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CONSELHOS SOBRE A MORTE E COMO VIVER UMA VIDA MELHOR 
Título origiml 
ADVICE ON DYING 
And Living a Bater Life 
Copyright 2002 by Sua Santidade Dalai Lama e 
Jeffrey Hopkins, Ph. D. 
Todos os direitos reservados 
Copyright da edição brasileira © 2005 by Editora Rocco Ltda. 
Publicada mediante acordo com o editor original. 
Atria Buoks, um selo da Simon & Schutter, Inc. 
Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à EDITORA 
ROCCO LTDA. Rua Rodrigo Silva, 26— 4º andar 
20.011­040 
— Rio de Janeiro — RJ 
Tel.: (21) 2307­2000 
— Fax: (21) 2307­2244 
rocco@rocco.cotn.br ­www. 
rocco.com.hr 
Printed in Brazil/lmpresso no Brasil 
Preparação de originais ­FÁTIMA 
FADEL 
CIP—Brasil. Catalogado na fonte. 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 
Dalai Lama, 1935­D138c 
Conselhos sobre a morte: e como viver uma vida melhor/Sua Santidade Dalai Lama; 
[prefácio] tradução para língua inglesa organização de Jeffrey Hopkins; tradução de Cláudia Gerpe 
Duarte. Rio de Janeiro: Rocco. 2005. 
(Arco do tempo: Nos passos do budismo) 
Tradução de: Advice on dying: and hving a better life 
Apêndice 
Inclui bibliografia 
ISBN 85­325­1828­1 
1. Morte — Aspectos religiosos — Budismo. 2. Vida religiosa — Budismo. 3. Budismo — 
Doutrina. 1. Hupkins, Jeffrey. II. Título III. Série. 
CDD — 869.93 
CDU — 821.134.3 (81) ­3 
Digitalização gratuita: Prof. Dr. Sylas Fernandes Maciel – Departamento de Oftalmologia e 
Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – para leitura 
através de softerware de voz para deficientes visuais.
“TODO MUNDO MORRE, MAS NINGUÉM ESTÁ MORTO”. — ditado tibetano. 
SUMARIO 
Prefácio por Jeffrey Hopkins, Ph. D. ­9 
1. A Consciência da Morte ­29 
2. Libertando­se 
do Medo ­40 
3 Preparando­se 
para Morrer ­54 
4. Removendo Obstáculos para uma Morte Favorável ­67 
5. Obtendo Condições Favoráveis para o Momento da Morte ­72 
6. Meditando durante o Processo da Morte ­78 
7. A Estrutura Interna ­90 
8. A Clara Luz da Morte ­105 
9. Reagindo ao Estado Intermediário ­120 
10. O Renascimento Positivo ­131 
11. Reflexão Diária sobre o Poema ­136 
Apêndice: Descrição do Poema e Resumo dos Conselhos 141 
Leitura Recomendada 155 
9 
PREFÁCIO 
O Tibete é conhecido pela sua vasta percepção das profundezas da mente. Um repositório dos 
ensinamentos budistas, o Tibete há muito mantém tradições de prática e instruções voltadas para a 
manifestação desses profundos estados mentais e para a sua utilização no progresso espiritual. 
Comecei os meus estudos desses sistemas em um mosteiro tibetano e mongol em Nova Jersey no 
fim de 1962. Durante os cinco anos que vivi no mosteiro aprendi a língua tibetana, meditei e estudei 
um vasto leque de temas. Quando voltei ao mosteiro no verão de 1968, esse aprendizado me 
possibilitou apreciar a magnífica exposição de assuntos — extensos e breves – realizada por um 
monge idoso, Kensur Ngawang Lekden, que tinha sido o abade de um mosteiro tântrico em Lhasa, 
a capital do Tibet, quando os comunistas chineses invadiram o país em 1959. Durante os 
ensinamentos, o Lama mencionou varias vezes um livro muito importante a respeito da morte que 
ele tinha em seu poder. Explicou que a obra era extremamente útil na abordagem da morte porque 
descrevia em detalhe os estados mentais cada vez mais profundos pelos quais a pessoa moribunda 
passa e como preparar­se 
para eles. Ele acrescentou que atravessamos todos os dias esses estados 
quando vamos dormir ou terminamos um sonho, bem como quando desmaiamos, espirramos ou 
temos um orgasmo. 
Fiquei fascinado. 
A partir das breves referências do Lama ao conteúdo desse livro, pude perceber que o nosso 
nível de consciência habitual era superficial quando comparado a esses estados mais profundos. 
10 
Desejoso de aprender mais, pedi­lhe 
que me ensinasse o texto, mas ele não quis fazê­lo 
naquele 
momento. Finalmente, em 1971, obtive uma bolsa Fullbright e fui estudar alguns meses com um dos 
alunos do Lama tibetano, que estava lecionando na Universidade de Hamburgo na Alemanha. Lá, 
morei no que de fato era um grande closet. Dentro dele, em cima da janela, um amigo do erudito 
tibetano tinha construído uma cama estreita, á qual se tinha acesso por uma pequena escada e,
debaixo dela, uma pequena escrivaninha. Certa noite, quando eu estava lá há relativamente pouco 
tempo, o Lama apareceu para mim em um sonho emocionante no qual ele tinha a forma reluzente 
do seu eu com seis anos de idade, sem as bexigas que ele tinha no seu rosto de adulto. De pé, 
sobre o meu peito, ele anunciou: “Eu voltarei.” Eu soube então que ele tinha morrido. 
Viajei a seguir para a Índia, onde permaneci por mais de um ano, participando de duas séries de 
ensinamentos administradas por Sua Santidade o Dalai Lama, conversando longamente com ele em 
muitas audiências, recebendo ensinamentos particulares, traduzindo um texto que ele havia escrito 
sobre o tema da origem dependente e o vazio, e atuando como intérprete para um grupo de 
estudantes que havia solicitado uma audiência. Ao regressar aos Estados Unidos, encaminhei­me 
diretamente ao mosteiro em Nova Jersey, decidido a examinar os haveres do Lama Kensur 
Ngawang Lekden para procurar o livro a respeito da morte. 
Para minha felicidade, consegui encontrá­lo! 
Li o livro e pedi a dois lamas esclarecimentos sobre os ensinamentos que ele continha. A obra 
exerceu cm mim uma profunda influência. Ela descreve com tanta clareza os níveis mentais 
superficiais e os profundos, que possibilita que nos imaginemos penetrando cada vez mais na mente, 
na jornada suprema de transformação. Por saber que o valor desse material seria inestimável para 
um grande número de pessoas, perguntei à Sua Santidade o Dalai Lama se ele faria comentários 
sobre outro texto que trata do mesmo assunto, um poema escrito no século XVII pelo Primeiro 
Panchen Lama (que também contém um comentário realizado pelo autor do livro que eu lera sobre 
a morte). Mencionei ao Dalai Lama que, na minha opinião, dessa maneira, com os comentários 
dele, um livro mais acessível poderia ser publicado, e ele concordou. 
11 
Alguns dias depois, fui chamado ao gabinete interno de Sua Santidade e sentei­me 
diante dele 
com um gravador. Sua Santidade explicou o texto a partir de um vasto leque de tradições e 
experiências, discutindo detalhadamente tanto a estrutura da psicologia profunda do budismo 
quanto o processo da morte e do período após a morte, que antecede a vida seguinte. Ele 
descreveu como os iogues competentes manifestam os níveis profundos da mente para a 
transformação espiritual. Falou apaixonadamente do valor de termos consciência da morte, de 
como fazer isso, de como vencer o medo tanto no momento da morte quanto no estado 
intermediário entre as vidas e de como ajudar aqueles que estão morrendo. Os seus ensinamentos 
formam a essência deste livro. 
Vou dar uma idéia do impacto que o Dalai Lama exerceu em mim naquele dia citando algumas 
notas do meu livro, Cultivating Compassion, nas quais discuto a mediação sobre a natureza da 
realidade: 
O Dalai Lama recomenda que meditemos dessa maneira sobre alguém ou algo que valorizemos 
imensamente, para que a experiência do vazio não seja desvirtuada e interpretada como uma 
desvalorização do sujeito — o valor permanecerá elevado, mas será percebido de um modo 
diferente. A minha experiência foi particularmente intensa durante um período em que ele me 
transmitiu ensinamentos no seu gabinete, na Índia. Certo fim de tarde em que eu estava sentado 
diante da escrivaninha do Dalai Lama, avistei, através das largas janelas que se abriam atrás dele, o 
sol que já descia no horizonte no vale do Kangra. O tema que discutíamos eram os estágios da 
morte — uma penetrante apresentação dos estágios mais profundos da mente, nos quais apóia­se 
não apenas a morte como também toda a experiência consciente. O domínio da palavra que o Dalai 
Lama tem em tibetano é incrível; ele fala ao mesmo tempo muito rápido e com grande clareza, e 
emprega em cada tema um vasto conjunto de ensinamentos. A luz do sol no vívido céu laranja 
tornava a cena brilhante, como o segundo estágio das quatro mentes sutis que experimentamos no 
processo da morte.
12 
Eu nunca tinha me sentido tão à vontade em toda a minha vida. Ao sair do gabinete dele, fiquei 
impressionado com o pico coberto de neve acima de Dharmsala. Comecei a descer para o meu 
quarto situado mais abaixo na montanha, passando por um lugar onde eu também descortinava, do 
outro lado, uma montanha; o espaço entre as duas montanhas estava tomado por um arco­íris 
que 
formava um circulo completo. Era impressionante! Dois dias depois, tive a última aula com o Dalai 
Lama, pois ia voltar para os Estados Unidos. Quando a sessão terminou e comecei a me dirigir 
para a porta, ele disse: Parece um sonho. Eu perguntei: 
“O quê?” “Parece um sonho”, replicou ele. Até mesmo nesse período extremamente intenso e 
importante da minha vida, ele me fez refletir sobre o vazio dessa valiosa experiência. O vazio não 
cancela os fenômenos; pelo contrário, ele é bastante compatível com a efetividade e com o valor. 
O IMPACTO DOS ENSINAMENTOS 
Os ensinamentos do Dalai Lama estão repletos não apenas de detalhes sobre o verdadeiro 
processo da morte como também de conselhos práticos. Obtive um grande número de 
conhecimentos a respeito do colapso gradual da consciência e aprendi muitas coisas que mais tarde 
se revelaram extremamente úteis. 
Enquanto meus pais passavam férias na sua pequena casa de inverno na Flórida, meu pai, que 
tinha 81 anos, teve um derrame. Eu estava muito longe, em Vancouver, lecionando na Universidade 
de British Columbia, de modo que permaneci no Canadá enquanto meus três irmãos foram visitar 
nosso pai enfermo na Flórida. Ficamos aliviados quando ele saiu do estado de coma e voltou para 
casa. No entanto, quando cheguei aos Estados Unidos algumas semanas mais tarde, depois que 
meus irmãos haviam partido, meu pai voltou para o hospital e, uma vez mais, entrou em coma. 
Certo dia, meu pai estava deitado de costas e abriu os olhos. Ele se virou para mim e 
começamos a conversar suavemente. 
13 
Em um determinado momento, ele disse o seguinte, com um brilho divertido no olhar: “Você não 
acreditaria se eu lhe contasse o que está acontecendo neste hospital.” Perguntando­me 
o que ele 
estaria querendo dizer com aquilo, olhei por acaso para a televisão ao pé da sua cama. Ela exibia 
um episódio de uma série cômico­erótica 
passada em um hospital, e percebi que a equipe da clínica 
tinha posto um pequeno alto­falante 
no seu travesseiro. Enquanto estava em coma, ele tinha 
escutado todos aqueles programas! Após algum tempo, eu lhe disse de onde estavam vindo as suas 
idéias e mais tarde desliguei o alto­falante, 
recordando o ensinamento do Dalai Lama de que 
quando a morte se aproxima é extremamente importante ter por perto alguém que nos faça ter 
pensamentos virtuosos. 
Alguns dias depois, o quadro do meu pai piorou e ele entrou em coma profundo. Certa noite, 
durante uma visita, descobri que o hospital o tinha transferido para outro quarto. Desta vez, a 
televisão gritava um programa de perguntas e respostas. Tentei desligar o aparelho, mas a 
enfermeira me disse que era o programa favorito do homem praticamente surdo que ocupava o 
outro leito. Desconcertado, sentei­me 
ao pé da cama do meu pai pensando no que fazer. A 
televisão rugiu uma pergunta a respeito de um navio que afundara no mar, de modo que imaginei 
que pelo menos eu poderia distrair o outro paciente. “Você sabe o nome do navio?”, perguntei, 
gritando. Como ele não moveu um único músculo, percebi que ele também estava em coma. Mas
meu pai sentou­se 
na cama e disse: “E Andrea Doria.” Ele estava lúcido e ouvira o programa 
inteiro! 
Desliguei a televisão e batemos um papo muito agradável. Como de costume, ele estava 
contente. Pediu biscoitos com leite e a enfermeira os providenciou de uma maneira particularmente 
carinhosa. Conversamos durante algum tempo e, quando ia saindo, perguntei: “Quer que eu diga olá 
para a mamãe?” “Claro”, replicou ele, animadamente. 
O hospital telefonou para a minha mãe bem cedo no dia seguinte para dizer que o meu pai tinha 
morrido durante a noite. Senti um enorme alívio porque, antes de morrer, ele recobrara a 
consciência com o espírito renovado. E também porque a televisão estava desligada. 
14 
O hospital tinha deixado o corpo do meu pai sozinho no quarto. Fui até lá e, lembrando­me 
que 
não deveria perturbar o corpo, sentei­me 
e fiquei em silêncio por não conhecer o vocabulário 
particular da sua religião. Senti que pelo simples fato de estar presente eu poderia apoiá­lo 
na sua 
jornada. 
Um ano depois, minha mãe sofreu o que foi provavelmente um derrame. Ela ligou para a casa do 
meu irmão Jack. Ele não estava, e Judy, a mulher dele, atendeu o telefone. Mamãe disse que estava 
se sentindo muito mal, que estava com dor de cabeça e falava de um modo desconexo. Ela disse 
também que estava se sentindo fraca e que talvez fosse vomitar. A seguir a sua voz sumiu. Como a 
minha mãe não tinha desligado o telefone, Judy correu para a casa vizinha e telefonou para a equipe 
de socorro. Posteriormente, por três vezes, o hospital a trouxe de volta do portal da morte, e em 
todas elas a minha mãe ficou tentando se comunicar. Ao perceber o seu esforço desconexo, 
lembrei­me 
de que o Dalai Lama tinha mencionado a necessidade do conselho amigo capaz de 
evocar uma atitude virtuosa e aproximei­me 
da cama onde ela estava deitada. Eu sabia que a 
palavra especial da minha mãe era “espírito”, de modo que eu disse: “Mamãe, é o jeff. Chegou a 
hora do espírito:” Ela imediatamente se acalmou e parou de lutar. Repeti suavemente: “Chegou a 
hora do espírito:” Alguns dias depois, ela morreu em paz. 
Quando o meu primo Bobby foi diagnosticado com câncer no cérebro, ele conversou 
longamente sobre a doença com o meu irmão Jack, que lhe perguntou se havia algo que ele gostaria 
de fazer enquanto estivesse em atividade. “Gostaria que os primos se reunissem e contassem 
histórias sobre o vovô”, disse ele. Meu avô paterno era um homem poderoso que protegia a família, 
a fazenda, a igreja, e todos os seus negócios e interesses de um jeito vigoroso e até mesmo 
engraçado. Assim sendo, Jack nos reuniu; éramos 14 ao todo. Sabíamos que Bobby ia morrer e 
não fingimos pensar de um modo diferente, mas tampouco exibimos um comportamento sombrio. 
Quase todos tínhamos histórias hilariantes para contar, e eu as gravei em vídeo. 
15 
Nancy, a irmã de Bobby, telefonou­me 
e pediu conselhos sobre o que fazer quando a hora da 
morte se aproximasse. “Tome providências para que ninguém chore ou se lamente ao redor dele”, 
disse eu. “Simplifique as coisas”. Desligue a televisão. Faça com que as pessoas venham se 
despedir antes de o fim começar. 
Na véspera do último dia de vida de Bobby, a família assistiu ao vídeo da reunião dos primos e 
a seguir o guardou. No dia seguinte, tudo foi mantido muito simples e tranqüilo, e ele morreu. 
O Dalai Lama aconselha que quando nos aproximamos do fim, é preciso que nos lembremos da 
nossa prática, independentemente de qual ela for. Não podemos impor aos outros as nossas 
opiniões nem um nível mais elevado de prática do que aquele com o qual eles conseguem lidar. 
Quando meu amigo Raymond soube que ia morrer de AIDS, ele e o seu parceiro me perguntaram
o que deveriam fazer. Recordando a morte dos meus pais e a paralisia que tomou conta de mim por 
eu ter contraído a doença de Lyme e que quase me levou à morte, eu tinha conhecimento de que 
muito tempo depois de ficarmos impossibilitados de interagir com os outros, podemos ter uma vida 
interior intensa e lúcida. Durante minha grave doença, repeti interiormente um mantra que eu recitara 
por quase trinta anos. Descobri que apesar de ser incapaz de me comunicar com os outros, eu 
conseguia repetir o mantra com uma lucidez incomum. De vez em quando, eu tentava falar, porém 
sem sucesso. Apesar disso, eu não ficava preocupado. Isso teria sido um grande erro. Apenas 
continuava a repetir o mantra, o que me deixava tranqüilo. 
Pensando nessa experiência, sugeri a Raymond que escolhesse um ditado que pudesse repetir 
continuamente. Ele escolheu uma estrofe de Joseph Goldstein: 
“Que eu seja permeado pela bondade­amorosa”. 
Que eu fique bem. 
Que eu me sinta tranqüilo e em paz. 
Que eu seja feliz. 
16 
Achei que a escolha pudesse ser longa demais, mas sabia que era a opção correta para 
Raymond, pois era a que ele queria. 
Raymond praticou o mantra. O seu parceiro o colocou em uma moldura de plástico ao lado da 
cama de Raymond, para que este o visse quando virasse a cabeça e se lembrasse de repeti­lo. 
Mais tarde, quando Raymond saiu do hospital e voltou para casa para morrer, pouco a pouco ele 
foi se recolhendo, perdendo a faculdade de falar, depois a de apontar com o dedo, até que ficou 
completamente impossibilitado de se mover. No entanto, quando eu entrava no seu quarto, 
sentava­me 
no chão e dizia suavemente: “Que eu seja permeado pela bondade amorosa”, seu rosto 
se iluminava e seus olhos se moviam debaixo das pálpebras cerradas. Tinha funcionado! 
O PRIMEIRO PANCHEN LAMA 
Neste livro, Sua Santidade o Dalai Lama recorre a uma vasta coleção de tradições textuais e 
orais da Índia e do Tibete para explicar um poema de 17 estrofes de autoria do Primeiro Panchen 
Lama. O Dalai Lama revela, um por um, o significado das estrofes, fornecendo uma apresentação 
detalhada dos estágios da morte, do estado intermediário entre as vidas e do renascimento, ao 
mesmo tempo em que descreve sua aplicação prática de uma forma comovente. 
O poema que serve de base para este estudo foi escrito no século XVII. Sua importância e 
relevância têm sido transmitidas por monges e leigos no Tibete, e agora em todo o mundo. No 
entanto, ter como certa a habilidade de estudar e praticar significa desconhecer o atual estado da 
religião no Tibete, a situação do Panchen Lama e a tensão constante entre o Tibete e a China. 
Por conseguinte, gostaria de discutir a história dos títulos Dalai Lama e Panchen Lama, bem 
como a linhagem de encarnações do autor do poema, o Primeiro Panchen Lama. Desejo também 
esclarecer vários equívocos sobre a situação do Tibete e discutir a encarnação atual do Panchen 
Lama, que está preso na China. 
17 
Em meados do século XIII e no início do século XIV, Tsongkhapa Losang Drakpa fundou uma 
tradição espiritual no Tibete chamada Geluk, também conhecida como a Escola do Chapéu 
Amarelo. Cerca de 1445, um aluno de Tsongkhapa, Gendun Drup, construiu um grande mosteiro, 
chamado Tashi Lhunpo (Montanha da Sorte), em Shigatse, uma província a oeste de Lhasa, a
capital do Tibete. Gendun Drup veio retroativamente a ser chamado o Primeiro Dalai Lama quando 
a terceira encarnação da sua linhagem, Sonam Gyatso (1543­1588), 
recebeu o nome “Dalai” (uma 
tradução mongol de Gyatsø, que significa “oceano”) do seu patrono e seguidor mongol, Altan 
Khan, em 1578. 
Gendun Drup também recebeu o nome “Panchen” de um erudito tibetano contemporâneo, 
Bodong Choklay Namgyel, quando respondeu a todas as perguntas deste último. “Panchen” 
significa “grande erudito”, e deriva da palavra sanscrítica pan di­íd, 
que significa “erudito”, e da 
palavra tibetana chen po, que sigmiica “grande”. Sucessivos abades do mosteiro Tashi Lhunpu que 
foram eleitos e exerceram o cargo por períodos limitados, também eram chamados de “Panchen”. 
No século XVII, o Quinto Dalai Lama deu o mosteiro Tashi Lhunpo para o seu mestre, Losang 
Chokyi Gyeltsen (1567­1662), 
o décimo quinto abade do mosteiro. Nessa última condição, ele foi 
chamado “Panchen”. No entanto, quando Losang Chokyi Gyeltsen morreu, o Quinto Dalai Lama 
anunciou que o seu mestre iria reaparecer como uma criança­sucessora 
reconhecível, de modo que 
sua linhagem de encarnações reteve o título “Panchen Lama” e seus membros tornaram­se 
os 
abades do mosteiro Tashi Lhunpo. O título “Panchen Lama” deixou de se aplicar a uma pessoa 
eleita por um período determinado e passou a referir­se 
a uma linhagem de reencarnações. 
Desde aquela época, tornou­se 
uma convenção no Tibete o Dalai Lama e o Panchen Lama 
envolverem­se 
em graus variados no reconhecimento dos seus respectivos sucessores. O Dalai 
Lama é o líder espiritual e temporal do Tibete como um todo, ao passo que o Panchen Lama é o 
líder da região particular ao redor de Shigatse. 
18 
A história de como o Dalai Lama e o Panchen Lama receberam seus nomes frustra as 
afirmações absurdas feitas pelo atual governo da China de que de algum modo esses títulos indicam 
a subserviência à autoridade chinesa. A origem dos títulos é completamente local. Para amparar 
ainda mais as suas alegações de legitimidade, Pequim aponta para o fato de que o Panchen Lama 
se chama “Erdini”. No entanto, esta é uma palavra mongol que significa “jóia preciosa” e é um título 
de cortesia compartilhado com muitos lamas mongóis. No caso do Panchen Lama, o título lhe foi 
conferido em 1731 pelo imperador Kiang­shi, 
um manchu que na época controlava a China. 
Precisamos ter em mente que, em diferentes períodos da sua história, a China foi governada por 
forasteiros mongóis e manchus, bem como pelos chineses da dinastia Han. No início do século XX, 
o Dr. Sun Yat­sen, 
o pai da China moderna, promoveu a criação de um Reino do Meio que 
abrangia a Manchúria, a Mongólia, o Turquestão Oriental, o Tibete e a China. No entanto, em 
1911, até mesmo ele declarou que quando a revolução nacionalista derrotou a dinastia Manchu, a 
China tinha sido ocupada duas vezes por potências estrangeiras — primeiro pelos mongóis e depois 
pelos manchus. Os mongóis, os manchus e os chineses da dinastia Han consideravam o Tibete uma 
terra estrangeira quando, na qualidade de um vizinho poderoso, seus impérios ocasionalmente 
interferiam no Tibete. Também precisamos estar conscientes de que no século VIII o Império 
tibetano chegou inclusive à capital da China, Ch’ang­an, 
conhecida hoje como Xian. Assim, se 
incursões eventuais em um país significam que o agressor é dono desse pais, poderíamos 
argumentar que o Tibete é dono da China. 
Pequim procura legitimar o seu domínio no Tibete demonstrando que desempenha um papel 
crucial na identificação dos lamas importantes da região, dos quais os mais proeminentes são o 
Dalai Lama e o Panchen Lama. As tentativas desesperadas de Pequim de aparentar ser relevante 
nos assuntos religiosos do Tibete se refletem na série de eventos que cercam a recente identificação 
do Décimo Primeiro Panchen Lama. 
