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Estudo sobre a
    Epístola
do Apóstolo Paulo
  aos Romanos


            George Howes




      1ª edição em português: 1919
      3ª edição em português: 1929
      4ª edição em português: 2006


 Todos os direitos da tradução reservados:
   DLC — Depósito de Literatura Cristã
          Rua Arlidno Bétio 117
                 Jd Marão
        09911-470 Diadema / SP
                  BRASIL
Índice


OBSERVAÇÃO GERAL                           03

PREFÁCIO                                   04

PARTE 1 — Capítulo 1:1 – 17                05

PARTE 2 — Capítulo 1:18 – capítulo 3:20    06

PARTE 3 — Capítulo 3:21 – capítulo 5:11    09

PARTE 4 — Capítulo 5:12 – capítulo 8:39    16

PARTE 5 — Capítulos 9 a 11                 29

PARTE 6 — Capítulo 12:1 – capítulo 15:7    36

PARTE 7 — Capítulo 15:8 – capítulo 16:27   44




                                 2
Observação Geral

      Para facilitar o estudo dessa epístola, a dividiremos em 7 partes:

      PARTE 1 — Capítulo 1:1 – 17
      PARTE 2 — Capítulo 1:18 – capítulo 3:20
      PARTE 3 — Capítulo 3:21 – capítulo 5:11
      PARTE 4 — Capítulo 5:12 – capítulo 8:39
      PARTE 5 — Capítulos 9 a 11
      PARTE 6 — Capítulo 12:1 – capítulo 15:7
      PARTE 7 — Capítulo 15:8 – CAPÍTULO 16:27

        Lembramos aos nossos leitores ser conveniente sempre acompanhar a
leitura desses estudos com o trecho correspondente em seus Novos Testamentos.
Recomendamos que estudem sempre num espírito de oração, lembrando-se que
só pelo ensino do Espírito Santo podem alcançar uma compreensão verdadeira
daquilo que ali está escrito.




                                        3
Estudos
                                     sobre
                            A EPÍSTOLA AOS ROMANOS


                                     Prefácio

        A epístola de Paulo aos Romanos é de grande importância, porque nela
temos os alicerces do cristianismo firmados.
        É provável que fosse escrita quando o apóstolo esteve em Corinto, pouco
antes da sua última viagem para Jerusalém (veja-se Rm 15:25); isso corresponde
mais ou menos ao ano 60 da era cristã, quando nenhum apóstolo tinha ainda
estado naquela cidade de Roma. Todavia, ali já moravam alguns salvos que
tinham chegado de diversas partes do Império Romano. Desses irmãos, alguns
receberam o evangelho do próprio Paulo em outros lugares e foram até mesmo
seus companheiros e cooperadores (veja Rm 16:3-4). Outros já se haviam
convertido antes do apóstolo (veja Rm 16:7), e todos esses se reuniam então
naquela cidade, a capital do Império Romano, formando a assembléia ou igreja de
Deus ali.
        A esses irmãos, pois, se dirigiu Paulo nesta carta, a fim deles se firmarem
sobre os alicerces da sua santíssima fé. Quando estudamos essa epístola,
podemos apreciar alguma coisa da doutrina primitiva dos irmãos que compunham
a igreja de Deus em Roma naquela época, doutrina sobre a qual precisamos
edificar-nos na atualidade.
        Que assim seja pela graça de Deus.




                                        4
PARTE 1
                             — ROMANOS 1:1 – 17 —

       Paulo, na sua condição de servo de Jesus Cristo, separado para pregar o
evangelho de Deus, saúda os irmãos, os amados de Deus, em Roma. Depois, em
poucas palavras, assegura quanto se interessava por tudo que lhes dizia respeito,
manifestando ao mesmo tempo o forte desejo que tinha de os visitar, para lhes
comunicar algum dom espiritual e para anunciar o evangelho àqueles que viviam
na cidade, que, naquele tempo, era a grande capital do mundo.
       Os versículos 3 e 4 mostram que o evangelho de Deus não diz respeito a
nós, mas sim ao Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor. Com respeito a Sua
humanidade, Ele era da linhagem do Rei Davi, Filho de Davi, conforme as
profecias antigas; com respeito a Sua divindade, foi, pela ressurreição dos mortos,
demonstrado que Ele é o Filho de Deus.
       Paulo recebeu a sua comissão para pregar o evangelho diretamente de
Jesus na glória, e o propósito do Senhor nisto era obter obediência à fé entre
todas as nações.
       No final desse trecho que estamos considerando e que constitui um
prefácio a toda a epístola, o apóstolo volta a falar no evangelho, expondo a razão,
por que não se envergonhava de anunciá-lo aos poderosos romanos: A final, o
evangelho é o poder de Deus para a salvação do pecador que crê nele, porque
nessa salvação está manifesta a justiça de Deus, que se alcança pela fé: justiça
de Deus para os homens — não justiça exigida deles, mas sim concedida a eles
por Deus. Assim, logo no princípio desta importantíssima epístola, vemos aparecer
com deslumbrante brilho a primorosa verdade de que “Deus é por nós”.




                                        5
PARTE 2
                           — ROMANOS 1:18 – 3:20 —

      Desde o capítulo 1, versículo 18 até capítulo 3, versículo 20, o apóstolo
ocupa-se em mostrar o triste estado pessoal em que se encontra o homem — um
estado pecaminoso, que deu ocasião, ou antes diremos, que tornou necessária a
manifestação da ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos seres
humanos. E esta manifestação, por sua vez, fez necessária para a nossa salvação
a manifestação da justiça de Deus, i.e., justiça que vem de Deus para o bem do
ser humano.


                                 Romanos 1:18

      Nesse versículo vemos que a atitude de Deus para com o pecado está
plenamente declarada. A ira de Deus é manifestada contra tudo o que se opõe a
Deus, e duas coisas são mencionadas de maneira especial, — primeiro, a
impiedade; segundo, a injustiça praticada por alguns, embora professem
aparentemente a verdade. Deus não pode tolerar o pecado.


                               Romanos 1:19 – 32

      Nesses versículos podemos ver a culpa dos gentios, dos ímpios, e como se
manifesta a sua impiedade.
      Três pontos principais nos mostram a completa ruína moral dos seres
humanos:

        1 — Deus tem dado aos homens, na obra da criação dos céus e da terra,
um testemunho perpétuo de Si, manifestando-lhes assim o Seu eterno poder e a
Sua divindade. Alguns, porém, não quiseram reconhecê-Lo, e outros, tendo
conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus, nem deram graças, mas
substituíram a glória do Deus incorruptível pela imagem do homem corruptível etc.,
pelo que Deus os entregou às concupiscências dos seus corações, à imundícia,
para desonrarem o seu corpo entre si.
        2 — Mudaram a verdade de Deus em mentira e honraram e serviram mais
a criatura — i.e. a si próprios — do que o Criador. O resultado de assim darem à
criatura a honra e o serviço que se devia prestar somente a Deus foi a ruína das
suas afeições.
        3 — Como não lhes pareceu bem guardarem em si o conhecimento de
Deus, por isso Deus os abandonou a um sentimento perverso e depravado, e
deste modo vemos arruinado pelo pecado o entendimento do homem.

      Reunindo esses pontos, temos o ser humano arruinado no que diz respeito
      … ao seu corpo (v. 24),
      … às suas afeições (v.26) e
      … ao seu entendimento (v. 28).

     Assim nos últimos versículos desse primeiro capítulo, achamos o ser
humano sem o conhecimento de Deus, capaz de praticar qualquer mal, e




                                        6
completamente subjugado pelo pecado, até ao ponto de não só o praticar como
também de se regozijar com o dos outros.
       Tendo abandonado a Deus, o homem ficou dominado pelo pecado, porém o
nosso Deus manifestou o Seu desejo de nos salvar e de Se tornar conhecido por
nós, em toda a Sua justiça e amor, e assim atrair para Si os nossos corações:
benditas novas estas, bendito evangelho!


                                Romanos 2:1 – 16

       Aqui o apóstolo trata dos que se imaginam capazes de julgar os atos dos
outros, esquecendo-se eles de que é Deus que há de julgar os segredos de todos.
Deus, todavia, não Se apraz em julgar os seres humanos, mas antes procura pela
Sua bondade levá-los ao arrependimento. Vemos que tanto estes homens, como
também aqueles mencionados no capítulo 1, são, na verdade, indesculpáveis,
porquanto tendo luz, pelo menos a luz da sua própria consciência, ocupam-se em
julgar os seus semelhantes, recusando tomar o lugar que lhes compete, isto é, o
lugar dos condenados, e dos arrependidos perante Deus.
       Deus, porém, não isenta nenhuma pessoa de Seu juízo e o Seu julgamento
é segundo a verdade. Vemos aqui os justos princípios do juízo de Deus. Notemos
porém, que o apóstolo não está aqui propondo os termos pelos quais se pode
ganhar a vida eterna, mas está mostrando os justos princípios conforme os quais
Deus há de julgar o mundo.


                               Romanos 2:17 – 3:8

       Temos agora perante nós o caso do judeu, o homem mais privilegiado de
todos, porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus. Mas então será
ele melhor do que os outros? De modo algum, porque, sabendo a vontade de
Deus, gloriando-se nos seus privilégios, e tendo a tarefa de instruidor dos outros,
ele mesmo desonrou a Deus pela transgressão da Sua Lei, e até por causa dele o
nome de Deus foi blasfemado entre os gentios. O judeu teve até grandes
vantagens, havendo na aparência muita diferença entre ele e o gentio, porém na
questão de justificação perante Deus, não é o que se vê aparentemente, mas sim
o que existe no coração que faz a diferença. Neste caso o judeu foi tão culpado
como os outros, sendo condenado pela mesma Lei de que se gloriou.


                                Romanos 3:9 – 20

       Chegamos agora à conclusão de todo este testemunho, e lemos que “todos
estão debaixo do pecado”.
       Esta conclusão, diz o apóstolo, é confirmada pelas Escrituras Sagradas do
Antigo Testamento, porquanto nelas está escrito: “Não há um justo, nem um
sequer”.
       Os versículos 10 a 18 apresentam-nos o homem, de uma maneira triste,
mas verdadeira, debaixo do poder do pecado e longe de Deus, afastado dEle,
tanto no seu entendimento como nas suas afeições e na sua vontade; não existe o
temor de Deus no seu coração. Sim, a solene conclusão é que toda boca fica
fechada e todo o mundo fica condenável e sujeito ao julgamento de Deus.




                                        7
Sendo assim, é evidente que nenhum homem será justificado perante
Deus, pelas suas próprias obras — pelas obras da Lei — porquanto a Lei só serve
para mostrar a sua culpabilidade, e condená-lo.




                                      8
PARTE 3
                            — ROMANOS 3:21 – 5:11 —


                               Romanos 3:21 – 26

         No capítulo 1, versículos 15 e 16, afirma-se que o evangelho é o poder de
Deus para salvação de todo aquele que crê, porque nele se manifesta a justiça de
Deus. Em seguida, o apóstolo demonstra a necessidade que havia para a
manifestação dessa justiça da parte de Deus, a nosso favor, e agora no trecho que
estamos considerando volta a falar dela.
         Em tempos passados, Deus pela Lei exigia a justiça da parte do ser
humano, porém, agora ela está no evangelho. Deus nos fornece o que Ele nunca
poderia achar em nós. Manifestou-se a justiça, provida por Deus e oferecida a
todos, porém somente alcançada por aqueles que nEle crêem.
         Mas será que esta justiça é oferecida a todos com a única e simples
condição de terem fé em Jesus Cristo? Sim, é oferecida a todos sob esta única e
simples condição, porque enquanto ao fato de sermos culpados, não há diferença
(Rm 3:22); a culpa de todos está provada, todos pecaram e destituídos estão da
glória de Deus, e portanto Deus justifica, ou tem por justos, todos os que crêem.
         Sim, sem merecimento algum da nossa parte, Deus justifica gratuitamente
todo o crente “pela redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3:24).
         É importante notarmos que Deus nunca Se podia negar a Si próprio nem
sequer em um único dos Seus atributos. Portanto, se Deus nos justifica,
perdoando-nos os pecados, cabe-nos perguntar qual é a base de um tal ato. Como
é que a própria justiça de Deus fica de pé, ao mesmo tempo que Ele justifica o
ímpio?
         A resposta às nossas perguntas encontra-se na morte de nosso Senhor
Jesus Cristo, ao Qual Deus propôs para propiciatório, ou lugar de encontro, onde
Ele, o justo Deus, pode vir ao encontro de nós, pecadores, sem nos julgar. É ali
onde nós nos podemos aproximar dEle pela fé no sangue de Seu Filho.
         Na morte de Jesus Cristo, da qual o Seu sangue derramado foi testemunha,
recebeu Deus plena satisfação com respeito à questão do pecado, e de tal
maneira foi Ele glorificado por aquela morte, que agora, neste terreno, nos convida
a ir ter com Ele, a fim de experimentarmos a Sua soberana graça em nos justificar.
Ao mesmo tempo, fica patenteado que Ele é justo em assim agir, visto que tudo
está baseado na redenção que há em Cristo Jesus.
         Que grande revelação esta que se nos apresenta! Deus revelado como o
Deus da Salvação! O Deus justo ocupa-Se, não em julgar, mas sim em justificar
os condenados que têm fé em Jesus! Que descanso é para nós o apreciarmos a
presente atitude de Deus para com os homens, isto é, a atitude de um Justificador,
de um Salvador, de um Doador.




                                        9
Romanos 3:27

       Visto que tudo recebemos somente pela graça de Deus, sem merecimento
algum da nossa parte, onde está o motivo de nos gloriarmos? Sem dúvida, tal
motivo não existe, visto que não alcançamos a bênção mediante as nossas obras
ou merecimento — o que teria sido conforme à lei das obras —, mas alcançamo-la
pela fé, isto é, segundo a lei ou princípio ou fundamento da fé, e portanto por essa
mesma lei está excluído qualquer motivo para nos vangloriarmos.


                                  Romanos 3:28

         Neste versículo 28 temos a conclusão do apóstolo a respeito da questão da
justificação do homem perante Deus, isto é, “que o homem é justificado pela fé,
sem as obras da lei”. Que gloriosa conclusão esta! A linguagem da Lei é “faze tu”,
porém a linguagem da fé é “está feito”. Deus apresenta-nos Jesus como objeto de
fé, e o Seu sangue derramado, a Sua morte consumada, como a base de toda a
nossa bênção.


                                Romanos 3:29 e 30

         A Lei foi dada por Deus exclusivamente aos judeus, e por isso, se a
justificação fosse alcançada pela Lei, seria esta bênção também limitada a eles.
         Mas Deus não é exclusivamente Deus dos judeus, e por conseqüência não
se pode limitar a eles a bênção que provém dEle por fé em Jesus — ela é
oferecida a todos.


                                  Romanos 3:31

        O apóstolo, em vista da conclusão de que somos justificados diante de
Deus pela fé (Rm 3:28), pergunta se assim anulamos a Lei pela fé? A resposta é
clara: “De maneira nenhuma! Antes, estabelecemos a lei”.
        Se porventura um réu fosse justificado na conformidade da lei, seria isso
anular a lei? De certo que não; antes seria respeitar a lei. Se porém o réu, tendo
sofrido a pena de morte, ressuscitasse, a lei já nada teria com ele, porque a sua
sentença já tinha sido cumprida, e ele estaria fora de seu alcance.
        Pois, bem, Cristo, tendo-Se identificado sobre a cruz com o pecado,
morreu, satisfazendo as exigências da Lei, até ao último ponto. Em seguida Ele
ressuscitou de entre os mortos e assim ficou fora do alcance da Lei. A maldição da
Lei, que foi suportada por Cristo no Calvário por amor de nós, não pode mais cair
sobre Ele, pois agora está na esfera da ressurreição, fora do seu alcance. O
crente, porém, pode dizer: Sou eu um dos pecadores por quem Cristo morreu, por
quem Ele suportou a maldição, e por isso nada pode a maldição ou a Lei contra
mim; em Cristo estou ressuscitado e Deus já recebeu toda a satisfação que podia
exigir a meu respeito. Assim, ao mesmo tempo que o homem é justificado pela fé,
fica a Lei estabelecida e respeitada.


                                 Romanos 4:1 – 8




                                        10
Como vemos no fim do capítulo 3, está já consumada a obra sobre a qual
se baseia a justificação do crente, e fica preparado o terreno onde o nosso Deus
nos pode encontrar para nos justificar e abençoar. Mas muitos há que não têm
ocupado este lugar pela fé nem têm até hoje achado a bênção, sendo todo o seu
desejo saber como podem encontrar esta bênção e como podem possuí-la. É a
tais desejos que o capítulo 4 responde.

        Nos versículos 1 a 8 o apóstolo chama a nossa atenção para dois homens,
dos mais salientes no Antigo Testamento, para exemplificar por meio deles o
assunto da nossa justificação diante de Deus — são esses Abraão e Davi. Abraão
viveu antes de Deus ter dado a Sua Lei a Moisés. Davi, por sua vez, nasceu
depois disso. Todavia, Deus a ambos justificou.
        Pensemos um pouco no caso de Abraão, que foi um homem tão notável
pela sua obediência e piedade e que evidentemente achou e possuiu a bênção.
        Perguntamos: Foi Abraão justificado pelas suas obras? Tem ele de que se
gloriar?
        O que respondem as Escrituras? Quanto à primeira pergunta lemos no
versículo 3: “Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça”. Quanto
a segunda pergunta temos uma resposta clara no versículo 2: “não diante de
Deus”.
        Nem poderia ser de outra maneira, porque se a justificação fosse resultado
das suas obras, então ela seria um galardão recebido como prêmio merecido e
não “gratuitamente pela graça de Deus”, conforme está escrito (compare Rm 3:24).
Louvado seja Deus, Ele está manifestado no caráter dAquele que justifica o ímpio,
e confiando nEle como tal, Ele, por causa disso, nos considera justos. Assim Davi
exclamou: “Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos
pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o
pecado”.
        Continuemos a indagar como se consegue este bem.


                                Romanos 4:9 – 16

        Sabemos pelas Escrituras do Antigo Testamento como Deus escolheu um
povo especial, santificando-o, isto é, separando-o para Si, dando-lhe certos
privilégios e sinais exteriores que mostraram essa separação das outras nações:
Porventura alcançou Abraão a bênção por pertencer a esses, ou ainda por ter
recebido no seu corpo o sinal da circuncisão?
        De certo que não! Muito pelo contrário as Escrituras dizem que ele creu na
palavra de Deus, e a sua fé foi-lhe imputada como justiça, e depois é que recebeu
o sinal da circuncisão — sendo esse um rito que Deus ordenou aos judeus —
como selo da justiça da fé. Deve-se notar que o selo segue e não precede a
recepção da justiça. Se seguirmos o caminho da fé de Abraão, não podemos
deixar de alcançar a mesma bênção que ele alcançou.
        Vejamos agora 3 pontos de muito interesse mencionados neste trecho de
que estamos tratando:

      1 — a justiça da fé.
      2 — o selo — circuncisão — sinal da separação para Deus.
      3 — a herança.

      Nós crentes também podemos apreciar esses prontos, porque:



                                         11
1 — somos justificados pela fé.
       2 — somos selados com o Espírito Santo, o poder da verdadeira separação para
Deus
       3 — temos uma herança (veja também Cl 1:12).

       Mas haverá quem diga: “Eu ainda não vejo como posso dizer que tenho estas
bênçãos; porventura não haverá assim alguma coisa no caso de Abraão que me possa ajudar
nesse ponto?
       Sim, de certo há o que, como a bênção de Deus, nos pode conduzir à perfeita luz.


                                 Romanos 4:17 – 25

       Examinemos um pouco o versículo 17. O que devemos especialmente notar
aqui é o caráter em que Deus se manifesta. Lemos: “Deus, o qual vivifica os
mortos e chama as coisas que não são como se já fossem”.
       Abraão não creu somente em Deus como Criador, mas também nEle
revelado no caráter do Deus da ressurreição.
       Abraão bem podia apreciar quanta, e quão grande, era a fraqueza do ser
humano, e como pelo pecado entraram neste mundo a fraqueza, a tristeza e a
morte, demonstrando esta última, mais do que qualquer outra coisa, essa fraqueza
absoluta do ser humano.
       Mas Abraão percebeu que nem mesmo a morte podia impedir os propósitos
de Deus; que Ele podia entrar no lugar da maior fraqueza do ser humano, e
demonstrar o Seu poder vivificando os mortos.
       E assim, apreciando a grandeza e glória do Deus da ressurreição, ele bem
sabia que nada havia que pudesse impedir a realização e o triunfo dos propósitos
de Deus. Abraão, pondo-se, por assim dizer, ao lado de Deus, podia contar com as
coisas que não são como se já fossem. Está escrito que, crendo na palavra de
Deus, essa crença lhe foi imputada como justiça. E não só para ele isso foi escrito,
mas também para nós a quem será imputada a justiça se crermos “naquele que
dos mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor” (Rm 4:24).
       Sim, também para nós — para nós que cremos. E o Deus em Quem
cremos, é o Deus que ressuscitou a Jesus, Aquele que Se manifestou em amor e
em poder como um Deus Salvador.
       Jesus foi crucificado pelos nossos pecados, pelas nossas ofensas; tinha,
como Redentor, entrado no lugar do julgamento e da morte, e toda a força da ira
de Deus contra o pecado caiu sobre Ele; suportou de um modo glorioso e perfeito
todas as exigências da justiça e da santidade divina, liquidando de uma vez para
sempre a questão do pecado, perante Deus; e tendo consumado tudo, e estando
já morto — como testificou o Seu sangue derramado — foi sepultado.
       Porém Deus O ressuscitou! Gloriosa prova esta, da Sua absoluta satisfação
na obra consumada, e também do Seu perfeito agrado na Pessoa que a fez.
       Assim pelo Seu grande poder Deus ressuscitou a Jesus, e O ressuscitou
para a nossa justificação.
       Benditas novas! Poderá o leitor ainda ter algumas dúvidas?
       Nesse caso procuremos aprender mais um pouco pelo procedimento de
Abraão.




                                          12
Romanos 4:18 – 20

         Como vimos no capítulo 1, e muitas vezes o vemos na prática, o homem
pretende ocupar o lugar que pertence única e verdadeiramente a Deus. Essa
disposição é tão forte em nossos corações, que muitas vezes nos custa desviar os
olhos de nós mesmos para os fitarmos no nosso Deus e Salvador.
         O pecado, a ruína, a fraqueza e a morte, acompanham o ser humano,
enquanto que a justiça,a perfeição, o poder e a vida derivam de Deus.
         Convém, então, que sigamos os passos de Abraão a esse respeito. Ele não
atentou para si, e não duvidou de Deus.
         Portanto, querido leitor, deixemos de nos ocupar de nós mesmos, a não ser
para confessarmos os nossos pecados e a nossa ruína, e voltemos os olhos para
Deus e para Aquele que por Ele foi elevado para a Sua glória, e está assentado
nela. E, então, enquanto a luz da glória do Cristo brilha em nossas almas,
entraremos naquele descanso divino que nunca terá fim, sabendo que somos
justificados não somente perante Deus, mas também por Deus.


