Entrevista da coordenadora do Departamento de Apoio à Gestão Participativa (Dagep), do Ministério da Saúde, Kátia Souto, ao Portal Determinantes Sociais de Saúde do Nordeste - Fiocruz, sobre a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN)
1. Conheça melhor a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
(PNSIPN)*
Mesmo com a necessidade de dar mais divulgação à PNSIPN, que tem como principal objetivo combater
o racismo nas unidades de saúde e melhorar o atendimento à população negra no Brasil, nesta entrevista
a coordenadora do Departamento de Apoio à Gestão Participativa (Dagep), do Ministério da Saúde, Kátia
Souto, explica como o órgão está mantendo ações ocmo cursos à distância, incentivo à pesquisa e
campanhas de conscientização para difundir a política entre profissionais e população.
Das diretrizes gerais, quais avançaram e quais não avançaram no Nordeste? Por quê?
É importante destacar que a responsabilidade de implantação da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra (PNSIPN) é compartilhada pelas três esferas de governo do Sistema Único de Saúde
(Governo Federal – Ministério da Saúde, Estadual – Secretaria Estaduais de Saúde, Municipal –
Secretarias Municipais de Saúde), conforme estabelecido na Portaria GM/MS/992 de 13 de maio de 2009
que instituiu a PNSIPN. Além disso, a implementação da política se dá com base em seu Plano Operativo
2012-2015, espelhado no Plano Plurianual do Governo Federal, onde constam ações estratégicas para
população negra na saúde de responsabilidade de cada ente federado. O Plano Operativo da Política
PNSIPN foi construído pelo MS e aprovado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) – espaço de
pactuação entre os gestores federais, estaduais e municipais do SUS. No âmbito Federal, no que se refere
às diretrizes gerais da PNSIPN é possível identificar nos últimos anos avanços em todas elas, com
destaque para:
a) Na área de educação permanente:
O curso na modalidade Educação à Distância sobre a Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra. Lançado em 2014, pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade Aberta do SUS e a
aUniversidade Federal do Ceará, o curso contou com mais 5.500 inscritos de todo País. Entre os Estados
que tiveram maior número de inscrições estão: em primeiro lugar São Paulo, seguido da Bahia e Minas
Gerais (ver mapa). Voltado aos profissionais de saúde que atuam na Atenção Básica, especialmente aos
participantes do Programa Nacional de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB) e Mais
Médicos. Além disso, também foi aberto ao público, sendo ofertado para profissionais de quaisquer
áreas do conhecimento que se interessem pelo tema, incluindo também gestores do SUS e movimento
social da população negra. O curso foi ofertado de forma gratuita e em plataforma on-line de ensino à
distância e teve o objetivo de incentivar a produção e difusão de conhecimento sobre a promoção da
saúde da população negra e melhorar o acesso e o atendimento dessa população no Sistema Único de
Saúde (SUS). Enfoca especialmente o enfrentamento ao racismo institucional no SUS e as questões de
saúde que mais afetam a população negra.
b) Participação do Movimento Social Negro nas Instâncias de Controle Social:
2. O Ministério da Saúde também privilegiou a gestão compartilhada e participação social na construção e
implementação da PNSIPN, buscando estabelecer uma rede de diálogo, inclusive com os conselhos de
saúde e movimentos sociais. Sendo que antes mesmo da aprovação da PNSIPN, em 2004, o Ministério da
Saúde institui o Comitê Técnico de Saúde da População Negra para subsidiar o avanço da equidade na
atenção à saúde da população negra. Composto por representantes da sociedade civil e do movimento
negro, pesquisadores, Conass, Conasems e MS, o comitê além de contribuir na elaboração da Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra e do Plano Operativo da Política, é uma instância de
assessoramento técnico do Ministério no que ser refere à PNSIPN, responsável também por monitorar a
implantação da desta política no SUS.
Além do acompanhamento da PNSIPN a proximidade com a sociedade civil organizada resultou também
em contribuições para validação do Edital de Pesquisa em Perfil Epidemiológico da População Negra
lançado pelo Ministério da Saúde de 2015. Entre as instituições parcerias destacamos: a Associação
Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras (ABPN), União de Negros pela Igualdade (Unegro), Rede
Afro-Brasileira de Comunidades de Terreiros e Saúde (Renafro) e Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco)
c) Produção de conhecimento científico:
Em 2014, o Ministério da Saúde lançou o segundo edital de pesquisa em saúde da população negra. No
total, oito pesquisadores/projetos de pesquisa foram selecionados nessa chamada, sendo
disponibilizados cerca de R$ 2 milhões. Os dados da pesquisa serão úteis para apontar diretrizes para
execução e readequação de processo de gestão e atenção à saúde com vistas à redução das
desigualdades étnico-raciais e de promoção da equidade em saúde.
