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LEITURA
E   PRODUÇÃO
    DE TEXTO




               1
SOMESB
                       Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.

        Leitura e
                                                  Presidente ♦ Gervásio Meneses de Oliveira
Produção de                                  Vice-Presidente ♦ William Oliveira
      Texto                     Superintendente Administrativo e Samuel Soares
                                                   Financeiro ♦ Germano Tabacof
                        Superintendente de Ensino, Pesquisa e
                                                 Extensão ♦ Pedro Daltro Gusmão da Silva

                                                                      FTC - EaD
                                Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância

                                           Diretor Geral    ♦                   Waldeck Ornelas
                                     Diretor Acadêmico      ♦                   Roberto Frederico Merhy
                                  Diretor de Tecnologia     ♦                   Reinaldo de Oliveira Borba
                                    Gerente Acadêmico       ♦                   Ronaldo Costa
                                     Gerente de Ensino      ♦                   Jane Freire
                        Gerente de Suporte Tecnológico      ♦                   Jean Carlo Nerone
                           Coord. de Softwares e Sistemas ♦                     Romulo Augusto Merhy
                    Coord. de Telecomunicações e Hardware ♦                     Osmane Chaves
                    Coord. de Produção de Material Didático ♦                   João Jacomel




                             EQUIPE DE ELABORAÇÃO/PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO:
                            ♦ PRODUÇÃO ACADÊMICA ♦
                            Gerente de Ensino ♦ Jane Freire
                            Coordenação de Curso ♦ Tatiana Lucena
                            Autor (a) ♦ Luciana Moreno
                            Supervisão ♦ Ana Paula Amorim

                            ♦ PRODUÇÃO TÉCNICA ♦
                            Revisão Final ♦ Carlos Magno.
                            Equipe ♦ Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito,
                            Ederson Paixão, Fabio Gonçalves, Francisco França Júnior,
                            Israel Dantas, Lucas do Vale e Marcus Bacelar
                            Ilustração ♦ Francisco França Júnior

                            Imagens ♦ Corbis/Image100/Imagemsource

                                                          copyright    ©   FTC EaD
                                    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98.
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                                                               www.ftc.br/ead




    2
Sumário


           LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA                                                                                                                                                                                                                                                                                ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   07



      LEITURA              ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○       ○   ○       ○   ○   ○   ○   07

Leitura: Novos Saberes, Novos Sabores                                                                                                                                          ○           ○           ○           ○               ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○   07


       A ESCRITA                               ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○   ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   15

  A Escrita: Importância e Peculiaridade                                                                                                                       ○           ○           ○       ○           ○           ○               ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○       ○   ○       ○   ○   ○   ○   15
  O que dizem (e fazem) os Grandes Autores                                                                                                                                                                             ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○   ○       ○   ○   ○   ○   16
  Oralidade e escrita: Diferentes mas não Dicotomicas                                                                                                                                                                                                                                                  ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○   ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   18
  Níveis de linguagem                                      ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○   21
  O Texto Escrito              ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○   23
  Criando Estilos              ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○   25




          TEXTO: TIPOS E GÊNEROS                                                                                                                                                                                                                                                   ○           ○           ○   ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○   28



      TECENDO PALAVRAS E SENTIDOS                                                                                                                                                                                              ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   28

  As Possibilidades Textuais:
  Texto Literário e Texto Não-Literário
  O Texto e o Texto Não-Verbal                                                                             ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○       ○       ○   ○       ○   ○   ○   ○   30
  O Texto e os Fatores de Contextualidade                                                                                                                                                              ○           ○               ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○   ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   34
  Coesão e Coerência: A Construção de
  Sentidos e seus Mecanismos                                                                               ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   35
  Intertextualidade                    ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○               ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○   ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   38
  Coesão e Coerência                                       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   ○   41



       TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS                                                                                                                                                    ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   ○   43

  Conto: A poesia Inesperada do Cotidiano                                                                                                                                                                  ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○   ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○   47
  Crônica: Uma Fotografia do Cotidiano                                                                                                                                             ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○   ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   34
  Atividade Orientada                                  ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○   ○       ○       ○       ○   ○   ○   ○   57
  Glossário○   ○   ○   ○   ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○           ○           ○       ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   60
  Referências Bibliográficas                                                                   ○       ○       ○       ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○               ○           ○           ○           ○           ○       ○           ○       ○           ○           ○           ○           ○           ○           ○       ○   ○       ○       ○   ○   ○   ○   61




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   3
Leitura e
Produção de
      Texto




    4
Apresentação da disciplina

       Caro Aluno!

      Tenho um convite para fazer a você. Para isso, usarei as palavras do poeta
mineiro Carlos Drummond de Andrade, em “A Procura da Poesia”:

       Chega mais perto e contempla as palavras.
       Cada uma
       tem mil faces secretas sob a face neutra
       e te pergunta, sem interesse pela resposta,
       pobre ou terrível que lhe deres:
       Trouxeste a chave?

        Bem, o convite está feito. As palavras e os textos estarão por toda parte do
caminho que iremos trilhar. Precisamos olhá-las, contemplá-las, amá-las. Elas são
basilares para a nossa percepção do mundo, para o reconhecimento da história da o
humanidade (que é a nossa própria história), para a valorização e a interação com
outro. É também através dela que nos inserimos como sujeitos ativos, reflexivos e
transformadores na sociedade.
        A palavra tem, sim, mil faces: ora nos faz perceber o outro, ora nos faz conhecer
a nós mesmos; ora é arma, ora é bálsamo; ora nos leva a reflexão e descoberta, ora
nos leva ao prazer e ao deleite. Todavia, muitas vezes, nossa relação com a palavra
é tímida, agressiva ou simplesmente limitada e nos impede de tornar cotidiano o
exercício de contemplação. Ou pior, não temos a chave, ou seja, desconhecemos as
múltiplas maneiras de compreendermos as palavras que estão no mundo para serem
lidas, descobertas e saboreadas. Por conseguinte, também não sabemos usar as
nossas próprias palavras, temos dificuldades em produzir os nossos próprios
discursos.

       Em suma, a inconsciência da importância da palavra em nossas vidas nos
confina num mundo superficial, sem dores nem delícias, sem conhecimento nem
reconhecimento. A disciplina Leitura e Produção de Texto é mais que um convite a
uma relação amorosa e utilitária (salve-se a contradição) com a palavra. Ela também
é um momento ímpar para acharmos a chave e começarmos a abrir as portas que
nos conduzem aos infinitos reinos da palavra, pois nos subsidia com informações
relevantes para ampliarmos os nossos conhecimentos lingüísticos, nos adentrando-
nos no processo de constante formação como leitores e produtores de texto.
       O convite está feito. Permita-me, mais uma vez, trazer Drummond a nossa
conversa: “penetra surdamente no reino” das palavras. E usufrua todos os poderes
que a linguagem proporciona.

       Seja bem vindo!

                                                              Profa. Luciana Moreno




                                                                                            5
Leitura e
Produção de
      Texto




    6
LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA


                   LEITURA

      Leitura: Novos Saberes, Novos Sabores

       Saber ler sempre foi confundido com a possibilidade de reconhecer e decodificar o
código escrito, todavia fazer isso é meramente decifrar. Ler envolve mais saberes e, como
diria Rolland Barthes, muito mais “sabores”.
       Aprendemos alguns modos de ler que já não mais condizem às necessidades do
mundo atual. Desta forma, cada leitor precisa ‘esquecer’ algumas técnicas de ler adotadas
pelas instituições educacionais (que cada vez mais demonstram a sua ineficácia na formação
de sujeitos leitores) e construir seus próprios modos de ler. Contudo, antes deste processo
de construção que se faz e se refaz (mas nunca se esgota), torna-se necessário o
entendimento do que é leitura.
       A leitura possui muitos sentidos. Tomar um em detrimento dos outros é uma forma
parcial e superficial de concebê-la. É impossível tomar um conceito sem prejuízo dos outros,
pois estes se complementam. O leitor é o responsável pelo controle deste processo, que
compreende algumas etapas; aí vão elas: a obtenção da informação; o uso consciente ou
inconsciente de estratégias de compreensão leitora; a avaliação da informação obtida e a
produção de um juízo de valor sobre o lido.

                       Define-se leitura como atribuição de sentido à escrita, ou seja, quando
                         lemos, estamos não só fazendo a versão oral do escrito, mas,
                             sobretudo, construindo sentido a partir do escrito,
                                   questionando-o e explorando o que está nele e além dele.
                                   O ato de ler é um processo não linear, pois o significado do
                                   texto não está na soma das sucessivas palavras que o
                                   compõem, por isso, o uso do dicionário para decifrar todas
                                  as palavras desconhecidas é muitas vezes irrelevante. Até
                                 porque, sem precisar consultá-lo, o leitor está sempre
                                inferindo, criando hipóteses...adivinhando sentidos.


                                                 Então, onde estará o sentido?
                                                 Então,

        Ousar e brincar, produzindo sucessivas adivinhações é uma ótima maneira de obter
o acerto. O leitor, a todo momento, antecipa índices, a partir do que já conhece e faz
associações com aquilo que desconhece, atribuindo os significados possíveis ao ‘ex-ótico’,
isto é, achando significação para tudo que até o momento encontrava-se fora (ex) do seu
campo de visão (ótico). Ler é tratar com os olhos a linguagem feita para os olhos, afirma
Foucambert (1994), ou seja, a leitura da linguagem escrita exige o uso constante da memória
visual.
        Neste emaranhado de definições, ou melhor, nesta trama (termo mais propício quando
se trata de texto), confunde-se a oralização e a leitura em voz alta com leitura propriamente


                                                                                              7
dita. A primeira refere-se ao reconhecimento dos símbolos do código escrito
                    e posterior construção dele, oralmente, a segunda é “a opção de traduzir
                    oralmente o que já foi compreendido na leitura”(Foucambert, 1994).
        Leitura e
Produção de
                                Finalmente, a leitura é atribuição de sentido ao texto escrito,
      Texto            usando as informações visuais e as informações prévias do leitor;
                       envolve um leitor ativo que processa e examina o texto, guiado por um
                       objetivo. Vale ressaltar que a interpretação do texto variará de acordo
                       com o objetivo do leitor. O sentido do texto não é uma tradução do
                       leitor ao sentido que o autor quis dar a ele, portanto torna-se descabida
                       a pergunta: ‘o que o autor quis dizer?’, tão recorrente nos exercícios
                       escolares de interpretação, pois a aventura da construção do sentido
                       do texto desenvolvido pelo leitor envolve o texto per si, os conhecimentos
                       prévios do leitor e seus objetivos.



          ‘Esse negócio de criança ler por conta própria é muito recente na história do mundo,
   afirma Ziraldo (2001).Sabemos que a formação do leitor de forma voluntária é um fenômeno
   recente em nossa sociedade, as crianças se tornam leitoras devido ao estímulo dos pais,
   professores, curiosidade ou vocação. Desta forma, se nós professores não formos leitores
   vorazes como podemos estimular a criança a buscar o prazer através da leitura?


                                                                O que dizem os teóricos?

          Para Negamine (2001),
           o ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão,
   de intelecção de mundo que envolve uma característica essencial e singular ao homem: a
   sua capacidade simbólica e de interação com o outro pela mediação da palavra.

           Para Paulo Freire (1981),
           o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem
   escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede
   a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade
   da leitura daquele.

         Para Marisa Lajolo (2001),
         Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se vive. Se ler livros
   geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem por aí, na
   chamada escola da vida...

          Para Isabel Sole (1998),
          a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tenta-se
   satisfazer [obter uma informação pertinente para] os objetivos que guiam sua leitura.




    8
Para refletir...
                         Doze maneiras simples de tornar difícil a aprendizagem
                   da leitura:
1.  Estabeleça como meta o domínio precoce das regras de leitura;


2.  Cuide bem para que a fonética seja aprendida e utilizada;


3.  Ensine as letras ou as palavras, uma a uma, certificando-se de que cada letra ou palavra
foi assimilada antes de passar para a seguinte;

4.  Defina como objetivo principal uma leitura palavra por palavra perfeita;


5.  Não deixe as crianças adivinharem; pelo contrário, exija que elas leiam com atenção;


6.  Procure evitar de todas as maneiras que as crianças errem;


7.  Dê um feed-back imediato;


8.  Detecte e corrija os movimentos incorretos dos olhos;


9.  Identifique os eventuais disléxicos e trate-os mais cedo possível;


10.    Esforce-se para que as crianças aprendam a importância da leitura e a gravidade
do fracasso;

11.    Aproveite as aulas de leitura para melhorar a ortografia e a expressão escrita; insista
também em que os alunos falem a melhor língua possível;

12.    Se o método utilizado não lhe satisfizer, tente outro. Esteja sempre alerta para achar
material novo e técnicas novas.

     (Artigo publicado em L’Education, 22 de maio de 1980. In: FOUCAMBERT, Jean. A leitura em
                                                 questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994).


      Esse texto dirige-se ao professor; todavia, bem que poderia se referir à forma com
que nós aprendemos a ler na escola. Faça uma breve ‘viagem’ pela sua história de leitura,
respondendo o questionário abaixo e tentando relacioná-lo com o texto Doze maneiras
simples de tornar difícil a aprendizagem da leitura. Depois, socialize com seus colegas e
professor as diversas respostas e construam a definição de vocês para a leitura.


                                                                                           9
O que é ler para você??

                        Em sua casa havia livros, revistas e jornais?
                 ______________________________________________________________________
     Leitura e
                       Havia alguém em sua casa que o (a) estimulava a ler? Quem era essa
Produção de pessoa? Antes de entrar na escola, já tinha familiaridade com o mundo da
       Texto leitura?
                 ______________________________________________________________________
   Você considera que suas experiências de leitura foram enriquecidas e estimuladas pela
   escola? Fale sobre isso.
   ______________________________________________________________________
   Como eram as atividades de leitura desenvolvidas pela escola?
   _______________________________________________________________
   Quais os livros lidos por você durante seu período escolar?
   ____________________________________________________________
   Havia biblioteca na sua escola? Ela era freqüentada por você? Quais das ações
   desenvolvidas pelo professor aconteciam no espaço biblioteca?
   ______________________________________________________________________
        Você participa de atividades culturais, tais como teatro, cinema, concertos, festivais
   de música, de dança, exposições? Quais e com que freqüência?
    ______________________________________________________________________
        Você costuma comprar jornais, revistas, livros?
   _______________________________________________________________________
        Você tem o hábito de tomar livros emprestados? De quem?
   ______________________________________________________________________
        Você costuma compartilhar suas leituras com alguém? Exatamente com quem?
   ______________________________________________________________________
        Você costuma freqüentar bibliotecas? Qual (is) e com que freqüência?
   ______________________________________________________________________
        O que é um clássico para você? Você já leu algum? Qual/quais?
   ______________________________________________________________________
        Nesse momento, você está lendo o quê?
   _______________________________________________________________________
        Qual o livro que você indicaria para :

    Seus amigos:___________________________________________________________
    Seus professores:_______________________________________________________
    Seus pais:_____________________________________________________________
    Seus alunos:_____________________________________________________________
    Seus filhos:_____________________________________________________________
    Seu (sua) companheiro (a):_________________________________________________
    Um estrangeiro:_________________________________________________________



                       Saiba mais...
                       O leitor traça planos, estratégias para obter, avaliar e utilizar
                informação e, assim, construir significados, compreender o texto
                lido. As estratégias de leitura se constroem e se modificam, pois
                o leitor desenvolve seus modos de ler através da leitura. Nós

     10
utilizamos as estratégias abaixo ao mesmo tempo e, muitas
             vezes, inconscientemente.
                    São quatro as estratégias de leitura.

                   a)Seleção: o leitor elege os índices mais relevantes e úteis
             para não ficar sobrecarregado de informações desnecessárias;
                   b)Antecipação: capacidade de antecipar o texto com base
             nas pistas do mesmo;o leitor prevê o que ainda não apareceu a
             partir de índices como gênero do texto, autor, título, contexto
             de produção. Por exemplo, o leitor, ao deparar-se com um texto
             de Esopo, certamente antecipará que se trata de uma fábula,
             há animais como personagens e uma moral ao término da
             história.
                   c)Inferência: percepção do que não está dito no texto de
             forma explícita, ou seja, deduções que podem ser confirmadas
             ou não no decorrer do texto. O leitor tenta adivinhar as
             informações das ‘entrelinhas’.Tais predições não são casuais;
             elas se baseiam nas pistas dadas pelo próprio texto, pelo
             conhecimento conceitual e lingüístico do leitor.
                   d)Verificação: o leitor é o responsável pelo controle de
             sua própria leitura; é ele que pode confirmar se foi capaz de
             compreender o texto, de construir sentido a partir dele, por
             isso faz a análise da compreensão, permitindo confirmar ou
             rejeitar as deduções realizadas durante a estratégia de
             inferência, por exemplo.




