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Direitos Humanos
 no Século XXI
 Cenários de Tensão
Direitos Humanos
 no Século XXI
  Cenários de Tensão




    Trabalhos reunidos pela Associação
Nacional de Direitos Humanos — ANDHEP,
sob a coordenação de Eduardo C. B. Bittar.
1a edição – 2008

                                   © Copyright
Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-graduação (ANDHEP)
          Av. Professor Lúcio Martins Rodrigues, Travessa 4, Bloco 2,
  Cidade Universitária, São Paulo/SP – CEP 05508-900 – Tel.: (11) 3091-4980
                          E-mail: andhep@gmail.com
                         Site: http://www.andhep.org.br

                            Entidade Financiadora:
 Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH
                  Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Sala 420
                      Edifício Sede do Ministério da Justiça
                         CEP: 70064-900 – Brasília, DF
                   Telefones: (55 61) 3429-3536 / 3454 / 3106
                              Fax (55 61) 3223-2260

                             Diretoria da ANDHEP:
                    Presidente: Eduardo C. B. Bittar (FD/USP)
          Vice-presidente: Ana Lucia Pastore Schritzmeyer (FFLCH/USP)
               Secretária Executiva: Jaqueline Sinhoretto (IBCCrim)
                  Secretária Adjunta: Cristina Neme (NEV/USP)

                                       Diretores:
                             Julita Lemgruber (CESEC/RJ)
                           João Ricardo Dornelles (PUC/RJ)
                                 Giuseppe Tosi (UFPB)

                                   Conselho Fiscal:
                                Artur Stamford (UFPE)
                             Eneá Stutz de Almeida (FDV)
                             Sérgio Adorno (FFLCH/USP)

                  Sistematização e Revisão Técnica da Obra:
                 Vitor Souza Lima Blotta (Mestrando da FD/USP)


                         CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
                   Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
   D635
           Direitos humanos no século XXI: cenários de tensão/organizador Eduardo C. B.
           Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária; São Paulo: ANDHEP; Brasília:
           Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008.
               Inclui bibliografia
               ISBN 978-85-218-0429-1
                1. Direitos humanos – Brasil. 2. Direitos Fundamentais – Brasil.
           3. Cidadania – Brasil. I. Bittar, Eduardo C. B. (Eduardo Carlos Bianca), 1974.
           II. Associação Nacional de Direitos Humanos. III. Brasil. Secretaria Especial
           dos Direitos Humanos.
   08-1557.                                                                   CDU: 342.7


           Reservados os direitos de propriedade desta edição pela
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                                    Printed in Brazil
Apresentação

           Pensando e agindo em direitos humanos




     Este livro registra mais uma iniciativa da Associação Nacional de
Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-graduação (ANDHEP), com apoio
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da Re-
pública, no sentido de fortalecer os vínculos, laços e amarras criados
pelo esforço acadêmico de aprimorar, desenvolver, consolidar e dar
fundamento ao debate sobre os direitos humanos no Brasil. Aqui po-
derão ser encontradas reflexões as mais variegadas, que contemplam,
em grande parte, mas não somente, as discussões que têm se desen-
volvido ao longo da série de encontros anuais, seminários e congres-
sos da própria entidade. Seus convidados são, por isso, o corpo de ati-
vistas e pensadores que refletem o espírito de comunhão e trabalho
em grupo, envolvendo-se nas diversas perspectivas abertas pelo pen-
sar e pelo agir em direitos humanos. A tarefa de pensar em conjunto,
um desafio comum dos programas de pós-graduação em direitos hu-
manos, tem sido desenvolvida com esprit de corps suficiente para fa-
zer deslanchar algo que se propõe como problemático de ser afirmado
e proclamado em solo nacional: a eficácia desses direitos. Por isso,
considera-se que o agir teórico, ético e crítico é de fundamental im-
portância para o agir reflexivo transformador.
     Ainda hoje, quando se fala em direitos humanos, no Brasil, certa-
mente se fala de uma cultura social que, do ponto de vista mais amplo, é
ainda muito recente. Certamente, fomos inspirados por alguns ideais li-


                                                                      V
berais, quando do período imperial, e o constitucionalismo entrou para
a cultura nacional imbuído de liberalismo e positivismo. Apesar de ter-
mos respirado ares europeus, especialmente a partir da vinda da família
real para o Brasil, é fato que o enraizamento de uma cultura que fala a
linguagem dos direitos iguais para todos se estruturou de modo muito
mais recente em nossa identidade nacional. Ainda mais recente é a ge-
neralização da fala sobre os direitos humanos. Estes vão ser efetiva-
mente recepcionados no Brasil a partir do período da repressão, como
um desdobramento das manifestações populares, políticas e estudantis,
que se organizam para formar movimentos de protesto que vão encon-
trar acolhimento reivindicatório e justificação no interior do discurso
dos direitos humanos. Desde então, a politização do tema permitiu a
formação de uma cultura de pressões, que, em seu conjunto, permiti-
ram que, quando da Constituinte de 1985, o debate sobre direitos hu-
manos ocupasse o centro da agenda política, tornando constitucional a
lógica segundo a qual a dignidade da pessoa humana (art. 1o, inc. III)
deve presidir a dinâmica dos valores internos do texto constitucional.
Se a Constituição de 1988 tem algo de inovador é o fato de colocar o
tema dos direitos humanos como um tema anterior ao da estruturação
do Estado, além de salvaguardar diversos aspectos dos direitos huma-
nos, como os direitos e deveres individuais (art. 5o), os direitos políti-
cos (arts. 14 a 16), os diversos direitos sociais (art. 6o a 11, e 193 a 232)
e os direitos ligados ao meio ambiente (art. 225).
     Sabe-se bem que o Estado democrático de direito, na seriedade e
consolidação das instituições, demanda condições de justiça distribu-
tiva para se afirmar concretamente, no que participam efetivamente
diversas categorias de direitos humanos. Assim, a própria consolida-
ção do Estado depende da consolidação dos direitos humanos, e vi-
ce-versa. Essa preocupação passa, sobretudo, por aquela outra de rea-
lização da dignidade da pessoa humana a partir de um convívio e de
uma socialização eqüitativa em oportunidades e em gestos de integra-
ção social. Quem pensa na linguagem dos direitos humanos pensa em
uma atitude reflexiva que valoriza a perspectiva de uma interação so-
cial que valorize a vida, em suas diversas manifestações – artísticas,
culturais, ambientais, econômicas, produtivas –, de modo a apostar
na integração social a partir de incentivos à democracia, à tolerância,
à compreensão das diferenças, ao diálogo profícuo, à valorização da


VI
diversidade, à integração multicultural dos povos. Os avanços que o
setor indicar serão certamente aqueles mesmos favoráveis ao desen-
volvimento de um espírito republicano e democrático, sem o que se
torna impossível a formação humana plena e a preocupação com a
igualdade de oportunidades. A consolidação, pois, da democracia,
das instituições que afirmam a lógica do respeito aos direitos huma-
nos, é desafio que evidencia a necessidade de integração da sociedade
civil mobilizada com os esforços do Estado, da universidade com a
sociedade, do empreendedorismo humano com o espírito solidário.
Trata-se de desafios que somente podem ser enfrentados quando pas-
sarmos a pensar a partir da unidade complementar dos diversos direi-
tos humanos, esse que parece ser o espaço de uma luta comum, pelos
benefícios múltiplos que pode gerar, em favor do espírito de cidada-
nia, participação e integração, sem os quais a própria sociedade se tor-
na o lugar do sem-sentido.

                                    São Paulo, 18 de março de 2008.

                                    Eduardo Carlos Bianca Bittar
          Presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos.
             Professor Associado da Faculdade de Direito da USP.




                                                                    VII
Sumário

                                          I
                     Conceitos, preconceitos e direitos humanos

I.1. Apontamentos para uma teoria crítica acerca dos direitos
humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
     Celso Naoto Kashiura Júnior
I.2. Igualdade e diferença nos direitos humanos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
      Erica Roberts C. Serra
I.3. O direito ao desenvolvimento humano: uma sugestão sobre
a definição desse conceito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
     Ivanilda Figueiredo
I.4. A dignidade da pessoa humana e o direito ao mínimo vital. . . . . . . 34
     Lilian Márcia Balmant Emerique
     Sidney Guerra
I.5. 25 anos da Aids: desafios para o “tempo de direitos” . . . . . . . . . . . 49
     Naira Brasil

                                     II
           Economia, globalização, democracia e direitos humanos

II.1. Indivisibilidade entre os direitos civis e políticos e os direitos
econômicos, sociais e culturais: problemas de reconhecimento e
dificuldades na implementação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
      Denise Carvalho da Silva
II.2. Cosmopolitismo e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
      Eduardo C. B. Bittar
II.3. Financiamento para as políticas dos direitos humanos . . . . . . . . . . 94
      Fernando Scaff


                                                                                                          IX
II.4. O conceito hegemônico do progresso e os direitos humanos . . . . 106
      Gilberto Dupas
II.5. Multiculturalismo, globalização e direitos humanos . . . . . . . . . . 127
      Juana Kweitel

                                      III
                      Educação, abandono e direitos humanos

III.1. A formação para os direitos humanos: uma nova
perspectiva para o ensino jurídico?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
     Fernanda Rangel Schuler
III.2. Educação em direitos humanos: esboço de reflexão conceitual . 152
     Paulo César Carbonari
III.3. Uma experiência de educação através do lazer: estudo de
caso em São Benedito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
     Raimunda Luzia de Brito

                                       IV
                    História, esquecimento e direitos humanos

IV.1. A internacionalização dos direitos humanos:
evolução histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
    Ana Paula Martins Amaral
IV.2. As dificuldades para a implementação dos direitos humanos . . . 186
    Dalmo de Abreu Dallari
IV.3. Constituição, direitos humanos e Justiça. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
    Gilberto Bercovici
IV.4. Movimento dos direitos humanos em São Paulo:
desafios e perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
    Gorete Marques
IV.5. A constituição dos direitos humanos e da justiça . . . . . . . . . . . . 213
    Luciano M. Maia
IV.6. Direito, democracia e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
    Renato Janine Ribeiro



X
V
                        Inclusão, exclusão e direitos humanos

V.1. A via de mão-dupla da cidadania: a imposição de direitos
sociais para a concessão de direitos econômicos . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
    Ivanilda Figueiredo
V.2. Advocacia popular e os direitos dos carentes:
a experiência do Empas-OAB. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259
    Paulo Henriques da Fonseca
V.3. Direitos humanos dos pobres: entre a violação e a exclusão . . . . 278
    Paulo Henriques da Fonseca
V.4. A inclusão pelo simbólico: linguagem, dominação
e transformação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297
     Vitor Souza Lima Blotta

                                           VI
                         Justiça, injustiça e direitos humanos

VI.1. A justiciabilidade dos direitos humanos no Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317
    José Ricardo Cunha
    Alexandre Garrido da Silva
    Lívia Fernandes França
    Joanna Vieira Noronha
VI.2. Entre a realidade e a realização: consciência de direitos
e acesso à justiça em comunidades urbanas carentes . . . . . . . . . . . . . . 334
    Núcleo de Direitos Humanos do Departamento
    de Direito, PUC-Rio
VI.3. O projeto moderno e a crise da razão: que justiça? . . . . . . . . . . . 344
    Wilson Levy




                                                                                                     XI
VII
               Meio ambiente, ambiente-meio e direitos humanos

VII.1. Um estudo da Declaração do Milênio das Nações Unidas:
desenvolvimento social e sustentabilidade ambiental como requisitos
para a implementação dos direitos humanos em nível global . . . . . . . 367
    Ana Paula Martins Amaral

                                        VIII
                         Ordem, violência e direitos humanos

VIII.1. Leituras possíveis de O processo, de Franz Kafka, à luz
da violência do Estado nos anos da ditadura civil-militar brasileira . . 389
    Eduardo Manoel de Brito
VIII.2. A efetivação dos direitos humanos e a Fundação Estadual
do “Bem-Estar” do Menor – Febem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 409
    Elisa Pires da Cruz
    Lidiane Mazzoni
VIII.3. Os direitos humanos e seu subsolo disciplinar –
uma leitura antifoucaldiana de Michel Foucault. . . . . . . . . . . . . . . . . . 418
    Luciano Oliveira
VIII.4. Manicômio judiciário: espaço de violações de direitos
humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433
    Ludmila Cerqueira Correia
VIII.5. Cidadania e justiça social: palavras de ordem!!! . . . . . . . . . . . 448
    Luiz Fernando C. P. do Amaral
VIII.6. O conceito de polícia e a noção de segurança
no contexto atual dos direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 456
    Marcos Braga Júnior
VIII.7. Polícia Militar e direitos humanos:
“o sono da razão produz monstros” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473
    Ronilson de Souza Luiz
    Homero de Giorge Cerqueira




XII
I

C O N C E I T O S , P R E C O N CE IT O S
    E DIREITOS HUMANOS
I.1. Apontamentos para uma teoria crítica
                 acerca dos direitos humanos

                                                Celso Naoto Kashiura Júnior*




     A teoria crítica, cuja valia para a sociologia e para outras áreas do
conhecimento já é conhecida, pode contribuir grandemente também
para o estudo dos direitos humanos. Não obstante, seu desenvolvi-
mento nesse campo é pouco significativo, e disso se ressentem não só
os adeptos do pensamento dialético, mas também os teóricos dos di-
reitos humanos em geral.
     No caminho para a superação dessa carência, a questão do méto-
do está, por certo, entre os primeiros e mais árduos obstáculos. A dia-
lética, que não é exatamente simples ou dócil, oferece dificuldades
inolvidáveis àqueles que se dedicam a sondá-la. A mais notória de
suas peculiaridades – a sua não-autonomia diante do objeto, que re-
sulta na impossibilidade de expô-la como um para-si1 – torna impos-
sível elaborar qualquer espécie de “guia metodológico” que, à moda
da tradição cartesiana, postule aplicabilidade universal. É impossível,
portanto, partir de um método pronto no estudo dialético dos direitos
humanos. É possível, porém, contrapor os aspectos fundamentais da
teoria tradicional e da teoria crítica, enumerar pressupostos a serem
abandonados, delinear certos contornos da dialética, enfim, levantar

* Mestrando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo.
1
  “O não ser a dialética um método independente do seu objeto impede sua apresentação como
um para-si, tal como a permite o sistema dedutivo. Não obedece ao critério da definição; criti-
ca-o.” Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 215.


                                                                                             3
apontamentos – tão-somente indicativos e necessariamente incom-
pletos – de forma a dar uma modesta contribuição. Isso é o que propo-
nho realizar aqui.
     Tal levantamento terá como base a concepção de teoria crítica da
assim chamada “primeira geração” da Escola de Frankfurt:2 os pensa-
mentos de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, mais especifica-
mente aqueles expostos nos textos Teoria tradicional e teoria crítica
(1937) e Filosofia e teoria crítica (1937), de Horkheimer; Sobre a ló-
gica das ciências sociais (1972) e Introdução à controvérsia sobre o
positivismo na sociologia alemã (1974), de Adorno (ambos publica-
dos postumamente); além de Dialética do esclarecimento (1944),
obra conjunta de ambos.
     O fundamento escolhido não é aleatório, mas decorre diretamen-
te do vigor crítico inerente ao método de que tratam ou através do qual
se constroem os referidos textos. Contra um certo descrédito que atual-
mente tem recaído sobre a primeira geração dos frankfurtianos, quer
por parte daqueles que censuram um exagerado “pessimismo”, quer
por parte daqueles que apontam a não-realização do diagnóstico por
ela adotado de supressão da “anarquia do mercado” por um capitalis-
mo de Estado, é preciso lembrar, por um lado, que a questão do capi-
talismo de Estado foi plenamente justificável diante do contexto his-
tórico em que foi pensada e, por outro, que nem esse diagnóstico nem
o alegado pessimismo implicaram qualquer abrandamento na crítica
à injustiça imanente à ordem social capitalista. E é precisamente essa
crítica que precisa estar no centro e na raiz de um pensamento crítico
sobre os direitos humanos.
     Dito isso, passo à exposição, que será construída a partir de pon-
tos eleitos como centrais para o pensamento dialético. O primeiro
será a contraposição entre as modalidades tradicional e crítica de teo-
ria. O segundo, a relação entre sujeito e objeto. O terceiro, a idéia de
primazia do objeto. O quarto, a questão da perspectiva da totalidade.
Ao final serão apresentadas conclusões.




2
  A especificação se faz necessária, visto que, entre os teóricos posteriores da mesma escola, es-
pecialmente a partir de Jürgen Habermas, a concepção de teoria crítica se altera.


4
1. Teoria e crítica – o sentido de uma teoria crítica
     Teoria, no sentido tradicional, é um conjunto de proposições hi-
potéticas organizadas de maneira sistemática, isto é, ligadas umas às
outras em cadeias dedutivas, sem qualquer contradição. Seu principal
instrumento é a lógica, sua atividade é o registro neutro da realidade e
seu ideal é a possibilidade de tudo deduzir de um pequeno número de
axiomas, como na matemática. Aqui o teorizar se apresenta como
alheio ao processo social, o pensamento se coloca como exterior ao
objeto, o objeto se submete ao princípio da identidade pura: o funda-
mento último, mesmo depois de mais de 300 anos de debates e refor-
mas, continua a ser o Discurso do método cartesiano.
     Presa a seus dogmas, a teoria tradicional é incapaz de captar a his-
tória – não só a dos objetos que defronta, mas também a sua própria. A
teoria como registro neutro, o objeto que sucumbe à lógica, o sujeito
que observa à distância: na raiz disso está o processo de dominação da
natureza por uma racionalidade instrumental, processo que conduz
também à dominação do homem pelo homem. Sem saber, por se tra-
tar de questão “extracientífica”, a teoria tradicional apresenta a natu-
reza ao homem tal como este a possa dominar (utilidade) e, ao capitu-
lar diante do “dado”, contribui para ratificar o estado de coisas vigen-
te (objetividade).
     A teoria crítica, pelo contrário, nunca deixa de ter presente a con-
cepção da sociedade como totalidade e não ignora o seu próprio lugar
nela. Ela encara a si própria como parte do processo de produção da
vida social, como elemento na divisão social do trabalho, mas não se
resigna à tarefa que dela se espera, que é a de registrar e catalogar de
maneira a contribuir com a reprodução da ordem social na qual se in-
sere. “O cientista e sua ciência” – assevera Horkheimer – “estão atre-
lados ao aparelho social, suas realizações constituem um momento da
autopreservação e da reprodução contínua do existente (...)”;3 de ou-
tro lado, porém, existe um “comportamento humano crítico”, que,
embora “provenha de estrutura social, não é nem a sua intenção cons-
ciente nem a sua importância objetiva que faz com que alguma coisa
funcione melhor nessa estrutura”.4
3
    Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 123.
4
    Idem. Ibidem. p. 130.


                                                                       5
Esse comportamento crítico é a atitude dos sujeitos da teoria críti-
ca. Eles reconhecem que a sociedade em que vivem é o seu mundo,
mas, ao penetrarem essa sociedade e tomarem ciência de que sua or-
ganização é ditada por forças outras que não a vontade dos homens,
percebem que esse mundo não lhes pertence. Em outras palavras, “o
reconhecimento crítico das categorias dominantes na vida social con-
tém ao mesmo tempo a sua condenação”.5
     A crítica de que se vale a teoria crítica não é, portanto, aquela de
cunho kantiano, cujo modelo é a Crítica da razão pura. Não se trata
de depuração ou de aperfeiçoamento do conceito, da teoria, enfim, da
idéia, para que se torne mais coerente ou mais adequada. Trata-se,
pelo contrário, de crítica ao próprio objeto, à própria realidade. O mo-
delo, como Adorno e Horkheimer declaram mais de uma vez,6 é a crí-
tica da economia política de Marx.
     Sendo crítica à própria coisa, não pode a teoria crítica ter como
referencial a adequação entre hipótese e fato, tampouco pode se pau-
tar pela utilidade de seus resultados. Ela não leva adiante o equívoco
de tomar a teoria como alheia à sociedade, e assim se põe em radical
oposição à objetividade cega da teoria tradicional: seu referencial não
é a equivalência entre pensamento e realidade dada, mas está fundado
na possibilidade do novo. A teoria crítica visa à superação da socieda-
de presente, e isso, é evidente, rende-lhe a acusação de subjetiva e ar-
bitrária.
     “Se o pensamento não limita a registrar e classificar as categorias
da forma mais neutra possível, isto é, não se restringe às categorias in-
dispensáveis à práxis da vida nas formas dadas, surge imediatamente
uma resistência.”7 Toda teoria que não se recolhe ao seu devido lugar
é suspeita. No caso da teoria crítica, há ainda um vínculo com a filoso-
fia8 que a faz soar ainda mais arbitrária. É da filosofia (portanto de um

5
  Idem. Ibidem. p. 131.
6
  Ver, por exemplo, Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 130; e Adorno, T.
Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 226.
7
  Idem. Ibidem. p. 147.
8
  Evidentemente não se trata de uma filosofia qualquer. A filosofia de que se vale a teoria crítica
é aquela que pretende transformação, e não aquela que se limita a “interpretar” o mundo. É o que
diz Horkheimer: “A filosofia que pretende se acomodar em si mesma, repousando numa verda-
de qualquer, nada tem a ver, por conseguinte, com a teoria crítica.” Horkheimer, M. Filosofia e
teoria crítica. p. 161.