                                  Romanos 5:1

        “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor
Jesus Cristo.” Sim, temos a paz; uma paz plena, perfeita e divina. Os nossos
corações que outrora tremiam com medo “da ira de Deus”, estão agora tranqüilos,
vendo Jesus, que para nos remir passou debaixo das águas do temporal da ira e
da morte, atualmente colocado por Deus acima de tudo na Sua glória e no Seu
favor, e sabendo que aos Seus olhos, nós, os que em Jesus cremos, estamos tão
livres de todo o julgamento, como o nosso Substituto é glorioso.
        O perfeito caráter da nossa justificação está patente na pessoa de Jesus
ressuscitado e glorificado.


                                  Romanos 5:2

        Agora, visto que, na pessoa de Jesus, os nossos pecados têm sido
julgados, e que a paz reina em ossos corações, podemos livremente e com gozo
contemplar e experimentar a graça ilimitada do nosso Deus e Salvador. Na
verdade é belo e enorme o quinhão que desfrutamos por meio de Jesus Cristo.
        Não somente estamos libertos de culpa, mas também temos aceitação
positiva da parte de Deus. Ele nos coloca perante Si na Sua graça ou favor, no
qual estamos firmes. Sim estamos firmes neste favor; está é a nossa posição
perante Deus, que nada e ninguém pode alterar, porque é ela a posição que a
Deus aprouve conceder-nos.
        O favor de que Jesus goza é o mesmo que nós temos também o privilégio
de gozar, e é por Ele que temos entrada neste favor.
        Deus permita que não somente saibamos que esta é a nossa posição e
privilégio, mas que também pela fé vamos entrando no gozo desse favor,
aprendendo cada vez mais a respeito do lugar que o Salvador ressuscitado ocupa
atualmente, porque é pela apreciação da Sua posição que nós crentes
aprendemos os pensamentos de Deus a nosso respeito.
        Se experimentarmos já tanto gozo, quando estamos apenas principiando a
desfrutar a graça divina, o que será quando todos os propósitos do amor de Deus
a nosso respeito se acharem realizados?



                                       13
Se lançarmos um olhar para trás, nada há que nos perturba, e exclamamos:
“Paz!” O momento atual é caracterizado pelo gozo do “favor divino”, e o futuro para
nós não tem senão “glória”.
       Paz! Favor! A glória de Deus! Que quinhão para o presente — que
perspectiva para o futuro!
       Mas naquele gloriosos futuro, qual será a fonte principal da nossa alegria?
Não será o conhecimento e gozo perfeito do amor de Deus? Sim, sem dúvida
assim será, porém, esta não é uma fonte cujas delícias estão reservadas para os
tempos futuros, mas assim uma da qual podemos beber desde já.
       Se tivermos apreciado as verdades já expostas com referência à morte a à
ressurreição de Jesus como base justa para o cumprimento e edificação dos
propósitos de Deus, e se tivermos visto, em Jesus ressuscitado e assentado como
Homem na glória e favor de Deus, a realização destes propósitos, os nossos
corações ficarão sem dúvida muito impressionados com a justiça e o amor de
Deus, e assim será sólida a nossa paz e grande a satisfação dos nossos corações,
porque o próprio Espírito de Deus derrama neles o amor divino.


                                Romanos 5:3 – 5

       Uma vez que a questão do pecado já está resolvida conforme as exigências
da justiça divina, o santo amor de Deus está livre para se manifestar na bênção
dos Seus escolhidos. E assim acontece, que, tendo conhecido a Deus como o
Deus de todo poder, e estando agora certos também do Seu amor, caminhamos
no mundo como conhecidos e amados de Deus.
       O gozo do Seu amor transforma para nós o caráter de tudo, de maneira
que, se Ele nos deixar passar por tribulações, não havemos de desesperar,
porque, ainda que a Sua mão nos pareça pesada, conhecemos o amor que faz
mover a mão, e assim confiados neste amor gloriamos-nos nas tribulações, e por
meio delas possuímos a paciência.
       No exercício da paciência achamo-nos conduzidos pelo caminho da
experiência — experiência dAquele, Cujo amor conhecemos, experiência de Deus.
       Por sua vez esta experiência produz a esperança — esperança em Deus —
, que não pode acabar em confusão, porque em tudo nos firmamos no amor de
Deus.
       Que descanso para o coração! Perfeito poder e perfeito amor! Quantas
vezes se vê entre os homens o desejo de fazer um favor a outro, mas faltar o
poder, ou vice-versa: haver o poder, mas faltar o desejo. Em Deus, porém, existem
ambas as coisas.


                                Romanos 5:5 – 9

      Nestes versículos vemos claramente que nada de bom havia em nós para
que Deus nos amasse. Porém, Deus é amor, e na Sua infinita sabedoria, por meio
da morte nos recomendou o Seu amor, sendo nós ainda “fracos” e “ímpios” (veja
Rm 5:6), “pecadores” (Rm 5:8) e “inimigos” (Rm 5:10).
      Na morte de Cristo vemos satisfeitas inteiramente as exigências do trono
de Deus e ao mesmo tempo manifestada toda a grandeza do amor do coração
de Deus.




                                        14
Romanos 5:10 e 11

        Bem podemos dar graças a Deus pela morte do Seu Filho, porque é pelo
amor nela manifestado que Ele desfez de uma vez para sempre a nossa inimizade,
e nos introduziu no lugar de favor que pela fé ocupamos. Porém, se pela Sua
morte temos alcançado tanta bênção, qual não será a bênção que nos fará
experimentar a Sua vida atual?
        Agora nós que somos amados por Deus, e que O amamos a Ele, temos um
Salvador vivo, Jesus Cristo, o Filho de Deus, para nos conduzir e guiar até ao
momento de entrarmos naquela glória que com tanto gozo esperamos. E não
somente isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus
Cristo.
        Feliz o coração que se gloria em Deus, gloriando-se, não nas bênçãos, por
mais ricas que sejam, mas sim gloriando-se no Abençoador, gloriando-se em
Deus manifestado em Cristo, manifestado em sabedoria, justiça, poder e amor.
        A alma do crente espera tudo de Deus, e tudo acha em Deus: Deus é tudo
para ela. E ainda mais, estamos aptos para nos gloriarmos nEle, sabendo que
estamos perante Ele segundo o Seu agrado, aceitos em Seu Filho, por Quem
temos alcançado a reconciliação. Lemos a esse respeito: “…agora, contudo, vos
reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para, perante ele, vos apresentar
santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis” (Cl 1:21-22). Já se vê, seria impossível
gloriarmo-nos em Deus sem apreciarmos, até certo ponto, o que é termos
alcançado a reconciliação por nosso Senhor Jesus Cristo, ou por outra, sem
apreciarmos que por Cristo, e em Cristo, estamos perante Deus conforme o Seu
agrado.
        Deus terá, por fim, o Seu povo perante Si em conformidade com tudo o que
Ele é, para o Seu prazer e agrado; já vemos um exemplo disso em Cristo
glorificado como Homem na Sua presença.
        Que nós, no gozo desta reconciliação em Cristo, nos gloriemos em Deus
por Jesus Cristo, nosso Senhor!




                                       15
PARTE 4
                           — ROMANOS 5:12 – 8:39 —


                              Romanos 5:12 – 21

        O apóstolo aqui começa a falar da bênção cristã sob um outro ponto de
vista. Até aqui tem tratado da questão dos pecados cometidos pelos homens e tem
mostrado como aquele que crê em Cristo é justificado deles e colocado no favor
divino com a certeza de ter parte na glória futura.
        Agora, todavia, começa a falar sobre a natureza pecaminosa que nós
temos como descendentes de Adão, e desenvolve um pouco a verdade da
reconciliação mencionada no versículo 11.
        Um ponto de grande importância neste trecho é que nele os nossos olhos
são dirigidos para Cristo — não só para aquilo que Ele tem feito a nosso favor,
mas também para a Sua pessoa. Assim os nossos corações são atraídos mais
para Ele, e, à medida que O vamos apreciando, o nosso amor por Ele aumenta.


                             Romanos 5:12, 18 e 19

      Nesses versículos o apóstolo apresenta-nos três contrastes:

      1 — Duas pessoas: Adão e Cristo.
      2 — Dois atos: o de Adão, um ato do pecado; o de Cristo: um ato de justiça.
      3 — Dois resultados desses respectivos atos: a morte e a vida.

       Vemos que o resultado do ato de Adão alcançou em todo o tempo os que
estão identificados com ele, e da mesma maneira o resultado do ato de Cristo
alcança todos os que com Ele estão identificados.
       Adão como cabeça da raça humana caiu pelo pecado, e na sua queda
levou-a toda consigo.
       Foi pela desobediência de um homem que todos os outros foram feitos
pecadores, e não pelos seus próprios pecados. Todos têm pecado, cada um tem
os seus próprios pecados, mas aqui não se trata desse fato, mas antes do estado
de pecados de que todos participam igualmente, como disse Davi: “em pecado me
concebeu minha mãe” (Sl 51:5).
       Assim fica confirmado o estado verdadeiro do ser humano como parece aos
olhos de Deus. Em conseqüência do pecado de Adão, a sua vida e a vida de todos
que estão identificados com ele, tornou-se uma vida condenada — a morte passou
por todos. Essa vida não pode consistir diante de Deus.
       Agora, porém, se manifestou a grandeza da misericórdia e do amor de
Deus. O Filho de Deus, tornando-Se homem, carregou o peso da condenação do
primeiro homem, e pela Sua morte — aquele ato supremo de amor e da justiça —
estabeleceu a justiça divina e abriu o caminho pelo qual Deus, tendo ressuscitado
Jesus, pode nEle, e por meio dEle, abençoar a todos os que nEle crêem,
dando-lhes vida nEle.
       Assim, Cristo em ressurreição tornou-Se em fonte de nova vida, e o crente
que a possui fica inteiramente justificado de toda a questão ou imputação do
pecado. Em Cristo alcançamos a justificação de vida.




                                       16
Todos que estão relacionados com Adão são constituídos ou feitos
pecadores; todos os que estão identificados com Cristo são constituídos justos.


                               Romanos 5:13 – 17

       Esses versículos formam um parêntesis em que o apóstolo desenvolve o
assunto. Principia por demonstrar que a morte não é somente o resultado da
desobediência do homem a um mandamento explícito, a uma lei, mas que é
resultado necessário da presença do pecado, ainda que não houvesse a
transgressão de uma lei. Isto é provas do pelo fato da morte ter reinado desde
Adão a Moisés, durante o período em que Deus não deu aos seres humanos lei
alguma (veja Gn 2 a Êx 20).
       Concluímos então que todos que pertencem à raça de Adão estão, por
natureza, debaixo da condenação e do poder da morte, independentemente da
questão dos atos praticados por cada indivíduo.
       Podemos referir-nos aqui ao caso de Enoque (veja Gn 5:24); ele não
morreu, foi uma exceção à regra; porém, lemos em Hebreus 11:5 que foi pela fé
que Enoque foi arrebatado, e isto confirma o argumento do apóstolo, quer dizer,
que é só pela fé que se pode alcançar a libertação.
       No versículo 14 lemos que Adão é “figura daquele que havia de vir” e
assim, graças a Deus, podemos virar-nos de Adão para contemplarmos a Cristo
como a nossa Cabeça. Voltamo-nos do primeiro Adão descobrindo que temos
parte nAquele que é chamado “o último Adão”; voltamo-nos do primeiro homem
em toda a sua ruína para contemplarmos o Segundo Homem, Jesus Cristo, em
toda a Sua perfeição. Tudo ficou perdido em Adão, e agora para os crentes tudo é
assegurado em cristo. Com alegres corações podemos, portanto, contemplar
Aquele que é agora a nossa Cabeça — não Adão, mas Cristo.
       Que grande graça é a graça divina que assim nos identifica com Cristo, e
nEle nos dá vida, uma vida nova, à qual o pecado não se pode ligar!


                               Romanos 5:20 e 21

        Vemos aqui a razão por que Deus deu aos homens a Sua Lei. Ninguém
podia se justificar por ela diante de Deus, mas foi dada afim de manifestar o
terrível caráter do pecado. A Lei não foi a causa do pecado abundar, disto já havia
muito, mas por meio dela o pecado tornou-se em transgressão, e a sua força ficou
aprovada. Graças a Deus, porém, que onde o pecado abundou, superabundou a
graça.
        Do nosso lado, só pecado; do lado de Deus, só graça divina — sim, graça
superabundante!
        A morte é, em nós, o resultado de sermos filhos de Adão, nascidos em
pecado; a vida eterna é o resultado da livre operação da graça divina que nos
alcançou, de uma maneira absolutamente justa, por Jesus Cristo, nosso Senhor,
porque agora a graça reina pela justiça, por meio dEle.
        Se no atual estado das coisas fosse a justiça que reinasse, seria para
condenação de todos; mas agora a graça reina pela justiça, por Jesus Cristo, e o
resultado para aquele que crê, é a vida.
        Bem podemos levantar os nossos corações em adoração a Deus ao
contemplarmos Cristo em toda a Sua glória, posto por Deus para Cabeça de todos.




                                        17
Oh!, que alegria apreciarmos que, diante de Deus, estamos identificados
com Cristo; assim exclamamos: Não Adão, mas Cristo!
      Mais um passo e exclamamos: Não eu, mas Cristo!
      A alma aprende a apreciar Cristo mais do que tudo e mais do que a si
mesma.


                                Romanos 6:1 – 5

        O apóstolo agora contradiz a idéia de que o conhecimento e gozo da
soberana graça de Deus possam ser acompanhados pelo desejo de ser
permanecer na prática do pecado. Muitas vezes, ouvindo a bendita verdade
contida nas palavras “pela graça sois salvos, por meio da fé” (Ef 2:8), diz-se que
um tal ensino levará quem o receber a ser pouco cuidadoso na sua vida cristã e
que produzirá maus resultados. Quão diferente, porém, é o pensamento de Deus
manifestado nestes versículos.
        Se, tendo crido em Cristo, estamos hoje identificados com Ele, em vida
nova, é um resultado de termos sido identificados com Ele na Sua morte.
        Aos olhos de Deus foi posto termo, pela morte de Cristo, a tudo quanto
éramos como filhos de Adão, isto é, à nossa antiga condição como pertencendo à
raça condenada de Adão; e é sobre este terreno que entramos no gozo da nossa
vida em Cristo.
        Claro é então, que, se reconhecermos que por meio da morte de Cristo
estamos mortos quanto ao pecado, não podemos pensar em viver mais nele; tal
proceder seria o mesmo que negar o que professamos.
        O apóstolo em seguida confirma este pensamento, chamando a nossa
atenção para o significado do nosso batismo. Se temos sido batizados no nome do
Senhor Jesus, temos sido por esse meio identificados, quanto à nossa posição
neste mundo, com a morte de Cristo — batizados na Sua morte.
        “Não sabeis isso?” pergunta o apóstolo. Convém perguntarmos a nós
próprios se temos apreciado esta verdade, e correspondido a ela na nossa vida
prática.
        É por meio da morte, a morte de Cristo e a nossa morte nEle, que
alcançamos a vida, e não podemos continuar a viver naquela vida que foi
condenada na cruz de Cristo; a fé reconhece que aquela vida antiga acabou
judicialmente na morte de Cristo.
        Agora, identificados com o Cristo ressurreto, devemos andar em novidade
de vida.


                                Romanos 6:6 – 8

        Este versículo 6 começa com as palavras “sabendo isto” etc. Porventura,
temos nós apreciado o que se segue a essas palavras? Podemos nós dizer que
sabemos? E qual é a verdade indicada? Leiamos: “o nosso velho homem foi com
ele crucificado”.
        A expressão “o nosso velho homem” descreve a nossa condição como
identificados com o primeiro Adão, tendo uma vida condenada por motivo do
pecado. Isto, graças a Deus, foi aos Seus olhos condenado e finado na morte de
Jesus, a fim de que o pecado não mais tivesse domínio sobre os nossos corpos e
que não o servíssemos mais.




                                       18
Se temos apreciado o verdadeiro caráter do “nosso homem velho” como
sendo em tudo o contraste daquilo que Deus é, e por isso odioso a Deus, será com
grande alívio que veremos a maneira como Ele o julgou na morte de Cristo.
        O que vemos nestes versículos não é que o “nosso homem velho” fica
remendado ou melhorado, mas, sim, que para Deus ele acabou na cruz, para dar
lugar àquilo que é novo em Cristo.
        A nota tônica, por assim dizer, desse capítulo é a revelação do privilégio
que pertence ao crente de se identificar na sua fé e nos seus pensamentos com
Cristo. Se temos apreciado a verdade da nossa identificação com Cristo na Sua
morte, podemos regozijar-nos pela nossa identificação atual com Ele — vivemos
nEle diante de Deus, e podemos andar na certeza de que estaremos, mais tarde,
identificados com Ele na glória da ressurreição.


                               Romanos 6:9 – 13

        Diremos aqui que não podemos aprender as verdades que estamos
considerando, sem que cheguemos a apreciar Cristo na Sua atual condição e
posição, porque como lemos “a verdade está em Jesus” (Ef 4:21); nEle vemos a
verdade exemplificada. O que Deus no Seu amor propõe para nós, vê-se já
realizado em Cristo na sua condição de Homem na glória celeste.
        O versículo 9, assim como o versículo 6, começa com a palavra “sabendo”.
É claro que as verdades de que o apóstolo aqui fala devem ser conhecidas por
todos nós, os verdadeiros salvos. Prestemos-lhes, portanto, toda a atenção.
        De que falam então esses versículos? Do triunfo de Cristo! A morte não
mais tem domínio sobre Ele! Mas leiamos para diante: “Pois, quanto a ter morrido,
de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus”.
        O nosso bendito Senhor Jesus foi feito pecado por nós sobre a cruz do
Calvário (veja 2 Co 5:21), e ali morreu e saiu da condição e da posição em que,
por amor de nós, Se achou identificado com o pecado — de uma vez morreu para
o pecado, para nunca mais tornar a tocar nele. E agora? Agora Ele vive como
homem glorioso no céu, e vive para Deus. Deus acha nEle ali o Seu perfeito
agrado. Vemos, assim, manifestado nEle o propósito de Deus a nosso respeito.
        Como os nossos corações se comovem de amor, e de santo e ardente
desejo ao meditarem nestas palavras — “mortos para o pecado” — “vivos para
Deus”.
        Conhecendo o amor de Deus, anelamos por corresponder à Sua vontade a
nosso respeito; queremos que Ele ache agrado na nossa vida aqui: desejamos
dar-Lhe aquilo que Lhe apraz. Constrangidos por tais desejos, reconhecendo
quantas vezes falhamos nisto, é um verdadeiro gozo para nós vermos que há ao
menos Um, Jesus Cristo, que vivendo na glória celeste corresponde em tudo à
divina vontade.
        Como isto atrai o coração do crente ainda mais para Cristo, e nos ensina a
achar deleite nAquele em Quem Deus Se deleita, fazendo crescer em nós o desejo
de correspondermos aqui àquilo que Ele é ali!
        Mas isto será possível?
        Leiamos o versículo seguinte, e leiamo-lo com atenção: “Assim também vós
considerai-vos como mortos para o pecado; mas, vivos para Deus, em Cristo
Jesus, nosso Senhor”. Temos o privilégio não só de contemplarmos Cristo na
glória celeste, mas também do saber que estamos identificados com Ele.
        Morreu Ele para o pecado?! Sim, e assim temos o privilégio de nos
considerarmos como tendo sido mortos com Ele. Vive Ele para Deus?!



                                       19
Certamente, e por isso somos vivos para Deus, nEle. Quanto ao pecado —
mortos; quanto a Deus — vivos em Cristo.
       Não é que o pecado esteja morto, mas nós temos de considerar que pela
morte de Jesus morremos quanto ao pecado. Por isso recusemos continuar a ser
dominados por ele. Se nos tenta, e se, por assim dizer, quer andar na nossa
companhia, viremos-lhe as costas, considerando-nos mortos para ele.
       Por outro lado, reconhecemos que doravante estamos no mundo para
fazermos a vontade de Deus, e, enquanto esperamos o dia em que havemos de
ter corpos gloriosos, reconhecemos que os nossos corpos atuais devem ser
apresentados a Deus a fim de que neles se realize a Sua vontade aqui no mundo.
       Lemos: “Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos
membros a Deus, como instrumentos de justiça”. Bendito privilégio este! Porém, é
só como libertados da condenação e domínio do pecado, como vivos em Cristo,
vivos dentre os mortos, que podemos apresentar-nos a Deus.
       Vendo assim o privilégio que nos pertence, não deixemos de o
experimentar para o nosso gozo e para a glória de Deus.


                               Romanos 6:14 – 23

        O privilégio de não sermos mais dominados pelo pecado nos é assegurado
pela graça divina; não é a Lei, mas sim o conhecimento da graça de Deus, que nos
liberta e nos mantém na liberdade. Já não estamos debaixo da Lei, porque a graça
de Deus nos tem feito ocupar um novo lugar, como identificados com Cristo em
ressurreição, onde a Lei não domina.
        “O pecado não terá mais domínio sobre vós”. Bendita nova! Essa liberdade,
contudo, não dá ocasião a andarmos no pecado, porque, é claro, estando
libertados do domínio do pecado não havemos de continuar a servi-lo. Já somos
servos da justiça; temos, por assim dizer, mudado de senhores.
        A liberdade cristã não nos permite andar no pecado, não nos dá licença
para pecar, mas, pelo contrário, é uma liberdade para servirmos a Deus.
        O antigo serviço debaixo do domínio do pecado não deu resultado algum
proveitoso, e no fim havia a morte; agora libertados do pecado, o nosso gozo é
servirmos a justiça, e isto resulta em santificação no presente, e no fim haverá a
vida eterna — vida eterna gozada não como resultado das nossas obras, mas
como resultado da operação da graça divina — como dom gratuito de Deus.


                                Romanos 7:1 – 6

        Tendo o apóstolo já considerado e demonstrado a maneira pela qual
estamos justificados diante de Deus, de como temos vida em Cristo ressuscitado e
estamos libertos do domínio do pecado na nossa vida prática, trata agora nestes
versículos de nos mostrar o efeito de tudo isto em relação à questão da autoridade
e domínio da Lei.
        Numa palavra, podemos dizer que, por meio da morte de Cristo e da nossa
associação com Ele ressuscitado, estamos fora do alcance do domínio da Lei.
        Para tornar a questão mais simples o apóstolo faz uma comparação fácil de
compreendermos. Cita o caso da mulher com o marido. Enquanto o marido viver, a
mulher está ligada e ele pela lei, porém, é claro que morrendo o marido, fica ela
livre da lei do marido. Outrossim reconhecemos que dois não podem ter domínio
sobre ela ao mesmo tempo; mas se o marido morrer está livre para ser de outro.



