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Criando uma Metodologia de Trabalho: Para um Plano Prático de Ações
Luiz Fisher - Militante do Coletivo Anarquista Luta de Classe e do Coletivo Quebrando Muros,
atuante atualmente na luta pelo transporte e comunitária.
Neste texto abordaremos aspectos práticos do cotidiano militante, baseados na experiência
do CALC e CQM. Nossa preocupação está em destacar elementos referentes ao campo de ação,
portanto não trataremos aspectos relevantes no que tange a teoria.
Sendo assim, nosso objetivo é pensar em aspectos que ajudem a formar um estilo militante
baseado no trabalho, bem como formas de planejar e elaborar roteiros de trabalho. Gerar elementos
que possibilitem tanto planejamento, balanço e autocrítica no que se refere à nossas ações. Cabe
ressaltar ainda que tais aspectos são voltados à esfera da vida política cotidiana, assim focada no
curtíssimo e curto prazo.
Algumas reflexões prévias
Quando se tem um objetivo, uma estratégia deve-se produzir permanentemente uma
linha/ação política planejada conforme nossas orientações programáticas. Assim, mesmo a esfera
mais próxima do cotidiano não deve ser executada sem planejamento e discussão minuciosa. Temos
como objetivo o “Poder Popular”, objetivo esse que não parece estar nos esperando na próxima
“esquina” da História. Quando nos defrontamos com a atual situação de nosso campo - que tem
ainda pouca ou nenhuma inserção na maior parte dos espaços de produção e reprodução política das
classes exploradas - parece que nosso objetivo se agiganta ainda mais.
À medida que nos encontramos em tais circunstâncias podemos chegar, apressadamente, em
dois tipos de avaliação, estes por sua vez, geram diferentes tipos de ação. 1) Nossas forças são
poucas, logo o projeto revolucionário é para um “amanhã” longínquo, e 2) Nossos objetivos são
grandiosos, mas devemos dar conta. Com relação à primeira medida encontrada podemos
considerar que no campo da ação política tais elementos podem gerar uma resposta despreocupada
que aponta para um momento tão futuro dos nossos objetivos que qualquer “avanço” é suficiente,
pois a “longo prazo” estamos acumulando. Sobre a segunda conclusão precipitada, podemos dizer
que quando uma ação visa à ampliação e inserção de nossa linha imediata, ao se deparar com nossa
fraqueza acaba sempre resultar em nada ou quase nada de acumulo. Para nós, tais situações derivam
da ausência de maior coordenação entre objetivos e ações e a falta de um planejamento que possa
nos demonstrar onde avançamos e onde nos mantivemos estagnados.
A partir do momento que temos ciência de nossos objetivos de curto prazo (e isso somente
podemos ter quando os fixamos) conseguimos criar planos para a intervenção cotidiana que se
referem a ele, coordenar a militância em torno dele. Com essa maneira de atuar temos tanto uma
capacidade de intervenção política qualificada, como uma “régua” mais adequada para medir o
sucesso ou fracasso de nossas proposições e linhas políticas.
Neste texto apresentaremos um pequeno roteiro de elementos que devem estar presentes
nestes “planejamentos” de curtíssimo/curto prazo, bem como quais critérios devem balizá-los.
Acreditamos que tal proposta de trabalho poderá ajudar a formação das organizações bem como os
quadros das mesmas, dentro de um senso prático e relacionado à nossa doutrina, o que coloca
teoria/ideologia em diálogo direto. Prevemos também que deverá contribuir para forjar um senso
estratégico mais apurado, isto é, organizações com objetivos mais determinados, facilitando a
adoção de objetivos e sua concretização. Além disso, poderá contribuir para que as instâncias das
organizações sejam lugares onde a autocrítica coletiva e mesmo individual se torna mais fácil, uma
vez que os critérios se encontram objetivamente colocados, e assim, também aponta para
organizações onde os compromissos coletivos e responsabilidades se encontram distribuídas em
torno de objetivos comuns e claros no que se refere ao trabalho cotidiano facilitando assim a
coordenação e distribuição racional como equitativa das responsabilidades.
Caracterização
Para todo e qualquer trabalho político se faz necessário a adoção de métodos para
entendimento da conjuntura, afinal, compreender a realidade que se quer alterar é fundamental para
ação. Na esfera do trabalho cotidiano devemos, sim, estabelecer senão uma análise “conjuntural”,
(naquilo que resguarda a amplitude do termo) ao menos uma contextualização, isto é, um
“mapeamento” do terreno em que se pisa. É evidente que nessa caracterização, para melhor
“enxergarmos” os aspectos do “contexto” referido, devemos estar apropriados de uma análise de
conjuntura mais ampla.
Atualmente, partimos da análise de que os movimentos sociais estão burocratizados e que
por sua fraqueza se encontram na defensiva (resistindo para não perder direitos anteriormente
conquistados com luta). Com relação ao próprio Anarquismo, entendemos que existe a necessidade
de retomada do seu “vetor social”. Então, podemos afirmar que estes são alguns dos aspectos
relacionados a conjuntura. Sendo assim, não poderíamos realizar esse trabalho no nível “micro”
sem levar em conta nossas análises maiores, do contrário estaremos a afirmar que aqueles aspectos
mais generalizáveis de nossa teoria são mera “teoria” e não se enquadram no cotidiano dos/as
explorados/as.
É interessante destacar que este elemento inicial de nosso planejamento é relacionado ao
campo da “teoria”, pois se refere aquilo que “é” a realidade, e não aquilo que desejamos que fosse.