19
Para que tudo seja compreendido com a maior clareza, vou apresentar uma explicação breve do 
processo da busca de uma reencarnação elevada. 
1 ­É 
feita uma investigação em todo o país que visa descobrir sinais especiais ocorridos no 
nascimento das crianças, mães que tiveram sonhos fora do comum e crianças que possuem um 
conhecimento especial que não lhes tenha sido diretamente transmitido. 
2 ­Presságios 
são analisados. Por exemplo, quando o Dalai Lama anterior morreu, um arco­íris 
apontou para o leste, indicando o renascimento na região oriental do país. Depois, dois objetos 
semelhantes a presas surgiram no lado oriental do relicário do falecido Dalai Lama. Quando uma 
equipe de busca encontrou a encarnação seguinte, flores medraram no inverno em um anfiteatro ao 
ar livre onde o Dalai Lama fazia preleções, e a população de Lhasa começou espontaneamente a 
cantar uma música que continha o nome dos pais dele. (Muitos presságios têm lugar sem serem 
percebidos na ocasião e só mais tarde são compreendidos.). 
3 ­Fontes 
supranormais de conhecimento são consultadas. Um grupo é enviado a um lago 
situado no sudeste de Lhasa que evoca visões proféticas. No caso do atual Dalai Lama, o grupo viu 
no lago imagens do mosteiro próximo ao local onde ele nasceu e da casa onde ele morava. 
Também viram as letras “A, Ka, Ma”, que indicavam a província (“A” equivalia à província Amdo), 
o mosteiro (“Ka” representava o mosteiro Kumbum) e o nome do Dalai Lama (“Ma”, que 
significava “mulher”, pois o Dalai Lama, quando criança, tinha um nome feminino, Deusa da Longa 
Vida). 
4 – Realiza­se 
uma adivinhação fazendo­se 
girar uma tigela com bolas de massa contendo o 
nome dos candidatos finais até que uma delas salta para fora. 
5 ­Equipes 
de busca disfarçadas são enviadas para testar os conhecimentos especiais dos 
candidatos e para verificar se eles conseguem identificar objetos que pertenceram ao lama anterior. 
No caso do atual Dalai Lama, ele identificou um funcionário monástico e um monge do mosteiro 
bem disfarçados entre os membros da equipe. Os objetos entre os quais ele teve de escolher foram 
dois rosários, dois pequenos tambores rituais e duas bengalas. 
20 
A idéia de um governo comunista materialista envolver­se 
nesse processo religioso é cômica, 
mas foi exatamente o que aconteceu como indicam os seguintes eventos relacionados com a 
identificação do atual Panchen Lama. 
CRONOLOGIA DA IDENTIFICAÇÃO DO DÉCIMO PRIMEIRO PANCHEN LAMA 
1984: O governo comunista chinês, que invadiu o Tibete Oriental em 1950 e completou a 
ocupação de todas as seções em 1959, anuncia que permitirá que os tibetanos procurem as 
encarnações dos lamas elevados. 
1987: O governo chinês estabelece uma escola especial em Pequim para lamas reencarnados 
com o objetivo de produzir “lamas patriotas, que cultivem a unidade da terra natal”. 
28 de janeiro de 1989: O Décimo Panchen Lama morre aos 51 anos de idade no mosteiro Tashi 
Lhunpo em Shigatse, no Tibete, quatro dias depois de transmitir uma mensagem criticando o 
governo chinês na qual ele diz: “O custo do domínio chinês no Tibete foi mais elevado do que os 
seus benefícios.” Ele permanecera no Tibete depois de o Dalai Lama ter fugido do país em março 
de 1959 e fora preso e torturado por nove anos e oito meses durante a Revolução Cultural, depois 
de ter elaborado um relatório no qual criticara fortemente a política chinesa no Tibete, (Depois da 
sua morte correram rumores repetidos e persistentes de que ele teria sido envenenado.) No mesmo
dia, o Dalai Lama propõe enviar uma delegação com dez religiosos ao Tibete para dizer orações no 
mosteiro do Panchen Lama. 
21 
Fevereiro de 1989: Li Peng, primeiro­ministro 
da China anuncia que não seria permitido que 
forasteiros, querendo referir­se 
a tibetanos no exílio, “interferissem no processo de seleção”. 
Agosto de 1989: O governo chinês anuncia um plano de cinco pontos para a busca, a seleção e 
o reconhecimento do Panchen Lama. O plano é um compromisso com as autoridades do mosteiro 
do Panchen Lama e inclui a insistência do governo chinês de que uma loteria seja incluída no 
processo, e que eles organizem a confirmação pública final. Uma comissão de busca é nomeada 
por Pequim, dirigida por Chadrel Rinpochav, abade do mosteiro do Panchen Lama, que 
reconhecidamente coopera com os chineses. 
21 de março de 1991: O Dalai Lama informa ao governo chinês, por intermédio da sua 
embaixada em Nova Déli que deseja tomar parte na busca da reencarnação do Panchen Lama, 
enviando uma delegação ao lago de visões proféticas, situado ao sudeste de Lhasa. 
Junho de 1991: Três meses depois o governo chinês responde que a interferência não é 
necessária. 
17 de julho de 1993: O chefe da equipe constituída pelo governo chinês, Chadrel Rinpochay, 
envia oferendas e uma carta ao Dalai Lama relacionada com a reencarnação do Panchen Lama. Ele 
explica que um grupo visitou dois lagos e recebeu a confirmação de que o Panchen Lama 
reencarnou. 
5 de agosto de 1993: O Dalai Lama envia uma resposta a Chadrel Rinpochay por intermédio da 
embaixada da China em Nova Déli convidando a delegação a visitá­lo 
na Índia para discutir a 
busca de uma reencarnação. Não há resposta. 
17 e 18 de outubro de 1994: O Dalai Lama, em um encontro privado com um chinês que tem 
vínculos estreitos com o governo chinês, diz que está aguardando uma resposta à carta que enviou a 
Chadrel Rinpochay em 5 de agosto de 1993. Ele enfatiza a importância de que a busca da 
reencarnação siga os procedimentos religiosos tradicionais. 
22 
Janeiro de 1995: Esse chinês é procurado mais duas vezes sobre o mesmo assunto. 
Abril de 1995: O governo chinês anuncia que implementou uma nova legislação relacionada com 
a busca, a seleção e a aprovação das encarnações de lamas elevados. 
14 de maio de 1995: Depois de analisar extensamente mais de trinta crianças, receber quatro 
profecias de oráculos e realizar cinco adivinhações, inclusive o ritual da bola de massa, o Dalai 
Lama reconhece formalmente um menino de seis anos, Gedhun Choekyi Nyima, nascido em 25 de 
abril de 1989, no distrito de Nagchu em Lhari, no Tibete, como o Décimo Primeiro Panchen Lama. 
A ocasião corresponde a uma data auspiciosa no calendário dos ensinamentos da Roda do Tempo 
que têm uma ligação especial com o Panchen Lama. O Dalai Lama e a delegação de Chadrel 
Rinpochay (indicado por Pequim) estão de acordo. 
15 de maio de 1995: Uma agência oficial de notícias chinesa ataca a declaração do Dalai Lama. 
17 de maio de 1995: O governo de Pequim mantém incomunicáveis em Chengdu, durante 12 
dias, Chadrel Rinpochay e Jampa, seu secretário de cinqüenta anos. O lama menino é detido pelas 
autoridades chinesas. Aos seis anos de idade, ele é o mais jovem prisioneiro político do mundo. 
19 de maio de 1995: Cartazes começam a aparecer nas cidades tibetanas condenando a 
interferência do governo chinês na seleção do Panchen Lama.
21 de maio de 1995: As autoridades chinesas no Tibete convocam reuniões em Lhasa, Shigatse 
e Nagchu para anunciar que reuniões de mais de três pessoas, bem como a discussão em público 
da reencarnação do Panchen Lama, estão proibidas. Funcionários qualificados do partido 
instalam­se 
no mosteiro Tashi Lhunpo para conduzir sessões de reeducação, quando monges são 
convidados a criticar Chadrel Rinpochay. O Lama menino e a sua família, bem como duas outras 
crianças que estavam entre os principais candidatos, desaparecem, e consta que foram levados 
para Pequim. 
23 
Em Lhasa, é ordenado a todas as principais figuras do governo e da hierarquia religiosa que 
participem de reuniões destinadas a condenar a declaração do Dalai Lama. 
24 de maio de 1995: Uma sessão de emergência de três dias da Conferência Consultiva Política 
do Povo Chinês publica um documento que descreve a declaração do Dalai Lama como “ilegal e 
inválida”. 
Maio de 1995: O principal dissidente do Tibete e ex­prisioneiro 
político, Yulu Dawa Tsering, 
recebe ordens de se apresentar à polícia em dias alternados. 
11 de junho de 1995: O administrador dos negócios de Chadrel Rinpochay, Gyara Tsenring 
Samdrup, é detido pelas autoridades chinesas sob suspeita de se comunicar com o Dalai Lama. 
12­13 
de julho de 1995: Turistas estrangeiros são expulsos de Shigatse, a sede do mosteiro do 
Panchen Lama, para que não possam assistir a demonstrações. Os tibetanos são impedidos de 
executar atividades religiosas no mosteiro do Panchen Lama e até mesmo de circundar os templos e 
os locais religiosos. 
Até hoje não se conhece o paradeiro do menino reconhecido como o Panchen Lama pela 
equipe de busca do seu mosteiro e pelo Dalai Lama. Em 2002, ele e os seus pais já estavam presos 
havia sete anos pelo governo chinês, que se recusa a permitir que observadores internacionais 
tenham acesso ao menino para avaliar o seu bem­estar. 
O chefe da equipe de busca, Chadrel 
Rinpochay, foi libertado em 2002 após passar sete anos na prisão. 
No que só pode ser considerado uma ocorrência surrealista, o governo comunista chinês central 
nomeou o seu próprio grupo de busca e declarou ter encontrado o verdadeiro Panchen Lama. 
24 
O presidente da China, Jiang Zemin, demonstrou um profundo interesse pelo processo. O 
substituto aprovado pelo governo, hoje com 13 anos de idade, tem aparecido com destaque nos 
jornais chineses como um patriota erudito capaz de inspirar devoção. Em 2001, em uma turnê pelo 
próspero litoral oriental, o pseudo Panchen Lama que tem o apoio de Pequim fez o seguinte 
pronunciamento: “Compreendo hoje, profundamente, a grandeza do Partido Comunista da China e 
sinto o calor da família socialista sob a gloriosa política do Partido Comunista Chinês.”. 
SUGESTÕES 
Por que o governo comunista de Pequim está tão interessado nessa questão? Ele está tentando 
legitimar a invasão do Tibete, mostrando ao mundo que desempenha um papel vital na vida 
espiritual da nação. Talvez esteja também procurando anunciar a descoberta do novo Panchen 
Lama exatamente 13 anos depois de a China ter chamado de “Região Autônoma Tibetana” o que 
na verdade é parte do Tibete. No entanto, o Dalai Lama e a delegação do mosteiro do Panchen 
Lama que foi originalmente nomeada por Pequim chegaram a um acordo com relação ao mesmo
candidato, e o Dalai Lama anunciou a identificação, sem dúvida para antecipar­se 
à intervenção 
chinesa. 
Pequim também faz a afirmação completamente infundada de que o governo chinês anterior, o 
Guornintang, esteve envolvido na identificação do atual Dalai Lama, No entanto, essa declaração 
contraria uma ampla evidência histórica. Quando o Dalai Lama foi entronizado no dia 22 de 
fevereiro de 1940, o emissário chinês, Wu Zhongxin, foi tratado como os outros enviados de 
Bhutan, Sikkim, do Nepal e da Índia britânica, não tendo desempenhado nenhum papel especial. O 
Guomintang fez declarações absurdas, dizendo que o menino curvou­se 
diante de Pequim e que o 
emissário chinês colocou o menino no trono. Até mesmo um funcionário tibetano, Ngabo Nawang 
Jigme, vice­presidente 
da Comissão Permanente do Congresso do Povo, que esteve presente à 
cerimônia e que havia cooperado com o governo chinês, declarou em 31 de julho de 1989: “Nós, o 
Partido Comunista, não precisamos contar mentiras baseadas nas inverdades do Guomintang”. 
25 
Naquela época, o camarada Chang Feng do Ministério da Frente Unida disse o seguinte: “No 
futuro, não diremos que Wu Zhongxin presidiu a entronização do Décimo Quarto Dalai Lama.” 
Hoje, desesperado, o governo de Pequim reverteu à maquinação do Guomintang. É notável que 
apesar do fato de o Tibete possuir grandes universidades monásticas que investigam todos os tipos 
de questões filosóficas, nunca houve uma palavra na língua tibetana para um país que abranja o 
Tibete e a China. 
A política do atual governo chinês com relação ao Tibete baseia­se 
na desconsideração e 
negligência das necessidades e desejos do povo tibetano. O mundo precisa reverter essa atitude 
indicando claramente a Pequim que leva esse assunto a serio. Organizações governamentais e 
não­governamentais 
devem instar com as autoridades chinesas para que libertem o Panchen Lama e 
as pessoas relacionadas com a sua descoberta, para que ele possa ser educado no seu mosteiro e 
viajar livremente. As Nações Unidas devem amparar os esforços do Dalai Lama de negociar um 
acordo concernente à condição do Tibete. 
A cultura tibetana se estende bem além do Tibete, alastrando­se 
a partir das regiões Kaimuck 
da Mongólia perto do rio Volga (na Europa, onde o Volga deságua no mar Cáspio), da Mongólia 
exterior e da interior, da República Buriat da Sibéria, de Bhutan, Sikkim, Ladakh e partes do 
Nepal. Em todas essas áreas, o ritual budista e estudos escolásticos são realizados em tibetano. 
Jovens oriundos dessas vastas regiões vinham estudar no Tibete, especialmente na capital, Lhasa, e 
nas suas cercanias, regressando em gera à sua terra natal após concluir os estudos (até que os 
comunistas tomaram o poder em muitos desses países). Desse modo, a cultura tibetana é crucial 
para uma vasta região da Ásia Central, e o seu desaparecimento tem implicações muito 
importantes. 
Este livro deve nos fazer lembrar os tesouros do Tibete. 
JEFFREY H0PKIN5, Ph D. ­Professor 
de Estudos Tibetanos ­Universidade 
de Virginia. 
26 
27 
CONSELHOSSOBRE A MORTE 
28 
29
1 ­A 
Consciência da morte. 
“A vida dos seres humanos é como o processo de tecedura. Terminamos o trabalho com 
delicados fios tecidos do início ao fim”. 
BUDA 
É fundamental ficar atento à morte, refletir no fato de que não permaneceremos um longo tempo 
nesta vida. Se vocês não estiverem conscientes da morte, deixarão de tirar proveito desta vida 
humana especial que já alcançaram. Ela é significativa porque, baseados nela, efeitos importantes 
podem ser obtidos. 
Não analisamos a morte para sentir medo e sim para apreciar esta vida preciosa durante a qual 
podemos realizar muitas práticas importantes. Em vez de ficarem assustados vocês precisam refletir 
que, quando a morte chegar, perderão esta oportunidade de praticar. Dessa maneira, a 
contemplação da morte inserirá mais energia na sua prática. 
Vocês precisam aceitar a idéia de que a morte tem lugar no decurso natural da vida. Buda disse 
o seguinte: 
“Não existe o lugar intocado pela morte. 
Ele não está contido no espaço, não está contido no oceano. 
Vocês não irão encontrá­lo 
nem mesmo no meio de uma montanha”. 
Se aceitarem que a morte é parte da vida, quando ela efetivamente chegar poderão enfrentá­la 
com mais facilidade. 
30 
A atitude de algumas pessoas que sabem bem no fundo que a morte chegará, mas 
deliberadamente evitam pensar nela, não se encaixa na situação e é contraproducente. Igualmente é 
verdade quando a velhice não é aceita como parte da vida, é considerada indesejável e os 
pensamentos a respeito dela são propositadamente evadidos. Esse comportamento torna a pessoa 
despreparada e as coisas ficam muito difíceis quando a velhice inevitavelmente chega. 
Muitas pessoas são fisicamente idosas, mas fingem ser jovens. Às vezes, quando encontro 
amigos antigos, como certos senadores em países como os Estados Unidos, cumprimento­os 
com a 
saudação: “Meu velho amigo”, querendo dizer que nos conhecemos há muito tempo e não que ele 
esteja fisicamente velho. No entanto, quando enuncio essas palavras, alguns deles me corrigem 
enfaticamente, dizendo: “Não somos velhos! Somos amigos há muito tempo.” De fato, eles são 
efetivamente velhos – têm pelos nas orelhas o que é um indício da velhice – mas não se sentem à 
vontade com a idéia de serem idosos. Isso é uma bobagem. 
Penso geralmente na duração máxima da vida humana como sendo de cem anos, o que é um 
período muito curto, quando comparado ao tempo de vida do planeta. Essa breve existência deve 
ser usada de uma maneira que não cause dor aos outros. Ela deve ser dedicada a atividades 
construtivas e não a um trabalho destrutivo, como fazer mal aos outros ou criar problemas para 
eles. Se adotarmos esse comportamento, o breve período que passamos como turista neste planeta 
será significativo. É tolo da parte de um turista visitar um determinado lugar por um curto período e 
criar mais problemas. No entanto, vocês agem com sabedoria se, como turistas, fazem outras 
pessoas felizes durante a sua curta permanência; e quando vão embora, sentem­se 
felizes. Se 
criarem problemas, mesmo que não tenham dificuldades durante a sua estada, vocês se perguntarão 
qual terá sido o beneficio da sua visita.
Passamos a primeira parte dos cem anos da vida como crianças e a parte final como idosos, 
muitas vezes como um animal que só se alimenta e dorme. No intervalo, talvez haja sessenta ou 
setenta anos que podem ser usados de um modo significativo. 
31 
Buda disse as seguintes palavras: Gastamos a metade da vida dormindo. Passamos dez anos 
na infância. Perdemos vinte anos na velhice. Dos vinte anos restantes, a tristeza, as queixas, 
a dor e a agitação eliminam muito tempo, e centenas de doenças físicas destroem muito mais. 
Para que a vida se torne significativa, é fundamental aceitar a velhice e a morte como parte da 
nossa existência. Sentir que a morte é quase impossível só cria mais ganância e problemas, 
causando até mesmo, às vezes, um mal deliberado aos outros. Quando damos uma boa olhada na 
maneira como personagens supostamente ilustres, como imperadores, monarcas e outros, 
construíam grandes residências e muros, percebemos que bem no fundo da mente deles jazia a idéia 
de que poderiam permanecer para sempre nesta vida. Para muitas pessoas, esse auto­engano 
resulta em mais dor e problemas. 
Até mesmo no caso daqueles que não acreditam em vidas futuras, contemplar a realidade é 
produtivo, útil e científico. Como as pessoas, as mentes e todos os outros fenômenos que têm uma 
causa mudam a cada momento, essa contemplação abre a possibilidade de um posterior 
desenvolvimento positivo. Se as situações não sofressem uma transformação, elas reteriam para 
sempre a natureza do sofrimento. Quando sabemos que as coisas estão sempre se modificando, 
mesmo que estejamos passando por um período difícil, podemos encontrar consolo no 
conhecimento de que a situação não permanecerá como está para sempre. Por conseguinte, não há 
por que sentir frustração. 
A sorte também não é permanente, de modo que não é proveitoso nos apegarmos às coisas 
quando elas estiverem indo bem. A perspectiva de permanência nos destrói: mesmo que vocês 
aceitem a existência de vidas futuras, o presente torna­se 
sua preocupação e o futuro deixa de ser 
importante. Essa atitude arruina uma boa oportunidade quando sua vida é contemplada com o 
tempo disponível e os recursos necessários para que vocês se dediquem a práticas produtivas. Uma 
perspectiva de impermanência é bastante proveitosa. 
32 
A consciência da impermanência exige disciplina — o domínio da mente —, mas não significa 
punição ou controle externo. Disciplina tampouco quer dizer proibição; na verdade, significa que, 
quando existe uma contradição entre os interesses a longo e a curto prazo, sacrificamos a 
gratificação imediata em prol de um beneficio futuro. Isso se chama autodisciplina, que deriva de 
determinar a causa e o efeito do carma. Por exemplo, com o objetivo de fazer meu estômago voltar 
ao normal depois de uma doença recente, estou evitando alimentos ácidos e bebidas geladas que, 
de outra maneira, parecem saborosos e apetitosos. Esse tipo de disciplina significa proteção. 
Analogamente, refletir sobre a morte não requer punição e sim autodisciplina e autoproteção. 
Os seres humanos possuem o potencial completo para criar boas coisas, mas a sua utilização 
plena exige liberdade. O totalitarismo sufoca esse crescimento. De uma forma complementar, 
individualismo não significa que vocês não esperem nada que venha de fora ou que estejam 
esperando ordens; em vez disso, são vocês que criam a iniciativa. Por conseguinte, Buda 
freqüentemente exigia a “libertação individual”, querendo se referir à autolibertação e não àquela 
que tem lugar através de uma organização. Cada pessoa precisa criar o seu futuro positivo. A 
liberdade e o individualismo requerem autodisciplina. Se forem explorados por causa de emoções
perturbadoras, conseqüências negativas terão lugar. A liberdade e a autodisciplina precisam 
trabalhar juntas. 
AMPLIANDO SUA PERSPECTIVA 
A partir de uma perspectiva budista, a mais elevada das metas é alcançar o estado de Buda para 
ser capaz de ajudar um grande número de seres sencientes; no entanto, um nível médio de 
realização pode libertá­lo 
do doloroso ciclo de nascimento, velhice, doença e morte; um nível de 
realização mais baixo, mas mesmo assim valioso, é o aperfeiçoamento das vidas futuras. A partir da 
melhora gradual das suas vidas, vocês podem alcançar a libertação e, apoiados nesse 
aperfeiçoamento, finalmente atingir o Estado de Buda. 
33 
Primeiro, sua perspectiva se expande e passa a incluir vidas futuras; a seguir, quando vocês 
compreendem totalmente sua situação difícil, sua perspectiva se aprofunda e passa a abranger a 
totalidade do ciclo de sofrimento de uma vida para outra, denominado existência cíclica ou samsara. 
Finalmente, essa percepção pode ser expandida para outros, por meio do desejo compassivo de 
que todos os seres sencientes se libertem de sofrimento e das causas desse sofrimento. Essa 
compaixão leva vocês a se elevarem ao estado de Buda. 
Vocês têm que estar preocupados com os aspetactos mais profundos da vida que afetam as 
vidas futuras, antes da percepção da totalidade da natureza do sofrimento e do ciclo da existência. 
Essa percepção do sofrimento, por sua vez, é necessária para o pleno desenvolvimento da 
compaixão. Analogamente, nós, tibetanos, estamos procurando alcançar certo grau de autonomia 
no Tibet para podermos ser úteis às pessoas na nossa terra natal, mas também estamos nos 
esforçando para consolidar nossa posição de refugiados na Índia. A consecução da primeira meta, 
que é o propósito principal, depende da realização do segundo objetivo, que é temporário. 
AS DESVANTAGENS DE NÃO ESTAR ATENTO À MORTE 
É vantajoso ter consciência de que vocês vão morrer. Por quê? Se não estiverem conscientes da 
morte, não ficarão atentos à sua prática e levarão uma vida inexpressiva, sem examinar que tipos de 
atitude e ação perpetuam o sofrimento e quais trazem a felicidade. 
Se não tiverem consciência de que poderão morrer em breve, serão dominados por uma falsa 
sensação de permanência que lhes diz: “Vou morrer um dia, mais tarde”. Então, quando chega a 
hora, mesmo que tentem realizar algo meritório, não terão a energia necessária. Muitos tibetanos 
entram muito jovens para um mosteiro e estudam textos sobre a prática espiritual, mas quando 
chega o momento de realmente praticar carecem da capacidade de efetivamente fazê­lo. 
Isso 
acontece porque eles não entendem realmente o que é a impermanência. 