                                       20
A lição que tiramos desta comparação é que a Lei tem domínio sobre uma
pessoa enquanto viver, mas, sobrevindo a morte, essa pessoa fica fora do seu
alcance. E de mais, uma pessoa não pode, ao mesmo tempo, estar debaixo do
domínio da Lei e também de Cristo: tem de ser de um ou de outro; dos dois não
pode ser.
        Qual é pois a nossa posição atual como cristãos? Estávamos outrora “na
carne”, isto é quanto à vida em que, como responsáveis vivíamos diante de Deus,
estávamos identificados com o pecado e a ruína de Adão; e é sobre pessoas neste
estado ou condição que a lei tem domínio. Sobreveio, porém, a morte — a morte
de Cristo — e por esta morte, com que somos identificados, acabou, aos olhos de
Deus, a nossa condição como identificados com Adão e saímos dela para sermos
identificados em vida com Cristo.
        Servindo-nos da comparação acima citada podemos dizer que a nossa
conexão com o primeiro marido — a Lei — acabou. Não que ela morresse, a Lei
fica sempre de pé, mas somos nós, os que temos parte na morte de Cristo, que
temos saído fora daquele estado em que a Lei podia ter domínio sobre nós. Não
estamos mais “na carne”; assim lemos: “Meus irmãos, também vós estais mortos
para a Lei pelo corpo de Cristo”.
        Mas se não estamos mais sob o domínio da Lei, estamos sob o domínio
de Cristo. O primeiro marido disse-nos aquilo que devíamos fazer sem contudo
nos habilitar ou dar forças para isso; não produzíamos nesse tempo senão pecado
— “fruto para morte” (Rm 7:5). Mas agora, na nova posição em que estamos
colocados, e no novo parentesco que temos como identificados com um Cristo
ressurreto, e debaixo do Seu domínio, podemos produzir fruto para Deus.
        Qual é, pois, o pensamento de Deus a nosso respeito em tudo isso? É que,
gozando nós agora a liberdade em Cristo e estando identificados com Ele e
debaixo do Seu domínio, O serviremos “em novidade de espírito, e não na velhice
da letra” (Rm 7:6); isto é, o nosso serviço prestado a Deus não deve continuar a
ser o resultado de estarmos constrangidos pelas ameaças da Lei, mas, sim, o de
estarmos associados, em santa e alegre liberdade, com Cristo agora ressuscitado.


                               Romanos 7:7 – 15

       Tendo exposto claramente a doutrina a respeito da posição cristã com
respeito ao domínio da Lei, o apóstolo considera agora algumas dificuldades que
se podem formar na mente de qualquer pessoa.
       Por exemplo, se o crente é pela morte de Cristo libertado do domínio do
pecado, como já sabemos, quer isto porventura dizer que a Lei é pecado, que é
uma coisa má?
       De maneira alguma. Foi na verdade, por meio da Lei que cheguei a
perceber o caráter pecaminoso da minha natureza; mostrou-me ela que não
somente os meus atos, mas também os meus desejos eram pecado.
       Quando eu não sentia a força da Lei, a existência do pecado na minha
natureza passou desapercebida para mim — “sem a lei, estava morto o pecado”
(Rm 7:8); porém desde que vi como a Lei condena e proíbe até o desejo de
praticar o pecado, descobri que tenho uma natureza que ama o pecado. Foi
mesmo a proibição do desejo que manifestou a existência dessa natureza.
       O pecado — que é considerado aqui como um inimigo que ataca o crente
— servindo-se da proibição da Lei, despertou a vontade própria da minha natureza
pecaminosa, que está sempre pronta a resistir a esta e assim me colocou na
minha consciência, debaixo da condenação da Lei, debaixo da morte.



                                      21
“E eu, em algum tempo, vivia sem lei” (Rm 7:9); isto é, com respeito a
minha consciência, vivia — imaginava que tinha direito à vida, não sentindo que
tinha uma natureza pecaminosa que estava debaixo da condenação da morte.
Porém, “vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri”.; isto é, o
conhecimento da Lei me fez sentir a força e a existência do pecado em mim, e
fiquei assim condenado na minha consciência, estremeci debaixo da condenação
da Lei, vi que tinha sobre mim a sentença da morte.
        Desta maneira, como lemos no versículo 10, a Lei, que em si é boa e justa
e que era para a vida, tornou-se para mim — devido à presença do pecado em
mim — em Lei para morte.
        A Lei disse: “O homem que fizer estas coisas viverá por elas” (Rm 10:5).
Ela foi dada para a vida, porém logo percebi que não podia satisfazer as suas
exigências. Cumpri-la, para assim alcançar a vida, me era impossível: tinha
descoberto a presença do pecado em mim, e assim, a Lei apenas me condenava;
no meu caso vi que “era para a morte”.
        Claramente a Lei então é santa, justa e boa, visto que condena
absolutamente o pecado, quer no desejo, quer no ato de o praticar. Porém, tendo a
vontade própria da minha natureza sido despertada em oposição ao mandamento,
senti-me colocado debaixo da sua justa condenação; quanto à apreciação da
minha consciência, posso dizer: “o pecado, tomando ocasião pelo mandamento,
me enganou e, por ele, me matou” (Rm 7:11).
        Ora, tudo isso levanta outra dificuldade. Porventura será esta Lei tão boa e
santa, a causadora da minha morte? Não, de modo algum. O causador disso não é
a Lei, mas antes o pecado.
        Tal é o caráter pecaminoso da minha natureza, que a vinda da Lei, perfeita
como é em si, não podia senão condenar-me. Assim, sei que a Lei é espiritual,
mas, em mim — ah!, em mim — está o mal; “sou carnal, vendido sob o pecado”
(Rm 7:14). Pela Lei tenho descoberto em mim uma natureza que se revolta contra
ela, e que ama o pecado. E o que é ainda pior, quando desejo fazer o bem não o
posso fazer, e aquilo que faço não o aprovo.


                                Romanos 7:16 – 26

        “E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa” (Rm 7:16). Isto
é um ponto importante, porque na minha mente ponho-me do lado da Lei,
condenando as minhas ações, mas não só isso: pois até reconheço que praticando
tais atos condenáveis, estes procedem não de mim próprio, mas do pecado que
habita em mim (veja Rm 7:17).
        Que idéia tudo isto me dá da “carne”, daquilo que sou por natureza! Uma
coisa é reconhecer que tenho feito mal, e outra, que não posso fazer o bem —,
chegar a saber que “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm
7:18).
        É custoso reconhecer esse triste fato, contudo é assim que sou levado a
distinguir entre aquilo que eu próprio sou, como sendo nascido de Deus, e o
pecado que habita em mim. Não posso em tais circunstâncias deixar de dizer que
“eu faço o que não quero”, porém, analisando tudo isso, vejo, com efeito, que “já o
não faço eu, mas o pecado que habita em mim”.
        Reconheço que há em mim alguma coisa que é de Deus, que ama e aprova
a Sua Lei, e agora identifico-me com isso, com o homem interior”; contudo
acho-me sem o poder de pôr em prática o bem que desejo, e ainda mais, percebo
presente em mim o pecado que me estorva sempre.



                                        22
O meu grande desejo é viver para Deus — ser alguma coisa para Deus.
Porém, vejo que de um lado estou absolutamente sem poder, e do outro, pela
operação do pecado mim, que estou sob a sentença de morte.
        O novo “eu” anela por estar livre para servir a Deus, mas não me posso
livrar do velho “eu”, que está ligado ao pecado e, portanto, debaixo da sentença de
morte. “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”
(Rm 7:24).
        Absolutamente incapaz de me libertar a mim mesmo, olho ao meu redor e
clamo: “Quem, quem me livrará?”
        E quem pode fazê-lo senão Deus?! Sim, agora vejo que Deus já efetuou a
minha salvação, e aprecio, por fim, a verdade a respeito da morte e ressurreição
de Cristo, e da minha identificação com Ele. “Dou graças a Deus por Jesus Cristo,
nosso Senhor” (Rm 7:25).
        Notemos que a experiência descrita no fim desse capítulo 7 não é
propriamente “experiência cristã”, apesar de ser a experiência de muitos cristãos.
É a experiência de quem está nascido de novo, e que por isso tem novos desejos
e sentimentos, mas que não tem pleno conhecimento da verdade do evangelho
nem do dom do Espírito Santo. Enfim, trata-se de uma pessoa que, quanto à sua
consciência, tem ainda diante de Deus a responsabilidade de um homem na carne
e por isso se acha debaixo do domínio da Lei.
        De modo algum Paulo está aqui descrevendo a sua experiência como
cristão, isto é, a sua experiência na ocasião de escrever essa epístola; mas como
quem tivesse saído do lodo e estivesse em terra firme, descreve a agonia espiritual
de quem ainda lá se encontrasse.
        “Para o mim o viver é Cristo!” É essa a linguagem da verdadeira experiência
cristã (veja Fp 1:21).; assim como também as palavras: “Posso todas as coisas
naquele que me fortalece” (Fp 4:13).


                                         Romanos 8:1 – 4

       Este capítulo abre com uma nota verdadeiramente triunfante: “Portanto,
agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”1. E quem
haverá que, ao ler esses versículos, possa deixar de ficar deveras impressionado
com a diferença entre as palavras do capítulo 7, versículo 24 (“Miserável homem
que eu sou! Quem me livrará?”) e as do versículo 2 deste capítulo: “A Lei do
Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou”.
       Louvado seja Deus! Achamo-nos aqui na presença de um triunfo maior do
que qualquer que se possa ler na história humana — o triunfo de Deus; de Deus
que coloca os Seus remidos diante de Si livres de toda a condenação, e livres
também do domínio do pecado e da morte.
       Aqui podemos citar algumas palavras da epístola aos Efésios: “Mas vós não
aprendestes assim a Cristo, se é que o tendes ouvido e nele fostes ensinados,
como está a verdade em Jesus” (Ef 4:20-21). Notemos bem as últimas palavras
acima citadas, que são — “a verdade está em Jesus”.
       Estas palavras encerram um princípio de grande importância para nós na
compreensão do pensamento de Deus a nosso respeito. Toda a verdade a
respeito do propósito de Deus para com os crentes de hoje se manifesta na
pessoa de Jesus — na Sua morte, ressurreição e glória. Portanto, quanto melhor

1
 As palavras “que não andam segundo a carne, mas segundo o espírito” em alguns manuscritos não constam.
Teologicamente não cabem aqui, como se existisse alguma condição à salvação, porém, sim, no versículo 4,
onde as lemos de igual modo. — N. do T.


                                                  23
compreendermos a posição dEle, tanto mais capazes seremos de apreciar a nossa
posição nEle.
        Com que alívio descansa agora em Cristo aquele que tiver passado pela
triste experiência contada no capítulo 7, versículos 7 – 24. Naqueles versículos as
palavras que se salientam mais, pelas muitas vezes que se repetem, são os
pronomes “eu”, “me” e “mim”, que indicam que a pessoa que fala se ocupa consigo
própria. Agora, no capítulo 8, já tudo aquilo tem passado, e tanto a inteligência
como o coração dessa pessoa se ocupam com Cristo.
        Leiamos então de novo as palavras: “Portanto, agora, nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. Talvez alguém pense que isto
parece dizer demais. Lembremo-nos, porém, que é Deus que assim nos fala, e
bem podemos confiar naquilo que Ele diz.
        Consideremos por um momento as palavras “em Cristo”. Todo crente há
de confessar que nEle tudo é perfeito, e que Ele nada tem de condenação;
sabemos que Deus acha nEle toda a Sua complacência.
        Ora bem, nós crentes podemos dizer pausadamente e, pondo nas palavras
todo o seu sentido, que estamos nEle, que temos vida em Cristo.
        A vida que temos de Deus em Cristo é inteiramente diferente da que temos
em Adão. Quanto a essa última, já foi condenada na morte de Jesus, ao passo que
a vida que temos em Cristo, nada tem, nem pode ter, de condenação.
        Assim iniciamos por apreciar Cristo e a Sua perfeição, e em seguida,
sabendo que estamos também atualmente libertados do domínio do pecado em
nós, pela introdução deste novo princípio de vida em Cristo; e o poder desta vida
em nós é o Espírito Santo.
        Vemos, pela fé, com corações agradecidos, a maneira como na pessoa e
morte de Seu Filho, feito pecado por nós sobre a cruz, Deus de uma vez para
sempre condenou o pecado na carne: a Sua plena sentença contra o pecado foi ali
executada, e podemos afirmar que Deus não tem mais que dizer a esse respeito.
Visto isso, também nós, aceitando o que Deus fez, não devemos ocupar-nos mais
com a carne: mas, recusando satisfazer os seus desejos, considerar que já não
estamos mais identificados com ela. Dominados então, não mais pelo pecado ou
pela carne, mas sim pelo poder da nova vida que temos em Cristo, andemos, não
segundo a carne, mas segundo o Espírito, achando o nosso gozo e prazer em
fazer a vontade de Deus.
        Repetimos, que na morte de Cristo, a plena e justa exigência da Lei, a
nosso respeito, ficou satisfeita — foi executada a última pena. Agora libertados no
poder de uma nova vida em Cristo, o nosso privilégio é andarmos segundo o
Espírito e pelo Seu poder, de maneira que a vida de Jesus se manifeste em nós.


                                 Romanos 8:5 – 9

        O apóstolo nestes versículos torna a falar do contraste que há entre o que é
da carne e o que é do Espírito. Vem a propósito aludir aqui as palavras do Senhor
Jesus “O que é nascido da carne é carne, o que é nascido do Espírito é espírito”
(Jo 3:6).
        Neste trecho o apóstolo está tratando das duas classes em que se pode
dividir o gênero humano, isto é, os que ainda têm necessidade de se converter,
que são segundo a carne, e os convertidos, que são, nessa sua condição,
segundo o Espírito. Cada qual tem os seus gostos e inclinações, mas como é
solene a posição daquele que ainda precisa se converter, visto que as suas




                                        24
inclinações o conduzem à morte. Atualmente sofre morte espiritual, mais tarde
sofrerá a física, e finalmente o que se chama a “segunda morte”, o castigo eterno.
        Muito diferente é o caso do crente, pois lhe pertencem a vida e a paz. O
apóstolo não está aqui descrevendo exatamente a nossa experiência, mas
manifestando as respectivas posições ou caracteres de quem está identificado
com a carne, e de quem está no Espírito.
        O caráter da carne é o de inimizade contra Deus e tanto assim é, que lemos
que a carne “não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7).
É, como já temos visto, irremediavelmente má. No versículo 8 lemos: “Portanto, os
que estão na carne não podem agradar a Deus”, isto é, enquanto estivermos
identificados, aos olhos de Deus, com o pecado na carne que caiu debaixo da Sua
condenação na cruz, não podemos agradar-Lhe.
        Qual é então a posição do cristão? A resposta a esta pergunta encontra-se
no versículo 9: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito”. Assim é que
Deus nos considera; somos salvos, e como tais não estamos na carne.
        Porém, é preciso reparar bem a quem se referem estas palavras.
Referem-se só às pessoas convertidas e salvas e não a qualquer pessoa que
apenas se diz cristã. “Não estais na carne, mas sim no Espírito, se é que o Espírito
de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não
é dele”. Bem-aventurada é a sorte daquele que sabe que o Espírito de Cristo
habita nele. Como é aqui excluído todo o engano e toda a hipocrisia! Cada um tem
de se haver individualmente com Deus; a bênção vem só dEle; e é preciso que
tenhamos o selo divino.
        Será bom aqui perguntarmos a nós próprios se porventura podemos
levantar os nossos corações a Deus em grata adoração, sabendo que em verdade
estamos em Cristo diante dEle e não mais em Adão; que Ele nos vê como estando
no Espírito e não na carne? Não é isto uma questão de considerarmos os nossos
sentimentos, nem de pensarmos na nossa experiência, mas sim de aceitarmos o
testemunho de Deus, e de confiarmos nEle.
        O importante não é o que nós pensamos, mas aquilo que Ele diz; não o que
nós vemos, mas o que Ele vê.


                                Romanos 8:10 – 17

       Temos visto que Deus nos considera identificados com Cristo, vivos no
poder do Espírito Santo. Porém, então, se Cristo está em nós, não podemos deixar
de reconhecer que o nosso corpo deve cessar de ser o instrumento do pecado;
mas a vida antiga não pode produzir senão pecado. Se porém Cristo estiver em
nós como a fonte e o poder de uma nova vida, o corpo, enquanto a vontade da
carne está, por assim dizer, morto; mas, debaixo do domínio do Espírito Santo, e
por meio dEle, torna-se o instrumento para a manifestação da justiça.
       O Espírito Santo que é o novo poder da vida no crente, é a única fonte do
bem em nós e o único poder para a sua manifestação.
       Além disto temos, pela presença do Espírito Santo em nós, a prova de que
até os nossos corpos mortais também hão de desfrutar mais tarde os gloriosos
resultados da ressurreição de Cristo, sendo conformados à semelhança do corpo
glorioso do Senhor. Assim todo o nosso ser — espírito, alma e corpo — gozará os
efeitos da plena redenção.
       Tendo sido desta maneira libertados por Deus, não somos devedores à
carne para vivermos segundo as suas inclinações, mas antes pelo contrário, por
meio do Espírito Santo mortificamos as obras do corpo.



                                        25
Deus não fala em mortificarmos os nossos corpos, mas as obras do corpo,
e isto só pode ter lugar por meio da nova vida em Cristo. Procedendo assim,
viveremos e desfrutaremos os gozos da vida nova.
        Agora, no versículo 14, lemos a maravilhosa verdade de que aqueles que
assim são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.
        O crente descansa, assim, no gozo do pleno amor de Deus, tendo recebido
o Espírito de adoção, pelo qual clama: “Pai!”.
        E notemos que o sermos “filhos de Deus” é uma conseqüência da
redenção, de sermos identificados com Cristo na Sua vida atual e de termos
recebido o Seu Espírito. Somente dos verdadeiros crentes se pode dizer que são
“filhos de Deus”; todos os homens são criaturas de Deus, Ele é o Criador de todos,
mas Deus não é Pai de todos nos sentido das palavras que estamos
considerando. Ele é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e todos que em Cristo
crêem podem dizer: “Ele é o nosso Deus e o nosso Pai também”.
        Esta sublime bênção é o resultado da nossa associação no poder da vida
eterna com Cristo, e o Espírito que em nós habita testifica com o nosso espírito
que assim é.
        Sendo, pois, filhos, somos também herdeiros de Deus, e co-herdeiros de
Cristo. Cristo, porém, sofreu aqui, como não podia deixar de sofrer, visto que
andava no meio do pecado e da tristeza do mundo, e a nós nos é concedido o
privilégio de termos comunhão com Ele no sofrimento aqui no lugar da Sua
rejeição; mas isto terá como conseqüência, mais tarde, a nossa comunhão com
Ele no lugar da Sua glória.


                               Romanos 8:18 – 27

        Andamos, então, aqui como filhos de Deus, aguardando o dia da
manifestação da glória e, nesse espírito, Paulo disse: “para mim tenho por certo
que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em
nós há de ser revelada” (Rm 8:18).
        E ainda mais quando chegar o dia em que o povo de Deus, agora
desprezado no mundo, se há de manifestar em glória, então a inteira criação que
tem estado sujeita à corrupção pelo pecado de Adão, experimentará a liberdade da
glória dos filhos de Deus. Oh! Que dia glorioso há de ser aquele em que nós
havemos de estar manifestados em glória com Cristo!
        Lemos que a criação inteira geme e sofre, e não só ela, mas também nós
gememos em nós mesmos, esperando pelo dia em que Cristo há de manifestar o
Seu poder para a redenção dos nossos corpos.
        Nós já gozamos as primícias do Espírito e desfrutamos a liberdade dos
filhos de Deus, porém desejamos muito deixar completamente o que é da velha
criação, e por isso gememos, anelando pelo momento em que isso se há de
realizar. Não desfrutamos ainda o pleno resultado da salvação — tendo recebido o
perdão dos nossos pecados, sendo justificados, tendo recebido o Espírito Santo, e
estando assim livres em nossos espíritos, esperamos pelos corpos gloriosos que
havemos de receber. Assim esperamos com paciência por esse bem que ainda
não vemos.
        Nesse meio tempo a oração é necessária, não é? E, bendito seja Deus,
lemos que, não sabendo nós o que havemos de pedir como convém, o Espírito ora
por nós. Ele mesmo, segundo a vontade de Deus, intercede por nós.




                                       26
Romanos 8:28 – 30

        Chegamos agora a uma revelação verdadeiramente maravilhosa. O
apóstolo diz: “Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem
daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto” (Rm
8:28).
        Consideremos um pouco essas palavras, começando pelas últimas:
“chamados segundo o Seu decreto”.
        Essas palavras nos falam do decreto ou propósito de Deus e, para aquele
que conhece a Deus, o quanto é agradável pensar que Ele tem um propósito firme
a respeito dos Seus, com respeito à glória de Cristo e à satisfação do Seu próprio
amor, propósito cuja realização nada há que a possa impedir.
        Que momento alegre é para qualquer pessoa, quando pela primeira vez
aprecia o que é deixar o terreno da sua própria responsabilidade, para se achar
identificada com o propósito de Deus; sendo esse o terreno em que tudo depende
da graça, amor e poder de Deus.
        Notemos agora que está escrito que todas as coisas contribuem para o bem
daqueles que amam a Deus e que são por Ele chamados.
        É possível que alguém pergunte: Poderá este ou aquele fato contribuir para
o meu bem? A isso responderemos com outra pergunta. Não será porventura o
dito fato incluído nas palavras “todas as coisas”? Com toda certeza que sim.
Aceitemos então sem reserva aquilo que Deus nos diz.
        Porém, talvez alguém sinta que isso não acontece consigo; pelo menos
vemos na vida prática que muitos crentes se queixam daquilo que lhes acontece,
fazem murmurações e mostram-se perturbados. Como se explica isso? Sem
dúvida pela falta de fé e de confiança no amor de Deus.
        Qual será, pois, ao segredo que nos leva a dizer triunfantemente: “Sabemos
que todas as coisas contribuem para o nosso bem?” O segredo de tal certeza
encontra-se no conhecimento do amor de Deus.
        Quais são aqueles que amam a Deus? Seguramente são os que
descansam no gozo do Seu amor por eles. É claro, portanto, que se somos
mantidos diariamente no gozo do amor divino, e se apreciamos o fato de sermos
chamados por Ele e identificados com o Seu propósito eterno, não podemos deixar
de reconhecer que todas as coisas têm por força de contribuir para o nosso bem,
visto que nEle o amor é ligado ao poder onipotente. Assim aconteça o que
acontecer, confiados no amor de Deus diremos: “Sabemos que tudo há de
contribuir de qualquer maneira para o nosso bem”; e assim poderemos dar graças
a Deus por todas as coisas, como é a vontade do Senhor.
        O versículo 29 explica-nos qual é o propósito de Deus a nosso respeito.
Somos chamados para sermos conformes à imagem de Seu Filho, para que seja o
Primogênito entre muitos irmãos. Bendita esperança! Seremos conformes a Ele e
estaremos com Ele. Ele em tudo terá a preeminência, mas nós estaremos com
Ele. E tão certo é este propósito de Deus, que o apóstolo fala como se tudo já se
tivesse realizado, dizendo: “Aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm
8:30).
        Sim, bendito seja Deus, a obra iniciada aqui por divina graça, será levada
ao cabo ali em divina glória.