Assim, cabe nesta etapa do planejamento fazer as análises mais objetivas possíveis sempre
respaldadas pelo conhecimento científico disponível.
Basicamente esse trabalho inicial se refere a “mapearmos” a situação do espaço de base
onde nos encontramos, cabem as seguintes indagações sobre tal inserção:
A- Quais espaços estamos olhando e que papel eles cumprem no capitalismo?
B- Quem são os sujeitos que ali se encontram e qual tipo de exploração sofrem? Qual sua inserção
na sociedade de classes?
C- Como se encontra sua organização a nível de massas? Sua disposição de luta?
D- Que forças atuam neste espaço (organizações)?
E- (Base) O que parecem estar pensando sobre a realidade?
F- (Base) Qual sua percepção de nossa corrente e de nossa militância?
E- Que necessidades têm? Que necessidades têm percebido ter? Para que tem disposição de luta?
F- Etc.
Demandas/Pautas
Qualquer trabalho militante deve compreender ações que se referem à conquista de
melhorias na condição de vida dos explorados, isto por dois motivos 1) É prudente que melhoremos
suas condições de vida, pois isto é positivo em si mesmo quando realizado de acordo com métodos
libertários (ação direta dos próprios explorados/as) 2) Uma luta que não tem saldo concreto é pouco
interessante para a formação do Poder Popular, pois demonstra fraqueza e impotência das classes
exploradas sendo pouco interessante para o acumulo de forças (além do que ninguém, ou poucas
pessoas, sai às ruas com o lema “Queremos a Revolução”, até porque se faz Revolução não se
reivindica). Dessa maneira, é fundamental termos pautas atingíveis por meio de nossa luta, de modo
que elas passam a evidenciar a capacidade das massas de modificar a realidade e de fazer História.
Estas pautas não devem ser “introjetadas” nas massas, mas devem ser relacionadas às suas
necessidades, assim cabem os seguintes questionamentos:
A- Que pautas tal base tem reivindicado?
B- Quais pautas são parte de suas necessidades?
C- Quais pautas seriam interessantes e viáveis de serem apresentadas?
Cabe citar que esse ponto está diretamente associado às nossas noções políticas mais
estratégicas, afinal não apoiamos qualquer luta da base, mas, sim, aquelas lutas que de uma maneira
ou outra reforçam e fortalecem nosso projeto.
Inserção
Quando pensamos em construir o “Poder Popular”, entendemos que ele é exercitado pelas
massas organizadas em suas próprias organizações de classe. Desse modo, toda ação que realizamos
de alguma maneira está relacionada com o fomento e a influência sobre sua capacidade de
organização. Portanto, boa parte de nossas ações devem estar direcionadas à construção de
organizações de nível social, uma vez que elas são fundamentais para a consolidação do nosso
objetivo finalista. Dessa maneira, devemos nos preocupar em nos inserir em espaços dos
movimentos sociais (nível de massas), nos localizando imediatamente e avaliando em que
desejamos influir ou mesmo ajudar a construir. Assim, teremos inserção social.
Desse modo, todo nosso trabalho militante deve estar relacionado a ação referente a
fomentar a organização do nível social quando ela não existe, e a aumentar nossa influência quando
a metodologia de organização e luta. Para, além disso, muitas vezes é necessário estabelecer disputa
frente às forças inimigas ou adversárias que também influenciam tal movimento. Portanto, pensar
um planejamento/plano de trabalho deve levar em consideração espaço popular em que estamos
situados e que desejamos influenciar (um CA, um movimento social, um sindicato, etc.)
Articulação/Mapeamento para o trabalho de base
Existe uma confusão muito grande no que se refere ao “trabalho de base”. Atualmente, não
apenas nossas fileiras, mas a esquerda de modo geral fala muito sobre a importância do trabalho de
base. Entretanto, se tem tomado como trabalho de base aquilo que, a nosso ver, se configura na
verdade como “agitação e propaganda”.
Concordamos que a agitação e propaganda são bastante importantes para produção e
reprodução da política de qualquer organização, e em nenhum momento estamos dispensando a
mesma. Todavia conceber panfletagens, distribuição de jornais, palestras, etc. como trabalho de
base nos parece um equivoco, pois estas ações consistem parte da função daqueles militantes que
desejam contribuir para a organicidade de espaços de base e nossas organizações em si.
Compreendemos, que em grande parte dos casos é por meio de ações de propaganda que
visualizamos aqueles companheiros que podemos focar um trabalho militante mais sistemático (e ai
sim fazer um trabalho de base) e contribuir para que este venha a ser parte do movimento social e
mesmo de nossas organizações.
Porém, entendemos que o “trabalho de base” se refere justamente em “mapear”
sistematicamente, quem são aquelas pessoas que são potencialmente organizáveis em todos os
níveis, seja no social, no político/social e político. Devemos, assim, em nossos trabalhos mapear
quem são as pessoas que devemos dar maior atenção e sempre elaborar políticas para que estas
possam ser absorvidas pelo movimento. Isso, como bem destacado, não elimina as ações que visam
abarcar a base como um todo, mas sim se configura como mais uma atribuição do trabalho
militante, que se refere a tão “vulgarizada” tarefa que é o “trabalho de base”.
Definir que se faz trabalho de base em uma “base” qualquer - por mais reduzida que seja a
nossa perspectiva - ainda assim se refere a uma amplitude que é muito grande para nossa
capacidade de intervenção, pois em geral somos menos de uma dezena em uma determinada base.