34 
Se, depois de refletir, vocês chegarem à conclusão de que para praticar é absolutamente 
necessário que se recolham durante vários meses ou até mesmo muitos anos, terão tomado essa 
decisão motivados pelo seu conhecimento da impermanência. No entanto, se essa necessidade não 
for sustentada por meio da repetida contemplação dos conflitos da impermanência, sua prática 
pouco a pouco se extinguirá. É por esse motivo que algumas pessoas fazem retiro durante anos, 
mas não sentem posteriormente que esse período tenha influenciado sua vida. Contemplar a 
impermanência não apenas motiva a prática como também a alimenta.
Se tiverem um forte sentimento da certeza da morte e da incerteza da chegada dela, estarão 
motivados a partir do interior. Será como se um amigo lhes estivesse avisando: “Cuidado, fique 
atento, outro dia está passando.”. 
Vocês poderiam até sair de casa e dedicar­se 
à vida monástica. Se fizessem isso, receberiam 
outro nome e novas roupas. Suas atividades seriam menos movimentadas e vocês precisariam 
mudar de atitude, voltando a atenção para objetivos mais profundos. No entanto, ao sair do 
mosteiro, se continuassem a se envolver com os assuntos superficiais do momento — alimentos 
saborosos, roupas de qualidade, uma casa melhor, conversas agradáveis, muitos amigos e 
conhecidos, tornando­se 
inimigos de uma pessoa que os contrariasse e chegando até a discutir e 
brigar com ela —, estariam talvez em pior situação do que estavam antes de entrar para o mosteiro. 
Lembrem­se 
de que não basta afastar­se 
dessas atividades superficiais por constrangimento ou 
medo do que possam pensar os seus amigos que também estão no caminho; a mudança precisa vir 
de dentro. Esse fato é verdadeiro tanto para os monges quanto para os leigos que se dedicam à 
prática. 
Talvez vocês estejam atormentados por um sentimento de permanência, achando que não vão 
morrer em breve e que enquanto estiverem vivos precisam de alimentos, roupas e conversas da 
mais alta qualidade. 
35 
Devido ao desejo de possuir os maravilhosos objetos do presente, mesmo que eles pouco 
signifiquem a longo prazo, vocês estão prontos a empregar os mais diversos tipos de exageros e 
estratagemas desavergonhados para conseguir o que querem — contratando empréstimos a juros 
elevados, menosprezando os amigos e entrando com ações na justiça —, tudo para obter provisões 
mais do que adequadas. 
Como vocês dedicaram a vida a essas atividades, o dinheiro torna­se 
mais atraente do que o 
estudo, e mesmo que tentem praticar, não prestarão muita atenção ao que estão fazendo. Se uma 
página se soltar de um livro, talvez hesitem em pegá­la, 
mas se algum dinheiro cair no chão, não 
vacilarão em se abaixar. Se encontrarem pessoas que realmente dedicaram a vida a investigações 
mais profundas, talvez admirem essa dedicação, mas isso é tudo, ao passo que se virem alguém 
vestindo trajes finos, exibindo a riqueza que possui, vocês a desejarão, cobiçarão, terão a 
esperança de obtê­la, 
com um apego cada vez maior. Enfim, farão tudo para consegui­la. 
Quando vocês estão decididos a obter as coisas boas desta vida, suas emoções perturbadoras 
se intensificam, o que por sua vez necessariamente acarreta mais ações nocivas. Essas emoções 
contraproducentes só causam problemas, fazendo com que vocês e os que os cercam sintam­se 
pouco à vontade. Mesmo que aprendam momentaneamente a praticar os estágios do caminho para 
a iluminação, vocês adquirem um número cada vez maior de coisas materiais e se envolvem com um 
número crescente de pessoas até o ponto em que vocês, por assim dizer, praticam as 
superficialidades desta vida, cultivam meditativamente o desejo de ter amigos e o ódio pelos 
inimigos, e tentam imaginar maneiras de satisfazer essas emoções perturbadoras. Nesse ponto, 
mesmo que ouçam falar na prática verdadeira e benéfica, terão a tendência de sentir: “É verdade, as 
coisas são assim, mas...” Um “mas” depois do outro. Na verdade, vocês se acostumaram as 
emoções perturbadoras no decorrer da sua existência cíclica imemorial, mas agora acrescentaram a 
prática da superficialidade, o que torna a situação ainda pior, afastando­os 
do que realmente 
poderá ajudá­los. 
36
Impelidos pela cobiça, não encontrarão conforto. Vocês não estão fazendo os outros felizes e 
certamente não estão causando a própria felicidade. À medida que se tornam mais egocêntricos, 
dizendo “meu isso, meu aquilo”, “meu corpo, minha saúde” qualquer pessoa que possa interferir na 
sua vida torna­se 
imediatamente objeto da sua raiva. Embora vocês tratem muito bem “meus 
amigos” e meus parentes, eles não podem ajudá­los 
quando vocês nascem e quando morrem; 
vocês chegam sozinhos à Terra e têm de partir sozinhos. Se no dia de sua morte um amigo pudesse 
acompanhá­los, 
o apego seria proveitoso, mas isso não é possível. Se o seu amigo da vida anterior 
pudesse lhes ser útil de alguma forma quando vocês renascem em uma situação totalmente 
desconhecida, o apego a ele também seria algo a ser considerado, mas essa possibilidade também 
é inexistente. No entanto, no intervalo entre o nascimento e a morte, durante várias décadas, vocês 
dizem “meu amigo” e “meu irmão”. Essa ênfase inadequada não é nem um pouco útil e só serve 
para criar mais confusão, cobiça e ódio. 
Quando os amigos são excessivamente enfatizados, os inimigos também são. Quando vocês 
nascem, não conhecem ninguém e ninguém os conhece. Embora todas as pessoas desejem 
igualmente ser felizes e evitar o sofrimento, vocês gostam do rosto de algumas delas e pensam: 
“Estes são meus amigos”, e não gostam da face de outras e pensam: “Estes são meus inimigos”. 
Associam a elas identidades e apelidos, e acabam gerando o desejo pelas primeiras e o ódio pelas 
últimas. Que valor isso tem? Nenhum. O problema é que uma grande quantidade de energia está 
sendo despendida em preocupações com um nível que não vai além das questões superficiais desta 
vida. O profundo perde para o trivial. 
Se não tiverem praticado e no dia de sua morte se virem cercados por amigos chorosos e outras 
pessoas envolvidas nos seus assuntos, em vez de ter perto de si alguém que os faça lembrar da 
prática virtuosa, surgirão problemas que vocês mesmos terão causado. Onde está o erro? No fato 
de vocês não estarem conscientes da impermanência. 
37 
AS VANTAGENS DE ESTAR CONSCIENTE DA IMPERMANÊNCIA 
No entanto, se vocês não esperarem até a última hora para assimilar o conhecimento de que vão 
morrer e avaliarem realisticamente a sua situação agora, não se deixarão dominar por propósitos 
superficiais e temporários. Não descuidarão do que importa a longo prazo. É melhor determinar 
desde o início que vocês vão morrer e investigar o que vale a pena. Se tiverem em mente a rapidez 
com que a vida desaparece, darão valor ao seu tempo e farão o que é importante. Ao ter um forte 
sentimento da iminência da morte, sentirão a necessidade de se envolver na prática espiritual, de 
aperfeiçoar a mente, e não desperdiçarão o tempo com distrações como comer, beber, conversar 
extensamente sobre a guerra, ler romances e fazer fofoca. 
Todos os seres desejam a felicidade e não querem o sofrimento. Utilizamos muitos níveis de 
técnicas para remover o sofrimento indesejável nas suas formas superficiais e profundas, mas são 
principalmente os seres humanos que se dedicam a técnicas na primeira parte da vida para evitar 
um sofrimento posterior. Tanto os que praticam quanto os que não praticam a religião procuram, no 
decorrer da vida, reduzir alguns tipos de sofrimento e eliminar outros, às vezes até aceitando a dor 
como uma maneira de superar um sofrimento maior e alcançar certo grau de felicidade. 
Todo mundo tenta remover a dor superficial, mas existe outra classe de técnicas que diz respeito 
a eliminar o sofrimento em um nível mais profundo e que visa, na pior das hipóteses, diminuir o 
sofrimento nas vidas futuras e, além disso, eliminar todas as formas de sofrimento não apenas para a 
própria pessoa, como também para todos os seres. A prática espiritual é desse tipo mais profundo. 
Essas técnicas envolvem um ajuste de atitude; desse modo, a prática espiritual significa 
basicamente acomodar bem o pensamento. Em sânscrito, isso se chama dharma, que quer dizer
“aquilo que afasta”. Significa que, ao ajustarmos atitudes contraproducentes, somos libertados de 
um nível de sofrimento e, portanto, mantidos afastados desse sofrimento particular. A prática 
espiritual protege, ou afasta, a nós e às outras pessoas da dor e da aflição. 
38 
Primeiro vocês compreendem sua situação na existência cíclica e buscam manter­se 
afastados 
do sofrimento; posteriormente, estendem essa realização a outros seres e desenvolvem a 
compaixão, o que significa que vocês se dedicam a manter outros seres afastados do sofrimento. 
Faz sentido que, individualmente, escolham tomar conta de muitos, mas também serão mais felizes 
ao se concentrarem no bem­estar 
dos outros. A compaixão diminui o medo da dor pessoal e 
aumenta a força interior. Ela confere uma sensação de poder, de sermos capazes de concluir nossas 
tarefas. Ela empresta coragem. 
Vou dar um pequeno exemplo. Recentemente, quando eu estava em Bodh Gaya, contraí uma 
infecção intestinal crônica. A caminho do hospital, a dor do meu abdômen era muito intensa e eu 
estava suando muito. O carro estava passando pela área do pico do Abutre (Buda pregou nesse 
local), onde os habitantes são extremamente pobres. O estado de Bihar é uma região carente, mas 
essa área particular o é ainda mais. Nem mesmo vi crianças indo ou voltando da escola. Só avistei a 
pobreza. E a doença. Lembro­me 
claramente de um menino com poliomielite, que usava nas pernas 
um aparelho enferrujado e muletas de metal nas quais ele apoiava as axilas. Era óbvio que não havia 
ninguém para tomar conta dele. Fiquei muito comovido. Mais adiante, em um ponto de chá, um 
velho que vestia apenas uma peça suja de roupa estava caído no chão sem que ninguém se 
importasse com ele. 
Mais tarde, no hospital, meus pensamentos não paravam de girar em torno do que eu vira e 
fiquei refletindo em como era triste eu ter quem cuidasse de mim enquanto aquelas pobres pessoas 
não tinham ninguém que olhasse por elas. Fiquei pensando nessas coisas em vez de me concentrar 
no meu sofrimento. Embora o suor brotasse do meu corpo, minha preocupação estava em outro 
lugar. 
39 
Desse modo, apesar de o meu corpo estar sentindo uma imensa dor (um buraco tinha se aberto 
na minha parede intestinal) que me impedia de dormir, a minha mente não estava sofrendo nem 
medo nem desconforto. A situação só teria piorado se eu tivesse me concentrado nos meus 
problemas. Este é um exemplo extraído da minha exígua experiência de como uma atitude de 
compaixão pode ajudar até a própria pessoa, eliminando um pouco da dor física e mantendo 
afastado o sofrimento mental, apesar do fato de que outras pessoas talvez não estejam sendo 
diretamente ajudadas. 
A compaixão fortalece sua perspectiva e com essa coragem vocês ficam mais relaxados. 
Quando seu ponto de vista inclui o sofrimento de um número ilimitado de seres, seu sofrimento 
parece pequeno comparado com o deles. 
40 
2 ­Libertando­se 
do Medo 
“Sua vida subsiste entre as causas da morte como uma lâmpada que se ergue em uma 
forte brisa”. 
— PRECIOUS GARLAND (grinalda preciosa) de NAGARJUNA
O Primeiro Panchen Lama escreveu um poema de 17 estrofes que muitos tibetanos usam para 
concentrar suas reflexões diárias sobre a morte. O titulo do poema é: Wishes for Release from the 
Perilous Straits of the Intermediate State, Hero Releasing from Fright (Desejos para 
libertar­se 
das situações difíceis e perigosas do estado intermediário, o herói livrando­se 
do medo). 
A fim de ficar livre das situações amedrontadoras, como ser atacado por ladrões, bandidos e 
ammais selvagens, vocês precisam ser salvos por um guia heroico e capaz. Analogamente, para 
libertar­se 
do horror das aparições ilusórias no processo da morte e durante o estado intermediário 
entre as vidas, precisam praticar o conselho oferecido nesse poema, que fornece técnicas profundas 
para que vocês se livrem desses temores. Ao refletir sobre o poema, vocês aprendem como a 
morte ocorre, e esse conhecimento lhes será útil quando o verdadeiro processo acontecer. A hora 
da morte é uma ocasião em que os níveis mais profundos da mente se manifestam; a reflexão diária 
também abre a porta para esses estados. 
O poema contém uma série de desejos que podem ser usados por qualquer um de nós para que 
a mente reaja de um modo virtuoso quando a morte chegar Algumas pessoas procuram gerar uma 
poderosa motivação virtuosa na hora da morte, para fortalecer e ativar predisposições virtuosas, o 
que as conduz a um renascimento favorável. A meta delas é realizar uma transmigração para a vida 
seguinte a fim de dar seguimento à prática religiosa. Outras, como veremos, procuram utilizar os 
níveis mentais mais profundos que se manifestam quando a pessoa está morrendo, para alcançar 
estados espirituais mais avançados. 
41 
Todos os praticantes visam ser úteis aos outros. 
O poema do Primeiro Panchen Lama descreve três níveis de prática espiritual — para as 
pessoas altamente treinadas, para as de padrão médio e para as pouco experientes —, sob a forma 
de desejar permanecer consciente durante o processo da morte, o estado entre as vidas e o 
renascimento. Ele descreve detalhadamente o que se deve fazer em cada estágio. 
Vocês precisam adotar um nível apropriado de prática no restante da vida para que, na hora da 
morte, possam vencer com sucesso cada estágio. 
Quando a morte efetivamente chegar, se vocês não estiverem acostumados a essa prática, será 
muito difícil realizar com êxito qualquer reflexão proveitosa. Por conseguinte, agora e o momento de 
praticar e preparar­se 
enquanto ainda estão felizes e as circunstâncias de sua vida são favoráveis. 
Se fizerem isso, na ocasião de verdadeira necessidade e pressão, não haverá preocupações. Se não 
se prepararem quando tiverem tempo para ouvir, pensar, meditar e fazer perguntas, não terão 
tempo no último dia e se verão sem um protetor ou refúgio, restando­lhes 
apenas o arrependimento. 
É melhor que muito antes desse momento comecem a se dedicar à prática contínua da reflexão 
sobre o processo da morte e do estado intermediário entre as vidas, imaginando as etapas para que 
elas se tornem familiares. Essa atitude é muito importante, porque assim vocês poderão alcançar o 
sucesso compatível com sua maior capacidade. 
Não basta apenas conhecer o processo da morte e as praticas ligadas a ele; é preciso 
familiarizar­se 
mais com eles ao longo dos meses e dos anos. Se agora, quando seus sentidos ainda 
estão claros e a consciência não degenerou, sua mente não se tornar proveitosa para o caminho da 
virtude e não se acostumar com ele, ela terá dificuldade, na hora da morte, em avançar por vontade 
própria em uma trajetória desconhecida. Na ocasião da morte, vocês podem estar fisicamente 
fracos por causa da doença e mentalmente deprimidos devido a um medo terrível. 
42
Portanto, é fundamental que adquiram intimidade com as práticas relacionadas com o processo 
da morte. Não há nenhum substituto para isso. Não há nenhuma pílula que vocês possam tomar. 
O esforço necessário para assimilar essas práticas depende da motivação interior decorrente da 
convicção de que as experiências de prazer e de dor correspondem, diretamente, às suas ações 
virtuosas e não virtuosas. Assim sendo, no início é importante aperfeiçoar a idéia das ações de 
causa e efeito, ou carma, com base no conhecimento de que as boas ações derivam da mente 
domada e as más ações, da mente indomada. Embora ações virtuosas e não virtuosas sejam 
praticadas pelo corpo, pela palavra e pela mente, esta última é a mais importante, de modo que a 
base do budismo é a transformação da mente. A ênfase do ensinamento budista é na mente 
domada, cujo alicerce é a percepção de que vocês são os criadores do seu prazer e da sua dor 
Buda disse as seguintes palavras: 
“Os budas não lavam as más ações com água. Não removem com as mãos o sofrimento 
dos seres que transmigram. Nem transferem suas realizações para outros. Os seres são 
libertados através dos ensinamentos da verdade, da natureza das coisas”. 
Vocês são os seus próprios protetores; o conforto e o desconforto estão em suas mãos. 
O STATUS DA LINHAGEM DOS PANCHEN LAMAS 
O Primeiro Panchen Lama, cujo nome era Losang Chokyi Gyeltsen, foi um dos mentores do 
Quinto Dalai Lama no século XVII. Antes dessa época, embora ele fosse um monge comum, as 
pessoas do local e seu próprio mestre o consideravam uma encarnação de um grande ioga tibetano, 
Ensaba. Ele talvez não tenha sido um grande erudito, mas era um praticante magnífico. Como o seu 
mestre Sangyay Yeshay, ele nutria um respeito genuíno pelas outras linhagens da prática budista. 
43 
Nas obras completas do seu mestre, encontramos um vocabulário religioso de outras tradições e 
essa abertura pode ter influenciado a prática de Panchen Losang Chokyi Cyeltsen. Ele sem dúvida 
contribuiu muito para o respeito mútuo e a harmonia entre as escolas tibetanas do budismo. 
O Panchen Lama anterior, Lobsang Trinley Lhundrup Choekyi Gyeltsen, o décimo na linha de 
reencarnações, morreu em 1989. Ele e eu nascemos em uma província situada na região nordeste 
do Tibet chamada Amdo. Houve uma pequena controvérsia quando ele foi escolhido como a 
reencarnação do seu predecessor. Os funcionários do seu mosteiro em Shigatse, situado na região 
ocidental do Tibet, estavam na província de Amdo em uma área sob a influência de um líder militar 
muçulmano. Eles chegaram à conclusão de que Lobsang Trinlev Lhundrup Choekyi Gyeltsen era a 
verdadeira reencarnação do Nono Panchen Lama. No Acordo de Dezessete Pontos que o governo 
chinês promoveu como uma maneira de estabelecer um relacionamento com o Tibet, os chineses 
indicaram, ou talvez tenham insistido, que o governo tibetano reconhecesse um menino que já 
estava nas mãos deles, como o Décimo Panchen Lama. Desse modo, seu reconhecimento foi um 
pouco controverso, mas ele demonstrou ser corajoso e um grande herói, a serviço do budismo e do 
povo tibetano. Não há dúvida quanto à sua autenticidade. 
Quando o conheci, por volta de 1952, ele era muito inocente, sincero e inteligente. Em 1954, no 
ano em que ambos fomos à China, ele veio do Tibet ocidental para unir­se 
a mim em Lhasa, a 
capital, por alguns dias. A seguir, foi para a China através da província Amdo e eu fui através de 
Kongpo. Talvez devido ao descontentamento de alguns dos seus funcionários, a sua atitude mudou 
um pouco. 
44
Em 1956, quando ambos estávamos na Índia durante a celebração do aniversário de 2.500 anos 
do Buda, as indicações dessa mudança ainda eram pequenas. No entanto, como eventos muito 
tristes — batalhas com tropas chinesas — tiveram lugar em 1957 e 1958 nas duas províncias 
orientais, Amdo e Kham, informações sobre as atrocidades cometidas pelo exército chinês 
finalmente o alcançaram. Ele então compreendeu plenamente, talvez tarde demais, que todo o Tibet 
deveria se unir para enfrentar essa nova ameaça. No meu exame escolástico final, ele enviou um 
funcionário monástico de sua confiança, que me explicou que o modo de pensar do Panchen Lama 
tinha mudado bastante devido às recentes notícias recebidas da região onde ele nascem. Sob essa 
nova ameaça, ele tomara a firme decisão de que seu mosteiro em Shigatse iria trabalhar em 
conjunto com o governo tibetano. 
Depois que fugi para a Índia em 1959, o Panchen Lama me substituiu como o líder dentro do 
Tibet e, durante vários anos, teve um comportamento maravilhoso. Finalmente, foi colocado em 
prisão domiciliar e feito prisioneiro. Depois que foi libertado, usou sabiamente a oportunidade, 
esforçando­se 
ao máximo para melhorar a situação da religião budista e da cultura tibetana. 
Quando uso a palavra “sabiamente” quero dizer que ele não abordou questões sensíveis como a 
independência do Tibet, empregando toda a sua energia na preservação do budismo e da cultura 
tibetana. Houve até mesmo ocasiões em que ele repreendeu publicamente os tibetanos que só 
usavam roupas no estilo chinês e só falavam chinês. Esses tibetanos foram pressionados a usar 
trajes tibetanos e a expressarem­se 
no idioma tibetano. Ele demonstrou sua sinceridade por meio 
dessas ações. 
Sua morte foi muito repentina e prematura, e me entristeceu muito. Quando ele estava vivo, 
havia um líder tibetano que falava no país em nome do povo, enquanto no exterior eu procurava ser 
útil no maior número de maneiras possíveis. Agora que se foi, não há mais ninguém no Tibet capaz 
de fazer o que ele fazia. As pessoas estão velhas demais ou excessivamente assustadas. Sua morte 
foi uma grande perda. 
45 
Assim que ele faleceu, mandei uma mensagem para o governo chinês dizendo que gostaria de 
enviar uma delegação espiritual para fazer algumas oferendas no mosteiro do Panchen Lama, mas 
meu pedido foi rejeitado. Alguns anos depois, pedi ao governo chinês que permitisse que uma 
delegação espiritual partisse em busca da reencarnação do Panchen Lama, mas uma vez mais 
negaram minha solicitação. 
Obviamente, o ponto importante era que a reencarnação do Panchen Lama fosse autêntica. 
Naquela época, alguns tibetanos insistiram em que a reencarnação do Panchen Lama teria de ser 
procurada fora do Tibet ocupado, mas fui de opinião que o motivo deles era político. O que 
realmente importava era encontrar a reencarnação genuína, quer dentro, quer fora do Tibet. Se a 
reencarnação do Panchen Lama estivesse no Tibet, eu sabia que seria necessário discutir o assunto 
com o governo chinês, de modo que pedi para enviar uma delegação espiritual a fim de procurar 
essa reencarnação. 
O pedido foi recusado, mas nesse ínterim, através de um canal informal privado, mantive contato 
com um Lama, Chadrel Rinpochay, que me enviou uma relação de 25 candidatos e várias 
fotografias. Assim que vi a foto de Gedhun Choekvi Nyima, tive uma sensação de afinidade e de 
intimidade. Fiz algumas adivinhações, que foram muito positivas para ele. Finalmente, realizei uma 
adivinhação fazendo girar uma tigela com bolas de massa contendo o nome dos candidatos finais 
em tiras de papel enroladas dentro delas. Foi como se a bola com o nome dele tivesse voado para 
fora da tigela. Esses passos me conferiram a certeza de que ele é a reencarnação do Décimo 
Panchen Lama.
No entanto, não fiz a proclamação. À medida que o tempo ia passando, um número cada vez 
maior de tibetanos, especialmente os que moravam no Tibet, insistiam em que eu tomasse a 
decisão. Continuei a tentar comunicar­me 
com o governo chinês, mas não tive êxito. Finalmente 
achei que seria apropriado fazer a proclamação na data em que Buda ministrou pela primeira vez 
ensinamentos sobre Kalachakra, ou a Roda do Tempo, com a qual o Panchen Lama tem uma 
conexão especial. Fiz outra adivinhação através das bolas de massa para verificar se deveria ou não 
fazer a proclamação e obtive uma resposta positiva. 
46 
Anunciei então o nome do novo Panchen Lama e, no dia seguinte, fui seriamente censurado pelo 
nosso amo e senhor, o governo chinês. Mas realmente assustador foi o fato de que poucos dias 
depois, o jovem Lama reencarnado e seus pais foram retirados do seu lugar de origem, levados 
para Lhasa e depois para a China, e a partir de então nunca mais se teve noticias dele. O ocorrido 
me deixou muito triste, porque a criança teve de sofrer os efeitos das minhas atividades, 
consideradas ilegais pelo governo chinês. 