                                       27
Romanos 8:31 – 39

        Tendo agora chegado ao fim desta maravilhosa manifestação do
Evangelho, e tendo visto o que é o propósito de Deus a nosso respeito, que podem
os nossos corações responder a tudo isso? Exclamaremos exultantes: “Deus é
por nós!”.
        E será porventura possível que Aquele que não deixou de entregar por nós
o Seu próprio Filho, nos não daria seja o que for, desde que contribua para o
nosso bem? Não, isso não; Deus há de dar-nos com Cristo todas as coisas.
Notemos bem as palavras “com Ele”. Não nos dará nada que nos possa afastar
dEle, mas com Ele nos dará todas as coisas.
        Outra vez repetimos: “Deus é por nós”. Se for questão de dar — Ele nos
dará com Cristo todas as coisas (veja Rm 8:32). Se for questão de alguém intentar
acusação contra o Seu povo — Ele o justificará (veja Rm 8:33). Se for questão das
dificuldades e perigos que nos cercam — seremos mais do que vencedores por
Aquele que nos amou (veja Rm 8:30). Diremos mais, que o sermos “vencedores”
seria já uma grande coisa, mas Deus nos faz mais do que vencedores.
        Podem haver dificuldades, perseguições ou perigos, mas Cristo que
morreu, e está ressuscitado e no lugar de poder à direita de Deus, interessa-Se
por nós constantemente, e intercede por nós. Portanto, forçosamente havemos de
vencer; mas ainda mais, das mesmas dificuldades e perigos havemos de tirar
muito proveito, chegando, assim, a ser mais do que vencedores, porque como
temos já visto, todas as coisas hão de positivamente contribuir para o nosso bem e
apenas nos fornecem ocasiões para experimentarmos mais o amor pessoal de
Cristo.
        O apóstolo conclui este capítulo dizendo que está certo de que nada há,
nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem coisas
presentes, nem futuras, que nos possa separar do amor de Deus.
        O amor divino é mais forte do que tudo, e é nos manifestado e assegurado
em Cristo Jesus, nosso Senhor, nAquele que venceu todo o poder do mal e da
morte e está atualmente sobre o trono de Deus.
        O amor divino fica sendo eternamente o mesmo, e bem-aventurado é quem
pode dizer: “Estou certo de que nada me poderá separar do amor de Deus que
está em Cristo Jesus”.
        A pessoa que assim conhece a Deus, sabe verdadeiramente gloriar-se
nEle.
        Bem podemos dizer aqui: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Co
1:31).




                                       28
PARTE 5
                               — ROMANOS 9 A 11 —


      Com o capítulo 8, o apóstolo concluiu a sua magnífica exposição sobre o
evangelho da graça de Deus, manifestado e enviado por Deus a toda criatura, quer
seja gentio quer judeu, agora ele trata de demonstrar que isso de modo algum
desfaz as promessas de Deus feitas a Abraão a respeito do Seu povo antigo, o
povo de Israel. Ele nos mostrou que nada há que possa impedir que se realize o
propósito de Deus com respeito àqueles que são chamados pela Sua graça por
meio do testemunho do evangelho, agora nos mostra que nada há, tampouco, que
possa estorvar a realização das Suas promessas referentes ao povo de Israel.
      Um fato em que apóstolo insiste nesse capítulo, e que é muito importante
reconhecermos, é que Deus é soberano, e que toda a bênção para os seres
humanos é o resultado da Sua soberana misericórdia.


                                 Romanos 9:1 – 5

        Nestes versículos o apóstolo revela o intenso amor que sentia pelo povo
terrestre de Deus, os seus irmãos segundo a carne. Recapitula aqui alguns dos
muitos privilégios que lhes pertenciam, concluindo com o fato de ter Cristo nascido
entre eles, acrescentando, porém, a esta referência à Sua humanidade, que Ele é
“sobre todos, Deus bendito eternamente” (Rm 9:5).
        Qual foi a razão desta tristeza que o apóstolo sentia no seu coração?
        Foi o fato deles terem rejeitado Cristo, o Único que podia fazê-los entrar no
gozo da bênção prometida.


                                 Romanos 9:6 – 16

        Entristeceu-se, porventura, por pensar que Deus tinha faltado à Sua
Palavra? Não, isso não podia ser. A sua dor foi causada por ter visto como o povo
ia perdendo a bênção por rejeitar Cristo. Quanto às promessas de Deus, tinha ele
a certeza que nenhuma delas podia deixar de se cumprir, e agora trata de explicar
isso, citando para esse fim 3 pontos:

       1 — A promessa de Deus feita a Abraão (veja Rm 9:9).
       2 — A vontade de Deus que determinava que Jacó havia de dominar Esaú
(veja Rm 9:11-12).
       3 — A Palavra de Deus a Moisés — “Compadecer-me-ei de quem me
compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia” (Rm 9:15).

        O resultado das lições tiradas desses 3 casos se vê no versículo 16:
“Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que
se compadece”.
        Consideremos esses 3 pontos. Em primeiro lugar era verdade, como diziam
os judeus, que Deus fizera uma promessa a Abraão; porém, essa promessa não
dizia respeito a todos os filhos de Abraão, como eles bem sabiam, mas somente a
Isaque e à sua descendência.




                                         29
Ismael e outros filhos de Abraão foram postos de lado e a bênção
prometida foi ligada a Isaque, o filho prometido (veja Rm 9:9); — “Em Isaque será
chamada a tua descendência” (Rm 9:7).
        Ismael, de cujo nascimento lemos no livro de Gênesis, capítulo 16, foi o
filho da vontade e da energia natural, ao passo que Isaque foi o filho da promessa;
e a bênção divina depende dessa última, da promessa de Deus. Assim o judeu
devia ter compreendido, e nós podemos aprendê-lo, que a bênção “não depende
do que quer” (veja Rm 9:16). De fato lemos: “Não há ninguém que busque a Deus”
(Rm 3:11). É por isso que não pode haver esperança para os seres humanos, quer
judeus quer gentios, senão em Deus que é soberano.
        Quando Deus faz uma promessa absoluta e incondicional, é como se nos
declarasse o Seu próprio propósito, e já temos visto que nada há que possa pôr
empecilho à realização do propósito de Deus. É verdade que a bênção prometida
pode não estar ao alcance do poder dos homens por mais que se esforcem, mas o
poder de Deus fará com que eles a gozem.
        Isto é a lição que temos no segundo caso acima citado, o de Esaú e Jacó.
Antes mesmo que nascessem, Deus dissera: “O maior servirá o menor” (Rm 9:12).
Mais tarde, os dois fizeram mal, nem um nem outro merecia receber a bênção
prometida, porém Deus, sempre fiel a Sua promessa, assegurou a bênção de
Jacó. Assim vemos que “não depende do que corre” (Rm 9:16). Também lemos:
“Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Rm 3:12) e, por isso, novamente
dizemos, não pode haver esperança para os homens senão em Deus que é
soberano.
        O terceiro caso citado, isso é, as palavras de Deus a Moisés (veja Rm
9:15), prova e evidencia que Deus, soberano como é, Se compraz de usar o Seu
poder para abençoar os seres humanos, e que não tem prazer algum em julgá-los.
        As ditas palavras foram dirigidas por Deus a Moisés logo depois do povo de
Israel ter pecado horrivelmente contra Ele, fazendo o bezerro de ouro (veja Êx 32 e
33:19). Foi aquele um momento em que, com justiça, Deus podia ter destruído
aquele povo por completo, mas em vez disso, falou, dizendo: “Compadecer-me-ei
de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia”.
        Vemos, então, que sendo todos pecadores, sem mérito algum diante de
Deus, se alguém receber bênção dEle, será em resultado da Sua soberana
misericórdia.
        Assim o judeu tem que reconhecer que, quanto a si, tem perdido todo o
direito de receber a bênção, ao passo que Deus certamente há de cumprir a
promessa dada a Abraão. Conseqüentemente, tanto para ele como para o gentio,
toda a bênção depende da soberana misericórdia de Deus.


                               Romanos 9:17 – 18

          O apóstolo considera agora o caso daqueles que não recebem a bênção
divina.
        Faraó serve como exemplo desses. Era um homem pecador que se exaltou
contra Deus, desafiando-O com as palavras: “Quem é o SENHOR, cuja voz eu
ouvirei?” (Êx 5:2). Depois disso foi seis vezes avisado solenemente, por meio de
pragas terríveis, contra a loucura de procurar resistir a Deus; mas de todas as
vezes o se coração se endureceu. Lemos que depois de tê-lo suportado com muita
paciência, “o SENHOR endureceu o coração de Faraó” e então ouvimos aquelas
terríveis palavras: “Para isto mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu poder e
para que o meu nome seja anunciado em toda a terra” (Êx 9:12, 16; Rm 9:17).



                                        30
Lendo no livro de Êxodo vemos que tanto Israel como Faraó eram culpados
diante de Deus e a justiça teria condenado a ambos, porém Deus é soberano, e
mostra-nos ser Ele não só justo em todos os Seus atos, mas também um Deus
que Se compraz em mostrar misericórdia. Quando Faráo endureceu o seu coração
contra Deus, foi destruído pela justiça, ao mesmo tempo que o povo de Israel foi
salvo pela soberana misericórdia de Deus, que o abrigou sob o sangue do
sacrifício da páscoa.
        Todo o mundo é condenável diante de Deus; a justiça havia de julgar e
condenar a todos; porém, Deus Se tem manifestado como um Deus Salvador,
soberano em misericórdia, sendo a morte de Cristo a base sobre a qual Ele assim
pode agir.


                               Romanos 9:19 – 24

        Talvez alguém diga: “Por que se queixa Ele ainda? Quem resiste à Sua
vontade? Ainda mais, se é simplesmente uma questão da Sua vontade e do Seu
poder, que posso eu fazer? Se hei-de ser salvo sê-lo-ei efetivamente, e se não, a
culpa não é minha”.
        Ah! Ninguém que tivesse uma verdadeira apreciação da majestade,
sabedoria e amor de Deus, falaria assim. O fato de Deus pelo Seu soberano poder
cumprir a Sua vontade não é razão alguma para o homem fazer o que bem quiser,
satisfazendo assim a própria vontade. Não; o princípio da sabedoria é temor de
Deus, e isto faz com que demos a Deus o lugar e a glória que Lhe pertencem.
Devemos aceitar e obedecer logo ao testemunho que Deus nos dá, reconhecendo,
ao mesmo tempo, que, sendo Ele soberano, tem o direito de fazer tudo quanto Lhe
aprouver.
        O apóstolo ousada mente afirma esta verdade. Digam os homens o que
disserem, o oleiro tem poder sobre o barro. A coisa formada não pode dizer ao que
a formou: “Por que me fizeste assim?”
        “Tu és bom e fazes bem”, lemos no Salmo 119:68, e o coração de quem
teme a Deus e se humilha diante dEle, regozija-se em pensar na Sua soberana
bondade. Porém, se Deus, querendo dar a conhecer co Seu poder e mostrar a Sua
ira, a deixa cair sobre os que se têm preparado a si próprios para a perdição,
tendo-os Ele primeiro suportado com muita paciência e longanimidade, quem é
que se pode queixar? Ninguém.
        Por outro lado, Ele mesmo prepara os vasos para a manifestação da Sua
misericórdia. Todos são maus, porém Deus, em misericórdia soberana está
preparando vasos nos quais dará a conhecer as riquezas da Sua glória.
        “Os quais (vasos de misericórdia) somos nós”, diz o apóstolo. Oxalá querido
leitor, que nós nos possamos ver, pela fé, entre esses! Pobres miseráveis
pecadores por natureza, se podermos, sequer, melhorar a nossa situação diante
de Deus, não podemos senão lançar-nos sobre a misericórdia soberana de Deus
por meio de Jesus. Escrevendo aos Coríntios, Paulo tratando do estado glorioso
que espera o crente, disse: “Quem para isso mesmo nos preparou foi Deus” (2 Co
5:5).




                                        31
Romanos 9:24 – 33

        O apóstolo agora afirma que “os vasos de misericórdia” são chamados não
só de entre os judeus, mas também de entre os gentios, e em confirmação disso
cita os profetas Oseías e Isaías.
        Oséias tinha profetizado que a graça divina havia de alcançar tanto os
gentios, que nunca tinham recebido promessa alguma a esse respeito, como os
judeus, que tinham perdido, pelo seu pecado, todo o direito a receber a promessa
que lhes fora feita.
        Além disso, Isaías tinha dito que apenas uma parte do povo de Israel seria
salva, e isto devido à soberana misericórdia de Deus.
        Qual era então o resultado de tudo isso? Vemos que os gentios, que não
buscavam a justiça, alcançaram-na pela fé, enquanto que os judeus, tão religiosos
como eram, não alcançaram essa justiça diante de Deus.
        E porquê? Porque os judeus enganaram-se no modo de a alcançar;
procuraram justificar-se pelas suas próprias obra em vez de reconhecerem a sua
incapacidade, e confiaram em Cristo. Rejeitaram Cristo em Quem e por Quem
somente se pode alcançar a justiça de Deus.
        Isaías tinha falado da pedra de tropeço que Deus havia de pôr em Sião.
Seria como um santuário para os que cressem, porém como uma rocha de
escândalo e pedra de tropeço para os que não cressem. Os judeus tropeçaram
naquela Pedra — um Cristo humilde, meigo e rejeitado pelos homens — e têm
sido confundidos como atualmente se vê.


                                Romanos 10:1 – 13

        O apóstolo aqui fala do intenso desejo que sentia pela salvação do povo de
Israel, e de como orava a Deus por isso. Testifica do muito zelo que aquele povo
mostrava quanto à religião, mas explica-nos que esse mesmo zelo os impediu de
apreciar o testemunho de justiça pela fé em Jesus Cristo, que Deus lhe estava
enviando.
        Na sua cegueira procuravam, pelas suas próprias obras, colocar-se diante
de Deus numa justiça que fosse deles próprios. Recusaram humilhar-se perante
Deus e confessar-Lhe a sua absoluta falta de justiça, e assim não se sujeitaram à
justiça de Deus.
        É verdade que Moisés tinha dito: “O homem que fizer estas coisas viverá
por elas” (Rm 10:5); mas quem as podia fazer? Ninguém.
        A pessoa, porém, que reconheça isso e se volte para Deus
confessando-Lhe a sua necessidade, descobre logo que da Sua parte Deus lhe
está apresentando, para a sua aceitação pela fé, aquilo que nunca podia alcançar
pelas obras da lei.
        Cristo tem vindo! A maldição da lei, pronunciada contra quem não
cumprisse com as suas exigências, sofreu-a Cristo na Sua morte! A vida — o fim
proposto pela lei — alcançamo-la em Cristo ressuscitado!
        Plena satisfação, perfeita bênção, justiça, vida, tudo temos em Cristo e tudo
alcançamos pela fé. “O fim da lei é Cristo…” (Rm 10:4). Bendito seja Deus, toda
esta bênção, desde o princípio até ao fim, provém dEle.
        Não necessitamos, por assim dizer, subir ao céu para trazer do alto a
Cristo, porque Deus já no-Lo enviou, e Ele por amor de nós se entregou à morte
(veja Rm10:6).




                                         32
Tampouco precisamos descer ao abismo para tornar a trazer Cristo de
entre os mortos, porque Deus já O ressuscitou (Rm 10:7).
        Que nos resta então fazer? Temos que escutar o testemunho que Deus nos
tem enviado a respeito de Cristo, e sujeitarmo-nos a Ele.
        E que diz Ele? Apresenta-nos uma justiça perfeita, uma salvação completa,
dizendo: “Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração,
creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10:9). Estas palavras
indicam claramente que não se trata de uma simples questão do esclarecimento
da nossa inteligência, mas sim do nosso coração se comover profundamente,
porque “com o coração se crê para alcançar a justiça” (Rm 10:10).
        Mas há mais. Junta-se à fé do coração, a confissão da boca: o crente
confessa que Cristo é o seu Senhor.
        Quer diante de Deus, quer diante dos homens apresenta-se como
identificado pela fé com Cristo, confessando-O como sendo o seu Senhor. Assim
tem aceitação para com Deus e desfruta o poder da salvação neste mundo,
porque: “Todo aquele que nele crer não será confundido” (Rm 10:11).
        Desta maneira, a bênção é por Deus assegurada igualmente aos gentios e
aos judeus e, de acordo com isso, lemos que, referente ao evangelho e a bênção
nele oferecida, “não há diferença entre judeu e grego” (Rm 10:12).
        Em Romanos 3:22 e 23 lemos: “Não há diferença. Porque todos pecaram”.
Aqui, no versículo 12 de Romanos 10, lemos: “Não há diferença … porque um
mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam”. Bem
podemos confessar humildemente o primeiro desses fatos, enquanto nos
regozijamos diante de Deus pelo segundo.
        Vemos então que em Cristo glorificado há bênção sem limites para todos.
Sendo, como homem, exaltado por Deus a ser Senhor de todos, todos se podem
aproveitar das riquezas que nEle há; porém para isso cada um tem de invocá-Lo
individualmente.
        Nem zelo nem obras humanas podem alcançar este grande bem, mas “todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10:13).


                               Romanos 10:14 – 21

       O ponto principal neste trecho parece ser o fato de que o testemunho de
Deus é para o mundo todo.
       Que necessidade há, então, de pregar o evangelho! “Como, pois, invocarão
aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram?” (Rm
10:14).
       É preciso, e isso fica óbvio, que os pregadores sejam enviados por Deus,
mas que privilégio também é ser enviado! Porventura não desejamos nós ser-Lhe
úteis para Seu serviço?
       Como Ele aprecia este serviço! “Quão formosos são os pés dos que
anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas!” (Rm 10:15). Sim, quão formosos
aos olhos de Deus! Quão apreciável é para Ele este serviço!
       Como isso anima Seus servos, apesar de muita gente recusar aceitar o
testemunho deles!
       Isaías deu testemunho, no meio do povo de Israel, referente aos
sofrimentos e à glória de Cristo, mas por fim teve que dizer: “Senhor, quem creu na
nossa pregação?”
       O testemunho de Deus tem sido proclamado, e a fé vem pelo ouvir — por
ouvir a Palavra de Deus.



                                        33
Logo no princípio, quando Deus chamou o povo de Israel para ser um povo
particular para Si, Moisés predisse a maneira como esse povo havia de deixar de
seguir o Senhor, andando no seu pecado e cegueira e, ainda mais, disse como
Deus havia de dar a bênção a outros, que não pertencessem àquele povo, a fim de
assim despertar nele o desejo de também receber a bênção de Deus que até
agora, na sua coletividade, tem rejeitado.
       O apóstolo cita outra vez o profeta Isaías como testemunha desse fato.
Lemos: “Fui achado pelos que me não buscavam, fui manifestado aos que por mim
não perguntavam” (Rm 10:20). Deus manifestou-Se àqueles que não O buscavam
nem perguntavam por Ele. Bendito seja o Seu nome, aprouve-Lhe manifestar-Se a
Si mesmo na pessoa do Seu Filho Jesus àqueles que, como nós, não o buscavam.
Que graça divina! Que graça soberana!
       Isaías, porém, acrescentou, falando ainda do povo de Israel: “Todo o dia
estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente” (Rm 10:21). E assim
tem acontecido; o testemunho de Deus tem sido aceito entre os gentios ao passo
que a nação de Israel, na sua coletividade, o tem rejeitado; por conseqüência,
tendo recusado a Cristo, tem sido por Deus posta de parte e confundida, porém:
“Todo aquele que nele crer não será confundido” (Rm 10:11).


                              Romanos 11:1 – 15

        Coloca-se agora pergunta: “Porventura, Rejeitou Deus o seu povo?” (Rm
11:1). Terá mudado o Seu propósito com respeito a ele? “De modo nenhum!” —
responde o apóstolo, comparando em seguida a posição do povo no tempo dele
com a do povo no tempo de Elias (veja 1 Rs 19).
        Nesse tempo, a nação em geral estava caída em pecado, sem o temor de
Deus, nem fé. Contudo, Deus reservou para Si um pequeno número que O
conhecia, e assim é ainda hoje. A nação de Israel tem sido, por assim dizer,
abandonada por agora e anda em cegueira espiritual, porém Deus na Sua graça
soberana ainda trabalha entre ela, escolhendo um pequeno número que, por fé em
Cristo, tem parte na Sua Igreja. Paulo cita o seu próprio caso como prova disso.
        É verdade que Deus tinha-lhes dado a Sua promessa, prometendo-lhes
bênção aqui na terra, mas quando Cristo, Aquele em Quem toda a bênção lhes era
assegurada, chegou entre eles, recusaram-se de recebê-Lo e assim perderam
todo o direito às promessas. Agora, se as receberem, será somente em resultado
dos soberanos propósito e misericórdia de Deus.
        O estado atual daquela nação não há de continuar sempre assim. Longe
disso; mas tendo aquele povo perdido pela sua desobediência, incredulidade e
orgulho, o lugar de privilégio que tinha gozado, Deus está agora efetuando o Seu
propósito de abençoar os gentios, tirando de entre eles um povo para o Seu nome
(veja At 15:14), e entre este povo encontra-se um remanescente do povo antigo
(Rm 11:15).
        E há ainda mais. Esse povo de Israel é ainda o centro dos pensamentos de
Deus com respeito ao Seu governo desse mundo, e se, como temos visto, a sua
queda tem dado ocasião à bênção de Deus ser apresentada pelo evangelho a todo
o mundo, qual será a bênção que há de resultar, cá no mundo, quando Israel for
colocado por Deus na posição e glória prometidas, não é?! Será, na verdade, para
toda a criação, como vida de entre os mortos (veja Rm 15:15).




                                      34
Romanos 11:16 – 36

        O apóstolo agora explica a posição relativa dos judeus e dos gentios com
respeito ao lugar de privilégio e bênção aqui neste mundo.
        Depois do dilúvio com que Deus destruiu o mundo antigo, os homens
procuraram fazer para si uma grande cidade e um grande nome a fim de que não
fossem espalhados por toda a terra, porém Deus os confundiu neste propósito e os
espalhou por toda a parte e os dividiu em diversas nações (Gn 11).
        Parece, então, que basicamente todos se entregaram à idolatria e, estando
as coisas assim, Deus, conforme o seu soberano propósito, chamou a Abraão
(veja Js 29), fazendo com que ele fosse o pai — o primeiro — daqueles que
haviam de experimentar o benefício das promessas que Deus estava prestes a
declarar.
        Foi Abraão constituído, por assim dizer, raiz da “oliveira de promessa”, e
Israel — não só os judeus, isto é, as duas tribos, mas sim as doze tribos — será
salvo (Rm 11:20). Quando O virem, passará a sua cegueira, e arrependidos
reconhecerão por fim o seu Messias, e Ele, cumprindo, então, as promessas de
Deus, reinará em poder e majestade e o Seu povo antigo será outra vez o principal
entre as nações.
        Sim, tudo quanto Deus tem proposto, quer a respeito da Sua Igreja, quer do
Seu povo terrestre, Israel, há de infalivelmente ser realizado. E quando Deus
assim nos fala da bênção que tem determinado para os seres humanos, nos vem à
lembrança que todos, quer judeus quer gentios, têm sido desobedientes, de
maneira que ninguém, nem sequer o judeu, pode falar de qualquer direito à
bênção; todos hão de recebê-la somente pela soberana misericórdia de Deus (Rm
11:32).
        O apóstolo, ao concluir esta parte de sua epístola, exclama num espírito de
adoração: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de
Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus
caminhos!” (Rm 11:33).
        A sabedoria divina planejou tudo, e o poder divino há de efetuar tudo, para
a glória de Deus.
        Com corações adoradores concluímos este capítulo, dizendo: “Dele, e por
ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém!” (Rm
11:36).