6
saber “não científico”) que ela pretende retirar as linhas gerais que
apontam o sentido da transformação social. No entanto, seu procedi-
mento não é arbitrário nem subjetivo. A diferença fundamental está
na ausência de cânones e limitações que conduzem o pensamento à
impotência, de modo que se torna possível ver aquilo para que os
olhos da teoria tradicional estão cegos. A orientação na transforma-
ção da sociedade presente não é “inventada”, não é fruto da vontade
ou da ideologia do sujeito: ela é retirada da análise materialista e dia-
lética do movimento histórico,9 de acordo com o procedimento pró-
prio da crítica imanente.
     No mais, Horkheimer remarca que a transformação social pela
qual se orienta a teoria crítica não é do tipo gradual, como a “aduba-
gem de uma planta” ou uma “terapia na medicina”.10 A transformação
é profunda, radical: implica ruptura com a ordem social presente, em
nome de uma nova, de uma “sociedade verdadeira”.11
     No que tange ao estudo dos direitos humanos, é essa transforma-
ção que deve estar sempre em vista. Se pretende ser crítica, a teoria
dos direitos humanos não pode sucumbir ao registro e à observação
indiferente. A metodologia exclusivamente jurídica, a análise limita-
da à estatística e a atitude de neutralidade não são com ela compatí-
veis. A filosofia crítica deve ser sua maior aliada contra a impotência
diante do “dado” e o imobilismo resultante da “evidência”.12


9
  “Os pontos de vista que a teoria crítica retira da análise histórica como metas da atividade
humana, principalmente a idéia de uma organização social racional correspondente ao interesse
de todos, são imanentes ao trabalho humano, sem que os indivíduos ou o espírito público os
tenham presentes de forma correta.” Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 134.
10
   Ver Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 138-139.
11
   “A idéia de verdade científica não pode ser dissociada da de uma sociedade verdadeira.
Apenas esta seria livre tanto da contradição como da não-contradição.” Adorno, T. Introdução
à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 228.
12
   É precisamente nesse sentido que Eduardo C. B. Bittar afirma: “Na perspectiva de uma
abordagem crítica, a filosofia permite e consente o abalo do que simplesmente aparece aos
olhos como sendo a dimensão do dado, a experiência da evidência. A filosofia pressupõe uma
atitude radical, perante a vida e perante o mundo. Onde há ordem, ela pode ver desordem; onde
há desordem, ela pode ver ordem. É dessa subversão que acaba por colher o espírito de sua
tarefa desafiadora, porque comprometida com a possibilidade do novo, do não visto e não
experimentado, do inovador, daquilo que desafia a ordem da regularidade dos fenômenos e da
aceitação da tutela da vida desde fora.” Bittar, E. C. B. Filosofia crítica e filosofia do direito: por
uma filosofia social do direito. p. 53.


                                                                                                     7
Uma teoria crítica autêntica deve reconhecer seu lugar na ordem
social vigente, mas não deve se resignar diante dela. Esse reconheci-
mento deve ser acompanhado de condenação, de modo que o pensa-
mento acerca dos direitos humanos possa colocar-se como índice de
reprovação de uma sociedade injusta e denúncia dessa injustiça. A
“instrumentação” dos direitos humanos de algum modo que sirva à
reprodução da sociedade presente deve ser recusada: fazer com que
algo, através dos direitos humanos, venha a “funcionar melhor” no
contexto das relações sociais dadas é algo com que não coaduna a teo-
ria crítica. Sua referência é a superação dessas relações, sendo incum-
bência sua concluir se os direitos humanos devem encontrar sua reali-
zação radical ou sua própria superação nesse processo.


2. Sujeito e objeto
     A separação entre sujeito e objeto, a partir da qual toda teoria é
dada como resultado da observação do objeto “de fora”, é tomada pela
teoria tradicional, sem maiores reflexões, como algo natural, auto-evi-
dente. Algo passa despercebido que, se percebido fosse, soaria parado-
xal. Por um lado, tal separação é reveladora do processo pelo qual o su-
jeito se afasta da natureza para dominá-la13 e, de outro, ela engendra
uma teoria que se pretende um mero “reflexo” do real, uma espécie de
declaração de impotência do sujeito que nada pode alterar na realidade.
Dominar e ratificar parecem estar em oposição, mas estão ambos na
base desse pressuposto nada natural da teoria tradicional: dominar a na-
tureza e os homens e ratificar as relações sociais dadas.
     A teoria crítica, que não se presta a tais fins, parte da relação dia-
lética entre sujeito e objeto, segundo a qual jamais ocorre um verda-
deiro corte entre um termo e outro. Tal ponto de vista se revela precio-
so quando o objeto de estudo é, como aqui, a sociedade: ela não pode

13
  “No distanciamento do sujeito em relação ao objeto, que realiza a história do espírito, o sujei-
to se esquivava da superioridade real da objetividade. Sua dominação era a de um mais fraco so-
bre um mais forte. De outro modo, talvez a auto-afirmação da espécie humana não teria sido
possível como, certamente, também o processo de objetivação científica. Mas, quanto mais o
sujeito se apropriava das determinações do objeto, tanto mais ele se convertia, inconsciente-
mente, em objeto.” Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia
alemã. p. 224.


8
ser encarada como mero objeto exterior, como coisa na qual o sujeito
não toma parte. A sociedade é ao mesmo tempo sujeito e objeto – su-
jeito porque ela é resultado da ação humana, ela é a ação humana; ob-
jeto porque, embora seja feita pelos homens, estes não a fazem como
bem entendem, mas de acordo com suas limitações, isto é, há também
uma dimensão que se impõe objetivamente ao homem.
     O sujeito não pode se colocar fora da sociedade para estudá-la.
Sujeito e objeto não estão “soltos e solteiros” em um universo de en-
tes isolados: estão ambos ligados à mesma totalidade, da qual são par-
tes constitutivas. Quando volta sua atenção para qualquer objeto so-
cial, o sujeito se põe a conhecer algo que apenas precariamente pode
ser separado dele mesmo. Teoria e realidade se integram não apenas
porque a atividade teórica é uma forma de produção social, ligada a
todas as demais, mas também porque a teoria, isto é, o modo de co-
nhecer o objeto, faz parte da realidade do objeto e a altera.14
     Assim sendo, não é dado ao teórico crítico analisar os direitos hu-
manos como mera exterioridade. Esses direitos são produto da ação
humana, e o sujeito que os aborda está neles incluído, quer como por-
tador de direitos humanos, quer como membro da sociedade na qual
eles surgem, geram demandas, engendram ideologias, são frustrados
etc. A ação transformadora deve estar presente também aqui: a teoria
pode alterar a realidade do objeto ao postular aprofundamento dos di-
reitos humanos diante de necessidades sociais reprimidas, ou denun-
ciar a cumplicidade desses direitos com o capitalismo, ou denunciar a
miséria do capitalismo que torna inviável sua realização etc.
     “Mitos”, como o do caráter genérico e neutro do sujeito cognos-
cente, devem cair por terra. “A suposição da invariabilidade social da
relação sujeito, teoria e objeto” – afirma Horkheimer – “distingue a
concepção cartesiana de qualquer tipo de lógica dialética”.15 A relação
subjeito-objeto não é sempre a de uma coisa que se deixa “fotografar”

14
   Na teoria tradicional, a separação radical entre sujeito e objeto determina o caráter externo da
teoria quanto à realidade. Confiram-se as palavras de Horkheimer: “A própria teoria do cientista
especializado não toca de forma alguma o assunto com que tem a ver, o sujeito e objeto são rigo-
rosamente separados, mesmo que se mostre que o acontecimento objetivo venha a ser influenci-
ado posteriormente pela ação humana direta, o que é considerado também na ciência como um
fato. O acontecimento objetivo é transcendente à teoria (...).” Horkheimer, M. Teoria tradicio-
nal e teoria crítica. p. 145.
15
   Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 133.


                                                                                                 9
docilmente por alguém; a atividade transformadora do homem sobre a
coisa é dada historicamente e é determinante para a abordagem teórica.
Neutralidade, para o teórico, é sinônimo de capitulação diante da reali-
dade teorizada. Quando estuda a sociedade, o sujeito não pode “des-
pir-se” de sua condição de ser social; ele a estuda como um ser humano
concreto, que traz consigo toda a carga de sua socialidade, seus interes-
ses de classe, sua vontade de transformação.
     A teoria crítica não se limita a descrever a realidade porque não
procura mascarar sua relação autêntica com o real. Ela não pode enca-
rar os direitos humanos com pretensa neutralidade; ao invés disso,
deve fazê-lo a partir do ponto de vista do processo social transforma-
dor: deve, pois, levar em conta a dimensão de lutas e reivindicações
na qual estão concretamente imersos os sujeitos envolvidos com tais
direitos.


3. Primazia do objeto
     A concepção que a teoria tradicional adota é aquela segundo a
qual a realidade não passa de pura objetividade sem sentido, à qual o
sujeito, através da razão, atribui unidade, sistematicidade, coerência,
enfim, aptidão para o uso de acordo com os fins humanos. Ela consa-
gra uma hipóstase do logos – é a razão subjetiva, tornada independen-
te da realidade e alheia ao processo social, que doa, desde fora, senti-
do para tudo. Mesmo quando o objeto é um produto da ação humana
e, portanto, já contém em si um sentido, a teoria tradicional o encara
como “fato bruto”. De acordo com essa linha, o sujeito que se põe a
estudar os direitos humanos deve tratá-los como coisa: “de fora”, ele
os classifica (em “gerações”, por exemplo), atribui-lhes unidade (um
critério identificador comum), sistematicidade (enquadramento na
hierarquia da ordem jurídica formal) etc.
     O sujeito, que tem do seu lado a razão, é, na relação com a realida-
de, todo-poderoso. “Enquanto soberanos da natureza, o Deus criador
e o espírito ordenador se igualam.”16 Não há, nessas palavras de
Adorno e Horkheimer, exagero algum. Muito embora o ideário da te-
oria tradicional pregue a máxima objetividade, isto é, a não-interfe-
16
     Horkheimer, M.; Adorno, T. Dialética do esclarecimento. p. 24.


10
rência das determinações do sujeito na atividade teórica, é precisa-
mente uma determinação do sujeito que prevalece: o objeto sucumbe
diante do arauto da razão subjetiva, o método. O alegado subjetivis-
mo com que os adeptos da teoria tradicional argumentam contra os
adeptos da dialética se revela, assim, um argumento tu quoque (que se
volta contra si mesmo).17
     O conceito de primazia do método, que Adorno levanta contra os
positivistas, expressa bem essa inversão. A teoria tradicional preten-
de capturar o objeto “em si mesmo”, mas só é capaz de fazê-lo através
da mais rigorosa aplicação do método (experiência controlada, lógica
formal, sistematicidade etc.). O sujeito predetermina o método e o
impõe ao objeto, de modo que, em um certo sentido, o sujeito conhece
fazendo violência ao objeto. Não se obtêm do objeto a sua própria es-
trutura, o seu próprio peso, os seus próprios critérios de validade, mas
tão-somente aquilo que o método é capaz de arrancar-lhe. O real cap-
tado acaba sendo, pois, não o real “em si”, mas um real “inventado”.
     Na dialética, a primazia é do objeto. O teórico crítico não se im-
põe, mas se curva diante do objeto, dando voz àquilo que é real e, não
obstante, por transgredir o ideal metodológico do sujeito neutro, es-
capa à teoria tradicional.18 Ele se põe na condição de sujeito cognos-
cente sem estar previamente munido de equipamentos e técnicas que
por si sós garantiriam o teor “científico” de sua análise; ele deixa o ob-
jeto ditar o caminho a ser percorrido pela teoria. O método de aborda-
gem de um objeto é determinado pelo próprio objeto:19 à teoria cum-
pre reproduzir a estrutura do objeto, com as deficiências e contradi-
ções a ela inerentes.

17
   “O positivismo, para o qual contradições são anátemas, possui a sua mais profunda e incons-
ciente de si mesma [contradição], ao perseguir, intencionalmente, a mais extrema objetividade,
purificada de todas as projeções subjetivas, contudo apenas enredando-se sempre mais na parti-
cularidade de uma razão instrumental simplesmente subjetiva.” Adorno, T. Introdução à con-
trovérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 212.
18
   “O que o cientificismo simplesmente apresenta como progresso sempre constitui-se também
em sacrifício. Através das malhas escapa o que no objeto não é conforme o ideal de um sujeito
que é para si ‘puro’, exteriorizado em relação à experiência viva própria; nesta medida, a
consciência em progresso era acompanhada pela sombra do falso.” Adorno, T. Introdução à
controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 224. Na mesma obra, à p. 242, em nota
de rodapé, Adorno cita um interessante exemplo: a arte como depósito do conhecimento
rejeitado pela teoria pautada pela primazia do método.
19
   Eis a explicação da não-autonomia do método dialético diante do objeto.


                                                                                          11
Se o objeto é complexo, obscuro e contém contradições internas,
não pode a teoria aspirar à simplicidade, clareza e coerência. É preci-
so ter em conta que “se teoremas sociais precisam ser simples ou
complexos, constitui objetivamente decisão dos próprios objetos”20 –
simplificar o complexo ou clarificar o obscuro são, em última instân-
cia, expedientes falseadores da realidade. No mesmo sentido, a coe-
rência artificialmente construída na teoria é a máxima expressão de
sua inverdade: é somente por meio de um ato arbitrário do sujeito que
as contradições de que é repleta a realidade – contradições que, na so-
ciedade capitalista, só fazem se agravar – podem desaparecer na teo-
ria. Em outras palavras, a contradição não é sempre erro que exige ser
corrigido; pelo contrário, ela pode ser imposição da realidade, uma
vez que esta não aceita a lógica como seu princípio estruturador.21
     O sujeito engajado com a teoria crítica deve, portanto, recusar a
idéia de fazer “ciência” no sentido usual. A acusação de falta de cien-
tificidade em seu trabalho não deve constrangê-lo: ela apenas revela
as limitações de seus acusadores. Ao se deparar com contradições,
não deve buscar eliminá-las a todo custo, como se fosse escravo de
um pensamento que ou é linear ou não é nada: “a circunstância de que
a concepção do caráter contraditório da realidade social não sabota o
conhecimento desta e não o entrega ao acaso reside na possibilidade
de entender a contradição como necessária e, com isso, ampliar a racio-
nalidade até ela”.22
     Contradições como a do caráter social da produção com o caráter
privado da apropriação, bem demonstrada por Marx, ou da tendência
emancipadora com a tendência mistificadora do esclarecimento,
mote central da Dialética do esclarecimento, não estão somente na teo-
ria, mas no próprio objeto. Assim também o fato de serem os direitos
humanos originalmente postulados pela sociedade capitalista, como
condição para o funcionamento de uma esfera de troca generalizada
de mercadorias, e, ao mesmo tempo, essa mesma sociedade, pela for-

20
   Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 239.
21
   “As contradições das partes isoladas da teoria não são portanto resultantes de erros ou
definições mal cuidadas, mas resultam do fato da teoria visar a um objeto que se transforma
constantemente e que apesar do esfacelamento não deixa de ser um objeto único.” Horkheimer,
M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 152.
22
   Adorno, T. Sobre a lógica das ciências sociais. p. 49.


12
ma inerentemente exploratória e desigualadora de suas relações es-
truturais, negar realização a tais direitos: eis uma contradição que re-
side na realidade objetiva e que a teoria não pode suprimir. Caso con-
trário, a teoria dos direitos humanos vai, “por amor à clareza e à exati-
dão, passar ao largo daquilo que quer conhecer”.23


4. Perspectiva da totalidade
     A relação dialética entre parte e todo, tão cara à tradição marxista
e tão presente nas obras de Adorno e Horkheimer, é fundamental para
a teoria crítica. Se, em um extremo, Marx censurou os economistas
clássicos por iniciarem seus tratados por uma totalidade abstrata, sem
cuidar do movimento interno de suas partes constitutivas,24 no outro,
Adorno censura os positivistas por se limitarem ao fato isolado, que é
parte, sem avançar para a totalidade. Em ambos os casos, a teoria tra-
dicional se ampara no postulado cartesiano da igualdade entre o todo
e a soma das partes. Perde, com isso, a capacidade de captar o movi-
mento, a transformação, a história – a dialética, que rejeita a identida-
de pura, permanece a par da dinâmica do real.
     Todo e parte não podem ser tomados como autônomos. O todo se
forma como resultado do movimento das partes, como produto da
complexa rede de inter-relações entre as partes; é, portanto, mais do
que mera soma. A parte, por sua vez, não pode ser reduzida à coisa iso-
lada e existente por si, de vez que não se resume à identidade consigo
mesma e só pode ser compreendida através do contraponto com o todo.
A verdade do todo só pode ser conhecida através da dinâmica das par-
tes, sem o que o todo não passa de abstração vazia.25 A verdade da parte
– isto é, o fato, o objeto isolado – só pode ser conhecida se, em sua sin-
gularidade, a teoria é capaz de captar a perspectiva da totalidade.26
23
   Idem. Ibidem. p. 47.
24
   Ver Marx, K. Introdução à crítica da economia política. p. 116-123.
25
   A dialética visa a conhecer o todo, mas este não pode ser apreendido diretamente. É preciso
começar pelas partes e remontar a rica rede de relações entre elas até chegar à totalidade. Nesse
caso, a totalidade já não aparece como totalidade abstrata, mas como totalidade concreta, isto é,
unidade do diverso. É por isso que Marx inicia a crítica à economia política pela mercadoria, e
não pela população ou pela sociedade.
26
   Os positivistas alegam a não-testabilidade do conceito de totalidade. Com efeito, o caráter hi-
potético da teoria tradicional exige que todo postulado possa ser provado empiricamente, o que



                                                                                              13
Nesse sentido, Adorno afirma:

               “A totalidade social não leva uma vida própria além daquilo que ela en-
          globa e que a compõe. Ela se produz e se reproduz através de seus momentos
          individuais. (...) Mas quanto menos se pode separar esse todo da vida, da co-
          operação e do antagonismo de seus elementos, tanto menos pode um ele-
          mento qualquer ser compreendido apenas no seu funcionamento, sem a vi-
          são do todo, cuja essência está justamente no movimento do singular. O sis-
          tema e a singularidade são recíprocos e somente reconhecíveis em sua reci-
          procidade.”27

     Isso remete a uma outra questão acerca da teoria crítica: sua irre-
dutibilidade ao esquema dado de divisão das áreas do conhecimento.
Ela transita por sociologia, psicologia, economia, filosofia etc., mas
não apenas não se reduz a qualquer dessas, como as engloba em um
conjunto teórico mais avançado em termos de profundidade e com-
plexidade. Trata-se de teoria crítica da sociedade, ou seja, teoria para
a qual os estudos centrados em elementos isolados não bastam por si
sós, mas importam somente como momentos do estudo da sociedade
como totalidade.
     O estudo que tem os direitos humanos por objeto não pode, por
conseguinte, ser fragmentado, estruturando-se como teoria especiali-
zada à parte, visto que seu lugar no quadro geral do conhecimento é o
de momento da crítica mais geral à sociedade como um todo. Esses
direitos não podem ser encarados como algo dissociado do todo social.
O seu sentido não reside neles mesmos, e por isso a teoria crítica não
pode aceitar “recortá-los” para fora do contexto social no qual estão
integrados.
     Como elemento da sociedade vigente que são, os direitos huma-
nos, na mesma medida em que atuam como parte constitutiva do todo,


desqualificaria a teoria crítica. Mas a totalidade não é fato e não se deixa testar como fato: ela é
precisamente aquilo que supera a mera faticidade. Nas palavras de Adorno: “Nenhum experi-
mento poderia demonstrar sumariamente a dependência de qualquer fenômeno social à totali-
dade, visto que o todo, que pré-forma os fenômenos captáveis, é refratário em si mesmo a planos
experimentais particulares. Apesar disso, aquela dependência social observável em relação à
estrutura global pode ser tudo, menos mera construção mental e, além disso, é mais válida na
realidade que quaisquer achados isolados irrefutavelmente verificáveis.” Adorno, T. Sobre a
lógica das ciências sociais. p. 52-53.
27
   Adorno, T. Sobre a lógica das ciências sociais. p. 48.