Assim, mapear quem são aquelas pessoas que compõem a base social (professores, estudantes,
moradores da periferia, etc.) e que demonstram maior disposição para lutar e organizar delimita um
raio de intervenção viável às nossas forças, de modo que possamos, de fato, realizar o trabalho de
base (famoso “trabalho de formiguinha”). Afinal como diz o ditado popular “quem muito quer
abraçar, nada abraça.”
Dentro desta linha de planejamento propomos o mapeamento daqueles que são os potenciais
militantes (em qualquer nível) e sua agregação no planejamento da organização. Assim, torna-se
possível desenvolver ações executáveis para o trabalho de base, dentro daquilo que é nossa
capacidade de intervenção. Esta linha aponta para o trabalho de base; algo planejável que tem como
alvo pessoas com nome, rosto, endereço, etc. e não um “trabalho de base” qualquer, onde qualquer
ação que temos (seja panfletagem, bate papo no bar, etc.) etiquetamos com este termo.
Objetivos
É fundamental que fixemos objetivos, afinal, ter uma meta é que nos dará elementos para
avaliação dos métodos aplicados no trabalho. De outro modo, se não temos objetivo podemos cair
naquelas análises catastrofistas ou generosas em demasia, como tipificado no campo “algumas
reflexões anteriores”. Ter objetivos fixados, para além daqueles de médio e longo prazo, nos dá uma
dimensão, uma “régua” mais adequada para medirmos o impacto de nossa ação organizada na
realidade em questão.
Ter elementos definidos que se relacionam àquilo que empreendemos na realidade imediata
contribui para que algo possa ser avaliado positiva ou negativamente. Definir tais metas não
necessariamente significa cumpri-las, entendendo que não devemos reproduzir uma lógica
produtivista. Diferentemente, quando um objetivo não é cumprido é necessário colocar em questão
o que ocorreu: negligência dos envolvidos na execução daquele trabalho? Erro de método? Análise
equivocada? Todas estas avaliações geram dados que podem, em muito, contribuir para acertarmos
nossa linha política.
Dessa maneira, quando nos referimos a “objetivos” estamos colocando a necessidade de
definir objetivos de curtíssimo prazo. Esses podem contribuir tanto para a organização saber qual é
a sua direção e com o afinamento e realização das linhas táticas e estratégicas, como para termos
melhores elementos para avaliação de nossas linhas políticas.
Mais uma vez destacamos o fato de que todo o planejamento deve ser desenvolvido à luz
dos objetivos tático e estratégicos da organização, além de estar necessariamente em consonância
com os mesmos, pois não separamos os meios dos fins, de modo que os meios devem,
necessariamente, contemplar nossas finalidades.
Elementos fundamentais para promover o trabalho
Para promover essa linha não basta somente o processo de elaboração, ou seja, a concepção
deste plano, uma vez que sua materialização, sua conformação em prática política será por meio da
capacidade que os indivíduos têm de executar de forma disciplinada tais determinações.
Nesse sentido, tal modelo de “planejamento” visa forjar e dar continuidade a um estilo de
trabalho que tem por característica o senso prático, a disciplina, a responsabilidade e o
pragmatismo, no sentido de estimular a adequação de nossas linhas tático-estratégias em realidades
políticas imediatas, fomentando o exercício de análises de conjuntura, produção e reprodução de
teoria, de prática política constante e de avaliação e autocrítica do trabalho.
Portanto, mais do que uma formalidade ou uma forma de exercitarmos nossas capacidades
de análise, balanço e formulação política, esse modelo de desenvolvimento do trabalho deve
contribuir para a conformação de um estilo de trabalho determinado.
Responsáveis
Muitas vezes nos deparamos com avaliações que colocam a responsabilidade de todos os
problemas enfrentados pela organização na própria organização (organização aqui entendida como
um ente abstrato). Entretanto, a organização - e isto soará óbvio - somos nós mesmos. Assim, todo
erro tem caráter coletivo, tem também parte de responsabilidade dos indivíduos que a compõe.
Ter responsáveis pelas tarefas específicas da organização faz com que possamos cobrar e
exigir a execução daquilo que delimitamos coletivamente. Assim, poderemos fazer a crítica quando
o compromisso de um ou mais companheiros não foi realizado e compreender quando algo deu
errado por conta de análises equivocadas da organização. Além disso, existem também as faltas que
se justificam por serem ocasionadas por situações pessoais das quais devemos ter solidariedade
(claro que nem toda situação pessoal intempestiva justifica a falta com as responsabilidades
compromissadas com o trabalho militante).
Destacamos que as tarefas são acolhidas pelas individualidades de maneira voluntária, isto é,
por pactos federalistas, feitos em espaços horizontais e não designadas por autoridades. Desse
modo, não se deve simplesmente acusar a organização de impor tarefas, pois o que foi assumido
deve ter sido assumido voluntariamente e frente a uma coletividade.
Relatorias/atas
Realizar relatorias - onde os responsáveis são de carne e osso, e não uma entidade coletiva
ou um “espectro” - é fundamental para que os “pactos” coletivos sejam documentados, de modo que
possam ser verificados sempre que necessário. Por isso é fundamental que as relatorias sejam
compartilhadas dentre todos os membros da organização para circunstanciais ratificações e então
aprovação da mesma. Além disso, as relatorias são extremamente importantes para o levantamento
do que foi encaminhado, dos responsáveis para a realização de tarefas, posterior avaliação do que
foi feito (e do que não foi), bem como para socializar o conteúdo discutido e deliberações com os
militantes faltantes.