                                      Brincar de Ler...
                                No texto abaixo, diversas palavras foram
                          subtraídas. Faça a leitura do texto vazado e recoloque
                          os vocabulos que você acha que foram retirados.
                          Existem várias possibilidades de colocação de palavra.
                          Só não é permitido alterar o sentido do texto!




                                      As * pulgas

       Muitas * caíram e caem na armadilha das * drásticas de coisas que não precisam
de alteração, apenas de * . O que lembra a história de * pulgas.
       Duas pulgas estavam conversando e então uma comentou com a outra:
       - Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos, só sabemos *. Daí nossa * de
sobrevivência quando somos percebidas pelo cachorro é *. É por isso que existem muito
mais moscas do que *.
       E elas contrataram uma * como consultora, entraram num programa de reengenharia
de vôo e saíram voando. Passado algum tempo, a primeira pulga falou para a outra:

                                                                                   11
- Quer saber? Voar não é o suficiente, porque ficamos grudadas ao *
                  do cachorro e nosso tempo de reação é bem menor do que a velocidade da
                  * dele. Temos de aprender a fazer como as * , que sugam o néctar e levantam
                  vôo rapidamente.
     Leitura e
                          E elas contrataram o serviço de consultoria de uma abelha, que lhes
Produção de ensinou a técnica do chega-suga-voa. Funcionou, mas não resolveu. A
        Texto primeira pulga explicou o porquê:
                          - Nossa bolsa para armazenar * é pequena, por isso temos de ficar
   muito tempo sugando. Escapar, a gente até escapa, mas não estamos nos * direito. Temos
   de aprender como os * fazem para se alimentar com aquela rapidez.
          E um pernilongo lhes prestou uma * para incrementar o tamanho do abdômen.
   Resolvido, mas por poucos minutos. Como tinham ficado *, a aproximação delas era
   facilmente percebida pelo cachorro, e elas eram espantadas antes mesmo de pousar. Foi
   aí que encontraram uma saltitante *:
          - Ué, vocês estão *! Fizeram plástica?
          - Não, reengenharia. Agora somos pulgas adaptadas aos desafios do **. Voamos,
   picamos e podemos armazenar mais alimentos.
          - E por que estão com cara de *?
          - Isto é temporário. Já estamos fazendo consultoria com um *, que vai nos ensinar
   a técnica de radar. E você?
          - Ah, eu vou bem, obrigada. Forte e sadia.
          Era verdade. A pulguinha estava viçosa e bem alimentada. Mas as pulgonas não
   quiseram dar a pata a torcer.
          - Mas você não está preocupada com o *? Não pensou em reengenharia?
          - Quem disse que não? Contratei uma * como consultora.
          - O que as lesmas têm a ver com pulgas?
          - Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês duas. Mas, em vez de dizer para a
   lesma o que eu queria, deixei que ela * a situação e me sugerisse a melhor *. E ela
   passou três dia ali, quietinha, só observando o * e então ela me deu *.
          - E o que a lesma sugeriu fazer?
          - “Não mude nada. Apenas sente no * do cachorro. É o único lugar que a * dele não
   alcança”.

          MORAL: Você não precisa de uma reengenharia radical para ser mais eficiente.
    Muitas vezes a grande * é uma simples questão de *.

                                                                     Texto atribuído a Max Gehringer


          Antes de ler o texto abaixo, tente descobrir, através das dicas fornecidas, o tema a
    ser abordado no texto. Anote as
          deduções e hipóteses construídas por você. A cada informação nova, você rejeitará
    algumas ‘adivinhações’ e confirmará outras.

           DICA A: é um texto extraído do livro ‘Companheira de Viagem’.
           DICA B: o título do texto é ‘A Última Crônica’.
           DICA C: o gênero do texto é crônica.
           DICA D: o texto fala sobre a inquietação que o processo de escrita provoca no escritor.
           DICA E: no texto aparecem três personagens compondo uma família.
           DICA F: o autor do texto é Fernando Sabino.

           Leia o texto com atenção e veja se suas predições e inferências foram acertadas.

     12
A Última Crônica
                                         Fernando Sabino


       A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao
balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
       A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais
um ano esta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia
apenas escolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico.
Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de
uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção
do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o
verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não
sou poeta e estou sem assunto. Lanço, então, um último olhar fora de mim, onde vivem
os assuntos que merecem uma crônica.
       Ao fundo do botequim, um casal de pretos acaba de sentar-se numa das últimas
mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. À compostura da humildade, na
contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de
seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também
à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade
ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da
família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a
fome.
       Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou
do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um
pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa,
como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem
e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-
se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do
freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho
- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
       A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho
que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai,
mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de
plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos,
e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa
além de mim.
       São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na
fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas.
Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com
força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada,
cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “parabéns pra você, parabéns
pra você...” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra
finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando
para ela com ternura, ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe
cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente
do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram,
ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando
o olhar e, enfim, se abre num sorriso.
       Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

                                                                                         13
SABINO, Fernando. A Última Crônica. In: ______. A companheira de
                 viagem.
                               Rio de Janeiro: Do Autor, 1965. p. 174.
     Leitura e
Produção de
      Texto
                                Indicações de leitura...
                            Depois de tantas informações sobre leitura, um bom caminho para
                    verificar se tudo o que foi dito e discutido pode ser ‘saboreado’ é passar
                    para a prática. Que tal ter acesso, através da leitura, a uma palestra sobre
                    o a importância do ato de ler no Congresso Brasileiro de Leitura (evento
                    que até hoje acontece a cada biênio na UNICAMP), ministrada nada mais
                    nada menos por Paulo Freire, nosso ‘educador universal’?

                    FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 39.ed.
                    – São Paulo, Cortez, 2000.


        A arte, dentre elas, a literatura, acessível a tão poucos pode mudar a forma das
   pessoas lerem o mundo.

   Ficha Técnica:
   Elenco Principal: José Dumont, Rodrigo Santoro, Rita Assemany e Ravi Ramos Lacerda
   Direção: Walter Salles
   Produção: Arthur Cohn
   Brasil - Suíça - França 2001 1h39m Dolby SR/DTS e SRD
   Uma co-produção VideoFilmes, Haut et Court, Bac Films e Dan Valley Film AG.
   Abril Despedaçado é livremente inspirado no livro homônimo do escritor albanês Ismail
   Kadaré.
   Abril 1910 - Na geografia desértica do sertão brasileiro, uma camisa
   manchada de sangue balança com o vento. Tonho, filho do meio da
   família Breves, é impelido pelo pai a vingar a morte do seu irmão
   mais velho, vítima de uma luta ancestral entre famílias pela posse
   da terra. Se cumprir sua missão, Tonho sabe que sua vida ficará
   partida em dois : os 20 anos que ele já viveu, e o pouco tempo que
   lhe restará para viver. Ele será então perseguido por um membro
   da família rival, como dita o código de vingança da região.
   Angustiado pela perspectiva da morte e instigado pelo seu irmão
   menor, Pacu, Tonho começa a questionar a lógica da violência e
   da tradição. É quando dois artistas de um pequeno circo itinerante
   cruzam o seu caminho...




                            [   Para saber mais acesse:
                                                            ]
                         www.abrildespedacado.com.br/


    14
A ESCRITA


     A Escrita: : Importância e Peculiaridades


                                              Duas concepções devem estar claras na
                                        cabeça de quem almeja ampliar os conhecimentos
                                        lingüísticos: a) a linguagem se aprende pelo uso; b)
                                        existem vários usos de linguagem. O
                                            aperfeiçoamento dos usos de linguagem provoca
                                             o aperfeiçoamento do indivíduo, todavia, este ato
                                             de aprimorar-se lingüisticamente não se refere
                                             ao mero (e limitado) conhecimento da língua
                                           padrão nem apenas ao conhecimento satisfatório
                                            da linguagem oral, pois estas são algumas das
                                            múltiplas possibilidades de uso da língua. É
                   também de enorme importância o conhecimento e domínio da modalidade
               escrita da língua.
        Escrever não é possível somente para os grandes autores; ‘é uma atividade social
indispensável (Câmara Jr. 1972) para qualquer pessoa. Alguns concebem que a escrita é
inerente a uns enquanto não é a outros, pois aqueles têm facilidades em redigir um texto.
Não é isto que ocorre de fato. Na verdade, apenas alguns se tornam grandes romancistas
ou escritores reconhecidos. Todavia, todos podem se comunicar de forma coerente e eficaz,
usando a escrita. Inicialmente, é preciso saber que não há modelo único para a redação,
não há sequer estrutura rígida. ‘Há apenas uma falta de preparação inicial que a prática e o
esforço vencem’ (Câmara Jr. 1972).
        A fala é a primeira forma de expressão lingüística, todavia, a necessidade de fixá-la,
de levá-la para outros contextos, fomentou a busca pela possibilidade de uma representação
da mesma. Daí nasce a modalidade escrita da língua. A técnica da escrita consiste
simplesmente em usar sinais gráficos (que aprendemos por mera convenção por serem
tais sinais arbitrários) para simbolizar os signos da língua falada. Entretanto, diante das
múltiplas possibilidades oferecidas pela fala e pela inviabilidade de construir um sinal gráfico
para cada signo, a escrita é apenas uma tentativa de representação da fala, por ser um
suporte utilizado como recurso para não sobrecarregar a memória.
        A comunicação oral é limitada quanto às distâncias e à fixação (mesmo que temporária
da mensagem), enquanto a comunicação escrita multiplica a mensagem, pois muitos podem
lê-la ao mesmo tempo e não precisam estar próximos ao emissor. Em contrapartida, a
escrita é uma técnica simples e barata, amplia os horizontes, aumenta as possibilidades de
comunicação, fixa a mensagem, aumenta a possibilidade de envio da mensagem em relação
a distância e número de receptores, exige do homem aprendizado, pois não é espontânea
nem natural como a fala, conferindo certo grau de poder a quem sabe utilizá-la.
        Desta forma, como diz Gnerre (1987), devemos ‘ser poliglotas de uma mesma língua’.
Essa aparente contradição nos diz uma verdade incomensurável. Não nos bastar saber
apenas uma modalidade da língua ou somente a norma culta. Como existem diversos
contextos sociais, e para cada contexto exige-se um uso de linguagem, se quisermos transitar
em tais universos devemos também usar de forma competente a modalidade falada e escrita



                                                                                             15
da língua. Mais do que isso, devemos saber usar a linguagem adequada tanto
                 ao contexto sócio-comunicativo acadêmico, quanto ao bar, ao funeral, à festa
                 de carnaval.
     Leitura e
Produção de
      Texto


         O que dizem (e fazem) os Grandes Autores




          “Quando escrevo para mim mesmo, costumo ficar corrigindo dias
   e dias”.
                                               Paulo Mendes Campos




                   “Para mim, o ato de escrever é muito difícil e penoso, tenho sempre de
                  corrigir e reescrever várias vezes”.
                    Fernando Sabino




         Agora, leia os textos dos autores acima citados e veja se valeu a pena o esforço!




   16
17
Oralidade e Escrita: Diferentes,
                       mas não Dicotomicas

      Leitura e
Produção de        Falamos uma língua e escrevemos outra, pois apesar da escrita ser
            posterior a fala e uma tentativa de representação da mesma, ela é mais
      Texto
                conservadora. Pode-se afirmar que fala e escrita são diferentes, cada uma
                possui as suas peculiaridades. Isto não quer dizer, entretanto, que tais
    modalidades da língua se oponham. Pelo contrário, elas se complementam.




     18
A língua não é uma uniformidade; ela é uma unidade composta pela diversidade, isto
é, pela variedade lingüística. Tais variedades podem ser de três tipos:

        a) diatópicas;           b) diafásicas;                c) diastráticas1.

        Dentre este corpus, temos a norma culta, também chamada de língua padrão. É
considerada geralmente como a única variedade correta da língua e associada tipicamente
aos conteúdos de prestígio. Segundo Maurizio Gnerre (1987), “uma variedade vale o que
valem na sociedade seus falantes”. Leia-se, as variedades que correspondem à língua não-
padrão são usadas por pessoas de baixa renda, de pouca ou nenhuma escolarização, de
meios rurais, de regiões distantes dos grandes centros econômicos.
        Desta forma, tais variedades tendem a ser sempre consideradas inferiores a uma
outra de maior prestígio, ou pior, é muito comum serem consideradas erradas. Entretanto, a
noção de erro está atrelada sempre a uma impossibilidade quanto ao uso de determinada
coisa. Se a língua não-padrão é usada por tanta gente e comunica com coerência e eficiência
aos grupos que a utilizam e aos demais grupos, a noção de erro torna-se inadequada quando
a ela se refere.
        O termo língua é comumente associado à escrita, todavia um não é sinônimo do
outro. Tal confusão é fruto das informações equivocadas passadas pela tradição escolar.
Por conseguinte, como no Brasil acesso à escola relaciona-se a poder econômico e político,
confere-se à escrita uma autoridade superior àquela que ela realmente tem. Historicamente,
a língua padrão é a língua dos vencedores, dos que mandam, sendo a escrita um registro
da fala.
        Sendo assim, a elite escolhe conscientemente a língua merecedora de registro, que
é a norma culta, como paradigma para as demais. Por isso que ela é chamada de lingua
padrão. Diz-se que tal modelo é central na identidade nacional, enquanto portadora de uma
tradição e de uma cultura. Todavia, não será essa uma visão preconceituosa e
discriminatória, já que pressupõe que todo aquele que não usa a língua padrão não é
historicamente portador de tradição e cultura?
        Nossa cultura é de caráter grafocêntrica, pois a nossa sociedade, em detrimento da
oralidade, supervaloriza o uso da escrita e aqueles que já se apropriaram deste conhecimento.
Entretanto, vale ressaltar que na maior parte dos povos modernos, somente uma parcela
(às vezes, mínima) da sociedade tem na escrita um elemento essencial da vida. Além disso,
há muitos povos que sequer utilizam tal modalidade da língua. Outro fator curioso é que até
mesmo as pessoas escolarizadas usam menos a escrita do que a oralidade em seu cotidiano.
        Nos dois textos abaixo, perceba a diferença entre um texto oral e um texto escrito.