d) Promoção dos saberes e práticas populares de saúde (incluindo os de religiões de matriz africana):
Construção do Grupo de Trabalho de Medicina Tradicional Africana, ação que prevê a valorização e
estreitamento de ações do SUS com as comunidades tradicionais afro-brasileiras. O primeiro resultado
desta investida são as pesquisas realizadas pela UNICAMP com apoio do MS pode ser acessado no link
http://www.destakjornal.com.br/noticias/campinas/pesquisa-da-unicamp-propoe-usar-tecnicas-dos-terr
eiros-no-sus-268228/
e) Monitoramento e avaliação das ações voltadas ao combate ao racismo e a redução da desigualdade:
Inclusão das ações do Plano Operativo 2012/2015 da PNSIPN na estrutura do Planejamento Estratégico
do MS, com resultados que são acompanhados de acordo com a sistemática de monitoramento do
planejamento da instituição.
f) Desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação para desconstrução de
estigmas e preconceitos
- A campanha “Igualdade Racial é pra Valer”; desenvolvida em parceria com a Secretaria de
Políticas para a Promoção de Igualdade Racial SEPPIR/PR, ação formalizada em 2012 com o
Protocolo de Intenções, firmado entre SEPPIR e MS, visando à implementação de ações
conjuntas e os compromissos internacionais firmados com a ONU para atingir as metas do
milênio de redução de iniquidades e para implementar ações da Declaração de Durban de 2001;
- Campanha “Não fique em Silêncio”, lançada em 2014, - em prol da vizibilização dos atos de
preconceito e discriminação racial, vivenciados por profissionais e usuários do SUS, com mais
detalhes no link
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15580&Itemi
d=803;
3. - Publicação do Livro Saúde da População Negra, em parceria com a ABPN – Associação de
Pesquisadores Negros e Negras & UNFPA – Fundo das Nações Unidas para as populações;
- Publicação da revista Laroiê – Revista sobre participação social e prevenção de DST e HIV com
linguagem escrita e visual que dialoga com a cosmovisão africana expressa em parte das
comunidades de terreiros brasileiras;
- Reimpressão do Folder da Saúde da PNSIPN e Cartilha da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra: uma política do SUS.
A política tem ações nos nove Estados do Nordeste? Se não, quais ainda não têm e qual previsão de
implantação?
O Ministério da Saúde tem dado apoio técnico a diversos Estados e municípios para implantarem Comitê
Técnico de Saúde da População Negra e/ou Comitês para a Promoção de Equidade em Saúde. No Brasil,
são 12 Comitês Técnicos Estaduais de Saúde da População Negra implantados, sendo que no Nordeste há
comitês nos Estados da Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Em relação aos Comitês
Técnicos Municipais de Saúde da População Negra, são dois implantados no Nordeste nos municípios de
Salvador/BA e João Pessoa/PB. É importante ressaltar que essa responsabilidade de implementação da
PNSIPN é compartilhada com as demais esferas de governo que respondem pela gestão do SUS e a quem
cabe a implementação e execução das ações previstas na PNSIPN, em âmbito estadual e municipal.
Qual a análise sobre o atendimento dos profissionais de saúde? Como eles têm recebido informações e
onde podem procurar capacitação nesse aspecto?
O Ministério da Saúde compreende que o racismo esta presente na sociedade brasileira como um todo e,
por tanto também está presente no SUS. Sendo o racismo institucional está diretamente ligado à forma
como a sociedade está estruturada e com a falta de reconhecimento da cidadania plena da população
negra, impedindo-a de acessar integralmente bens e serviços, sendo que essa realidade também se
expressa na saúde. Veja informações anteriores sobre os itens: curso sobre a Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra; Campanha “Não fique em Silêncio”; publicação do Livro Saúde da
População Negra, em parceria com a ABPN – Associação de Pesquisadores Negros e Negras & UNFPA –
Fundo das Nações Unidas para as populações; reimpressão do Folder da Saúde da PNSIPN e Cartilha da
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política do SUS.
Nesse período de atuação da PNSIPN, surgiram novos estudos sobre a população negra incentivados
pela política? Poderia citar alguns? Algum no Nordeste?
Veja as informações anteriores sobre o edital de pesquisa em saúde da população negra, lançado em
2014.
O monitoramento e avaliação das ações pertinentes ao combate ao racismo geraram dados? Se sim,
quais são eles? Há informações específicas para o Nordeste?