Formalização
É fundamental que as relatorias/atas de todas as reuniões da organização sejam
formalizadas, isto é, que seja sabido e firmado por todos os pactos firmados coletivamente. Assim, a
adesão dos militantes às decisões da organização é garantida, sendo possível ter clareza e domínio
sobre tudo o que deve ou não deve ser feito e quem sãos os responsáveis por casa atividade e tarefa.
A formalização inibe a estrutura informal e tirana que se forma espontaneamente nas
relações sociais coletivas (a tirania das organizações sem estrutura). Tal tirania vem no sentido de,
dentro da organização, alguns acabarem se entendendo com poder de cobrar outros militantes de
coisas que jamais foram assumidas por eles, ou mesmo quando abre espaço para a complacência
motivada pelo “carisma” daqueles companheiros que conquistaram afinidade com parte expressiva
do grupo, da mesma forma como cobranças desproporcionais àqueles que conquistam menos
simpatia.
Formalizar é muito diferente de burocratizar (a menos que se torne um fim em si mesmo as
reuniões, planejamentos, métodos, atas, documentos em geral), pois favorece que as instâncias
políticas garantam seus pactos (federalistas) livremente constituídos, ou seja, garante a autogestão
por todos e controle comum das decisões coletivas.
Compromisso e responsabilidade coletiva
Em nosso entendimento, toda a estrutura coletiva já mencionada ao longo do texto - esta que
exerce a cobrança sobre os entes da organização e mantem o controle coletivo (pela organização) –
está longe de se constituir como um autoritarismo, uma vez que é justamente o que institui os laços
que formam o indivíduo coletivista. Desse modo, se faz necessário destacar que defendemos e
devemos sempre respeitas a liberdade social e não individualista. Tal estrutura forja militantes
calcados na responsabilidade coletiva, valorizando o tempo, trabalho e compromisso de todos,
garantindo a liberdade nas ações e na associação, mas sempre alimentando a responsabilidade com
a coletividade e com os demais companheiros.
Tais aspectos são fundamentais para a conformação de nosso projeto e, principalmente, para
a construção de uma organização confiável e respeitável para seus militantes, onde a unidade do
grupo é fortalecida.
Disciplina
Diante do que foi dito até agora, devemos enfatizar também o quão fundamental é a
disciplina para esse método de ação. Cada indivíduo ou célula federal do coletivo precisa arcar com
aquilo que assume, uma vez que a divisão das tarefas e objetivos estão tão entrelaçados que aquilo
que se configura com um deslize pessoal pode gerar um problema para a coletividade toda. É nesse
sentido que as falhas individuais sempre são coletivas, pois podem levar tudo aquilo que foi
planejado ao fracasso. Tal afirmação se distingue da evasiva e vulgar resposta de tudo ser “um erro
coletivo”. Os indivíduos devem assumir que nas atividades militantes - de uma organização ou
movimento social pautado na democracia real - ele não pensa e/ou faz atividades de maneira
isolada, mas sempre em conjunto.
Exigir disciplina dos companheiros é um direito da coletividade, uma vez que as discussões
e deliberações são tomadas coletivamente com a participação e voluntarismo dos indivíduos que
compõe o todo. Nesse sentido, a disciplina é para todos e deve ser sempre exercitada com
prioridade, afinal somente ela garante um projeto antiautoritário, isto é, um projeto onde
responsabilidade e poder de influência no todo são distribuídos de maneira equilibrada. Nesse ponto
de vista, considera-se autoritário não a voz que exige o compromisso coletivo, mas sim aquele que
toma decisões e atua sob controle da escolha individual, colocando em cheque a autogestão da
organização.
É justamente essa postura disciplinada e cooperativa que torna possível uma conduta
socialista ética, voltada ao coletivo e não ao individual.
Clareza tática/estratégica
Por fim, reforçamos que para o real enquadramento nessa metodologia de trabalho é
fundamental que se tenha clareza da onde se quer chegar. O modelo de planejamento apresentado
aqui não pretendia dar respostas àqueles que buscam estabelecer sua linha estratégica e tática, mas
sim dar luz às nossas ações na emergência do cotidiano. Deve-se ter claro que não é somente no
calor do dia-a-dia (em meio aos objetivos mais imediatos) que conseguimos pensar e formular os
aspectos mais “políticos” acerca de nosso trabalho. Esse texto procura colaborar na orientação
metodológica do nosso trabalho cotidiano, de modo a proporcionar maior clareza sobre se estamos
indo para onde vemos ir.
Ter esse entendimento é fundamental para sabermos como nos posicionarmos em nossas
intervenções diárias. Entretanto sem uma linha tático-estratégica, teremos somente duas
possibilidades, como bem aponta Danton1
: 1) Seguir a linha que a “esquerda” em geral defende, de
maneira acrítica, apenas encaixando algumas pautas “vulgares” dos libertários nas mesas; ou 2)
Negar tudo aquilo que a “esquerda em geral” realiza, e se manter na margem extrema esquerda da
ação, descolados de qualquer atuação, críticos de tudo e responsáveis por nada. No primeiro caso,
não precisamos de um planejamento, pois nosso projeto é a ausência de um projeto, não servimos
para nada além do que emprestar força à projetos que não são nossos. Na segunda hipótese a
ausência de críticas construtivas para aportar nossos métodos e propostas dispensa um
planejamento, pois sempre teremos uma resposta pronta e descomprometida com a realidade
militante.