                                        35
PARTE 5
                            — ROMANOS 12:1 A 15:7 —


       Na parte desta epístola de que vamos agora tratar, vemos qual é a conduta
e maneira de vida que resulta da apreciação e aceitação da doutrina que já nos
tem sido apresentada.
       Temos aqui, não tanto a exposição das verdades fundamentais do
evangelho, como exortações próprias para aqueles que tenham recebido estas
verdades.
       Consideremos então estas exortações, pedindo a Deus que, pela Sua
divina graça, nos faça corresponder a elas para glória do Seu nome.


                                  Romanos 12:1

        Se, tendo aceitado o testemunho de Deus no evangelho, pensarmos em
nós próprios, havemos de reconhecer que somos os objetos de misericórdia e
amor divino, e que somos colocados diante de Deus no Seu pleno favor. E, sendo
assim, os nossos corpos devem ser postos à Sua disposição, para que em nós, e
por meio de nós, se realize a Sua divina vontade neste mundo.
        Reparemos bem na força de expressão com que o apóstolo começa as
suas exortações: “Rogo-vos!” Que intensidade de desejo vemos nestas palavras!
Que santo fervor! Ele não diz: “Mando-vos!”; é a graça, e não a Lei, que fala aqui.
        Notemos o motivo que cita para reforçar o seu pedido. “Rogo-vos, pois,
irmãos, pela compaixão de Deus”. E como é grande, de fato, essa misericórdia de
Deus manifestada nesta epístola que estamos considerando.
        E para que será que o apóstolo assim nos roga? “Rogo-vos … que
apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”.
        Convém notarmos primeiro que o sacrifício apresentado a Deus é um
sacrifício vivo, santo e agradável; somente assim podia Deus achar agrado nele.
        Talvez este pensamento vá levantar em alguém uma certa dificuldade,
pensando naquilo que é em si próprio. Devemos, porém, lembrar-nos de que Deus
sempre vê o crente como sendo identificado com Cristo.
        Na verdade, o que se nos apresenta neste versículo se baseia no ensino
dos capítulos 5 a 8.
        Nunca poderíamos apresentar os nossos corpos a Deus como sacrifícios
vivos, se não tivéssemos primeiro apreciado de alguma maneira, o modo como
Cristo Se Lhe apresentou como um sacrifício na morte.
        Deus não pode sentir agrado com o que é “da carne”, isto é, com o que
somos como identificados com Adão. Mas Cristo foi feito pecado por nós, sobre a
cruz, e ali morreu, de maneira que lemos: “Assim também vós considerai-vos como
mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm
6:11). E mais: “Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos” (Rm 6:13).
        Assim como os que têm sido identificados com a morte de Cristo e que são
agora vivos nEle diante de Deus, vemos que somos na verdade livres.

      O pecado não tem mais domínio sobre nós (Rm 6:14).
      A Lei não tem mais domínio sobre nós (Rm 7:4).
      Não somos devedores à carne para vivermos mais segundo as suas
concupiscências (Rm 8:12).