14
carregam em si mesmos o traço determinante da sociedade. A teoria
crítica não pode ignorar esse traço: as teses idealistas acerca do surgi-
mento e do papel dos direitos humanos devem ser preteridas em nome
de um pensamento que ressalte a determinação objetiva, porém não
evidente, exercida pela estrutura da sociedade capitalista sobre tais
direitos. Por outro lado, as partes, em sua dinâmica, podem ser não
apenas contraditórias umas em relação às outras, mas também em re-
lação à totalidade; a relação entre os elementos constitutivos e o todo
social não é de harmonia perfeita. Os direitos humanos podem se opor
às tendências da sociedade capitalista e esta é uma possibilidade que a
teoria crítica deve não somente reconhecer, mas buscar realizar. Den-
tro de certos limites – cuja maior ou menor extensão cabe à teoria crí-
tica investigar –, podem os direitos humanos até mesmo ensejar trans-
formação – que deve ser o referencial da teoria crítica – na estrutura
da sociedade presente.


5. Conclusões
     A recusa à ratificação da sociedade capitalista, a relação dialética
entre sujeito e objeto, a primazia do objeto ao invés da primazia do
método, a perspectiva da totalidade sempre presente: a análise do mé-
todo defendido por Adorno e Horkheimer revela que o fundamento e
o ideal da crítica levada adiante através da teoria crítica são, em essên-
cia, os do marxismo. Embora tenha apresentado desvios temáticos e
conceituais quanto aos marxistas de então, percebe-se que a primeira
geração da Escola de Frankfurt mantém viva e com excepcional de-
senvolvimento a dialética de Marx.
     Sobretudo no compromisso com a transformação social, que
constitui o cerne de seu teor crítico e que a torna instigadora da ativi-
dade ao invés da passividade, a teoria crítica revela sua fidelidade ao
ideal de Marx: a finitude do presente e a possibilidade do novo têm
como porta-voz a dialética. Se, com o mesmo ideal, voltar a atenção
aos direitos humanos, a teoria deverá prosseguir ciente dessa finitude
e em busca dessa transformação – ainda que a finitude em questão
seja a dos próprios direitos humanos e o novo seja a superação desses
direitos. Se a crítica se dirige ao próprio objeto, então obviamente não
pode poupar os próprios direitos humanos.


                                                                       15
Por tudo quanto foi exposto, procurei dar indicações para um
pensamento crítico acerca dos direitos humanos, sem antecipar resul-
tados e conclusões. Ficam, contudo, certas questões das quais o críti-
co não pode se esquivar. Até que ponto os direitos humanos são deter-
minados pela ordem social capitalista e contribuem para seu funcio-
namento? Até que ponto e como podem servir à resistência à socieda-
de presente e ao empenho na sua transformação? Qual o limite entre
perpetuar o mesmo e propugnar verdadeiramente pelo novo quando
se trata de direitos humanos?
     Por fim, resta claro que o caminho para levar a teoria crítica aos
direitos humanos é longo. Ainda assim, persiste a expectativa de que
essa singela contribuição possa ao menos servir de incentivo para que
ele seja trilhado.


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   Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira da Cunha: Teoria tradicional e teo-
   ria crítica. In: BENJAMIN, W. et al. Textos escolhidos. São Paulo: Abril
   Cultural, 1980. p. 117-154. (Coleção Os Pensadores.)
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   clarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. 254p.
MARX, Karl. Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie. 1859. Tra-
   dução brasileira José Arthur Giannotti e Edgar Malagodi: Introdução à


16
crítica da economia política. In: MARX, K. Manuscritos econômicos fi-
   losóficos e outros textos escolhidos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural,
   1988. p. 103-125. (Coleção Os Pensadores.)
_____. Zur Judenfrage. 1843. Tradução brasileira Sílvio Donizete Chagas:
   A questão judaica. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2005. 101p.
MUSSE, Ricardo. A dialética como discurso do método. Tempo social, v.
   17, n. 1, p. 367-389, 2005.




                                                                       17
I.2. Igualdade e diferença nos direitos humanos

                                                       Erica Roberts C. Serra*




1. Introdução
     No presente artigo, pretendemos discutir os conceitos de igualda-
de e diferença nos direitos humanos da mulher, e para isso o nosso
apoio teórico consiste em aspectos das obras de Piovesan, Foucault e
Boaventura de Sousa Santos. Fundamentalmente, iremos abordar a
aplicação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em especial
seu inc. II, quando declara que ninguém será privado dos direitos e li-
berdades daquela Declaração por distinção de raça, credo, sexo, lín-
gua, religião, opinião política etc., e a influência do sistema dominan-
te, cultura patriarcal, no momento da aplicação da norma universal ao
mundo concreto.


2. A Declaração dos Direitos Humanos – o conceito
de igualdade e as mulheres
    A Declaração Universal dos Direitos Humanos buscou a norma-
tização de princípios fundamentais, como o direito à vida, liberdade,
educação etc., abrangendo todos os povos de culturas diversas, pac-
tuando o respeito aos direitos fundamentais por meio de regras de
condutas predeterminadas, enfim, regras de condutas “universais”.
* Advogada, formada pela Faculdade de Direito da PUC/Campinas, onde foi estudante de Ini-
ciação Científica do grupo Filosofia, Cultura e Sociedade, orientanda do professor Samuel
Mendonça, pesquisador do referido grupo.


18
A Carta Universal, em seu art. II, declara que ninguém será priva-
do dos direitos e liberdades daquela Declaração por distinção de raça,
credo, sexo, língua, religião, opinião política etc. A partir desse artigo
podemos nos ater à proibição de qualquer distinção de sexo.1
    Inicialmente, a Carta repetiu a práxis da normatização de princí-
pios fundamentais, principalmente no chamado direito de igualdade
formal.
    A adoção desses conceitos propõe um tratamento comum somen-
te na esfera abstrata, ou seja, quando falamos na “forma” utilizada
pela maior parte das legislações – por exemplo, “todos são iguais pe-
rante a Lei sem distinção de qualquer natureza etc.” (art. 5o, caput, da
CF/1988) – ela permanece no campo abstrato da norma, sem garantia
de real efetividade no campo material. Por isso, chama-se igualdade
formal, ou seja, no campo abstrato das normas somos todos sujeitos
de direitos.
    Quando a Declaração garantiu uma igualdade formal, ou seja,
dentro do seu mundo abstrato, assumiu como paradigma principal um
sujeito universal assexuado. No entanto, um sujeito universal assexu-
ado somente pode ser considerado de maneira abstrata, e não no mun-
do concreto, e, por conta disso, a Carta Universal, quando aplicada ao
mundo real, perdeu seu caráter neutro e passou a manifestar-se de for-
ma sexuada, ou seja, a manifestar-se através do sistema dominante,
que seria, portanto, o sistema patriarcal.
    A Declaração Universal dos Direitos Humanos propõe, inicial-
mente, um tratamento assexuado, desprendido de qualquer “parcia-
lidade”. No entanto, quando iniciada sua aplicação e discussão so-
bre os fatos concretos, observou-se uma “parcialidade” na sua apli-
cação. Por conta disso, houve a necessidade da aprovação da “Con-
venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher”, de 1979, inaugurando uma abordagem diversa da
aplicação normativa por meio do incentivo às ações afirmativas
compensatórias.
    Por que essa necessidade de reafirmação de direitos através da
Convenção de 1979 se a Carta Universal já contemplava e protegia a
igualdade de direitos entre homem, mulher e sociedades? Para res-

1
    Declaração Universal dos Direitos Humanos.


                                                                       19
ponder a esse questionamento, é necessário discorrer sobre o uso do
conceito de igualdade e suas variações.
     Observa-se nesse ponto que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos caiu em vício, quando da sua aplicação aos interesses pa-
triarcais arraigados na história das sociedades ocidentais. Podería-
mos eliminar o risco do vício da adoção de uma parcialidade nas de-
clarações universalizantes?
     Na prática, todos sabemos da dificuldade e do grande desafio de
atribuir neutralidade quando da aplicação da norma. O campo abstra-
to, formal, em que se encontra a premissa inicial: “todos iguais peran-
te a lei”, permanece estagnado, pois não acompanha e nem se realiza
no mundo concreto, na realidade das diferenças. Como vivemos e
convivemos na realidade das diferenças, torna-se complicada a ade-
quação da igualdade formal às relações e conflitos cotidianos.
     Daí podemos citar a grande influência que a cultura patriarcal, o
sistema dominante, exerce no momento da aplicação da norma jurídi-
ca. Nesse momento, como vivemos no mundo das diferenças, a nor-
ma jurídica fica vulnerável à influência cultural, sendo, enfim, mais
do que necessária a procura de uma saída adequada para que a norma
não seja aplicada injustamente.
     Por conta dessa dificuldade procurou-se formular outro conceito
de igualdade, o conceito da igualdade material, que considera um cri-
tério socioeconômico para caracterizar se esta ou aquela pessoa efeti-
vamente é sujeito de direitos. O ser humano que não tem acesso à edu-
cação, saúde e lazer não efetiva seu direito abstrato de igualdade. O
conceito de igualdade material reconhece as diferenças entre os po-
vos e propõe um caminho concreto para alcançar a justiça social.
     Nessa esteira, Flavia Piovesan divide o conceito de igualdade
material em dois momentos:
              “1. igualdade material que corresponde ao ideal de justiça social e dis-
         tributiva (igualdade orientada pelo critério socioeconômico);
              2. igualdade material que corresponde ao ideal de justiça como reco-
         nhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero,
         raça, etnia etc.)”.2


2
  Piovesan, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cadernos de Pes-
quisa, v. 35, n. 124, p. 47, jan./abr. 2005.


20
Peço atenção ao segundo conceito de igualdade material, pelo re-
conhecimento das identidades.
     Houve momentos na história mundial em que o reconhecimento
das diferenças expressava temor, como no regime nazista, que utili-
zou o conceito de igualdade formal para aniquilar uma etnia.
     Sendo insuficiente o tratamento do indivíduo de forma genérica,
através da igualdade formal, fez-se necessária a especificação do su-
jeito de direito, enfim, o sujeito visto através de suas peculiaridades e
particularidades (Boaventura de Souza Santos):

                “temos o direito a ser iguais quando nossa diferença nos inferioriza; e
           temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.
           Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma
           diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.3

    Seria uma redistribuição de direitos somada ao reconhecimento de
identidades, introduzindo um novo caráter bidimensional de justiça.4
    Enfim, ao pretendermos uniformizar as diferenças, criar regras
de conduta universais, acabamos por desconhecer as particularidades
do ser humano, restringindo-lhe no âmbito da proteção.
    Todavia, surgiram críticas ao uso dessa igualdade formal, quando
entrou em discussão a necessidade do respeito às diferenças como ga-
rantia e concretização de direitos fundamentais, levando à aprovação
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina-
ção contra a Mulher, de 1979.
    A Convenção de 1979 ratifica a necessidade do uso desse outro
conceito de igualdade, o conceito de igualdade material pelo reconhe-
cimento das identidades, prevendo em seu texto o risco do uso de
igualdade formal prejudicial às mulheres que não têm o mesmo trata-
mento no mundo das diferenças e, portanto, o incentivo ao uso de me-
didas compensatórias, buscando reduzir o abismo desigual entre ho-
mens e mulheres.




3
    Santos, Boaventura. Reconhecer para libertar. p. 56.
4
    Piovesan, Flavia. Ibidem.


                                                                                     21
3. Foucault, disciplina e as diferenças
     O filósofo francês Michel Foucault, em seus estudos sobre as vá-
rias formas de manifestação do poder, introduz o conceito de “discur-
so verdadeiro”.5
     Considerando que somos sujeitos históricos, ou seja, faz parte da
nossa construção como sujeito social toda uma história cultural, po-
deríamos dizer a história do nosso povo, temos para nós um discurso
verdadeiro, que é um discurso passado culturalmente para a manuten-
ção dos corpos dóceis; por exemplo, o discurso de uma sociedade pa-
triarcal, o sistema dominante, que desconsidera o respeito às capaci-
dades da mulher, repassado, inclusive, pelas mães aos filhos peque-
nos. Esse é um exemplo de um dos denominados discursos verdadei-
ros tão arraigados na sociedade e repetidos inconscientemente, pois já
fazem parte da essência daquele sujeito social.
     Foucault repudia qualquer forma de “repetição” dos discursos tido
como verdadeiros por considerá-los totalitários, uniformizadores.
     O discurso verdadeiro nada mais é do que a repetição de uma das
por ele denominadas tecnologias disciplinares: homem como objeto e
como sujeito – que tornam o corpo ao mesmo tempo dócil e produtivo
– e das tecnologias do eu – que obrigam o indivíduo a falar a verdade
sobre si mesmo. Tais tecnologias disciplinares são manifestações de
controle das condutas da sociedade, um controle sutil, mas cruelmen-
te eficaz.
     Portanto, a eficácia de um sistema normativo tem por base a dis-
ciplina dos corpos políticos. Toda forma de uniformização é uma
aplicação da tecnologia disciplinar.
     Uma das manifestações desses mecanismos disciplinares é abor-
dada em História da sexualidade I: A vontade de saber, em que o filó-
sofo identifica a incitação da colocação do sexo no discurso como for-
ma de controle das condutas sociais, por exemplo, a descoberta do estu-
do científico do sexo através dos médicos; a dura penalização normati-
va por condutas tidas como perversões sexuais, por ele chamada de
“implantação perversa”; as regras do direito canônico e, principalmen-
te, do direito de família quanto às condutas do casamento.

5
  Balbus, Isaac. Mulheres disciplinantes: Michel Foucault o poder do discurso feminista. In: Fe-
minismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1987.


22
Foucault introduz o conceito do “dispositivo de sexualidade”,
que se trata do

                “conjunto dos efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas
           relações sociais, produzidos por instituições, normas, leis, mecanismos eco-
           nômicos, toda uma tecnologia política complexa, cuja finalidade é captar,
           normalizar e usar em seu benefício as sexualidades individuais e a sexuali-
           dade coletiva”.6

     A partir desse pensamento de Foucault, podemos questionar: a
aplicação da norma formal garantidora de igualdade de direitos está
sujeita às influências culturais? Considerando a resposta afirmativa a
essa pergunta, podemos desenvolver a reflexão seguinte. A universa-
lização da aplicação da Declaração poderia ser considerada uma re-
petição de um discurso verdadeiro patriarcal, influenciado pelo siste-
ma dominante, em que se cria um dispositivo de sexualidade com re-
lação às mulheres do mundo, pois poderíamos, enfim, considerar que
essa cultura histórica dominante faz parte do cotidiano das mulheres
que vivem nos cinco continentes do planeta.
     Em suma, a universalização de condutas dispostas na Declaração
dos Direitos Humanos não é nada mais do que repetições de discursos
verdadeiros, de tecnologias de controle exercidas pelo poder, pelo
sistema dominante.
     Quando há o reconhecimento da diferença não se repete o discur-
so, é um novo discurso que será desenvolvido.
     No artigo “Theatrum philosoficum”, em que Foucault desenvol-
ve os temas de dois livros do filósofo Gilles Deleuze: A lógica dos
sentidos e Diferença e repetição, ele explica justamente o uso de uma
nova forma de pensamento, na verdade, o verdadeiro uso do pensa-
mento procurando a problematização dos conceitos.
     Quando apenas repetimos os conceitos, acabamos por repetir
conjuntamente seus vícios, sem qualquer perspectiva de uma nova re-
flexão sobre a eliminação destes. A repetição de um discurso, por
exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de maneira
“parcial”, masculinizada, garante a manutenção do vício do discurso.
Diz Foucault: “Há que abandonar o círculo, mau princípio de retorno,

6
    Muraro, Rose Marie. Sexualidade da mulher brasileira. p. 22.


                                                                                    23
abandonar a organização esférica do todo.” A repetição dos discursos
nos leva a uma prática da manutenção circular, esférica, dos conceitos
e do próprio pensamento. Faz-se necessário descentralizar, dispersar
a forma de pensar, desvincular-nos da repetição dos vícios e passar-
mos a refletir sobre estes, criando novos discursos.
    O filósofo sugere, enfim, que:

                “(...) para libertar a diferença precisamos de um pensamento sem con-
           tradição, sem dialética, sem negação: um pensamento que diga sim à diver-
           gência; um pensamento afirmativo cujo instrumento seja a disjunção; um
           pensamento múltiplo (...) que não limita nem reagrupa nenhuma das coações
           do MESMO; um pensamento que não obedece ao modelo escolar”.7

    Com base nessa nova forma de pensar a diferença, procurando
não cair na armadilha de categorizá-la, pois estaríamos realizando a
repetição do discurso e descaracterizando sua identidade, poderemos
identificar a universalização dos discursos, percebendo seu caráter
uniformizador, totalitário e, através dessa identificação, procurare-
mos desconstruí-los, descentralizá-los, construir o conceito de uma
igualdade material, de afirmação das diferenças.


4. A importância do debate de gênero
    Através desse novo conceito de igualdade material com reconhe-
cimento das diferenças surgem as discussões e a criação do conceito
de gênero. O conceito de gênero compreende a identificação do sujei-
to pela indivisibilidade de direitos, ou seja, pelo catálogo de direitos
civis e políticos conjugado ao catálogo dos direitos econômicos, so-
ciais e culturais.
    Reconhece as peculiaridades do indivíduo e de suas necessida-
des, e procura identificá-las quando minoria vítima de discriminação.
Trata-se da identificação do ser em um aspecto de ser político, da dis-
tribuição desigual de poder, daí diz-se que as relações de gênero im-
plicam relações de poder.
    Ainda, nas relações de poder, o ser feminino sai perdendo, por
prevalecer o ser masculino. As mulheres, como diziam Deleuze e
7
    Idem. p. 102.


24
Foucault, repetem a conduta masculina de ser, a conduta de ser domi-
nante, e não promovem a diferença, que seria a conduta do ser femini-
no, a conduta da diferença.
     Já dizia Simone de Beauvoir: “Não se nasce, mas torna-se mu-
lher.”8
     Essa frase implica que, para a constituição do eu feminino, é ne-
cessário fazer uma escolha, uma escolha de continuar a praticar um eu
fictício feminino imposto pela concepção patriarcal de mulher como
sendo o “outro”, ou de escolher uma construção do eu feminino con-
siderando as peculiaridades do que poderia ser uma mulher. Essa ci-
tação de Beauvoir sugere uma descoberta incessante do que seria o
ser feminino, sugere uma liberdade de construção do ser feminino
como sujeito político na sociedade.
     A partir dessa afirmativa, a mulher deve sempre procurar cons-
truir sua identidade, pois é livre.
     Enfim, a construção do conceito de gênero sugere uma constru-
ção política e inovadora de respeito às peculiaridades da mulher em si
e do homem, cada um tendo a liberdade de construir-se como sujeito
político-social.


5. Considerações finais
     A normatização dos direitos fundamentais através da Carta Uni-
versal, utilizando o conceito de igualdade formal, restou infrutífera na
sua aplicação, pois a efetivação de direitos e garantias através do con-
ceito formal de igualdade não se realiza no mundo concreto, o mundo
das diferenças. Daí a necessidade de se elaborar uma segunda Carta
(Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina-
ção contra a Mulher) para suprir esse “vazio” na aplicação da Carta
Universal, proporcionado pela repetição do discurso dominante, pa-
triarcal, que se reflete em grande parte nas sociedades do mundo.
     Uma possível saída para a solução desse impasse poderia ser a
adoção do conceito de igualdade material como reconhecimento de
identidades. O reconhecimento das diferenças de gênero para propor-

8
 Butler, Judith. Variações sobre sexo e gênero. In: Feminismo como crítica da modernidade.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1987. p. 139.


                                                                                      25
cionar a reação ao sistema dominante e buscar a construção de uma
plataforma igualitária.


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   curso feminista. In: Feminismo como crítica da modernidade. Rio de Ja-
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SANTOS, Boaventura. Reconhecer para libertar. São Paulo: Civilização
   Brasileira, 2003.