1 texto “Sobre a Política de Alianças Problemas em torno da construção de um polo libertário de luta”, artigo
presente no Livro “Problemas e Possibilidades do Anarquismo”, do autor José Antônio Gutierrez Danton, publicado
pela Faísca em 2011.

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Metodologia de trabalho cqm

  • 1. Criando uma Metodologia de Trabalho: Para um Plano Prático de Ações Luiz Fisher - Militante do Coletivo Anarquista Luta de Classe e do Coletivo Quebrando Muros, atuante atualmente na luta pelo transporte e comunitária. Neste texto abordaremos aspectos práticos do cotidiano militante, baseados na experiência do CALC e CQM. Nossa preocupação está em destacar elementos referentes ao campo de ação, portanto não trataremos aspectos relevantes no que tange a teoria. Sendo assim, nosso objetivo é pensar em aspectos que ajudem a formar um estilo militante baseado no trabalho, bem como formas de planejar e elaborar roteiros de trabalho. Gerar elementos que possibilitem tanto planejamento, balanço e autocrítica no que se refere à nossas ações. Cabe ressaltar ainda que tais aspectos são voltados à esfera da vida política cotidiana, assim focada no curtíssimo e curto prazo. Algumas reflexões prévias Quando se tem um objetivo, uma estratégia deve-se produzir permanentemente uma linha/ação política planejada conforme nossas orientações programáticas. Assim, mesmo a esfera mais próxima do cotidiano não deve ser executada sem planejamento e discussão minuciosa. Temos como objetivo o “Poder Popular”, objetivo esse que não parece estar nos esperando na próxima “esquina” da História. Quando nos defrontamos com a atual situação de nosso campo - que tem ainda pouca ou nenhuma inserção na maior parte dos espaços de produção e reprodução política das classes exploradas - parece que nosso objetivo se agiganta ainda mais. À medida que nos encontramos em tais circunstâncias podemos chegar, apressadamente, em dois tipos de avaliação, estes por sua vez, geram diferentes tipos de ação. 1) Nossas forças são poucas, logo o projeto revolucionário é para um “amanhã” longínquo, e 2) Nossos objetivos são grandiosos, mas devemos dar conta. Com relação à primeira medida encontrada podemos considerar que no campo da ação política tais elementos podem gerar uma resposta despreocupada que aponta para um momento tão futuro dos nossos objetivos que qualquer “avanço” é suficiente, pois a “longo prazo” estamos acumulando. Sobre a segunda conclusão precipitada, podemos dizer que quando uma ação visa à ampliação e inserção de nossa linha imediata, ao se deparar com nossa fraqueza acaba sempre resultar em nada ou quase nada de acumulo. Para nós, tais situações derivam da ausência de maior coordenação entre objetivos e ações e a falta de um planejamento que possa
  • 2. nos demonstrar onde avançamos e onde nos mantivemos estagnados. A partir do momento que temos ciência de nossos objetivos de curto prazo (e isso somente podemos ter quando os fixamos) conseguimos criar planos para a intervenção cotidiana que se referem a ele, coordenar a militância em torno dele. Com essa maneira de atuar temos tanto uma capacidade de intervenção política qualificada, como uma “régua” mais adequada para medir o sucesso ou fracasso de nossas proposições e linhas políticas. Neste texto apresentaremos um pequeno roteiro de elementos que devem estar presentes nestes “planejamentos” de curtíssimo/curto prazo, bem como quais critérios devem balizá-los. Acreditamos que tal proposta de trabalho poderá ajudar a formação das organizações bem como os quadros das mesmas, dentro de um senso prático e relacionado à nossa doutrina, o que coloca teoria/ideologia em diálogo direto. Prevemos também que deverá contribuir para forjar um senso estratégico mais apurado, isto é, organizações com objetivos mais determinados, facilitando a adoção de objetivos e sua concretização. Além disso, poderá contribuir para que as instâncias das organizações sejam lugares onde a autocrítica coletiva e mesmo individual se torna mais fácil, uma vez que os critérios se encontram objetivamente colocados, e assim, também aponta para organizações onde os compromissos coletivos e responsabilidades se encontram distribuídas em torno de objetivos comuns e claros no que se refere ao trabalho cotidiano facilitando assim a coordenação e distribuição racional como equitativa das responsabilidades. Caracterização Para todo e qualquer trabalho político se faz necessário a adoção de métodos para entendimento da conjuntura, afinal, compreender a realidade que se quer alterar é fundamental para ação. Na esfera do trabalho cotidiano devemos, sim, estabelecer senão uma análise “conjuntural”, (naquilo que resguarda a amplitude do termo) ao menos uma contextualização, isto é, um “mapeamento” do terreno em que se pisa. É evidente que nessa caracterização, para melhor “enxergarmos” os aspectos do “contexto” referido, devemos estar apropriados de uma análise de conjuntura mais ampla. Atualmente, partimos da análise de que os movimentos sociais estão burocratizados e que por sua fraqueza se encontram na defensiva (resistindo para não perder direitos anteriormente conquistados com luta). Com relação ao próprio Anarquismo, entendemos que existe a necessidade de retomada do seu “vetor social”. Então, podemos afirmar que estes são alguns dos aspectos relacionados a conjuntura. Sendo assim, não poderíamos realizar esse trabalho no nível “micro” sem levar em conta nossas análises maiores, do contrário estaremos a afirmar que aqueles aspectos mais generalizáveis de nossa teoria são mera “teoria” e não se enquadram no cotidiano dos/as