                                        36
Romanos George Howes
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Romanos George Howes

  • 1. Estudo sobre a Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos George Howes 1ª edição em português: 1919 3ª edição em português: 1929 4ª edição em português: 2006 Todos os direitos da tradução reservados: DLC — Depósito de Literatura Cristã Rua Arlidno Bétio 117 Jd Marão 09911-470 Diadema / SP BRASIL
  • 2. Índice OBSERVAÇÃO GERAL 03 PREFÁCIO 04 PARTE 1 — Capítulo 1:1 – 17 05 PARTE 2 — Capítulo 1:18 – capítulo 3:20 06 PARTE 3 — Capítulo 3:21 – capítulo 5:11 09 PARTE 4 — Capítulo 5:12 – capítulo 8:39 16 PARTE 5 — Capítulos 9 a 11 29 PARTE 6 — Capítulo 12:1 – capítulo 15:7 36 PARTE 7 — Capítulo 15:8 – capítulo 16:27 44 2
  • 3. Observação Geral Para facilitar o estudo dessa epístola, a dividiremos em 7 partes: PARTE 1 — Capítulo 1:1 – 17 PARTE 2 — Capítulo 1:18 – capítulo 3:20 PARTE 3 — Capítulo 3:21 – capítulo 5:11 PARTE 4 — Capítulo 5:12 – capítulo 8:39 PARTE 5 — Capítulos 9 a 11 PARTE 6 — Capítulo 12:1 – capítulo 15:7 PARTE 7 — Capítulo 15:8 – CAPÍTULO 16:27 Lembramos aos nossos leitores ser conveniente sempre acompanhar a leitura desses estudos com o trecho correspondente em seus Novos Testamentos. Recomendamos que estudem sempre num espírito de oração, lembrando-se que só pelo ensino do Espírito Santo podem alcançar uma compreensão verdadeira daquilo que ali está escrito. 3
  • 4. Estudos sobre A EPÍSTOLA AOS ROMANOS Prefácio A epístola de Paulo aos Romanos é de grande importância, porque nela temos os alicerces do cristianismo firmados. É provável que fosse escrita quando o apóstolo esteve em Corinto, pouco antes da sua última viagem para Jerusalém (veja-se Rm 15:25); isso corresponde mais ou menos ao ano 60 da era cristã, quando nenhum apóstolo tinha ainda estado naquela cidade de Roma. Todavia, ali já moravam alguns salvos que tinham chegado de diversas partes do Império Romano. Desses irmãos, alguns receberam o evangelho do próprio Paulo em outros lugares e foram até mesmo seus companheiros e cooperadores (veja Rm 16:3-4). Outros já se haviam convertido antes do apóstolo (veja Rm 16:7), e todos esses se reuniam então naquela cidade, a capital do Império Romano, formando a assembléia ou igreja de Deus ali. A esses irmãos, pois, se dirigiu Paulo nesta carta, a fim deles se firmarem sobre os alicerces da sua santíssima fé. Quando estudamos essa epístola, podemos apreciar alguma coisa da doutrina primitiva dos irmãos que compunham a igreja de Deus em Roma naquela época, doutrina sobre a qual precisamos edificar-nos na atualidade. Que assim seja pela graça de Deus. 4
  • 5. PARTE 1 — ROMANOS 1:1 – 17 — Paulo, na sua condição de servo de Jesus Cristo, separado para pregar o evangelho de Deus, saúda os irmãos, os amados de Deus, em Roma. Depois, em poucas palavras, assegura quanto se interessava por tudo que lhes dizia respeito, manifestando ao mesmo tempo o forte desejo que tinha de os visitar, para lhes comunicar algum dom espiritual e para anunciar o evangelho àqueles que viviam na cidade, que, naquele tempo, era a grande capital do mundo. Os versículos 3 e 4 mostram que o evangelho de Deus não diz respeito a nós, mas sim ao Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor. Com respeito a Sua humanidade, Ele era da linhagem do Rei Davi, Filho de Davi, conforme as profecias antigas; com respeito a Sua divindade, foi, pela ressurreição dos mortos, demonstrado que Ele é o Filho de Deus. Paulo recebeu a sua comissão para pregar o evangelho diretamente de Jesus na glória, e o propósito do Senhor nisto era obter obediência à fé entre todas as nações. No final desse trecho que estamos considerando e que constitui um prefácio a toda a epístola, o apóstolo volta a falar no evangelho, expondo a razão, por que não se envergonhava de anunciá-lo aos poderosos romanos: A final, o evangelho é o poder de Deus para a salvação do pecador que crê nele, porque nessa salvação está manifesta a justiça de Deus, que se alcança pela fé: justiça de Deus para os homens — não justiça exigida deles, mas sim concedida a eles por Deus. Assim, logo no princípio desta importantíssima epístola, vemos aparecer com deslumbrante brilho a primorosa verdade de que “Deus é por nós”. 5
  • 6. PARTE 2 — ROMANOS 1:18 – 3:20 — Desde o capítulo 1, versículo 18 até capítulo 3, versículo 20, o apóstolo ocupa-se em mostrar o triste estado pessoal em que se encontra o homem — um estado pecaminoso, que deu ocasião, ou antes diremos, que tornou necessária a manifestação da ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos seres humanos. E esta manifestação, por sua vez, fez necessária para a nossa salvação a manifestação da justiça de Deus, i.e., justiça que vem de Deus para o bem do ser humano. Romanos 1:18 Nesse versículo vemos que a atitude de Deus para com o pecado está plenamente declarada. A ira de Deus é manifestada contra tudo o que se opõe a Deus, e duas coisas são mencionadas de maneira especial, — primeiro, a impiedade; segundo, a injustiça praticada por alguns, embora professem aparentemente a verdade. Deus não pode tolerar o pecado. Romanos 1:19 – 32 Nesses versículos podemos ver a culpa dos gentios, dos ímpios, e como se manifesta a sua impiedade. Três pontos principais nos mostram a completa ruína moral dos seres humanos: 1 — Deus tem dado aos homens, na obra da criação dos céus e da terra, um testemunho perpétuo de Si, manifestando-lhes assim o Seu eterno poder e a Sua divindade. Alguns, porém, não quiseram reconhecê-Lo, e outros, tendo conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus, nem deram graças, mas substituíram a glória do Deus incorruptível pela imagem do homem corruptível etc., pelo que Deus os entregou às concupiscências dos seus corações, à imundícia, para desonrarem o seu corpo entre si. 2 — Mudaram a verdade de Deus em mentira e honraram e serviram mais a criatura — i.e. a si próprios — do que o Criador. O resultado de assim darem à criatura a honra e o serviço que se devia prestar somente a Deus foi a ruína das suas afeições. 3 — Como não lhes pareceu bem guardarem em si o conhecimento de Deus, por isso Deus os abandonou a um sentimento perverso e depravado, e deste modo vemos arruinado pelo pecado o entendimento do homem. Reunindo esses pontos, temos o ser humano arruinado no que diz respeito … ao seu corpo (v. 24), … às suas afeições (v.26) e … ao seu entendimento (v. 28). Assim nos últimos versículos desse primeiro capítulo, achamos o ser humano sem o conhecimento de Deus, capaz de praticar qualquer mal, e 6
  • 7. completamente subjugado pelo pecado, até ao ponto de não só o praticar como também de se regozijar com o dos outros. Tendo abandonado a Deus, o homem ficou dominado pelo pecado, porém o nosso Deus manifestou o Seu desejo de nos salvar e de Se tornar conhecido por nós, em toda a Sua justiça e amor, e assim atrair para Si os nossos corações: benditas novas estas, bendito evangelho! Romanos 2:1 – 16 Aqui o apóstolo trata dos que se imaginam capazes de julgar os atos dos outros, esquecendo-se eles de que é Deus que há de julgar os segredos de todos. Deus, todavia, não Se apraz em julgar os seres humanos, mas antes procura pela Sua bondade levá-los ao arrependimento. Vemos que tanto estes homens, como também aqueles mencionados no capítulo 1, são, na verdade, indesculpáveis, porquanto tendo luz, pelo menos a luz da sua própria consciência, ocupam-se em julgar os seus semelhantes, recusando tomar o lugar que lhes compete, isto é, o lugar dos condenados, e dos arrependidos perante Deus. Deus, porém, não isenta nenhuma pessoa de Seu juízo e o Seu julgamento é segundo a verdade. Vemos aqui os justos princípios do juízo de Deus. Notemos porém, que o apóstolo não está aqui propondo os termos pelos quais se pode ganhar a vida eterna, mas está mostrando os justos princípios conforme os quais Deus há de julgar o mundo. Romanos 2:17 – 3:8 Temos agora perante nós o caso do judeu, o homem mais privilegiado de todos, porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus. Mas então será ele melhor do que os outros? De modo algum, porque, sabendo a vontade de Deus, gloriando-se nos seus privilégios, e tendo a tarefa de instruidor dos outros, ele mesmo desonrou a Deus pela transgressão da Sua Lei, e até por causa dele o nome de Deus foi blasfemado entre os gentios. O judeu teve até grandes vantagens, havendo na aparência muita diferença entre ele e o gentio, porém na questão de justificação perante Deus, não é o que se vê aparentemente, mas sim o que existe no coração que faz a diferença. Neste caso o judeu foi tão culpado como os outros, sendo condenado pela mesma Lei de que se gloriou. Romanos 3:9 – 20 Chegamos agora à conclusão de todo este testemunho, e lemos que “todos estão debaixo do pecado”. Esta conclusão, diz o apóstolo, é confirmada pelas Escrituras Sagradas do Antigo Testamento, porquanto nelas está escrito: “Não há um justo, nem um sequer”. Os versículos 10 a 18 apresentam-nos o homem, de uma maneira triste, mas verdadeira, debaixo do poder do pecado e longe de Deus, afastado dEle, tanto no seu entendimento como nas suas afeições e na sua vontade; não existe o temor de Deus no seu coração. Sim, a solene conclusão é que toda boca fica fechada e todo o mundo fica condenável e sujeito ao julgamento de Deus. 7
  • 8. Sendo assim, é evidente que nenhum homem será justificado perante Deus, pelas suas próprias obras — pelas obras da Lei — porquanto a Lei só serve para mostrar a sua culpabilidade, e condená-lo. 8
  • 9. PARTE 3 — ROMANOS 3:21 – 5:11 — Romanos 3:21 – 26 No capítulo 1, versículos 15 e 16, afirma-se que o evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, porque nele se manifesta a justiça de Deus. Em seguida, o apóstolo demonstra a necessidade que havia para a manifestação dessa justiça da parte de Deus, a nosso favor, e agora no trecho que estamos considerando volta a falar dela. Em tempos passados, Deus pela Lei exigia a justiça da parte do ser humano, porém, agora ela está no evangelho. Deus nos fornece o que Ele nunca poderia achar em nós. Manifestou-se a justiça, provida por Deus e oferecida a todos, porém somente alcançada por aqueles que nEle crêem. Mas será que esta justiça é oferecida a todos com a única e simples condição de terem fé em Jesus Cristo? Sim, é oferecida a todos sob esta única e simples condição, porque enquanto ao fato de sermos culpados, não há diferença (Rm 3:22); a culpa de todos está provada, todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, e portanto Deus justifica, ou tem por justos, todos os que crêem. Sim, sem merecimento algum da nossa parte, Deus justifica gratuitamente todo o crente “pela redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3:24). É importante notarmos que Deus nunca Se podia negar a Si próprio nem sequer em um único dos Seus atributos. Portanto, se Deus nos justifica, perdoando-nos os pecados, cabe-nos perguntar qual é a base de um tal ato. Como é que a própria justiça de Deus fica de pé, ao mesmo tempo que Ele justifica o ímpio? A resposta às nossas perguntas encontra-se na morte de nosso Senhor Jesus Cristo, ao Qual Deus propôs para propiciatório, ou lugar de encontro, onde Ele, o justo Deus, pode vir ao encontro de nós, pecadores, sem nos julgar. É ali onde nós nos podemos aproximar dEle pela fé no sangue de Seu Filho. Na morte de Jesus Cristo, da qual o Seu sangue derramado foi testemunha, recebeu Deus plena satisfação com respeito à questão do pecado, e de tal maneira foi Ele glorificado por aquela morte, que agora, neste terreno, nos convida a ir ter com Ele, a fim de experimentarmos a Sua soberana graça em nos justificar. Ao mesmo tempo, fica patenteado que Ele é justo em assim agir, visto que tudo está baseado na redenção que há em Cristo Jesus. Que grande revelação esta que se nos apresenta! Deus revelado como o Deus da Salvação! O Deus justo ocupa-Se, não em julgar, mas sim em justificar os condenados que têm fé em Jesus! Que descanso é para nós o apreciarmos a presente atitude de Deus para com os homens, isto é, a atitude de um Justificador, de um Salvador, de um Doador. 9
  • 10. Romanos 3:27 Visto que tudo recebemos somente pela graça de Deus, sem merecimento algum da nossa parte, onde está o motivo de nos gloriarmos? Sem dúvida, tal motivo não existe, visto que não alcançamos a bênção mediante as nossas obras ou merecimento — o que teria sido conforme à lei das obras —, mas alcançamo-la pela fé, isto é, segundo a lei ou princípio ou fundamento da fé, e portanto por essa mesma lei está excluído qualquer motivo para nos vangloriarmos. Romanos 3:28 Neste versículo 28 temos a conclusão do apóstolo a respeito da questão da justificação do homem perante Deus, isto é, “que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei”. Que gloriosa conclusão esta! A linguagem da Lei é “faze tu”, porém a linguagem da fé é “está feito”. Deus apresenta-nos Jesus como objeto de fé, e o Seu sangue derramado, a Sua morte consumada, como a base de toda a nossa bênção. Romanos 3:29 e 30 A Lei foi dada por Deus exclusivamente aos judeus, e por isso, se a justificação fosse alcançada pela Lei, seria esta bênção também limitada a eles. Mas Deus não é exclusivamente Deus dos judeus, e por conseqüência não se pode limitar a eles a bênção que provém dEle por fé em Jesus — ela é oferecida a todos. Romanos 3:31 O apóstolo, em vista da conclusão de que somos justificados diante de Deus pela fé (Rm 3:28), pergunta se assim anulamos a Lei pela fé? A resposta é clara: “De maneira nenhuma! Antes, estabelecemos a lei”. Se porventura um réu fosse justificado na conformidade da lei, seria isso anular a lei? De certo que não; antes seria respeitar a lei. Se porém o réu, tendo sofrido a pena de morte, ressuscitasse, a lei já nada teria com ele, porque a sua sentença já tinha sido cumprida, e ele estaria fora de seu alcance. Pois, bem, Cristo, tendo-Se identificado sobre a cruz com o pecado, morreu, satisfazendo as exigências da Lei, até ao último ponto. Em seguida Ele ressuscitou de entre os mortos e assim ficou fora do alcance da Lei. A maldição da Lei, que foi suportada por Cristo no Calvário por amor de nós, não pode mais cair sobre Ele, pois agora está na esfera da ressurreição, fora do seu alcance. O crente, porém, pode dizer: Sou eu um dos pecadores por quem Cristo morreu, por quem Ele suportou a maldição, e por isso nada pode a maldição ou a Lei contra mim; em Cristo estou ressuscitado e Deus já recebeu toda a satisfação que podia exigir a meu respeito. Assim, ao mesmo tempo que o homem é justificado pela fé, fica a Lei estabelecida e respeitada. Romanos 4:1 – 8 10
  • 11. Como vemos no fim do capítulo 3, está já consumada a obra sobre a qual se baseia a justificação do crente, e fica preparado o terreno onde o nosso Deus nos pode encontrar para nos justificar e abençoar. Mas muitos há que não têm ocupado este lugar pela fé nem têm até hoje achado a bênção, sendo todo o seu desejo saber como podem encontrar esta bênção e como podem possuí-la. É a tais desejos que o capítulo 4 responde. Nos versículos 1 a 8 o apóstolo chama a nossa atenção para dois homens, dos mais salientes no Antigo Testamento, para exemplificar por meio deles o assunto da nossa justificação diante de Deus — são esses Abraão e Davi. Abraão viveu antes de Deus ter dado a Sua Lei a Moisés. Davi, por sua vez, nasceu depois disso. Todavia, Deus a ambos justificou. Pensemos um pouco no caso de Abraão, que foi um homem tão notável pela sua obediência e piedade e que evidentemente achou e possuiu a bênção. Perguntamos: Foi Abraão justificado pelas suas obras? Tem ele de que se gloriar? O que respondem as Escrituras? Quanto à primeira pergunta lemos no versículo 3: “Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça”. Quanto a segunda pergunta temos uma resposta clara no versículo 2: “não diante de Deus”. Nem poderia ser de outra maneira, porque se a justificação fosse resultado das suas obras, então ela seria um galardão recebido como prêmio merecido e não “gratuitamente pela graça de Deus”, conforme está escrito (compare Rm 3:24). Louvado seja Deus, Ele está manifestado no caráter dAquele que justifica o ímpio, e confiando nEle como tal, Ele, por causa disso, nos considera justos. Assim Davi exclamou: “Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado”. Continuemos a indagar como se consegue este bem. Romanos 4:9 – 16 Sabemos pelas Escrituras do Antigo Testamento como Deus escolheu um povo especial, santificando-o, isto é, separando-o para Si, dando-lhe certos privilégios e sinais exteriores que mostraram essa separação das outras nações: Porventura alcançou Abraão a bênção por pertencer a esses, ou ainda por ter recebido no seu corpo o sinal da circuncisão? De certo que não! Muito pelo contrário as Escrituras dizem que ele creu na palavra de Deus, e a sua fé foi-lhe imputada como justiça, e depois é que recebeu o sinal da circuncisão — sendo esse um rito que Deus ordenou aos judeus — como selo da justiça da fé. Deve-se notar que o selo segue e não precede a recepção da justiça. Se seguirmos o caminho da fé de Abraão, não podemos deixar de alcançar a mesma bênção que ele alcançou. Vejamos agora 3 pontos de muito interesse mencionados neste trecho de que estamos tratando: 1 — a justiça da fé. 2 — o selo — circuncisão — sinal da separação para Deus. 3 — a herança. Nós crentes também podemos apreciar esses prontos, porque: 11
  • 12. 1 — somos justificados pela fé. 2 — somos selados com o Espírito Santo, o poder da verdadeira separação para Deus 3 — temos uma herança (veja também Cl 1:12). Mas haverá quem diga: “Eu ainda não vejo como posso dizer que tenho estas bênçãos; porventura não haverá assim alguma coisa no caso de Abraão que me possa ajudar nesse ponto? Sim, de certo há o que, como a bênção de Deus, nos pode conduzir à perfeita luz. Romanos 4:17 – 25 Examinemos um pouco o versículo 17. O que devemos especialmente notar aqui é o caráter em que Deus se manifesta. Lemos: “Deus, o qual vivifica os mortos e chama as coisas que não são como se já fossem”. Abraão não creu somente em Deus como Criador, mas também nEle revelado no caráter do Deus da ressurreição. Abraão bem podia apreciar quanta, e quão grande, era a fraqueza do ser humano, e como pelo pecado entraram neste mundo a fraqueza, a tristeza e a morte, demonstrando esta última, mais do que qualquer outra coisa, essa fraqueza absoluta do ser humano. Mas Abraão percebeu que nem mesmo a morte podia impedir os propósitos de Deus; que Ele podia entrar no lugar da maior fraqueza do ser humano, e demonstrar o Seu poder vivificando os mortos. E assim, apreciando a grandeza e glória do Deus da ressurreição, ele bem sabia que nada havia que pudesse impedir a realização e o triunfo dos propósitos de Deus. Abraão, pondo-se, por assim dizer, ao lado de Deus, podia contar com as coisas que não são como se já fossem. Está escrito que, crendo na palavra de Deus, essa crença lhe foi imputada como justiça. E não só para ele isso foi escrito, mas também para nós a quem será imputada a justiça se crermos “naquele que dos mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor” (Rm 4:24). Sim, também para nós — para nós que cremos. E o Deus em Quem cremos, é o Deus que ressuscitou a Jesus, Aquele que Se manifestou em amor e em poder como um Deus Salvador. Jesus foi crucificado pelos nossos pecados, pelas nossas ofensas; tinha, como Redentor, entrado no lugar do julgamento e da morte, e toda a força da ira de Deus contra o pecado caiu sobre Ele; suportou de um modo glorioso e perfeito todas as exigências da justiça e da santidade divina, liquidando de uma vez para sempre a questão do pecado, perante Deus; e tendo consumado tudo, e estando já morto — como testificou o Seu sangue derramado — foi sepultado. Porém Deus O ressuscitou! Gloriosa prova esta, da Sua absoluta satisfação na obra consumada, e também do Seu perfeito agrado na Pessoa que a fez. Assim pelo Seu grande poder Deus ressuscitou a Jesus, e O ressuscitou para a nossa justificação. Benditas novas! Poderá o leitor ainda ter algumas dúvidas? Nesse caso procuremos aprender mais um pouco pelo procedimento de Abraão. 12
  • 13. Romanos 4:18 – 20 Como vimos no capítulo 1, e muitas vezes o vemos na prática, o homem pretende ocupar o lugar que pertence única e verdadeiramente a Deus. Essa disposição é tão forte em nossos corações, que muitas vezes nos custa desviar os olhos de nós mesmos para os fitarmos no nosso Deus e Salvador. O pecado, a ruína, a fraqueza e a morte, acompanham o ser humano, enquanto que a justiça,a perfeição, o poder e a vida derivam de Deus. Convém, então, que sigamos os passos de Abraão a esse respeito. Ele não atentou para si, e não duvidou de Deus. Portanto, querido leitor, deixemos de nos ocupar de nós mesmos, a não ser para confessarmos os nossos pecados e a nossa ruína, e voltemos os olhos para Deus e para Aquele que por Ele foi elevado para a Sua glória, e está assentado nela. E, então, enquanto a luz da glória do Cristo brilha em nossas almas, entraremos naquele descanso divino que nunca terá fim, sabendo que somos justificados não somente perante Deus, mas também por Deus. Romanos 5:1 “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo.” Sim, temos a paz; uma paz plena, perfeita e divina. Os nossos corações que outrora tremiam com medo “da ira de Deus”, estão agora tranqüilos, vendo Jesus, que para nos remir passou debaixo das águas do temporal da ira e da morte, atualmente colocado por Deus acima de tudo na Sua glória e no Seu favor, e sabendo que aos Seus olhos, nós, os que em Jesus cremos, estamos tão livres de todo o julgamento, como o nosso Substituto é glorioso. O perfeito caráter da nossa justificação está patente na pessoa de Jesus ressuscitado e glorificado. Romanos 5:2 Agora, visto que, na pessoa de Jesus, os nossos pecados têm sido julgados, e que a paz reina em ossos corações, podemos livremente e com gozo contemplar e experimentar a graça ilimitada do nosso Deus e Salvador. Na verdade é belo e enorme o quinhão que desfrutamos por meio de Jesus Cristo. Não somente estamos libertos de culpa, mas também temos aceitação positiva da parte de Deus. Ele nos coloca perante Si na Sua graça ou favor, no qual estamos firmes. Sim estamos firmes neste favor; está é a nossa posição perante Deus, que nada e ninguém pode alterar, porque é ela a posição que a Deus aprouve conceder-nos. O favor de que Jesus goza é o mesmo que nós temos também o privilégio de gozar, e é por Ele que temos entrada neste favor. Deus permita que não somente saibamos que esta é a nossa posição e privilégio, mas que também pela fé vamos entrando no gozo desse favor, aprendendo cada vez mais a respeito do lugar que o Salvador ressuscitado ocupa atualmente, porque é pela apreciação da Sua posição que nós crentes aprendemos os pensamentos de Deus a nosso respeito. Se experimentarmos já tanto gozo, quando estamos apenas principiando a desfrutar a graça divina, o que será quando todos os propósitos do amor de Deus a nosso respeito se acharem realizados? 13
  • 14. Se lançarmos um olhar para trás, nada há que nos perturba, e exclamamos: “Paz!” O momento atual é caracterizado pelo gozo do “favor divino”, e o futuro para nós não tem senão “glória”. Paz! Favor! A glória de Deus! Que quinhão para o presente — que perspectiva para o futuro! Mas naquele gloriosos futuro, qual será a fonte principal da nossa alegria? Não será o conhecimento e gozo perfeito do amor de Deus? Sim, sem dúvida assim será, porém, esta não é uma fonte cujas delícias estão reservadas para os tempos futuros, mas assim uma da qual podemos beber desde já. Se tivermos apreciado as verdades já expostas com referência à morte a à ressurreição de Jesus como base justa para o cumprimento e edificação dos propósitos de Deus, e se tivermos visto, em Jesus ressuscitado e assentado como Homem na glória e favor de Deus, a realização destes propósitos, os nossos corações ficarão sem dúvida muito impressionados com a justiça e o amor de Deus, e assim será sólida a nossa paz e grande a satisfação dos nossos corações, porque o próprio Espírito de Deus derrama neles o amor divino. Romanos 5:3 – 5 Uma vez que a questão do pecado já está resolvida conforme as exigências da justiça divina, o santo amor de Deus está livre para se manifestar na bênção dos Seus escolhidos. E assim acontece, que, tendo conhecido a Deus como o Deus de todo poder, e estando agora certos também do Seu amor, caminhamos no mundo como conhecidos e amados de Deus. O gozo do Seu amor transforma para nós o caráter de tudo, de maneira que, se Ele nos deixar passar por tribulações, não havemos de desesperar, porque, ainda que a Sua mão nos pareça pesada, conhecemos o amor que faz mover a mão, e assim confiados neste amor gloriamos-nos nas tribulações, e por meio delas possuímos a paciência. No exercício da paciência achamo-nos conduzidos pelo caminho da experiência — experiência dAquele, Cujo amor conhecemos, experiência de Deus. Por sua vez esta experiência produz a esperança — esperança em Deus — , que não pode acabar em confusão, porque em tudo nos firmamos no amor de Deus. Que descanso para o coração! Perfeito poder e perfeito amor! Quantas vezes se vê entre os homens o desejo de fazer um favor a outro, mas faltar o poder, ou vice-versa: haver o poder, mas faltar o desejo. Em Deus, porém, existem ambas as coisas. Romanos 5:5 – 9 Nestes versículos vemos claramente que nada de bom havia em nós para que Deus nos amasse. Porém, Deus é amor, e na Sua infinita sabedoria, por meio da morte nos recomendou o Seu amor, sendo nós ainda “fracos” e “ímpios” (veja Rm 5:6), “pecadores” (Rm 5:8) e “inimigos” (Rm 5:10). Na morte de Cristo vemos satisfeitas inteiramente as exigências do trono de Deus e ao mesmo tempo manifestada toda a grandeza do amor do coração de Deus. 14
  • 15. Romanos 5:10 e 11 Bem podemos dar graças a Deus pela morte do Seu Filho, porque é pelo amor nela manifestado que Ele desfez de uma vez para sempre a nossa inimizade, e nos introduziu no lugar de favor que pela fé ocupamos. Porém, se pela Sua morte temos alcançado tanta bênção, qual não será a bênção que nos fará experimentar a Sua vida atual? Agora nós que somos amados por Deus, e que O amamos a Ele, temos um Salvador vivo, Jesus Cristo, o Filho de Deus, para nos conduzir e guiar até ao momento de entrarmos naquela glória que com tanto gozo esperamos. E não somente isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo. Feliz o coração que se gloria em Deus, gloriando-se, não nas bênçãos, por mais ricas que sejam, mas sim gloriando-se no Abençoador, gloriando-se em Deus manifestado em Cristo, manifestado em sabedoria, justiça, poder e amor. A alma do crente espera tudo de Deus, e tudo acha em Deus: Deus é tudo para ela. E ainda mais, estamos aptos para nos gloriarmos nEle, sabendo que estamos perante Ele segundo o Seu agrado, aceitos em Seu Filho, por Quem temos alcançado a reconciliação. Lemos a esse respeito: “…agora, contudo, vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para, perante ele, vos apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis” (Cl 1:21-22). Já se vê, seria impossível gloriarmo-nos em Deus sem apreciarmos, até certo ponto, o que é termos alcançado a reconciliação por nosso Senhor Jesus Cristo, ou por outra, sem apreciarmos que por Cristo, e em Cristo, estamos perante Deus conforme o Seu agrado. Deus terá, por fim, o Seu povo perante Si em conformidade com tudo o que Ele é, para o Seu prazer e agrado; já vemos um exemplo disso em Cristo glorificado como Homem na Sua presença. Que nós, no gozo desta reconciliação em Cristo, nos gloriemos em Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! 15
  • 16. PARTE 4 — ROMANOS 5:12 – 8:39 — Romanos 5:12 – 21 O apóstolo aqui começa a falar da bênção cristã sob um outro ponto de vista. Até aqui tem tratado da questão dos pecados cometidos pelos homens e tem mostrado como aquele que crê em Cristo é justificado deles e colocado no favor divino com a certeza de ter parte na glória futura. Agora, todavia, começa a falar sobre a natureza pecaminosa que nós temos como descendentes de Adão, e desenvolve um pouco a verdade da reconciliação mencionada no versículo 11. Um ponto de grande importância neste trecho é que nele os nossos olhos são dirigidos para Cristo — não só para aquilo que Ele tem feito a nosso favor, mas também para a Sua pessoa. Assim os nossos corações são atraídos mais para Ele, e, à medida que O vamos apreciando, o nosso amor por Ele aumenta. Romanos 5:12, 18 e 19 Nesses versículos o apóstolo apresenta-nos três contrastes: 1 — Duas pessoas: Adão e Cristo. 2 — Dois atos: o de Adão, um ato do pecado; o de Cristo: um ato de justiça. 3 — Dois resultados desses respectivos atos: a morte e a vida. Vemos que o resultado do ato de Adão alcançou em todo o tempo os que estão identificados com ele, e da mesma maneira o resultado do ato de Cristo alcança todos os que com Ele estão identificados. Adão como cabeça da raça humana caiu pelo pecado, e na sua queda levou-a toda consigo. Foi pela desobediência de um homem que todos os outros foram feitos pecadores, e não pelos seus próprios pecados. Todos têm pecado, cada um tem os seus próprios pecados, mas aqui não se trata desse fato, mas antes do estado de pecados de que todos participam igualmente, como disse Davi: “em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5). Assim fica confirmado o estado verdadeiro do ser humano como parece aos olhos de Deus. Em conseqüência do pecado de Adão, a sua vida e a vida de todos que estão identificados com ele, tornou-se uma vida condenada — a morte passou por todos. Essa vida não pode consistir diante de Deus. Agora, porém, se manifestou a grandeza da misericórdia e do amor de Deus. O Filho de Deus, tornando-Se homem, carregou o peso da condenação do primeiro homem, e pela Sua morte — aquele ato supremo de amor e da justiça — estabeleceu a justiça divina e abriu o caminho pelo qual Deus, tendo ressuscitado Jesus, pode nEle, e por meio dEle, abençoar a todos os que nEle crêem, dando-lhes vida nEle. Assim, Cristo em ressurreição tornou-Se em fonte de nova vida, e o crente que a possui fica inteiramente justificado de toda a questão ou imputação do pecado. Em Cristo alcançamos a justificação de vida. 16
