2. asHortas
da Cidade
Projecto Espiral
O projecto Espiral - financiado ao abrigo do Contrato Local de Desenvolvi-
mento Social – coordenado pelo CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção
Social, iniciou a sua intervenção na freguesia de Marvila e, mais concreta-
mente, no Bairro dos Lóios e no Bairro da Flamenga, no início do ano de 2010.
Este projecto, que parte do estabelecimento de um protocolo entre o Instituto
de Segurança Social, IP, o CESIS e a Câmara Municipal de Lisboa, teve em
consideração aquele que é um dos principais objectivos camarários para esta
freguesia: a construção do Parque Hortícola do Vale de Chelas.
A criação deste Parque, visa dotar o Vale das condições necessárias à prática
de agricultura urbana, actividade que há muito tem sido desenvolvida nesta
área ainda que de forma desordenada e clandestina.
A função acometida, nesta fase inicial, ao Projecto Espiral, foi a de contactar
todos aqueles e aquelas que investiram o seu tempo e as suas energias no
3. cultivo dos terrenos do Vale e, desse modo, facilitar a
organização de sessões de esclarecimento nas quais
se informasse as pessoas sobre o que vai acontecer
nesta zona.
Foi assim que, no Verão de 2010, conhecemos um
grupo de cerca de 200 pessoas, homens e mulheres
de várias idades, que se salientam pelo seu espírito
empreendedor, pelo amor ao que a Terra produz e
pela sua capacidade de trabalho.
Oriundas de várias regiões do País, e até de outros
países, estas pessoas cruzaram as suas vidas na
criação de uma grande horta na Cidade e aí
partilharam experiências, alegrias e… couves, numa
autêntica lógica comunitária.
Esta pequena brochura é-lhes pois dedicada,
valorizando-as como pessoas e como residentes de
uma freguesia com história – Marvila.
Na impossibilidade de recolhermos depoimentos de
todas elas, ouvimos apenas quatro pessoas entre
aquelas que têm uma presença mais antiga na horta.
São pessoas com idades compreendidas entre os 62
e os 81 anos.
Temos a convicção de que aquilo que nos disseram
é revelador de histórias e sentimentos comuns.
5. História
Nos finais do séc. XVIII, a zona onde é hoje a fregue-
sia de Marvila era, em grande parte, propriedade da
nobreza portuguesa que ali mantinha as suas quintas
conjugando a actividade agrícola com uma função de
recreio.
A industrialização da cidade veio trazer a Marvila um
conjunto de actividades e de unidades industriais,
algumas relacionadas com o porto, situado na
chamada zona ribeirinha. Este processo foi acompa-
nhado (e alimentado) por fluxos populacionais (a maior
parte com origem nas regiões do Norte e Beiras) e
levou à instalação de famílias de mais baixos recursos
em construções pobres e em algumas “vilas operárias”
sem que, no entanto, a freguesia perdesse uma face
rural, acentuada pelas características morfológicas do
seu território – declives, vales, linhas de água.
Apesar do crescimento, ainda que entrecortado, de
zonas de habitação social a partir da década de 70
do século passado, esta ruralidade manteve-se. Até
porque este processo trouxe consigo mais popu-
lação de origem rural para quem o “trabalho no
campo” faz parte de um modo de estar na vida.
6. O Início
No início foi esforço a desbravar terreno! “… na altura não tinha ferramenta e pedi uma enxada ao pai do
meu afilhado que é este que trabalha a horta comigo também.
“Isto era cheio de arbustos e canas, tivemos de cavar e arrancar Pedi-lhe uma enxada e fui arranjar um bocado de terra. Pronto.
a cana, com a ajuda de uma picareta, aquilo era um caniçal por E assim começou. Era tudo cheio de canas, tudo cheio!” (Sr.
aí a dentro. Suámos, eu e a minha mulher, nos dias de calor! Foi Rodrigues).
um grande sacrifício! Era um grande caniçal que ali estava. Foi
o Sr. Mota que disse onde devíamos fazer a horta – Olha, faz “Quando cá cheguei encontrei a cana! Tive de a arrancar toda!
aqui! - porque os espaços já não eram assim tão abundantes, Lá no meu espaço não tem nada de canas, agora não tem
sobretudo os que eram fáceis de arranjar. E fui para ali com nada. O mal que eu passei aí, para arrancar aquelas canas! Só
uma picareta mais ela, trabalho duro… a suar na hora do calor! pronto, agora está limpo! Para 17 anos que tenho uma horta.”
Vou-lhe dizer, e digo-lhe isto com todo o realismo, é mesmo (Sr. Simão)
preciso gostar-se!” (Sr. Fontinha)
7. “Encontrei tudo cheio de canas, era uma floresta
onde eu tenho as árvores (…) vim para ali sozinho
arrancar as canas, era uma mata cerrada.”
(Sr. Mota)
8. A Ideia
A ideia de fazer uma horta na cidade surge da
vontade de trabalhar a terra como se fosse um
apelo das origens e da necessidade. De necessi-
dades materiais, mas também de satisfação pessoal.