        1
           1º) diferenças no espaço geográfico, ou VARIAÇÕES DIATÓPICAS (falares locais, variantes regionais e,
até, intercontinentais).
          2º) diferenças entre camadas socioculturais, ou VARIAÇÕES DIASTRÁTICAS (nível culto, língua padrão,
nível popular, etc.);
          3º) diferenças entre os tipos de modalidade expressiva, ou VARIAÇÕES DIAFÁSICAS (língua falada, língua
escrita, língua literária, linguagens especiais, linguagem dos homens, linguagem das mulheres, etc.).
          CUNHA, Celso; CINTA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporânea. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999.



                                                                                                             19
TEXTO 1 – Oral

                    Projeto NURC - Rio de Janeiro
                    Inquérito 261 - Bobina 85 - Duração 45 minutos
     Leitura e
                    Data do registro: 22/11/74
Produção de         Tema: Instituições: ensino e igreja.
       Texto        Dados do informante: sexo masculino, 29 anos, carioca, pais cariocas.
                    Área residencial: zona suburbana.
         Formação universitária: Direito.

             Entende? hoje eu vejo... depois de (que) M.L.... quando eu tive M.L. e vejo agora
    M.L. estudando... preparando a... o material da escola... eu lamento não ter nascido nessa
    época... acho muito mais interessante o estudo... a coisa é... é muito... muito mais
    espontaneidade... a gente tinha Medo da professora... hoje a professora é uma amiga...
    chama de você... de titia... não é? a gente tinha medo da professora... até aconteceu um
    caso... um caso muito engraçado comigo... dia primeiro de de abril... eu era... primeiro de
    abril... aí... dia dos tolos... né? eu estava com a minha prima... que é da minha idade...
    então eu tive aquela idéia... né... eu era muito tímida mas tinha as minhas idéias...
    naturalmente ( ) dona Vera Viana... dona Vera ( ) Viana... uma grande professora... diz
    assim... dona Vera... seu vestido está rasgado... eu disse pra minha prima... quando ela
    olhar... você diz... caiu... primeiro de abril...(risos)... ela fez... né... aí a dona Vera disse
    assim ... você vê... primeiro de abril é um dia ... era na hora do recreio... ela já... mais que
    depressa... foi T. que mandou... (risos) então nós passamos a... o tempo todo da aula
    chorando, porque tínhamos ficado de castigo... né?


           TEXTO 2 – Escrito

           Recado ao senhor 903
           Rubem Braga

            Vizinho –
            Quem fala aqui é o homem do1003. Recebi, outro dia, consternado, a visita do
    zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu
    apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua
    veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso e lhe dou
    inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria
    ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e
    é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é
    impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o
    senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a dois números, dois números empilhados entre
    dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005; a Oeste pelo 1001; ao Sul pelo
    Oceano Atlântico; ao Norte pelo1004; ao alto pelo 1103 e, embaixo, pelo 903 – que é o
    senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano
    Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas
    nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo, sinceramente,
    adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul.
    Prometo. Quem vier a minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar
    às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7, pois às 8:15 deve deixar o 783
    para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305.



     20
Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando
um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de
seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
          ...Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um
homem batesse à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três da manhã e ouvi música
em tua casa. Aqui estou”. E o outro respondesse: “Entra, vizinho, e come de meu pão e
bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é
curta e a lua é bela”.
         E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas
do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio
da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.

                    BRAGA, Rubem. Para Gostar de ler. São Paulo: Ática, 1979, p. 74-75.

       Níveis de Linguagem
       “Entendem-se por ‘variação lingüística” pelo menos três fenômenos distintos (1) o
fato de que em uma sociedade complexa como a brasileira convivem variedades lingüísticas
diferentes, utilizadas por grupos sociais que são expostos em graus diferentes à educação
formal; (2) o fato de que pessoas de um mesmo grupo lingüístico usam, para expressar-se,
palavras, expressões diferentes de acordo com o caráter mais ou menos informal da situação
da fala; (3) o fato de que, o Português do Brasil, como toda língua de cultura, inclui falares
que são usados por alguns grupos específicos: os jovens, os malandros, os drogados, os
economistas etc. Além de todos esses tipos de variação, o Português do Brasil foi marcado,
ainda, pela variação histórica e pela variação regional”.
       ILARI, Rodolfo. Introdução ao estudo do léxico: brincando com palavras. São Paulo:
Contexto, 2002.
       As variações de registro podem ser de três tipos diferentes: grau de formalismo,
modo e sintonia.
       O grau de formalismo refere-se ao maior ou menor cuidado do emissor no uso dos
recursos lingüísticos. O modo relaciona-se às possibilidades faladas ou escritas do uso da
língua. A sintonia é a adequação do texto que o emissor constrói a partir do conhecimento
que tem sobre o receptor ( seu status, as informações prévias, a cortesia, a variedade
lingüística que emprega).
       No quadro abaixo, pode-se perceber as possibilidades de produção textual de
acordo com o modo e o grau de formalismo.




                                                                                           21
Leia os textos abaixo e veja como a diversidade é a maior riqueza de uma
                língua.

    Leitura e
Produção de
      Texto




   22
O Texto Escrito

       A luta que os alunos enfrentam com relação à produção de textos escritos é muito
especial. Em geral, eles não apresentam dificuldades em se expressar através da fala
coloquial. Os problemas começam a surgir quando esse aluno tem necessidade de se
expressar formalmente, e se agravam no momento de produzir um texto escrito. Nesta última
situação, ele deve ter claro que há marcantes entre falar e escrever.
       Na linguagem oral, o falante tem claro com quem fala e em que contexto. O
conhecimento da situação facilita a produção oral. Nela, o interlocutor, presente fisicamente,
é ativo, tendo possibilidade de intervir, de pedir esclarecimentos, ou até de mudar o curso
da conversação. O falante pode ainda recorrer a recursos que não são propriamente
lingüísticos, como gestos ou expressões faciais. Na linguagem escrita, a falta desses
elementos extratextuais precisa ser suprimida pelo texto, que se deve organizar de forma a
garantir a sua inteligibilidade.
       Escrever não é apenas traduzir a fala em sinais gráficos. O fato de um texto escrito
não ser satisfatório não significa que seu produtor tenha dificuldades quanto ao manejo da
linguagens cotidiana, e sim que ele não domina os recursos específicos da modalidade
escrita.
       A escrita tem normas próprias, tais como regras de ortografia - que, evidentemente,
não é marcada na fala - , de pontuação, de concordância, de uso de tempos verbais.
Entretanto, a simples utilização de tais regras e de outros recursos da norma culta não
garante o sucesso de um texto escrito. Não basta, também, saber que escrever é diferente
de falar. É necessário preocupar-se com a constituição de um discurso, entendido aqui
como um ato de linguagem que representa uma interação entre o produtor do texto e o seu
receptor; além disso, é preciso ter em mente a figura do interlocutor e a finalidade para a
qual o texto foi produzido.
       Para que esse discurso seja bem-sucedido deve constituir um todo significativo e
não fragmentos isolados justapostos. No interior de um texto devem existir elementos que
estabeleçam uma ligação entre as partes, isto é, elos significativos que confiram coesão ao
discurso. Considera-se coeso o texto em que as partes referem-se mutuamente, só fazendo
sentido quando consideradas em relação umas com as outras.

       Durigan, Regina H. de Almeida et alli. A dissertação no vestibular.In: A magia da mudança – vestibular
Unicamp:Língua e literatura. Campinas, Unicamp, 1987.p.13-4.




                                        Estudo de Texto
                       1. O Primeiro parágrafo nos fala da capacidade de expressão
                 dos alunos. Qual o contraste apontado?

                      2. Quais as diferenças entre o falar e o escrever levantados
                 no segundo parágrafo?

                        3. Um texto escrito mal formulado não representa
                 necessariamente falta de domínio da linguagem cotidiana.
                 Justifique essa afirmação com base no terceiro parágrafo.


                                                                                                          23
4. No seu trabalho de produtor de textos, você tem
                    levado em conta a figura do receptor e a finalidade a que se
                    propõe seu texto? Qual a importância desses elementos para
                    a confecção do seu trabalho?
     Leitura e
Produção de                5. Releia atentamente o último parágrafo e responda:
      Texto                a) O que um texto não deve ser?
                           b) O que é um texto coeso?

                         6. Você, ao escrever, fiscaliza seu trabalho, procurando
                    construir textos coesos? Como?




                                                             REDAÇÃO CRIATIVA
                                                             REDAÇÃO CRIATIV
                                                                         TIVA

         Leia (e se puder também ouça) a música abaixo de Chico Buarque, Bom Conselho:

         Ouça um bom conselho
         Que eu lhe dou de graça.

         Inútil dormir
         que a dor não passa.
         Espere sentado
         Ou você se cansa.

         Está provado,
         quem espera nunca alcança.
         Venha, meu amigo,
         Deixe esse regaço.

         Brinque com meu fogo
         Venha se queimar.
         Faça como eu digo
         Faça como eu faço.

         Aja duas vezes,
         antes de pensar.
         Corro atrás do tempo,
         Vim de não sei onde.

         Devagar é que não se vai longe
         Eu semeio o vento,
         Na minha cidade.
         Vou pra rua e bebo a tempestade!

         Tente reconhecer a versão original dos provérbios usados por Chico como intertexto
   na música.




   24
De acordo com o que fez Chico Buarque, recrie os provérbios a fim de que o sentido
veiculado seja contrário ao que diz o provérbio.

      a) Quem ama o feio, bonito lhe parece.
      b) Dia de muito, véspera de pouco.
      c) Quem dá aos pobres, empresta a Deus.
      d) Quem não vive para servir, não serve para viver.
      e) Deus dá nozes a quem não tem dente.
      f) Deus dá o frio conforme o cobertor.
      g) É melhor um passarinho na mão do que dois voando.
      h) Nada melhor do que um dia após o outro.
      i) Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
      j) Casa de ferreiro, espeto de pau.
      k) Pirão pouco, o meu primeiro.
      l) Pense duas vezes antes de agir.
      m) Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento.
      n) Rapadura é doce, mas não é mole.
      o) Se casamento fosse bom não precisaria de testemunha.
      p) Quando casar, a dor passa.
      q) Quem espera sempre alcança.
      r) Se conselho fosse bom, ninguém dava de graça.
      s) Deus não dá asa a cobra.




      Criando Estilos

      Leia o texto abaixo:

                                  OS DIFERENTES ESTILOS

       ... Narra-se aqui, em diversas modalidades de estilo, um fato comum da vida carioca,
a saber: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada
pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo sinais
de morte violenta.
       ESTILO INTERJETIVO – Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno
bairro de Ipanema! Coitado! Um homem desconhecido! Menos de quarenta anos! Um que
morreu quando a cidade acordava! Que pena!
       ESTILO COLORIDO – Na hora cor de rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa
Rodrigo de Freitas, um vigia de cor preta encontrou um cadáver de um homem branco,
cabelos louros, olhos azuis, trajando uma calça amarela, casaco pardo, sapato marrom,
gravata branca com bolinhas azuis. Para este, o destino foi negro.
       ESTILO ANTIMUNICIPALISTA – Quando mais um dia de sofrimento e desmandos
nasceu para esta cidade tão mal governada, nas margens imundas, esburacadas e fétidas
da Lagoa Rodrigo de Freitas, e em cujos arredores falta água há vários meses, sem falar
nas freqüentes mortandades de peixes já famosas, o vigia de uma construção ( já permitiram,
por debaixo do pano, a ignominiosa elevação de gabarito em Ipanema ) encontrou o cadáver
de um desgraçado morador dessa cidade sem policiamento. Como não podia deixar de



                                                                                        25
ser, o corpo ficou ali entregue às moscas que pulam naquele perigoso foco de
                 epidemias. Até quando?
                         ESTILO REACIONÁRIO – Os moradores da Lagoa Rodrigo de Freitas
                 tiveram na manhã de hoje o profundo desagrado de deparar com o cadáver
      Leitura e
                 de um vagabundo que foi logo escolher para morrer (de bêbado) dos bairros
Produção de mais elegantes desta cidade, como se já não bastasse para enfeiar aquele
        Texto local uma sórdida favela que nos envergonha aos olhos dos americanos que
                 nos visitam ou que nos dão a honra de residir no Rio.
           ESTILO ENTÃO – Então, um vigia de uma construção em Ipanema, não tendo sono,
   saiu, então, para um passeio de madrugada. Encontrou, então, o cadáver de um homem.
   Resolveu, então, procurar um guarda. Então, o guarda veio e tomou, então, as providências
   necessárias. Aí, então, eu resolvi te contar isso.
           ESTILO ÁULICO – À sobremesa, alguém falou ao Presidente que na manhã de hoje
   o cadáver de um homem havia sido encontrado na Lagoa Rodrigo de Freitas. O presidente
   exigiu imediatamente que um dos seus auxiliares telegrafasse em seu nome à família
   enlutada. Como lhe informassem que a vítima ainda não fora identificada, Sua Excelência,
   com o seu estimulante bom humor, alegrou os presentes com uma das suas apreciadas
   blagues.
           ESTILO COMPLEXO DE ÉDIPO – Onde andará a mãezinha do homem encontrado
   morto na Lagoa Rodrigo de Freitas? Ela que amamentou, ela que o embalou em seus
   braços carinhosos?
           ESTILO PRECIOSISTA – No crepúsculo matutino de hoje, quando fugia solitária e
   longínqua a Estrela D’alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela
   orla sinuosa e murmurante de uma lagoa serena, deparou com a lúrida visão de um ignoto
   e gélido ser humano, já eternamente sem o austro que o vivifica.
           ESTILO NELSON RODRIGUES – Usava gravata de bolinhas azuis e morreu!
           ESTILO SEM JEITO – Eu queria ter o dom da palavra, o gênio de um Ruy ou o estro
   de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever,
   porque nem todas as pessoas que têm sentimento são capazes de expressar esse
   sentimento. Mas eu gostaria de deixar ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti.
   Não sei se cabe a palavra sensibilidade. Talvez não caiba.Talvez seja tragédia. Não sei
   escrever, mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que foi isso. Triste, muito triste. Ah,
   se eu soubesse escrever.
           ESTILO FEMININO – Imagine você, Tutsi, que ontem que eu fui ao Sacha’s,
   legalíssimo, e dormir tarde. Com o Toni. Pois logo hoje, minha filha, que eu estava exausta e
   tinha hora marcada no cabeleireiro e estava querendo dar uma passada na costureira, acho
   mesmo que vou fazer aquele plissadinho, como o da Teresa, o Roberto resolveu me telefonar
   quando eu estava no melhor do sono. Mas o que era mesmo que eu queria te contar? Ah,
   menina, quando eu olhei da janela vi uma coisa horrível, um homem morto lá na beira da
   Lagoa. Estou tão nervosa! Logo eu que tenho horror de gente morta!
           ESTILO DIDÁTICO – Podemos encarar a morte do desconhecido encontrado morto
   à margem da Lagoa em três aspectos: a) policial; b) humano; c) teológico. Policial: o homem
   em sociedade; humano: o homem em si mesmo; teológico: o homem em Deus. Polícia em
   homem: fenômeno; alma a Deus: epifenômeno. Muito simples como os senhores vêem.