  • 3. explorados/as. É interessante destacar que este elemento inicial de nosso planejamento é relacionado ao campo da “teoria”, pois se refere aquilo que “é” a realidade, e não aquilo que desejamos que fosse. Assim, cabe nesta etapa do planejamento fazer as análises mais objetivas possíveis sempre respaldadas pelo conhecimento científico disponível. Basicamente esse trabalho inicial se refere a “mapearmos” a situação do espaço de base onde nos encontramos, cabem as seguintes indagações sobre tal inserção: A- Quais espaços estamos olhando e que papel eles cumprem no capitalismo? B- Quem são os sujeitos que ali se encontram e qual tipo de exploração sofrem? Qual sua inserção na sociedade de classes? C- Como se encontra sua organização a nível de massas? Sua disposição de luta? D- Que forças atuam neste espaço (organizações)? E- (Base) O que parecem estar pensando sobre a realidade? F- (Base) Qual sua percepção de nossa corrente e de nossa militância? E- Que necessidades têm? Que necessidades têm percebido ter? Para que tem disposição de luta? F- Etc. Demandas/Pautas Qualquer trabalho militante deve compreender ações que se referem à conquista de melhorias na condição de vida dos explorados, isto por dois motivos 1) É prudente que melhoremos suas condições de vida, pois isto é positivo em si mesmo quando realizado de acordo com métodos libertários (ação direta dos próprios explorados/as) 2) Uma luta que não tem saldo concreto é pouco interessante para a formação do Poder Popular, pois demonstra fraqueza e impotência das classes exploradas sendo pouco interessante para o acumulo de forças (além do que ninguém, ou poucas pessoas, sai às ruas com o lema “Queremos a Revolução”, até porque se faz Revolução não se reivindica). Dessa maneira, é fundamental termos pautas atingíveis por meio de nossa luta, de modo que elas passam a evidenciar a capacidade das massas de modificar a realidade e de fazer História. Estas pautas não devem ser “introjetadas” nas massas, mas devem ser relacionadas às suas necessidades, assim cabem os seguintes questionamentos:
  • 4. A- Que pautas tal base tem reivindicado? B- Quais pautas são parte de suas necessidades? C- Quais pautas seriam interessantes e viáveis de serem apresentadas? Cabe citar que esse ponto está diretamente associado às nossas noções políticas mais estratégicas, afinal não apoiamos qualquer luta da base, mas, sim, aquelas lutas que de uma maneira ou outra reforçam e fortalecem nosso projeto. Inserção Quando pensamos em construir o “Poder Popular”, entendemos que ele é exercitado pelas massas organizadas em suas próprias organizações de classe. Desse modo, toda ação que realizamos de alguma maneira está relacionada com o fomento e a influência sobre sua capacidade de organização. Portanto, boa parte de nossas ações devem estar direcionadas à construção de organizações de nível social, uma vez que elas são fundamentais para a consolidação do nosso objetivo finalista. Dessa maneira, devemos nos preocupar em nos inserir em espaços dos movimentos sociais (nível de massas), nos localizando imediatamente e avaliando em que desejamos influir ou mesmo ajudar a construir. Assim, teremos inserção social. Desse modo, todo nosso trabalho militante deve estar relacionado a ação referente a fomentar a organização do nível social quando ela não existe, e a aumentar nossa influência quando a metodologia de organização e luta. Para, além disso, muitas vezes é necessário estabelecer disputa frente às forças inimigas ou adversárias que também influenciam tal movimento. Portanto, pensar um planejamento/plano de trabalho deve levar em consideração espaço popular em que estamos situados e que desejamos influenciar (um CA, um movimento social, um sindicato, etc.) Articulação/Mapeamento para o trabalho de base Existe uma confusão muito grande no que se refere ao “trabalho de base”. Atualmente, não apenas nossas fileiras, mas a esquerda de modo geral fala muito sobre a importância do trabalho de base. Entretanto, se tem tomado como trabalho de base aquilo que, a nosso ver, se configura na verdade como “agitação e propaganda”. Concordamos que a agitação e propaganda são bastante importantes para produção e reprodução da política de qualquer organização, e em nenhum momento estamos dispensando a mesma. Todavia conceber panfletagens, distribuição de jornais, palestras, etc. como trabalho de base nos parece um equivoco, pois estas ações consistem parte da função daqueles militantes que desejam contribuir para a organicidade de espaços de base e nossas organizações em si.
