspectiva budista, é impossível que a criação do que é causado, e
portanto impermanente (inclusive um sistema de mundo), dependa da supervisão, ou força
motivadora, de uma divindade não causada e, por conseguinte, permanente. Antes, é através da
força do carma dos seres sencientes que tem lugar o processo de formação do ambiente. A única
escolha alternativa é que ele seja não causado, o que seria absurdo.
Assim como a criação e a desintegração do ambiente depende de causas e condições, o mesmo
é verdade com relação à qualidade de vida dos seres sencientes. Uma das regras sólidas de causa e
27. efeito diz que as boas causas produzem bons resultados e as causas nocivas geram maus
resultados.
57
Isso significa que qualquer efeito positivo a longo prazo é precedido pela acumulação de uma
boa causa. Analogamente, para produzir um efeito vigoroso, é necessário ter uma causa poderosa.
No que tange à natureza física do ser humano, tivemos de acumular nas vidas anteriores as inúmeras
causas e condições poderosas que individualmente produziram a forma, a cor, a acuidade dos
sentidos e outras qualidades do nosso corpo.
Se depois de ter praticado uma ação virtuosa e acumulado o poder dela, este permanecesse
sem degenerar até dar frutos nesta vida ou em uma existência futura, ele não seria tão frágil. No
entanto, esse não e o caso. Mais exatamente, a geração de um intenso estado mental não virtuoso,
como a raiva, subjuga a capacidade de um poder virtuosamente implantado, fazendo com que ele
não consiga germinar, como quando chamuscamos uma semente. Inversamente, a geração de uma
vigorosa atitude virtuosa refreia as forças estabelecidas pelas nãovirtudes,
tornandoas
incapazes
de manifestar seus efeitos. Assim sendo, é necessário não apenas alcançar um grande número de
causas construtivas poderosas como também evitar forças contrárias que fariam com que essas
causas benéficas degenerassem.
As boas ações requeridas para a acumulação dessas causas, ou potências, surgem da mente
domada, ao passo que as más ações nascem da mente indomada. Os seres comuns como nós
estão acostumados à mente indomada desde tempos imemoriais. Considerando essa predisposição,
podemos concluir que as ações praticadas com uma mente indomada são mais poderosas para nós
e as praticadas com uma mente domada são mais fracas. É importante reconhecer que esse
excelente apoio vital do corpo humano que hoje possuímos é um resultado saudável de uma
abundância de ações boas e poderosas de uma mente domada no passado. Foi muito difícil
alcançar esse resultado e, por ele ser muito raro, vocês precisam tomar cuidado e usálo
bem,
tomando medidas para que ele não seja desperdiçado. Se não fosse raro e difícil de obter, vocês
não precisariam ser cuidadosos, mas esse não é o caso.
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Se esse dom humano, tão difícil de alcançar, fosse estável e permanente, sem ter a tendência de
se deteriorar, haveria tempo no futuro para utilizálo.
No entanto, esse sistema de apoio vital é frágil
e facilmente se desintegra a partir de inúmeras causas externas e internas. O Four Hundred
Stanzas on the Yogic Deeds of Bodhisattvas (Quatrocentas estrofes sobre os feitos iogues dos
bodhisattvas) de Aryadeva diz que como o corpo depende dos quatro elementos da terra, da água,
do fogo e do vento, os quais, por sua vez, fazem oposição uns aos outros; a felicidade física é
apenas um equilíbrio ocasional desses elementos e não uma harmonia duradoura. Por exemplo, se
estamos com frio, o calor é inicialmente agradável, mas o excesso dele precisa ser evitado. O
mesmo é verdade com relação às doenças; o remédio para uma enfermidade pode acabar dando
origem a outra moléstia, a qual, por sua vez, precisa ser neutralizada. Nosso corpo é uma fonte de
grandes problemas e complicações; a felicidade física é meramente a ausência temporária desses
problemas.