           CAMPOS, Paulo Mendes. Para gostar de ler, vol IV. São Paulo: Ed àtica, 1979.

         A notícia é uma só: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado
    de madrugada pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não




     26
existindo sinais de morte violenta. As variedades lingüísticas e de registro é que variam.
Utilize a mesma notícia dada em vários estilos e a reescreva conforme os estilos abaixo:
        a) Seu próprio estilo;
        b) Estilo patricinha;
        c) Estilo Luís Inácio Lula da Silva;
        d) Estilo rapper;
        e) Estilo adolescente vidrado em internet;
        f) Estilo Gilberto Gil;



                             Indicações de leitura...
                              Preconceito Lingüístico

                “Diz-se que o “brasileiro não sabe Português” e que
           “Português é muito difícil”; estes são alguns dos mitos que compõem
           um preconceito muito presente na cultura brasileira: o lingüístico.
                    Tudo por causa da confusão que se faz entre língua e
                    gramática normativa ( que não é a língua, mas só uma
                    descrição parcial dela). Separe uma coisa da outra com
                    este livro, que é um achado”.
                                            Revista Nova Escola, maio de 1999.

                            O livro a que a revista Nova Escola se refere é
                       Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, Marcos
                       Bagno. Uma boa leitura para fazer uma auto-análise de
                       quantos preconceitos lingüísticos nós possuímos por mero
                       desconhecimento do que realmente é a língua.



                                       Narradores de Javé

                                 Ficha Técnica
                                 Ano de Lançamento (Brasil): 2003
                                 Direção: Eliane Caffé
                                 Roteiro: Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé
                                 Elenco
                                 José Dumont (Antônio Biá)
                                 Matheus Nachtergaele
                                 Gero Camilo

      Somente uma ameaça à própria existência pode mudar a rotina dos
habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que eles se deparam com o
anúncio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina
hidrelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma
ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes
acontecimentos heróicos de sua história, para que Javé possa escapar da
destruição. Como a maioria dos moradores é analfabeta, a primeira tarefa é
encontrar alguém que possa escrever as histórias

                                                                                       27
TEXTOS: TIPOS E GÊNEROS
     Leitura e
Produção de
      Texto
                                      TECENDO PALAVRAS E SENTIDOS


                                                         “A palavra texto provém do latim textum,
                                                    que significa “tecido, entrelaçamento”. Há,
                                                    portanto, uma razão etimológica para nunca
                                                    esquecermos que o texto resulta da ação de
                                                    tecer, de entrelaçar unidades e partes a fim
                                                        de formarmos um todo inter-relacionado.
                                                        Daí podermos falar em textura ou
                                                        tessitura de um texto: é a rede de
                                                   relações que garantem sua coesão, sua
                                                  unidade”.
                                                          Segundo Fiorin (2003), “não é
                                                 amontoando os ingredientes que se prepara
   uma receita; assim também não é superpondo frases que se constrói um texto”.Utilizando
   ainda a origem etimológica do termo, percebemos que um fio nem milhares deles compõem
   um tecido. Para existir tecido é preciso que os fios, mesmo os mais diferentes entre si,
   formem uma unidade, uma teia. Assim, também é com o bolo, pois colocar leite, ovos,
   manteiga, açúcar e farinha de trigo num recipiente não resulta em bolo. Para que estes
   ingredientes se transformem em bolo, é preciso que passem por vários processos, ou seja,
   acontece uma metamorfose daqueles ingredientes que compunham meras individualidades
   e agora passam a ser uma unidade composta pela diversidade. Num texto , as partes não
   possuem significados independentes, mas cada sentido se relaciona com o outro a fim de
   construir um sentido global. Entretanto, este não é dado pela soma das partes, mas sim por
   uma combinação geradora de sentidos.
           Todo texto possui algumas propriedades,O texto possui algumas pou seja, algumas
   especificidades básicas que o tornam texto. São elas: a coerência de sentido, a delimitação
   por dois brancos e o fato de ser produzido por um determinado sujeito num certo espaço e
   tempo.
           Possuir coerência de sentido significa que os símbolos constituintes do texto não
   estão jogados no papel. Eles se inter-relacionam. Por isso, é perigoso ler as partes do
   texto, juntá-las e conferir a elas um sentido global, pois o contexto em que se insere é
   determinante para a compreensão do sentido. O contexto, declara Fiorin (2003), “é a unidade
   maior em que uma unidade menor está inserida. Assim a frase (unidade maior) serve de
   contexto para a palavra; o texto, para a frase etc”.
           “Poder-se-ia, assim, conceituar o TEXTO como uma manifestação verbal, constituída
   de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos co-enunciadores, durante a
   atividade verbal, de modo a permitir-lhes, na interação, não apenas a depreensão de
   conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem
   cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais”
   (Koch, 1992).



    28
Ao observarmos os dois exemplos abaixo, quais deles chamaríamos de texto?




                                      Das falsas posições
                                                                              Mário Quintana

                         Com a pele do leão vestiu-se o burro um dia.
                         Porém, no seu encalço, acad instante e hora,
                         “Olha o burro! Fiau! Fiau!”, gritava a bicharia...
                          Tinha o parvo esquecido as orelhas de fora!


       Geralmente, associamos somente texto ao que está escrito. Todavia, se pensarmos
na primeira propriedade, coerência de sentido, perceberemos que os três exemplos acima
possuem coerência, apesar de os dois primeiros serem constituídos de imagens, figuras
geométricas, forma; e o terceiro, de palavras. Podemos perceber que os exemplos acima
não são um ‘amontoado’ de signos; eles formam um todo significativo.
       Além disso, possuem um contexto ora explícito, ora implícito, mas determinantes na
compreensão textual.
       A segunda propriedade parece irrelevante, para nós que temos contatos cotidianos
com os textos. É possível dizer que em nossa sociedade somos ‘bombardeados’ por textos
o tempo inteiro. Entretanto, de fato todo texto é delimitado por dois espaços vazios, isto é,
por dois espaços de não-sentido. Um antes dele, outro depois. E eles, por incrível que
pareça, têm uma função ímpar: sinalizar onde começa e onde termina o texto. Vejamos uma
fotografia do francês, radicado na Bahia, Pierre Verger. Tal imagem chama-se ‘O olhar
enigmático de Pierre Verger” que pode ser encontrada no site “http://www2.petrobras.com.br/
CulturaEsporte/ingles/cultura/ArtesVisuais/PierreFatumbi.htm”.




                                                                                          29
É fácil identificar onde começa a fotografia e onde termina. Assim, o
                 leitor percebe que só o que interessa para conferir sentido à imagem é o que
                 está dentro do espaço delimitado pelos dois brancos.
     Leitura e           Por último, todo texto é produzido por um sujeito, e este, por estar
                 atrelado ao seu tempo e ao seu espaço, sempre constrói sua produção,
Produção de
                 revelando os ideais e concepções de um tempo e de um espaço. Por isso, um
       Texto leitor competente não faz a pergunta superficial: o que o autor quis dizer? Mas
                 no lugar dela, procura saber: quem foi o autor? Onde e quando ele produziu tal
   texto? Tais elementos, sim, serão de suma importância para o entendimento do texto. Se,
   ao lermos um texto de Machado de Assis, quisermos saber o que ele quis dizer, teremos
   que perguntar a ele, e como o referido autor está morto, só temos duas saídas: ou ir até lá
   ou fazermos uma sessão espírita. Todas as duas alternativas podem configurar-se como
   esforços desnecessários, já que como leitores competentes nós mesmos podemos
   apreender o sentido do texto.




           No primeiro anúncio publicitário, a fotografia da mulher, seu penteado e vestuário
    nos remetem à década de 50 do século XX, assim como a embalagem do produto. Quanto
    à linguagem, encontramos o uso do termo dentifrício no lugar do mais moderno pasta de
    dente. Já no segundo, a mulher, sua roupa e postura já denunciam um outro tempo. Além
    disso, temos um bem tecnológico que sequer existia na época da veiculação da primeira
    propaganda.



           As Possibilidades Textuais:
           Texto Literário e o Texto Não-Literário
           O Texto Verbal e o Texto Não-Verbal

           O texto pode ser literário ou não. O literário possui, como marca de sua produção, a
    informação estética; já no não literário, a informação é semântica. O quadro abaixo, construído
    pelo professor baiano, Jayme Barros, em seu livro Encontro de redação, é bastante
    elucidativo para compreendermos as diferenças entre estes dois formatos textuais.


     30
INFORMAÇÃO SEMÂNTICA
                                       (texto não-literário)

     1. A informação tem um sentido unívoco e exige do receptor uma percepção racional,
uma compreensão lógica. O receptor é atingido em sua inteligência: ou a mensagem é
compreendida ou deixará de ter sentido.
     2. A essência é, portanto, a verdade. A beleza torna-se acidental, pois não se busca,
em essência, atingir a sensibilidade do receptor.
     3. Os signos têm um valor denotativo, por isso são traduzíveis.
     4. O conhecimento prévio da mensagem provoca uma saturação; esgota a
mensagem,

                                     INFORMAÇÃO ESTÉTICA
                                          (texto literário)

        1. A informação tem um significado plurívoco, busca atingir a sensibilidade do receptor.
Exige dele uma percepção sensorial. Mesmo sem a compreensão lógica da mensagem,
ela tem um sentido estético: toca a sensibilidade do receptor.
        2. A essência é, portanto, a beleza, o prazer estético provocado pela obra, que poderá
ter ou não um sentido lógico. A obra referir-se ou não a uma verdade ou fato cientificamente
comprovado torna-se secundário.
        3. Os signos têm um valor conotativo, por isso não são traduzíveis.
        4. O conhecimento prévio da mensagem não provoca um esgotamento. Ao contrário,
a depender da percepção sensorial do receptor, do gostar ou não gostar da obra, o
conhecimento prévio da mensagem poderá provocar a busca de novos contatos com a
obra.


       Leia os dois textos abaixo:


       TEXTO 1
       Poema tirado de uma notícia de jornal

      João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia, num
barracão sem número
      Um noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
      Bebeu
      Cantou
      Dançou
      Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
      Manuel Bandeira

       TEXTO 2
       Garçom morre após briga de bar

       Por volta de 2h40min da madrugada de sábado, depois de ter se envolvido numa
briga iniciada por um amigo, num bar na Rua Direta do Canal do Bate Estaca, o garçom
Roberto Moreira da Cruz, 26 anos, saiu do estabelecimento de motocicleta. Uma das
pessoas com quem ele tinha brigado disparou com arma de fogo e o matou com um tiro nas
costas. As informações são da irmã dele, a ambulante Roberta Aparecida Santos da Cruz,


                                                                                             31
22 anos, que prestou depoimento na 3ª Delegacia de Polícia. O garçom era
                  pai de duas crianças, de 2 e 4 anos, mas não era casado. A investigação está
                  sendo conduzida pela delegada Sônia M. Reis Paiva.
                         Jornal A Tarde, 02 de outubro de 2005.
      Leitura e
Produção de       No texto 2 é explícito o compromisso com o relato do fato da forma
      Texto mais próxima daquela em que ele ocorreu, por isso há tantos detalhes e
                   informações relevantes para a compreensão do contexto. O leitor, para
    compreendê-lo, usará aspectos racionais. Já no texto 1, não há uma preocupação do autor
    em descrever o fato, em dar detalhes do acontecimento, não se sabe a razão do suicídio. A
    intenção do autor é atingir a emoção do leitor ao colocá-lo frente à morte, seja trágica ou
    não, pois sempre nos desestabiliza e assusta. Por fim, o leitor do texto 1 poderá não ter
    uma compreensão lógica do acontecimento, mas certamente se permitirá a diversas
    interpretações. Já no texto 2, só há uma possibilidade de compreensão do texto, caso o
    leitor não a capte, estará demontrando que não o compreendeu.

          O texto pode ser verbal ou não-verbal. Isto quer dizer que podemos construir um texto
    somente com imagens, figuras, cores. A este tipo de texto, chamamos de texto não-verbal.
    Caso o texto seja composto por palavras faladas ou escritas, teremos um texto verbal. É
    possível haver textos constituídos tanto por palavras quanto por imagens, estes serão
    considerados como textos mistos.

           A tela de Candido Portinari denominada “Os retirantes” é um texto não-verbal, e o
    trecho da obra Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto é verbal. Note que
    ambos discorrem sobre o mesmo tema; a forma como organizam a mensagem é que é
    diferente. O primeiro só se utiliza de imagens, cores e formas, enquanto o segundo usa
    palavras.




                                                     Os Retirantes. Candido Portinari


     32
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR
QUEM É, E A QUE VAI

- O meu nome é Severino,        iguais em tudo na vida:

como não tenho outro de pia.    na mesma cabeça grande

Como há muitos Severinos,       que a custo é que se equilibra,

que é santo de romaria,         no mesmo ventre crescido

deram então de me chamar        sobre as mesmas pernas finas

Severino de Maria;              e iguais também porque o sangue,

como há muitos Severinos        que usamos tem pouca tinta.

com mães chamadas Maria,        E se somos Severinos

fiquei sendo o da Maria         iguais em tudo na vida,

do finado Zacarias.             morremos de morte igual,

Mais isso ainda diz pouco:      mesma morte severina:

há muitos na freguesia,         que é a morte de que se morre

por causa de um coronel         de velhice antes dos trinta,

que se chamou Zacarias          de emboscada antes dos vinte

e que foi o mais antigo         de fome um pouco por dia

senhor desta sesmaria.          (de fraqueza e de doença

Como então dizer quem falo      é que a morte severina

ora a Vossas Senhorias?         ataca em qualquer idade,

Vejamos: é o Severino           e até gente não nascida).

da Maria do Zacarias,           Somos muitos Severinos

lá da serra da Costela,         iguais em tudo e na sina:

limites da Paraíba.             a de abrandar estas pedras

(...)                           suando-se muito em cima,

Somos muitos Severinos          a de tentar despertar



                                                                   33
terra sempre mais extinta,

                            a de querer arrancar
     Leitura e
                            alguns roçado da cinza.
Produção de
      Texto                 Mas, para que me conheçam

                            melhor Vossas Senhorias

                            e melhor possam seguir

                            a história de minha vida,

                            passo a ser o Severino

                            que em vossa presença emigra.