“Já tinha uma horta em Beja. É assim, naquele
tempo eu estava numa caserna e o patrão limpou o
terreno e eu disse: Vou fazer uma horta se quiser, se
deixar! Ah Simão, faz! E eu fiz. Fiz aquela horta,
semeei lá, plantei couves, ervilhas, alhos, cebolas…
Quando aqui cheguei, a minha irmã trouxe-me cá
(…). A horta partilho com a irmã e com a família e
aqui estamos!” (Sr. Simão).
“Que idade tinha? Devia ter aí os seus trinta, trinta e
pouco. Trabalhava e fazia a horta quando saía do
trabalho. Surgiu a ideia, como lhe digo, quando
estava sozinho em casa. Necessitava de muita
coisa, porque a vida não é fácil, necessitava de
muita coisa…” (Sr. Rodrigues).
9. “Vim para aqui porque me reformei. Ela (a mulher)
também veio, está no desemprego e quis arranjar
para se ocupar mais tempo. E tinha necessidade
para consumo de casa, tinha necessidade de arran-
jar mais qualquer coisa, está a ver? (…) Antes de ter
aqui a horta no Vale de Chelas já tinha tido outras (…)
tive sempre hortas aqui, sempre. Eu sou da
agricultura desde pequeno portanto, como costuma-
mos cá dizer, o bichinho vinha com a agricultura e
eu quando cheguei a Lisboa, depois de 74, também
quis amanhar um bocadinho de terra. Gostava de
ter umas batatas, umas couves (…) daí nasceu a
ideia. A vontade tínhamos nós!” (Sr. Fontinha)
“A ideia de ter uma horta surgiu porque tive sempre
a ideia do trabalho na terra. Às vezes, queria fazer
uma horta e o patrão dizia: Olhe, faça ali! Por isso
sempre tive horta. Sempre a trabalhar, e a trabalhar,
às vezes, quase dia e noite! Mas eu lá arranjava um
bocadinho.“ (Sr. Mota).
10. “Fartou-se de lá dar feijão, couves e grão,
abóboras. Até morangos! Foi um pouco de tudo.”
(Sr. Mota)
O Prazer
Ao prazer de ver crescer, ao prazer de desfrutar dos tempos da horta, junta-se
o prazer pelo convívio e pela ajuda mútua.
“… é a nossa distracção e a nossa convivência, é vivermos ali uma vida, (…) o
que gosto de lá estar com as pessoas amigas, boas!... à parte das coisas que
lá se colha, o que lá existe é uma camaradagem que não é fácil encontrar em
qualquer lado. (…) E não é por acaso que o grupo de amizade, estamos
sempre permanentemente em contactos uns com os outros na mesma.”
(Sr. Fontinha)
“A camaradagem é muito boa. Tem o Sr. Mota, o Sr. Vitor, o Sr. Moreira… a
gente passava muitas vezes o tempo, agora na reforma, que eu já estou
reformado, a jogar às cartas, por exemplo. Mais à frente, está lá uma mesa,
onde passávamos tempo a jogar! Não se gasta o dinheiro nos cafés, porque
a vida está difícil, e pronto, passávamos assim o tempo.” (Sr. Rodrigues)
11. “O que eu quero é trabalhar o melhor possível para desfrutarmos
o mais e o melhor possível. Termos aquilo bonito! (…) Aqui no
vale o pessoal é mais junto e unido (…) quando é preciso eu
ajudo e quando eu preciso eles ajudam-me sempre.” (Sr. Mota)
“Você repare, a couve que não leva gelo em cima não se torna
tenra.” (Sr. Rodrigues)
“… porque a batata tem que ter a sua temperatura!” (Sr. Rodrigues)
12. E se não fosse a horta?
“Aquilo que planto é só para consumo próprio e para dar à família e aos filhos
- no trabalho não me ajudam, mas ajudar a comer isso ajudam! De vez em
quando, lá vão ter com o pai buscar couves, isto ou aquilo.“ (Sr. Mota)
“A horta trouxe grandes vantagens: tenho três arcas cheias de feijão (…) sabe
que eu estou no desemprego? Estou desempregado a caminho de três anos
(…) quem me dá trabalho com a idade que tenho, embora o corpo esteja
pronto para o trabalho?” (Sr. Simão)
“Saúde, isto é saúde! Ajuda uma pessoa a movimentar-se e tira o mau
pensamento.” (Sr. Simão)
“Ainda hoje tenho lá hortaliça, eu quero fazer uma sopa, a minha mulher
disse-me assim, oh Jorge tens lá caldo verde? Tens lá hortaliça, para fazer
sopa? Se não tens tenho de ir comprar. Não compras nada, que eu vou
buscar à horta.” (Sr. Rodrigues)
“Se não fosse a horta,
o que seria de mim?!”
(Sr. Fontainha)
15. L
IRA
SP
E
PROJECTO
PROJECTO ESPIRAL CLDS
CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social
Rua Ferreira de Castro, 351 – Cave Dta e Esq.
Bairro da Flamenga. Marvila
1950-133 Lisboa
L
IRA
SP
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PROJECTO
PROJECTO ESPIRAL CLDS
CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social
Rua Ferreira de Castro, 351 – Cave Dta e Esq.
L
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Bairro da Flamenga. Marvila
SP
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PROJECTO 1950-133 Lisboa SEGURANÇA SOCIAL
PROJECTO ESPIRAL CLDS
CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social
Rua Ferreira de Castro, 351 – Cave Dta e Esq.