Nosso corpo precisa receber uma nutrição completa, os alimentos. Mas. quando comemos
muito, a coisa necessária para gerar a saúde tornase
uma fonte de doença e dor. Nos países onde
a comida é escassa, a fome e a inanição são as grandes causas do sofrimento, mas naqueles onde é
abundante e está disponível em muitas variedades nutritivas, o sofrimento ainda está presente
devido à ingestão excessiva de alimentos e à indigestão. Quando existe um equilíbrio sem que
28. problemas se manifestem, dizemos que encontramos a “felicidade”, mas seria tolo achar que
ficamos, ou que um dia poderíamos ficar, livres da doença. Nosso tipo de corpo é um ninho de
problemas. Não creiam que não morreríamos na ausência da doença, das guerras ou da fome. A
natureza do corpo é desintegrarse.
Desde a concepção, o corpo está sujeito a morrer.
Desse modo, o corpo humano é um dom precioso, ao mesmo tempo poderoso e frágil. Graças
ao simples fato de estarem vivos, vocês são uma ocorrência muito importante e trazem consigo uma
grande responsabilidade, O bem poderoso pode ser alcançado para vocês e para os outros, de
maneira que se deixar distrair pelos assuntos secundários desta vida seria um enorme desperdício.
Vocês devem desejar usar a vida que têm neste corpo de um modo eficaz, e rogar ao seu guru, aos
três refúgios e a outras fontes que os ajudem a fazer isso, instigandose
a partir do interior e
buscando ajuda externa. Com esse objetivo, além de recitar as palavras desta estrofe, devem
refletir sobre o significado dela, fazendo com que ele surja na sua mente.
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Em resumo, como este corpo humano, que sustenta sua vida, é benéfico, foi difícil de obter e é
fácil de se desintegrar, vocês devem usálo
tanto para o seu benefício quanto para o dos outros. Os
benefícios provêm da mente domada: quando a sua mente está tranqüila, relaxada e feliz, os
prazeres externos como a boa comida, as vestimentas e conversa tornam as coisas ainda melhores,
mas a ausência deles não os deixam abatidos. Quando sua mente não está tranqüila e domada, por
mais maravilhosas que sejam as circunstâncias externas, vocês são oprimidos por receios,
expectativas e temores. Com a mente domada, apreciarão a riqueza ou a pobreza, a saúde ou a
doença, e até poderão morrer felizes. Com a mente domada, é maravilhoso ter muitos amigos, mas
também é aceitável não ter nenhum. A base da felicidade e do bemestar
reside na mente tranqüila
e domesticada.
No que diz respeito aos outros, quando a sua mente está serena e domesticada, a vida tornase
mais agradável para os seus amigos, cônjuge, pais, filhos e conhecidos, sua casa fica tranqüila e
todos que nela residem passam a desfrutar uma excelente sensação de relaxamento. Ao entrar na
sua casa, as outras pessoas detectam um sentimento de felicidade. Quando sua mente não está
tranqüila e domesticada, além de vocês ficarem repetidamente zangados, as outras pessoas, quando
entram na sua casa, sentem de imediato que nela existe muita discórdia e que vocês freqüentemente
ficam perturbados e irritados.
Como domar a mente gera a felicidade, e deixar de fazer isso conduz ao sofrimento, usem a vida
para reduzir o numero de atitudes não domadas — como controlar os inimigos, promover os
amigos, aumentar o lucro financeiro e coisas semelhantes — e domar, ou treinar, o mais possível
sua mente. Essa e a maneira de extrair a essência significativa do precioso e tênue corpo humano.
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RESUMO DOS CONSELHOS
1 Compreendam
o valor do corpo humano com o qual foram contemplados, pois ele é o
resultado de muitas boas causas do passado. Reconheçam o fato de que os ensinamentos estão
disponíveis e prontos para serem implementados.
2 Como
esta preciosa vida humana pode ser usada de maneiras poderosamente benéficas ou
destrutivas, sendo em si mesma extremamente frágil, utilizemna
adequadamente agora.
3 A
felicidade física é apenas um equilíbrio ocasional dos elementos no corpo e não uma
profunda harmonia. Entendam o temporário pelo que ele é.