Os diversos sistemas de informações do ministério contemplam o quesito raça/cor: Sistema de
informação sobre Mortalidade, Sistema de informações sobre Nascidos Vivos, Sistema de Informação de
Agravos de Notificação, Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Malária, dentre outros. A
Secretaria de Vigilância em Saúde lançou recentemente o Boletim Epidemiológico fazendo análise de
indicadores que abordam as diferenças segundo a variável raça/cor. Neste link onde pode ser
encontrado informações específicas para o Nordeste:
http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/abril/22/Boletim-raca-cor-09-04-15-v2.pdf
4. A Sala de Apoio à Gestão Estratégica (SAGE), outro exemplo, é um instrumento de produção e
disseminação de dados e informações estratégicas, aptas a subsidiar o processo de decisão na gestão em
saúde. O objetivo é obter e sistematizar dados e informações, produzidas pelo Ministério, por suas
entidades vinculadas e por órgãos de pesquisa, e disponibilizá-las. Essas informações podem ser obtidas
pelo site www.saude.gov.br/sage. Outro instrumento importante para obtenção de dados é o Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde, que pode ser acessado pelo site: http://cnes.datasus.gov.br/
Como está o relacionamento com os movimentos sociais? Houve alguma ação concreta da participação
deles nas políticas de saúde do Nordeste e do Brasil?
O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP), mantém
diálogo permanente com os movimentos sociais. No caso da população negra, podemos destacar a
ampliação da participação dos movimentos sociais no Comitê de Nacional de Saúde da População Negra,
a ampliação do apoio aos movimentos sociais – dentre os quais podemos citar a União de Negros Pela
Igualdade (Unegro), a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) e a Rede Lai Lai
Apejo: Saúde da População Negra e AIDS – RLLA (Lai Lai Apejo) –, e o apoio à realização da Conferência
Livre Sobre Saúde da População Negra, preparatória para a 15ª Conferência Nacional de Saúde.
Se a senhora precisasse eleger as três maiores conquistas da PNSIPN para a saúde da população negra
no Brasil, quais seriam?
1. Ter um Capítulo – Do Direito à Saúde- fazendo parte da Lei Nº12.288, de 20 de julho de 2010
que institui o Estatuto da Igualdade Racial. O Art. 7º diz... O conjunto de ações de saúde
voltadas à população negra constitui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra,
organizada de acordo com as diretrizes abaixo especificadas… O Art. 8o reza: Constituem
objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: I - a promoção da saúde
integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à
discriminação nas instituições e serviços do SUS; II - a melhoria da qualidade dos sistemas de
informação do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados
por cor, etnia e gênero; III - o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde
da população negra; IV - a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de
formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde; V - a inclusão da temática saúde
da população negra nos processos de formação política das lideranças de movimentos sociais
para o exercício da participação e controle social no SUS. Parágrafo único. Os moradores das
comunidades de remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para
a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento
básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde.
2. A pactuação do II Plano Operativo na Comissão Intergestores Tripartite. É constituída (em nível
federal) paritariamente por representantes do Ministério da Saúde (MS), do Conselho Nacional
de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde
(Conasems). Na CIT, são definidas diretrizes, estratégias, programas, projetos e alocação de
recursos do SUS. O II Plano Operativo (2013-2015) da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra tem por objetivo estabelecer estratégias de aplicação desta política, a fim de
que a população negra tenha acesso a ações e serviços de qualidade, de forma oportuna,
contribuindo assim para a melhoria das condições de saúde, para a redução das iniquidades de
raça, gênero, geracionais e classe, assim como e para a promoção da qualidade de vida de
brasileiras e de brasileiros. A operacionalização deste Plano, com suas estratégias e ações, exige
o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como
determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde,
5. como preconizado pela Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. No Ministério da
Saúde foram pactuadas 56 ações, contemplando todas as Secretarias, para a implementação do
Plano Operativo.
3. A campanha “Não Fique em Silêncio – Racismo Faz à Saúde”. Com o compromisso institucional
para a construção de práticas que contribuam para um SUS sem racismo, com os dados das
iniquidades em saúde que demonstram as vulnerabilidades em saúdes da população negra, a
campanha de enfrentamento ao racismo no SUS reforça a Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra, que tem como marca o “Reconhecimento do racismo, das desigualdades
étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde,
com vistas à promoção da equidade em saúde”. O Ministério teve a coragem de pautar esse
tema em 2014, ano em que ocorreram vários casos de racismo no País e no mundo,
especialmente no esporte. O objetivo da campanha foi de sensibilizar profissionais e usuários do
SUS para as iniquidades em saúde da população negra e alertá-los de que a discriminação racial
muitas vezes contribui para o processo de adoecimento, e que ela também se reproduz nos
espaços de saúde do SUS.
*Esse texto foi reformatado, atualizado e postado novamente em 22/09/2015