Os chineses acreditam que devem ter a palavra final. Isso de fato aconteceu algumas vezes na 
história tibetana, quando houve uma divergência interna entre grupos na comunidade tibetana, sobre 
uma escolha restrita de candidatos. Eles se voltaram para o imperador da China, que era ao mesmo 
tempo budista e patrono do budismo tibetano, para que ele tomasse a decisão final diante de uma 
imagem do Buda Shakyamuni usando um recipiente dourado, do qual era retirada uma vareta onde 
estava gravado um nome. Esses foram casos em que os tibetanos eliminaram a discussão 
eclesiástica de uma maneira religiosa. 
Meu predecessor, o Décimo Terceiro Dalai Lama, foi escolhido por unanimidade pelo governo 
tibetano após os procedimentos internos habituais sem nenhuma consulta externa Quando lhe 
pediram que opinasse sobre o Nono Panchen Lama, ele declarou sua escolha entre os candidatos, 
mas era jovem demais para que sua autoridade fosse completa. Como os tibetanos se inclinam para 
o caminho mais fácil, eles se voltaram para a consulta externa do recipiente dourado, que foi 
realizada pelo embaixador da China. Ainda assim, o nome que o Décimo Terceiro Dalai Lama 
fortemente recomendara foi o extraído do recipiente dourado. 
Como os tibetanos confiavam no imperador chinês, é natural que envolvessem o seu patrono e 
defensor em certas atividades religiosas importantes. Esse tipo de situação modificou­se 
completamente hoje em dia com o governo chinês atual, cujo interesse primordial é o controle. Para 
fazer sua escolha pessoal do atual Panchen Lama, os chineses fizeram uma adivinhação com o 
recipiente dourado, mas ela foi predeterminada; ele e os seus pais já aguardavam no templo a 
proclamação. 
47 
O governo chinês colocou então em prisão domiciliar o monge que, atuando como o líder do 
budismo tibetano, “escolheu” a vareta. Trata­se 
certamente de um governo totalitário. 
Não obstante, em duas ou três ocasiões assisti a vídeos do Panchen Lama oficial do governo 
chinês, Cyaltsen Norbu, e ele parece competente. Em um dos vídeos, ele estava transmitindo um 
ensinamento relacionado com um ritual de longa vida. Ele sabia de cor a cerimônia e explicou muito 
bem o significado do ritual. 
SINOPSE DO POEMA
O poema de 17 estrofes do Primeiro Panchen Lama é um guia para técnicas budistas 
específicas, destinadas a fazer com que a pessoa supere o medo da morte e possivelmente utilize os 
estágios da morte para o progresso espiritual. Espeto que essa descrição das experiências 
psicológicas interiores e das mudanças físicas proporcione uma reflexão produtiva para os que se 
interessam pela morte e pelos níveis mais profundos da mente e também que sirva como fonte de 
informações para cientistas que têm interesse em trabalhar com budistas eruditos e iogues sobre 
assuntos relacionados com a morte. Embora as pessoas ligadas às ciências tenham em geral 
encarado a mente como um produto do corpo, alguns especialistas estão começando a pensar nela 
como uma entidade mais independente, capaz de afetar o corpo. É evidente que emoções fortes, 
como o ódio, podem afetar o corpo, mas estão sendo realizadas experiências relacionadas com 
práticas específicas nas quais a mente é deliberadamente treinada, como o desenvolvimento da fé, 
da compaixão, da concentração unidirecional, da reflexão sobre o vazio ou meditações especiais da 
tradição Nyingma do budismo tibetano. Essas experiências demonstram que o treinamento mental 
pode ter uma função autônoma, influenciando o corpo e até mesmo dessensibiizando­o. 
Creio que 
uma consulta a enfermeiros, especialmente nas clínicas para pacientes com doenças terminais, sobre 
os sinais iminentes da morte também seria proveitosa. 
48 
As primeiras sete estrofes do poema do Panchen Lama explicam como abordar a morte. Após 
uma estrofe inicial que fala sobre buscar refúgio em Buda, na sua doutrina e na comunidade 
espiritual (detalhados neste capítulo), as duas estrofes seguintes (Capítulo 3) tratam da importância 
de dar valor à vida atual e considerá­la 
uma oportunidade para a prática espiritual. Elas descrevem 
como usar essa preciosa situação refletindo sobre a impermanência do presente a fim de debilitar 
nosso apego excessivo às experiências transitórias. A quarta e a quinta estrofes (Capitulo 4) 
mencionam a adoção de uma perspectiva capaz de lidar tanto com o intenso sofrimento que pode 
acompanhar os momentos que cercam a morte quanto com as ilusões que aparecem quando 
estamos morrendo. A sétima e a oitava estrofes (Capitulo 5) estipulam como alcançar as condições 
mais favoráveis para a morte lembrando o que praticar e permanecendo alegre. 
As três estrofes seguintes (Capitulo 6) descrevem detalhadamente as aparições que ocorrem 
durante as quatro primeiras fases do processo da morte e como meditar no decorrer delas. Essa 
seção vale­se 
do nosso conhecimento sobre o colapso dos elementos que sustentam a consciência 
e as experiências correspondentes. Essas abrem gradualmente o caminho para que três mentes 
sutis, mais profundas, se manifestem como é descrito na estrofe seguinte (Capítulo 7). Esse capitulo 
expõe a estrutura da mente e do corpo segundo o tantra ioga superior. A décima segunda e a 
décima terceira estrofes (Capítulo 8) abordam a experiência culminante da mente inata fundamental 
de clara luz. Esse nível mais profundo da mente é a base de toda a vida consciente. 
As quatro últimas estrofes (Capítulos 9 e 10) descrevem o estado intermediário (após a morte e 
antes da vida seguinte) e mostram como reagir aos eventos com freqüência horríveis que podem 
ocorrer durante esse estado. Elas detalham como vários níveis de praticantes podem procurar 
direcionar seu renascimento seguinte. 
49 
Em conjunto, essas 17 estrofes apresentam a amplitude total da preparação para a morte na 
qual eliminamos as condições desfavoráveis, obtemos condições favoráveis, aprendemos a nos 
engajar na prática espiritual durante o processo da morte, tornamo­nos 
aptos a lidar com o estado 
intermediário entre as vidas e influenciar o renascimento subseqüente.
O Início do Poema: A Obediência a Manjushri 
Antes de o poema começar, O Primeiro Panchen Lama expressa devoção e obediência à 
Manjushri, a manifestação física da sabedoria de todos os Budas. O autor considera Manjushri 
indiferençável do seu Lama, ou mestre. A razão pela qual ele oferece obediência à Manjushri é a 
seguinte. 
A base de uma boa morte e de um estado intermediário satisfatório entre as vidas, e até mesmo 
da obtenção do estado de Buda em uma progressão de vidas, é a prática bem sucedida da clara luz 
da morte. Existem duas classes de prática: a da compaixão e a da sabedoria. A prática da clara luz 
durante a morte está incluída na prática da sabedoria; por conseguinte, está contida nos estágios do 
ensinamento da visão profunda da compatibilidade da aparição com o vazio da existência inerente, 
cuja transmissão deriva do nosso amável mestre Buda Shakyamuni através de Manjushri. (Os 
estágios dos ensinamentos sobre vastas motivações e ações compassivas foram analogamente 
transmitidos pelo Buda Shakyamuni, porém através de Maitreya e Avalokiteshvara.) Desse modo, 
como a prática bem­sucedida 
da morte e do estado intermediário entre as vidas diz respeito 
principalmente ao fator da sabedoria, o Primeiro Panchen Lama expressa devoção a Manjushri. 
Obediência ao Guru Manjushri. 
Após prestar obediência à manifestação da sabedoria, ele inicia o poema propriamente dito. 
50 
Primeira Estrofe 
Eu e todos os seres através do espaço, sem exceção, 
Buscamos refúgio até a suprema iluminação 
Nos Budas do passado, do presente e do futuro, na doutrina e na comunidade espiritual. 
Que sejamos libertados dos temores desta vida, do estado intermediário e do seguinte. 
Com uma atitude de auto­ajuda, 
os budistas buscam refúgio no Buda como mestre, na doutrina 
de Buda (estados de realização e ensinamentos sobre eles) como um refúgio efetivo e na 
comunidade espiritual como guia para esse refúgio. Eles desenvolvem a convicção de que a 
interiorização da doutrina pode oferecer proteção contra o sofrimento. Eles consideram essas Três 
jóias (Buda, sua doutrina e a comunidade espiritual) como o refúgio final. 
Buscar refugio apenas para aliviar o próprio sofrimento e libertar­se 
da existência cíclica não 
satisfaz às qualificações do refugio altruísta. Sua perspectiva não seria ampla. Sua atitude ao buscar 
refúgio deve estar voltada para o beneficio de todos os seres sencientes, deve almejar que eles se 
libertem do sofrimento e alcancem o estado de Buda. Vocês devem buscar a onisciência do estado 
de Buda, a fim de satisfazer o objetivo primordial: ajudar os outros. 
Vocês devem pensar em todos os seres sencientes por todo o espaço e procurar alcançar a 
suprema iluminação, que supera a dos praticantes de concentração mais estreita porque envolve a 
eliminação das obstruções, tendo em vista não apenas libertar­se 
da existência cíclica como 
também atingir a onisciência. Essa iluminação superior, ou supremo nirvana, está além dos extremos 
das tendências, quer na direção de ser apanhado na existência cíclica do ciclo repetitivo do 
nascimento, velhice, doença e morte (denominado samsara), quer na direção da paz inativa, um 
estado no qual a pessoa se liberta do ciclo de sofrimento sem possuir a capacidade plena de ajudar 
os outros.
51 
O Primeiro Panchen Lama aconselha a seus leitores que busquem refúgio no Buda, na sua 
doutrina e na comunidade espiritual a fim de alcançar a mais elevada iluminação em beneficio de 
outros seres sencientes. Esse refúgio chama­se 
causal; vocês estão se refugiando nas Três Jóias que 
estão inculcadas nas seqüências mentais dos outros, colocando sua confiança especialmente na 
cessação do sofrimento e nos estados espirituais que eles efetivaram, para superar o sofrimento. 
Suplicar àqueles que possuem as Três Jóias evoca a compaixão deles, não por gerá­la 
neles e sim 
porque vocês se abrem a esse sentimento. 
Ao tomar o refúgio causal, vocês estão praticando as doutrinas ensinadas pelo Mestre Buda 
tendo como modelo a comunidade espiritual de elevada realização; estão efetivando caminhos 
espirituais e muitos níveis da cessação do sofrimento. Desse modo, se tornam membros da 
comunidade espiritual de elevada realização e removem pouco a pouco todas as obstruções que os 
impedem de libertarem­se 
da existência cíclica, bem como os obstáculos à onisciência, tornando­se 
então um Buda. Vocês se libertam de todos os temores e alcançam a onisciência, de modo que 
conhecem a disposição das outras pessoas e sabem que técnicas irão ajudá­las. 
No interesse de 
alcançar esse refúgio extremamente produtivo, essa estrofe suplica às três fontes causais de refúgio 
que invoquem a compaixão delas. 
Como o refúgio é o início da prática budista, o primeiro desejo do texto do Primeiro Panchen 
Lama está relacionado com ele. Sem o refúgio, é difícil que outras práticas sejam bem sucedidas. 
No entanto, uma atitude de total confiança nas Três Jóias não é suficiente. Buda disse o seguinte: 
“Ensino a vocês o caminho da libertação. Saibam que a libertação depende de vocês. Ele não 
oferece a realização como um presente; vocês precisam praticar a moralidade, a meditação 
concentrada e a sabedoria". 
Considerem, por exemplo, a recitação do mantra om mani padme hum, que é praticada com a 
intenção de invocar dentro de vocês a compaixão por todos os tipos de seres sencientes. Ao 
encerrar uma sessão de repetição — 21, 108 ou mais vezes —, o valor da prática é dedicado 
através da recitação de uma oração relacionada com Avalokiteshvara, pois ele é a manifestação 
física da compaixão de todos os Budas. 
52 
Através das virtudes desta prática, 
Que eu possa rapidamente atingir um estado 
Idêntico ao de Avalokiteshvara 
Para ajudar todos os seres sencientes a alcançar o mesmo estado. 
Não existe a menor possibilidade de vocês atingirem o estado de Buda através da mera 
recitação de om mani padme hum, mas, se sua prática for associada ao verdadeiro altruísmo, ela 
pode funcionar como uma causa para a obtenção do estado de Buda. Analogamente, o fato de 
vocês tocarem, verem ou ouvirem um guru qualificado pode exercer um impacto positivo capaz de 
favorecer o desenvolvimento de uma experiência espiritual mais profunda. Quando meu mentor 
mais antigo, Ling Rinpochay, e eu tocávamos a testa um do outro no início de um encontro mais 
formal ou, em outras ocasiões, quando eu pegava a mão dele e a levava até a minha testa, o gesto 
me conferia emocionalmente um forte sentimento de intimidade, relacionado com uma fé e uma 
confiança mais intensas. Na época de Buda, quando alguém que realmente o respeitava e amava 
tocava o pé dele, esse contato certamente produzia algum beneficio. No entanto, se uma pessoa 
que não tinha nem fé nem respeito por Buda agarrasse a perna dele e pressionasse a cabeça contra
ela, provavelmente nenhuma bênção seria gerada. Embora algo seja exigido da parte do guru, muito 
mais é requerido do discípulo. 
Quando pediam a um maravilhoso Lama da província Amdo no Tibet que concedesse uma 
bênção colocando a mão sobre a cabeça do praticante, ele dizia o seguinte: “Não sou um Lama 
capaz de conferir a libertação pondo uma das mãos, que possui a mesma natureza do sofrimento, 
sobre a cabeça de uma pessoa”. 
RESUMO DOS CONSELHOS 
1 ­A 
motivação da prática deve ser o beneficio de todos os seres vivos ­a 
vontade de que eles 
se libertem do sofrimento e alcancem a perfeição. Ajustem sempre sua motivação para querer 
ajudar o mais possível os outros. Tentem, pelo menos, não fazer mal a eles. 
53 
2 ­Os 
Budas são mestres do caminho espiritual; não oferecem a realização como um presente. 
Vocês precisam praticar todos os dias a moralidade, a meditação concentrada e a sabedoria. 
54 
3 ­Preparando­se 
para Morrer 
“Sem saber que preciso deixar tudo para trás e partir, pratiquei várias ações nocivas em 
atenção a amigos e Inimigos”. ­BUDA 
Segunda Estrofe: 
Que possamos extrair a essência significativa da sustentação desta vida 
Sem sermos distraídos pelas questões insensatas da vida, 
Pois esta boa base, difícil de obter e fácil de se desintegrar, 
Apresenta a oportunidade de escolha entre o lucro e a perda, o conforto e a miséria. 
A consumação da prática bem­sucedida 
requer condições internas e externas favoráveis, as 
quais vocês já têm. Por exemplo, na condição de seres humanos, temos um corpo e uma mente que 
nos permitem entender os ensinamentos. Assim sendo, satisfazemos as condições internas mais 
importantes. Externamente, é preciso que as práticas sejam transmitidas e se tenha liberdade para 
praticar. Na presença dessas circunstâncias, se vocês se esforçarem, o sucesso está garantido. No 
entanto, se não se empenharem, o desperdício será enorme. É necessário que valorizem essas 
condições, pois quando elas não estão presentes, vocês nem mesmo têm uma oportunidade. Vocês 
devem dar valor às possibilidades atuais. 
55 
Como vocês obtiveram tanto um corpo humano quanto as condições externas corretas, por 
meio do desejo de praticar, podem fazer sua vida valer a pena. Vocês precisam fazer isso. É 
chegada a hora de fazê­lo. 
Se usarem essa oportunidade para trabalhar em causas construtivas, 
poderão realizar feitos muito poderosos; se forem motivados pelos três venenos da cobiça, do ódio 
e da ignorância, vocês podem igualmente praticar, de várias maneiras, ações nocivas e muito 
poderosas.
É muito difícil para outros seres, como os animais, que não possuem nossa excelente base 
humana, alcançar virtudes por meio do poder individual. Temos conhecimento de raros casos em 
que fizeram coisas virtuosas na presença de condições externas adequadas, mas eles têm 
dificuldade em pensar. Quando os animais agem com cupidez ou ódio, eles o fazem de uma forma 
temporária ou superficial; são incapazes de praticar ações nocivas físicas ou verbais muito 
poderosas ou em grande quantidade. No entanto, os seres humanos podem pensar a partir de 
numerosos pontos de vista. Como a nossa inteligência é mais eficaz, podemos atingir o bem e o mal 
em grande escala. 
Esse dom humano, quando usado para o bem, pode ser muito eficaz. Se vocês forem 
cuidadosos e procurarem praticar boas ações, os objetivos desta vida e os das vidas futuras 
poderão ser alcançados. Se não tomarem cuidado, as suas más ações poderão gerar um tremendo 
sofrimento. É por esse motivo que, embora muitos tipos de seres tenham evoluído neste planeta 
desde a sua formação, foram os humanos que realizaram os maiores progressos, mas também 
foram eles que aprenderam a produzir mais medo, sofrimento e outros problemas, ameaçando 
inclusive destruir o planeta. Tanto o melhor quanto o pior estão sendo feitos por seres humanos. 
Como vocês possuem os dotes físicos necessários para alcançar os benefícios e a perda, o 
conforto e a miséria, precisam saber como usá­los 
de um modo infalível. 
Se soubessem que teriam o dom dessa escolha no decorrer de uma longa seqüência de vidas, 
talvez fosse aceitável não usá­lo 
sabiamente nesta vida. No entanto, este não é o caso. A 
mutabilidade de qualquer fenômeno é um indício de que ele depende de causas, de modo que a 
instabilidade do nosso corpo é um sinal de que ele também depende de causas. Elementos do seu 
pai e da sua mãe estão envolvidos como causas e condições do seu corpo, mas para que o óvulo 
da sua mãe e o espermatozóide do seu pai se unam, ainda outras causas se fazem necessárias. 
56 
Estas dependem, por exemplo, do óvulo e do espermatozóide dos pais dos seus pais e assim 
por diante, recuando ao óvulo e ao espermatozóide de alguns seres sencientes após a formação do 
mundo. Ainda assim, se a criação deste corpo humano dependesse apenas do óvulo e do 
espermatozóide, como eles não estavam presentes na época da formação deste sistema de mundo 
e como não surgiram desprovidos de uma causa (considerando­se 
a conseqüência de que teriam 
então que aparecer em todos os lugares o tempo todo ou nunca), isso significa que também existem 
outros fatores, ou seja, o carma. 
Cada sistema de mundo possui eras de formação, continuação, desintegração e, finalmente, um 
período de vazio. Após essa seqüência quádruplo, um novo sistema de mundo se forma a partir da 
circulação dos ventos, ou energias, e a partir do subseqüente desenvolvimento de outros elementos. 
Quer esse processo seja explicado de acordo com as opiniões científicas de hoje, quer consoante a 
filosofia budista, existe um momento em que um sistema de mundo específico é inexistente. O início 
do processo de formação de um sistema de mundo depende de muitas causas e condições, as 
quais, por sua vez, são fenômenos causados. Estes precisam ser formados por uma divindade 
criadora ou pela força do carma (ações anteriores) das pessoas que nascerão lá e usarão aquele 
ambiente. A partir de uma perspectiva budista, é impossível que a criação do que é causado, e 
portanto impermanente (inclusive um sistema de mundo), dependa da supervisão, ou força 
motivadora, de uma divindade não causada e, por conseguinte, permanente. Antes, é através da 
força do carma dos seres sencientes que tem lugar o processo de formação do ambiente. A única 
escolha alternativa é que ele seja não causado, o que seria absurdo. 
Assim como a criação e a desintegração do ambiente depende de causas e condições, o mesmo 
é verdade com relação à qualidade de vida dos seres sencientes. Uma das regras sólidas de causa e
efeito diz que as boas causas produzem bons resultados e as causas nocivas geram maus 
resultados. 
57 
Isso significa que qualquer efeito positivo a longo prazo é precedido pela acumulação de uma 
boa causa. Analogamente, para produzir um efeito vigoroso, é necessário ter uma causa poderosa. 
No que tange à natureza física do ser humano, tivemos de acumular nas vidas anteriores as inúmeras 
causas e condições poderosas que individualmente produziram a forma, a cor, a acuidade dos 
sentidos e outras qualidades do nosso corpo. 
Se depois de ter praticado uma ação virtuosa e acumulado o poder dela, este permanecesse 
sem degenerar até dar frutos nesta vida ou em uma existência futura, ele não seria tão frágil. No 
entanto, esse não e o caso. Mais exatamente, a geração de um intenso estado mental não virtuoso, 
como a raiva, subjuga a capacidade de um poder virtuosamente implantado, fazendo com que ele 
não consiga germinar, como quando chamuscamos uma semente. Inversamente, a geração de uma 
vigorosa atitude virtuosa refreia as forças estabelecidas pelas não­virtudes, 
tornando­as 
incapazes 
de manifestar seus efeitos. Assim sendo, é necessário não apenas alcançar um grande número de 
causas construtivas poderosas como também evitar forças contrárias que fariam com que essas 
causas benéficas degenerassem. 
As boas ações requeridas para a acumulação dessas causas, ou potências, surgem da mente 
domada, ao passo que as más ações nascem da mente indomada. Os seres comuns como nós 
estão acostumados à mente indomada desde tempos imemoriais. Considerando essa predisposição, 
podemos concluir que as ações praticadas com uma mente indomada são mais poderosas para nós 
e as praticadas com uma mente domada são mais fracas. É importante reconhecer que esse 
excelente apoio vital do corpo humano que hoje possuímos é um resultado saudável de uma 
abundância de ações boas e poderosas de uma mente domada no passado. Foi muito difícil 
alcançar esse resultado e, por ele ser muito raro, vocês precisam tomar cuidado e usá­lo 
bem, 
tomando medidas para que ele não seja desperdiçado. Se não fosse raro e difícil de obter, vocês 
não precisariam ser cuidadosos, mas esse não é o caso. 
58 
Se esse dom humano, tão difícil de alcançar, fosse estável e permanente, sem ter a tendência de 
se deteriorar, haveria tempo no futuro para utilizá­lo. 
No entanto, esse sistema de apoio vital é frágil 
e facilmente se desintegra a partir de inúmeras causas externas e internas. O Four Hundred 
Stanzas on the Yogic Deeds of Bodhisattvas (Quatrocentas estrofes sobre os feitos iogues dos 
bodhisattvas) de Aryadeva diz que como o corpo depende dos quatro elementos da terra, da água, 
do fogo e do vento, os quais, por sua vez, fazem oposição uns aos outros; a felicidade física é 
apenas um equilíbrio ocasional desses elementos e não uma harmonia duradoura. Por exemplo, se 
estamos com frio, o calor é inicialmente agradável, mas o excesso dele precisa ser evitado. O 
mesmo é verdade com relação às doenças; o remédio para uma enfermidade pode acabar dando 
origem a outra moléstia, a qual, por sua vez, precisa ser neutralizada. Nosso corpo é uma fonte de 
grandes problemas e complicações; a felicidade física é meramente a ausência temporária desses 
problemas. 
Nosso corpo precisa receber uma nutrição completa, os alimentos. Mas. quando comemos 
muito, a coisa necessária para gerar a saúde torna­se 
uma fonte de doença e dor. Nos países onde 
a comida é escassa, a fome e a inanição são as grandes causas do sofrimento, mas naqueles onde é 
abundante e está disponível em muitas variedades nutritivas, o sofrimento ainda está presente 
devido à ingestão excessiva de alimentos e à indigestão. Quando existe um equilíbrio sem que
problemas se manifestem, dizemos que encontramos a “felicidade”, mas seria tolo achar que 
ficamos, ou que um dia poderíamos ficar, livres da doença. Nosso tipo de corpo é um ninho de 
problemas. Não creiam que não morreríamos na ausência da doença, das guerras ou da fome. A 
natureza do corpo é desintegrar­se. 
Desde a concepção, o corpo está sujeito a morrer. 
Desse modo, o corpo humano é um dom precioso, ao mesmo tempo poderoso e frágil. Graças 
ao simples fato de estarem vivos, vocês são uma ocorrência muito importante e trazem consigo uma 
grande responsabilidade, O bem poderoso pode ser alcançado para vocês e para os outros, de 
maneira que se deixar distrair pelos assuntos secundários desta vida seria um enorme desperdício. 
Vocês devem desejar usar a vida que têm neste corpo de um modo eficaz, e rogar ao seu guru, aos 
três refúgios e a outras fontes que os ajudem a fazer isso, instigando­se 
a partir do interior e 
buscando ajuda externa. Com esse objetivo, além de recitar as palavras desta estrofe, devem 
refletir sobre o significado dela, fazendo com que ele surja na sua mente. 