         O Texto e os Fatores de Contextualidade

         Em 1983, Beaugrande e Dessler selecionaram sete características que conferem a
   alguma coisa o caráter de texto. Ao considerarmos algo como texto, perceberemos que
   nele aparecem os fatores abaixo:

         1. Coesão
         2. Coerência
         3. Intencionalidade
         4. Aceitabilidade
         5. Situacionalidade
         6. Informatividade
         7. Intertextualidade

          Coesão e Coerência serão temas discutidos no próximo tópico devido a enorme
   relevância que possuem no processo de construção textual. Além disso, são nesses aspectos
   que os produtores de texto mais cometem falhas.
          Todo produtor tem uma intenção na produção textual; planeja o texto e o produz na
   tentativa de satisfazer sua meta. A este fator denominamos intencionalidade.
          Por outro lado, o receptor, ao se mobilizar para ler um texto, gera uma gama de
   expectativas e pré-concepções em torno dele. Saber quem é o autor e a época o fará inferir,
   por exemplo, sobre o tema do texto. Seus repertório de leitura e arcabouço de conhecimentos
   o possibilitarão compreender o texto de forma parcial, ampla ou superficial. A este fator
   denominamos aceitabilidade.
          No mundo em que vivemos, em nosso cotidiano, circulam diversos tipos de texto.
   Entretanto, eles são diferentes entre si. Uma palestra sobre a importância da leitura será
   muito diferente de uma conversa num bar entre dois amigos. A linguagem usada em uma
   situação será muito diferente da outra, assim como o grau de intimidade entre emissor e



    34
receptor. Sendo assim, cada contexto sócio-comunicativo requer uma produção de texto
mais pertinente a si mesmo. A esse fator denominamos situacionalidade.
        Todo texto tem como característica peculiar a função referencial da linguagem, ou
seja, ele informa sobre algo. Por isso, o autor deve fornecer ao leitor uma suficiência de
dados necessários à compreensão do texto. A esse fator denominamos informatividade.
        A lingüista Júlia Kristeva declara que o texto é um mosaico de citações. Isto significa
que não produzimos um texto do nada; todo texto é fruto das informações e conhecimentos
prévios que possuímos. Sendo assim, a leitura de mundo e de palavra escrita é determinante
para a produção textual. Por isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, que traçam
diretrizes para o ensino das escolas brasileiras, informam a ineficácia do estudo da gramática
normativa para formar leitores e produtores de texto. Segundo os PCN, é a leitura que subsidia
o produtor de textos no exercício da criação. Desta forma, não há como não aparecerem
implicitamente ou explicitamente – por meio de citações, paródias ou pastiches - outros
textos em um texto. A esse fator denominamos intertextualidade.




    Coesão e Coerência: A Construção de Sentidos e seus
Mecanismos

        A coerência é o fator responsável pelo estabelecimento do sentido no texto, pois a
partir dela ocorre o acerto das partes com relação ao todo. Um texto sem coerência perde
o princípio da interpretabilidade textual, ou seja, torna-se não-inteligível em relação a situação
comunicativa. Como afirmado anteriormente, o texto é como um mosaico, pois se constitui
de elementos diversos e diferentes entre si; todavia,z o entrelaçamento destas partes forma
uma unidade. A coerência é estabelecida nas relações entre os usuários do texto.

       Tipos de coerência:

       a) Semântica: relação entre os significados.
       “Vamos deixar de sermos egoístas e pensarmos um pouco mais em nós mesmos”.
       O significado do termo egoísta refere-se ao indivíduo pensar e agir apenas em prol
de si mesmo, se o autor propõe que não se pense em si mesmo somente, como ele pode
conclamar a “pensarmos mais em nós mesmo” que é a mesma coisa?
       Forma coerente: Vamos deixar de ser egoístas e pensar mais nos outros.

        b) Sintática: uso de recursos sintáticos.
        “O Renato é meu filho, mas ele se parece comigo”.
        Muitas vezes, não sabemos usar os recursos lingüísticos, pois desconhecemos os
significados das preposições, conjunções, etc. Por exemplo, a conjunção “mas” dá a idéia
de oposição. Assim, espera-se encontrá-la entre duas orações que se oponham ou se
contradigam. Se Renato é filho de alguém, espera-se que ele se pareça com alguém, não
há nenhuma contradição nisso. Haveria se Renato não se parecesse.
        Forma coerente: O Renato é meu filho, por isso ele se parece comigo.

       c) Estilística: adequação do texto ao estilo ou registro pertinente.
       “Prezado Antônio, neste momento quero expressar meus sentimentos por seu pai ter
vestido o paletó de madeira, ter ido comer capim pela raiz....”.