26
I.3. O direito ao desenvolvimento humano: uma
        sugestão sobre a definição desse conceito

                                                           Ivanilda Figueiredo*




     O direito ao desenvolvimento consagrou-se na Declaração sobre
o Direito ao Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, na
qual foi definido como um direito humano através do qual toda pes-
soa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimen-
to econômico, social, cultural e político da sociedade em que vivem.
A Declaração e Programa de Ação de Viena, considerada como uma
reafirmação em termos contemporâneos da Declaração Universal de
Direitos Humanos, assinada por 173 países, reproduz as disposições
da declaração anterior e mais uma vez anuncia que, “embora o desen-
volvimento facilite a realização de todos os direitos humanos, a falta
de desenvolvimento não poderá ser invocada como justificativa para
se limitar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”. Já
na Declaração do Milênio, mais uma vez o direito ao desenvolvimen-
to recebe destaque. Nela se assevera que os Estados pactuantes estão
comprometidos com o objetivo de tornar esse direito uma realidade.
     Os marcos legais destacados têm por intuito demonstrar que, por
mais que o direito ao desenvolvimento já tenha sido tratado em diver-
sas e importantes normas internacionais, sua conceituação ainda não
é clara. Uma corrente chega a visualizá-lo como um direito que sim-


* Associada da ANDHEP desde maio de 2006, professora da Faculdade de Direito de Caruaru e
mestre em Direito Constitucional pela UFPE.


                                                                                      27
plesmente reúne em si os demais direitos humanos.1 Outra o identifi-
ca como uma prerrogativa peculiar que congrega os demais diretos
fundamentais, contribuindo para enfatizar os pressupostos de indivi-
sibilidade e interdependência deles característicos. Veja-se:

              “el derecho al desarollo puede ser visto como um medio para reforzar
         la importancia de los derechos humanos existentes y enfatizar la indivisibi-
         lidad e interdependencia de los derechos economicos, sociales e culturales
         y de los derechos civiles e politicos”.2

     Essa perspectiva demonstra que o direito ao desenvolvimento
está interligado de modo imanente ao conteúdo valorativo dos demais
direitos humanos, mas neles não se basta. Ele expressa mais. Ao co-
nectar tais direitos, normatiza a propalada interdependência dos mes-
mos,3 o que traz como conseqüência imediata, por exemplo, a desvin-
culação do desenvolvimento ao mero progresso material, pois, por
força da interdependência imposta por ele, o progresso econômico
deve ser uma meta, mas é imprescindível que a ele esteja atrelada uma
correta distribuição.
     Embora, essa definição pareça mais apropriada, ela ainda é bas-
tante imprecisa, pois não cria o conteúdo real do direito, não define
elementos constitutivos próprios, e, como se viu, esse não é um pro-
blema meramente doutrinário. A normativa internacional também
não conseguiu se expressar com a necessária precisão para assegurar
a visualização dessa prerrogativa como um direito autônomo.
     O conteúdo enigmático do direito ao desenvolvimento dificulta a
teorização sobre o mesmo e tem um efeito ainda mais nefasto: gera
uma escusa para a sua efetivação; ou situa políticas meramente eco-
nômicas com pouca ou nenhuma referência a questões sociais como
capazes de representar a efetivação do mesmo.
     Veja como exemplo paradigmático o capítulo do Relatório brasi-
leiro sobre o cumprimento dos objetivos do milênio, no qual constam

1
  Isa, Felipe Gómez. El derecho al desarrollo: como derecho humano en el ámbito jurídico in-
ternacional. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999. p. 168.
2
  Alston, Phillipe. Apud Isa, Felipe Gómez. Ibidem. p. 171.
3
  Wolkmer, Antônio; Wolkmer, Maria de Fátima. Direitos humanos e desenvolvimento. In:
Barral, Welber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do
desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. p. 70-71.


28
informações sobre a atuação econômica do Estado no âmbito interno
e no da cooperação internacional sem qualquer referência a direitos
sociais, ao menos subjacentes a elas.4 Depois, sem uma ligação clara
com as informações anteriores, o Estado se refere à telefonia, à inclu-
são social digital e a políticas de combate ao HIV/Aids. Ora, em que
essas atitudes podem representar uma concretização de um direito
complexo, como o direito ao desenvolvimento, não está evidente.
    A vagueza parece ser uma característica atual de tudo o que se re-
fere ao direito ao desenvolvimento, doutrina, normas e políticas, in-
capazes de o definir com precisão. Em sentido contrário, cada vez mais
se publicam e se discutem temas concernentes a esse direito, tomando
como uma verdade sua existência, mas nem sempre há uma preocu-
pação detida com seu significado.
    Além de não ter conteúdo próprio, poucos autores se preocupam
em definir que direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais
e ambientais (DHESCAs) estão contemplados dentro do conteúdo de
direito ao desenvolvimento. E isso não é de diminuta importância,
pois o próprio catálogo de direitos humanos/fundamentais5 é ampla-
mente discutido sem que se chegue a um acordo sobre quais prerroga-
tivas o compõem. Veja-se a esse respeito a concepção de Sarlet:

               “Direitos fundamentais são todas aquelas posições jurídicas concer-
         nentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo,
         foram, por seu conteúdo e importância (sentido material), integradas ao tex-
         to da Constituição (formal), bem como as que, por seu conteúdo, e significa-
         do, possam lhes ser equiparadas, agregando-se à Constituição material, ten-
         do, ou não, assento na Constituição formal.”6

     A cláusula aberta dos direitos humanos/fundamentais é uma rea-
lidade; portanto, quando se assegura que o direito ao desenvolvimen-
to reúne direitos civis, políticos e DHESCAs, parece importante per-

4
  Ipea. Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório nacional de acompanhamento Brasí-
lia: Ipea 2005. p. 188-211. Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2006.
5
  Compartilha-se da visão expressa pelo autor (Sarlet) no que diz respeito à divisão entre direitos
humanos e fundamentais, de acordo com a qual o conteúdo valorativo deles é o mesmo, e o que
os distingue é o aspecto formal: os direitos humanos estão alocados na normativa internacional;
os direitos fundamentais, nas constituições.
6
  Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev., atual e ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 83.


                                                                                               29
quirir: quais são esses direitos? De acordo com Felipe Gómez Isa, os
elementos constitutivos do direto ao desenvolvimento são:

              “1. el respeto de todos los derechos humanos como parte integrante del
         derecho ao desarrollo.
              2. conexión del derecho ao desarrollo con el resto de los derechos hu-
         manos de la tercera generación.
              3. el desarme y su contribución al derecho al desarrollo, y
              4. la participación popular como elemento fundamental en todo proce-
         so de desarrollo”.7

     Não parece esclarecedor o bastante. Por isso, embora se tenha
consciência de que a delimitação de um conteúdo jurídico autônomo
para o direito ao desenvolvimento necessita de um debate teórico bem
mais profundo, lança-se uma idéia para fomentar a discussão. Se o
“pai do pensamento moderno de desenvolvimento definiu desenvol-
vimento como a ampliação das escolhas das pessoas”,8 por que não
definir o direito ao desenvolvimento a partir desse conceito?
     Uma das maiores vantagens de se pensar o direito ao desenvolvi-
mento, com fulcro na teoria de Sen, é que ela está moldada à realidade
dos países que enfrentam dificuldades similares à brasileira. O autor in-
clusive cita, em diversas ocasiões, como exemplo o Brasil. O comum é
a necessidade de se adaptarem teorias européias e estadunidenses à rea-
lidade local, mas, no caso de Sen, isso não se faz necessário.
     O direito ao desenvolvimento seria, então, definido como o direi-
to de todo indivíduo de dispor de condições materiais e formais para
orquestrar sua vida de acordo com suas aptidões e preferências e de
um ambiente que lhe permita buscar com seus próprios meios o incre-
mento dessas condições.
     As condições materiais e formais de que trata a descrição do di-
reito seriam concretizadas através dos cinco parâmetros propostos
por Amartya Sen para engendrar um “desenvolvimento humano”, ou

7
  Isa, Felipe Gómez. El derecho al desarrollo: como derecho humano en el ámbito jurídico in-
ternacional. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999. p. 175.
8
   Fukuda-Parr, Sakiko. Operacionalizando as idéias de Amartya Sen sobre capacidades,
desenvolvimento, liberdade e direitos humanos – o deslocamento do foco das políticas de
abordagem do desenvolvimento humano. Disponível em: <www.pucminas.virtual.br>. Acesso
em: 10 out. 2005.


30
seja, progresso econômico e social calcado em bases democráticas: 1.
liberdades políticas; 2. facilidades econômicas; 3. oportunidades so-
ciais; 4. garantias de transparência; 5. segurança protetora.9 A inter-
pretação do autor é de que a liberdade é o meio e o fim do desenvolvi-
mento. Para se percorrer o caminho atrelado a ela, deve-se atentar
para a necessidade de se concederem “funcionamentos” aos indiví-
duos. Esses funcionamentos podem ser visualizados como direitos
consagradores da liberdade-meio e que possibilitam a liberdade-fim
com a qual os indivíduos poderão desfrutar de sua capacidade de livre
agentes.10
     Para Sen, o catálogo de funcionamentos depende do estágio da
sociedade. Quanto mais desenvolvida, maior número deles é exigí-
vel, o que gerará a obtenção de maior capacidade pelos cidadãos.
Entretanto, um rol mínimo de funcionamentos, conectado à satisfa-
ção das necessidades básicas, precisa ser concedido para que exista
alguma capacidade.11 Dito de outra forma, a capacidade de agente é
um reflexo da liberdade substantiva e se compõe de um conjunto de
funcionamentos realizados, os quais são capazes de dotar as pessoas
da aptidão para efetuar escolhas conscientemente e eleger o modo de
vida que melhor lhes aprouver.12
     Portanto, a proposta de enumeração a seguir delineada não cria
um rol exaustivo, nem tampouco universal, mas visualiza o que pode-
ria ser considerado o fundamental para desvelar o significado das
“condições materiais e formais” expostas no conceito de direito ao
desenvolvimento.
     Os funcionamentos se referem à concessão de direitos definidos a
partir dos cinco parâmetros expostos pelo autor. As liberdades políti-
cas são concernentes ao direito de votar e de ser votado, de fiscalizar
as instâncias públicas, de poder expressar livremente e a garantia do
pluripartidarismo.13 As facilidades econômicas são representadas pe-

9
  Sen, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 25.
10
   Idem. Ibidem. p. 32-33.
11
   Idem. Ibidem. p. 35-37.
12
    Idem. Desigualdade reexaminada. Tradução e apresentação Ricardo Doninelli. Rio de
Janeiro: Record, 2001. p. 89-90.
13
    Idem. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras. 2000. p. 55.


                                                                                      31
los direitos econômicos, que propiciam aos indivíduos a possibilida-
de de “utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo, pro-
dução ou troca”.14 Referem-se, portanto, a salários mínimos dignos,
disponibilidade de financiamento governamental através de micro-
crédito, suporte financeiro para incentivar a agricultura familiar. As
oportunidades sociais se expressam através de direitos sociais à saú-
de, educação, alimentação, habitação, vestuário, transporte etc. As
garantias de transparência asseguram o direito a um ambiente social
(privado e público) isento de corrupção e com relações livres entre os
indivíduos, com confiança entre eles na sinceridade dos acordos pac-
tuados e de responsabilidade no trato com as finanças públicas.
Enfim, a segurança protetora é a esfera da proteção social represen-
tada por benefícios monetários concedidos a pessoas em dificuldade,
como desempregados ou indivíduos em situação de miséria.15 No en-
tender desse estudo, a melhor maneira de materializar esta última di-
retriz é através da concessão do direito à renda de cidadania, que, sem
descuidar do respeito à dignidade dos indivíduos, ilide perpetuamen-
te a possibilidade de as pessoas serem “reduzidas à miséria abjeta e,
em alguns casos, à fome e à morte”,16 o que, assevera o autor, é a fun-
ção da segurança protetora.
     É importante destacar que, como se pode apreender, a noção de
interdependência permeia as diretrizes expostas por Sen. Veja-se:

               “Essas liberdades instrumentais aumentam diretamente as capacidades
         das pessoas, mas também se suplementam mutuamente, e podem, além dis-
         so, reforçar umas as outras. É importante apreender essas interligações ao
         deliberar sobre políticas de desenvolvimento.”17

    Essas são considerações iniciais que se pretende possam contri-
buir para ampliar o debate sobre como é necessário (e possível) se
chegar a um consenso sobre o significado da expressão “direito ao de-
senvolvimento”, e como essa resposta é essencial para a efetivação
dessa prerrogativa, pois possibilita que ela venha a ser exigida como
parâmetro de conduta das políticas públicas de um modo coerente e
14
   Idem. Ibidem. p. 55.
15
   Idem. Ibidem. p. 56-57.
16
   Idem. Ibidem. p. 57.
17
   Idem. Ibidem. p. 57.


32
sem subterfúgios. Além disso, o acréscimo do adjetivo “humano” eli-
mina qualquer dúvida sobre a direção que esse direito quer indicar, o
que é especialmente importante em países como o Brasil, no qual o
conceito de desenvolvimento está atrelado à concepção de progresso
material.


Bibliografia
FUKUDA-PARR, Sakiko. Operacionalizando as idéias de Amartya Sen so-
   bre capacidades, desenvolvimento, liberdade e direitos humanos – o
   deslocamento do foco das políticas de abordagem do desenvolvimento
   humano. Disponível em: <www.pucminas.virtual.br>. Acesso em: 10
   out. 2005.
IPEA. Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório nacional de acom-
   panhamento. Brasília: Ipea, 2005. p. 188-211. Disponível em:
   <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2006.
ISA, Felipe Gómez. El derecho al desarrollo: como derecho humano en el
   ámbito jurídico internacional. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999.
   339p.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev.,
   atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 416p.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira
   Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
_____. Desigualdade reexaminada. Tradução e apresentação Ricardo Doni-
   nelli. Rio de Janeiro: Record, 2001.




                                                                       33
I.4. A dignidade da pessoa humana
                    e o direito ao mínimo vital

                                         Lilian Márcia Balmant Emerique*
                                                          Sidney Guerra**




1. Introdução
    A pessoa humana é considerada como indivíduo em sua singula-
ridade, e partindo dessa premissa obtém-se o princípio de que esta
deve ser “livre” (liberdade externa oprimida apenas pelos obstáculos
próprios da natureza, e ainda não afastados pelo avanço das ciências
correlatas). Por seu turno, como ser social, estando com os demais in-
divíduos em uma relação de igualdade, a pessoa humana passa a rece-
ber a carga opressora, também, dos obstáculos à sua vontade, oriun-
dos da organização política da sociedade.
    Os direitos humanos fundamentais não podem ser compreendi-
dos como fruto das estruturas do Estado, mas da vontade de todos, ou
seja, as liberdades não são criadas e não se manifestam senão, em sua
maior parte, quando o povo as quer. Daí, a idéia de Bénoit: “as liber-


* Doutora em Direito pela PUC/SP e mestre em Direito pela PUC/Rio; pesquisadora e professo-
ra do Curso de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito de Campos (Uniflu/FDC); advoga-
da. Contato: lilamarcia@hotmail.com.
**Pós-doutor, doutor e mestre em Direito; professor adjunto da Faculdade Nacional de Direito
(UFRJ); professor titular e coordenador de Pesquisa Jurídica da Universidade do Grande Rio;
professor do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito de Campos; advogado e administrador
de empresas no Rio de Janeiro. Contato: sidneyguerra@ufrj.br e scguerra@terra.com.br.


34
dades não nascem senão de uma vontade, elas não duram senão en-
quanto subsiste a vontade de as manter”.1
    O presente artigo pretende demonstrar a inserção da dignidade da
pessoa humana no constitucionalismo contemporâneo como direito
fundamental e de comando estruturante da organização do Estado,
bem como proceder ao estudo da dignidade da pessoa humana à luz
da discussão sobre os direitos sociais, em especial sobre o direito ao
mínimo vital.


2. Conceito
     A discussão relativa à dignidade da pessoa humana ganha relevo
no plano doméstico dos Estados e no âmbito da sociedade internacio-
nal. Assim, para tentar enfrentar a questão, preliminarmente devem
ser observados alguns conceitos que foram formulados pela doutrina
sobre a dignidade da pessoa humana.
     Fábio Konder Comparato assinala que a dignidade da pessoa hu-
mana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coi-
sas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como
um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta
também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em
condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis
que ele próprio edita. Daí decorre, como assinalou o filósofo, que
todo homem tem dignidade, e não um preço, como as coisas.2
     Ingo Wolfgang Sarlet3 propôs uma conceituação jurídica para a
dignidade da pessoa humana:

               “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e dis-
         tintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consi-
         deração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
         complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto
         contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a

1
  Bénoit, Francis Paul. Les conditions d’ existence des libertes. Paris: La Documentation Fran-
çaise, 1985. p. 21 (tradução do autor).
2
  Comparato, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
1999. p. 20.
3
  Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001. p. 60.


                                                                                           35
lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além
         de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos
         da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.”

     Ricardo Lobo Torres4 acentua que o direito à alimentação, à saú-
de e à educação, embora não sejam originariamente fundamentais,
adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a
qual a pessoa não sobrevive.
     Para Luís Barroso,5 dignidade da pessoa humana é uma locução
tão vaga, tão metafísica, que, embora carregue em si forte carga espi-
ritual, não tem qualquer valia jurídica. Passar fome, dormir ao relen-
to, não conseguir emprego são, por certo, situações ofensivas à digni-
dade humana.
     De fato, a dignidade da pessoa humana ganha destaque, não obs-
tante esta se merecer como um conceito de contornos vagos e impre-
cisos, caracterizado por sua ambigüidade e porosidade, assim como
por sua natureza necessariamente polissêmica.6 Tal relevância pode
ser facilmente compreendida à luz dos avanços tecnológicos e cientí-
ficos da humanidade.7


3. A dignidade da pessoa humana no constitucionalismo
contemporâneo
     Hodiernamente, as declarações de direitos contempladas no pla-
no internacional e as constituições substanciais e/ou formais dos paí-
ses livres consignam capítulo especial aos direitos e garantias funda-
mentais, como condição essencial da manutenção da vida em socie-
dade. Trata-se de uma das maiores conquistas da civilização, em prol
da valorização da pessoa humana, consoante Norberto Bobbio: “To-
das as declarações recentes dos direitos do homem compreendem,
além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberda-
4
  Torres, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.
p. 133.
5
  Barroso, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000. p. 296.
6
  Idem. Ibidem. p. 38.
7
  Também Alves, Cleber Francisco. O princípio da dignidade da pessoa humana: o enfoque da
doutrina social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 118.


36
des, também os chamados direitos sociais, que se constituem em po-
deres.”8
     Do postulado de Norberto Bobbio emergem três posicionamen-
tos, a saber: a) a realidade das liberdades públicas globais configura
um sistema único (catálogo universal por elas formatado), em função
de a diagnose lógico-analítica apurar uma natureza comum geral: li-
bertatum; b) a existência de espécies (liberdades públicas básicas),
que, ao serem “mensuradas” – Ronald Dworkin9 – pelas sociedades,
formam tensão entre si, e dessa forma necessitam de acomodação
harmonizadora; c) a localização do Estado não como titular de direi-
tos fundamentais, mas como obstáculo para os reais titulares destes
(ser humano), em outros termos, os direitos fundamentais compõem
os “elementos constitucionais limitativos” exatamente por objetiva-
rem restringir (limitar) a ingerência do Estado nas liberdades dos se-
res humanos (compreendidos tanto em grupo quanto isoladamente).
     Prima facie, a questão converge para o modus de equilíbrio de
tal tensão. Por sua vez, o saneamento da problemática fica a cargo da
“convenção constituinte” de cada nação – John Rawls10 –, que deve
eleger e firmar seus peculiares “padrões primários” de equilíbrio
das liberdades (via constituições substanciais e formais), conside-
rando para isso os costumes, tradições, história nacional, religiões,
moral “média”, ética, valores axiológicos diversos etc. das respecti-
vas sociedades, do próprio titular e dos “fatores reais de poder com
força política”.11
     Embora haja uma preocupação significativa com os direitos fun-
damentais no Brasil e com a valorização da dignidade da pessoa hu-
mana, na medida em que estão tutelados e declarados no Texto Cons-
titucional, infelizmente observa-se a violação contínua dos referidos
direitos e o aviltamento da dignidade humana.
     Como assevera Daniel Sarmento,12 o Estado tem não apenas o de-
ver de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade huma-
8
  Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 21.
9
  Dworkin, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 269-304.
10
   Rawls, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 211-283.
11
   Lassale, Ferdinand. A essência da Constituição. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
p. 10-18.
12
   Sarmento, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2000. p. 71.


                                                                                         37
na, como também o de promover essa dignidade através de condutas
ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu
território. O homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando
se vê privado de alguma das suas liberdades fundamentais, como
também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saú-
de, moradia etc.


