1. A minha galinha pinta
põe três ovos ao dia,
se ela pusesse quatro
que dinheiro não faria!
Já me deram pela cabeça
uma vaquinha moiresca.
Já me deram pela crista
uma vaquinha moirisca.
Já me deram pela moela
uma vaquinha moirela.
Já me deram pelas penas
duas vaquinhas morenas.
Já me deram pelo rabo
um cavalo enfreiado.
Já me deram pelas tripas
duas feixadas de fitas.
Já me deram pelas asas
uma aldeia com dez casas.
Já me deram pela língua
a cidade de Coimbra.
Já me deram pelas pernas
umas meias amarelas.
Já me deram pelo corpo
toda a cidade do Porto.
Galinha que vale tanto
das penas até ao osso
não vai parar ao convento.
Vou eu comê-la ao almoço.
2. Joanina e Lionídia eram duas jovens que se preparavam para o primeiro baile. Vestiam
vestidos de seda branca com muita goma e roda, todos enfeitados de lacinhos azuis e cor-de-
rosa. Não haverá hoje raparigas que consintam em usar vestidos destes, mas isto passou-se há
muito tempo. Diante do toucador, ajeitaram ao espelho os caracóis e canudos de cabelo, que
as faziam parecer bonecas de porcelana. Sentiam-se lindas. E, efectivamente, sinceramente,
estavam.
Chegou a altura dos últimos adornos. Brincos, anéis, pulseiras e um diadema no toucado.
Até o espelho pestanejou com tanto brilho.
– Falta o colar – lembrou a Lionídia, enquanto procurava, na sua caixinha de guarda-
jóias, o ornamento essencial à perfeição do quadro.
Já Joanina tinha tirado do respectivo guarda-jóias e posto com todo o cuidado ao espelho
o seu colar de pérolas, sorrindo, feliz, porque era a primeira vez que o punha. Sentia-se uma
senhora, uma dama, um modelo para um retrato a óleo. Lionídia tinha um colar igual. Ou
quase.
– O teu colar é de pérolas falsas – disse Lionídia, olhando de esguelha para o colar de
Joanina.
– Como é que tu sabes? – indignou-se ela. – Este colar está na nossa família há várias
gerações e sempre foi tomado como verdadeiro.
– É falso. Digo e torno a dizer, porque as tuas pérolas não têm a perfeição nem a
transparência leitosa, nacarada, aveludada das minhas.
Isto dito por Lionídia era uma afronta para Joanina.
– E se for ao contrário? – ripostou ela. – Está-me a parecer que as tuas pérolas é que são
uma perfeita imitação das minhas.
Enervaram-se. Zangaram-se. Descompuseram-se. Brigaram. Não fosse estarem tão
alinhadas para a festa e, quase de certeza, ainda acabariam por se agarrar aos caracóis uma da
outra e espatifar os vestidos brancos, engomados e rodados, com lacinhos azuis e cor-de-rosa…
3. Uma réstia de boa educação e de bom senso conteve-as. Para decidirem de uma vez para
sempre qual tinha razão lembrou-se uma delas.
– Só há uma prova a fazer. O vinagre!
Quem não souber que aprenda que o vinagre desfaz as pérolas naturais, as legítimas, as
fabricadas com sossego e demora, dentro da concha paciente das ostras. Muito exaltadas e
avinagradas, foram buscar à cozinha uma tigela de vinagre.
– Queres ver que o teu colar pelintra não se desfaz – disse a Joanina à Lionídia.
– A porcaria do teu colar é que não vai desfazer-se – disse Lionídia à Joanina.
O resto está-se mesmo a ver. Dissolveram-se no banho de vinagre as pérolas de ambos os
colares. Dissolveram-se no banho de vinagre as pérolas de ambos os colares. Só sobraram
para amostra fios e fechos, tão valiosos como duas espinhas de peixe. E as duas jovens, depois
de chorarem muitas lágrimas, abraçadas uma à outra, lá tiveram de ir para o baile sem os seus
preciosos colares. Pobres das ostras que tanto trabalharam a acrescentar, a arredondar e a
aprimorar as suas maravilhosas pérolas, para que assim se perdesse o labor de tantos anos
num bochecho de vinagre. Dá que pensar.
4. A galinha ruiva achou umas espigas de trigo.
Ela chamou o gato. Ela chamou o ganso. Ela chamou o porco.
A galinha ruiva disse:
– Quem me ajuda a semear o trigo?
– Eu não – disse o gato.
– Eu não – disse o ganso.
– Eu não – disse o porco.
– Então semeio eu o trigo – disse a galinha ruiva.
E a galinha ruiva semeou o trigo.
O trigo cresceu.
A galinha ruiva disse:
– Quem me ajuda a ceifar o trigo?
– Eu não – disse o gato.
– Eu não – disse o ganso.
– Eu não – disse o porco.
– Então ceifo eu o trigo – disse a galinha ruiva.
E a galinha ruiva ceifou o trigo e levou-o para o moinho.
Depois de ter já o trigo moído e feito em boa farinha, a galinha ruiva disse:
– Quem me ajuda a fazer o pão?
– Eu não – disse o gato.
– Eu não – disse o ganso.
– Eu não – disse o porco.
– Então faço eu o pão – disse a galinha ruiva.
5. E a galinha ruiva amassou o pão, que ficou muito bem amassado, e cozeu-o no forno,
muito bem cozido.
– Quem me ajuda a comer o pão?
O gato disse:
– Miau! Miau! Miau! Quero eu, quero eu, quero eu.
O ganso disse:
– Quá! Quá! Quá! Quero eu, quero eu, quero eu!