                                                                                               35
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  • 1.
  • 2. LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO 1
  • 3. SOMESB Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda. Leitura e Presidente ♦ Gervásio Meneses de Oliveira Produção de Vice-Presidente ♦ William Oliveira Texto Superintendente Administrativo e Samuel Soares Financeiro ♦ Germano Tabacof Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão ♦ Pedro Daltro Gusmão da Silva FTC - EaD Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância Diretor Geral ♦ Waldeck Ornelas Diretor Acadêmico ♦ Roberto Frederico Merhy Diretor de Tecnologia ♦ Reinaldo de Oliveira Borba Gerente Acadêmico ♦ Ronaldo Costa Gerente de Ensino ♦ Jane Freire Gerente de Suporte Tecnológico ♦ Jean Carlo Nerone Coord. de Softwares e Sistemas ♦ Romulo Augusto Merhy Coord. de Telecomunicações e Hardware ♦ Osmane Chaves Coord. de Produção de Material Didático ♦ João Jacomel EQUIPE DE ELABORAÇÃO/PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO: ♦ PRODUÇÃO ACADÊMICA ♦ Gerente de Ensino ♦ Jane Freire Coordenação de Curso ♦ Tatiana Lucena Autor (a) ♦ Luciana Moreno Supervisão ♦ Ana Paula Amorim ♦ PRODUÇÃO TÉCNICA ♦ Revisão Final ♦ Carlos Magno. Equipe ♦ Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito, Ederson Paixão, Fabio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale e Marcus Bacelar Ilustração ♦ Francisco França Júnior Imagens ♦ Corbis/Image100/Imagemsource copyright © FTC EaD Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da FTC EaD - Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância. www.ftc.br/ead 2
  • 4. Sumário LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07 LEITURA ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07 Leitura: Novos Saberes, Novos Sabores ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07 A ESCRITA ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 15 A Escrita: Importância e Peculiaridade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 15 O que dizem (e fazem) os Grandes Autores ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 16 Oralidade e escrita: Diferentes mas não Dicotomicas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 18 Níveis de linguagem ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 21 O Texto Escrito ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 23 Criando Estilos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 25 TEXTO: TIPOS E GÊNEROS ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 28 TECENDO PALAVRAS E SENTIDOS ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 28 As Possibilidades Textuais: Texto Literário e Texto Não-Literário O Texto e o Texto Não-Verbal ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 30 O Texto e os Fatores de Contextualidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 34 Coesão e Coerência: A Construção de Sentidos e seus Mecanismos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 35 Intertextualidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 38 Coesão e Coerência ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 41 TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 43 Conto: A poesia Inesperada do Cotidiano ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 47 Crônica: Uma Fotografia do Cotidiano ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 34 Atividade Orientada ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 57 Glossário○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 60 Referências Bibliográficas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 61 3
  • 6. Apresentação da disciplina Caro Aluno! Tenho um convite para fazer a você. Para isso, usarei as palavras do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, em “A Procura da Poesia”: Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave? Bem, o convite está feito. As palavras e os textos estarão por toda parte do caminho que iremos trilhar. Precisamos olhá-las, contemplá-las, amá-las. Elas são basilares para a nossa percepção do mundo, para o reconhecimento da história da o humanidade (que é a nossa própria história), para a valorização e a interação com outro. É também através dela que nos inserimos como sujeitos ativos, reflexivos e transformadores na sociedade. A palavra tem, sim, mil faces: ora nos faz perceber o outro, ora nos faz conhecer a nós mesmos; ora é arma, ora é bálsamo; ora nos leva a reflexão e descoberta, ora nos leva ao prazer e ao deleite. Todavia, muitas vezes, nossa relação com a palavra é tímida, agressiva ou simplesmente limitada e nos impede de tornar cotidiano o exercício de contemplação. Ou pior, não temos a chave, ou seja, desconhecemos as múltiplas maneiras de compreendermos as palavras que estão no mundo para serem lidas, descobertas e saboreadas. Por conseguinte, também não sabemos usar as nossas próprias palavras, temos dificuldades em produzir os nossos próprios discursos. Em suma, a inconsciência da importância da palavra em nossas vidas nos confina num mundo superficial, sem dores nem delícias, sem conhecimento nem reconhecimento. A disciplina Leitura e Produção de Texto é mais que um convite a uma relação amorosa e utilitária (salve-se a contradição) com a palavra. Ela também é um momento ímpar para acharmos a chave e começarmos a abrir as portas que nos conduzem aos infinitos reinos da palavra, pois nos subsidia com informações relevantes para ampliarmos os nossos conhecimentos lingüísticos, nos adentrando- nos no processo de constante formação como leitores e produtores de texto. O convite está feito. Permita-me, mais uma vez, trazer Drummond a nossa conversa: “penetra surdamente no reino” das palavras. E usufrua todos os poderes que a linguagem proporciona. Seja bem vindo! Profa. Luciana Moreno 5
  • 8. LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA LEITURA Leitura: Novos Saberes, Novos Sabores Saber ler sempre foi confundido com a possibilidade de reconhecer e decodificar o código escrito, todavia fazer isso é meramente decifrar. Ler envolve mais saberes e, como diria Rolland Barthes, muito mais “sabores”. Aprendemos alguns modos de ler que já não mais condizem às necessidades do mundo atual. Desta forma, cada leitor precisa ‘esquecer’ algumas técnicas de ler adotadas pelas instituições educacionais (que cada vez mais demonstram a sua ineficácia na formação de sujeitos leitores) e construir seus próprios modos de ler. Contudo, antes deste processo de construção que se faz e se refaz (mas nunca se esgota), torna-se necessário o entendimento do que é leitura. A leitura possui muitos sentidos. Tomar um em detrimento dos outros é uma forma parcial e superficial de concebê-la. É impossível tomar um conceito sem prejuízo dos outros, pois estes se complementam. O leitor é o responsável pelo controle deste processo, que compreende algumas etapas; aí vão elas: a obtenção da informação; o uso consciente ou inconsciente de estratégias de compreensão leitora; a avaliação da informação obtida e a produção de um juízo de valor sobre o lido. Define-se leitura como atribuição de sentido à escrita, ou seja, quando lemos, estamos não só fazendo a versão oral do escrito, mas, sobretudo, construindo sentido a partir do escrito, questionando-o e explorando o que está nele e além dele. O ato de ler é um processo não linear, pois o significado do texto não está na soma das sucessivas palavras que o compõem, por isso, o uso do dicionário para decifrar todas as palavras desconhecidas é muitas vezes irrelevante. Até porque, sem precisar consultá-lo, o leitor está sempre inferindo, criando hipóteses...adivinhando sentidos. Então, onde estará o sentido? Então, Ousar e brincar, produzindo sucessivas adivinhações é uma ótima maneira de obter o acerto. O leitor, a todo momento, antecipa índices, a partir do que já conhece e faz associações com aquilo que desconhece, atribuindo os significados possíveis ao ‘ex-ótico’, isto é, achando significação para tudo que até o momento encontrava-se fora (ex) do seu campo de visão (ótico). Ler é tratar com os olhos a linguagem feita para os olhos, afirma Foucambert (1994), ou seja, a leitura da linguagem escrita exige o uso constante da memória visual. Neste emaranhado de definições, ou melhor, nesta trama (termo mais propício quando se trata de texto), confunde-se a oralização e a leitura em voz alta com leitura propriamente 7
  • 9. dita. A primeira refere-se ao reconhecimento dos símbolos do código escrito e posterior construção dele, oralmente, a segunda é “a opção de traduzir oralmente o que já foi compreendido na leitura”(Foucambert, 1994). Leitura e Produção de Finalmente, a leitura é atribuição de sentido ao texto escrito, Texto usando as informações visuais e as informações prévias do leitor; envolve um leitor ativo que processa e examina o texto, guiado por um objetivo. Vale ressaltar que a interpretação do texto variará de acordo com o objetivo do leitor. O sentido do texto não é uma tradução do leitor ao sentido que o autor quis dar a ele, portanto torna-se descabida a pergunta: ‘o que o autor quis dizer?’, tão recorrente nos exercícios escolares de interpretação, pois a aventura da construção do sentido do texto desenvolvido pelo leitor envolve o texto per si, os conhecimentos prévios do leitor e seus objetivos. ‘Esse negócio de criança ler por conta própria é muito recente na história do mundo, afirma Ziraldo (2001).Sabemos que a formação do leitor de forma voluntária é um fenômeno recente em nossa sociedade, as crianças se tornam leitoras devido ao estímulo dos pais, professores, curiosidade ou vocação. Desta forma, se nós professores não formos leitores vorazes como podemos estimular a criança a buscar o prazer através da leitura? O que dizem os teóricos? Para Negamine (2001), o ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão, de intelecção de mundo que envolve uma característica essencial e singular ao homem: a sua capacidade simbólica e de interação com o outro pela mediação da palavra. Para Paulo Freire (1981), o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Para Marisa Lajolo (2001), Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem por aí, na chamada escola da vida... Para Isabel Sole (1998), a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tenta-se satisfazer [obter uma informação pertinente para] os objetivos que guiam sua leitura. 8
  • 10. Para refletir... Doze maneiras simples de tornar difícil a aprendizagem da leitura: 1. Estabeleça como meta o domínio precoce das regras de leitura; 2. Cuide bem para que a fonética seja aprendida e utilizada; 3. Ensine as letras ou as palavras, uma a uma, certificando-se de que cada letra ou palavra foi assimilada antes de passar para a seguinte; 4. Defina como objetivo principal uma leitura palavra por palavra perfeita; 5. Não deixe as crianças adivinharem; pelo contrário, exija que elas leiam com atenção; 6. Procure evitar de todas as maneiras que as crianças errem; 7. Dê um feed-back imediato; 8. Detecte e corrija os movimentos incorretos dos olhos; 9. Identifique os eventuais disléxicos e trate-os mais cedo possível; 10. Esforce-se para que as crianças aprendam a importância da leitura e a gravidade do fracasso; 11. Aproveite as aulas de leitura para melhorar a ortografia e a expressão escrita; insista também em que os alunos falem a melhor língua possível; 12. Se o método utilizado não lhe satisfizer, tente outro. Esteja sempre alerta para achar material novo e técnicas novas. (Artigo publicado em L’Education, 22 de maio de 1980. In: FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994). Esse texto dirige-se ao professor; todavia, bem que poderia se referir à forma com que nós aprendemos a ler na escola. Faça uma breve ‘viagem’ pela sua história de leitura, respondendo o questionário abaixo e tentando relacioná-lo com o texto Doze maneiras simples de tornar difícil a aprendizagem da leitura. Depois, socialize com seus colegas e professor as diversas respostas e construam a definição de vocês para a leitura. 9
  • 11. O que é ler para você?? Em sua casa havia livros, revistas e jornais? ______________________________________________________________________ Leitura e Havia alguém em sua casa que o (a) estimulava a ler? Quem era essa Produção de pessoa? Antes de entrar na escola, já tinha familiaridade com o mundo da Texto leitura? ______________________________________________________________________ Você considera que suas experiências de leitura foram enriquecidas e estimuladas pela escola? Fale sobre isso. ______________________________________________________________________ Como eram as atividades de leitura desenvolvidas pela escola? _______________________________________________________________ Quais os livros lidos por você durante seu período escolar? ____________________________________________________________ Havia biblioteca na sua escola? Ela era freqüentada por você? Quais das ações desenvolvidas pelo professor aconteciam no espaço biblioteca? ______________________________________________________________________ Você participa de atividades culturais, tais como teatro, cinema, concertos, festivais de música, de dança, exposições? Quais e com que freqüência? ______________________________________________________________________ Você costuma comprar jornais, revistas, livros? _______________________________________________________________________ Você tem o hábito de tomar livros emprestados? De quem? ______________________________________________________________________ Você costuma compartilhar suas leituras com alguém? Exatamente com quem? ______________________________________________________________________ Você costuma freqüentar bibliotecas? Qual (is) e com que freqüência? ______________________________________________________________________ O que é um clássico para você? Você já leu algum? Qual/quais? ______________________________________________________________________ Nesse momento, você está lendo o quê? _______________________________________________________________________ Qual o livro que você indicaria para : Seus amigos:___________________________________________________________ Seus professores:_______________________________________________________ Seus pais:_____________________________________________________________ Seus alunos:_____________________________________________________________ Seus filhos:_____________________________________________________________ Seu (sua) companheiro (a):_________________________________________________ Um estrangeiro:_________________________________________________________ Saiba mais... O leitor traça planos, estratégias para obter, avaliar e utilizar informação e, assim, construir significados, compreender o texto lido. As estratégias de leitura se constroem e se modificam, pois o leitor desenvolve seus modos de ler através da leitura. Nós 10
  • 12. utilizamos as estratégias abaixo ao mesmo tempo e, muitas vezes, inconscientemente. São quatro as estratégias de leitura. a)Seleção: o leitor elege os índices mais relevantes e úteis para não ficar sobrecarregado de informações desnecessárias; b)Antecipação: capacidade de antecipar o texto com base nas pistas do mesmo;o leitor prevê o que ainda não apareceu a partir de índices como gênero do texto, autor, título, contexto de produção. Por exemplo, o leitor, ao deparar-se com um texto de Esopo, certamente antecipará que se trata de uma fábula, há animais como personagens e uma moral ao término da história. c)Inferência: percepção do que não está dito no texto de forma explícita, ou seja, deduções que podem ser confirmadas ou não no decorrer do texto. O leitor tenta adivinhar as informações das ‘entrelinhas’.Tais predições não são casuais; elas se baseiam nas pistas dadas pelo próprio texto, pelo conhecimento conceitual e lingüístico do leitor. d)Verificação: o leitor é o responsável pelo controle de sua própria leitura; é ele que pode confirmar se foi capaz de compreender o texto, de construir sentido a partir dele, por isso faz a análise da compreensão, permitindo confirmar ou rejeitar as deduções realizadas durante a estratégia de inferência, por exemplo. Brincar de Ler... No texto abaixo, diversas palavras foram subtraídas. Faça a leitura do texto vazado e recoloque os vocabulos que você acha que foram retirados. Existem várias possibilidades de colocação de palavra. Só não é permitido alterar o sentido do texto! As * pulgas Muitas * caíram e caem na armadilha das * drásticas de coisas que não precisam de alteração, apenas de * . O que lembra a história de * pulgas. Duas pulgas estavam conversando e então uma comentou com a outra: - Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos, só sabemos *. Daí nossa * de sobrevivência quando somos percebidas pelo cachorro é *. É por isso que existem muito mais moscas do que *. E elas contrataram uma * como consultora, entraram num programa de reengenharia de vôo e saíram voando. Passado algum tempo, a primeira pulga falou para a outra: 11
  • 13. - Quer saber? Voar não é o suficiente, porque ficamos grudadas ao * do cachorro e nosso tempo de reação é bem menor do que a velocidade da * dele. Temos de aprender a fazer como as * , que sugam o néctar e levantam vôo rapidamente. Leitura e E elas contrataram o serviço de consultoria de uma abelha, que lhes Produção de ensinou a técnica do chega-suga-voa. Funcionou, mas não resolveu. A Texto primeira pulga explicou o porquê: - Nossa bolsa para armazenar * é pequena, por isso temos de ficar muito tempo sugando. Escapar, a gente até escapa, mas não estamos nos * direito. Temos de aprender como os * fazem para se alimentar com aquela rapidez. E um pernilongo lhes prestou uma * para incrementar o tamanho do abdômen. Resolvido, mas por poucos minutos. Como tinham ficado *, a aproximação delas era facilmente percebida pelo cachorro, e elas eram espantadas antes mesmo de pousar. Foi aí que encontraram uma saltitante *: - Ué, vocês estão *! Fizeram plástica? - Não, reengenharia. Agora somos pulgas adaptadas aos desafios do **. Voamos, picamos e podemos armazenar mais alimentos. - E por que estão com cara de *? - Isto é temporário. Já estamos fazendo consultoria com um *, que vai nos ensinar a técnica de radar. E você? - Ah, eu vou bem, obrigada. Forte e sadia. Era verdade. A pulguinha estava viçosa e bem alimentada. Mas as pulgonas não quiseram dar a pata a torcer. - Mas você não está preocupada com o *? Não pensou em reengenharia? - Quem disse que não? Contratei uma * como consultora. - O que as lesmas têm a ver com pulgas? - Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês duas. Mas, em vez de dizer para a lesma o que eu queria, deixei que ela * a situação e me sugerisse a melhor *. E ela passou três dia ali, quietinha, só observando o * e então ela me deu *. - E o que a lesma sugeriu fazer? - “Não mude nada. Apenas sente no * do cachorro. É o único lugar que a * dele não alcança”. MORAL: Você não precisa de uma reengenharia radical para ser mais eficiente. Muitas vezes a grande * é uma simples questão de *. Texto atribuído a Max Gehringer Antes de ler o texto abaixo, tente descobrir, através das dicas fornecidas, o tema a ser abordado no texto. Anote as deduções e hipóteses construídas por você. A cada informação nova, você rejeitará algumas ‘adivinhações’ e confirmará outras. DICA A: é um texto extraído do livro ‘Companheira de Viagem’. DICA B: o título do texto é ‘A Última Crônica’. DICA C: o gênero do texto é crônica. DICA D: o texto fala sobre a inquietação que o processo de escrita provoca no escritor. DICA E: no texto aparecem três personagens compondo uma família. DICA F: o autor do texto é Fernando Sabino. Leia o texto com atenção e veja se suas predições e inferências foram acertadas. 12