59 
Em resumo, como este corpo humano, que sustenta sua vida, é benéfico, foi difícil de obter e é 
fácil de se desintegrar, vocês devem usá­lo 
tanto para o seu benefício quanto para o dos outros. Os 
benefícios provêm da mente domada: quando a sua mente está tranqüila, relaxada e feliz, os 
prazeres externos como a boa comida, as vestimentas e conversa tornam as coisas ainda melhores, 
mas a ausência deles não os deixam abatidos. Quando sua mente não está tranqüila e domada, por 
mais maravilhosas que sejam as circunstâncias externas, vocês são oprimidos por receios, 
expectativas e temores. Com a mente domada, apreciarão a riqueza ou a pobreza, a saúde ou a 
doença, e até poderão morrer felizes. Com a mente domada, é maravilhoso ter muitos amigos, mas 
também é aceitável não ter nenhum. A base da felicidade e do bem­estar 
reside na mente tranqüila 
e domesticada. 
No que diz respeito aos outros, quando a sua mente está serena e domesticada, a vida torna­se 
mais agradável para os seus amigos, cônjuge, pais, filhos e conhecidos, sua casa fica tranqüila e 
todos que nela residem passam a desfrutar uma excelente sensação de relaxamento. Ao entrar na 
sua casa, as outras pessoas detectam um sentimento de felicidade. Quando sua mente não está 
tranqüila e domesticada, além de vocês ficarem repetidamente zangados, as outras pessoas, quando 
entram na sua casa, sentem de imediato que nela existe muita discórdia e que vocês freqüentemente 
ficam perturbados e irritados. 
Como domar a mente gera a felicidade, e deixar de fazer isso conduz ao sofrimento, usem a vida 
para reduzir o numero de atitudes não domadas — como controlar os inimigos, promover os 
amigos, aumentar o lucro financeiro e coisas semelhantes — e domar, ou treinar, o mais possível 
sua mente. Essa e a maneira de extrair a essência significativa do precioso e tênue corpo humano. 
60 
RESUMO DOS CONSELHOS 
1 ­Compreendam 
o valor do corpo humano com o qual foram contemplados, pois ele é o 
resultado de muitas boas causas do passado. Reconheçam o fato de que os ensinamentos estão 
disponíveis e prontos para serem implementados. 
2 ­Como 
esta preciosa vida humana pode ser usada de maneiras poderosamente benéficas ou 
destrutivas, sendo em si mesma extremamente frágil, utilizem­na 
adequadamente agora. 
3 ­A 
felicidade física é apenas um equilíbrio ocasional dos elementos no corpo e não uma 
profunda harmonia. Entendam o temporário pelo que ele é.
Conselhos Sobre a Morte: e como viver uma vida melhor.  Dalai lama e Jeffrey Hopkins.
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Conselhos Sobre a Morte: e como viver uma vida melhor. Dalai lama e Jeffrey Hopkins.

  • 1. CONSELHOS SOBRE A MORTE E COMO VIVER UMA VIDA MELHOR Título origiml ADVICE ON DYING And Living a Bater Life Copyright 2002 by Sua Santidade Dalai Lama e Jeffrey Hopkins, Ph. D. Todos os direitos reservados Copyright da edição brasileira © 2005 by Editora Rocco Ltda. Publicada mediante acordo com o editor original. Atria Buoks, um selo da Simon & Schutter, Inc. Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à EDITORA ROCCO LTDA. Rua Rodrigo Silva, 26— 4º andar 20.011­040 — Rio de Janeiro — RJ Tel.: (21) 2307­2000 — Fax: (21) 2307­2244 rocco@rocco.cotn.br ­www. rocco.com.hr Printed in Brazil/lmpresso no Brasil Preparação de originais ­FÁTIMA FADEL CIP—Brasil. Catalogado na fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Dalai Lama, 1935­D138c Conselhos sobre a morte: e como viver uma vida melhor/Sua Santidade Dalai Lama; [prefácio] tradução para língua inglesa organização de Jeffrey Hopkins; tradução de Cláudia Gerpe Duarte. Rio de Janeiro: Rocco. 2005. (Arco do tempo: Nos passos do budismo) Tradução de: Advice on dying: and hving a better life Apêndice Inclui bibliografia ISBN 85­325­1828­1 1. Morte — Aspectos religiosos — Budismo. 2. Vida religiosa — Budismo. 3. Budismo — Doutrina. 1. Hupkins, Jeffrey. II. Título III. Série. CDD — 869.93 CDU — 821.134.3 (81) ­3 Digitalização gratuita: Prof. Dr. Sylas Fernandes Maciel – Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – para leitura através de softerware de voz para deficientes visuais.
  • 2. “TODO MUNDO MORRE, MAS NINGUÉM ESTÁ MORTO”. — ditado tibetano. SUMARIO Prefácio por Jeffrey Hopkins, Ph. D. ­9 1. A Consciência da Morte ­29 2. Libertando­se do Medo ­40 3 Preparando­se para Morrer ­54 4. Removendo Obstáculos para uma Morte Favorável ­67 5. Obtendo Condições Favoráveis para o Momento da Morte ­72 6. Meditando durante o Processo da Morte ­78 7. A Estrutura Interna ­90 8. A Clara Luz da Morte ­105 9. Reagindo ao Estado Intermediário ­120 10. O Renascimento Positivo ­131 11. Reflexão Diária sobre o Poema ­136 Apêndice: Descrição do Poema e Resumo dos Conselhos 141 Leitura Recomendada 155 9 PREFÁCIO O Tibete é conhecido pela sua vasta percepção das profundezas da mente. Um repositório dos ensinamentos budistas, o Tibete há muito mantém tradições de prática e instruções voltadas para a manifestação desses profundos estados mentais e para a sua utilização no progresso espiritual. Comecei os meus estudos desses sistemas em um mosteiro tibetano e mongol em Nova Jersey no fim de 1962. Durante os cinco anos que vivi no mosteiro aprendi a língua tibetana, meditei e estudei um vasto leque de temas. Quando voltei ao mosteiro no verão de 1968, esse aprendizado me possibilitou apreciar a magnífica exposição de assuntos — extensos e breves – realizada por um monge idoso, Kensur Ngawang Lekden, que tinha sido o abade de um mosteiro tântrico em Lhasa, a capital do Tibet, quando os comunistas chineses invadiram o país em 1959. Durante os ensinamentos, o Lama mencionou varias vezes um livro muito importante a respeito da morte que ele tinha em seu poder. Explicou que a obra era extremamente útil na abordagem da morte porque descrevia em detalhe os estados mentais cada vez mais profundos pelos quais a pessoa moribunda passa e como preparar­se para eles. Ele acrescentou que atravessamos todos os dias esses estados quando vamos dormir ou terminamos um sonho, bem como quando desmaiamos, espirramos ou temos um orgasmo. Fiquei fascinado. A partir das breves referências do Lama ao conteúdo desse livro, pude perceber que o nosso nível de consciência habitual era superficial quando comparado a esses estados mais profundos. 10 Desejoso de aprender mais, pedi­lhe que me ensinasse o texto, mas ele não quis fazê­lo naquele momento. Finalmente, em 1971, obtive uma bolsa Fullbright e fui estudar alguns meses com um dos alunos do Lama tibetano, que estava lecionando na Universidade de Hamburgo na Alemanha. Lá, morei no que de fato era um grande closet. Dentro dele, em cima da janela, um amigo do erudito tibetano tinha construído uma cama estreita, á qual se tinha acesso por uma pequena escada e,
  • 3. debaixo dela, uma pequena escrivaninha. Certa noite, quando eu estava lá há relativamente pouco tempo, o Lama apareceu para mim em um sonho emocionante no qual ele tinha a forma reluzente do seu eu com seis anos de idade, sem as bexigas que ele tinha no seu rosto de adulto. De pé, sobre o meu peito, ele anunciou: “Eu voltarei.” Eu soube então que ele tinha morrido. Viajei a seguir para a Índia, onde permaneci por mais de um ano, participando de duas séries de ensinamentos administradas por Sua Santidade o Dalai Lama, conversando longamente com ele em muitas audiências, recebendo ensinamentos particulares, traduzindo um texto que ele havia escrito sobre o tema da origem dependente e o vazio, e atuando como intérprete para um grupo de estudantes que havia solicitado uma audiência. Ao regressar aos Estados Unidos, encaminhei­me diretamente ao mosteiro em Nova Jersey, decidido a examinar os haveres do Lama Kensur Ngawang Lekden para procurar o livro a respeito da morte. Para minha felicidade, consegui encontrá­lo! Li o livro e pedi a dois lamas esclarecimentos sobre os ensinamentos que ele continha. A obra exerceu cm mim uma profunda influência. Ela descreve com tanta clareza os níveis mentais superficiais e os profundos, que possibilita que nos imaginemos penetrando cada vez mais na mente, na jornada suprema de transformação. Por saber que o valor desse material seria inestimável para um grande número de pessoas, perguntei à Sua Santidade o Dalai Lama se ele faria comentários sobre outro texto que trata do mesmo assunto, um poema escrito no século XVII pelo Primeiro Panchen Lama (que também contém um comentário realizado pelo autor do livro que eu lera sobre a morte). Mencionei ao Dalai Lama que, na minha opinião, dessa maneira, com os comentários dele, um livro mais acessível poderia ser publicado, e ele concordou. 11 Alguns dias depois, fui chamado ao gabinete interno de Sua Santidade e sentei­me diante dele com um gravador. Sua Santidade explicou o texto a partir de um vasto leque de tradições e experiências, discutindo detalhadamente tanto a estrutura da psicologia profunda do budismo quanto o processo da morte e do período após a morte, que antecede a vida seguinte. Ele descreveu como os iogues competentes manifestam os níveis profundos da mente para a transformação espiritual. Falou apaixonadamente do valor de termos consciência da morte, de como fazer isso, de como vencer o medo tanto no momento da morte quanto no estado intermediário entre as vidas e de como ajudar aqueles que estão morrendo. Os seus ensinamentos formam a essência deste livro. Vou dar uma idéia do impacto que o Dalai Lama exerceu em mim naquele dia citando algumas notas do meu livro, Cultivating Compassion, nas quais discuto a mediação sobre a natureza da realidade: O Dalai Lama recomenda que meditemos dessa maneira sobre alguém ou algo que valorizemos imensamente, para que a experiência do vazio não seja desvirtuada e interpretada como uma desvalorização do sujeito — o valor permanecerá elevado, mas será percebido de um modo diferente. A minha experiência foi particularmente intensa durante um período em que ele me transmitiu ensinamentos no seu gabinete, na Índia. Certo fim de tarde em que eu estava sentado diante da escrivaninha do Dalai Lama, avistei, através das largas janelas que se abriam atrás dele, o sol que já descia no horizonte no vale do Kangra. O tema que discutíamos eram os estágios da morte — uma penetrante apresentação dos estágios mais profundos da mente, nos quais apóia­se não apenas a morte como também toda a experiência consciente. O domínio da palavra que o Dalai Lama tem em tibetano é incrível; ele fala ao mesmo tempo muito rápido e com grande clareza, e emprega em cada tema um vasto conjunto de ensinamentos. A luz do sol no vívido céu laranja tornava a cena brilhante, como o segundo estágio das quatro mentes sutis que experimentamos no processo da morte.
  • 4. 12 Eu nunca tinha me sentido tão à vontade em toda a minha vida. Ao sair do gabinete dele, fiquei impressionado com o pico coberto de neve acima de Dharmsala. Comecei a descer para o meu quarto situado mais abaixo na montanha, passando por um lugar onde eu também descortinava, do outro lado, uma montanha; o espaço entre as duas montanhas estava tomado por um arco­íris que formava um circulo completo. Era impressionante! Dois dias depois, tive a última aula com o Dalai Lama, pois ia voltar para os Estados Unidos. Quando a sessão terminou e comecei a me dirigir para a porta, ele disse: Parece um sonho. Eu perguntei: “O quê?” “Parece um sonho”, replicou ele. Até mesmo nesse período extremamente intenso e importante da minha vida, ele me fez refletir sobre o vazio dessa valiosa experiência. O vazio não cancela os fenômenos; pelo contrário, ele é bastante compatível com a efetividade e com o valor. O IMPACTO DOS ENSINAMENTOS Os ensinamentos do Dalai Lama estão repletos não apenas de detalhes sobre o verdadeiro processo da morte como também de conselhos práticos. Obtive um grande número de conhecimentos a respeito do colapso gradual da consciência e aprendi muitas coisas que mais tarde se revelaram extremamente úteis. Enquanto meus pais passavam férias na sua pequena casa de inverno na Flórida, meu pai, que tinha 81 anos, teve um derrame. Eu estava muito longe, em Vancouver, lecionando na Universidade de British Columbia, de modo que permaneci no Canadá enquanto meus três irmãos foram visitar nosso pai enfermo na Flórida. Ficamos aliviados quando ele saiu do estado de coma e voltou para casa. No entanto, quando cheguei aos Estados Unidos algumas semanas mais tarde, depois que meus irmãos haviam partido, meu pai voltou para o hospital e, uma vez mais, entrou em coma. Certo dia, meu pai estava deitado de costas e abriu os olhos. Ele se virou para mim e começamos a conversar suavemente. 13 Em um determinado momento, ele disse o seguinte, com um brilho divertido no olhar: “Você não acreditaria se eu lhe contasse o que está acontecendo neste hospital.” Perguntando­me o que ele estaria querendo dizer com aquilo, olhei por acaso para a televisão ao pé da sua cama. Ela exibia um episódio de uma série cômico­erótica passada em um hospital, e percebi que a equipe da clínica tinha posto um pequeno alto­falante no seu travesseiro. Enquanto estava em coma, ele tinha escutado todos aqueles programas! Após algum tempo, eu lhe disse de onde estavam vindo as suas idéias e mais tarde desliguei o alto­falante, recordando o ensinamento do Dalai Lama de que quando a morte se aproxima é extremamente importante ter por perto alguém que nos faça ter pensamentos virtuosos. Alguns dias depois, o quadro do meu pai piorou e ele entrou em coma profundo. Certa noite, durante uma visita, descobri que o hospital o tinha transferido para outro quarto. Desta vez, a televisão gritava um programa de perguntas e respostas. Tentei desligar o aparelho, mas a enfermeira me disse que era o programa favorito do homem praticamente surdo que ocupava o outro leito. Desconcertado, sentei­me ao pé da cama do meu pai pensando no que fazer. A televisão rugiu uma pergunta a respeito de um navio que afundara no mar, de modo que imaginei que pelo menos eu poderia distrair o outro paciente. “Você sabe o nome do navio?”, perguntei, gritando. Como ele não moveu um único músculo, percebi que ele também estava em coma. Mas
  • 5. meu pai sentou­se na cama e disse: “E Andrea Doria.” Ele estava lúcido e ouvira o programa inteiro! Desliguei a televisão e batemos um papo muito agradável. Como de costume, ele estava contente. Pediu biscoitos com leite e a enfermeira os providenciou de uma maneira particularmente carinhosa. Conversamos durante algum tempo e, quando ia saindo, perguntei: “Quer que eu diga olá para a mamãe?” “Claro”, replicou ele, animadamente. O hospital telefonou para a minha mãe bem cedo no dia seguinte para dizer que o meu pai tinha morrido durante a noite. Senti um enorme alívio porque, antes de morrer, ele recobrara a consciência com o espírito renovado. E também porque a televisão estava desligada. 14 O hospital tinha deixado o corpo do meu pai sozinho no quarto. Fui até lá e, lembrando­me que não deveria perturbar o corpo, sentei­me e fiquei em silêncio por não conhecer o vocabulário particular da sua religião. Senti que pelo simples fato de estar presente eu poderia apoiá­lo na sua jornada. Um ano depois, minha mãe sofreu o que foi provavelmente um derrame. Ela ligou para a casa do meu irmão Jack. Ele não estava, e Judy, a mulher dele, atendeu o telefone. Mamãe disse que estava se sentindo muito mal, que estava com dor de cabeça e falava de um modo desconexo. Ela disse também que estava se sentindo fraca e que talvez fosse vomitar. A seguir a sua voz sumiu. Como a minha mãe não tinha desligado o telefone, Judy correu para a casa vizinha e telefonou para a equipe de socorro. Posteriormente, por três vezes, o hospital a trouxe de volta do portal da morte, e em todas elas a minha mãe ficou tentando se comunicar. Ao perceber o seu esforço desconexo, lembrei­me de que o Dalai Lama tinha mencionado a necessidade do conselho amigo capaz de evocar uma atitude virtuosa e aproximei­me da cama onde ela estava deitada. Eu sabia que a palavra especial da minha mãe era “espírito”, de modo que eu disse: “Mamãe, é o jeff. Chegou a hora do espírito:” Ela imediatamente se acalmou e parou de lutar. Repeti suavemente: “Chegou a hora do espírito:” Alguns dias depois, ela morreu em paz. Quando o meu primo Bobby foi diagnosticado com câncer no cérebro, ele conversou longamente sobre a doença com o meu irmão Jack, que lhe perguntou se havia algo que ele gostaria de fazer enquanto estivesse em atividade. “Gostaria que os primos se reunissem e contassem histórias sobre o vovô”, disse ele. Meu avô paterno era um homem poderoso que protegia a família, a fazenda, a igreja, e todos os seus negócios e interesses de um jeito vigoroso e até mesmo engraçado. Assim sendo, Jack nos reuniu; éramos 14 ao todo. Sabíamos que Bobby ia morrer e não fingimos pensar de um modo diferente, mas tampouco exibimos um comportamento sombrio. Quase todos tínhamos histórias hilariantes para contar, e eu as gravei em vídeo. 15 Nancy, a irmã de Bobby, telefonou­me e pediu conselhos sobre o que fazer quando a hora da morte se aproximasse. “Tome providências para que ninguém chore ou se lamente ao redor dele”, disse eu. “Simplifique as coisas”. Desligue a televisão. Faça com que as pessoas venham se despedir antes de o fim começar. Na véspera do último dia de vida de Bobby, a família assistiu ao vídeo da reunião dos primos e a seguir o guardou. No dia seguinte, tudo foi mantido muito simples e tranqüilo, e ele morreu. O Dalai Lama aconselha que quando nos aproximamos do fim, é preciso que nos lembremos da nossa prática, independentemente de qual ela for. Não podemos impor aos outros as nossas opiniões nem um nível mais elevado de prática do que aquele com o qual eles conseguem lidar. Quando meu amigo Raymond soube que ia morrer de AIDS, ele e o seu parceiro me perguntaram
  • 6. o que deveriam fazer. Recordando a morte dos meus pais e a paralisia que tomou conta de mim por eu ter contraído a doença de Lyme e que quase me levou à morte, eu tinha conhecimento de que muito tempo depois de ficarmos impossibilitados de interagir com os outros, podemos ter uma vida interior intensa e lúcida. Durante minha grave doença, repeti interiormente um mantra que eu recitara por quase trinta anos. Descobri que apesar de ser incapaz de me comunicar com os outros, eu conseguia repetir o mantra com uma lucidez incomum. De vez em quando, eu tentava falar, porém sem sucesso. Apesar disso, eu não ficava preocupado. Isso teria sido um grande erro. Apenas continuava a repetir o mantra, o que me deixava tranqüilo. Pensando nessa experiência, sugeri a Raymond que escolhesse um ditado que pudesse repetir continuamente. Ele escolheu uma estrofe de Joseph Goldstein: “Que eu seja permeado pela bondade­amorosa”. Que eu fique bem. Que eu me sinta tranqüilo e em paz. Que eu seja feliz. 16 Achei que a escolha pudesse ser longa demais, mas sabia que era a opção correta para Raymond, pois era a que ele queria. Raymond praticou o mantra. O seu parceiro o colocou em uma moldura de plástico ao lado da cama de Raymond, para que este o visse quando virasse a cabeça e se lembrasse de repeti­lo. Mais tarde, quando Raymond saiu do hospital e voltou para casa para morrer, pouco a pouco ele foi se recolhendo, perdendo a faculdade de falar, depois a de apontar com o dedo, até que ficou completamente impossibilitado de se mover. No entanto, quando eu entrava no seu quarto, sentava­me no chão e dizia suavemente: “Que eu seja permeado pela bondade amorosa”, seu rosto se iluminava e seus olhos se moviam debaixo das pálpebras cerradas. Tinha funcionado! O PRIMEIRO PANCHEN LAMA Neste livro, Sua Santidade o Dalai Lama recorre a uma vasta coleção de tradições textuais e orais da Índia e do Tibete para explicar um poema de 17 estrofes de autoria do Primeiro Panchen Lama. O Dalai Lama revela, um por um, o significado das estrofes, fornecendo uma apresentação detalhada dos estágios da morte, do estado intermediário entre as vidas e do renascimento, ao mesmo tempo em que descreve sua aplicação prática de uma forma comovente. O poema que serve de base para este estudo foi escrito no século XVII. Sua importância e relevância têm sido transmitidas por monges e leigos no Tibete, e agora em todo o mundo. No entanto, ter como certa a habilidade de estudar e praticar significa desconhecer o atual estado da religião no Tibete, a situação do Panchen Lama e a tensão constante entre o Tibete e a China. Por conseguinte, gostaria de discutir a história dos títulos Dalai Lama e Panchen Lama, bem como a linhagem de encarnações do autor do poema, o Primeiro Panchen Lama. Desejo também esclarecer vários equívocos sobre a situação do Tibete e discutir a encarnação atual do Panchen Lama, que está preso na China. 17 Em meados do século XIII e no início do século XIV, Tsongkhapa Losang Drakpa fundou uma tradição espiritual no Tibete chamada Geluk, também conhecida como a Escola do Chapéu Amarelo. Cerca de 1445, um aluno de Tsongkhapa, Gendun Drup, construiu um grande mosteiro, chamado Tashi Lhunpo (Montanha da Sorte), em Shigatse, uma província a oeste de Lhasa, a
  • 7. capital do Tibete. Gendun Drup veio retroativamente a ser chamado o Primeiro Dalai Lama quando a terceira encarnação da sua linhagem, Sonam Gyatso (1543­1588), recebeu o nome “Dalai” (uma tradução mongol de Gyatsø, que significa “oceano”) do seu patrono e seguidor mongol, Altan Khan, em 1578. Gendun Drup também recebeu o nome “Panchen” de um erudito tibetano contemporâneo, Bodong Choklay Namgyel, quando respondeu a todas as perguntas deste último. “Panchen” significa “grande erudito”, e deriva da palavra sanscrítica pan di­íd, que significa “erudito”, e da palavra tibetana chen po, que sigmiica “grande”. Sucessivos abades do mosteiro Tashi Lhunpu que foram eleitos e exerceram o cargo por períodos limitados, também eram chamados de “Panchen”. No século XVII, o Quinto Dalai Lama deu o mosteiro Tashi Lhunpo para o seu mestre, Losang Chokyi Gyeltsen (1567­1662), o décimo quinto abade do mosteiro. Nessa última condição, ele foi chamado “Panchen”. No entanto, quando Losang Chokyi Gyeltsen morreu, o Quinto Dalai Lama anunciou que o seu mestre iria reaparecer como uma criança­sucessora reconhecível, de modo que sua linhagem de encarnações reteve o título “Panchen Lama” e seus membros tornaram­se os abades do mosteiro Tashi Lhunpo. O título “Panchen Lama” deixou de se aplicar a uma pessoa eleita por um período determinado e passou a referir­se a uma linhagem de reencarnações. Desde aquela época, tornou­se uma convenção no Tibete o Dalai Lama e o Panchen Lama envolverem­se em graus variados no reconhecimento dos seus respectivos sucessores. O Dalai Lama é o líder espiritual e temporal do Tibete como um todo, ao passo que o Panchen Lama é o líder da região particular ao redor de Shigatse. 18 A história de como o Dalai Lama e o Panchen Lama receberam seus nomes frustra as afirmações absurdas feitas pelo atual governo da China de que de algum modo esses títulos indicam a subserviência à autoridade chinesa. A origem dos títulos é completamente local. Para amparar ainda mais as suas alegações de legitimidade, Pequim aponta para o fato de que o Panchen Lama se chama “Erdini”. No entanto, esta é uma palavra mongol que significa “jóia preciosa” e é um título de cortesia compartilhado com muitos lamas mongóis. No caso do Panchen Lama, o título lhe foi conferido em 1731 pelo imperador Kiang­shi, um manchu que na época controlava a China. Precisamos ter em mente que, em diferentes períodos da sua história, a China foi governada por forasteiros mongóis e manchus, bem como pelos chineses da dinastia Han. No início do século XX, o Dr. Sun Yat­sen, o pai da China moderna, promoveu a criação de um Reino do Meio que abrangia a Manchúria, a Mongólia, o Turquestão Oriental, o Tibete e a China. No entanto, em 1911, até mesmo ele declarou que quando a revolução nacionalista derrotou a dinastia Manchu, a China tinha sido ocupada duas vezes por potências estrangeiras — primeiro pelos mongóis e depois pelos manchus. Os mongóis, os manchus e os chineses da dinastia Han consideravam o Tibete uma terra estrangeira quando, na qualidade de um vizinho poderoso, seus impérios ocasionalmente interferiam no Tibete. Também precisamos estar conscientes de que no século VIII o Império tibetano chegou inclusive à capital da China, Ch’ang­an, conhecida hoje como Xian. Assim, se incursões eventuais em um país significam que o agressor é dono desse pais, poderíamos argumentar que o Tibete é dono da China. Pequim procura legitimar o seu domínio no Tibete demonstrando que desempenha um papel crucial na identificação dos lamas importantes da região, dos quais os mais proeminentes são o Dalai Lama e o Panchen Lama. As tentativas desesperadas de Pequim de aparentar ser relevante nos assuntos religiosos do Tibete se refletem na série de eventos que cercam a recente identificação do Décimo Primeiro Panchen Lama. 19