  • 5. Compreendemos, que em grande parte dos casos é por meio de ações de propaganda que visualizamos aqueles companheiros que podemos focar um trabalho militante mais sistemático (e ai sim fazer um trabalho de base) e contribuir para que este venha a ser parte do movimento social e mesmo de nossas organizações. Porém, entendemos que o “trabalho de base” se refere justamente em “mapear” sistematicamente, quem são aquelas pessoas que são potencialmente organizáveis em todos os níveis, seja no social, no político/social e político. Devemos, assim, em nossos trabalhos mapear quem são as pessoas que devemos dar maior atenção e sempre elaborar políticas para que estas possam ser absorvidas pelo movimento. Isso, como bem destacado, não elimina as ações que visam abarcar a base como um todo, mas sim se configura como mais uma atribuição do trabalho militante, que se refere a tão “vulgarizada” tarefa que é o “trabalho de base”. Definir que se faz trabalho de base em uma “base” qualquer - por mais reduzida que seja a nossa perspectiva - ainda assim se refere a uma amplitude que é muito grande para nossa capacidade de intervenção, pois em geral somos menos de uma dezena em uma determinada base. Assim, mapear quem são aquelas pessoas que compõem a base social (professores, estudantes, moradores da periferia, etc.) e que demonstram maior disposição para lutar e organizar delimita um raio de intervenção viável às nossas forças, de modo que possamos, de fato, realizar o trabalho de base (famoso “trabalho de formiguinha”). Afinal como diz o ditado popular “quem muito quer abraçar, nada abraça.” Dentro desta linha de planejamento propomos o mapeamento daqueles que são os potenciais militantes (em qualquer nível) e sua agregação no planejamento da organização. Assim, torna-se possível desenvolver ações executáveis para o trabalho de base, dentro daquilo que é nossa capacidade de intervenção. Esta linha aponta para o trabalho de base; algo planejável que tem como alvo pessoas com nome, rosto, endereço, etc. e não um “trabalho de base” qualquer, onde qualquer ação que temos (seja panfletagem, bate papo no bar, etc.) etiquetamos com este termo. Objetivos É fundamental que fixemos objetivos, afinal, ter uma meta é que nos dará elementos para avaliação dos métodos aplicados no trabalho. De outro modo, se não temos objetivo podemos cair naquelas análises catastrofistas ou generosas em demasia, como tipificado no campo “algumas reflexões anteriores”. Ter objetivos fixados, para além daqueles de médio e longo prazo, nos dá uma dimensão, uma “régua” mais adequada para medirmos o impacto de nossa ação organizada na realidade em questão.
  • 6. Ter elementos definidos que se relacionam àquilo que empreendemos na realidade imediata contribui para que algo possa ser avaliado positiva ou negativamente. Definir tais metas não necessariamente significa cumpri-las, entendendo que não devemos reproduzir uma lógica produtivista. Diferentemente, quando um objetivo não é cumprido é necessário colocar em questão o que ocorreu: negligência dos envolvidos na execução daquele trabalho? Erro de método? Análise equivocada? Todas estas avaliações geram dados que podem, em muito, contribuir para acertarmos nossa linha política. Dessa maneira, quando nos referimos a “objetivos” estamos colocando a necessidade de definir objetivos de curtíssimo prazo. Esses podem contribuir tanto para a organização saber qual é a sua direção e com o afinamento e realização das linhas táticas e estratégicas, como para termos melhores elementos para avaliação de nossas linhas políticas. Mais uma vez destacamos o fato de que todo o planejamento deve ser desenvolvido à luz dos objetivos tático e estratégicos da organização, além de estar necessariamente em consonância com os mesmos, pois não separamos os meios dos fins, de modo que os meios devem, necessariamente, contemplar nossas finalidades. Elementos fundamentais para promover o trabalho Para promover essa linha não basta somente o processo de elaboração, ou seja, a concepção deste plano, uma vez que sua materialização, sua conformação em prática política será por meio da capacidade que os indivíduos têm de executar de forma disciplinada tais determinações. Nesse sentido, tal modelo de “planejamento” visa forjar e dar continuidade a um estilo de trabalho que tem por característica o senso prático, a disciplina, a responsabilidade e o pragmatismo, no sentido de estimular a adequação de nossas linhas tático-estratégias em realidades políticas imediatas, fomentando o exercício de análises de conjuntura, produção e reprodução de teoria, de prática política constante e de avaliação e autocrítica do trabalho. Portanto, mais do que uma formalidade ou uma forma de exercitarmos nossas capacidades de análise, balanço e formulação política, esse modelo de desenvolvimento do trabalho deve contribuir para a conformação de um estilo de trabalho determinado. Responsáveis Muitas vezes nos deparamos com avaliações que colocam a responsabilidade de todos os problemas enfrentados pela organização na própria organização (organização aqui entendida como um ente abstrato). Entretanto, a organização - e isto soará óbvio - somos nós mesmos. Assim, todo
  • 7. erro tem caráter coletivo, tem também parte de responsabilidade dos indivíduos que a compõe. Ter responsáveis pelas tarefas específicas da organização faz com que possamos cobrar e exigir a execução daquilo que delimitamos coletivamente. Assim, poderemos fazer a crítica quando o compromisso de um ou mais companheiros não foi realizado e compreender quando algo deu errado por conta de análises equivocadas da organização. Além disso, existem também as faltas que se justificam por serem ocasionadas por situações pessoais das quais devemos ter solidariedade (claro que nem toda situação pessoal intempestiva justifica a falta com as responsabilidades compromissadas com o trabalho militante). Destacamos que as tarefas são acolhidas pelas individualidades de maneira voluntária, isto é, por pactos federalistas, feitos em espaços horizontais e não designadas por autoridades. Desse modo, não se deve simplesmente acusar a organização de impor tarefas, pois o que foi assumido deve ter sido assumido voluntariamente e frente a uma coletividade. Relatorias/atas Realizar relatorias - onde os responsáveis são de carne e osso, e não uma entidade