4. A dignidade da pessoa humana como princípio
     Os princípios transmitem a idéia de condão do núcleo do próprio
ordenamento jurídico. Como vigas mestras de um dado sistema, funcio-
nam como bússolas para as normas jurídicas, de modo que, se estas
apresentarem preceitos que se desviem do rumo indicado, imediata-
mente esses seus preceitos se tornarão inválidos. Assim, consistem em
disposições fundamentais que se irradiam sobre as normas jurídicas
(independentemente de sua espécie), compondo-lhes o espírito e ser-
vindo de critério para uma exata compreensão. A irradiação do seu nú-
cleo ocorre por força da abstração e alcança todas as demais normas ju-
rídicas, moldando-as conforme as suas diretrizes de comando.13
     Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a
lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que confere a tôni-
ca e lhe dá sentido harmônico.14
     A dignidade da pessoa humana15 encontra-se no epicentro da or-
dem jurídica brasileira, tendo em vista que concebe a valorização da
pessoa humana como sendo razão fundamental para a estrutura de or-
ganização do Estado e para o direito. O legislador constituinte elevou
à categoria de princípio fundamental da República a dignidade da
pessoa humana (um dos pilares estruturais fundamentais da organiza-

13
   Guerra, Sidney; Merçon, Gustavo. Direito constitucional aplicado à função legislativa. Rio
de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 96.
14
   Mello, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT,
1986. p. 230.
15
   Silva, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 146.