O porco disse.
– Gurnin! Gurnin! Gurnin! Quero eu, quero eu, quero eu!
A galinha ruiva disse:
– Vocês não me ajudaram a semear o trigo. Vocês não me ajudaram a ceifar o trigo.
Vocês não me ajudaram a fazer o pão. Pois então vocês não me ajudarão a comer o pão.
Os meus pintainhos comerão o pão.
E a galinha ruiva e os pintainhos comeram o pão.
Quem não trabuca não manduca.
Está contada a história. Está dada a lição.
6. As pereiras dão peras. Não é novidade. Estranho seria se as pereiras dessem maçãs.
Mas esta não é uma história vulgar. Efetivamente, na pereira para onde nós apontámos a
história não nasceram maçãs nem uvas nem romãs. Nasceu apenas, entre outras peras que
não mereciam especial atenção, uma pêra e peras. Enorme. Gigantesca. Uma senhora dona
pêra.
– Parece uma abóbora – disse o dono do pomar para a mulher. – Se não a
amparamos, parte o tronco.
A pereira gemia ao peso da pêra fenomenal. Toda inchada para um lado, também era
um fenómeno que ainda se não tivesse partido. Para reequilibrar a árvore, o dono do
pomar trouxe um banco que pôs debaixo da pêra. Assim apoiada, a pêra cresceu e
engordou que metia impressão.
– É uma pêra sentada num banco – diziam as outras peras, umas invejosas.
A notícia da pêra gigante chegou aos ouvidos do rei. Até lhe contaram que a pêra era
tão grande, tão majestosa, que para ela tinha armado um trono, à beira da árvore donde
provinha. Uns exagerados.
– Se ela é a rainha das peras tem de vir para a mesa do rei – ordenou o monarca, que
era um glutão, talvez até o rei dos glutões.
Trouxeram-na numa padiola, suportada por dois homens. O rei, que estava no
desfecho de um banquete – só faltava a fruta –, o rei espantou-se.
– Descasquem-na – ordenou.
Três criados, armados de grandes facas, demoraram uma hora na operação. A pêra
sumarenta e suculenta foi posta numa imensa travessa, diante do rei.
– Ainda cá estou – disse o rei, espreitando por trás da pêra.
7. Já não era o rei, mas a pêra que presidia o banquete.
Todos os cortesãos olharam para a cabeceira da mesa, aguardando a continuação da
história.
O rei pegou numa colher e espetou-a na polpa da pêra. Depois, provou. Provou e fez
uma careta.
– Está verde – disse.
Um Ah! de desolação prolongou-se, em coro, pela mesa fora.
– Está verde – disseram todos os cortesãos, fazendo um ar muito desconsolado.
A pêra tinha sido colhida antes do tempo. Por culpa da precipitação do rei, que exigira
a pêra à sua mesa, ninguém se preocupara em saber se a pêra já estava na conta. E, agora,
era tarde. Não podiam voltar a pendurá-la na árvore. Era uma pêra desperdiçada. Era um
enorme desperdício.
Enterraram-na no jardim, depois de os jardineiros terem cavado um fundo buraco.
Anos depois, floresceu uma pereira naquele sítio. Como? Porquê? A memória do rei e
dos cortesãos era muito curta.
Mas o príncipe, filho do rei, passou por ali e colheu uma perinha madurinha. Provou.
Gostou. E não se esqueceu. Passou a pedir para a sobremesa as peras daquela pereira do
jardim.
O príncipe cresceu. Ganhou corpo. Fez-se um belo rapaz, um mocetão desempenado
e atlético. Generoso, risonho, afável. E são como um pêro. Ou uma pêra…
8. A ovelha generosa
De
António Torrado
Era uma ovelha muito generosa. Sabem o que é ser generoso? É gostar de dar, dar por
prazer. Pois esta ovelha era mesmo muito generosa. Dava lã. Dava lã, quando lhe pediam.
Vinha uma velhinha e pedia-lhe um xailinho de lã para o Inverno. A ovelha dava. Vinha uma
menina e pedia-lhe um carapuço de lã para ir para à escola. A ovelha dava. Vinha um rapaz e
pedia-lhe um cachecol de lã para ir à bola. A ovelha dava. Vinha uma senhora e pedia-lhe
umas meias de lã para trazer por casa. A ovelha dava.
- Ó ovelha, não achas de mais? Xailes, carapuços, cachecóis, meias... É só dar, dar...
- Não se ralem - respondia a ovelha. - Vocês não aprenderam na escola que a vaca dá
leite e a ovelha dá lã? É o que eu estou a fazer.
Apareceu a Dona Carlota, muito afadigada:
- Eu só queria um novelozinho para fazer um saco para a botija. Ainda chega? Pois claro
que chegava. A ovelha a dar nunca se cansava.
Veio a Dona Firmina, muito preocupada:
- Eu só queria um novelozinho para uma pega para a cozinha. Ainda chega? Pois claro
que chegava. A ovelha a dar nunca se cansava.
Veio a Dona Alda, muito atarantada:
- Eu só queria um novelozinho para acabar uma manta. Ainda chega? Pois claro que
chegava. A ovelha a dar nunca se cansava.
E eram coletes, camisolas, golas, golinhas, luvas... que a gente até estranhava que a lã se
lhe não acabasse. A ovelha sorria e tranquilizava: - Não acaba. Nunca acaba. Conhecem
aquele ditado: "Quem dá por bem, muito lhe cresce também"? Pois é o que eu faço.
E a ovelha generosa lá foi atender uma avó, que precisava de um novelo para um
casaquinho de bebé, o seu primeiro neto que estava para nascer...