  • 17. Todos que estão relacionados com Adão são constituídos ou feitos pecadores; todos os que estão identificados com Cristo são constituídos justos. Romanos 5:13 – 17 Esses versículos formam um parêntesis em que o apóstolo desenvolve o assunto. Principia por demonstrar que a morte não é somente o resultado da desobediência do homem a um mandamento explícito, a uma lei, mas que é resultado necessário da presença do pecado, ainda que não houvesse a transgressão de uma lei. Isto é provas do pelo fato da morte ter reinado desde Adão a Moisés, durante o período em que Deus não deu aos seres humanos lei alguma (veja Gn 2 a Êx 20). Concluímos então que todos que pertencem à raça de Adão estão, por natureza, debaixo da condenação e do poder da morte, independentemente da questão dos atos praticados por cada indivíduo. Podemos referir-nos aqui ao caso de Enoque (veja Gn 5:24); ele não morreu, foi uma exceção à regra; porém, lemos em Hebreus 11:5 que foi pela fé que Enoque foi arrebatado, e isto confirma o argumento do apóstolo, quer dizer, que é só pela fé que se pode alcançar a libertação. No versículo 14 lemos que Adão é “figura daquele que havia de vir” e assim, graças a Deus, podemos virar-nos de Adão para contemplarmos a Cristo como a nossa Cabeça. Voltamo-nos do primeiro Adão descobrindo que temos parte nAquele que é chamado “o último Adão”; voltamo-nos do primeiro homem em toda a sua ruína para contemplarmos o Segundo Homem, Jesus Cristo, em toda a Sua perfeição. Tudo ficou perdido em Adão, e agora para os crentes tudo é assegurado em cristo. Com alegres corações podemos, portanto, contemplar Aquele que é agora a nossa Cabeça — não Adão, mas Cristo. Que grande graça é a graça divina que assim nos identifica com Cristo, e nEle nos dá vida, uma vida nova, à qual o pecado não se pode ligar! Romanos 5:20 e 21 Vemos aqui a razão por que Deus deu aos homens a Sua Lei. Ninguém podia se justificar por ela diante de Deus, mas foi dada afim de manifestar o terrível caráter do pecado. A Lei não foi a causa do pecado abundar, disto já havia muito, mas por meio dela o pecado tornou-se em transgressão, e a sua força ficou aprovada. Graças a Deus, porém, que onde o pecado abundou, superabundou a graça. Do nosso lado, só pecado; do lado de Deus, só graça divina — sim, graça superabundante! A morte é, em nós, o resultado de sermos filhos de Adão, nascidos em pecado; a vida eterna é o resultado da livre operação da graça divina que nos alcançou, de uma maneira absolutamente justa, por Jesus Cristo, nosso Senhor, porque agora a graça reina pela justiça, por meio dEle. Se no atual estado das coisas fosse a justiça que reinasse, seria para condenação de todos; mas agora a graça reina pela justiça, por Jesus Cristo, e o resultado para aquele que crê, é a vida. Bem podemos levantar os nossos corações em adoração a Deus ao contemplarmos Cristo em toda a Sua glória, posto por Deus para Cabeça de todos. 17
  • 18. Oh!, que alegria apreciarmos que, diante de Deus, estamos identificados com Cristo; assim exclamamos: Não Adão, mas Cristo! Mais um passo e exclamamos: Não eu, mas Cristo! A alma aprende a apreciar Cristo mais do que tudo e mais do que a si mesma. Romanos 6:1 – 5 O apóstolo agora contradiz a idéia de que o conhecimento e gozo da soberana graça de Deus possam ser acompanhados pelo desejo de ser permanecer na prática do pecado. Muitas vezes, ouvindo a bendita verdade contida nas palavras “pela graça sois salvos, por meio da fé” (Ef 2:8), diz-se que um tal ensino levará quem o receber a ser pouco cuidadoso na sua vida cristã e que produzirá maus resultados. Quão diferente, porém, é o pensamento de Deus manifestado nestes versículos. Se, tendo crido em Cristo, estamos hoje identificados com Ele, em vida nova, é um resultado de termos sido identificados com Ele na Sua morte. Aos olhos de Deus foi posto termo, pela morte de Cristo, a tudo quanto éramos como filhos de Adão, isto é, à nossa antiga condição como pertencendo à raça condenada de Adão; e é sobre este terreno que entramos no gozo da nossa vida em Cristo. Claro é então, que, se reconhecermos que por meio da morte de Cristo estamos mortos quanto ao pecado, não podemos pensar em viver mais nele; tal proceder seria o mesmo que negar o que professamos. O apóstolo em seguida confirma este pensamento, chamando a nossa atenção para o significado do nosso batismo. Se temos sido batizados no nome do Senhor Jesus, temos sido por esse meio identificados, quanto à nossa posição neste mundo, com a morte de Cristo — batizados na Sua morte. “Não sabeis isso?” pergunta o apóstolo. Convém perguntarmos a nós próprios se temos apreciado esta verdade, e correspondido a ela na nossa vida prática. É por meio da morte, a morte de Cristo e a nossa morte nEle, que alcançamos a vida, e não podemos continuar a viver naquela vida que foi condenada na cruz de Cristo; a fé reconhece que aquela vida antiga acabou judicialmente na morte de Cristo. Agora, identificados com o Cristo ressurreto, devemos andar em novidade de vida. Romanos 6:6 – 8 Este versículo 6 começa com as palavras “sabendo isto” etc. Porventura, temos nós apreciado o que se segue a essas palavras? Podemos nós dizer que sabemos? E qual é a verdade indicada? Leiamos: “o nosso velho homem foi com ele crucificado”. A expressão “o nosso velho homem” descreve a nossa condição como identificados com o primeiro Adão, tendo uma vida condenada por motivo do pecado. Isto, graças a Deus, foi aos Seus olhos condenado e finado na morte de Jesus, a fim de que o pecado não mais tivesse domínio sobre os nossos corpos e que não o servíssemos mais. 18
  • 19. Se temos apreciado o verdadeiro caráter do “nosso homem velho” como sendo em tudo o contraste daquilo que Deus é, e por isso odioso a Deus, será com grande alívio que veremos a maneira como Ele o julgou na morte de Cristo. O que vemos nestes versículos não é que o “nosso homem velho” fica remendado ou melhorado, mas, sim, que para Deus ele acabou na cruz, para dar lugar àquilo que é novo em Cristo. A nota tônica, por assim dizer, desse capítulo é a revelação do privilégio que pertence ao crente de se identificar na sua fé e nos seus pensamentos com Cristo. Se temos apreciado a verdade da nossa identificação com Cristo na Sua morte, podemos regozijar-nos pela nossa identificação atual com Ele — vivemos nEle diante de Deus, e podemos andar na certeza de que estaremos, mais tarde, identificados com Ele na glória da ressurreição. Romanos 6:9 – 13 Diremos aqui que não podemos aprender as verdades que estamos considerando, sem que cheguemos a apreciar Cristo na Sua atual condição e posição, porque como lemos “a verdade está em Jesus” (Ef 4:21); nEle vemos a verdade exemplificada. O que Deus no Seu amor propõe para nós, vê-se já realizado em Cristo na sua condição de Homem na glória celeste. O versículo 9, assim como o versículo 6, começa com a palavra “sabendo”. É claro que as verdades de que o apóstolo aqui fala devem ser conhecidas por todos nós, os verdadeiros salvos. Prestemos-lhes, portanto, toda a atenção. De que falam então esses versículos? Do triunfo de Cristo! A morte não mais tem domínio sobre Ele! Mas leiamos para diante: “Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus”. O nosso bendito Senhor Jesus foi feito pecado por nós sobre a cruz do Calvário (veja 2 Co 5:21), e ali morreu e saiu da condição e da posição em que, por amor de nós, Se achou identificado com o pecado — de uma vez morreu para o pecado, para nunca mais tornar a tocar nele. E agora? Agora Ele vive como homem glorioso no céu, e vive para Deus. Deus acha nEle ali o Seu perfeito agrado. Vemos, assim, manifestado nEle o propósito de Deus a nosso respeito. Como os nossos corações se comovem de amor, e de santo e ardente desejo ao meditarem nestas palavras — “mortos para o pecado” — “vivos para Deus”. Conhecendo o amor de Deus, anelamos por corresponder à Sua vontade a nosso respeito; queremos que Ele ache agrado na nossa vida aqui: desejamos dar-Lhe aquilo que Lhe apraz. Constrangidos por tais desejos, reconhecendo quantas vezes falhamos nisto, é um verdadeiro gozo para nós vermos que há ao menos Um, Jesus Cristo, que vivendo na glória celeste corresponde em tudo à divina vontade. Como isto atrai o coração do crente ainda mais para Cristo, e nos ensina a achar deleite nAquele em Quem Deus Se deleita, fazendo crescer em nós o desejo de correspondermos aqui àquilo que Ele é ali! Mas isto será possível? Leiamos o versículo seguinte, e leiamo-lo com atenção: “Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado; mas, vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Temos o privilégio não só de contemplarmos Cristo na glória celeste, mas também do saber que estamos identificados com Ele. Morreu Ele para o pecado?! Sim, e assim temos o privilégio de nos considerarmos como tendo sido mortos com Ele. Vive Ele para Deus?! 19
  • 20. Certamente, e por isso somos vivos para Deus, nEle. Quanto ao pecado — mortos; quanto a Deus — vivos em Cristo. Não é que o pecado esteja morto, mas nós temos de considerar que pela morte de Jesus morremos quanto ao pecado. Por isso recusemos continuar a ser dominados por ele. Se nos tenta, e se, por assim dizer, quer andar na nossa companhia, viremos-lhe as costas, considerando-nos mortos para ele. Por outro lado, reconhecemos que doravante estamos no mundo para fazermos a vontade de Deus, e, enquanto esperamos o dia em que havemos de ter corpos gloriosos, reconhecemos que os nossos corpos atuais devem ser apresentados a Deus a fim de que neles se realize a Sua vontade aqui no mundo. Lemos: “Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça”. Bendito privilégio este! Porém, é só como libertados da condenação e domínio do pecado, como vivos em Cristo, vivos dentre os mortos, que podemos apresentar-nos a Deus. Vendo assim o privilégio que nos pertence, não deixemos de o experimentar para o nosso gozo e para a glória de Deus. Romanos 6:14 – 23 O privilégio de não sermos mais dominados pelo pecado nos é assegurado pela graça divina; não é a Lei, mas sim o conhecimento da graça de Deus, que nos liberta e nos mantém na liberdade. Já não estamos debaixo da Lei, porque a graça de Deus nos tem feito ocupar um novo lugar, como identificados com Cristo em ressurreição, onde a Lei não domina. “O pecado não terá mais domínio sobre vós”. Bendita nova! Essa liberdade, contudo, não dá ocasião a andarmos no pecado, porque, é claro, estando libertados do domínio do pecado não havemos de continuar a servi-lo. Já somos servos da justiça; temos, por assim dizer, mudado de senhores. A liberdade cristã não nos permite andar no pecado, não nos dá licença para pecar, mas, pelo contrário, é uma liberdade para servirmos a Deus. O antigo serviço debaixo do domínio do pecado não deu resultado algum proveitoso, e no fim havia a morte; agora libertados do pecado, o nosso gozo é servirmos a justiça, e isto resulta em santificação no presente, e no fim haverá a vida eterna — vida eterna gozada não como resultado das nossas obras, mas como resultado da operação da graça divina — como dom gratuito de Deus. Romanos 7:1 – 6 Tendo o apóstolo já considerado e demonstrado a maneira pela qual estamos justificados diante de Deus, de como temos vida em Cristo ressuscitado e estamos libertos do domínio do pecado na nossa vida prática, trata agora nestes versículos de nos mostrar o efeito de tudo isto em relação à questão da autoridade e domínio da Lei. Numa palavra, podemos dizer que, por meio da morte de Cristo e da nossa associação com Ele ressuscitado, estamos fora do alcance do domínio da Lei. Para tornar a questão mais simples o apóstolo faz uma comparação fácil de compreendermos. Cita o caso da mulher com o marido. Enquanto o marido viver, a mulher está ligada e ele pela lei, porém, é claro que morrendo o marido, fica ela livre da lei do marido. Outrossim reconhecemos que dois não podem ter domínio sobre ela ao mesmo tempo; mas se o marido morrer está livre para ser de outro. 20
  • 21. A lição que tiramos desta comparação é que a Lei tem domínio sobre uma pessoa enquanto viver, mas, sobrevindo a morte, essa pessoa fica fora do seu alcance. E de mais, uma pessoa não pode, ao mesmo tempo, estar debaixo do domínio da Lei e também de Cristo: tem de ser de um ou de outro; dos dois não pode ser. Qual é pois a nossa posição atual como cristãos? Estávamos outrora “na carne”, isto é quanto à vida em que, como responsáveis vivíamos diante de Deus, estávamos identificados com o pecado e a ruína de Adão; e é sobre pessoas neste estado ou condição que a lei tem domínio. Sobreveio, porém, a morte — a morte de Cristo — e por esta morte, com que somos identificados, acabou, aos olhos de Deus, a nossa condição como identificados com Adão e saímos dela para sermos identificados em vida com Cristo. Servindo-nos da comparação acima citada podemos dizer que a nossa conexão com o primeiro marido — a Lei — acabou. Não que ela morresse, a Lei fica sempre de pé, mas somos nós, os que temos parte na morte de Cristo, que temos saído fora daquele estado em que a Lei podia ter domínio sobre nós. Não estamos mais “na carne”; assim lemos: “Meus irmãos, também vós estais mortos para a Lei pelo corpo de Cristo”. Mas se não estamos mais sob o domínio da Lei, estamos sob o domínio de Cristo. O primeiro marido disse-nos aquilo que devíamos fazer sem contudo nos habilitar ou dar forças para isso; não produzíamos nesse tempo senão pecado — “fruto para morte” (Rm 7:5). Mas agora, na nova posição em que estamos colocados, e no novo parentesco que temos como identificados com um Cristo ressurreto, e debaixo do Seu domínio, podemos produzir fruto para Deus. Qual é, pois, o pensamento de Deus a nosso respeito em tudo isso? É que, gozando nós agora a liberdade em Cristo e estando identificados com Ele e debaixo do Seu domínio, O serviremos “em novidade de espírito, e não na velhice da letra” (Rm 7:6); isto é, o nosso serviço prestado a Deus não deve continuar a ser o resultado de estarmos constrangidos pelas ameaças da Lei, mas, sim, o de estarmos associados, em santa e alegre liberdade, com Cristo agora ressuscitado. Romanos 7:7 – 15 Tendo exposto claramente a doutrina a respeito da posição cristã com respeito ao domínio da Lei, o apóstolo considera agora algumas dificuldades que se podem formar na mente de qualquer pessoa. Por exemplo, se o crente é pela morte de Cristo libertado do domínio do pecado, como já sabemos, quer isto porventura dizer que a Lei é pecado, que é uma coisa má? De maneira alguma. Foi na verdade, por meio da Lei que cheguei a perceber o caráter pecaminoso da minha natureza; mostrou-me ela que não somente os meus atos, mas também os meus desejos eram pecado. Quando eu não sentia a força da Lei, a existência do pecado na minha natureza passou desapercebida para mim — “sem a lei, estava morto o pecado” (Rm 7:8); porém desde que vi como a Lei condena e proíbe até o desejo de praticar o pecado, descobri que tenho uma natureza que ama o pecado. Foi mesmo a proibição do desejo que manifestou a existência dessa natureza. O pecado — que é considerado aqui como um inimigo que ataca o crente — servindo-se da proibição da Lei, despertou a vontade própria da minha natureza pecaminosa, que está sempre pronta a resistir a esta e assim me colocou na minha consciência, debaixo da condenação da Lei, debaixo da morte. 21
  • 22. “E eu, em algum tempo, vivia sem lei” (Rm 7:9); isto é, com respeito a minha consciência, vivia — imaginava que tinha direito à vida, não sentindo que tinha uma natureza pecaminosa que estava debaixo da condenação da morte. Porém, “vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri”.; isto é, o conhecimento da Lei me fez sentir a força e a existência do pecado em mim, e fiquei assim condenado na minha consciência, estremeci debaixo da condenação da Lei, vi que tinha sobre mim a sentença da morte. Desta maneira, como lemos no versículo 10, a Lei, que em si é boa e justa e que era para a vida, tornou-se para mim — devido à presença do pecado em mim — em Lei para morte. A Lei disse: “O homem que fizer estas coisas viverá por elas” (Rm 10:5). Ela foi dada para a vida, porém logo percebi que não podia satisfazer as suas exigências. Cumpri-la, para assim alcançar a vida, me era impossível: tinha descoberto a presença do pecado em mim, e assim, a Lei apenas me condenava; no meu caso vi que “era para a morte”. Claramente a Lei então é santa, justa e boa, visto que condena absolutamente o pecado, quer no desejo, quer no ato de o praticar. Porém, tendo a vontade própria da minha natureza sido despertada em oposição ao mandamento, senti-me colocado debaixo da sua justa condenação; quanto à apreciação da minha consciência, posso dizer: “o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou e, por ele, me matou” (Rm 7:11). Ora, tudo isso levanta outra dificuldade. Porventura será esta Lei tão boa e santa, a causadora da minha morte? Não, de modo algum. O causador disso não é a Lei, mas antes o pecado. Tal é o caráter pecaminoso da minha natureza, que a vinda da Lei, perfeita como é em si, não podia senão condenar-me. Assim, sei que a Lei é espiritual, mas, em mim — ah!, em mim — está o mal; “sou carnal, vendido sob o pecado” (Rm 7:14). Pela Lei tenho descoberto em mim uma natureza que se revolta contra ela, e que ama o pecado. E o que é ainda pior, quando desejo fazer o bem não o posso fazer, e aquilo que faço não o aprovo. Romanos 7:16 – 26 “E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa” (Rm 7:16). Isto é um ponto importante, porque na minha mente ponho-me do lado da Lei, condenando as minhas ações, mas não só isso: pois até reconheço que praticando tais atos condenáveis, estes procedem não de mim próprio, mas do pecado que habita em mim (veja Rm 7:17). Que idéia tudo isto me dá da “carne”, daquilo que sou por natureza! Uma coisa é reconhecer que tenho feito mal, e outra, que não posso fazer o bem —, chegar a saber que “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7:18). É custoso reconhecer esse triste fato, contudo é assim que sou levado a distinguir entre aquilo que eu próprio sou, como sendo nascido de Deus, e o pecado que habita em mim. Não posso em tais circunstâncias deixar de dizer que “eu faço o que não quero”, porém, analisando tudo isso, vejo, com efeito, que “já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim”. Reconheço que há em mim alguma coisa que é de Deus, que ama e aprova a Sua Lei, e agora identifico-me com isso, com o homem interior”; contudo acho-me sem o poder de pôr em prática o bem que desejo, e ainda mais, percebo presente em mim o pecado que me estorva sempre. 22
  • 23. O meu grande desejo é viver para Deus — ser alguma coisa para Deus. Porém, vejo que de um lado estou absolutamente sem poder, e do outro, pela operação do pecado mim, que estou sob a sentença de morte. O novo “eu” anela por estar livre para servir a Deus, mas não me posso livrar do velho “eu”, que está ligado ao pecado e, portanto, debaixo da sentença de morte. “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7:24). Absolutamente incapaz de me libertar a mim mesmo, olho ao meu redor e clamo: “Quem, quem me livrará?” E quem pode fazê-lo senão Deus?! Sim, agora vejo que Deus já efetuou a minha salvação, e aprecio, por fim, a verdade a respeito da morte e ressurreição de Cristo, e da minha identificação com Ele. “Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 7:25). Notemos que a experiência descrita no fim desse capítulo 7 não é propriamente “experiência cristã”, apesar de ser a experiência de muitos cristãos. É a experiência de quem está nascido de novo, e que por isso tem novos desejos e sentimentos, mas que não tem pleno conhecimento da verdade do evangelho nem do dom do Espírito Santo. Enfim, trata-se de uma pessoa que, quanto à sua consciência, tem ainda diante de Deus a responsabilidade de um homem na carne e por isso se acha debaixo do domínio da Lei. De modo algum Paulo está aqui descrevendo a sua experiência como cristão, isto é, a sua experiência na ocasião de escrever essa epístola; mas como quem tivesse saído do lodo e estivesse em terra firme, descreve a agonia espiritual de quem ainda lá se encontrasse. “Para o mim o viver é Cristo!” É essa a linguagem da verdadeira experiência cristã (veja Fp 1:21).; assim como também as palavras: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Fp 4:13). Romanos 8:1 – 4 Este capítulo abre com uma nota verdadeiramente triunfante: “Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”1. E quem haverá que, ao ler esses versículos, possa deixar de ficar deveras impressionado com a diferença entre as palavras do capítulo 7, versículo 24 (“Miserável homem que eu sou! Quem me livrará?”) e as do versículo 2 deste capítulo: “A Lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou”. Louvado seja Deus! Achamo-nos aqui na presença de um triunfo maior do que qualquer que se possa ler na história humana — o triunfo de Deus; de Deus que coloca os Seus remidos diante de Si livres de toda a condenação, e livres também do domínio do pecado e da morte. Aqui podemos citar algumas palavras da epístola aos Efésios: “Mas vós não aprendestes assim a Cristo, se é que o tendes ouvido e nele fostes ensinados, como está a verdade em Jesus” (Ef 4:20-21). Notemos bem as últimas palavras acima citadas, que são — “a verdade está em Jesus”. Estas palavras encerram um princípio de grande importância para nós na compreensão do pensamento de Deus a nosso respeito. Toda a verdade a respeito do propósito de Deus para com os crentes de hoje se manifesta na pessoa de Jesus — na Sua morte, ressurreição e glória. Portanto, quanto melhor 1 As palavras “que não andam segundo a carne, mas segundo o espírito” em alguns manuscritos não constam. Teologicamente não cabem aqui, como se existisse alguma condição à salvação, porém, sim, no versículo 4, onde as lemos de igual modo. — N. do T. 23
  • 24. compreendermos a posição dEle, tanto mais capazes seremos de apreciar a nossa posição nEle. Com que alívio descansa agora em Cristo aquele que tiver passado pela triste experiência contada no capítulo 7, versículos 7 – 24. Naqueles versículos as palavras que se salientam mais, pelas muitas vezes que se repetem, são os pronomes “eu”, “me” e “mim”, que indicam que a pessoa que fala se ocupa consigo própria. Agora, no capítulo 8, já tudo aquilo tem passado, e tanto a inteligência como o coração dessa pessoa se ocupam com Cristo. Leiamos então de novo as palavras: “Portanto, agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. Talvez alguém pense que isto parece dizer demais. Lembremo-nos, porém, que é Deus que assim nos fala, e bem podemos confiar naquilo que Ele diz. Consideremos por um momento as palavras “em Cristo”. Todo crente há de confessar que nEle tudo é perfeito, e que Ele nada tem de condenação; sabemos que Deus acha nEle toda a Sua complacência. Ora bem, nós crentes podemos dizer pausadamente e, pondo nas palavras todo o seu sentido, que estamos nEle, que temos vida em Cristo. A vida que temos de Deus em Cristo é inteiramente diferente da que temos em Adão. Quanto a essa última, já foi condenada na morte de Jesus, ao passo que a vida que temos em Cristo, nada tem, nem pode ter, de condenação. Assim iniciamos por apreciar Cristo e a Sua perfeição, e em seguida, sabendo que estamos também atualmente libertados do domínio do pecado em nós, pela introdução deste novo princípio de vida em Cristo; e o poder desta vida em nós é o Espírito Santo. Vemos, pela fé, com corações agradecidos, a maneira como na pessoa e morte de Seu Filho, feito pecado por nós sobre a cruz, Deus de uma vez para sempre condenou o pecado na carne: a Sua plena sentença contra o pecado foi ali executada, e podemos afirmar que Deus não tem mais que dizer a esse respeito. Visto isso, também nós, aceitando o que Deus fez, não devemos ocupar-nos mais com a carne: mas, recusando satisfazer os seus desejos, considerar que já não estamos mais identificados com ela. Dominados então, não mais pelo pecado ou pela carne, mas sim pelo poder da nova vida que temos em Cristo, andemos, não segundo a carne, mas segundo o Espírito, achando o nosso gozo e prazer em fazer a vontade de Deus. Repetimos, que na morte de Cristo, a plena e justa exigência da Lei, a nosso respeito, ficou satisfeita — foi executada a última pena. Agora libertados no poder de uma nova vida em Cristo, o nosso privilégio é andarmos segundo o Espírito e pelo Seu poder, de maneira que a vida de Jesus se manifeste em nós. Romanos 8:5 – 9 O apóstolo nestes versículos torna a falar do contraste que há entre o que é da carne e o que é do Espírito. Vem a propósito aludir aqui as palavras do Senhor Jesus “O que é nascido da carne é carne, o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3:6). Neste trecho o apóstolo está tratando das duas classes em que se pode dividir o gênero humano, isto é, os que ainda têm necessidade de se converter, que são segundo a carne, e os convertidos, que são, nessa sua condição, segundo o Espírito. Cada qual tem os seus gostos e inclinações, mas como é solene a posição daquele que ainda precisa se converter, visto que as suas 24
  • 25. inclinações o conduzem à morte. Atualmente sofre morte espiritual, mais tarde sofrerá a física, e finalmente o que se chama a “segunda morte”, o castigo eterno. Muito diferente é o caso do crente, pois lhe pertencem a vida e a paz. O apóstolo não está aqui descrevendo exatamente a nossa experiência, mas manifestando as respectivas posições ou caracteres de quem está identificado com a carne, e de quem está no Espírito. O caráter da carne é o de inimizade contra Deus e tanto assim é, que lemos que a carne “não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7). É, como já temos visto, irremediavelmente má. No versículo 8 lemos: “Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus”, isto é, enquanto estivermos identificados, aos olhos de Deus, com o pecado na carne que caiu debaixo da Sua condenação na cruz, não podemos agradar-Lhe. Qual é então a posição do cristão? A resposta a esta pergunta encontra-se no versículo 9: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito”. Assim é que Deus nos considera; somos salvos, e como tais não estamos na carne. Porém, é preciso reparar bem a quem se referem estas palavras. Referem-se só às pessoas convertidas e salvas e não a qualquer pessoa que apenas se diz cristã. “Não estais na carne, mas sim no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”. Bem-aventurada é a sorte daquele que sabe que o Espírito de Cristo habita nele. Como é aqui excluído todo o engano e toda a hipocrisia! Cada um tem de se haver individualmente com Deus; a bênção vem só dEle; e é preciso que tenhamos o selo divino. Será bom aqui perguntarmos a nós próprios se porventura podemos levantar os nossos corações a Deus em grata adoração, sabendo que em verdade estamos em Cristo diante dEle e não mais em Adão; que Ele nos vê como estando no Espírito e não na carne? Não é isto uma questão de considerarmos os nossos sentimentos, nem de pensarmos na nossa experiência, mas sim de aceitarmos o testemunho de Deus, e de confiarmos nEle. O importante não é o que nós pensamos, mas aquilo que Ele diz; não o que nós vemos, mas o que Ele vê. Romanos 8:10 – 17 Temos visto que Deus nos considera identificados com Cristo, vivos no poder do Espírito Santo. Porém, então, se Cristo está em nós, não podemos deixar de reconhecer que o nosso corpo deve cessar de ser o instrumento do pecado; mas a vida antiga não pode produzir senão pecado. Se porém Cristo estiver em nós como a fonte e o poder de uma nova vida, o corpo, enquanto a vontade da carne está, por assim dizer, morto; mas, debaixo do domínio do Espírito Santo, e por meio dEle, torna-se o instrumento para a manifestação da justiça. O Espírito Santo que é o novo poder da vida no crente, é a única fonte do bem em nós e o único poder para a sua manifestação. Além disto temos, pela presença do Espírito Santo em nós, a prova de que até os nossos corpos mortais também hão de desfrutar mais tarde os gloriosos resultados da ressurreição de Cristo, sendo conformados à semelhança do corpo glorioso do Senhor. Assim todo o nosso ser — espírito, alma e corpo — gozará os efeitos da plena redenção. Tendo sido desta maneira libertados por Deus, não somos devedores à carne para vivermos segundo as suas inclinações, mas antes pelo contrário, por meio do Espírito Santo mortificamos as obras do corpo. 25