38
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  • 2.
  • 3. Direitos Humanos no Século XXI Cenários de Tensão Trabalhos reunidos pela Associação Nacional de Direitos Humanos — ANDHEP, sob a coordenação de Eduardo C. B. Bittar.
  • 4. 1a edição – 2008 © Copyright Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-graduação (ANDHEP) Av. Professor Lúcio Martins Rodrigues, Travessa 4, Bloco 2, Cidade Universitária, São Paulo/SP – CEP 05508-900 – Tel.: (11) 3091-4980 E-mail: andhep@gmail.com Site: http://www.andhep.org.br Entidade Financiadora: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Sala 420 Edifício Sede do Ministério da Justiça CEP: 70064-900 – Brasília, DF Telefones: (55 61) 3429-3536 / 3454 / 3106 Fax (55 61) 3223-2260 Diretoria da ANDHEP: Presidente: Eduardo C. B. Bittar (FD/USP) Vice-presidente: Ana Lucia Pastore Schritzmeyer (FFLCH/USP) Secretária Executiva: Jaqueline Sinhoretto (IBCCrim) Secretária Adjunta: Cristina Neme (NEV/USP) Diretores: Julita Lemgruber (CESEC/RJ) João Ricardo Dornelles (PUC/RJ) Giuseppe Tosi (UFPB) Conselho Fiscal: Artur Stamford (UFPE) Eneá Stutz de Almeida (FDV) Sérgio Adorno (FFLCH/USP) Sistematização e Revisão Técnica da Obra: Vitor Souza Lima Blotta (Mestrando da FD/USP) CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. D635 Direitos humanos no século XXI: cenários de tensão/organizador Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária; São Paulo: ANDHEP; Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008. Inclui bibliografia ISBN 978-85-218-0429-1 1. Direitos humanos – Brasil. 2. Direitos Fundamentais – Brasil. 3. Cidadania – Brasil. I. Bittar, Eduardo C. B. (Eduardo Carlos Bianca), 1974. II. Associação Nacional de Direitos Humanos. III. Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. 08-1557. CDU: 342.7 Reservados os direitos de propriedade desta edição pela EDITORA FORENSE UNIVERSITÁRIA Rio de Janeiro: Rua do Rosário, 100 – Centro – CEP 20041-002 Tels./Fax: 2509-3148 / 2509-7395 São Paulo: Rua Senador Paulo Egídio, 72 – slj. 6 – Centro – CEP 01006-010 Tels./Fax: 3104-2005 / 3104-0396 / 3107-0842 e-mail: editora@forenseuniversitaria.com.br http://www.forenseuniversitaria.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil
  • 5. Apresentação Pensando e agindo em direitos humanos Este livro registra mais uma iniciativa da Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-graduação (ANDHEP), com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da Re- pública, no sentido de fortalecer os vínculos, laços e amarras criados pelo esforço acadêmico de aprimorar, desenvolver, consolidar e dar fundamento ao debate sobre os direitos humanos no Brasil. Aqui po- derão ser encontradas reflexões as mais variegadas, que contemplam, em grande parte, mas não somente, as discussões que têm se desen- volvido ao longo da série de encontros anuais, seminários e congres- sos da própria entidade. Seus convidados são, por isso, o corpo de ati- vistas e pensadores que refletem o espírito de comunhão e trabalho em grupo, envolvendo-se nas diversas perspectivas abertas pelo pen- sar e pelo agir em direitos humanos. A tarefa de pensar em conjunto, um desafio comum dos programas de pós-graduação em direitos hu- manos, tem sido desenvolvida com esprit de corps suficiente para fa- zer deslanchar algo que se propõe como problemático de ser afirmado e proclamado em solo nacional: a eficácia desses direitos. Por isso, considera-se que o agir teórico, ético e crítico é de fundamental im- portância para o agir reflexivo transformador. Ainda hoje, quando se fala em direitos humanos, no Brasil, certa- mente se fala de uma cultura social que, do ponto de vista mais amplo, é ainda muito recente. Certamente, fomos inspirados por alguns ideais li- V
  • 6. berais, quando do período imperial, e o constitucionalismo entrou para a cultura nacional imbuído de liberalismo e positivismo. Apesar de ter- mos respirado ares europeus, especialmente a partir da vinda da família real para o Brasil, é fato que o enraizamento de uma cultura que fala a linguagem dos direitos iguais para todos se estruturou de modo muito mais recente em nossa identidade nacional. Ainda mais recente é a ge- neralização da fala sobre os direitos humanos. Estes vão ser efetiva- mente recepcionados no Brasil a partir do período da repressão, como um desdobramento das manifestações populares, políticas e estudantis, que se organizam para formar movimentos de protesto que vão encon- trar acolhimento reivindicatório e justificação no interior do discurso dos direitos humanos. Desde então, a politização do tema permitiu a formação de uma cultura de pressões, que, em seu conjunto, permiti- ram que, quando da Constituinte de 1985, o debate sobre direitos hu- manos ocupasse o centro da agenda política, tornando constitucional a lógica segundo a qual a dignidade da pessoa humana (art. 1o, inc. III) deve presidir a dinâmica dos valores internos do texto constitucional. Se a Constituição de 1988 tem algo de inovador é o fato de colocar o tema dos direitos humanos como um tema anterior ao da estruturação do Estado, além de salvaguardar diversos aspectos dos direitos huma- nos, como os direitos e deveres individuais (art. 5o), os direitos políti- cos (arts. 14 a 16), os diversos direitos sociais (art. 6o a 11, e 193 a 232) e os direitos ligados ao meio ambiente (art. 225). Sabe-se bem que o Estado democrático de direito, na seriedade e consolidação das instituições, demanda condições de justiça distribu- tiva para se afirmar concretamente, no que participam efetivamente diversas categorias de direitos humanos. Assim, a própria consolida- ção do Estado depende da consolidação dos direitos humanos, e vi- ce-versa. Essa preocupação passa, sobretudo, por aquela outra de rea- lização da dignidade da pessoa humana a partir de um convívio e de uma socialização eqüitativa em oportunidades e em gestos de integra- ção social. Quem pensa na linguagem dos direitos humanos pensa em uma atitude reflexiva que valoriza a perspectiva de uma interação so- cial que valorize a vida, em suas diversas manifestações – artísticas, culturais, ambientais, econômicas, produtivas –, de modo a apostar na integração social a partir de incentivos à democracia, à tolerância, à compreensão das diferenças, ao diálogo profícuo, à valorização da VI
  • 7. diversidade, à integração multicultural dos povos. Os avanços que o setor indicar serão certamente aqueles mesmos favoráveis ao desen- volvimento de um espírito republicano e democrático, sem o que se torna impossível a formação humana plena e a preocupação com a igualdade de oportunidades. A consolidação, pois, da democracia, das instituições que afirmam a lógica do respeito aos direitos huma- nos, é desafio que evidencia a necessidade de integração da sociedade civil mobilizada com os esforços do Estado, da universidade com a sociedade, do empreendedorismo humano com o espírito solidário. Trata-se de desafios que somente podem ser enfrentados quando pas- sarmos a pensar a partir da unidade complementar dos diversos direi- tos humanos, esse que parece ser o espaço de uma luta comum, pelos benefícios múltiplos que pode gerar, em favor do espírito de cidada- nia, participação e integração, sem os quais a própria sociedade se tor- na o lugar do sem-sentido. São Paulo, 18 de março de 2008. Eduardo Carlos Bianca Bittar Presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos. Professor Associado da Faculdade de Direito da USP. VII
  • 8.
  • 9. Sumário I Conceitos, preconceitos e direitos humanos I.1. Apontamentos para uma teoria crítica acerca dos direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Celso Naoto Kashiura Júnior I.2. Igualdade e diferença nos direitos humanos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Erica Roberts C. Serra I.3. O direito ao desenvolvimento humano: uma sugestão sobre a definição desse conceito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Ivanilda Figueiredo I.4. A dignidade da pessoa humana e o direito ao mínimo vital. . . . . . . 34 Lilian Márcia Balmant Emerique Sidney Guerra I.5. 25 anos da Aids: desafios para o “tempo de direitos” . . . . . . . . . . . 49 Naira Brasil II Economia, globalização, democracia e direitos humanos II.1. Indivisibilidade entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais: problemas de reconhecimento e dificuldades na implementação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Denise Carvalho da Silva II.2. Cosmopolitismo e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Eduardo C. B. Bittar II.3. Financiamento para as políticas dos direitos humanos . . . . . . . . . . 94 Fernando Scaff IX
  • 10. II.4. O conceito hegemônico do progresso e os direitos humanos . . . . 106 Gilberto Dupas II.5. Multiculturalismo, globalização e direitos humanos . . . . . . . . . . 127 Juana Kweitel III Educação, abandono e direitos humanos III.1. A formação para os direitos humanos: uma nova perspectiva para o ensino jurídico?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 Fernanda Rangel Schuler III.2. Educação em direitos humanos: esboço de reflexão conceitual . 152 Paulo César Carbonari III.3. Uma experiência de educação através do lazer: estudo de caso em São Benedito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Raimunda Luzia de Brito IV História, esquecimento e direitos humanos IV.1. A internacionalização dos direitos humanos: evolução histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Ana Paula Martins Amaral IV.2. As dificuldades para a implementação dos direitos humanos . . . 186 Dalmo de Abreu Dallari IV.3. Constituição, direitos humanos e Justiça. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 Gilberto Bercovici IV.4. Movimento dos direitos humanos em São Paulo: desafios e perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206 Gorete Marques IV.5. A constituição dos direitos humanos e da justiça . . . . . . . . . . . . 213 Luciano M. Maia IV.6. Direito, democracia e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220 Renato Janine Ribeiro X
  • 11. V Inclusão, exclusão e direitos humanos V.1. A via de mão-dupla da cidadania: a imposição de direitos sociais para a concessão de direitos econômicos . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 Ivanilda Figueiredo V.2. Advocacia popular e os direitos dos carentes: a experiência do Empas-OAB. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259 Paulo Henriques da Fonseca V.3. Direitos humanos dos pobres: entre a violação e a exclusão . . . . 278 Paulo Henriques da Fonseca V.4. A inclusão pelo simbólico: linguagem, dominação e transformação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297 Vitor Souza Lima Blotta VI Justiça, injustiça e direitos humanos VI.1. A justiciabilidade dos direitos humanos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317 José Ricardo Cunha Alexandre Garrido da Silva Lívia Fernandes França Joanna Vieira Noronha VI.2. Entre a realidade e a realização: consciência de direitos e acesso à justiça em comunidades urbanas carentes . . . . . . . . . . . . . . 334 Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito, PUC-Rio VI.3. O projeto moderno e a crise da razão: que justiça? . . . . . . . . . . . 344 Wilson Levy XI
  • 12. VII Meio ambiente, ambiente-meio e direitos humanos VII.1. Um estudo da Declaração do Milênio das Nações Unidas: desenvolvimento social e sustentabilidade ambiental como requisitos para a implementação dos direitos humanos em nível global . . . . . . . 367 Ana Paula Martins Amaral VIII Ordem, violência e direitos humanos VIII.1. Leituras possíveis de O processo, de Franz Kafka, à luz da violência do Estado nos anos da ditadura civil-militar brasileira . . 389 Eduardo Manoel de Brito VIII.2. A efetivação dos direitos humanos e a Fundação Estadual do “Bem-Estar” do Menor – Febem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 409 Elisa Pires da Cruz Lidiane Mazzoni VIII.3. Os direitos humanos e seu subsolo disciplinar – uma leitura antifoucaldiana de Michel Foucault. . . . . . . . . . . . . . . . . . 418 Luciano Oliveira VIII.4. Manicômio judiciário: espaço de violações de direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433 Ludmila Cerqueira Correia VIII.5. Cidadania e justiça social: palavras de ordem!!! . . . . . . . . . . . 448 Luiz Fernando C. P. do Amaral VIII.6. O conceito de polícia e a noção de segurança no contexto atual dos direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 456 Marcos Braga Júnior VIII.7. Polícia Militar e direitos humanos: “o sono da razão produz monstros” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473 Ronilson de Souza Luiz Homero de Giorge Cerqueira XII
  • 13. I C O N C E I T O S , P R E C O N CE IT O S E DIREITOS HUMANOS
  • 14.
  • 15. I.1. Apontamentos para uma teoria crítica acerca dos direitos humanos Celso Naoto Kashiura Júnior* A teoria crítica, cuja valia para a sociologia e para outras áreas do conhecimento já é conhecida, pode contribuir grandemente também para o estudo dos direitos humanos. Não obstante, seu desenvolvi- mento nesse campo é pouco significativo, e disso se ressentem não só os adeptos do pensamento dialético, mas também os teóricos dos di- reitos humanos em geral. No caminho para a superação dessa carência, a questão do méto- do está, por certo, entre os primeiros e mais árduos obstáculos. A dia- lética, que não é exatamente simples ou dócil, oferece dificuldades inolvidáveis àqueles que se dedicam a sondá-la. A mais notória de suas peculiaridades – a sua não-autonomia diante do objeto, que re- sulta na impossibilidade de expô-la como um para-si1 – torna impos- sível elaborar qualquer espécie de “guia metodológico” que, à moda da tradição cartesiana, postule aplicabilidade universal. É impossível, portanto, partir de um método pronto no estudo dialético dos direitos humanos. É possível, porém, contrapor os aspectos fundamentais da teoria tradicional e da teoria crítica, enumerar pressupostos a serem abandonados, delinear certos contornos da dialética, enfim, levantar * Mestrando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. 1 “O não ser a dialética um método independente do seu objeto impede sua apresentação como um para-si, tal como a permite o sistema dedutivo. Não obedece ao critério da definição; criti- ca-o.” Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 215. 3
  • 16. apontamentos – tão-somente indicativos e necessariamente incom- pletos – de forma a dar uma modesta contribuição. Isso é o que propo- nho realizar aqui. Tal levantamento terá como base a concepção de teoria crítica da assim chamada “primeira geração” da Escola de Frankfurt:2 os pensa- mentos de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, mais especifica- mente aqueles expostos nos textos Teoria tradicional e teoria crítica (1937) e Filosofia e teoria crítica (1937), de Horkheimer; Sobre a ló- gica das ciências sociais (1972) e Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã (1974), de Adorno (ambos publica- dos postumamente); além de Dialética do esclarecimento (1944), obra conjunta de ambos. O fundamento escolhido não é aleatório, mas decorre diretamen- te do vigor crítico inerente ao método de que tratam ou através do qual se constroem os referidos textos. Contra um certo descrédito que atual- mente tem recaído sobre a primeira geração dos frankfurtianos, quer por parte daqueles que censuram um exagerado “pessimismo”, quer por parte daqueles que apontam a não-realização do diagnóstico por ela adotado de supressão da “anarquia do mercado” por um capitalis- mo de Estado, é preciso lembrar, por um lado, que a questão do capi- talismo de Estado foi plenamente justificável diante do contexto his- tórico em que foi pensada e, por outro, que nem esse diagnóstico nem o alegado pessimismo implicaram qualquer abrandamento na crítica à injustiça imanente à ordem social capitalista. E é precisamente essa crítica que precisa estar no centro e na raiz de um pensamento crítico sobre os direitos humanos. Dito isso, passo à exposição, que será construída a partir de pon- tos eleitos como centrais para o pensamento dialético. O primeiro será a contraposição entre as modalidades tradicional e crítica de teo- ria. O segundo, a relação entre sujeito e objeto. O terceiro, a idéia de primazia do objeto. O quarto, a questão da perspectiva da totalidade. Ao final serão apresentadas conclusões. 2 A especificação se faz necessária, visto que, entre os teóricos posteriores da mesma escola, es- pecialmente a partir de Jürgen Habermas, a concepção de teoria crítica se altera. 4
  • 17. 1. Teoria e crítica – o sentido de uma teoria crítica Teoria, no sentido tradicional, é um conjunto de proposições hi- potéticas organizadas de maneira sistemática, isto é, ligadas umas às outras em cadeias dedutivas, sem qualquer contradição. Seu principal instrumento é a lógica, sua atividade é o registro neutro da realidade e seu ideal é a possibilidade de tudo deduzir de um pequeno número de axiomas, como na matemática. Aqui o teorizar se apresenta como alheio ao processo social, o pensamento se coloca como exterior ao objeto, o objeto se submete ao princípio da identidade pura: o funda- mento último, mesmo depois de mais de 300 anos de debates e refor- mas, continua a ser o Discurso do método cartesiano. Presa a seus dogmas, a teoria tradicional é incapaz de captar a his- tória – não só a dos objetos que defronta, mas também a sua própria. A teoria como registro neutro, o objeto que sucumbe à lógica, o sujeito que observa à distância: na raiz disso está o processo de dominação da natureza por uma racionalidade instrumental, processo que conduz também à dominação do homem pelo homem. Sem saber, por se tra- tar de questão “extracientífica”, a teoria tradicional apresenta a natu- reza ao homem tal como este a possa dominar (utilidade) e, ao capitu- lar diante do “dado”, contribui para ratificar o estado de coisas vigen- te (objetividade). A teoria crítica, pelo contrário, nunca deixa de ter presente a con- cepção da sociedade como totalidade e não ignora o seu próprio lugar nela. Ela encara a si própria como parte do processo de produção da vida social, como elemento na divisão social do trabalho, mas não se resigna à tarefa que dela se espera, que é a de registrar e catalogar de maneira a contribuir com a reprodução da ordem social na qual se in- sere. “O cientista e sua ciência” – assevera Horkheimer – “estão atre- lados ao aparelho social, suas realizações constituem um momento da autopreservação e da reprodução contínua do existente (...)”;3 de ou- tro lado, porém, existe um “comportamento humano crítico”, que, embora “provenha de estrutura social, não é nem a sua intenção cons- ciente nem a sua importância objetiva que faz com que alguma coisa funcione melhor nessa estrutura”.4 3 Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 123. 4 Idem. Ibidem. p. 130. 5
  • 18. Esse comportamento crítico é a atitude dos sujeitos da teoria críti- ca. Eles reconhecem que a sociedade em que vivem é o seu mundo, mas, ao penetrarem essa sociedade e tomarem ciência de que sua or- ganização é ditada por forças outras que não a vontade dos homens, percebem que esse mundo não lhes pertence. Em outras palavras, “o reconhecimento crítico das categorias dominantes na vida social con- tém ao mesmo tempo a sua condenação”.5 A crítica de que se vale a teoria crítica não é, portanto, aquela de cunho kantiano, cujo modelo é a Crítica da razão pura. Não se trata de depuração ou de aperfeiçoamento do conceito, da teoria, enfim, da idéia, para que se torne mais coerente ou mais adequada. Trata-se, pelo contrário, de crítica ao próprio objeto, à própria realidade. O mo- delo, como Adorno e Horkheimer declaram mais de uma vez,6 é a crí- tica da economia política de Marx. Sendo crítica à própria coisa, não pode a teoria crítica ter como referencial a adequação entre hipótese e fato, tampouco pode se pau- tar pela utilidade de seus resultados. Ela não leva adiante o equívoco de tomar a teoria como alheia à sociedade, e assim se põe em radical oposição à objetividade cega da teoria tradicional: seu referencial não é a equivalência entre pensamento e realidade dada, mas está fundado na possibilidade do novo. A teoria crítica visa à superação da socieda- de presente, e isso, é evidente, rende-lhe a acusação de subjetiva e ar- bitrária. “Se o pensamento não limita a registrar e classificar as categorias da forma mais neutra possível, isto é, não se restringe às categorias in- dispensáveis à práxis da vida nas formas dadas, surge imediatamente uma resistência.”7 Toda teoria que não se recolhe ao seu devido lugar é suspeita. No caso da teoria crítica, há ainda um vínculo com a filoso- fia8 que a faz soar ainda mais arbitrária. É da filosofia (portanto de um 5 Idem. Ibidem. p. 131. 6 Ver, por exemplo, Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 130; e Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 226. 7 Idem. Ibidem. p. 147. 8 Evidentemente não se trata de uma filosofia qualquer. A filosofia de que se vale a teoria crítica é aquela que pretende transformação, e não aquela que se limita a “interpretar” o mundo. É o que diz Horkheimer: “A filosofia que pretende se acomodar em si mesma, repousando numa verda- de qualquer, nada tem a ver, por conseguinte, com a teoria crítica.” Horkheimer, M. Filosofia e teoria crítica. p. 161. 6
  • 19. saber “não científico”) que ela pretende retirar as linhas gerais que apontam o sentido da transformação social. No entanto, seu procedi- mento não é arbitrário nem subjetivo. A diferença fundamental está na ausência de cânones e limitações que conduzem o pensamento à impotência, de modo que se torna possível ver aquilo para que os olhos da teoria tradicional estão cegos. A orientação na transforma- ção da sociedade presente não é “inventada”, não é fruto da vontade ou da ideologia do sujeito: ela é retirada da análise materialista e dia- lética do movimento histórico,9 de acordo com o procedimento pró- prio da crítica imanente. No mais, Horkheimer remarca que a transformação social pela qual se orienta a teoria crítica não é do tipo gradual, como a “aduba- gem de uma planta” ou uma “terapia na medicina”.10 A transformação é profunda, radical: implica ruptura com a ordem social presente, em nome de uma nova, de uma “sociedade verdadeira”.11 No que tange ao estudo dos direitos humanos, é essa transforma- ção que deve estar sempre em vista. Se pretende ser crítica, a teoria dos direitos humanos não pode sucumbir ao registro e à observação indiferente. A metodologia exclusivamente jurídica, a análise limita- da à estatística e a atitude de neutralidade não são com ela compatí- veis. A filosofia crítica deve ser sua maior aliada contra a impotência diante do “dado” e o imobilismo resultante da “evidência”.12 9 “Os pontos de vista que a teoria crítica retira da análise histórica como metas da atividade humana, principalmente a idéia de uma organização social racional correspondente ao interesse de todos, são imanentes ao trabalho humano, sem que os indivíduos ou o espírito público os tenham presentes de forma correta.” Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 134. 10 Ver Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 138-139. 11 “A idéia de verdade científica não pode ser dissociada da de uma sociedade verdadeira. Apenas esta seria livre tanto da contradição como da não-contradição.” Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 228. 12 É precisamente nesse sentido que Eduardo C. B. Bittar afirma: “Na perspectiva de uma abordagem crítica, a filosofia permite e consente o abalo do que simplesmente aparece aos olhos como sendo a dimensão do dado, a experiência da evidência. A filosofia pressupõe uma atitude radical, perante a vida e perante o mundo. Onde há ordem, ela pode ver desordem; onde há desordem, ela pode ver ordem. É dessa subversão que acaba por colher o espírito de sua tarefa desafiadora, porque comprometida com a possibilidade do novo, do não visto e não experimentado, do inovador, daquilo que desafia a ordem da regularidade dos fenômenos e da aceitação da tutela da vida desde fora.” Bittar, E. C. B. Filosofia crítica e filosofia do direito: por uma filosofia social do direito. p. 53. 7
  • 20. Uma teoria crítica autêntica deve reconhecer seu lugar na ordem social vigente, mas não deve se resignar diante dela. Esse reconheci- mento deve ser acompanhado de condenação, de modo que o pensa- mento acerca dos direitos humanos possa colocar-se como índice de reprovação de uma sociedade injusta e denúncia dessa injustiça. A “instrumentação” dos direitos humanos de algum modo que sirva à reprodução da sociedade presente deve ser recusada: fazer com que algo, através dos direitos humanos, venha a “funcionar melhor” no contexto das relações sociais dadas é algo com que não coaduna a teo- ria crítica. Sua referência é a superação dessas relações, sendo incum- bência sua concluir se os direitos humanos devem encontrar sua reali- zação radical ou sua própria superação nesse processo. 2. Sujeito e objeto A separação entre sujeito e objeto, a partir da qual toda teoria é dada como resultado da observação do objeto “de fora”, é tomada pela teoria tradicional, sem maiores reflexões, como algo natural, auto-evi- dente. Algo passa despercebido que, se percebido fosse, soaria parado- xal. Por um lado, tal separação é reveladora do processo pelo qual o su- jeito se afasta da natureza para dominá-la13 e, de outro, ela engendra uma teoria que se pretende um mero “reflexo” do real, uma espécie de declaração de impotência do sujeito que nada pode alterar na realidade. Dominar e ratificar parecem estar em oposição, mas estão ambos na base desse pressuposto nada natural da teoria tradicional: dominar a na- tureza e os homens e ratificar as relações sociais dadas. A teoria crítica, que não se presta a tais fins, parte da relação dia- lética entre sujeito e objeto, segundo a qual jamais ocorre um verda- deiro corte entre um termo e outro. Tal ponto de vista se revela precio- so quando o objeto de estudo é, como aqui, a sociedade: ela não pode 13 “No distanciamento do sujeito em relação ao objeto, que realiza a história do espírito, o sujei- to se esquivava da superioridade real da objetividade. Sua dominação era a de um mais fraco so- bre um mais forte. De outro modo, talvez a auto-afirmação da espécie humana não teria sido possível como, certamente, também o processo de objetivação científica. Mas, quanto mais o sujeito se apropriava das determinações do objeto, tanto mais ele se convertia, inconsciente- mente, em objeto.” Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 224. 8
  • 21. ser encarada como mero objeto exterior, como coisa na qual o sujeito não toma parte. A sociedade é ao mesmo tempo sujeito e objeto – su- jeito porque ela é resultado da ação humana, ela é a ação humana; ob- jeto porque, embora seja feita pelos homens, estes não a fazem como bem entendem, mas de acordo com suas limitações, isto é, há também uma dimensão que se impõe objetivamente ao homem. O sujeito não pode se colocar fora da sociedade para estudá-la. Sujeito e objeto não estão “soltos e solteiros” em um universo de en- tes isolados: estão ambos ligados à mesma totalidade, da qual são par- tes constitutivas. Quando volta sua atenção para qualquer objeto so- cial, o sujeito se põe a conhecer algo que apenas precariamente pode ser separado dele mesmo. Teoria e realidade se integram não apenas porque a atividade teórica é uma forma de produção social, ligada a todas as demais, mas também porque a teoria, isto é, o modo de co- nhecer o objeto, faz parte da realidade do objeto e a altera.14 Assim sendo, não é dado ao teórico crítico analisar os direitos hu- manos como mera exterioridade. Esses direitos são produto da ação humana, e o sujeito que os aborda está neles incluído, quer como por- tador de direitos humanos, quer como membro da sociedade na qual eles surgem, geram demandas, engendram ideologias, são frustrados etc. A ação transformadora deve estar presente também aqui: a teoria pode alterar a realidade do objeto ao postular aprofundamento dos di- reitos humanos diante de necessidades sociais reprimidas, ou denun- ciar a cumplicidade desses direitos com o capitalismo, ou denunciar a miséria do capitalismo que torna inviável sua realização etc. “Mitos”, como o do caráter genérico e neutro do sujeito cognos- cente, devem cair por terra. “A suposição da invariabilidade social da relação sujeito, teoria e objeto” – afirma Horkheimer – “distingue a concepção cartesiana de qualquer tipo de lógica dialética”.15 A relação subjeito-objeto não é sempre a de uma coisa que se deixa “fotografar” 14 Na teoria tradicional, a separação radical entre sujeito e objeto determina o caráter externo da teoria quanto à realidade. Confiram-se as palavras de Horkheimer: “A própria teoria do cientista especializado não toca de forma alguma o assunto com que tem a ver, o sujeito e objeto são rigo- rosamente separados, mesmo que se mostre que o acontecimento objetivo venha a ser influenci- ado posteriormente pela ação humana direta, o que é considerado também na ciência como um fato. O acontecimento objetivo é transcendente à teoria (...).” Horkheimer, M. Teoria tradicio- nal e teoria crítica. p. 145. 15 Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 133. 9