  • 8. Para que tudo seja compreendido com a maior clareza, vou apresentar uma explicação breve do processo da busca de uma reencarnação elevada. 1 ­É feita uma investigação em todo o país que visa descobrir sinais especiais ocorridos no nascimento das crianças, mães que tiveram sonhos fora do comum e crianças que possuem um conhecimento especial que não lhes tenha sido diretamente transmitido. 2 ­Presságios são analisados. Por exemplo, quando o Dalai Lama anterior morreu, um arco­íris apontou para o leste, indicando o renascimento na região oriental do país. Depois, dois objetos semelhantes a presas surgiram no lado oriental do relicário do falecido Dalai Lama. Quando uma equipe de busca encontrou a encarnação seguinte, flores medraram no inverno em um anfiteatro ao ar livre onde o Dalai Lama fazia preleções, e a população de Lhasa começou espontaneamente a cantar uma música que continha o nome dos pais dele. (Muitos presságios têm lugar sem serem percebidos na ocasião e só mais tarde são compreendidos.). 3 ­Fontes supranormais de conhecimento são consultadas. Um grupo é enviado a um lago situado no sudeste de Lhasa que evoca visões proféticas. No caso do atual Dalai Lama, o grupo viu no lago imagens do mosteiro próximo ao local onde ele nasceu e da casa onde ele morava. Também viram as letras “A, Ka, Ma”, que indicavam a província (“A” equivalia à província Amdo), o mosteiro (“Ka” representava o mosteiro Kumbum) e o nome do Dalai Lama (“Ma”, que significava “mulher”, pois o Dalai Lama, quando criança, tinha um nome feminino, Deusa da Longa Vida). 4 – Realiza­se uma adivinhação fazendo­se girar uma tigela com bolas de massa contendo o nome dos candidatos finais até que uma delas salta para fora. 5 ­Equipes de busca disfarçadas são enviadas para testar os conhecimentos especiais dos candidatos e para verificar se eles conseguem identificar objetos que pertenceram ao lama anterior. No caso do atual Dalai Lama, ele identificou um funcionário monástico e um monge do mosteiro bem disfarçados entre os membros da equipe. Os objetos entre os quais ele teve de escolher foram dois rosários, dois pequenos tambores rituais e duas bengalas. 20 A idéia de um governo comunista materialista envolver­se nesse processo religioso é cômica, mas foi exatamente o que aconteceu como indicam os seguintes eventos relacionados com a identificação do atual Panchen Lama. CRONOLOGIA DA IDENTIFICAÇÃO DO DÉCIMO PRIMEIRO PANCHEN LAMA 1984: O governo comunista chinês, que invadiu o Tibete Oriental em 1950 e completou a ocupação de todas as seções em 1959, anuncia que permitirá que os tibetanos procurem as encarnações dos lamas elevados. 1987: O governo chinês estabelece uma escola especial em Pequim para lamas reencarnados com o objetivo de produzir “lamas patriotas, que cultivem a unidade da terra natal”. 28 de janeiro de 1989: O Décimo Panchen Lama morre aos 51 anos de idade no mosteiro Tashi Lhunpo em Shigatse, no Tibete, quatro dias depois de transmitir uma mensagem criticando o governo chinês na qual ele diz: “O custo do domínio chinês no Tibete foi mais elevado do que os seus benefícios.” Ele permanecera no Tibete depois de o Dalai Lama ter fugido do país em março de 1959 e fora preso e torturado por nove anos e oito meses durante a Revolução Cultural, depois de ter elaborado um relatório no qual criticara fortemente a política chinesa no Tibete, (Depois da sua morte correram rumores repetidos e persistentes de que ele teria sido envenenado.) No mesmo
  • 9. dia, o Dalai Lama propõe enviar uma delegação com dez religiosos ao Tibete para dizer orações no mosteiro do Panchen Lama. 21 Fevereiro de 1989: Li Peng, primeiro­ministro da China anuncia que não seria permitido que forasteiros, querendo referir­se a tibetanos no exílio, “interferissem no processo de seleção”. Agosto de 1989: O governo chinês anuncia um plano de cinco pontos para a busca, a seleção e o reconhecimento do Panchen Lama. O plano é um compromisso com as autoridades do mosteiro do Panchen Lama e inclui a insistência do governo chinês de que uma loteria seja incluída no processo, e que eles organizem a confirmação pública final. Uma comissão de busca é nomeada por Pequim, dirigida por Chadrel Rinpochav, abade do mosteiro do Panchen Lama, que reconhecidamente coopera com os chineses. 21 de março de 1991: O Dalai Lama informa ao governo chinês, por intermédio da sua embaixada em Nova Déli que deseja tomar parte na busca da reencarnação do Panchen Lama, enviando uma delegação ao lago de visões proféticas, situado ao sudeste de Lhasa. Junho de 1991: Três meses depois o governo chinês responde que a interferência não é necessária. 17 de julho de 1993: O chefe da equipe constituída pelo governo chinês, Chadrel Rinpochay, envia oferendas e uma carta ao Dalai Lama relacionada com a reencarnação do Panchen Lama. Ele explica que um grupo visitou dois lagos e recebeu a confirmação de que o Panchen Lama reencarnou. 5 de agosto de 1993: O Dalai Lama envia uma resposta a Chadrel Rinpochay por intermédio da embaixada da China em Nova Déli convidando a delegação a visitá­lo na Índia para discutir a busca de uma reencarnação. Não há resposta. 17 e 18 de outubro de 1994: O Dalai Lama, em um encontro privado com um chinês que tem vínculos estreitos com o governo chinês, diz que está aguardando uma resposta à carta que enviou a Chadrel Rinpochay em 5 de agosto de 1993. Ele enfatiza a importância de que a busca da reencarnação siga os procedimentos religiosos tradicionais. 22 Janeiro de 1995: Esse chinês é procurado mais duas vezes sobre o mesmo assunto. Abril de 1995: O governo chinês anuncia que implementou uma nova legislação relacionada com a busca, a seleção e a aprovação das encarnações de lamas elevados. 14 de maio de 1995: Depois de analisar extensamente mais de trinta crianças, receber quatro profecias de oráculos e realizar cinco adivinhações, inclusive o ritual da bola de massa, o Dalai Lama reconhece formalmente um menino de seis anos, Gedhun Choekyi Nyima, nascido em 25 de abril de 1989, no distrito de Nagchu em Lhari, no Tibete, como o Décimo Primeiro Panchen Lama. A ocasião corresponde a uma data auspiciosa no calendário dos ensinamentos da Roda do Tempo que têm uma ligação especial com o Panchen Lama. O Dalai Lama e a delegação de Chadrel Rinpochay (indicado por Pequim) estão de acordo. 15 de maio de 1995: Uma agência oficial de notícias chinesa ataca a declaração do Dalai Lama. 17 de maio de 1995: O governo de Pequim mantém incomunicáveis em Chengdu, durante 12 dias, Chadrel Rinpochay e Jampa, seu secretário de cinqüenta anos. O lama menino é detido pelas autoridades chinesas. Aos seis anos de idade, ele é o mais jovem prisioneiro político do mundo. 19 de maio de 1995: Cartazes começam a aparecer nas cidades tibetanas condenando a interferência do governo chinês na seleção do Panchen Lama.
  • 10. 21 de maio de 1995: As autoridades chinesas no Tibete convocam reuniões em Lhasa, Shigatse e Nagchu para anunciar que reuniões de mais de três pessoas, bem como a discussão em público da reencarnação do Panchen Lama, estão proibidas. Funcionários qualificados do partido instalam­se no mosteiro Tashi Lhunpo para conduzir sessões de reeducação, quando monges são convidados a criticar Chadrel Rinpochay. O Lama menino e a sua família, bem como duas outras crianças que estavam entre os principais candidatos, desaparecem, e consta que foram levados para Pequim. 23 Em Lhasa, é ordenado a todas as principais figuras do governo e da hierarquia religiosa que participem de reuniões destinadas a condenar a declaração do Dalai Lama. 24 de maio de 1995: Uma sessão de emergência de três dias da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês publica um documento que descreve a declaração do Dalai Lama como “ilegal e inválida”. Maio de 1995: O principal dissidente do Tibete e ex­prisioneiro político, Yulu Dawa Tsering, recebe ordens de se apresentar à polícia em dias alternados. 11 de junho de 1995: O administrador dos negócios de Chadrel Rinpochay, Gyara Tsenring Samdrup, é detido pelas autoridades chinesas sob suspeita de se comunicar com o Dalai Lama. 12­13 de julho de 1995: Turistas estrangeiros são expulsos de Shigatse, a sede do mosteiro do Panchen Lama, para que não possam assistir a demonstrações. Os tibetanos são impedidos de executar atividades religiosas no mosteiro do Panchen Lama e até mesmo de circundar os templos e os locais religiosos. Até hoje não se conhece o paradeiro do menino reconhecido como o Panchen Lama pela equipe de busca do seu mosteiro e pelo Dalai Lama. Em 2002, ele e os seus pais já estavam presos havia sete anos pelo governo chinês, que se recusa a permitir que observadores internacionais tenham acesso ao menino para avaliar o seu bem­estar. O chefe da equipe de busca, Chadrel Rinpochay, foi libertado em 2002 após passar sete anos na prisão. No que só pode ser considerado uma ocorrência surrealista, o governo comunista chinês central nomeou o seu próprio grupo de busca e declarou ter encontrado o verdadeiro Panchen Lama. 24 O presidente da China, Jiang Zemin, demonstrou um profundo interesse pelo processo. O substituto aprovado pelo governo, hoje com 13 anos de idade, tem aparecido com destaque nos jornais chineses como um patriota erudito capaz de inspirar devoção. Em 2001, em uma turnê pelo próspero litoral oriental, o pseudo Panchen Lama que tem o apoio de Pequim fez o seguinte pronunciamento: “Compreendo hoje, profundamente, a grandeza do Partido Comunista da China e sinto o calor da família socialista sob a gloriosa política do Partido Comunista Chinês.”. SUGESTÕES Por que o governo comunista de Pequim está tão interessado nessa questão? Ele está tentando legitimar a invasão do Tibete, mostrando ao mundo que desempenha um papel vital na vida espiritual da nação. Talvez esteja também procurando anunciar a descoberta do novo Panchen Lama exatamente 13 anos depois de a China ter chamado de “Região Autônoma Tibetana” o que na verdade é parte do Tibete. No entanto, o Dalai Lama e a delegação do mosteiro do Panchen Lama que foi originalmente nomeada por Pequim chegaram a um acordo com relação ao mesmo
  • 11. candidato, e o Dalai Lama anunciou a identificação, sem dúvida para antecipar­se à intervenção chinesa. Pequim também faz a afirmação completamente infundada de que o governo chinês anterior, o Guornintang, esteve envolvido na identificação do atual Dalai Lama, No entanto, essa declaração contraria uma ampla evidência histórica. Quando o Dalai Lama foi entronizado no dia 22 de fevereiro de 1940, o emissário chinês, Wu Zhongxin, foi tratado como os outros enviados de Bhutan, Sikkim, do Nepal e da Índia britânica, não tendo desempenhado nenhum papel especial. O Guomintang fez declarações absurdas, dizendo que o menino curvou­se diante de Pequim e que o emissário chinês colocou o menino no trono. Até mesmo um funcionário tibetano, Ngabo Nawang Jigme, vice­presidente da Comissão Permanente do Congresso do Povo, que esteve presente à cerimônia e que havia cooperado com o governo chinês, declarou em 31 de julho de 1989: “Nós, o Partido Comunista, não precisamos contar mentiras baseadas nas inverdades do Guomintang”. 25 Naquela época, o camarada Chang Feng do Ministério da Frente Unida disse o seguinte: “No futuro, não diremos que Wu Zhongxin presidiu a entronização do Décimo Quarto Dalai Lama.” Hoje, desesperado, o governo de Pequim reverteu à maquinação do Guomintang. É notável que apesar do fato de o Tibete possuir grandes universidades monásticas que investigam todos os tipos de questões filosóficas, nunca houve uma palavra na língua tibetana para um país que abranja o Tibete e a China. A política do atual governo chinês com relação ao Tibete baseia­se na desconsideração e negligência das necessidades e desejos do povo tibetano. O mundo precisa reverter essa atitude indicando claramente a Pequim que leva esse assunto a serio. Organizações governamentais e não­governamentais devem instar com as autoridades chinesas para que libertem o Panchen Lama e as pessoas relacionadas com a sua descoberta, para que ele possa ser educado no seu mosteiro e viajar livremente. As Nações Unidas devem amparar os esforços do Dalai Lama de negociar um acordo concernente à condição do Tibete. A cultura tibetana se estende bem além do Tibete, alastrando­se a partir das regiões Kaimuck da Mongólia perto do rio Volga (na Europa, onde o Volga deságua no mar Cáspio), da Mongólia exterior e da interior, da República Buriat da Sibéria, de Bhutan, Sikkim, Ladakh e partes do Nepal. Em todas essas áreas, o ritual budista e estudos escolásticos são realizados em tibetano. Jovens oriundos dessas vastas regiões vinham estudar no Tibete, especialmente na capital, Lhasa, e nas suas cercanias, regressando em gera à sua terra natal após concluir os estudos (até que os comunistas tomaram o poder em muitos desses países). Desse modo, a cultura tibetana é crucial para uma vasta região da Ásia Central, e o seu desaparecimento tem implicações muito importantes. Este livro deve nos fazer lembrar os tesouros do Tibete. JEFFREY H0PKIN5, Ph D. ­Professor de Estudos Tibetanos ­Universidade de Virginia. 26 27 CONSELHOSSOBRE A MORTE 28 29
  • 12. 1 ­A Consciência da morte. “A vida dos seres humanos é como o processo de tecedura. Terminamos o trabalho com delicados fios tecidos do início ao fim”. BUDA É fundamental ficar atento à morte, refletir no fato de que não permaneceremos um longo tempo nesta vida. Se vocês não estiverem conscientes da morte, deixarão de tirar proveito desta vida humana especial que já alcançaram. Ela é significativa porque, baseados nela, efeitos importantes podem ser obtidos. Não analisamos a morte para sentir medo e sim para apreciar esta vida preciosa durante a qual podemos realizar muitas práticas importantes. Em vez de ficarem assustados vocês precisam refletir que, quando a morte chegar, perderão esta oportunidade de praticar. Dessa maneira, a contemplação da morte inserirá mais energia na sua prática. Vocês precisam aceitar a idéia de que a morte tem lugar no decurso natural da vida. Buda disse o seguinte: “Não existe o lugar intocado pela morte. Ele não está contido no espaço, não está contido no oceano. Vocês não irão encontrá­lo nem mesmo no meio de uma montanha”. Se aceitarem que a morte é parte da vida, quando ela efetivamente chegar poderão enfrentá­la com mais facilidade. 30 A atitude de algumas pessoas que sabem bem no fundo que a morte chegará, mas deliberadamente evitam pensar nela, não se encaixa na situação e é contraproducente. Igualmente é verdade quando a velhice não é aceita como parte da vida, é considerada indesejável e os pensamentos a respeito dela são propositadamente evadidos. Esse comportamento torna a pessoa despreparada e as coisas ficam muito difíceis quando a velhice inevitavelmente chega. Muitas pessoas são fisicamente idosas, mas fingem ser jovens. Às vezes, quando encontro amigos antigos, como certos senadores em países como os Estados Unidos, cumprimento­os com a saudação: “Meu velho amigo”, querendo dizer que nos conhecemos há muito tempo e não que ele esteja fisicamente velho. No entanto, quando enuncio essas palavras, alguns deles me corrigem enfaticamente, dizendo: “Não somos velhos! Somos amigos há muito tempo.” De fato, eles são efetivamente velhos – têm pelos nas orelhas o que é um indício da velhice – mas não se sentem à vontade com a idéia de serem idosos. Isso é uma bobagem. Penso geralmente na duração máxima da vida humana como sendo de cem anos, o que é um período muito curto, quando comparado ao tempo de vida do planeta. Essa breve existência deve ser usada de uma maneira que não cause dor aos outros. Ela deve ser dedicada a atividades construtivas e não a um trabalho destrutivo, como fazer mal aos outros ou criar problemas para eles. Se adotarmos esse comportamento, o breve período que passamos como turista neste planeta será significativo. É tolo da parte de um turista visitar um determinado lugar por um curto período e criar mais problemas. No entanto, vocês agem com sabedoria se, como turistas, fazem outras pessoas felizes durante a sua curta permanência; e quando vão embora, sentem­se felizes. Se criarem problemas, mesmo que não tenham dificuldades durante a sua estada, vocês se perguntarão qual terá sido o beneficio da sua visita.
  • 13. Passamos a primeira parte dos cem anos da vida como crianças e a parte final como idosos, muitas vezes como um animal que só se alimenta e dorme. No intervalo, talvez haja sessenta ou setenta anos que podem ser usados de um modo significativo. 31 Buda disse as seguintes palavras: Gastamos a metade da vida dormindo. Passamos dez anos na infância. Perdemos vinte anos na velhice. Dos vinte anos restantes, a tristeza, as queixas, a dor e a agitação eliminam muito tempo, e centenas de doenças físicas destroem muito mais. Para que a vida se torne significativa, é fundamental aceitar a velhice e a morte como parte da nossa existência. Sentir que a morte é quase impossível só cria mais ganância e problemas, causando até mesmo, às vezes, um mal deliberado aos outros. Quando damos uma boa olhada na maneira como personagens supostamente ilustres, como imperadores, monarcas e outros, construíam grandes residências e muros, percebemos que bem no fundo da mente deles jazia a idéia de que poderiam permanecer para sempre nesta vida. Para muitas pessoas, esse auto­engano resulta em mais dor e problemas. Até mesmo no caso daqueles que não acreditam em vidas futuras, contemplar a realidade é produtivo, útil e científico. Como as pessoas, as mentes e todos os outros fenômenos que têm uma causa mudam a cada momento, essa contemplação abre a possibilidade de um posterior desenvolvimento positivo. Se as situações não sofressem uma transformação, elas reteriam para sempre a natureza do sofrimento. Quando sabemos que as coisas estão sempre se modificando, mesmo que estejamos passando por um período difícil, podemos encontrar consolo no conhecimento de que a situação não permanecerá como está para sempre. Por conseguinte, não há por que sentir frustração. A sorte também não é permanente, de modo que não é proveitoso nos apegarmos às coisas quando elas estiverem indo bem. A perspectiva de permanência nos destrói: mesmo que vocês aceitem a existência de vidas futuras, o presente torna­se sua preocupação e o futuro deixa de ser importante. Essa atitude arruina uma boa oportunidade quando sua vida é contemplada com o tempo disponível e os recursos necessários para que vocês se dediquem a práticas produtivas. Uma perspectiva de impermanência é bastante proveitosa. 32 A consciência da impermanência exige disciplina — o domínio da mente —, mas não significa punição ou controle externo. Disciplina tampouco quer dizer proibição; na verdade, significa que, quando existe uma contradição entre os interesses a longo e a curto prazo, sacrificamos a gratificação imediata em prol de um beneficio futuro. Isso se chama autodisciplina, que deriva de determinar a causa e o efeito do carma. Por exemplo, com o objetivo de fazer meu estômago voltar ao normal depois de uma doença recente, estou evitando alimentos ácidos e bebidas geladas que, de outra maneira, parecem saborosos e apetitosos. Esse tipo de disciplina significa proteção. Analogamente, refletir sobre a morte não requer punição e sim autodisciplina e autoproteção. Os seres humanos possuem o potencial completo para criar boas coisas, mas a sua utilização plena exige liberdade. O totalitarismo sufoca esse crescimento. De uma forma complementar, individualismo não significa que vocês não esperem nada que venha de fora ou que estejam esperando ordens; em vez disso, são vocês que criam a iniciativa. Por conseguinte, Buda freqüentemente exigia a “libertação individual”, querendo se referir à autolibertação e não àquela que tem lugar através de uma organização. Cada pessoa precisa criar o seu futuro positivo. A liberdade e o individualismo requerem autodisciplina. Se forem explorados por causa de emoções
  • 14. perturbadoras, conseqüências negativas terão lugar. A liberdade e a autodisciplina precisam trabalhar juntas. AMPLIANDO SUA PERSPECTIVA A partir de uma perspectiva budista, a mais elevada das metas é alcançar o estado de Buda para ser capaz de ajudar um grande número de seres sencientes; no entanto, um nível médio de realização pode libertá­lo do doloroso ciclo de nascimento, velhice, doença e morte; um nível de realização mais baixo, mas mesmo assim valioso, é o aperfeiçoamento das vidas futuras. A partir da melhora gradual das suas vidas, vocês podem alcançar a libertação e, apoiados nesse aperfeiçoamento, finalmente atingir o Estado de Buda. 33 Primeiro, sua perspectiva se expande e passa a incluir vidas futuras; a seguir, quando vocês compreendem totalmente sua situação difícil, sua perspectiva se aprofunda e passa a abranger a totalidade do ciclo de sofrimento de uma vida para outra, denominado existência cíclica ou samsara. Finalmente, essa percepção pode ser expandida para outros, por meio do desejo compassivo de que todos os seres sencientes se libertem de sofrimento e das causas desse sofrimento. Essa compaixão leva vocês a se elevarem ao estado de Buda. Vocês têm que estar preocupados com os aspetactos mais profundos da vida que afetam as vidas futuras, antes da percepção da totalidade da natureza do sofrimento e do ciclo da existência. Essa percepção do sofrimento, por sua vez, é necessária para o pleno desenvolvimento da compaixão. Analogamente, nós, tibetanos, estamos procurando alcançar certo grau de autonomia no Tibet para podermos ser úteis às pessoas na nossa terra natal, mas também estamos nos esforçando para consolidar nossa posição de refugiados na Índia. A consecução da primeira meta, que é o propósito principal, depende da realização do segundo objetivo, que é temporário. AS DESVANTAGENS DE NÃO ESTAR ATENTO À MORTE É vantajoso ter consciência de que vocês vão morrer. Por quê? Se não estiverem conscientes da morte, não ficarão atentos à sua prática e levarão uma vida inexpressiva, sem examinar que tipos de atitude e ação perpetuam o sofrimento e quais trazem a felicidade. Se não tiverem consciência de que poderão morrer em breve, serão dominados por uma falsa sensação de permanência que lhes diz: “Vou morrer um dia, mais tarde”. Então, quando chega a hora, mesmo que tentem realizar algo meritório, não terão a energia necessária. Muitos tibetanos entram muito jovens para um mosteiro e estudam textos sobre a prática espiritual, mas quando chega o momento de realmente praticar carecem da capacidade de efetivamente fazê­lo. Isso acontece porque eles não entendem realmente o que é a impermanência. 34 Se, depois de refletir, vocês chegarem à conclusão de que para praticar é absolutamente necessário que se recolham durante vários meses ou até mesmo muitos anos, terão tomado essa decisão motivados pelo seu conhecimento da impermanência. No entanto, se essa necessidade não for sustentada por meio da repetida contemplação dos conflitos da impermanência, sua prática pouco a pouco se extinguirá. É por esse motivo que algumas pessoas fazem retiro durante anos, mas não sentem posteriormente que esse período tenha influenciado sua vida. Contemplar a impermanência não apenas motiva a prática como também a alimenta.