coletiva ou um “espectro” - é fundamental para que os “pactos” coletivos sejam documentados, de modo que possam ser verificados sempre que necessário. Por isso é fundamental que as relatorias sejam compartilhadas dentre todos os membros da organização para circunstanciais ratificações e então aprovação da mesma. Além disso, as relatorias são extremamente importantes para o levantamento do que foi encaminhado, dos responsáveis para a realização de tarefas, posterior avaliação do que foi feito (e do que não foi), bem como para socializar o conteúdo discutido e deliberações com os militantes faltantes. Formalização É fundamental que as relatorias/atas de todas as reuniões da organização sejam formalizadas, isto é, que seja sabido e firmado por todos os pactos firmados coletivamente. Assim, a adesão dos militantes às decisões da organização é garantida, sendo possível ter clareza e domínio sobre tudo o que deve ou não deve ser feito e quem sãos os responsáveis por casa atividade e tarefa. A formalização inibe a estrutura informal e tirana que se forma espontaneamente nas relações sociais coletivas (a tirania das organizações sem estrutura). Tal tirania vem no sentido de, dentro da organização, alguns acabarem se entendendo com poder de cobrar outros militantes de coisas que jamais foram assumidas por eles, ou mesmo quando abre espaço para a complacência motivada pelo “carisma” daqueles companheiros que conquistaram afinidade com parte expressiva do grupo, da mesma forma como cobranças desproporcionais àqueles que conquistam menos
  • 8. simpatia. Formalizar é muito diferente de burocratizar (a menos que se torne um fim em si mesmo as reuniões, planejamentos, métodos, atas, documentos em geral), pois favorece que as instâncias políticas garantam seus pactos (federalistas) livremente constituídos, ou seja, garante a autogestão por todos e controle comum das decisões coletivas. Compromisso e responsabilidade coletiva Em nosso entendimento, toda a estrutura coletiva já mencionada ao longo do texto - esta que exerce a cobrança sobre os entes da organização e mantem o controle coletivo (pela organização) – está longe de se constituir como um autoritarismo, uma vez que é justamente o que institui os laços que formam o indivíduo coletivista. Desse modo, se faz necessário destacar que defendemos e devemos sempre respeitas a liberdade social e não individualista. Tal estrutura forja militantes calcados na responsabilidade coletiva, valorizando o tempo, trabalho e compromisso de todos, garantindo a liberdade nas ações e na associação, mas sempre alimentando a responsabilidade com a coletividade e com os demais companheiros. Tais aspectos são fundamentais para a conformação de nosso projeto e, principalmente, para a construção de uma organização confiável e respeitável para seus militantes, onde a unidade do grupo é fortalecida. Disciplina Diante do que foi dito até agora, devemos enfatizar também o quão fundamental é a disciplina para esse método de ação. Cada indivíduo ou célula federal do coletivo precisa arcar com aquilo que assume, uma vez que a divisão das tarefas e objetivos estão tão entrelaçados que aquilo que se configura com um deslize pessoal pode gerar um problema para a coletividade toda. É nesse sentido que as falhas individuais sempre são coletivas, pois podem levar tudo aquilo que foi planejado ao fracasso. Tal afirmação se distingue da evasiva e vulgar resposta de tudo ser “um erro coletivo”. Os indivíduos devem assumir que nas atividades militantes - de uma organização ou movimento social pautado na democracia real - ele não pensa e/ou faz atividades de maneira isolada, mas sempre em conjunto. Exigir disciplina dos companheiros é um direito da coletividade, uma vez que as discussões e deliberações são tomadas coletivamente com a participação e voluntarismo dos indivíduos que compõe o todo. Nesse sentido, a disciplina é para todos e deve ser sempre exercitada com prioridade, afinal somente ela garante um projeto antiautoritário, isto é, um projeto onde responsabilidade e poder de influência no todo são distribuídos de maneira equilibrada. Nesse ponto
  • 9. de vista, considera-se autoritário não a voz que exige o compromisso coletivo, mas sim aquele que toma decisões e atua sob controle da escolha individual, colocando em cheque a autogestão da organização. É justamente essa postura disciplinada e cooperativa que torna possível uma conduta socialista ética, voltada ao coletivo e não ao individual. Clareza tática/estratégica Por fim, reforçamos que para o real enquadramento nessa metodologia de trabalho é fundamental que se tenha clareza da onde se quer chegar. O modelo de planejamento apresentado aqui não pretendia dar respostas àqueles que buscam estabelecer sua linha estratégica e tática, mas sim dar luz às nossas ações na emergência do cotidiano. Deve-se ter claro que não é somente no calor do dia-a-dia (em meio aos objetivos mais imediatos) que conseguimos pensar e formular os aspectos mais “políticos” acerca de nosso trabalho. Esse texto procura colaborar na orientação metodológica do nosso trabalho cotidiano, de modo a proporcionar maior clareza sobre se estamos indo para onde vemos ir. Ter esse entendimento é fundamental para sabermos como nos posicionarmos em nossas intervenções diárias. Entretanto sem uma linha tático-estratégica, teremos somente duas possibilidades, como bem aponta Danton1 : 1) Seguir a linha que a “esquerda” em geral defende, de maneira acrítica, apenas encaixando algumas pautas “vulgares” dos libertários nas mesas; ou 2) Negar tudo aquilo que a “esquerda em geral” realiza, e se manter na margem extrema esquerda da ação, descolados de qualquer atuação, críticos de tudo e responsáveis por nada. No primeiro caso, não precisamos de um planejamento, pois nosso projeto é a ausência de um projeto, não servimos para nada além do que emprestar força à projetos que não são nossos. Na segunda hipótese a ausência de críticas construtivas para aportar nossos métodos e propostas dispensa um planejamento, pois sempre teremos uma resposta pronta e descomprometida com a realidade militante. 1 texto “Sobre a Política de Alianças Problemas em torno da construção de um polo libertário de luta”, artigo presente no Livro “Problemas e Possibilidades do Anarquismo”, do autor José Antônio Gutierrez Danton, publicado pela Faísca em 2011.