  • 22. docilmente por alguém; a atividade transformadora do homem sobre a coisa é dada historicamente e é determinante para a abordagem teórica. Neutralidade, para o teórico, é sinônimo de capitulação diante da reali- dade teorizada. Quando estuda a sociedade, o sujeito não pode “des- pir-se” de sua condição de ser social; ele a estuda como um ser humano concreto, que traz consigo toda a carga de sua socialidade, seus interes- ses de classe, sua vontade de transformação. A teoria crítica não se limita a descrever a realidade porque não procura mascarar sua relação autêntica com o real. Ela não pode enca- rar os direitos humanos com pretensa neutralidade; ao invés disso, deve fazê-lo a partir do ponto de vista do processo social transforma- dor: deve, pois, levar em conta a dimensão de lutas e reivindicações na qual estão concretamente imersos os sujeitos envolvidos com tais direitos. 3. Primazia do objeto A concepção que a teoria tradicional adota é aquela segundo a qual a realidade não passa de pura objetividade sem sentido, à qual o sujeito, através da razão, atribui unidade, sistematicidade, coerência, enfim, aptidão para o uso de acordo com os fins humanos. Ela consa- gra uma hipóstase do logos – é a razão subjetiva, tornada independen- te da realidade e alheia ao processo social, que doa, desde fora, senti- do para tudo. Mesmo quando o objeto é um produto da ação humana e, portanto, já contém em si um sentido, a teoria tradicional o encara como “fato bruto”. De acordo com essa linha, o sujeito que se põe a estudar os direitos humanos deve tratá-los como coisa: “de fora”, ele os classifica (em “gerações”, por exemplo), atribui-lhes unidade (um critério identificador comum), sistematicidade (enquadramento na hierarquia da ordem jurídica formal) etc. O sujeito, que tem do seu lado a razão, é, na relação com a realida- de, todo-poderoso. “Enquanto soberanos da natureza, o Deus criador e o espírito ordenador se igualam.”16 Não há, nessas palavras de Adorno e Horkheimer, exagero algum. Muito embora o ideário da te- oria tradicional pregue a máxima objetividade, isto é, a não-interfe- 16 Horkheimer, M.; Adorno, T. Dialética do esclarecimento. p. 24. 10
  • 23. rência das determinações do sujeito na atividade teórica, é precisa- mente uma determinação do sujeito que prevalece: o objeto sucumbe diante do arauto da razão subjetiva, o método. O alegado subjetivis- mo com que os adeptos da teoria tradicional argumentam contra os adeptos da dialética se revela, assim, um argumento tu quoque (que se volta contra si mesmo).17 O conceito de primazia do método, que Adorno levanta contra os positivistas, expressa bem essa inversão. A teoria tradicional preten- de capturar o objeto “em si mesmo”, mas só é capaz de fazê-lo através da mais rigorosa aplicação do método (experiência controlada, lógica formal, sistematicidade etc.). O sujeito predetermina o método e o impõe ao objeto, de modo que, em um certo sentido, o sujeito conhece fazendo violência ao objeto. Não se obtêm do objeto a sua própria es- trutura, o seu próprio peso, os seus próprios critérios de validade, mas tão-somente aquilo que o método é capaz de arrancar-lhe. O real cap- tado acaba sendo, pois, não o real “em si”, mas um real “inventado”. Na dialética, a primazia é do objeto. O teórico crítico não se im- põe, mas se curva diante do objeto, dando voz àquilo que é real e, não obstante, por transgredir o ideal metodológico do sujeito neutro, es- capa à teoria tradicional.18 Ele se põe na condição de sujeito cognos- cente sem estar previamente munido de equipamentos e técnicas que por si sós garantiriam o teor “científico” de sua análise; ele deixa o ob- jeto ditar o caminho a ser percorrido pela teoria. O método de aborda- gem de um objeto é determinado pelo próprio objeto:19 à teoria cum- pre reproduzir a estrutura do objeto, com as deficiências e contradi- ções a ela inerentes. 17 “O positivismo, para o qual contradições são anátemas, possui a sua mais profunda e incons- ciente de si mesma [contradição], ao perseguir, intencionalmente, a mais extrema objetividade, purificada de todas as projeções subjetivas, contudo apenas enredando-se sempre mais na parti- cularidade de uma razão instrumental simplesmente subjetiva.” Adorno, T. Introdução à con- trovérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 212. 18 “O que o cientificismo simplesmente apresenta como progresso sempre constitui-se também em sacrifício. Através das malhas escapa o que no objeto não é conforme o ideal de um sujeito que é para si ‘puro’, exteriorizado em relação à experiência viva própria; nesta medida, a consciência em progresso era acompanhada pela sombra do falso.” Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 224. Na mesma obra, à p. 242, em nota de rodapé, Adorno cita um interessante exemplo: a arte como depósito do conhecimento rejeitado pela teoria pautada pela primazia do método. 19 Eis a explicação da não-autonomia do método dialético diante do objeto. 11
  • 24. Se o objeto é complexo, obscuro e contém contradições internas, não pode a teoria aspirar à simplicidade, clareza e coerência. É preci- so ter em conta que “se teoremas sociais precisam ser simples ou complexos, constitui objetivamente decisão dos próprios objetos”20 – simplificar o complexo ou clarificar o obscuro são, em última instân- cia, expedientes falseadores da realidade. No mesmo sentido, a coe- rência artificialmente construída na teoria é a máxima expressão de sua inverdade: é somente por meio de um ato arbitrário do sujeito que as contradições de que é repleta a realidade – contradições que, na so- ciedade capitalista, só fazem se agravar – podem desaparecer na teo- ria. Em outras palavras, a contradição não é sempre erro que exige ser corrigido; pelo contrário, ela pode ser imposição da realidade, uma vez que esta não aceita a lógica como seu princípio estruturador.21 O sujeito engajado com a teoria crítica deve, portanto, recusar a idéia de fazer “ciência” no sentido usual. A acusação de falta de cien- tificidade em seu trabalho não deve constrangê-lo: ela apenas revela as limitações de seus acusadores. Ao se deparar com contradições, não deve buscar eliminá-las a todo custo, como se fosse escravo de um pensamento que ou é linear ou não é nada: “a circunstância de que a concepção do caráter contraditório da realidade social não sabota o conhecimento desta e não o entrega ao acaso reside na possibilidade de entender a contradição como necessária e, com isso, ampliar a racio- nalidade até ela”.22 Contradições como a do caráter social da produção com o caráter privado da apropriação, bem demonstrada por Marx, ou da tendência emancipadora com a tendência mistificadora do esclarecimento, mote central da Dialética do esclarecimento, não estão somente na teo- ria, mas no próprio objeto. Assim também o fato de serem os direitos humanos originalmente postulados pela sociedade capitalista, como condição para o funcionamento de uma esfera de troca generalizada de mercadorias, e, ao mesmo tempo, essa mesma sociedade, pela for- 20 Adorno, T. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. p. 239. 21 “As contradições das partes isoladas da teoria não são portanto resultantes de erros ou definições mal cuidadas, mas resultam do fato da teoria visar a um objeto que se transforma constantemente e que apesar do esfacelamento não deixa de ser um objeto único.” Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. p. 152. 22 Adorno, T. Sobre a lógica das ciências sociais. p. 49. 12
  • 25. ma inerentemente exploratória e desigualadora de suas relações es- truturais, negar realização a tais direitos: eis uma contradição que re- side na realidade objetiva e que a teoria não pode suprimir. Caso con- trário, a teoria dos direitos humanos vai, “por amor à clareza e à exati- dão, passar ao largo daquilo que quer conhecer”.23 4. Perspectiva da totalidade A relação dialética entre parte e todo, tão cara à tradição marxista e tão presente nas obras de Adorno e Horkheimer, é fundamental para a teoria crítica. Se, em um extremo, Marx censurou os economistas clássicos por iniciarem seus tratados por uma totalidade abstrata, sem cuidar do movimento interno de suas partes constitutivas,24 no outro, Adorno censura os positivistas por se limitarem ao fato isolado, que é parte, sem avançar para a totalidade. Em ambos os casos, a teoria tra- dicional se ampara no postulado cartesiano da igualdade entre o todo e a soma das partes. Perde, com isso, a capacidade de captar o movi- mento, a transformação, a história – a dialética, que rejeita a identida- de pura, permanece a par da dinâmica do real. Todo e parte não podem ser tomados como autônomos. O todo se forma como resultado do movimento das partes, como produto da complexa rede de inter-relações entre as partes; é, portanto, mais do que mera soma. A parte, por sua vez, não pode ser reduzida à coisa iso- lada e existente por si, de vez que não se resume à identidade consigo mesma e só pode ser compreendida através do contraponto com o todo. A verdade do todo só pode ser conhecida através da dinâmica das par- tes, sem o que o todo não passa de abstração vazia.25 A verdade da parte – isto é, o fato, o objeto isolado – só pode ser conhecida se, em sua sin- gularidade, a teoria é capaz de captar a perspectiva da totalidade.26 23 Idem. Ibidem. p. 47. 24 Ver Marx, K. Introdução à crítica da economia política. p. 116-123. 25 A dialética visa a conhecer o todo, mas este não pode ser apreendido diretamente. É preciso começar pelas partes e remontar a rica rede de relações entre elas até chegar à totalidade. Nesse caso, a totalidade já não aparece como totalidade abstrata, mas como totalidade concreta, isto é, unidade do diverso. É por isso que Marx inicia a crítica à economia política pela mercadoria, e não pela população ou pela sociedade. 26 Os positivistas alegam a não-testabilidade do conceito de totalidade. Com efeito, o caráter hi- potético da teoria tradicional exige que todo postulado possa ser provado empiricamente, o que 13
  • 26. Nesse sentido, Adorno afirma: “A totalidade social não leva uma vida própria além daquilo que ela en- globa e que a compõe. Ela se produz e se reproduz através de seus momentos individuais. (...) Mas quanto menos se pode separar esse todo da vida, da co- operação e do antagonismo de seus elementos, tanto menos pode um ele- mento qualquer ser compreendido apenas no seu funcionamento, sem a vi- são do todo, cuja essência está justamente no movimento do singular. O sis- tema e a singularidade são recíprocos e somente reconhecíveis em sua reci- procidade.”27 Isso remete a uma outra questão acerca da teoria crítica: sua irre- dutibilidade ao esquema dado de divisão das áreas do conhecimento. Ela transita por sociologia, psicologia, economia, filosofia etc., mas não apenas não se reduz a qualquer dessas, como as engloba em um conjunto teórico mais avançado em termos de profundidade e com- plexidade. Trata-se de teoria crítica da sociedade, ou seja, teoria para a qual os estudos centrados em elementos isolados não bastam por si sós, mas importam somente como momentos do estudo da sociedade como totalidade. O estudo que tem os direitos humanos por objeto não pode, por conseguinte, ser fragmentado, estruturando-se como teoria especiali- zada à parte, visto que seu lugar no quadro geral do conhecimento é o de momento da crítica mais geral à sociedade como um todo. Esses direitos não podem ser encarados como algo dissociado do todo social. O seu sentido não reside neles mesmos, e por isso a teoria crítica não pode aceitar “recortá-los” para fora do contexto social no qual estão integrados. Como elemento da sociedade vigente que são, os direitos huma- nos, na mesma medida em que atuam como parte constitutiva do todo, desqualificaria a teoria crítica. Mas a totalidade não é fato e não se deixa testar como fato: ela é precisamente aquilo que supera a mera faticidade. Nas palavras de Adorno: “Nenhum experi- mento poderia demonstrar sumariamente a dependência de qualquer fenômeno social à totali- dade, visto que o todo, que pré-forma os fenômenos captáveis, é refratário em si mesmo a planos experimentais particulares. Apesar disso, aquela dependência social observável em relação à estrutura global pode ser tudo, menos mera construção mental e, além disso, é mais válida na realidade que quaisquer achados isolados irrefutavelmente verificáveis.” Adorno, T. Sobre a lógica das ciências sociais. p. 52-53. 27 Adorno, T. Sobre a lógica das ciências sociais. p. 48. 14
  • 27. carregam em si mesmos o traço determinante da sociedade. A teoria crítica não pode ignorar esse traço: as teses idealistas acerca do surgi- mento e do papel dos direitos humanos devem ser preteridas em nome de um pensamento que ressalte a determinação objetiva, porém não evidente, exercida pela estrutura da sociedade capitalista sobre tais direitos. Por outro lado, as partes, em sua dinâmica, podem ser não apenas contraditórias umas em relação às outras, mas também em re- lação à totalidade; a relação entre os elementos constitutivos e o todo social não é de harmonia perfeita. Os direitos humanos podem se opor às tendências da sociedade capitalista e esta é uma possibilidade que a teoria crítica deve não somente reconhecer, mas buscar realizar. Den- tro de certos limites – cuja maior ou menor extensão cabe à teoria crí- tica investigar –, podem os direitos humanos até mesmo ensejar trans- formação – que deve ser o referencial da teoria crítica – na estrutura da sociedade presente. 5. Conclusões A recusa à ratificação da sociedade capitalista, a relação dialética entre sujeito e objeto, a primazia do objeto ao invés da primazia do método, a perspectiva da totalidade sempre presente: a análise do mé- todo defendido por Adorno e Horkheimer revela que o fundamento e o ideal da crítica levada adiante através da teoria crítica são, em essên- cia, os do marxismo. Embora tenha apresentado desvios temáticos e conceituais quanto aos marxistas de então, percebe-se que a primeira geração da Escola de Frankfurt mantém viva e com excepcional de- senvolvimento a dialética de Marx. Sobretudo no compromisso com a transformação social, que constitui o cerne de seu teor crítico e que a torna instigadora da ativi- dade ao invés da passividade, a teoria crítica revela sua fidelidade ao ideal de Marx: a finitude do presente e a possibilidade do novo têm como porta-voz a dialética. Se, com o mesmo ideal, voltar a atenção aos direitos humanos, a teoria deverá prosseguir ciente dessa finitude e em busca dessa transformação – ainda que a finitude em questão seja a dos próprios direitos humanos e o novo seja a superação desses direitos. Se a crítica se dirige ao próprio objeto, então obviamente não pode poupar os próprios direitos humanos. 15
  • 28. Por tudo quanto foi exposto, procurei dar indicações para um pensamento crítico acerca dos direitos humanos, sem antecipar resul- tados e conclusões. Ficam, contudo, certas questões das quais o críti- co não pode se esquivar. Até que ponto os direitos humanos são deter- minados pela ordem social capitalista e contribuem para seu funcio- namento? Até que ponto e como podem servir à resistência à socieda- de presente e ao empenho na sua transformação? Qual o limite entre perpetuar o mesmo e propugnar verdadeiramente pelo novo quando se trata de direitos humanos? Por fim, resta claro que o caminho para levar a teoria crítica aos direitos humanos é longo. Ainda assim, persiste a expectativa de que essa singela contribuição possa ao menos servir de incentivo para que ele seja trilhado. Bibliografia ADORNO, Theodor W. Einleitung. 1974. Tradução brasileira Wolfgang Leo Maar: Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. In: BENJAMIN, W. et al. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 209-257. (Coleção Os Pensadores.) _____. Zur Logik der Sozialwissenschaften. 1972. Tradução brasileira Aldo Onesti: Sobre a lógica das ciências sociais. In: COHN, G. (Org.). Theo- dor W. Adorno. São Paulo: Ática, 1986. p. 47-61. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Filosofia crítica e filosofia do direito: por uma filosofia social do direito. Cult, n. 112, p. 53-55, abr. 2007. HORKHEIMER, Max. Philosofie und kritsche Theorie. 1937. Tradução brasileira Edgar Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira da Cunha: Filoso- fia e teoria crítica. In: BENJAMIN: W. et al. Textos escolhidos. São Pau- lo: Abril Cultural, 1980. p. 155-161. (Coleção Os Pensadores.) _____. Tradizionelle und kritsche Theorie. 1937. Tradução brasileira Edgar Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira da Cunha: Teoria tradicional e teo- ria crítica. In: BENJAMIN, W. et al. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 117-154. (Coleção Os Pensadores.) HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialektik der Aufklãrung. 1944. Tradução brasileira Guido Antonio de Almeida: Dialética do es- clarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. 254p. MARX, Karl. Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie. 1859. Tra- dução brasileira José Arthur Giannotti e Edgar Malagodi: Introdução à 16
  • 29. crítica da economia política. In: MARX, K. Manuscritos econômicos fi- losóficos e outros textos escolhidos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1988. p. 103-125. (Coleção Os Pensadores.) _____. Zur Judenfrage. 1843. Tradução brasileira Sílvio Donizete Chagas: A questão judaica. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2005. 101p. MUSSE, Ricardo. A dialética como discurso do método. Tempo social, v. 17, n. 1, p. 367-389, 2005. 17
  • 30. I.2. Igualdade e diferença nos direitos humanos Erica Roberts C. Serra* 1. Introdução No presente artigo, pretendemos discutir os conceitos de igualda- de e diferença nos direitos humanos da mulher, e para isso o nosso apoio teórico consiste em aspectos das obras de Piovesan, Foucault e Boaventura de Sousa Santos. Fundamentalmente, iremos abordar a aplicação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em especial seu inc. II, quando declara que ninguém será privado dos direitos e li- berdades daquela Declaração por distinção de raça, credo, sexo, lín- gua, religião, opinião política etc., e a influência do sistema dominan- te, cultura patriarcal, no momento da aplicação da norma universal ao mundo concreto. 2. A Declaração dos Direitos Humanos – o conceito de igualdade e as mulheres A Declaração Universal dos Direitos Humanos buscou a norma- tização de princípios fundamentais, como o direito à vida, liberdade, educação etc., abrangendo todos os povos de culturas diversas, pac- tuando o respeito aos direitos fundamentais por meio de regras de condutas predeterminadas, enfim, regras de condutas “universais”. * Advogada, formada pela Faculdade de Direito da PUC/Campinas, onde foi estudante de Ini- ciação Científica do grupo Filosofia, Cultura e Sociedade, orientanda do professor Samuel Mendonça, pesquisador do referido grupo. 18
  • 31. A Carta Universal, em seu art. II, declara que ninguém será priva- do dos direitos e liberdades daquela Declaração por distinção de raça, credo, sexo, língua, religião, opinião política etc. A partir desse artigo podemos nos ater à proibição de qualquer distinção de sexo.1 Inicialmente, a Carta repetiu a práxis da normatização de princí- pios fundamentais, principalmente no chamado direito de igualdade formal. A adoção desses conceitos propõe um tratamento comum somen- te na esfera abstrata, ou seja, quando falamos na “forma” utilizada pela maior parte das legislações – por exemplo, “todos são iguais pe- rante a Lei sem distinção de qualquer natureza etc.” (art. 5o, caput, da CF/1988) – ela permanece no campo abstrato da norma, sem garantia de real efetividade no campo material. Por isso, chama-se igualdade formal, ou seja, no campo abstrato das normas somos todos sujeitos de direitos. Quando a Declaração garantiu uma igualdade formal, ou seja, dentro do seu mundo abstrato, assumiu como paradigma principal um sujeito universal assexuado. No entanto, um sujeito universal assexu- ado somente pode ser considerado de maneira abstrata, e não no mun- do concreto, e, por conta disso, a Carta Universal, quando aplicada ao mundo real, perdeu seu caráter neutro e passou a manifestar-se de for- ma sexuada, ou seja, a manifestar-se através do sistema dominante, que seria, portanto, o sistema patriarcal. A Declaração Universal dos Direitos Humanos propõe, inicial- mente, um tratamento assexuado, desprendido de qualquer “parcia- lidade”. No entanto, quando iniciada sua aplicação e discussão so- bre os fatos concretos, observou-se uma “parcialidade” na sua apli- cação. Por conta disso, houve a necessidade da aprovação da “Con- venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, de 1979, inaugurando uma abordagem diversa da aplicação normativa por meio do incentivo às ações afirmativas compensatórias. Por que essa necessidade de reafirmação de direitos através da Convenção de 1979 se a Carta Universal já contemplava e protegia a igualdade de direitos entre homem, mulher e sociedades? Para res- 1 Declaração Universal dos Direitos Humanos. 19
  • 32. ponder a esse questionamento, é necessário discorrer sobre o uso do conceito de igualdade e suas variações. Observa-se nesse ponto que a Declaração Universal dos Direitos Humanos caiu em vício, quando da sua aplicação aos interesses pa- triarcais arraigados na história das sociedades ocidentais. Podería- mos eliminar o risco do vício da adoção de uma parcialidade nas de- clarações universalizantes? Na prática, todos sabemos da dificuldade e do grande desafio de atribuir neutralidade quando da aplicação da norma. O campo abstra- to, formal, em que se encontra a premissa inicial: “todos iguais peran- te a lei”, permanece estagnado, pois não acompanha e nem se realiza no mundo concreto, na realidade das diferenças. Como vivemos e convivemos na realidade das diferenças, torna-se complicada a ade- quação da igualdade formal às relações e conflitos cotidianos. Daí podemos citar a grande influência que a cultura patriarcal, o sistema dominante, exerce no momento da aplicação da norma jurídi- ca. Nesse momento, como vivemos no mundo das diferenças, a nor- ma jurídica fica vulnerável à influência cultural, sendo, enfim, mais do que necessária a procura de uma saída adequada para que a norma não seja aplicada injustamente. Por conta dessa dificuldade procurou-se formular outro conceito de igualdade, o conceito da igualdade material, que considera um cri- tério socioeconômico para caracterizar se esta ou aquela pessoa efeti- vamente é sujeito de direitos. O ser humano que não tem acesso à edu- cação, saúde e lazer não efetiva seu direito abstrato de igualdade. O conceito de igualdade material reconhece as diferenças entre os po- vos e propõe um caminho concreto para alcançar a justiça social. Nessa esteira, Flavia Piovesan divide o conceito de igualdade material em dois momentos: “1. igualdade material que corresponde ao ideal de justiça social e dis- tributiva (igualdade orientada pelo critério socioeconômico); 2. igualdade material que corresponde ao ideal de justiça como reco- nhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, raça, etnia etc.)”.2 2 Piovesan, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cadernos de Pes- quisa, v. 35, n. 124, p. 47, jan./abr. 2005. 20
  • 33. Peço atenção ao segundo conceito de igualdade material, pelo re- conhecimento das identidades. Houve momentos na história mundial em que o reconhecimento das diferenças expressava temor, como no regime nazista, que utili- zou o conceito de igualdade formal para aniquilar uma etnia. Sendo insuficiente o tratamento do indivíduo de forma genérica, através da igualdade formal, fez-se necessária a especificação do su- jeito de direito, enfim, o sujeito visto através de suas peculiaridades e particularidades (Boaventura de Souza Santos): “temos o direito a ser iguais quando nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.3 Seria uma redistribuição de direitos somada ao reconhecimento de identidades, introduzindo um novo caráter bidimensional de justiça.4 Enfim, ao pretendermos uniformizar as diferenças, criar regras de conduta universais, acabamos por desconhecer as particularidades do ser humano, restringindo-lhe no âmbito da proteção. Todavia, surgiram críticas ao uso dessa igualdade formal, quando entrou em discussão a necessidade do respeito às diferenças como ga- rantia e concretização de direitos fundamentais, levando à aprovação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina- ção contra a Mulher, de 1979. A Convenção de 1979 ratifica a necessidade do uso desse outro conceito de igualdade, o conceito de igualdade material pelo reconhe- cimento das identidades, prevendo em seu texto o risco do uso de igualdade formal prejudicial às mulheres que não têm o mesmo trata- mento no mundo das diferenças e, portanto, o incentivo ao uso de me- didas compensatórias, buscando reduzir o abismo desigual entre ho- mens e mulheres. 3 Santos, Boaventura. Reconhecer para libertar. p. 56. 4 Piovesan, Flavia. Ibidem. 21
  • 34. 3. Foucault, disciplina e as diferenças O filósofo francês Michel Foucault, em seus estudos sobre as vá- rias formas de manifestação do poder, introduz o conceito de “discur- so verdadeiro”.5 Considerando que somos sujeitos históricos, ou seja, faz parte da nossa construção como sujeito social toda uma história cultural, po- deríamos dizer a história do nosso povo, temos para nós um discurso verdadeiro, que é um discurso passado culturalmente para a manuten- ção dos corpos dóceis; por exemplo, o discurso de uma sociedade pa- triarcal, o sistema dominante, que desconsidera o respeito às capaci- dades da mulher, repassado, inclusive, pelas mães aos filhos peque- nos. Esse é um exemplo de um dos denominados discursos verdadei- ros tão arraigados na sociedade e repetidos inconscientemente, pois já fazem parte da essência daquele sujeito social. Foucault repudia qualquer forma de “repetição” dos discursos tido como verdadeiros por considerá-los totalitários, uniformizadores. O discurso verdadeiro nada mais é do que a repetição de uma das por ele denominadas tecnologias disciplinares: homem como objeto e como sujeito – que tornam o corpo ao mesmo tempo dócil e produtivo – e das tecnologias do eu – que obrigam o indivíduo a falar a verdade sobre si mesmo. Tais tecnologias disciplinares são manifestações de controle das condutas da sociedade, um controle sutil, mas cruelmen- te eficaz. Portanto, a eficácia de um sistema normativo tem por base a dis- ciplina dos corpos políticos. Toda forma de uniformização é uma aplicação da tecnologia disciplinar. Uma das manifestações desses mecanismos disciplinares é abor- dada em História da sexualidade I: A vontade de saber, em que o filó- sofo identifica a incitação da colocação do sexo no discurso como for- ma de controle das condutas sociais, por exemplo, a descoberta do estu- do científico do sexo através dos médicos; a dura penalização normati- va por condutas tidas como perversões sexuais, por ele chamada de “implantação perversa”; as regras do direito canônico e, principalmen- te, do direito de família quanto às condutas do casamento. 5 Balbus, Isaac. Mulheres disciplinantes: Michel Foucault o poder do discurso feminista. In: Fe- minismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1987. 22
  • 35. Foucault introduz o conceito do “dispositivo de sexualidade”, que se trata do “conjunto dos efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, produzidos por instituições, normas, leis, mecanismos eco- nômicos, toda uma tecnologia política complexa, cuja finalidade é captar, normalizar e usar em seu benefício as sexualidades individuais e a sexuali- dade coletiva”.6 A partir desse pensamento de Foucault, podemos questionar: a aplicação da norma formal garantidora de igualdade de direitos está sujeita às influências culturais? Considerando a resposta afirmativa a essa pergunta, podemos desenvolver a reflexão seguinte. A universa- lização da aplicação da Declaração poderia ser considerada uma re- petição de um discurso verdadeiro patriarcal, influenciado pelo siste- ma dominante, em que se cria um dispositivo de sexualidade com re- lação às mulheres do mundo, pois poderíamos, enfim, considerar que essa cultura histórica dominante faz parte do cotidiano das mulheres que vivem nos cinco continentes do planeta. Em suma, a universalização de condutas dispostas na Declaração dos Direitos Humanos não é nada mais do que repetições de discursos verdadeiros, de tecnologias de controle exercidas pelo poder, pelo sistema dominante. Quando há o reconhecimento da diferença não se repete o discur- so, é um novo discurso que será desenvolvido. No artigo “Theatrum philosoficum”, em que Foucault desenvol- ve os temas de dois livros do filósofo Gilles Deleuze: A lógica dos sentidos e Diferença e repetição, ele explica justamente o uso de uma nova forma de pensamento, na verdade, o verdadeiro uso do pensa- mento procurando a problematização dos conceitos. Quando apenas repetimos os conceitos, acabamos por repetir conjuntamente seus vícios, sem qualquer perspectiva de uma nova re- flexão sobre a eliminação destes. A repetição de um discurso, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de maneira “parcial”, masculinizada, garante a manutenção do vício do discurso. Diz Foucault: “Há que abandonar o círculo, mau princípio de retorno, 6 Muraro, Rose Marie. Sexualidade da mulher brasileira. p. 22. 23