  • 14. A Última Crônica Fernando Sabino A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano esta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas escolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço, então, um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim, um casal de pretos acaba de sentar-se numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. À compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome. Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar- se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim. São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “parabéns pra você, parabéns pra você...” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura, ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e, enfim, se abre num sorriso. Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso. 13
  • 15. SABINO, Fernando. A Última Crônica. In: ______. A companheira de viagem. Rio de Janeiro: Do Autor, 1965. p. 174. Leitura e Produção de Texto Indicações de leitura... Depois de tantas informações sobre leitura, um bom caminho para verificar se tudo o que foi dito e discutido pode ser ‘saboreado’ é passar para a prática. Que tal ter acesso, através da leitura, a uma palestra sobre o a importância do ato de ler no Congresso Brasileiro de Leitura (evento que até hoje acontece a cada biênio na UNICAMP), ministrada nada mais nada menos por Paulo Freire, nosso ‘educador universal’? FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 39.ed. – São Paulo, Cortez, 2000. A arte, dentre elas, a literatura, acessível a tão poucos pode mudar a forma das pessoas lerem o mundo. Ficha Técnica: Elenco Principal: José Dumont, Rodrigo Santoro, Rita Assemany e Ravi Ramos Lacerda Direção: Walter Salles Produção: Arthur Cohn Brasil - Suíça - França 2001 1h39m Dolby SR/DTS e SRD Uma co-produção VideoFilmes, Haut et Court, Bac Films e Dan Valley Film AG. Abril Despedaçado é livremente inspirado no livro homônimo do escritor albanês Ismail Kadaré. Abril 1910 - Na geografia desértica do sertão brasileiro, uma camisa manchada de sangue balança com o vento. Tonho, filho do meio da família Breves, é impelido pelo pai a vingar a morte do seu irmão mais velho, vítima de uma luta ancestral entre famílias pela posse da terra. Se cumprir sua missão, Tonho sabe que sua vida ficará partida em dois : os 20 anos que ele já viveu, e o pouco tempo que lhe restará para viver. Ele será então perseguido por um membro da família rival, como dita o código de vingança da região. Angustiado pela perspectiva da morte e instigado pelo seu irmão menor, Pacu, Tonho começa a questionar a lógica da violência e da tradição. É quando dois artistas de um pequeno circo itinerante cruzam o seu caminho... [ Para saber mais acesse: ] www.abrildespedacado.com.br/ 14
  • 16. A ESCRITA A Escrita: : Importância e Peculiaridades Duas concepções devem estar claras na cabeça de quem almeja ampliar os conhecimentos lingüísticos: a) a linguagem se aprende pelo uso; b) existem vários usos de linguagem. O aperfeiçoamento dos usos de linguagem provoca o aperfeiçoamento do indivíduo, todavia, este ato de aprimorar-se lingüisticamente não se refere ao mero (e limitado) conhecimento da língua padrão nem apenas ao conhecimento satisfatório da linguagem oral, pois estas são algumas das múltiplas possibilidades de uso da língua. É também de enorme importância o conhecimento e domínio da modalidade escrita da língua. Escrever não é possível somente para os grandes autores; ‘é uma atividade social indispensável (Câmara Jr. 1972) para qualquer pessoa. Alguns concebem que a escrita é inerente a uns enquanto não é a outros, pois aqueles têm facilidades em redigir um texto. Não é isto que ocorre de fato. Na verdade, apenas alguns se tornam grandes romancistas ou escritores reconhecidos. Todavia, todos podem se comunicar de forma coerente e eficaz, usando a escrita. Inicialmente, é preciso saber que não há modelo único para a redação, não há sequer estrutura rígida. ‘Há apenas uma falta de preparação inicial que a prática e o esforço vencem’ (Câmara Jr. 1972). A fala é a primeira forma de expressão lingüística, todavia, a necessidade de fixá-la, de levá-la para outros contextos, fomentou a busca pela possibilidade de uma representação da mesma. Daí nasce a modalidade escrita da língua. A técnica da escrita consiste simplesmente em usar sinais gráficos (que aprendemos por mera convenção por serem tais sinais arbitrários) para simbolizar os signos da língua falada. Entretanto, diante das múltiplas possibilidades oferecidas pela fala e pela inviabilidade de construir um sinal gráfico para cada signo, a escrita é apenas uma tentativa de representação da fala, por ser um suporte utilizado como recurso para não sobrecarregar a memória. A comunicação oral é limitada quanto às distâncias e à fixação (mesmo que temporária da mensagem), enquanto a comunicação escrita multiplica a mensagem, pois muitos podem lê-la ao mesmo tempo e não precisam estar próximos ao emissor. Em contrapartida, a escrita é uma técnica simples e barata, amplia os horizontes, aumenta as possibilidades de comunicação, fixa a mensagem, aumenta a possibilidade de envio da mensagem em relação a distância e número de receptores, exige do homem aprendizado, pois não é espontânea nem natural como a fala, conferindo certo grau de poder a quem sabe utilizá-la. Desta forma, como diz Gnerre (1987), devemos ‘ser poliglotas de uma mesma língua’. Essa aparente contradição nos diz uma verdade incomensurável. Não nos bastar saber apenas uma modalidade da língua ou somente a norma culta. Como existem diversos contextos sociais, e para cada contexto exige-se um uso de linguagem, se quisermos transitar em tais universos devemos também usar de forma competente a modalidade falada e escrita 15
  • 17. da língua. Mais do que isso, devemos saber usar a linguagem adequada tanto ao contexto sócio-comunicativo acadêmico, quanto ao bar, ao funeral, à festa de carnaval. Leitura e Produção de Texto O que dizem (e fazem) os Grandes Autores “Quando escrevo para mim mesmo, costumo ficar corrigindo dias e dias”. Paulo Mendes Campos “Para mim, o ato de escrever é muito difícil e penoso, tenho sempre de corrigir e reescrever várias vezes”. Fernando Sabino Agora, leia os textos dos autores acima citados e veja se valeu a pena o esforço! 16
  • 18. 17
  • 19. Oralidade e Escrita: Diferentes, mas não Dicotomicas Leitura e Produção de Falamos uma língua e escrevemos outra, pois apesar da escrita ser posterior a fala e uma tentativa de representação da mesma, ela é mais Texto conservadora. Pode-se afirmar que fala e escrita são diferentes, cada uma possui as suas peculiaridades. Isto não quer dizer, entretanto, que tais modalidades da língua se oponham. Pelo contrário, elas se complementam. 18
  • 20. A língua não é uma uniformidade; ela é uma unidade composta pela diversidade, isto é, pela variedade lingüística. Tais variedades podem ser de três tipos: a) diatópicas; b) diafásicas; c) diastráticas1. Dentre este corpus, temos a norma culta, também chamada de língua padrão. É considerada geralmente como a única variedade correta da língua e associada tipicamente aos conteúdos de prestígio. Segundo Maurizio Gnerre (1987), “uma variedade vale o que valem na sociedade seus falantes”. Leia-se, as variedades que correspondem à língua não- padrão são usadas por pessoas de baixa renda, de pouca ou nenhuma escolarização, de meios rurais, de regiões distantes dos grandes centros econômicos. Desta forma, tais variedades tendem a ser sempre consideradas inferiores a uma outra de maior prestígio, ou pior, é muito comum serem consideradas erradas. Entretanto, a noção de erro está atrelada sempre a uma impossibilidade quanto ao uso de determinada coisa. Se a língua não-padrão é usada por tanta gente e comunica com coerência e eficiência aos grupos que a utilizam e aos demais grupos, a noção de erro torna-se inadequada quando a ela se refere. O termo língua é comumente associado à escrita, todavia um não é sinônimo do outro. Tal confusão é fruto das informações equivocadas passadas pela tradição escolar. Por conseguinte, como no Brasil acesso à escola relaciona-se a poder econômico e político, confere-se à escrita uma autoridade superior àquela que ela realmente tem. Historicamente, a língua padrão é a língua dos vencedores, dos que mandam, sendo a escrita um registro da fala. Sendo assim, a elite escolhe conscientemente a língua merecedora de registro, que é a norma culta, como paradigma para as demais. Por isso que ela é chamada de lingua padrão. Diz-se que tal modelo é central na identidade nacional, enquanto portadora de uma tradição e de uma cultura. Todavia, não será essa uma visão preconceituosa e discriminatória, já que pressupõe que todo aquele que não usa a língua padrão não é historicamente portador de tradição e cultura? Nossa cultura é de caráter grafocêntrica, pois a nossa sociedade, em detrimento da oralidade, supervaloriza o uso da escrita e aqueles que já se apropriaram deste conhecimento. Entretanto, vale ressaltar que na maior parte dos povos modernos, somente uma parcela (às vezes, mínima) da sociedade tem na escrita um elemento essencial da vida. Além disso, há muitos povos que sequer utilizam tal modalidade da língua. Outro fator curioso é que até mesmo as pessoas escolarizadas usam menos a escrita do que a oralidade em seu cotidiano. Nos dois textos abaixo, perceba a diferença entre um texto oral e um texto escrito. 1 1º) diferenças no espaço geográfico, ou VARIAÇÕES DIATÓPICAS (falares locais, variantes regionais e, até, intercontinentais). 2º) diferenças entre camadas socioculturais, ou VARIAÇÕES DIASTRÁTICAS (nível culto, língua padrão, nível popular, etc.); 3º) diferenças entre os tipos de modalidade expressiva, ou VARIAÇÕES DIAFÁSICAS (língua falada, língua escrita, língua literária, linguagens especiais, linguagem dos homens, linguagem das mulheres, etc.). CUNHA, Celso; CINTA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporânea. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 19
  • 21. TEXTO 1 – Oral Projeto NURC - Rio de Janeiro Inquérito 261 - Bobina 85 - Duração 45 minutos Leitura e Data do registro: 22/11/74 Produção de Tema: Instituições: ensino e igreja. Texto Dados do informante: sexo masculino, 29 anos, carioca, pais cariocas. Área residencial: zona suburbana. Formação universitária: Direito. Entende? hoje eu vejo... depois de (que) M.L.... quando eu tive M.L. e vejo agora M.L. estudando... preparando a... o material da escola... eu lamento não ter nascido nessa época... acho muito mais interessante o estudo... a coisa é... é muito... muito mais espontaneidade... a gente tinha Medo da professora... hoje a professora é uma amiga... chama de você... de titia... não é? a gente tinha medo da professora... até aconteceu um caso... um caso muito engraçado comigo... dia primeiro de de abril... eu era... primeiro de abril... aí... dia dos tolos... né? eu estava com a minha prima... que é da minha idade... então eu tive aquela idéia... né... eu era muito tímida mas tinha as minhas idéias... naturalmente ( ) dona Vera Viana... dona Vera ( ) Viana... uma grande professora... diz assim... dona Vera... seu vestido está rasgado... eu disse pra minha prima... quando ela olhar... você diz... caiu... primeiro de abril...(risos)... ela fez... né... aí a dona Vera disse assim ... você vê... primeiro de abril é um dia ... era na hora do recreio... ela já... mais que depressa... foi T. que mandou... (risos) então nós passamos a... o tempo todo da aula chorando, porque tínhamos ficado de castigo... né? TEXTO 2 – Escrito Recado ao senhor 903 Rubem Braga Vizinho – Quem fala aqui é o homem do1003. Recebi, outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005; a Oeste pelo 1001; ao Sul pelo Oceano Atlântico; ao Norte pelo1004; ao alto pelo 1103 e, embaixo, pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo, sinceramente, adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier a minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7, pois às 8:15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. 20
  • 22. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio. ...Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou”. E o outro respondesse: “Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”. E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz. BRAGA, Rubem. Para Gostar de ler. São Paulo: Ática, 1979, p. 74-75. Níveis de Linguagem “Entendem-se por ‘variação lingüística” pelo menos três fenômenos distintos (1) o fato de que em uma sociedade complexa como a brasileira convivem variedades lingüísticas diferentes, utilizadas por grupos sociais que são expostos em graus diferentes à educação formal; (2) o fato de que pessoas de um mesmo grupo lingüístico usam, para expressar-se, palavras, expressões diferentes de acordo com o caráter mais ou menos informal da situação da fala; (3) o fato de que, o Português do Brasil, como toda língua de cultura, inclui falares que são usados por alguns grupos específicos: os jovens, os malandros, os drogados, os economistas etc. Além de todos esses tipos de variação, o Português do Brasil foi marcado, ainda, pela variação histórica e pela variação regional”. ILARI, Rodolfo. Introdução ao estudo do léxico: brincando com palavras. São Paulo: Contexto, 2002. As variações de registro podem ser de três tipos diferentes: grau de formalismo, modo e sintonia. O grau de formalismo refere-se ao maior ou menor cuidado do emissor no uso dos recursos lingüísticos. O modo relaciona-se às possibilidades faladas ou escritas do uso da língua. A sintonia é a adequação do texto que o emissor constrói a partir do conhecimento que tem sobre o receptor ( seu status, as informações prévias, a cortesia, a variedade lingüística que emprega). No quadro abaixo, pode-se perceber as possibilidades de produção textual de acordo com o modo e o grau de formalismo. 21
  • 23. Leia os textos abaixo e veja como a diversidade é a maior riqueza de uma língua. Leitura e Produção de Texto 22
  • 24. O Texto Escrito A luta que os alunos enfrentam com relação à produção de textos escritos é muito especial. Em geral, eles não apresentam dificuldades em se expressar através da fala coloquial. Os problemas começam a surgir quando esse aluno tem necessidade de se expressar formalmente, e se agravam no momento de produzir um texto escrito. Nesta última situação, ele deve ter claro que há marcantes entre falar e escrever. Na linguagem oral, o falante tem claro com quem fala e em que contexto. O conhecimento da situação facilita a produção oral. Nela, o interlocutor, presente fisicamente, é ativo, tendo possibilidade de intervir, de pedir esclarecimentos, ou até de mudar o curso da conversação. O falante pode ainda recorrer a recursos que não são propriamente lingüísticos, como gestos ou expressões faciais. Na linguagem escrita, a falta desses elementos extratextuais precisa ser suprimida pelo texto, que se deve organizar de forma a garantir a sua inteligibilidade. Escrever não é apenas traduzir a fala em sinais gráficos. O fato de um texto escrito não ser satisfatório não significa que seu produtor tenha dificuldades quanto ao manejo da linguagens cotidiana, e sim que ele não domina os recursos específicos da modalidade escrita. A escrita tem normas próprias, tais como regras de ortografia - que, evidentemente, não é marcada na fala - , de pontuação, de concordância, de uso de tempos verbais. Entretanto, a simples utilização de tais regras e de outros recursos da norma culta não garante o sucesso de um texto escrito. Não basta, também, saber que escrever é diferente de falar. É necessário preocupar-se com a constituição de um discurso, entendido aqui como um ato de linguagem que representa uma interação entre o produtor do texto e o seu receptor; além disso, é preciso ter em mente a figura do interlocutor e a finalidade para a qual o texto foi produzido. Para que esse discurso seja bem-sucedido deve constituir um todo significativo e não fragmentos isolados justapostos. No interior de um texto devem existir elementos que estabeleçam uma ligação entre as partes, isto é, elos significativos que confiram coesão ao discurso. Considera-se coeso o texto em que as partes referem-se mutuamente, só fazendo sentido quando consideradas em relação umas com as outras. Durigan, Regina H. de Almeida et alli. A dissertação no vestibular.In: A magia da mudança – vestibular Unicamp:Língua e literatura. Campinas, Unicamp, 1987.p.13-4. Estudo de Texto 1. O Primeiro parágrafo nos fala da capacidade de expressão dos alunos. Qual o contraste apontado? 2. Quais as diferenças entre o falar e o escrever levantados no segundo parágrafo? 3. Um texto escrito mal formulado não representa necessariamente falta de domínio da linguagem cotidiana. Justifique essa afirmação com base no terceiro parágrafo. 23
  • 25. 4. No seu trabalho de produtor de textos, você tem levado em conta a figura do receptor e a finalidade a que se propõe seu texto? Qual a importância desses elementos para a confecção do seu trabalho? Leitura e Produção de 5. Releia atentamente o último parágrafo e responda: Texto a) O que um texto não deve ser? b) O que é um texto coeso? 6. Você, ao escrever, fiscaliza seu trabalho, procurando construir textos coesos? Como? REDAÇÃO CRIATIVA REDAÇÃO CRIATIV TIVA Leia (e se puder também ouça) a música abaixo de Chico Buarque, Bom Conselho: Ouça um bom conselho Que eu lhe dou de graça. Inútil dormir que a dor não passa. Espere sentado Ou você se cansa. Está provado, quem espera nunca alcança. Venha, meu amigo, Deixe esse regaço. Brinque com meu fogo Venha se queimar. Faça como eu digo Faça como eu faço. Aja duas vezes, antes de pensar. Corro atrás do tempo, Vim de não sei onde. Devagar é que não se vai longe Eu semeio o vento, Na minha cidade. Vou pra rua e bebo a tempestade! Tente reconhecer a versão original dos provérbios usados por Chico como intertexto na música. 24
  • 26. De acordo com o que fez Chico Buarque, recrie os provérbios a fim de que o sentido veiculado seja contrário ao que diz o provérbio. a) Quem ama o feio, bonito lhe parece. b) Dia de muito, véspera de pouco. c) Quem dá aos pobres, empresta a Deus. d) Quem não vive para servir, não serve para viver. e) Deus dá nozes a quem não tem dente. f) Deus dá o frio conforme o cobertor. g) É melhor um passarinho na mão do que dois voando. h) Nada melhor do que um dia após o outro. i) Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. j) Casa de ferreiro, espeto de pau. k) Pirão pouco, o meu primeiro. l) Pense duas vezes antes de agir. m) Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento. n) Rapadura é doce, mas não é mole. o) Se casamento fosse bom não precisaria de testemunha. p) Quando casar, a dor passa. q) Quem espera sempre alcança. r) Se conselho fosse bom, ninguém dava de graça. s) Deus não dá asa a cobra. Criando Estilos Leia o texto abaixo: OS DIFERENTES ESTILOS ... Narra-se aqui, em diversas modalidades de estilo, um fato comum da vida carioca, a saber: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo sinais de morte violenta. ESTILO INTERJETIVO – Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno bairro de Ipanema! Coitado! Um homem desconhecido! Menos de quarenta anos! Um que morreu quando a cidade acordava! Que pena! ESTILO COLORIDO – Na hora cor de rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa Rodrigo de Freitas, um vigia de cor preta encontrou um cadáver de um homem branco, cabelos louros, olhos azuis, trajando uma calça amarela, casaco pardo, sapato marrom, gravata branca com bolinhas azuis. Para este, o destino foi negro. ESTILO ANTIMUNICIPALISTA – Quando mais um dia de sofrimento e desmandos nasceu para esta cidade tão mal governada, nas margens imundas, esburacadas e fétidas da Lagoa Rodrigo de Freitas, e em cujos arredores falta água há vários meses, sem falar nas freqüentes mortandades de peixes já famosas, o vigia de uma construção ( já permitiram, por debaixo do pano, a ignominiosa elevação de gabarito em Ipanema ) encontrou o cadáver de um desgraçado morador dessa cidade sem policiamento. Como não podia deixar de 25