  • 15. Se tiverem um forte sentimento da certeza da morte e da incerteza da chegada dela, estarão motivados a partir do interior. Será como se um amigo lhes estivesse avisando: “Cuidado, fique atento, outro dia está passando.”. Vocês poderiam até sair de casa e dedicar­se à vida monástica. Se fizessem isso, receberiam outro nome e novas roupas. Suas atividades seriam menos movimentadas e vocês precisariam mudar de atitude, voltando a atenção para objetivos mais profundos. No entanto, ao sair do mosteiro, se continuassem a se envolver com os assuntos superficiais do momento — alimentos saborosos, roupas de qualidade, uma casa melhor, conversas agradáveis, muitos amigos e conhecidos, tornando­se inimigos de uma pessoa que os contrariasse e chegando até a discutir e brigar com ela —, estariam talvez em pior situação do que estavam antes de entrar para o mosteiro. Lembrem­se de que não basta afastar­se dessas atividades superficiais por constrangimento ou medo do que possam pensar os seus amigos que também estão no caminho; a mudança precisa vir de dentro. Esse fato é verdadeiro tanto para os monges quanto para os leigos que se dedicam à prática. Talvez vocês estejam atormentados por um sentimento de permanência, achando que não vão morrer em breve e que enquanto estiverem vivos precisam de alimentos, roupas e conversas da mais alta qualidade. 35 Devido ao desejo de possuir os maravilhosos objetos do presente, mesmo que eles pouco signifiquem a longo prazo, vocês estão prontos a empregar os mais diversos tipos de exageros e estratagemas desavergonhados para conseguir o que querem — contratando empréstimos a juros elevados, menosprezando os amigos e entrando com ações na justiça —, tudo para obter provisões mais do que adequadas. Como vocês dedicaram a vida a essas atividades, o dinheiro torna­se mais atraente do que o estudo, e mesmo que tentem praticar, não prestarão muita atenção ao que estão fazendo. Se uma página se soltar de um livro, talvez hesitem em pegá­la, mas se algum dinheiro cair no chão, não vacilarão em se abaixar. Se encontrarem pessoas que realmente dedicaram a vida a investigações mais profundas, talvez admirem essa dedicação, mas isso é tudo, ao passo que se virem alguém vestindo trajes finos, exibindo a riqueza que possui, vocês a desejarão, cobiçarão, terão a esperança de obtê­la, com um apego cada vez maior. Enfim, farão tudo para consegui­la. Quando vocês estão decididos a obter as coisas boas desta vida, suas emoções perturbadoras se intensificam, o que por sua vez necessariamente acarreta mais ações nocivas. Essas emoções contraproducentes só causam problemas, fazendo com que vocês e os que os cercam sintam­se pouco à vontade. Mesmo que aprendam momentaneamente a praticar os estágios do caminho para a iluminação, vocês adquirem um número cada vez maior de coisas materiais e se envolvem com um número crescente de pessoas até o ponto em que vocês, por assim dizer, praticam as superficialidades desta vida, cultivam meditativamente o desejo de ter amigos e o ódio pelos inimigos, e tentam imaginar maneiras de satisfazer essas emoções perturbadoras. Nesse ponto, mesmo que ouçam falar na prática verdadeira e benéfica, terão a tendência de sentir: “É verdade, as coisas são assim, mas...” Um “mas” depois do outro. Na verdade, vocês se acostumaram as emoções perturbadoras no decorrer da sua existência cíclica imemorial, mas agora acrescentaram a prática da superficialidade, o que torna a situação ainda pior, afastando­os do que realmente poderá ajudá­los. 36
  • 16. Impelidos pela cobiça, não encontrarão conforto. Vocês não estão fazendo os outros felizes e certamente não estão causando a própria felicidade. À medida que se tornam mais egocêntricos, dizendo “meu isso, meu aquilo”, “meu corpo, minha saúde” qualquer pessoa que possa interferir na sua vida torna­se imediatamente objeto da sua raiva. Embora vocês tratem muito bem “meus amigos” e meus parentes, eles não podem ajudá­los quando vocês nascem e quando morrem; vocês chegam sozinhos à Terra e têm de partir sozinhos. Se no dia de sua morte um amigo pudesse acompanhá­los, o apego seria proveitoso, mas isso não é possível. Se o seu amigo da vida anterior pudesse lhes ser útil de alguma forma quando vocês renascem em uma situação totalmente desconhecida, o apego a ele também seria algo a ser considerado, mas essa possibilidade também é inexistente. No entanto, no intervalo entre o nascimento e a morte, durante várias décadas, vocês dizem “meu amigo” e “meu irmão”. Essa ênfase inadequada não é nem um pouco útil e só serve para criar mais confusão, cobiça e ódio. Quando os amigos são excessivamente enfatizados, os inimigos também são. Quando vocês nascem, não conhecem ninguém e ninguém os conhece. Embora todas as pessoas desejem igualmente ser felizes e evitar o sofrimento, vocês gostam do rosto de algumas delas e pensam: “Estes são meus amigos”, e não gostam da face de outras e pensam: “Estes são meus inimigos”. Associam a elas identidades e apelidos, e acabam gerando o desejo pelas primeiras e o ódio pelas últimas. Que valor isso tem? Nenhum. O problema é que uma grande quantidade de energia está sendo despendida em preocupações com um nível que não vai além das questões superficiais desta vida. O profundo perde para o trivial. Se não tiverem praticado e no dia de sua morte se virem cercados por amigos chorosos e outras pessoas envolvidas nos seus assuntos, em vez de ter perto de si alguém que os faça lembrar da prática virtuosa, surgirão problemas que vocês mesmos terão causado. Onde está o erro? No fato de vocês não estarem conscientes da impermanência. 37 AS VANTAGENS DE ESTAR CONSCIENTE DA IMPERMANÊNCIA No entanto, se vocês não esperarem até a última hora para assimilar o conhecimento de que vão morrer e avaliarem realisticamente a sua situação agora, não se deixarão dominar por propósitos superficiais e temporários. Não descuidarão do que importa a longo prazo. É melhor determinar desde o início que vocês vão morrer e investigar o que vale a pena. Se tiverem em mente a rapidez com que a vida desaparece, darão valor ao seu tempo e farão o que é importante. Ao ter um forte sentimento da iminência da morte, sentirão a necessidade de se envolver na prática espiritual, de aperfeiçoar a mente, e não desperdiçarão o tempo com distrações como comer, beber, conversar extensamente sobre a guerra, ler romances e fazer fofoca. Todos os seres desejam a felicidade e não querem o sofrimento. Utilizamos muitos níveis de técnicas para remover o sofrimento indesejável nas suas formas superficiais e profundas, mas são principalmente os seres humanos que se dedicam a técnicas na primeira parte da vida para evitar um sofrimento posterior. Tanto os que praticam quanto os que não praticam a religião procuram, no decorrer da vida, reduzir alguns tipos de sofrimento e eliminar outros, às vezes até aceitando a dor como uma maneira de superar um sofrimento maior e alcançar certo grau de felicidade. Todo mundo tenta remover a dor superficial, mas existe outra classe de técnicas que diz respeito a eliminar o sofrimento em um nível mais profundo e que visa, na pior das hipóteses, diminuir o sofrimento nas vidas futuras e, além disso, eliminar todas as formas de sofrimento não apenas para a própria pessoa, como também para todos os seres. A prática espiritual é desse tipo mais profundo. Essas técnicas envolvem um ajuste de atitude; desse modo, a prática espiritual significa basicamente acomodar bem o pensamento. Em sânscrito, isso se chama dharma, que quer dizer
  • 17. “aquilo que afasta”. Significa que, ao ajustarmos atitudes contraproducentes, somos libertados de um nível de sofrimento e, portanto, mantidos afastados desse sofrimento particular. A prática espiritual protege, ou afasta, a nós e às outras pessoas da dor e da aflição. 38 Primeiro vocês compreendem sua situação na existência cíclica e buscam manter­se afastados do sofrimento; posteriormente, estendem essa realização a outros seres e desenvolvem a compaixão, o que significa que vocês se dedicam a manter outros seres afastados do sofrimento. Faz sentido que, individualmente, escolham tomar conta de muitos, mas também serão mais felizes ao se concentrarem no bem­estar dos outros. A compaixão diminui o medo da dor pessoal e aumenta a força interior. Ela confere uma sensação de poder, de sermos capazes de concluir nossas tarefas. Ela empresta coragem. Vou dar um pequeno exemplo. Recentemente, quando eu estava em Bodh Gaya, contraí uma infecção intestinal crônica. A caminho do hospital, a dor do meu abdômen era muito intensa e eu estava suando muito. O carro estava passando pela área do pico do Abutre (Buda pregou nesse local), onde os habitantes são extremamente pobres. O estado de Bihar é uma região carente, mas essa área particular o é ainda mais. Nem mesmo vi crianças indo ou voltando da escola. Só avistei a pobreza. E a doença. Lembro­me claramente de um menino com poliomielite, que usava nas pernas um aparelho enferrujado e muletas de metal nas quais ele apoiava as axilas. Era óbvio que não havia ninguém para tomar conta dele. Fiquei muito comovido. Mais adiante, em um ponto de chá, um velho que vestia apenas uma peça suja de roupa estava caído no chão sem que ninguém se importasse com ele. Mais tarde, no hospital, meus pensamentos não paravam de girar em torno do que eu vira e fiquei refletindo em como era triste eu ter quem cuidasse de mim enquanto aquelas pobres pessoas não tinham ninguém que olhasse por elas. Fiquei pensando nessas coisas em vez de me concentrar no meu sofrimento. Embora o suor brotasse do meu corpo, minha preocupação estava em outro lugar. 39 Desse modo, apesar de o meu corpo estar sentindo uma imensa dor (um buraco tinha se aberto na minha parede intestinal) que me impedia de dormir, a minha mente não estava sofrendo nem medo nem desconforto. A situação só teria piorado se eu tivesse me concentrado nos meus problemas. Este é um exemplo extraído da minha exígua experiência de como uma atitude de compaixão pode ajudar até a própria pessoa, eliminando um pouco da dor física e mantendo afastado o sofrimento mental, apesar do fato de que outras pessoas talvez não estejam sendo diretamente ajudadas. A compaixão fortalece sua perspectiva e com essa coragem vocês ficam mais relaxados. Quando seu ponto de vista inclui o sofrimento de um número ilimitado de seres, seu sofrimento parece pequeno comparado com o deles. 40 2 ­Libertando­se do Medo “Sua vida subsiste entre as causas da morte como uma lâmpada que se ergue em uma forte brisa”. — PRECIOUS GARLAND (grinalda preciosa) de NAGARJUNA
  • 18. O Primeiro Panchen Lama escreveu um poema de 17 estrofes que muitos tibetanos usam para concentrar suas reflexões diárias sobre a morte. O titulo do poema é: Wishes for Release from the Perilous Straits of the Intermediate State, Hero Releasing from Fright (Desejos para libertar­se das situações difíceis e perigosas do estado intermediário, o herói livrando­se do medo). A fim de ficar livre das situações amedrontadoras, como ser atacado por ladrões, bandidos e ammais selvagens, vocês precisam ser salvos por um guia heroico e capaz. Analogamente, para libertar­se do horror das aparições ilusórias no processo da morte e durante o estado intermediário entre as vidas, precisam praticar o conselho oferecido nesse poema, que fornece técnicas profundas para que vocês se livrem desses temores. Ao refletir sobre o poema, vocês aprendem como a morte ocorre, e esse conhecimento lhes será útil quando o verdadeiro processo acontecer. A hora da morte é uma ocasião em que os níveis mais profundos da mente se manifestam; a reflexão diária também abre a porta para esses estados. O poema contém uma série de desejos que podem ser usados por qualquer um de nós para que a mente reaja de um modo virtuoso quando a morte chegar Algumas pessoas procuram gerar uma poderosa motivação virtuosa na hora da morte, para fortalecer e ativar predisposições virtuosas, o que as conduz a um renascimento favorável. A meta delas é realizar uma transmigração para a vida seguinte a fim de dar seguimento à prática religiosa. Outras, como veremos, procuram utilizar os níveis mentais mais profundos que se manifestam quando a pessoa está morrendo, para alcançar estados espirituais mais avançados. 41 Todos os praticantes visam ser úteis aos outros. O poema do Primeiro Panchen Lama descreve três níveis de prática espiritual — para as pessoas altamente treinadas, para as de padrão médio e para as pouco experientes —, sob a forma de desejar permanecer consciente durante o processo da morte, o estado entre as vidas e o renascimento. Ele descreve detalhadamente o que se deve fazer em cada estágio. Vocês precisam adotar um nível apropriado de prática no restante da vida para que, na hora da morte, possam vencer com sucesso cada estágio. Quando a morte efetivamente chegar, se vocês não estiverem acostumados a essa prática, será muito difícil realizar com êxito qualquer reflexão proveitosa. Por conseguinte, agora e o momento de praticar e preparar­se enquanto ainda estão felizes e as circunstâncias de sua vida são favoráveis. Se fizerem isso, na ocasião de verdadeira necessidade e pressão, não haverá preocupações. Se não se prepararem quando tiverem tempo para ouvir, pensar, meditar e fazer perguntas, não terão tempo no último dia e se verão sem um protetor ou refúgio, restando­lhes apenas o arrependimento. É melhor que muito antes desse momento comecem a se dedicar à prática contínua da reflexão sobre o processo da morte e do estado intermediário entre as vidas, imaginando as etapas para que elas se tornem familiares. Essa atitude é muito importante, porque assim vocês poderão alcançar o sucesso compatível com sua maior capacidade. Não basta apenas conhecer o processo da morte e as praticas ligadas a ele; é preciso familiarizar­se mais com eles ao longo dos meses e dos anos. Se agora, quando seus sentidos ainda estão claros e a consciência não degenerou, sua mente não se tornar proveitosa para o caminho da virtude e não se acostumar com ele, ela terá dificuldade, na hora da morte, em avançar por vontade própria em uma trajetória desconhecida. Na ocasião da morte, vocês podem estar fisicamente fracos por causa da doença e mentalmente deprimidos devido a um medo terrível. 42
  • 19. Portanto, é fundamental que adquiram intimidade com as práticas relacionadas com o processo da morte. Não há nenhum substituto para isso. Não há nenhuma pílula que vocês possam tomar. O esforço necessário para assimilar essas práticas depende da motivação interior decorrente da convicção de que as experiências de prazer e de dor correspondem, diretamente, às suas ações virtuosas e não virtuosas. Assim sendo, no início é importante aperfeiçoar a idéia das ações de causa e efeito, ou carma, com base no conhecimento de que as boas ações derivam da mente domada e as más ações, da mente indomada. Embora ações virtuosas e não virtuosas sejam praticadas pelo corpo, pela palavra e pela mente, esta última é a mais importante, de modo que a base do budismo é a transformação da mente. A ênfase do ensinamento budista é na mente domada, cujo alicerce é a percepção de que vocês são os criadores do seu prazer e da sua dor Buda disse as seguintes palavras: “Os budas não lavam as más ações com água. Não removem com as mãos o sofrimento dos seres que transmigram. Nem transferem suas realizações para outros. Os seres são libertados através dos ensinamentos da verdade, da natureza das coisas”. Vocês são os seus próprios protetores; o conforto e o desconforto estão em suas mãos. O STATUS DA LINHAGEM DOS PANCHEN LAMAS O Primeiro Panchen Lama, cujo nome era Losang Chokyi Gyeltsen, foi um dos mentores do Quinto Dalai Lama no século XVII. Antes dessa época, embora ele fosse um monge comum, as pessoas do local e seu próprio mestre o consideravam uma encarnação de um grande ioga tibetano, Ensaba. Ele talvez não tenha sido um grande erudito, mas era um praticante magnífico. Como o seu mestre Sangyay Yeshay, ele nutria um respeito genuíno pelas outras linhagens da prática budista. 43 Nas obras completas do seu mestre, encontramos um vocabulário religioso de outras tradições e essa abertura pode ter influenciado a prática de Panchen Losang Chokyi Cyeltsen. Ele sem dúvida contribuiu muito para o respeito mútuo e a harmonia entre as escolas tibetanas do budismo. O Panchen Lama anterior, Lobsang Trinley Lhundrup Choekyi Gyeltsen, o décimo na linha de reencarnações, morreu em 1989. Ele e eu nascemos em uma província situada na região nordeste do Tibet chamada Amdo. Houve uma pequena controvérsia quando ele foi escolhido como a reencarnação do seu predecessor. Os funcionários do seu mosteiro em Shigatse, situado na região ocidental do Tibet, estavam na província de Amdo em uma área sob a influência de um líder militar muçulmano. Eles chegaram à conclusão de que Lobsang Trinlev Lhundrup Choekyi Gyeltsen era a verdadeira reencarnação do Nono Panchen Lama. No Acordo de Dezessete Pontos que o governo chinês promoveu como uma maneira de estabelecer um relacionamento com o Tibet, os chineses indicaram, ou talvez tenham insistido, que o governo tibetano reconhecesse um menino que já estava nas mãos deles, como o Décimo Panchen Lama. Desse modo, seu reconhecimento foi um pouco controverso, mas ele demonstrou ser corajoso e um grande herói, a serviço do budismo e do povo tibetano. Não há dúvida quanto à sua autenticidade. Quando o conheci, por volta de 1952, ele era muito inocente, sincero e inteligente. Em 1954, no ano em que ambos fomos à China, ele veio do Tibet ocidental para unir­se a mim em Lhasa, a capital, por alguns dias. A seguir, foi para a China através da província Amdo e eu fui através de Kongpo. Talvez devido ao descontentamento de alguns dos seus funcionários, a sua atitude mudou um pouco. 44
  • 20. Em 1956, quando ambos estávamos na Índia durante a celebração do aniversário de 2.500 anos do Buda, as indicações dessa mudança ainda eram pequenas. No entanto, como eventos muito tristes — batalhas com tropas chinesas — tiveram lugar em 1957 e 1958 nas duas províncias orientais, Amdo e Kham, informações sobre as atrocidades cometidas pelo exército chinês finalmente o alcançaram. Ele então compreendeu plenamente, talvez tarde demais, que todo o Tibet deveria se unir para enfrentar essa nova ameaça. No meu exame escolástico final, ele enviou um funcionário monástico de sua confiança, que me explicou que o modo de pensar do Panchen Lama tinha mudado bastante devido às recentes notícias recebidas da região onde ele nascem. Sob essa nova ameaça, ele tomara a firme decisão de que seu mosteiro em Shigatse iria trabalhar em conjunto com o governo tibetano. Depois que fugi para a Índia em 1959, o Panchen Lama me substituiu como o líder dentro do Tibet e, durante vários anos, teve um comportamento maravilhoso. Finalmente, foi colocado em prisão domiciliar e feito prisioneiro. Depois que foi libertado, usou sabiamente a oportunidade, esforçando­se ao máximo para melhorar a situação da religião budista e da cultura tibetana. Quando uso a palavra “sabiamente” quero dizer que ele não abordou questões sensíveis como a independência do Tibet, empregando toda a sua energia na preservação do budismo e da cultura tibetana. Houve até mesmo ocasiões em que ele repreendeu publicamente os tibetanos que só usavam roupas no estilo chinês e só falavam chinês. Esses tibetanos foram pressionados a usar trajes tibetanos e a expressarem­se no idioma tibetano. Ele demonstrou sua sinceridade por meio dessas ações. Sua morte foi muito repentina e prematura, e me entristeceu muito. Quando ele estava vivo, havia um líder tibetano que falava no país em nome do povo, enquanto no exterior eu procurava ser útil no maior número de maneiras possíveis. Agora que se foi, não há mais ninguém no Tibet capaz de fazer o que ele fazia. As pessoas estão velhas demais ou excessivamente assustadas. Sua morte foi uma grande perda. 45 Assim que ele faleceu, mandei uma mensagem para o governo chinês dizendo que gostaria de enviar uma delegação espiritual para fazer algumas oferendas no mosteiro do Panchen Lama, mas meu pedido foi rejeitado. Alguns anos depois, pedi ao governo chinês que permitisse que uma delegação espiritual partisse em busca da reencarnação do Panchen Lama, mas uma vez mais negaram minha solicitação. Obviamente, o ponto importante era que a reencarnação do Panchen Lama fosse autêntica. Naquela época, alguns tibetanos insistiram em que a reencarnação do Panchen Lama teria de ser procurada fora do Tibet ocupado, mas fui de opinião que o motivo deles era político. O que realmente importava era encontrar a reencarnação genuína, quer dentro, quer fora do Tibet. Se a reencarnação do Panchen Lama estivesse no Tibet, eu sabia que seria necessário discutir o assunto com o governo chinês, de modo que pedi para enviar uma delegação espiritual a fim de procurar essa reencarnação. O pedido foi recusado, mas nesse ínterim, através de um canal informal privado, mantive contato com um Lama, Chadrel Rinpochay, que me enviou uma relação de 25 candidatos e várias fotografias. Assim que vi a foto de Gedhun Choekvi Nyima, tive uma sensação de afinidade e de intimidade. Fiz algumas adivinhações, que foram muito positivas para ele. Finalmente, realizei uma adivinhação fazendo girar uma tigela com bolas de massa contendo o nome dos candidatos finais em tiras de papel enroladas dentro delas. Foi como se a bola com o nome dele tivesse voado para fora da tigela. Esses passos me conferiram a certeza de que ele é a reencarnação do Décimo Panchen Lama.