  • 26. Deus não fala em mortificarmos os nossos corpos, mas as obras do corpo, e isto só pode ter lugar por meio da nova vida em Cristo. Procedendo assim, viveremos e desfrutaremos os gozos da vida nova. Agora, no versículo 14, lemos a maravilhosa verdade de que aqueles que assim são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. O crente descansa, assim, no gozo do pleno amor de Deus, tendo recebido o Espírito de adoção, pelo qual clama: “Pai!”. E notemos que o sermos “filhos de Deus” é uma conseqüência da redenção, de sermos identificados com Cristo na Sua vida atual e de termos recebido o Seu Espírito. Somente dos verdadeiros crentes se pode dizer que são “filhos de Deus”; todos os homens são criaturas de Deus, Ele é o Criador de todos, mas Deus não é Pai de todos nos sentido das palavras que estamos considerando. Ele é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e todos que em Cristo crêem podem dizer: “Ele é o nosso Deus e o nosso Pai também”. Esta sublime bênção é o resultado da nossa associação no poder da vida eterna com Cristo, e o Espírito que em nós habita testifica com o nosso espírito que assim é. Sendo, pois, filhos, somos também herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo. Cristo, porém, sofreu aqui, como não podia deixar de sofrer, visto que andava no meio do pecado e da tristeza do mundo, e a nós nos é concedido o privilégio de termos comunhão com Ele no sofrimento aqui no lugar da Sua rejeição; mas isto terá como conseqüência, mais tarde, a nossa comunhão com Ele no lugar da Sua glória. Romanos 8:18 – 27 Andamos, então, aqui como filhos de Deus, aguardando o dia da manifestação da glória e, nesse espírito, Paulo disse: “para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8:18). E ainda mais quando chegar o dia em que o povo de Deus, agora desprezado no mundo, se há de manifestar em glória, então a inteira criação que tem estado sujeita à corrupção pelo pecado de Adão, experimentará a liberdade da glória dos filhos de Deus. Oh! Que dia glorioso há de ser aquele em que nós havemos de estar manifestados em glória com Cristo! Lemos que a criação inteira geme e sofre, e não só ela, mas também nós gememos em nós mesmos, esperando pelo dia em que Cristo há de manifestar o Seu poder para a redenção dos nossos corpos. Nós já gozamos as primícias do Espírito e desfrutamos a liberdade dos filhos de Deus, porém desejamos muito deixar completamente o que é da velha criação, e por isso gememos, anelando pelo momento em que isso se há de realizar. Não desfrutamos ainda o pleno resultado da salvação — tendo recebido o perdão dos nossos pecados, sendo justificados, tendo recebido o Espírito Santo, e estando assim livres em nossos espíritos, esperamos pelos corpos gloriosos que havemos de receber. Assim esperamos com paciência por esse bem que ainda não vemos. Nesse meio tempo a oração é necessária, não é? E, bendito seja Deus, lemos que, não sabendo nós o que havemos de pedir como convém, o Espírito ora por nós. Ele mesmo, segundo a vontade de Deus, intercede por nós. 26
  • 27. Romanos 8:28 – 30 Chegamos agora a uma revelação verdadeiramente maravilhosa. O apóstolo diz: “Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto” (Rm 8:28). Consideremos um pouco essas palavras, começando pelas últimas: “chamados segundo o Seu decreto”. Essas palavras nos falam do decreto ou propósito de Deus e, para aquele que conhece a Deus, o quanto é agradável pensar que Ele tem um propósito firme a respeito dos Seus, com respeito à glória de Cristo e à satisfação do Seu próprio amor, propósito cuja realização nada há que a possa impedir. Que momento alegre é para qualquer pessoa, quando pela primeira vez aprecia o que é deixar o terreno da sua própria responsabilidade, para se achar identificada com o propósito de Deus; sendo esse o terreno em que tudo depende da graça, amor e poder de Deus. Notemos agora que está escrito que todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus e que são por Ele chamados. É possível que alguém pergunte: Poderá este ou aquele fato contribuir para o meu bem? A isso responderemos com outra pergunta. Não será porventura o dito fato incluído nas palavras “todas as coisas”? Com toda certeza que sim. Aceitemos então sem reserva aquilo que Deus nos diz. Porém, talvez alguém sinta que isso não acontece consigo; pelo menos vemos na vida prática que muitos crentes se queixam daquilo que lhes acontece, fazem murmurações e mostram-se perturbados. Como se explica isso? Sem dúvida pela falta de fé e de confiança no amor de Deus. Qual será, pois, ao segredo que nos leva a dizer triunfantemente: “Sabemos que todas as coisas contribuem para o nosso bem?” O segredo de tal certeza encontra-se no conhecimento do amor de Deus. Quais são aqueles que amam a Deus? Seguramente são os que descansam no gozo do Seu amor por eles. É claro, portanto, que se somos mantidos diariamente no gozo do amor divino, e se apreciamos o fato de sermos chamados por Ele e identificados com o Seu propósito eterno, não podemos deixar de reconhecer que todas as coisas têm por força de contribuir para o nosso bem, visto que nEle o amor é ligado ao poder onipotente. Assim aconteça o que acontecer, confiados no amor de Deus diremos: “Sabemos que tudo há de contribuir de qualquer maneira para o nosso bem”; e assim poderemos dar graças a Deus por todas as coisas, como é a vontade do Senhor. O versículo 29 explica-nos qual é o propósito de Deus a nosso respeito. Somos chamados para sermos conformes à imagem de Seu Filho, para que seja o Primogênito entre muitos irmãos. Bendita esperança! Seremos conformes a Ele e estaremos com Ele. Ele em tudo terá a preeminência, mas nós estaremos com Ele. E tão certo é este propósito de Deus, que o apóstolo fala como se tudo já se tivesse realizado, dizendo: “Aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8:30). Sim, bendito seja Deus, a obra iniciada aqui por divina graça, será levada ao cabo ali em divina glória. 27
  • 28. Romanos 8:31 – 39 Tendo agora chegado ao fim desta maravilhosa manifestação do Evangelho, e tendo visto o que é o propósito de Deus a nosso respeito, que podem os nossos corações responder a tudo isso? Exclamaremos exultantes: “Deus é por nós!”. E será porventura possível que Aquele que não deixou de entregar por nós o Seu próprio Filho, nos não daria seja o que for, desde que contribua para o nosso bem? Não, isso não; Deus há de dar-nos com Cristo todas as coisas. Notemos bem as palavras “com Ele”. Não nos dará nada que nos possa afastar dEle, mas com Ele nos dará todas as coisas. Outra vez repetimos: “Deus é por nós”. Se for questão de dar — Ele nos dará com Cristo todas as coisas (veja Rm 8:32). Se for questão de alguém intentar acusação contra o Seu povo — Ele o justificará (veja Rm 8:33). Se for questão das dificuldades e perigos que nos cercam — seremos mais do que vencedores por Aquele que nos amou (veja Rm 8:30). Diremos mais, que o sermos “vencedores” seria já uma grande coisa, mas Deus nos faz mais do que vencedores. Podem haver dificuldades, perseguições ou perigos, mas Cristo que morreu, e está ressuscitado e no lugar de poder à direita de Deus, interessa-Se por nós constantemente, e intercede por nós. Portanto, forçosamente havemos de vencer; mas ainda mais, das mesmas dificuldades e perigos havemos de tirar muito proveito, chegando, assim, a ser mais do que vencedores, porque como temos já visto, todas as coisas hão de positivamente contribuir para o nosso bem e apenas nos fornecem ocasiões para experimentarmos mais o amor pessoal de Cristo. O apóstolo conclui este capítulo dizendo que está certo de que nada há, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem coisas presentes, nem futuras, que nos possa separar do amor de Deus. O amor divino é mais forte do que tudo, e é nos manifestado e assegurado em Cristo Jesus, nosso Senhor, nAquele que venceu todo o poder do mal e da morte e está atualmente sobre o trono de Deus. O amor divino fica sendo eternamente o mesmo, e bem-aventurado é quem pode dizer: “Estou certo de que nada me poderá separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus”. A pessoa que assim conhece a Deus, sabe verdadeiramente gloriar-se nEle. Bem podemos dizer aqui: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Co 1:31). 28
  • 29. PARTE 5 — ROMANOS 9 A 11 — Com o capítulo 8, o apóstolo concluiu a sua magnífica exposição sobre o evangelho da graça de Deus, manifestado e enviado por Deus a toda criatura, quer seja gentio quer judeu, agora ele trata de demonstrar que isso de modo algum desfaz as promessas de Deus feitas a Abraão a respeito do Seu povo antigo, o povo de Israel. Ele nos mostrou que nada há que possa impedir que se realize o propósito de Deus com respeito àqueles que são chamados pela Sua graça por meio do testemunho do evangelho, agora nos mostra que nada há, tampouco, que possa estorvar a realização das Suas promessas referentes ao povo de Israel. Um fato em que apóstolo insiste nesse capítulo, e que é muito importante reconhecermos, é que Deus é soberano, e que toda a bênção para os seres humanos é o resultado da Sua soberana misericórdia. Romanos 9:1 – 5 Nestes versículos o apóstolo revela o intenso amor que sentia pelo povo terrestre de Deus, os seus irmãos segundo a carne. Recapitula aqui alguns dos muitos privilégios que lhes pertenciam, concluindo com o fato de ter Cristo nascido entre eles, acrescentando, porém, a esta referência à Sua humanidade, que Ele é “sobre todos, Deus bendito eternamente” (Rm 9:5). Qual foi a razão desta tristeza que o apóstolo sentia no seu coração? Foi o fato deles terem rejeitado Cristo, o Único que podia fazê-los entrar no gozo da bênção prometida. Romanos 9:6 – 16 Entristeceu-se, porventura, por pensar que Deus tinha faltado à Sua Palavra? Não, isso não podia ser. A sua dor foi causada por ter visto como o povo ia perdendo a bênção por rejeitar Cristo. Quanto às promessas de Deus, tinha ele a certeza que nenhuma delas podia deixar de se cumprir, e agora trata de explicar isso, citando para esse fim 3 pontos: 1 — A promessa de Deus feita a Abraão (veja Rm 9:9). 2 — A vontade de Deus que determinava que Jacó havia de dominar Esaú (veja Rm 9:11-12). 3 — A Palavra de Deus a Moisés — “Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia” (Rm 9:15). O resultado das lições tiradas desses 3 casos se vê no versículo 16: “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece”. Consideremos esses 3 pontos. Em primeiro lugar era verdade, como diziam os judeus, que Deus fizera uma promessa a Abraão; porém, essa promessa não dizia respeito a todos os filhos de Abraão, como eles bem sabiam, mas somente a Isaque e à sua descendência. 29
  • 30. Ismael e outros filhos de Abraão foram postos de lado e a bênção prometida foi ligada a Isaque, o filho prometido (veja Rm 9:9); — “Em Isaque será chamada a tua descendência” (Rm 9:7). Ismael, de cujo nascimento lemos no livro de Gênesis, capítulo 16, foi o filho da vontade e da energia natural, ao passo que Isaque foi o filho da promessa; e a bênção divina depende dessa última, da promessa de Deus. Assim o judeu devia ter compreendido, e nós podemos aprendê-lo, que a bênção “não depende do que quer” (veja Rm 9:16). De fato lemos: “Não há ninguém que busque a Deus” (Rm 3:11). É por isso que não pode haver esperança para os seres humanos, quer judeus quer gentios, senão em Deus que é soberano. Quando Deus faz uma promessa absoluta e incondicional, é como se nos declarasse o Seu próprio propósito, e já temos visto que nada há que possa pôr empecilho à realização do propósito de Deus. É verdade que a bênção prometida pode não estar ao alcance do poder dos homens por mais que se esforcem, mas o poder de Deus fará com que eles a gozem. Isto é a lição que temos no segundo caso acima citado, o de Esaú e Jacó. Antes mesmo que nascessem, Deus dissera: “O maior servirá o menor” (Rm 9:12). Mais tarde, os dois fizeram mal, nem um nem outro merecia receber a bênção prometida, porém Deus, sempre fiel a Sua promessa, assegurou a bênção de Jacó. Assim vemos que “não depende do que corre” (Rm 9:16). Também lemos: “Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Rm 3:12) e, por isso, novamente dizemos, não pode haver esperança para os homens senão em Deus que é soberano. O terceiro caso citado, isso é, as palavras de Deus a Moisés (veja Rm 9:15), prova e evidencia que Deus, soberano como é, Se compraz de usar o Seu poder para abençoar os seres humanos, e que não tem prazer algum em julgá-los. As ditas palavras foram dirigidas por Deus a Moisés logo depois do povo de Israel ter pecado horrivelmente contra Ele, fazendo o bezerro de ouro (veja Êx 32 e 33:19). Foi aquele um momento em que, com justiça, Deus podia ter destruído aquele povo por completo, mas em vez disso, falou, dizendo: “Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia”. Vemos, então, que sendo todos pecadores, sem mérito algum diante de Deus, se alguém receber bênção dEle, será em resultado da Sua soberana misericórdia. Assim o judeu tem que reconhecer que, quanto a si, tem perdido todo o direito de receber a bênção, ao passo que Deus certamente há de cumprir a promessa dada a Abraão. Conseqüentemente, tanto para ele como para o gentio, toda a bênção depende da soberana misericórdia de Deus. Romanos 9:17 – 18 O apóstolo considera agora o caso daqueles que não recebem a bênção divina. Faraó serve como exemplo desses. Era um homem pecador que se exaltou contra Deus, desafiando-O com as palavras: “Quem é o SENHOR, cuja voz eu ouvirei?” (Êx 5:2). Depois disso foi seis vezes avisado solenemente, por meio de pragas terríveis, contra a loucura de procurar resistir a Deus; mas de todas as vezes o se coração se endureceu. Lemos que depois de tê-lo suportado com muita paciência, “o SENHOR endureceu o coração de Faraó” e então ouvimos aquelas terríveis palavras: “Para isto mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu poder e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra” (Êx 9:12, 16; Rm 9:17). 30
  • 31. Lendo no livro de Êxodo vemos que tanto Israel como Faraó eram culpados diante de Deus e a justiça teria condenado a ambos, porém Deus é soberano, e mostra-nos ser Ele não só justo em todos os Seus atos, mas também um Deus que Se compraz em mostrar misericórdia. Quando Faráo endureceu o seu coração contra Deus, foi destruído pela justiça, ao mesmo tempo que o povo de Israel foi salvo pela soberana misericórdia de Deus, que o abrigou sob o sangue do sacrifício da páscoa. Todo o mundo é condenável diante de Deus; a justiça havia de julgar e condenar a todos; porém, Deus Se tem manifestado como um Deus Salvador, soberano em misericórdia, sendo a morte de Cristo a base sobre a qual Ele assim pode agir. Romanos 9:19 – 24 Talvez alguém diga: “Por que se queixa Ele ainda? Quem resiste à Sua vontade? Ainda mais, se é simplesmente uma questão da Sua vontade e do Seu poder, que posso eu fazer? Se hei-de ser salvo sê-lo-ei efetivamente, e se não, a culpa não é minha”. Ah! Ninguém que tivesse uma verdadeira apreciação da majestade, sabedoria e amor de Deus, falaria assim. O fato de Deus pelo Seu soberano poder cumprir a Sua vontade não é razão alguma para o homem fazer o que bem quiser, satisfazendo assim a própria vontade. Não; o princípio da sabedoria é temor de Deus, e isto faz com que demos a Deus o lugar e a glória que Lhe pertencem. Devemos aceitar e obedecer logo ao testemunho que Deus nos dá, reconhecendo, ao mesmo tempo, que, sendo Ele soberano, tem o direito de fazer tudo quanto Lhe aprouver. O apóstolo ousada mente afirma esta verdade. Digam os homens o que disserem, o oleiro tem poder sobre o barro. A coisa formada não pode dizer ao que a formou: “Por que me fizeste assim?” “Tu és bom e fazes bem”, lemos no Salmo 119:68, e o coração de quem teme a Deus e se humilha diante dEle, regozija-se em pensar na Sua soberana bondade. Porém, se Deus, querendo dar a conhecer co Seu poder e mostrar a Sua ira, a deixa cair sobre os que se têm preparado a si próprios para a perdição, tendo-os Ele primeiro suportado com muita paciência e longanimidade, quem é que se pode queixar? Ninguém. Por outro lado, Ele mesmo prepara os vasos para a manifestação da Sua misericórdia. Todos são maus, porém Deus, em misericórdia soberana está preparando vasos nos quais dará a conhecer as riquezas da Sua glória. “Os quais (vasos de misericórdia) somos nós”, diz o apóstolo. Oxalá querido leitor, que nós nos possamos ver, pela fé, entre esses! Pobres miseráveis pecadores por natureza, se podermos, sequer, melhorar a nossa situação diante de Deus, não podemos senão lançar-nos sobre a misericórdia soberana de Deus por meio de Jesus. Escrevendo aos Coríntios, Paulo tratando do estado glorioso que espera o crente, disse: “Quem para isso mesmo nos preparou foi Deus” (2 Co 5:5). 31
  • 32. Romanos 9:24 – 33 O apóstolo agora afirma que “os vasos de misericórdia” são chamados não só de entre os judeus, mas também de entre os gentios, e em confirmação disso cita os profetas Oseías e Isaías. Oséias tinha profetizado que a graça divina havia de alcançar tanto os gentios, que nunca tinham recebido promessa alguma a esse respeito, como os judeus, que tinham perdido, pelo seu pecado, todo o direito a receber a promessa que lhes fora feita. Além disso, Isaías tinha dito que apenas uma parte do povo de Israel seria salva, e isto devido à soberana misericórdia de Deus. Qual era então o resultado de tudo isso? Vemos que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram-na pela fé, enquanto que os judeus, tão religiosos como eram, não alcançaram essa justiça diante de Deus. E porquê? Porque os judeus enganaram-se no modo de a alcançar; procuraram justificar-se pelas suas próprias obra em vez de reconhecerem a sua incapacidade, e confiaram em Cristo. Rejeitaram Cristo em Quem e por Quem somente se pode alcançar a justiça de Deus. Isaías tinha falado da pedra de tropeço que Deus havia de pôr em Sião. Seria como um santuário para os que cressem, porém como uma rocha de escândalo e pedra de tropeço para os que não cressem. Os judeus tropeçaram naquela Pedra — um Cristo humilde, meigo e rejeitado pelos homens — e têm sido confundidos como atualmente se vê. Romanos 10:1 – 13 O apóstolo aqui fala do intenso desejo que sentia pela salvação do povo de Israel, e de como orava a Deus por isso. Testifica do muito zelo que aquele povo mostrava quanto à religião, mas explica-nos que esse mesmo zelo os impediu de apreciar o testemunho de justiça pela fé em Jesus Cristo, que Deus lhe estava enviando. Na sua cegueira procuravam, pelas suas próprias obras, colocar-se diante de Deus numa justiça que fosse deles próprios. Recusaram humilhar-se perante Deus e confessar-Lhe a sua absoluta falta de justiça, e assim não se sujeitaram à justiça de Deus. É verdade que Moisés tinha dito: “O homem que fizer estas coisas viverá por elas” (Rm 10:5); mas quem as podia fazer? Ninguém. A pessoa, porém, que reconheça isso e se volte para Deus confessando-Lhe a sua necessidade, descobre logo que da Sua parte Deus lhe está apresentando, para a sua aceitação pela fé, aquilo que nunca podia alcançar pelas obras da lei. Cristo tem vindo! A maldição da lei, pronunciada contra quem não cumprisse com as suas exigências, sofreu-a Cristo na Sua morte! A vida — o fim proposto pela lei — alcançamo-la em Cristo ressuscitado! Plena satisfação, perfeita bênção, justiça, vida, tudo temos em Cristo e tudo alcançamos pela fé. “O fim da lei é Cristo…” (Rm 10:4). Bendito seja Deus, toda esta bênção, desde o princípio até ao fim, provém dEle. Não necessitamos, por assim dizer, subir ao céu para trazer do alto a Cristo, porque Deus já no-Lo enviou, e Ele por amor de nós se entregou à morte (veja Rm10:6). 32
  • 33. Tampouco precisamos descer ao abismo para tornar a trazer Cristo de entre os mortos, porque Deus já O ressuscitou (Rm 10:7). Que nos resta então fazer? Temos que escutar o testemunho que Deus nos tem enviado a respeito de Cristo, e sujeitarmo-nos a Ele. E que diz Ele? Apresenta-nos uma justiça perfeita, uma salvação completa, dizendo: “Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10:9). Estas palavras indicam claramente que não se trata de uma simples questão do esclarecimento da nossa inteligência, mas sim do nosso coração se comover profundamente, porque “com o coração se crê para alcançar a justiça” (Rm 10:10). Mas há mais. Junta-se à fé do coração, a confissão da boca: o crente confessa que Cristo é o seu Senhor. Quer diante de Deus, quer diante dos homens apresenta-se como identificado pela fé com Cristo, confessando-O como sendo o seu Senhor. Assim tem aceitação para com Deus e desfruta o poder da salvação neste mundo, porque: “Todo aquele que nele crer não será confundido” (Rm 10:11). Desta maneira, a bênção é por Deus assegurada igualmente aos gentios e aos judeus e, de acordo com isso, lemos que, referente ao evangelho e a bênção nele oferecida, “não há diferença entre judeu e grego” (Rm 10:12). Em Romanos 3:22 e 23 lemos: “Não há diferença. Porque todos pecaram”. Aqui, no versículo 12 de Romanos 10, lemos: “Não há diferença … porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam”. Bem podemos confessar humildemente o primeiro desses fatos, enquanto nos regozijamos diante de Deus pelo segundo. Vemos então que em Cristo glorificado há bênção sem limites para todos. Sendo, como homem, exaltado por Deus a ser Senhor de todos, todos se podem aproveitar das riquezas que nEle há; porém para isso cada um tem de invocá-Lo individualmente. Nem zelo nem obras humanas podem alcançar este grande bem, mas “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10:13). Romanos 10:14 – 21 O ponto principal neste trecho parece ser o fato de que o testemunho de Deus é para o mundo todo. Que necessidade há, então, de pregar o evangelho! “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram?” (Rm 10:14). É preciso, e isso fica óbvio, que os pregadores sejam enviados por Deus, mas que privilégio também é ser enviado! Porventura não desejamos nós ser-Lhe úteis para Seu serviço? Como Ele aprecia este serviço! “Quão formosos são os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas!” (Rm 10:15). Sim, quão formosos aos olhos de Deus! Quão apreciável é para Ele este serviço! Como isso anima Seus servos, apesar de muita gente recusar aceitar o testemunho deles! Isaías deu testemunho, no meio do povo de Israel, referente aos sofrimentos e à glória de Cristo, mas por fim teve que dizer: “Senhor, quem creu na nossa pregação?” O testemunho de Deus tem sido proclamado, e a fé vem pelo ouvir — por ouvir a Palavra de Deus. 33
  • 34. Logo no princípio, quando Deus chamou o povo de Israel para ser um povo particular para Si, Moisés predisse a maneira como esse povo havia de deixar de seguir o Senhor, andando no seu pecado e cegueira e, ainda mais, disse como Deus havia de dar a bênção a outros, que não pertencessem àquele povo, a fim de assim despertar nele o desejo de também receber a bênção de Deus que até agora, na sua coletividade, tem rejeitado. O apóstolo cita outra vez o profeta Isaías como testemunha desse fato. Lemos: “Fui achado pelos que me não buscavam, fui manifestado aos que por mim não perguntavam” (Rm 10:20). Deus manifestou-Se àqueles que não O buscavam nem perguntavam por Ele. Bendito seja o Seu nome, aprouve-Lhe manifestar-Se a Si mesmo na pessoa do Seu Filho Jesus àqueles que, como nós, não o buscavam. Que graça divina! Que graça soberana! Isaías, porém, acrescentou, falando ainda do povo de Israel: “Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente” (Rm 10:21). E assim tem acontecido; o testemunho de Deus tem sido aceito entre os gentios ao passo que a nação de Israel, na sua coletividade, o tem rejeitado; por conseqüência, tendo recusado a Cristo, tem sido por Deus posta de parte e confundida, porém: “Todo aquele que nele crer não será confundido” (Rm 10:11). Romanos 11:1 – 15 Coloca-se agora pergunta: “Porventura, Rejeitou Deus o seu povo?” (Rm 11:1). Terá mudado o Seu propósito com respeito a ele? “De modo nenhum!” — responde o apóstolo, comparando em seguida a posição do povo no tempo dele com a do povo no tempo de Elias (veja 1 Rs 19). Nesse tempo, a nação em geral estava caída em pecado, sem o temor de Deus, nem fé. Contudo, Deus reservou para Si um pequeno número que O conhecia, e assim é ainda hoje. A nação de Israel tem sido, por assim dizer, abandonada por agora e anda em cegueira espiritual, porém Deus na Sua graça soberana ainda trabalha entre ela, escolhendo um pequeno número que, por fé em Cristo, tem parte na Sua Igreja. Paulo cita o seu próprio caso como prova disso. É verdade que Deus tinha-lhes dado a Sua promessa, prometendo-lhes bênção aqui na terra, mas quando Cristo, Aquele em Quem toda a bênção lhes era assegurada, chegou entre eles, recusaram-se de recebê-Lo e assim perderam todo o direito às promessas. Agora, se as receberem, será somente em resultado dos soberanos propósito e misericórdia de Deus. O estado atual daquela nação não há de continuar sempre assim. Longe disso; mas tendo aquele povo perdido pela sua desobediência, incredulidade e orgulho, o lugar de privilégio que tinha gozado, Deus está agora efetuando o Seu propósito de abençoar os gentios, tirando de entre eles um povo para o Seu nome (veja At 15:14), e entre este povo encontra-se um remanescente do povo antigo (Rm 11:15). E há ainda mais. Esse povo de Israel é ainda o centro dos pensamentos de Deus com respeito ao Seu governo desse mundo, e se, como temos visto, a sua queda tem dado ocasião à bênção de Deus ser apresentada pelo evangelho a todo o mundo, qual será a bênção que há de resultar, cá no mundo, quando Israel for colocado por Deus na posição e glória prometidas, não é?! Será, na verdade, para toda a criação, como vida de entre os mortos (veja Rm 15:15). 34
  • 35. Romanos 11:16 – 36 O apóstolo agora explica a posição relativa dos judeus e dos gentios com respeito ao lugar de privilégio e bênção aqui neste mundo. Depois do dilúvio com que Deus destruiu o mundo antigo, os homens procuraram fazer para si uma grande cidade e um grande nome a fim de que não fossem espalhados por toda a terra, porém Deus os confundiu neste propósito e os espalhou por toda a parte e os dividiu em diversas nações (Gn 11). Parece, então, que basicamente todos se entregaram à idolatria e, estando as coisas assim, Deus, conforme o seu soberano propósito, chamou a Abraão (veja Js 29), fazendo com que ele fosse o pai — o primeiro — daqueles que haviam de experimentar o benefício das promessas que Deus estava prestes a declarar. Foi Abraão constituído, por assim dizer, raiz da “oliveira de promessa”, e Israel — não só os judeus, isto é, as duas tribos, mas sim as doze tribos — será salvo (Rm 11:20). Quando O virem, passará a sua cegueira, e arrependidos reconhecerão por fim o seu Messias, e Ele, cumprindo, então, as promessas de Deus, reinará em poder e majestade e o Seu povo antigo será outra vez o principal entre as nações. Sim, tudo quanto Deus tem proposto, quer a respeito da Sua Igreja, quer do Seu povo terrestre, Israel, há de infalivelmente ser realizado. E quando Deus assim nos fala da bênção que tem determinado para os seres humanos, nos vem à lembrança que todos, quer judeus quer gentios, têm sido desobedientes, de maneira que ninguém, nem sequer o judeu, pode falar de qualquer direito à bênção; todos hão de recebê-la somente pela soberana misericórdia de Deus (Rm 11:32). O apóstolo, ao concluir esta parte de sua epístola, exclama num espírito de adoração: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (Rm 11:33). A sabedoria divina planejou tudo, e o poder divino há de efetuar tudo, para a glória de Deus. Com corações adoradores concluímos este capítulo, dizendo: “Dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém!” (Rm 11:36). 35
  • 36. PARTE 5 — ROMANOS 12:1 A 15:7 — Na parte desta epístola de que vamos agora tratar, vemos qual é a conduta e maneira de vida que resulta da apreciação e aceitação da doutrina que já nos tem sido apresentada. Temos aqui, não tanto a exposição das verdades fundamentais do evangelho, como exortações próprias para aqueles que tenham recebido estas verdades. Consideremos então estas exortações, pedindo a Deus que, pela Sua divina graça, nos faça corresponder a elas para glória do Seu nome. Romanos 12:1 Se, tendo aceitado o testemunho de Deus no evangelho, pensarmos em nós próprios, havemos de reconhecer que somos os objetos de misericórdia e amor divino, e que somos colocados diante de Deus no Seu pleno favor. E, sendo assim, os nossos corpos devem ser postos à Sua disposição, para que em nós, e por meio de nós, se realize a Sua divina vontade neste mundo. Reparemos bem na força de expressão com que o apóstolo começa as suas exortações: “Rogo-vos!” Que intensidade de desejo vemos nestas palavras! Que santo fervor! Ele não diz: “Mando-vos!”; é a graça, e não a Lei, que fala aqui. Notemos o motivo que cita para reforçar o seu pedido. “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus”. E como é grande, de fato, essa misericórdia de Deus manifestada nesta epístola que estamos considerando. E para que será que o apóstolo assim nos roga? “Rogo-vos … que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. Convém notarmos primeiro que o sacrifício apresentado a Deus é um sacrifício vivo, santo e agradável; somente assim podia Deus achar agrado nele. Talvez este pensamento vá levantar em alguém uma certa dificuldade, pensando naquilo que é em si próprio. Devemos, porém, lembrar-nos de que Deus sempre vê o crente como sendo identificado com Cristo. Na verdade, o que se nos apresenta neste versículo se baseia no ensino dos capítulos 5 a 8. Nunca poderíamos apresentar os nossos corpos a Deus como sacrifícios vivos, se não tivéssemos primeiro apreciado de alguma maneira, o modo como Cristo Se Lhe apresentou como um sacrifício na morte. Deus não pode sentir agrado com o que é “da carne”, isto é, com o que somos como identificados com Adão. Mas Cristo foi feito pecado por nós, sobre a cruz, e ali morreu, de maneira que lemos: “Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:11). E mais: “Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos” (Rm 6:13). Assim como os que têm sido identificados com a morte de Cristo e que são agora vivos nEle diante de Deus, vemos que somos na verdade livres. O pecado não tem mais domínio sobre nós (Rm 6:14). A Lei não tem mais domínio sobre nós (Rm 7:4). Não somos devedores à carne para vivermos mais segundo as suas concupiscências (Rm 8:12). 36