  • 27. ser, o corpo ficou ali entregue às moscas que pulam naquele perigoso foco de epidemias. Até quando? ESTILO REACIONÁRIO – Os moradores da Lagoa Rodrigo de Freitas tiveram na manhã de hoje o profundo desagrado de deparar com o cadáver Leitura e de um vagabundo que foi logo escolher para morrer (de bêbado) dos bairros Produção de mais elegantes desta cidade, como se já não bastasse para enfeiar aquele Texto local uma sórdida favela que nos envergonha aos olhos dos americanos que nos visitam ou que nos dão a honra de residir no Rio. ESTILO ENTÃO – Então, um vigia de uma construção em Ipanema, não tendo sono, saiu, então, para um passeio de madrugada. Encontrou, então, o cadáver de um homem. Resolveu, então, procurar um guarda. Então, o guarda veio e tomou, então, as providências necessárias. Aí, então, eu resolvi te contar isso. ESTILO ÁULICO – À sobremesa, alguém falou ao Presidente que na manhã de hoje o cadáver de um homem havia sido encontrado na Lagoa Rodrigo de Freitas. O presidente exigiu imediatamente que um dos seus auxiliares telegrafasse em seu nome à família enlutada. Como lhe informassem que a vítima ainda não fora identificada, Sua Excelência, com o seu estimulante bom humor, alegrou os presentes com uma das suas apreciadas blagues. ESTILO COMPLEXO DE ÉDIPO – Onde andará a mãezinha do homem encontrado morto na Lagoa Rodrigo de Freitas? Ela que amamentou, ela que o embalou em seus braços carinhosos? ESTILO PRECIOSISTA – No crepúsculo matutino de hoje, quando fugia solitária e longínqua a Estrela D’alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela orla sinuosa e murmurante de uma lagoa serena, deparou com a lúrida visão de um ignoto e gélido ser humano, já eternamente sem o austro que o vivifica. ESTILO NELSON RODRIGUES – Usava gravata de bolinhas azuis e morreu! ESTILO SEM JEITO – Eu queria ter o dom da palavra, o gênio de um Ruy ou o estro de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever, porque nem todas as pessoas que têm sentimento são capazes de expressar esse sentimento. Mas eu gostaria de deixar ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti. Não sei se cabe a palavra sensibilidade. Talvez não caiba.Talvez seja tragédia. Não sei escrever, mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que foi isso. Triste, muito triste. Ah, se eu soubesse escrever. ESTILO FEMININO – Imagine você, Tutsi, que ontem que eu fui ao Sacha’s, legalíssimo, e dormir tarde. Com o Toni. Pois logo hoje, minha filha, que eu estava exausta e tinha hora marcada no cabeleireiro e estava querendo dar uma passada na costureira, acho mesmo que vou fazer aquele plissadinho, como o da Teresa, o Roberto resolveu me telefonar quando eu estava no melhor do sono. Mas o que era mesmo que eu queria te contar? Ah, menina, quando eu olhei da janela vi uma coisa horrível, um homem morto lá na beira da Lagoa. Estou tão nervosa! Logo eu que tenho horror de gente morta! ESTILO DIDÁTICO – Podemos encarar a morte do desconhecido encontrado morto à margem da Lagoa em três aspectos: a) policial; b) humano; c) teológico. Policial: o homem em sociedade; humano: o homem em si mesmo; teológico: o homem em Deus. Polícia em homem: fenômeno; alma a Deus: epifenômeno. Muito simples como os senhores vêem. CAMPOS, Paulo Mendes. Para gostar de ler, vol IV. São Paulo: Ed àtica, 1979. A notícia é uma só: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não 26
  • 28. existindo sinais de morte violenta. As variedades lingüísticas e de registro é que variam. Utilize a mesma notícia dada em vários estilos e a reescreva conforme os estilos abaixo: a) Seu próprio estilo; b) Estilo patricinha; c) Estilo Luís Inácio Lula da Silva; d) Estilo rapper; e) Estilo adolescente vidrado em internet; f) Estilo Gilberto Gil; Indicações de leitura... Preconceito Lingüístico “Diz-se que o “brasileiro não sabe Português” e que “Português é muito difícil”; estes são alguns dos mitos que compõem um preconceito muito presente na cultura brasileira: o lingüístico. Tudo por causa da confusão que se faz entre língua e gramática normativa ( que não é a língua, mas só uma descrição parcial dela). Separe uma coisa da outra com este livro, que é um achado”. Revista Nova Escola, maio de 1999. O livro a que a revista Nova Escola se refere é Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, Marcos Bagno. Uma boa leitura para fazer uma auto-análise de quantos preconceitos lingüísticos nós possuímos por mero desconhecimento do que realmente é a língua. Narradores de Javé Ficha Técnica Ano de Lançamento (Brasil): 2003 Direção: Eliane Caffé Roteiro: Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé Elenco José Dumont (Antônio Biá) Matheus Nachtergaele Gero Camilo Somente uma ameaça à própria existência pode mudar a rotina dos habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que eles se deparam com o anúncio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes acontecimentos heróicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos moradores é analfabeta, a primeira tarefa é encontrar alguém que possa escrever as histórias 27
  • 29. TEXTOS: TIPOS E GÊNEROS Leitura e Produção de Texto TECENDO PALAVRAS E SENTIDOS “A palavra texto provém do latim textum, que significa “tecido, entrelaçamento”. Há, portanto, uma razão etimológica para nunca esquecermos que o texto resulta da ação de tecer, de entrelaçar unidades e partes a fim de formarmos um todo inter-relacionado. Daí podermos falar em textura ou tessitura de um texto: é a rede de relações que garantem sua coesão, sua unidade”. Segundo Fiorin (2003), “não é amontoando os ingredientes que se prepara uma receita; assim também não é superpondo frases que se constrói um texto”.Utilizando ainda a origem etimológica do termo, percebemos que um fio nem milhares deles compõem um tecido. Para existir tecido é preciso que os fios, mesmo os mais diferentes entre si, formem uma unidade, uma teia. Assim, também é com o bolo, pois colocar leite, ovos, manteiga, açúcar e farinha de trigo num recipiente não resulta em bolo. Para que estes ingredientes se transformem em bolo, é preciso que passem por vários processos, ou seja, acontece uma metamorfose daqueles ingredientes que compunham meras individualidades e agora passam a ser uma unidade composta pela diversidade. Num texto , as partes não possuem significados independentes, mas cada sentido se relaciona com o outro a fim de construir um sentido global. Entretanto, este não é dado pela soma das partes, mas sim por uma combinação geradora de sentidos. Todo texto possui algumas propriedades,O texto possui algumas pou seja, algumas especificidades básicas que o tornam texto. São elas: a coerência de sentido, a delimitação por dois brancos e o fato de ser produzido por um determinado sujeito num certo espaço e tempo. Possuir coerência de sentido significa que os símbolos constituintes do texto não estão jogados no papel. Eles se inter-relacionam. Por isso, é perigoso ler as partes do texto, juntá-las e conferir a elas um sentido global, pois o contexto em que se insere é determinante para a compreensão do sentido. O contexto, declara Fiorin (2003), “é a unidade maior em que uma unidade menor está inserida. Assim a frase (unidade maior) serve de contexto para a palavra; o texto, para a frase etc”. “Poder-se-ia, assim, conceituar o TEXTO como uma manifestação verbal, constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos co-enunciadores, durante a atividade verbal, de modo a permitir-lhes, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais” (Koch, 1992). 28
  • 30. Ao observarmos os dois exemplos abaixo, quais deles chamaríamos de texto? Das falsas posições Mário Quintana Com a pele do leão vestiu-se o burro um dia. Porém, no seu encalço, acad instante e hora, “Olha o burro! Fiau! Fiau!”, gritava a bicharia... Tinha o parvo esquecido as orelhas de fora! Geralmente, associamos somente texto ao que está escrito. Todavia, se pensarmos na primeira propriedade, coerência de sentido, perceberemos que os três exemplos acima possuem coerência, apesar de os dois primeiros serem constituídos de imagens, figuras geométricas, forma; e o terceiro, de palavras. Podemos perceber que os exemplos acima não são um ‘amontoado’ de signos; eles formam um todo significativo. Além disso, possuem um contexto ora explícito, ora implícito, mas determinantes na compreensão textual. A segunda propriedade parece irrelevante, para nós que temos contatos cotidianos com os textos. É possível dizer que em nossa sociedade somos ‘bombardeados’ por textos o tempo inteiro. Entretanto, de fato todo texto é delimitado por dois espaços vazios, isto é, por dois espaços de não-sentido. Um antes dele, outro depois. E eles, por incrível que pareça, têm uma função ímpar: sinalizar onde começa e onde termina o texto. Vejamos uma fotografia do francês, radicado na Bahia, Pierre Verger. Tal imagem chama-se ‘O olhar enigmático de Pierre Verger” que pode ser encontrada no site “http://www2.petrobras.com.br/ CulturaEsporte/ingles/cultura/ArtesVisuais/PierreFatumbi.htm”. 29
  • 31. É fácil identificar onde começa a fotografia e onde termina. Assim, o leitor percebe que só o que interessa para conferir sentido à imagem é o que está dentro do espaço delimitado pelos dois brancos. Leitura e Por último, todo texto é produzido por um sujeito, e este, por estar atrelado ao seu tempo e ao seu espaço, sempre constrói sua produção, Produção de revelando os ideais e concepções de um tempo e de um espaço. Por isso, um Texto leitor competente não faz a pergunta superficial: o que o autor quis dizer? Mas no lugar dela, procura saber: quem foi o autor? Onde e quando ele produziu tal texto? Tais elementos, sim, serão de suma importância para o entendimento do texto. Se, ao lermos um texto de Machado de Assis, quisermos saber o que ele quis dizer, teremos que perguntar a ele, e como o referido autor está morto, só temos duas saídas: ou ir até lá ou fazermos uma sessão espírita. Todas as duas alternativas podem configurar-se como esforços desnecessários, já que como leitores competentes nós mesmos podemos apreender o sentido do texto. No primeiro anúncio publicitário, a fotografia da mulher, seu penteado e vestuário nos remetem à década de 50 do século XX, assim como a embalagem do produto. Quanto à linguagem, encontramos o uso do termo dentifrício no lugar do mais moderno pasta de dente. Já no segundo, a mulher, sua roupa e postura já denunciam um outro tempo. Além disso, temos um bem tecnológico que sequer existia na época da veiculação da primeira propaganda. As Possibilidades Textuais: Texto Literário e o Texto Não-Literário O Texto Verbal e o Texto Não-Verbal O texto pode ser literário ou não. O literário possui, como marca de sua produção, a informação estética; já no não literário, a informação é semântica. O quadro abaixo, construído pelo professor baiano, Jayme Barros, em seu livro Encontro de redação, é bastante elucidativo para compreendermos as diferenças entre estes dois formatos textuais. 30
  • 32. INFORMAÇÃO SEMÂNTICA (texto não-literário) 1. A informação tem um sentido unívoco e exige do receptor uma percepção racional, uma compreensão lógica. O receptor é atingido em sua inteligência: ou a mensagem é compreendida ou deixará de ter sentido. 2. A essência é, portanto, a verdade. A beleza torna-se acidental, pois não se busca, em essência, atingir a sensibilidade do receptor. 3. Os signos têm um valor denotativo, por isso são traduzíveis. 4. O conhecimento prévio da mensagem provoca uma saturação; esgota a mensagem, INFORMAÇÃO ESTÉTICA (texto literário) 1. A informação tem um significado plurívoco, busca atingir a sensibilidade do receptor. Exige dele uma percepção sensorial. Mesmo sem a compreensão lógica da mensagem, ela tem um sentido estético: toca a sensibilidade do receptor. 2. A essência é, portanto, a beleza, o prazer estético provocado pela obra, que poderá ter ou não um sentido lógico. A obra referir-se ou não a uma verdade ou fato cientificamente comprovado torna-se secundário. 3. Os signos têm um valor conotativo, por isso não são traduzíveis. 4. O conhecimento prévio da mensagem não provoca um esgotamento. Ao contrário, a depender da percepção sensorial do receptor, do gostar ou não gostar da obra, o conhecimento prévio da mensagem poderá provocar a busca de novos contatos com a obra. Leia os dois textos abaixo: TEXTO 1 Poema tirado de uma notícia de jornal João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia, num barracão sem número Um noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Manuel Bandeira TEXTO 2 Garçom morre após briga de bar Por volta de 2h40min da madrugada de sábado, depois de ter se envolvido numa briga iniciada por um amigo, num bar na Rua Direta do Canal do Bate Estaca, o garçom Roberto Moreira da Cruz, 26 anos, saiu do estabelecimento de motocicleta. Uma das pessoas com quem ele tinha brigado disparou com arma de fogo e o matou com um tiro nas costas. As informações são da irmã dele, a ambulante Roberta Aparecida Santos da Cruz, 31
  • 33. 22 anos, que prestou depoimento na 3ª Delegacia de Polícia. O garçom era pai de duas crianças, de 2 e 4 anos, mas não era casado. A investigação está sendo conduzida pela delegada Sônia M. Reis Paiva. Jornal A Tarde, 02 de outubro de 2005. Leitura e Produção de No texto 2 é explícito o compromisso com o relato do fato da forma Texto mais próxima daquela em que ele ocorreu, por isso há tantos detalhes e informações relevantes para a compreensão do contexto. O leitor, para compreendê-lo, usará aspectos racionais. Já no texto 1, não há uma preocupação do autor em descrever o fato, em dar detalhes do acontecimento, não se sabe a razão do suicídio. A intenção do autor é atingir a emoção do leitor ao colocá-lo frente à morte, seja trágica ou não, pois sempre nos desestabiliza e assusta. Por fim, o leitor do texto 1 poderá não ter uma compreensão lógica do acontecimento, mas certamente se permitirá a diversas interpretações. Já no texto 2, só há uma possibilidade de compreensão do texto, caso o leitor não a capte, estará demontrando que não o compreendeu. O texto pode ser verbal ou não-verbal. Isto quer dizer que podemos construir um texto somente com imagens, figuras, cores. A este tipo de texto, chamamos de texto não-verbal. Caso o texto seja composto por palavras faladas ou escritas, teremos um texto verbal. É possível haver textos constituídos tanto por palavras quanto por imagens, estes serão considerados como textos mistos. A tela de Candido Portinari denominada “Os retirantes” é um texto não-verbal, e o trecho da obra Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto é verbal. Note que ambos discorrem sobre o mesmo tema; a forma como organizam a mensagem é que é diferente. O primeiro só se utiliza de imagens, cores e formas, enquanto o segundo usa palavras. Os Retirantes. Candido Portinari 32
  • 34. O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É, E A QUE VAI - O meu nome é Severino, iguais em tudo na vida: como não tenho outro de pia. na mesma cabeça grande Como há muitos Severinos, que a custo é que se equilibra, que é santo de romaria, no mesmo ventre crescido deram então de me chamar sobre as mesmas pernas finas Severino de Maria; e iguais também porque o sangue, como há muitos Severinos que usamos tem pouca tinta. com mães chamadas Maria, E se somos Severinos fiquei sendo o da Maria iguais em tudo na vida, do finado Zacarias. morremos de morte igual, Mais isso ainda diz pouco: mesma morte severina: há muitos na freguesia, que é a morte de que se morre por causa de um coronel de velhice antes dos trinta, que se chamou Zacarias de emboscada antes dos vinte e que foi o mais antigo de fome um pouco por dia senhor desta sesmaria. (de fraqueza e de doença Como então dizer quem falo é que a morte severina ora a Vossas Senhorias? ataca em qualquer idade, Vejamos: é o Severino e até gente não nascida). da Maria do Zacarias, Somos muitos Severinos lá da serra da Costela, iguais em tudo e na sina: limites da Paraíba. a de abrandar estas pedras (...) suando-se muito em cima, Somos muitos Severinos a de tentar despertar 33
  • 35. terra sempre mais extinta, a de querer arrancar Leitura e alguns roçado da cinza. Produção de Texto Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra. O Texto e os Fatores de Contextualidade Em 1983, Beaugrande e Dessler selecionaram sete características que conferem a alguma coisa o caráter de texto. Ao considerarmos algo como texto, perceberemos que nele aparecem os fatores abaixo: 1. Coesão 2. Coerência 3. Intencionalidade 4. Aceitabilidade 5. Situacionalidade 6. Informatividade 7. Intertextualidade Coesão e Coerência serão temas discutidos no próximo tópico devido a enorme relevância que possuem no processo de construção textual. Além disso, são nesses aspectos que os produtores de texto mais cometem falhas. Todo produtor tem uma intenção na produção textual; planeja o texto e o produz na tentativa de satisfazer sua meta. A este fator denominamos intencionalidade. Por outro lado, o receptor, ao se mobilizar para ler um texto, gera uma gama de expectativas e pré-concepções em torno dele. Saber quem é o autor e a época o fará inferir, por exemplo, sobre o tema do texto. Seus repertório de leitura e arcabouço de conhecimentos o possibilitarão compreender o texto de forma parcial, ampla ou superficial. A este fator denominamos aceitabilidade. No mundo em que vivemos, em nosso cotidiano, circulam diversos tipos de texto. Entretanto, eles são diferentes entre si. Uma palestra sobre a importância da leitura será muito diferente de uma conversa num bar entre dois amigos. A linguagem usada em uma situação será muito diferente da outra, assim como o grau de intimidade entre emissor e 34
  • 36. receptor. Sendo assim, cada contexto sócio-comunicativo requer uma produção de texto mais pertinente a si mesmo. A esse fator denominamos situacionalidade. Todo texto tem como característica peculiar a função referencial da linguagem, ou seja, ele informa sobre algo. Por isso, o autor deve fornecer ao leitor uma suficiência de dados necessários à compreensão do texto. A esse fator denominamos informatividade. A lingüista Júlia Kristeva declara que o texto é um mosaico de citações. Isto significa que não produzimos um texto do nada; todo texto é fruto das informações e conhecimentos prévios que possuímos. Sendo assim, a leitura de mundo e de palavra escrita é determinante para a produção textual. Por isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, que traçam diretrizes para o ensino das escolas brasileiras, informam a ineficácia do estudo da gramática normativa para formar leitores e produtores de texto. Segundo os PCN, é a leitura que subsidia o produtor de textos no exercício da criação. Desta forma, não há como não aparecerem implicitamente ou explicitamente – por meio de citações, paródias ou pastiches - outros textos em um texto. A esse fator denominamos intertextualidade. Coesão e Coerência: A Construção de Sentidos e seus Mecanismos A coerência é o fator responsável pelo estabelecimento do sentido no texto, pois a partir dela ocorre o acerto das partes com relação ao todo. Um texto sem coerência perde o princípio da interpretabilidade textual, ou seja, torna-se não-inteligível em relação a situação comunicativa. Como afirmado anteriormente, o texto é como um mosaico, pois se constitui de elementos diversos e diferentes entre si; todavia,z o entrelaçamento destas partes forma uma unidade. A coerência é estabelecida nas relações entre os usuários do texto. Tipos de coerência: a) Semântica: relação entre os significados. “Vamos deixar de sermos egoístas e pensarmos um pouco mais em nós mesmos”. O significado do termo egoísta refere-se ao indivíduo pensar e agir apenas em prol de si mesmo, se o autor propõe que não se pense em si mesmo somente, como ele pode conclamar a “pensarmos mais em nós mesmo” que é a mesma coisa? Forma coerente: Vamos deixar de ser egoístas e pensar mais nos outros. b) Sintática: uso de recursos sintáticos. “O Renato é meu filho, mas ele se parece comigo”. Muitas vezes, não sabemos usar os recursos lingüísticos, pois desconhecemos os significados das preposições, conjunções, etc. Por exemplo, a conjunção “mas” dá a idéia de oposição. Assim, espera-se encontrá-la entre duas orações que se oponham ou se contradigam. Se Renato é filho de alguém, espera-se que ele se pareça com alguém, não há nenhuma contradição nisso. Haveria se Renato não se parecesse. Forma coerente: O Renato é meu filho, por isso ele se parece comigo. c) Estilística: adequação do texto ao estilo ou registro pertinente. “Prezado Antônio, neste momento quero expressar meus sentimentos por seu pai ter vestido o paletó de madeira, ter ido comer capim pela raiz....”. 35