  • 36. abandonar a organização esférica do todo.” A repetição dos discursos nos leva a uma prática da manutenção circular, esférica, dos conceitos e do próprio pensamento. Faz-se necessário descentralizar, dispersar a forma de pensar, desvincular-nos da repetição dos vícios e passar- mos a refletir sobre estes, criando novos discursos. O filósofo sugere, enfim, que: “(...) para libertar a diferença precisamos de um pensamento sem con- tradição, sem dialética, sem negação: um pensamento que diga sim à diver- gência; um pensamento afirmativo cujo instrumento seja a disjunção; um pensamento múltiplo (...) que não limita nem reagrupa nenhuma das coações do MESMO; um pensamento que não obedece ao modelo escolar”.7 Com base nessa nova forma de pensar a diferença, procurando não cair na armadilha de categorizá-la, pois estaríamos realizando a repetição do discurso e descaracterizando sua identidade, poderemos identificar a universalização dos discursos, percebendo seu caráter uniformizador, totalitário e, através dessa identificação, procurare- mos desconstruí-los, descentralizá-los, construir o conceito de uma igualdade material, de afirmação das diferenças. 4. A importância do debate de gênero Através desse novo conceito de igualdade material com reconhe- cimento das diferenças surgem as discussões e a criação do conceito de gênero. O conceito de gênero compreende a identificação do sujei- to pela indivisibilidade de direitos, ou seja, pelo catálogo de direitos civis e políticos conjugado ao catálogo dos direitos econômicos, so- ciais e culturais. Reconhece as peculiaridades do indivíduo e de suas necessida- des, e procura identificá-las quando minoria vítima de discriminação. Trata-se da identificação do ser em um aspecto de ser político, da dis- tribuição desigual de poder, daí diz-se que as relações de gênero im- plicam relações de poder. Ainda, nas relações de poder, o ser feminino sai perdendo, por prevalecer o ser masculino. As mulheres, como diziam Deleuze e 7 Idem. p. 102. 24
  • 37. Foucault, repetem a conduta masculina de ser, a conduta de ser domi- nante, e não promovem a diferença, que seria a conduta do ser femini- no, a conduta da diferença. Já dizia Simone de Beauvoir: “Não se nasce, mas torna-se mu- lher.”8 Essa frase implica que, para a constituição do eu feminino, é ne- cessário fazer uma escolha, uma escolha de continuar a praticar um eu fictício feminino imposto pela concepção patriarcal de mulher como sendo o “outro”, ou de escolher uma construção do eu feminino con- siderando as peculiaridades do que poderia ser uma mulher. Essa ci- tação de Beauvoir sugere uma descoberta incessante do que seria o ser feminino, sugere uma liberdade de construção do ser feminino como sujeito político na sociedade. A partir dessa afirmativa, a mulher deve sempre procurar cons- truir sua identidade, pois é livre. Enfim, a construção do conceito de gênero sugere uma constru- ção política e inovadora de respeito às peculiaridades da mulher em si e do homem, cada um tendo a liberdade de construir-se como sujeito político-social. 5. Considerações finais A normatização dos direitos fundamentais através da Carta Uni- versal, utilizando o conceito de igualdade formal, restou infrutífera na sua aplicação, pois a efetivação de direitos e garantias através do con- ceito formal de igualdade não se realiza no mundo concreto, o mundo das diferenças. Daí a necessidade de se elaborar uma segunda Carta (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina- ção contra a Mulher) para suprir esse “vazio” na aplicação da Carta Universal, proporcionado pela repetição do discurso dominante, pa- triarcal, que se reflete em grande parte nas sociedades do mundo. Uma possível saída para a solução desse impasse poderia ser a adoção do conceito de igualdade material como reconhecimento de identidades. O reconhecimento das diferenças de gênero para propor- 8 Butler, Judith. Variações sobre sexo e gênero. In: Feminismo como crítica da modernidade. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1987. p. 139. 25
  • 38. cionar a reação ao sistema dominante e buscar a construção de uma plataforma igualitária. Bibliografia BALBUS, Isaac. Mulheres disciplinantes: Michel Foucault o poder do dis- curso feminista. In: Feminismo como crítica da modernidade. Rio de Ja- neiro: Rosa dos Tempos, 1987. BUTLER, Judith. Variações sobre sexo e gênero. In: Feminismo como críti- ca da modernidade. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1987. CAMURÇA, Silvia; GOUVEIA, Taciana, O que é gênero?. Recife: SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, 2004. ESPINOZA, Olga. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979). In: Direito internacional dos di- reitos humanos. São Paulo: Atlas, 2002. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 16. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2005. _____. Um diálogo sobre os prazeres do sexo e outros textos. In: Theatrum Philosoficum. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. MURARO, Rose Marie. Sexualidade da mulher brasileira. 1. ed. Petrópo- lis: Vozes, 1983. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração dos Direitos Hu- manos. Disponível em: <www.onu.org.br>. Acesso em: 24 mar. 2006. PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos huma- nos. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, p. 43-55, jan./abr. 2005. _____. A discriminação por gênero e por orientação sexual. In: Seminário Internacional – As minorias e o direito. Disponível em: <www.cjf.gov.br/ revista/seriecadernos/vol.24>. SANTOS, Boaventura. Reconhecer para libertar. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003. 26
  • 39. I.3. O direito ao desenvolvimento humano: uma sugestão sobre a definição desse conceito Ivanilda Figueiredo* O direito ao desenvolvimento consagrou-se na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, na qual foi definido como um direito humano através do qual toda pes- soa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimen- to econômico, social, cultural e político da sociedade em que vivem. A Declaração e Programa de Ação de Viena, considerada como uma reafirmação em termos contemporâneos da Declaração Universal de Direitos Humanos, assinada por 173 países, reproduz as disposições da declaração anterior e mais uma vez anuncia que, “embora o desen- volvimento facilite a realização de todos os direitos humanos, a falta de desenvolvimento não poderá ser invocada como justificativa para se limitar os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”. Já na Declaração do Milênio, mais uma vez o direito ao desenvolvimen- to recebe destaque. Nela se assevera que os Estados pactuantes estão comprometidos com o objetivo de tornar esse direito uma realidade. Os marcos legais destacados têm por intuito demonstrar que, por mais que o direito ao desenvolvimento já tenha sido tratado em diver- sas e importantes normas internacionais, sua conceituação ainda não é clara. Uma corrente chega a visualizá-lo como um direito que sim- * Associada da ANDHEP desde maio de 2006, professora da Faculdade de Direito de Caruaru e mestre em Direito Constitucional pela UFPE. 27
  • 40. plesmente reúne em si os demais direitos humanos.1 Outra o identifi- ca como uma prerrogativa peculiar que congrega os demais diretos fundamentais, contribuindo para enfatizar os pressupostos de indivi- sibilidade e interdependência deles característicos. Veja-se: “el derecho al desarollo puede ser visto como um medio para reforzar la importancia de los derechos humanos existentes y enfatizar la indivisibi- lidad e interdependencia de los derechos economicos, sociales e culturales y de los derechos civiles e politicos”.2 Essa perspectiva demonstra que o direito ao desenvolvimento está interligado de modo imanente ao conteúdo valorativo dos demais direitos humanos, mas neles não se basta. Ele expressa mais. Ao co- nectar tais direitos, normatiza a propalada interdependência dos mes- mos,3 o que traz como conseqüência imediata, por exemplo, a desvin- culação do desenvolvimento ao mero progresso material, pois, por força da interdependência imposta por ele, o progresso econômico deve ser uma meta, mas é imprescindível que a ele esteja atrelada uma correta distribuição. Embora, essa definição pareça mais apropriada, ela ainda é bas- tante imprecisa, pois não cria o conteúdo real do direito, não define elementos constitutivos próprios, e, como se viu, esse não é um pro- blema meramente doutrinário. A normativa internacional também não conseguiu se expressar com a necessária precisão para assegurar a visualização dessa prerrogativa como um direito autônomo. O conteúdo enigmático do direito ao desenvolvimento dificulta a teorização sobre o mesmo e tem um efeito ainda mais nefasto: gera uma escusa para a sua efetivação; ou situa políticas meramente eco- nômicas com pouca ou nenhuma referência a questões sociais como capazes de representar a efetivação do mesmo. Veja como exemplo paradigmático o capítulo do Relatório brasi- leiro sobre o cumprimento dos objetivos do milênio, no qual constam 1 Isa, Felipe Gómez. El derecho al desarrollo: como derecho humano en el ámbito jurídico in- ternacional. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999. p. 168. 2 Alston, Phillipe. Apud Isa, Felipe Gómez. Ibidem. p. 171. 3 Wolkmer, Antônio; Wolkmer, Maria de Fátima. Direitos humanos e desenvolvimento. In: Barral, Welber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. p. 70-71. 28
  • 41. informações sobre a atuação econômica do Estado no âmbito interno e no da cooperação internacional sem qualquer referência a direitos sociais, ao menos subjacentes a elas.4 Depois, sem uma ligação clara com as informações anteriores, o Estado se refere à telefonia, à inclu- são social digital e a políticas de combate ao HIV/Aids. Ora, em que essas atitudes podem representar uma concretização de um direito complexo, como o direito ao desenvolvimento, não está evidente. A vagueza parece ser uma característica atual de tudo o que se re- fere ao direito ao desenvolvimento, doutrina, normas e políticas, in- capazes de o definir com precisão. Em sentido contrário, cada vez mais se publicam e se discutem temas concernentes a esse direito, tomando como uma verdade sua existência, mas nem sempre há uma preocu- pação detida com seu significado. Além de não ter conteúdo próprio, poucos autores se preocupam em definir que direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais (DHESCAs) estão contemplados dentro do conteúdo de direito ao desenvolvimento. E isso não é de diminuta importância, pois o próprio catálogo de direitos humanos/fundamentais5 é ampla- mente discutido sem que se chegue a um acordo sobre quais prerroga- tivas o compõem. Veja-se a esse respeito a concepção de Sarlet: “Direitos fundamentais são todas aquelas posições jurídicas concer- nentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (sentido material), integradas ao tex- to da Constituição (formal), bem como as que, por seu conteúdo, e significa- do, possam lhes ser equiparadas, agregando-se à Constituição material, ten- do, ou não, assento na Constituição formal.”6 A cláusula aberta dos direitos humanos/fundamentais é uma rea- lidade; portanto, quando se assegura que o direito ao desenvolvimen- to reúne direitos civis, políticos e DHESCAs, parece importante per- 4 Ipea. Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório nacional de acompanhamento Brasí- lia: Ipea 2005. p. 188-211. Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2006. 5 Compartilha-se da visão expressa pelo autor (Sarlet) no que diz respeito à divisão entre direitos humanos e fundamentais, de acordo com a qual o conteúdo valorativo deles é o mesmo, e o que os distingue é o aspecto formal: os direitos humanos estão alocados na normativa internacional; os direitos fundamentais, nas constituições. 6 Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev., atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 83. 29
  • 42. quirir: quais são esses direitos? De acordo com Felipe Gómez Isa, os elementos constitutivos do direto ao desenvolvimento são: “1. el respeto de todos los derechos humanos como parte integrante del derecho ao desarrollo. 2. conexión del derecho ao desarrollo con el resto de los derechos hu- manos de la tercera generación. 3. el desarme y su contribución al derecho al desarrollo, y 4. la participación popular como elemento fundamental en todo proce- so de desarrollo”.7 Não parece esclarecedor o bastante. Por isso, embora se tenha consciência de que a delimitação de um conteúdo jurídico autônomo para o direito ao desenvolvimento necessita de um debate teórico bem mais profundo, lança-se uma idéia para fomentar a discussão. Se o “pai do pensamento moderno de desenvolvimento definiu desenvol- vimento como a ampliação das escolhas das pessoas”,8 por que não definir o direito ao desenvolvimento a partir desse conceito? Uma das maiores vantagens de se pensar o direito ao desenvolvi- mento, com fulcro na teoria de Sen, é que ela está moldada à realidade dos países que enfrentam dificuldades similares à brasileira. O autor in- clusive cita, em diversas ocasiões, como exemplo o Brasil. O comum é a necessidade de se adaptarem teorias européias e estadunidenses à rea- lidade local, mas, no caso de Sen, isso não se faz necessário. O direito ao desenvolvimento seria, então, definido como o direi- to de todo indivíduo de dispor de condições materiais e formais para orquestrar sua vida de acordo com suas aptidões e preferências e de um ambiente que lhe permita buscar com seus próprios meios o incre- mento dessas condições. As condições materiais e formais de que trata a descrição do di- reito seriam concretizadas através dos cinco parâmetros propostos por Amartya Sen para engendrar um “desenvolvimento humano”, ou 7 Isa, Felipe Gómez. El derecho al desarrollo: como derecho humano en el ámbito jurídico in- ternacional. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999. p. 175. 8 Fukuda-Parr, Sakiko. Operacionalizando as idéias de Amartya Sen sobre capacidades, desenvolvimento, liberdade e direitos humanos – o deslocamento do foco das políticas de abordagem do desenvolvimento humano. Disponível em: <www.pucminas.virtual.br>. Acesso em: 10 out. 2005. 30
  • 43. seja, progresso econômico e social calcado em bases democráticas: 1. liberdades políticas; 2. facilidades econômicas; 3. oportunidades so- ciais; 4. garantias de transparência; 5. segurança protetora.9 A inter- pretação do autor é de que a liberdade é o meio e o fim do desenvolvi- mento. Para se percorrer o caminho atrelado a ela, deve-se atentar para a necessidade de se concederem “funcionamentos” aos indiví- duos. Esses funcionamentos podem ser visualizados como direitos consagradores da liberdade-meio e que possibilitam a liberdade-fim com a qual os indivíduos poderão desfrutar de sua capacidade de livre agentes.10 Para Sen, o catálogo de funcionamentos depende do estágio da sociedade. Quanto mais desenvolvida, maior número deles é exigí- vel, o que gerará a obtenção de maior capacidade pelos cidadãos. Entretanto, um rol mínimo de funcionamentos, conectado à satisfa- ção das necessidades básicas, precisa ser concedido para que exista alguma capacidade.11 Dito de outra forma, a capacidade de agente é um reflexo da liberdade substantiva e se compõe de um conjunto de funcionamentos realizados, os quais são capazes de dotar as pessoas da aptidão para efetuar escolhas conscientemente e eleger o modo de vida que melhor lhes aprouver.12 Portanto, a proposta de enumeração a seguir delineada não cria um rol exaustivo, nem tampouco universal, mas visualiza o que pode- ria ser considerado o fundamental para desvelar o significado das “condições materiais e formais” expostas no conceito de direito ao desenvolvimento. Os funcionamentos se referem à concessão de direitos definidos a partir dos cinco parâmetros expostos pelo autor. As liberdades políti- cas são concernentes ao direito de votar e de ser votado, de fiscalizar as instâncias públicas, de poder expressar livremente e a garantia do pluripartidarismo.13 As facilidades econômicas são representadas pe- 9 Sen, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 25. 10 Idem. Ibidem. p. 32-33. 11 Idem. Ibidem. p. 35-37. 12 Idem. Desigualdade reexaminada. Tradução e apresentação Ricardo Doninelli. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 89-90. 13 Idem. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras. 2000. p. 55. 31
  • 44. los direitos econômicos, que propiciam aos indivíduos a possibilida- de de “utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo, pro- dução ou troca”.14 Referem-se, portanto, a salários mínimos dignos, disponibilidade de financiamento governamental através de micro- crédito, suporte financeiro para incentivar a agricultura familiar. As oportunidades sociais se expressam através de direitos sociais à saú- de, educação, alimentação, habitação, vestuário, transporte etc. As garantias de transparência asseguram o direito a um ambiente social (privado e público) isento de corrupção e com relações livres entre os indivíduos, com confiança entre eles na sinceridade dos acordos pac- tuados e de responsabilidade no trato com as finanças públicas. Enfim, a segurança protetora é a esfera da proteção social represen- tada por benefícios monetários concedidos a pessoas em dificuldade, como desempregados ou indivíduos em situação de miséria.15 No en- tender desse estudo, a melhor maneira de materializar esta última di- retriz é através da concessão do direito à renda de cidadania, que, sem descuidar do respeito à dignidade dos indivíduos, ilide perpetuamen- te a possibilidade de as pessoas serem “reduzidas à miséria abjeta e, em alguns casos, à fome e à morte”,16 o que, assevera o autor, é a fun- ção da segurança protetora. É importante destacar que, como se pode apreender, a noção de interdependência permeia as diretrizes expostas por Sen. Veja-se: “Essas liberdades instrumentais aumentam diretamente as capacidades das pessoas, mas também se suplementam mutuamente, e podem, além dis- so, reforçar umas as outras. É importante apreender essas interligações ao deliberar sobre políticas de desenvolvimento.”17 Essas são considerações iniciais que se pretende possam contri- buir para ampliar o debate sobre como é necessário (e possível) se chegar a um consenso sobre o significado da expressão “direito ao de- senvolvimento”, e como essa resposta é essencial para a efetivação dessa prerrogativa, pois possibilita que ela venha a ser exigida como parâmetro de conduta das políticas públicas de um modo coerente e 14 Idem. Ibidem. p. 55. 15 Idem. Ibidem. p. 56-57. 16 Idem. Ibidem. p. 57. 17 Idem. Ibidem. p. 57. 32
  • 45. sem subterfúgios. Além disso, o acréscimo do adjetivo “humano” eli- mina qualquer dúvida sobre a direção que esse direito quer indicar, o que é especialmente importante em países como o Brasil, no qual o conceito de desenvolvimento está atrelado à concepção de progresso material. Bibliografia FUKUDA-PARR, Sakiko. Operacionalizando as idéias de Amartya Sen so- bre capacidades, desenvolvimento, liberdade e direitos humanos – o deslocamento do foco das políticas de abordagem do desenvolvimento humano. Disponível em: <www.pucminas.virtual.br>. Acesso em: 10 out. 2005. IPEA. Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório nacional de acom- panhamento. Brasília: Ipea, 2005. p. 188-211. Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2006. ISA, Felipe Gómez. El derecho al desarrollo: como derecho humano en el ámbito jurídico internacional. Bilbao: Universidad de Deusto, 1999. 339p. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 416p. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. _____. Desigualdade reexaminada. Tradução e apresentação Ricardo Doni- nelli. Rio de Janeiro: Record, 2001. 33
  • 46. I.4. A dignidade da pessoa humana e o direito ao mínimo vital Lilian Márcia Balmant Emerique* Sidney Guerra** 1. Introdução A pessoa humana é considerada como indivíduo em sua singula- ridade, e partindo dessa premissa obtém-se o princípio de que esta deve ser “livre” (liberdade externa oprimida apenas pelos obstáculos próprios da natureza, e ainda não afastados pelo avanço das ciências correlatas). Por seu turno, como ser social, estando com os demais in- divíduos em uma relação de igualdade, a pessoa humana passa a rece- ber a carga opressora, também, dos obstáculos à sua vontade, oriun- dos da organização política da sociedade. Os direitos humanos fundamentais não podem ser compreendi- dos como fruto das estruturas do Estado, mas da vontade de todos, ou seja, as liberdades não são criadas e não se manifestam senão, em sua maior parte, quando o povo as quer. Daí, a idéia de Bénoit: “as liber- * Doutora em Direito pela PUC/SP e mestre em Direito pela PUC/Rio; pesquisadora e professo- ra do Curso de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito de Campos (Uniflu/FDC); advoga- da. Contato: lilamarcia@hotmail.com. **Pós-doutor, doutor e mestre em Direito; professor adjunto da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ); professor titular e coordenador de Pesquisa Jurídica da Universidade do Grande Rio; professor do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito de Campos; advogado e administrador de empresas no Rio de Janeiro. Contato: sidneyguerra@ufrj.br e scguerra@terra.com.br. 34
  • 47. dades não nascem senão de uma vontade, elas não duram senão en- quanto subsiste a vontade de as manter”.1 O presente artigo pretende demonstrar a inserção da dignidade da pessoa humana no constitucionalismo contemporâneo como direito fundamental e de comando estruturante da organização do Estado, bem como proceder ao estudo da dignidade da pessoa humana à luz da discussão sobre os direitos sociais, em especial sobre o direito ao mínimo vital. 2. Conceito A discussão relativa à dignidade da pessoa humana ganha relevo no plano doméstico dos Estados e no âmbito da sociedade internacio- nal. Assim, para tentar enfrentar a questão, preliminarmente devem ser observados alguns conceitos que foram formulados pela doutrina sobre a dignidade da pessoa humana. Fábio Konder Comparato assinala que a dignidade da pessoa hu- mana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coi- sas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. Daí decorre, como assinalou o filósofo, que todo homem tem dignidade, e não um preço, como as coisas.2 Ingo Wolfgang Sarlet3 propôs uma conceituação jurídica para a dignidade da pessoa humana: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e dis- tintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consi- deração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a 1 Bénoit, Francis Paul. Les conditions d’ existence des libertes. Paris: La Documentation Fran- çaise, 1985. p. 21 (tradução do autor). 2 Comparato, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 20. 3 Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60. 35
  • 48. lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” Ricardo Lobo Torres4 acentua que o direito à alimentação, à saú- de e à educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual a pessoa não sobrevive. Para Luís Barroso,5 dignidade da pessoa humana é uma locução tão vaga, tão metafísica, que, embora carregue em si forte carga espi- ritual, não tem qualquer valia jurídica. Passar fome, dormir ao relen- to, não conseguir emprego são, por certo, situações ofensivas à digni- dade humana. De fato, a dignidade da pessoa humana ganha destaque, não obs- tante esta se merecer como um conceito de contornos vagos e impre- cisos, caracterizado por sua ambigüidade e porosidade, assim como por sua natureza necessariamente polissêmica.6 Tal relevância pode ser facilmente compreendida à luz dos avanços tecnológicos e cientí- ficos da humanidade.7 3. A dignidade da pessoa humana no constitucionalismo contemporâneo Hodiernamente, as declarações de direitos contempladas no pla- no internacional e as constituições substanciais e/ou formais dos paí- ses livres consignam capítulo especial aos direitos e garantias funda- mentais, como condição essencial da manutenção da vida em socie- dade. Trata-se de uma das maiores conquistas da civilização, em prol da valorização da pessoa humana, consoante Norberto Bobbio: “To- das as declarações recentes dos direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberda- 4 Torres, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 133. 5 Barroso, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 296. 6 Idem. Ibidem. p. 38. 7 Também Alves, Cleber Francisco. O princípio da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 118. 36
  • 49. des, também os chamados direitos sociais, que se constituem em po- deres.”8 Do postulado de Norberto Bobbio emergem três posicionamen- tos, a saber: a) a realidade das liberdades públicas globais configura um sistema único (catálogo universal por elas formatado), em função de a diagnose lógico-analítica apurar uma natureza comum geral: li- bertatum; b) a existência de espécies (liberdades públicas básicas), que, ao serem “mensuradas” – Ronald Dworkin9 – pelas sociedades, formam tensão entre si, e dessa forma necessitam de acomodação harmonizadora; c) a localização do Estado não como titular de direi- tos fundamentais, mas como obstáculo para os reais titulares destes (ser humano), em outros termos, os direitos fundamentais compõem os “elementos constitucionais limitativos” exatamente por objetiva- rem restringir (limitar) a ingerência do Estado nas liberdades dos se- res humanos (compreendidos tanto em grupo quanto isoladamente). Prima facie, a questão converge para o modus de equilíbrio de tal tensão. Por sua vez, o saneamento da problemática fica a cargo da “convenção constituinte” de cada nação – John Rawls10 –, que deve eleger e firmar seus peculiares “padrões primários” de equilíbrio das liberdades (via constituições substanciais e formais), conside- rando para isso os costumes, tradições, história nacional, religiões, moral “média”, ética, valores axiológicos diversos etc. das respecti- vas sociedades, do próprio titular e dos “fatores reais de poder com força política”.11 Embora haja uma preocupação significativa com os direitos fun- damentais no Brasil e com a valorização da dignidade da pessoa hu- mana, na medida em que estão tutelados e declarados no Texto Cons- titucional, infelizmente observa-se a violação contínua dos referidos direitos e o aviltamento da dignidade humana. Como assevera Daniel Sarmento,12 o Estado tem não apenas o de- ver de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade huma- 8 Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 21. 9 Dworkin, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 269-304. 10 Rawls, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 211-283. 11 Lassale, Ferdinand. A essência da Constituição. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 10-18. 12 Sarmento, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 71. 37
  • 50. na, como também o de promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de alguma das suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saú- de, moradia etc. 4. A dignidade da pessoa humana como princípio Os princípios transmitem a idéia de condão do núcleo do próprio ordenamento jurídico. Como vigas mestras de um dado sistema, funcio- nam como bússolas para as normas jurídicas, de modo que, se estas apresentarem preceitos que se desviem do rumo indicado, imediata- mente esses seus preceitos se tornarão inválidos. Assim, consistem em disposições fundamentais que se irradiam sobre as normas jurídicas (independentemente de sua espécie), compondo-lhes o espírito e ser- vindo de critério para uma exata compreensão. A irradiação do seu nú- cleo ocorre por força da abstração e alcança todas as demais normas ju- rídicas, moldando-as conforme as suas diretrizes de comando.13 Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que confere a tôni- ca e lhe dá sentido harmônico.14 A dignidade da pessoa humana15 encontra-se no epicentro da or- dem jurídica brasileira, tendo em vista que concebe a valorização da pessoa humana como sendo razão fundamental para a estrutura de or- ganização do Estado e para o direito. O legislador constituinte elevou à categoria de princípio fundamental da República a dignidade da pessoa humana (um dos pilares estruturais fundamentais da organiza- 13 Guerra, Sidney; Merçon, Gustavo. Direito constitucional aplicado à função legislativa. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 96. 14 Mello, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1986. p. 230. 15 Silva, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 146. 38