  • 21. No entanto, não fiz a proclamação. À medida que o tempo ia passando, um número cada vez maior de tibetanos, especialmente os que moravam no Tibet, insistiam em que eu tomasse a decisão. Continuei a tentar comunicar­me com o governo chinês, mas não tive êxito. Finalmente achei que seria apropriado fazer a proclamação na data em que Buda ministrou pela primeira vez ensinamentos sobre Kalachakra, ou a Roda do Tempo, com a qual o Panchen Lama tem uma conexão especial. Fiz outra adivinhação através das bolas de massa para verificar se deveria ou não fazer a proclamação e obtive uma resposta positiva. 46 Anunciei então o nome do novo Panchen Lama e, no dia seguinte, fui seriamente censurado pelo nosso amo e senhor, o governo chinês. Mas realmente assustador foi o fato de que poucos dias depois, o jovem Lama reencarnado e seus pais foram retirados do seu lugar de origem, levados para Lhasa e depois para a China, e a partir de então nunca mais se teve noticias dele. O ocorrido me deixou muito triste, porque a criança teve de sofrer os efeitos das minhas atividades, consideradas ilegais pelo governo chinês. Os chineses acreditam que devem ter a palavra final. Isso de fato aconteceu algumas vezes na história tibetana, quando houve uma divergência interna entre grupos na comunidade tibetana, sobre uma escolha restrita de candidatos. Eles se voltaram para o imperador da China, que era ao mesmo tempo budista e patrono do budismo tibetano, para que ele tomasse a decisão final diante de uma imagem do Buda Shakyamuni usando um recipiente dourado, do qual era retirada uma vareta onde estava gravado um nome. Esses foram casos em que os tibetanos eliminaram a discussão eclesiástica de uma maneira religiosa. Meu predecessor, o Décimo Terceiro Dalai Lama, foi escolhido por unanimidade pelo governo tibetano após os procedimentos internos habituais sem nenhuma consulta externa Quando lhe pediram que opinasse sobre o Nono Panchen Lama, ele declarou sua escolha entre os candidatos, mas era jovem demais para que sua autoridade fosse completa. Como os tibetanos se inclinam para o caminho mais fácil, eles se voltaram para a consulta externa do recipiente dourado, que foi realizada pelo embaixador da China. Ainda assim, o nome que o Décimo Terceiro Dalai Lama fortemente recomendara foi o extraído do recipiente dourado. Como os tibetanos confiavam no imperador chinês, é natural que envolvessem o seu patrono e defensor em certas atividades religiosas importantes. Esse tipo de situação modificou­se completamente hoje em dia com o governo chinês atual, cujo interesse primordial é o controle. Para fazer sua escolha pessoal do atual Panchen Lama, os chineses fizeram uma adivinhação com o recipiente dourado, mas ela foi predeterminada; ele e os seus pais já aguardavam no templo a proclamação. 47 O governo chinês colocou então em prisão domiciliar o monge que, atuando como o líder do budismo tibetano, “escolheu” a vareta. Trata­se certamente de um governo totalitário. Não obstante, em duas ou três ocasiões assisti a vídeos do Panchen Lama oficial do governo chinês, Cyaltsen Norbu, e ele parece competente. Em um dos vídeos, ele estava transmitindo um ensinamento relacionado com um ritual de longa vida. Ele sabia de cor a cerimônia e explicou muito bem o significado do ritual. SINOPSE DO POEMA
  • 22. O poema de 17 estrofes do Primeiro Panchen Lama é um guia para técnicas budistas específicas, destinadas a fazer com que a pessoa supere o medo da morte e possivelmente utilize os estágios da morte para o progresso espiritual. Espeto que essa descrição das experiências psicológicas interiores e das mudanças físicas proporcione uma reflexão produtiva para os que se interessam pela morte e pelos níveis mais profundos da mente e também que sirva como fonte de informações para cientistas que têm interesse em trabalhar com budistas eruditos e iogues sobre assuntos relacionados com a morte. Embora as pessoas ligadas às ciências tenham em geral encarado a mente como um produto do corpo, alguns especialistas estão começando a pensar nela como uma entidade mais independente, capaz de afetar o corpo. É evidente que emoções fortes, como o ódio, podem afetar o corpo, mas estão sendo realizadas experiências relacionadas com práticas específicas nas quais a mente é deliberadamente treinada, como o desenvolvimento da fé, da compaixão, da concentração unidirecional, da reflexão sobre o vazio ou meditações especiais da tradição Nyingma do budismo tibetano. Essas experiências demonstram que o treinamento mental pode ter uma função autônoma, influenciando o corpo e até mesmo dessensibiizando­o. Creio que uma consulta a enfermeiros, especialmente nas clínicas para pacientes com doenças terminais, sobre os sinais iminentes da morte também seria proveitosa. 48 As primeiras sete estrofes do poema do Panchen Lama explicam como abordar a morte. Após uma estrofe inicial que fala sobre buscar refúgio em Buda, na sua doutrina e na comunidade espiritual (detalhados neste capítulo), as duas estrofes seguintes (Capítulo 3) tratam da importância de dar valor à vida atual e considerá­la uma oportunidade para a prática espiritual. Elas descrevem como usar essa preciosa situação refletindo sobre a impermanência do presente a fim de debilitar nosso apego excessivo às experiências transitórias. A quarta e a quinta estrofes (Capitulo 4) mencionam a adoção de uma perspectiva capaz de lidar tanto com o intenso sofrimento que pode acompanhar os momentos que cercam a morte quanto com as ilusões que aparecem quando estamos morrendo. A sétima e a oitava estrofes (Capitulo 5) estipulam como alcançar as condições mais favoráveis para a morte lembrando o que praticar e permanecendo alegre. As três estrofes seguintes (Capitulo 6) descrevem detalhadamente as aparições que ocorrem durante as quatro primeiras fases do processo da morte e como meditar no decorrer delas. Essa seção vale­se do nosso conhecimento sobre o colapso dos elementos que sustentam a consciência e as experiências correspondentes. Essas abrem gradualmente o caminho para que três mentes sutis, mais profundas, se manifestem como é descrito na estrofe seguinte (Capítulo 7). Esse capitulo expõe a estrutura da mente e do corpo segundo o tantra ioga superior. A décima segunda e a décima terceira estrofes (Capítulo 8) abordam a experiência culminante da mente inata fundamental de clara luz. Esse nível mais profundo da mente é a base de toda a vida consciente. As quatro últimas estrofes (Capítulos 9 e 10) descrevem o estado intermediário (após a morte e antes da vida seguinte) e mostram como reagir aos eventos com freqüência horríveis que podem ocorrer durante esse estado. Elas detalham como vários níveis de praticantes podem procurar direcionar seu renascimento seguinte. 49 Em conjunto, essas 17 estrofes apresentam a amplitude total da preparação para a morte na qual eliminamos as condições desfavoráveis, obtemos condições favoráveis, aprendemos a nos engajar na prática espiritual durante o processo da morte, tornamo­nos aptos a lidar com o estado intermediário entre as vidas e influenciar o renascimento subseqüente.
  • 23. O Início do Poema: A Obediência a Manjushri Antes de o poema começar, O Primeiro Panchen Lama expressa devoção e obediência à Manjushri, a manifestação física da sabedoria de todos os Budas. O autor considera Manjushri indiferençável do seu Lama, ou mestre. A razão pela qual ele oferece obediência à Manjushri é a seguinte. A base de uma boa morte e de um estado intermediário satisfatório entre as vidas, e até mesmo da obtenção do estado de Buda em uma progressão de vidas, é a prática bem sucedida da clara luz da morte. Existem duas classes de prática: a da compaixão e a da sabedoria. A prática da clara luz durante a morte está incluída na prática da sabedoria; por conseguinte, está contida nos estágios do ensinamento da visão profunda da compatibilidade da aparição com o vazio da existência inerente, cuja transmissão deriva do nosso amável mestre Buda Shakyamuni através de Manjushri. (Os estágios dos ensinamentos sobre vastas motivações e ações compassivas foram analogamente transmitidos pelo Buda Shakyamuni, porém através de Maitreya e Avalokiteshvara.) Desse modo, como a prática bem­sucedida da morte e do estado intermediário entre as vidas diz respeito principalmente ao fator da sabedoria, o Primeiro Panchen Lama expressa devoção a Manjushri. Obediência ao Guru Manjushri. Após prestar obediência à manifestação da sabedoria, ele inicia o poema propriamente dito. 50 Primeira Estrofe Eu e todos os seres através do espaço, sem exceção, Buscamos refúgio até a suprema iluminação Nos Budas do passado, do presente e do futuro, na doutrina e na comunidade espiritual. Que sejamos libertados dos temores desta vida, do estado intermediário e do seguinte. Com uma atitude de auto­ajuda, os budistas buscam refúgio no Buda como mestre, na doutrina de Buda (estados de realização e ensinamentos sobre eles) como um refúgio efetivo e na comunidade espiritual como guia para esse refúgio. Eles desenvolvem a convicção de que a interiorização da doutrina pode oferecer proteção contra o sofrimento. Eles consideram essas Três jóias (Buda, sua doutrina e a comunidade espiritual) como o refúgio final. Buscar refugio apenas para aliviar o próprio sofrimento e libertar­se da existência cíclica não satisfaz às qualificações do refugio altruísta. Sua perspectiva não seria ampla. Sua atitude ao buscar refúgio deve estar voltada para o beneficio de todos os seres sencientes, deve almejar que eles se libertem do sofrimento e alcancem o estado de Buda. Vocês devem buscar a onisciência do estado de Buda, a fim de satisfazer o objetivo primordial: ajudar os outros. Vocês devem pensar em todos os seres sencientes por todo o espaço e procurar alcançar a suprema iluminação, que supera a dos praticantes de concentração mais estreita porque envolve a eliminação das obstruções, tendo em vista não apenas libertar­se da existência cíclica como também atingir a onisciência. Essa iluminação superior, ou supremo nirvana, está além dos extremos das tendências, quer na direção de ser apanhado na existência cíclica do ciclo repetitivo do nascimento, velhice, doença e morte (denominado samsara), quer na direção da paz inativa, um estado no qual a pessoa se liberta do ciclo de sofrimento sem possuir a capacidade plena de ajudar os outros.
  • 24. 51 O Primeiro Panchen Lama aconselha a seus leitores que busquem refúgio no Buda, na sua doutrina e na comunidade espiritual a fim de alcançar a mais elevada iluminação em beneficio de outros seres sencientes. Esse refúgio chama­se causal; vocês estão se refugiando nas Três Jóias que estão inculcadas nas seqüências mentais dos outros, colocando sua confiança especialmente na cessação do sofrimento e nos estados espirituais que eles efetivaram, para superar o sofrimento. Suplicar àqueles que possuem as Três Jóias evoca a compaixão deles, não por gerá­la neles e sim porque vocês se abrem a esse sentimento. Ao tomar o refúgio causal, vocês estão praticando as doutrinas ensinadas pelo Mestre Buda tendo como modelo a comunidade espiritual de elevada realização; estão efetivando caminhos espirituais e muitos níveis da cessação do sofrimento. Desse modo, se tornam membros da comunidade espiritual de elevada realização e removem pouco a pouco todas as obstruções que os impedem de libertarem­se da existência cíclica, bem como os obstáculos à onisciência, tornando­se então um Buda. Vocês se libertam de todos os temores e alcançam a onisciência, de modo que conhecem a disposição das outras pessoas e sabem que técnicas irão ajudá­las. No interesse de alcançar esse refúgio extremamente produtivo, essa estrofe suplica às três fontes causais de refúgio que invoquem a compaixão delas. Como o refúgio é o início da prática budista, o primeiro desejo do texto do Primeiro Panchen Lama está relacionado com ele. Sem o refúgio, é difícil que outras práticas sejam bem sucedidas. No entanto, uma atitude de total confiança nas Três Jóias não é suficiente. Buda disse o seguinte: “Ensino a vocês o caminho da libertação. Saibam que a libertação depende de vocês. Ele não oferece a realização como um presente; vocês precisam praticar a moralidade, a meditação concentrada e a sabedoria". Considerem, por exemplo, a recitação do mantra om mani padme hum, que é praticada com a intenção de invocar dentro de vocês a compaixão por todos os tipos de seres sencientes. Ao encerrar uma sessão de repetição — 21, 108 ou mais vezes —, o valor da prática é dedicado através da recitação de uma oração relacionada com Avalokiteshvara, pois ele é a manifestação física da compaixão de todos os Budas. 52 Através das virtudes desta prática, Que eu possa rapidamente atingir um estado Idêntico ao de Avalokiteshvara Para ajudar todos os seres sencientes a alcançar o mesmo estado. Não existe a menor possibilidade de vocês atingirem o estado de Buda através da mera recitação de om mani padme hum, mas, se sua prática for associada ao verdadeiro altruísmo, ela pode funcionar como uma causa para a obtenção do estado de Buda. Analogamente, o fato de vocês tocarem, verem ou ouvirem um guru qualificado pode exercer um impacto positivo capaz de favorecer o desenvolvimento de uma experiência espiritual mais profunda. Quando meu mentor mais antigo, Ling Rinpochay, e eu tocávamos a testa um do outro no início de um encontro mais formal ou, em outras ocasiões, quando eu pegava a mão dele e a levava até a minha testa, o gesto me conferia emocionalmente um forte sentimento de intimidade, relacionado com uma fé e uma confiança mais intensas. Na época de Buda, quando alguém que realmente o respeitava e amava tocava o pé dele, esse contato certamente produzia algum beneficio. No entanto, se uma pessoa que não tinha nem fé nem respeito por Buda agarrasse a perna dele e pressionasse a cabeça contra
  • 25. ela, provavelmente nenhuma bênção seria gerada. Embora algo seja exigido da parte do guru, muito mais é requerido do discípulo. Quando pediam a um maravilhoso Lama da província Amdo no Tibet que concedesse uma bênção colocando a mão sobre a cabeça do praticante, ele dizia o seguinte: “Não sou um Lama capaz de conferir a libertação pondo uma das mãos, que possui a mesma natureza do sofrimento, sobre a cabeça de uma pessoa”. RESUMO DOS CONSELHOS 1 ­A motivação da prática deve ser o beneficio de todos os seres vivos ­a vontade de que eles se libertem do sofrimento e alcancem a perfeição. Ajustem sempre sua motivação para querer ajudar o mais possível os outros. Tentem, pelo menos, não fazer mal a eles. 53 2 ­Os Budas são mestres do caminho espiritual; não oferecem a realização como um presente. Vocês precisam praticar todos os dias a moralidade, a meditação concentrada e a sabedoria. 54 3 ­Preparando­se para Morrer “Sem saber que preciso deixar tudo para trás e partir, pratiquei várias ações nocivas em atenção a amigos e Inimigos”. ­BUDA Segunda Estrofe: Que possamos extrair a essência significativa da sustentação desta vida Sem sermos distraídos pelas questões insensatas da vida, Pois esta boa base, difícil de obter e fácil de se desintegrar, Apresenta a oportunidade de escolha entre o lucro e a perda, o conforto e a miséria. A consumação da prática bem­sucedida requer condições internas e externas favoráveis, as quais vocês já têm. Por exemplo, na condição de seres humanos, temos um corpo e uma mente que nos permitem entender os ensinamentos. Assim sendo, satisfazemos as condições internas mais importantes. Externamente, é preciso que as práticas sejam transmitidas e se tenha liberdade para praticar. Na presença dessas circunstâncias, se vocês se esforçarem, o sucesso está garantido. No entanto, se não se empenharem, o desperdício será enorme. É necessário que valorizem essas condições, pois quando elas não estão presentes, vocês nem mesmo têm uma oportunidade. Vocês devem dar valor às possibilidades atuais. 55 Como vocês obtiveram tanto um corpo humano quanto as condições externas corretas, por meio do desejo de praticar, podem fazer sua vida valer a pena. Vocês precisam fazer isso. É chegada a hora de fazê­lo. Se usarem essa oportunidade para trabalhar em causas construtivas, poderão realizar feitos muito poderosos; se forem motivados pelos três venenos da cobiça, do ódio e da ignorância, vocês podem igualmente praticar, de várias maneiras, ações nocivas e muito poderosas.
  • 26. É muito difícil para outros seres, como os animais, que não possuem nossa excelente base humana, alcançar virtudes por meio do poder individual. Temos conhecimento de raros casos em que fizeram coisas virtuosas na presença de condições externas adequadas, mas eles têm dificuldade em pensar. Quando os animais agem com cupidez ou ódio, eles o fazem de uma forma temporária ou superficial; são incapazes de praticar ações nocivas físicas ou verbais muito poderosas ou em grande quantidade. No entanto, os seres humanos podem pensar a partir de numerosos pontos de vista. Como a nossa inteligência é mais eficaz, podemos atingir o bem e o mal em grande escala. Esse dom humano, quando usado para o bem, pode ser muito eficaz. Se vocês forem cuidadosos e procurarem praticar boas ações, os objetivos desta vida e os das vidas futuras poderão ser alcançados. Se não tomarem cuidado, as suas más ações poderão gerar um tremendo sofrimento. É por esse motivo que, embora muitos tipos de seres tenham evoluído neste planeta desde a sua formação, foram os humanos que realizaram os maiores progressos, mas também foram eles que aprenderam a produzir mais medo, sofrimento e outros problemas, ameaçando inclusive destruir o planeta. Tanto o melhor quanto o pior estão sendo feitos por seres humanos. Como vocês possuem os dotes físicos necessários para alcançar os benefícios e a perda, o conforto e a miséria, precisam saber como usá­los de um modo infalível. Se soubessem que teriam o dom dessa escolha no decorrer de uma longa seqüência de vidas, talvez fosse aceitável não usá­lo sabiamente nesta vida. No entanto, este não é o caso. A mutabilidade de qualquer fenômeno é um indício de que ele depende de causas, de modo que a instabilidade do nosso corpo é um sinal de que ele também depende de causas. Elementos do seu pai e da sua mãe estão envolvidos como causas e condições do seu corpo, mas para que o óvulo da sua mãe e o espermatozóide do seu pai se unam, ainda outras causas se fazem necessárias. 56 Estas dependem, por exemplo, do óvulo e do espermatozóide dos pais dos seus pais e assim por diante, recuando ao óvulo e ao espermatozóide de alguns seres sencientes após a formação do mundo. Ainda assim, se a criação deste corpo humano dependesse apenas do óvulo e do espermatozóide, como eles não estavam presentes na época da formação deste sistema de mundo e como não surgiram desprovidos de uma causa (considerando­se a conseqüência de que teriam então que aparecer em todos os lugares o tempo todo ou nunca), isso significa que também existem outros fatores, ou seja, o carma. Cada sistema de mundo possui eras de formação, continuação, desintegração e, finalmente, um período de vazio. Após essa seqüência quádruplo, um novo sistema de mundo se forma a partir da circulação dos ventos, ou energias, e a partir do subseqüente desenvolvimento de outros elementos. Quer esse processo seja explicado de acordo com as opiniões científicas de hoje, quer consoante a filosofia budista, existe um momento em que um sistema de mundo específico é inexistente. O início do processo de formação de um sistema de mundo depende de muitas causas e condições, as quais, por sua vez, são fenômenos causados. Estes precisam ser formados por uma divindade criadora ou pela força do carma (ações anteriores) das pessoas que nascerão lá e usarão aquele ambiente. A partir de uma perspectiva budista, é impossível que a criação do que é causado, e portanto impermanente (inclusive um sistema de mundo), dependa da supervisão, ou força motivadora, de uma divindade não causada e, por conseguinte, permanente. Antes, é através da força do carma dos seres sencientes que tem lugar o processo de formação do ambiente. A única escolha alternativa é que ele seja não causado, o que seria absurdo. Assim como a criação e a desintegração do ambiente depende de causas e condições, o mesmo é verdade com relação à qualidade de vida dos seres sencientes. Uma das regras sólidas de causa e
  • 27. efeito diz que as boas causas produzem bons resultados e as causas nocivas geram maus resultados. 57 Isso significa que qualquer efeito positivo a longo prazo é precedido pela acumulação de uma boa causa. Analogamente, para produzir um efeito vigoroso, é necessário ter uma causa poderosa. No que tange à natureza física do ser humano, tivemos de acumular nas vidas anteriores as inúmeras causas e condições poderosas que individualmente produziram a forma, a cor, a acuidade dos sentidos e outras qualidades do nosso corpo. Se depois de ter praticado uma ação virtuosa e acumulado o poder dela, este permanecesse sem degenerar até dar frutos nesta vida ou em uma existência futura, ele não seria tão frágil. No entanto, esse não e o caso. Mais exatamente, a geração de um intenso estado mental não virtuoso, como a raiva, subjuga a capacidade de um poder virtuosamente implantado, fazendo com que ele não consiga germinar, como quando chamuscamos uma semente. Inversamente, a geração de uma vigorosa atitude virtuosa refreia as forças estabelecidas pelas não­virtudes, tornando­as incapazes de manifestar seus efeitos. Assim sendo, é necessário não apenas alcançar um grande número de causas construtivas poderosas como também evitar forças contrárias que fariam com que essas causas benéficas degenerassem. As boas ações requeridas para a acumulação dessas causas, ou potências, surgem da mente domada, ao passo que as más ações nascem da mente indomada. Os seres comuns como nós estão acostumados à mente indomada desde tempos imemoriais. Considerando essa predisposição, podemos concluir que as ações praticadas com uma mente indomada são mais poderosas para nós e as praticadas com uma mente domada são mais fracas. É importante reconhecer que esse excelente apoio vital do corpo humano que hoje possuímos é um resultado saudável de uma abundância de ações boas e poderosas de uma mente domada no passado. Foi muito difícil alcançar esse resultado e, por ele ser muito raro, vocês precisam tomar cuidado e usá­lo bem, tomando medidas para que ele não seja desperdiçado. Se não fosse raro e difícil de obter, vocês não precisariam ser cuidadosos, mas esse não é o caso. 58 Se esse dom humano, tão difícil de alcançar, fosse estável e permanente, sem ter a tendência de se deteriorar, haveria tempo no futuro para utilizá­lo. No entanto, esse sistema de apoio vital é frágil e facilmente se desintegra a partir de inúmeras causas externas e internas. O Four Hundred Stanzas on the Yogic Deeds of Bodhisattvas (Quatrocentas estrofes sobre os feitos iogues dos bodhisattvas) de Aryadeva diz que como o corpo depende dos quatro elementos da terra, da água, do fogo e do vento, os quais, por sua vez, fazem oposição uns aos outros; a felicidade física é apenas um equilíbrio ocasional desses elementos e não uma harmonia duradoura. Por exemplo, se estamos com frio, o calor é inicialmente agradável, mas o excesso dele precisa ser evitado. O mesmo é verdade com relação às doenças; o remédio para uma enfermidade pode acabar dando origem a outra moléstia, a qual, por sua vez, precisa ser neutralizada. Nosso corpo é uma fonte de grandes problemas e complicações; a felicidade física é meramente a ausência temporária desses problemas. Nosso corpo precisa receber uma nutrição completa, os alimentos. Mas. quando comemos muito, a coisa necessária para gerar a saúde torna­se uma fonte de doença e dor. Nos países onde a comida é escassa, a fome e a inanição são as grandes causas do sofrimento, mas naqueles onde é abundante e está disponível em muitas variedades nutritivas, o sofrimento ainda está presente devido à ingestão excessiva de alimentos e à indigestão. Quando existe um equilíbrio sem que
  • 28. problemas se manifestem, dizemos que encontramos a “felicidade”, mas seria tolo achar que ficamos, ou que um dia poderíamos ficar, livres da doença. Nosso tipo de corpo é um ninho de problemas. Não creiam que não morreríamos na ausência da doença, das guerras ou da fome. A natureza do corpo é desintegrar­se. Desde a concepção, o corpo está sujeito a morrer. Desse modo, o corpo humano é um dom precioso, ao mesmo tempo poderoso e frágil. Graças ao simples fato de estarem vivos, vocês são uma ocorrência muito importante e trazem consigo uma grande responsabilidade, O bem poderoso pode ser alcançado para vocês e para os outros, de maneira que se deixar distrair pelos assuntos secundários desta vida seria um enorme desperdício. Vocês devem desejar usar a vida que têm neste corpo de um modo eficaz, e rogar ao seu guru, aos três refúgios e a outras fontes que os ajudem a fazer isso, instigando­se a partir do interior e buscando ajuda externa. Com esse objetivo, além de recitar as palavras desta estrofe, devem refletir sobre o significado dela, fazendo com que ele surja na sua mente. 59 Em resumo, como este corpo humano, que sustenta sua vida, é benéfico, foi difícil de obter e é fácil de se desintegrar, vocês devem usá­lo tanto para o seu benefício quanto para o dos outros. Os benefícios provêm da mente domada: quando a sua mente está tranqüila, relaxada e feliz, os prazeres externos como a boa comida, as vestimentas e conversa tornam as coisas ainda melhores, mas a ausência deles não os deixam abatidos. Quando sua mente não está tranqüila e domada, por mais maravilhosas que sejam as circunstâncias externas, vocês são oprimidos por receios, expectativas e temores. Com a mente domada, apreciarão a riqueza ou a pobreza, a saúde ou a doença, e até poderão morrer felizes. Com a mente domada, é maravilhoso ter muitos amigos, mas também é aceitável não ter nenhum. A base da felicidade e do bem­estar reside na mente tranqüila e domesticada. No que diz respeito aos outros, quando a sua mente está serena e domesticada, a vida torna­se mais agradável para os seus amigos, cônjuge, pais, filhos e conhecidos, sua casa fica tranqüila e todos que nela residem passam a desfrutar uma excelente sensação de relaxamento. Ao entrar na sua casa, as outras pessoas detectam um sentimento de felicidade. Quando sua mente não está tranqüila e domesticada, além de vocês ficarem repetidamente zangados, as outras pessoas, quando entram na sua casa, sentem de imediato que nela existe muita discórdia e que vocês freqüentemente ficam perturbados e irritados. Como domar a mente gera a felicidade, e deixar de fazer isso conduz ao sofrimento, usem a vida para reduzir o numero de atitudes não domadas — como controlar os inimigos, promover os amigos, aumentar o lucro financeiro e coisas semelhantes — e domar, ou treinar, o mais possível sua mente. Essa e a maneira de extrair a essência significativa do precioso e tênue corpo humano. 60 RESUMO DOS CONSELHOS 1 ­Compreendam o valor do corpo humano com o qual foram contemplados, pois ele é o resultado de muitas boas causas do passado. Reconheçam o fato de que os ensinamentos estão disponíveis e prontos para serem implementados. 2 ­Como esta preciosa vida humana pode ser usada de maneiras poderosamente benéficas ou destrutivas, sendo em si mesma extremamente frágil, utilizem­na adequadamente agora. 3 ­A felicidade física é apenas um equilíbrio ocasional dos elementos no corpo e não uma profunda harmonia. Entendam o temporário pelo que ele é.